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A batalha que será travada neste campo carrega em si o peso de séculos.

O
tabuleiro foi montado desde a era clássica, carregando, em cada canto deste a
somatória de pensadores, disciplinas, teses e teorias para sustentar seu lado.
A busca pela resposta moveu a filosofia desde tempos imemoriais, movendo
consigo grandes no pensamento humano, como Platão, Descartes, Boécio.
Moveu, também, historiadores, sociólogos, antropólogos, psicólogos, biólogos
e outros. Tomando como base a obra Sociologia e Antropologia, do sociólogo
francês Marcel Mauss, nos deteremos ao capítulo que vem a interessar este
ensaio e elucidar o problema oriundo desta tese, “Uma categoria do espírito
humano: a noção de pessoa, de “eu””, pondo-a de frente com a filosofia
cartesiana- o lado oposto neste tabuleiro- e especular como ambas as teses se
refletiriam no meio social, político e jurídico, em lados opostos de um mesmo
prisma.

Prior nos estudos da consciência, Descartes pregava o inatismo do “eu”, a


consciência indefinida capaz de pensar, sentir, duvidar, e que é o cerne do
“ser”, do “existir”. Trabalha a consciência do “eu” e a noção de si como
substância inata e intrínseca, inerente a cada indivíduo, constituindo
identidades diferentes, entretanto com as mesmas propriedades- pensar,
sentir, duvidar, imaginar. Segundo Descartes, toda mente, na medida em que
pensa, é capaz de duvidar de tudo: do que sente, já que seu corpo e suscetível
a ser falso, visto que em sonhos a mente há de sentir coisas que o corpo de
fato não sentiu; do que vê, já que o sentido da visão pode lhe enganar quanto à
figuração das imagens; o tato, o paladar, o olfato, até a imaginação- já que a
imaginação nada mais é que figurar um corpo na mente, a partir de imagens
pré-fabricadas pela lembrança. Contudo, a lembrança pode ser falsa e
deformada (Descartes abre um parênteses sobre a imaginação, ele diz: “E
certamente tenho também a potência de imaginar, pois, ainda que possa
acontecer (como supus anteriormente) que as coisas que imagino não sejam
verdadeiras, não obstante essa potência de imaginar não deixa de estar
realmente em mim, e faz parte de meu pensamento”). Então a noção de “eu”
não é construída, segundo o pensamento cartesiano, ao longo da vida, da
História. Ela não é incrementada, somada, adereçada ao longo da História e no
choque de civilizações e de pensamentos. A noção de “eu” é pré-estabelecida
e metafisicamente disposta em cada indivíduo, de modo que, pensar, duvidar,
desconstruir (segundo o Método cartesiano), essas capacidades são categorias
para se identificar um ente como um ser humano, a noção de “eu” em cada um,
em cada sociedade, em cada canto do mundo, ao longo do tempo, ao longo da
História, é descoberta, desvendada, mas já pré-estabelecida. Remetendo à
clássica teoria da reminiscência platônica (que Descartes joga ao lado no
tabuleiro, fermentando suas ideias inatistas), através do pensar, a noção
desenrola-se no ser, até que haja a compreensão do ente como persona por si
próprio.
A biologia tenta dar um caráter físico ao ser, que jogando ao lado da
psicologia traz uma noção física e natural da consciência de “eu” pelo
indivíduo, e que conforme fosse desenvolvendo a maturidade mental no ente,
essa noção de igual modo amadureceria, se expandiria e desenvolveria, ou
seja, a racionalidade caracterizaria o ser humano, a característica racional de
pensar faria desenvolver as noções de “eu”. Descartes refutou esse prisma de
observação ao dar um caráter metafísico a essa categoria do espírito (da alma,
como ele afirmou), e tratou logo de dizer: “Sem dificuldade, pensei que era um
homem. Mas o que é um homem? Direi que é um animal racional? Não, por
certo, pois seria preciso depois investigar o que é um animal, e o que é
racional.” E sobre o inatismo do “Eu” e o pensar como o cerne dessa categoria,
da fundamentação da existência do ente, e de sua caractrização como um ser
humano, e além de ser humano, ter uma consciência de ser uma “pessoa”,
René Descartes afirmou: “Ora, eu sou uma coisa verdadeira e verdadeiramente
existente; mas que coisa? Disse-o: uma coisa que pensa. E que mais?
Excitarei ainda minha imaginação para procurar se não sou algo mais. Não sou
esse conjunto de membros, a que chamam o corpo humano; não sou um
vento, um sopro, um vapor, nem nada de tudo o que posso fingir e imaginar, já
que supus que tudo isso nada era e que, sem mudar essa suposição, Noto que
não deixo de estar certo de que sou alguma coisa.” Então, tomando como falso
todo conhecimento empírico, o filósofo trabalha os conhecimentos racionais e a
epistemologia platônica da reminiscência, dos conhecimentos pré-
estabelecidos, conhecidos, contudo esquecidos, para trabalhar a consciência
humana da própria existência.

Há então dois problemas, um apresentado pelo próprio Descartes, e outro que


a biologia ajudaria a evidenciar. Há, na teoria platônica do conhecimento e a
cartesiana do mediante o pensar, é que em ambos há uma figura metafísica
deturpadora desse conhecimento, desse pensar. No diálogo de Sócrates com
Menôn, relatado por Platão, há a descrição do rio Er, que ao beirar sua
margem a caminho da nova vida, a alma vai se esvaindo, se esquecendo, dos
conhecimentos adquiridos no Mundo das Ideias. Na teoria cartesiana, há a
figura do gênio maligno, do ser enganador, “que prega completamente suas
forças e sua indústria em me enganar”, que deturparia e tornaria enganoso o
conhecimento adquirido pela mente. A pergunta óbvia que se faz é: se há um
ente que deturpa o conhecimento, e se é através do pensar e seus méritos que
se adquire o conhecimento, tendo em vista que é o pensar (e em seus méritos
também) que se encontra, formula e desenvolve a noção de “eu” no ente, como
não afirmar que esse conhecimento, chegando deturpado ao pensamento, por
meio deste também não deturparia e tornaria falsa a consciência de “persona”
de um indivíduo? Este problema, junto com o supracitado, mas não
esclarecido, será novamente abordado mais à frente no texto, conforme
vermos o outro lado do tabuleiro.
Do lado das peças brancas desse xadrez (cor atribuída pela recência da tese,
comparada à de Descartes) está Marcel Mauss, teoricamente do lado dos
empiristas na sua concepção de “ser” e de “eu”. Na contramão e contra todo o
pensamento inatista de Descartes, Mauss constrói uma sociologia e uma
compreensão da noção de “eu” construída ao longo da história social da
humanidade. Há uma progressão, modificação e adereçamento das ideias de
sociedade em sociedade, em cada espaço de tempo, em cada tempo no
espaço. Abordando a contribuição dos romanos, dos cristãos, dos gregos,
entre outros, o francês cria uma noção de “eu” não inerente ao individuo,
concepção esta construída junto à sociedade. Sobrinho de Émile Durkheim,
Marcel Mauss bebeu na fonte da sociologia do tio, ao pensar o
desenvolvimento da categoria do eu, uma contribuição da sociedade para com
o indivíduo. Percorreu os continentes e as épocas para compreender o
surgimento e a elaboração deste conceito. Não é inerente, pois esta noção,
segundo ele, foi modificando-se ao longo da história. Afinal, se fosse inerente a
cada um, não haveria essas mudanças e divergências entre os povos, como
ele mostra com exemplos. Não se trata, também, de uma questão linguística.
Ele conclui, e sob esse prisma constrói o capítulo analisado, que o conceito de
“eu” é fruto da história social dos povos e sociedades. Da história social da
humanidade.

Essa concepção é sim modificável, é sim desenvolvível, abrangendo em si a


metafísica dos cristãos, a moral dos gregos, o caráter jurídico dos romanos et
cetera.

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