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FASCISMO: DE DIREITA OU DE ESQUERDA?

Fascismo: de direita ou de esquerda? Esse debate vem se proliferando no Brasil.


Pensando bem, não existe debate algum, apenas grupos que de um lado a outro bradam e
vociferam como loucos em uma autêntica conversa de surdos. Este modo de encarar a
questão tem sua razão de ser, como tudo, alias. De um lado, se acentua o termo “nacional-
socialismo” encrustado no nome do Partido Nazista, sua bandeira vermelha, a militância
de Mussolini no Partido Socialista Italiano etc. Do outro lado do front, o enquadramento
do fascismo como um movimento de ultra-direita é tomado como algo historicamente
inquestionável. Somente ignorantes pensariam o contrário. Como demonstraria o
nacionalismo exacerbado das organizações fascistas e seu anticomunismo radical. O circo
está armado. Vejamos um exemplo desse debate entre surdos.
Em artigo publicado pela BBC Brasil a historiadora Denise Rollemberg diz que tudo
se trata de uma grande confusão. Segundo ela, “Não era que o nazismo fosse à esquerda,
[...] O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse
nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro,
que o marxismo tinha”. O curioso é que o argumento usado por Rollemberg é idêntico ao
daqueles que dizem ser o fascismo [nazismo] de esquerda. Segundo eles, o nazismo não
seria uma variante do marxismo, mas se encontraria dentro do espectro da esquerda. Os
marxistas seriam os socialistas internacionalistas, enquanto o fascismo representaria uma
vertente socialista nacionalista. O esclarecimento de Denise, portanto, antes de esclarecer,
apenas remete ao âmago mesmo de toda confusão.
Outro aspecto que turva o esclarecimento da questão é que a definição do fascismo
como sendo um movimento de extrema-direita ou alguma variante análoga se encontra em
todos manuais, livros didáticos, bem como nas referências ao fascismo comumente
presentes nos artigos publicados na grande mídia. A tal ponto que se tornou um lugar
comum. A ruptura com todo lugar comum gera estranheza, perplexidade, pertubação.
Apesar dessa aparente obviedade o tema é, entre nós, muito mal conhecido e
toscamente estudado. E os intelectuais ditos “de esquerda” não são nem de longe uma
exceção. Basta ensaios abundantes que saíram sobre o tema no período recente. Citam,
abundantemente, obras escritas por autores com finalidade aberta de combate ao fascismo,
ou obras sociológicas que visam a conceituação do termo. No entanto, em todos esses
ensaios, não se vê uma referência que aborde com maior fôlego a história mesma dos
movimentos e países envolvidos, nenhuma menção das as fontes primárias, nenhuma
biografia de seus principais agentes. Em se tratando de uma polêmica, é igualmente
fundamental conhecer a genealogia mesma do debate, a fundamentação dos pontos de
vista que se contesta. Tudo isto está de todo ausente nos artigos sobre o tema publicados
pela esquerda brasileira. Seria a questão tão evidente que nem sequer mereceria alguma
atenção? Não acreditamos. Vejamos.

Mentindo com beleza


É, sem dúvida, um grande erro analisar um fenômeno político unilateralmente pelos
discursos de seus agentes. Sobretudo no caso do fascismo que, como mostra Modris
Eksteins, baseava seus discursos mais em motivos estéticos e subjetivos do que racionais e
objetivos. Na expressão desse autor, tratava-se de “mentir com beleza”. “A política se
tomaria ‘verdadeiro’ teatro, em oposição à pose solene da era democrática” (EKSTEINS,
1992, p.395) ou, na expressão de Walter Benjamin, o fascismo foi a “estetização da política”
(BENJAMIN, 1985). E de fato, foi assim. Feita esta ponderação, cabe observar que os
adeptos dogmáticos da tese o “fascismo foi de extrema-direita”, tese esta tomada como
algo autoevidente e trivial, ficariam perplexos se consultassem os discursos de Mussolini,
Hitler, Goebbels e outros tantos. Ali existe uma crítica voraz ao comunismo e … ao
capitalismo, termo este identificado pelos partidos fascistas com o sistema e regimes
políticos europeus da época. Se, por um lado, parecem conservadores radicais ao
defenderem a supremacia nacional pretérita, as glórias da raça, de seus personagens, suas
cidades históricas e assim por diante; por outro, parecem revolucionários, pois seus
discursos estão orientado para o futuro. Um futuro que não é reedição do passado glorioso,
mas a realização de um “novo tipo de ser humano”, “um novo sistema social” e “uma nova
ordem internacional”. Em não poucos vezes é no vocabulário dos movimentos
revolucionários socialistas da época e, até mesmo, em seus referenciais teóricos que o
fascismo vai buscar a fundamentação e a forma de seus discursos.
Para citar alguns exemplos, um dos principais dirigentes e ideólogo do fascismo
francês, Pierre Drieu La Rochelle, dizia em um dos seus ensaios (1934) que o verdadeiro
socialismo é o fascismo. Entre suas influências, menciona Georges Sorel, Saint-Simon,
Charles Fourier e Proudhon. Sorel, alias, considerados por muitos um socialista romântico
ou um marxista heterodoxo foi referência de grande parte dos ideólogos do fascismo
italiano, inclusive Mussolini que, alias, como se sabe, foi expulso do Partido Socialista
Italiano. Não sem razão, o tom e terminologia de seus discursos irá manter, para sempre,
reminiscências de sua fase socialista. E o que é pior. Não se trata de um caso isolado. Os
primeiros Fascios são fundados a partir de um grupo que ficou conhecido como
Sindicalistas Revolucionários. Estes grupos surgiram em reação a tendência reformista no
interior do Partido Socialista Italiano, e, depois, se consolidaram organizativamente em
apoio a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial. Para se ter uma ideia desse
processo, e da terminologia empregada, citamos um pequeno trecho do Manifesto
Inaugural do Fascio Rivoluzionario d’Azione Internazionalista, organização criada pelos
Sindicalistas Revolucionários e embrião do futuro Partido Nacional Fascista:

“acreditamos que não é possível ultrapassar os limites das revoluções nacionais sem
passar primeiro pela fase da própria revolução nacional. […] Se cada povo não viver
no interior do quadro das suas fronteiras nacionais, formadas pela língua e pela
raça, se a questão nacional não estiver resolvida, não poderá existir o clima histórico
necessário ao desenvolvimento normal de um movimento de classe” (STERNHELL,
1994, p. 205)

Mas não é sustentável a tese de que o fascismo foi uma dissidência do partido
socialista. O fascismo italiano reuniu influências e grupos diversos, tendo como um dos
principais ideólogos o nacionalista de direita Enrico Corradini. Ele fundou em 1910 a
Associação Nacionalista Italiana (ANI) que se unificará oficialmente com o Partido de
Mussolini em 1923, após alguns anos de atuação em comum. O que nos interessa todavia
no presente contexto é a especificidade da concepção nacionalista de Corradini e
penetramos, assim, no âmago de toda confusão. Ao contrário de outros líderes
nacionalistas, Corradini atribuía um papel progressista as classes subalternas e procurou
fazer com que a ideologia nacionalista penetrasse nas massas trabalhadoras. Cunhou,
assim, a noção de nações proletárias, dominadas na arena internacional, como seria o caso
da Itália, contraposta as nações dominantes ou as nações burguesas. Tratava-se de
substituir a luta de classes entre patrões e empregados pela luta entre as nações pela
dominação imperialista mundial. Eis o primeiro grande ideólogo do fascismo.
Para colocar mais ingredientes na sopa, o fascismo recebe ainda a colaboração dos
futuristas, intelectuais fascinados com a industrialização. Entusiastas da modernidade do
século XX. A formação do Partido Nacional Socialista na Alemanha é ainda mais difusa,
ainda que sem qualquer lastro minimamente consistente nos partidos socialistas e
comunistas do país. Não retomaremos este processo aqui.

Direita e esquerda: o mundo encantado dos conceitos


O que nos interessa nessa breve descrição é assinalar que a presente questão está
distante de se reduzir a trivialidade com que os campos ditos de “esquerda” ou de “direita”
apresentam o problema. Não sem razão, longe de ser uma “novidade historiográfica”, este
debate é bem antigo.
Suas origens remetem ao debate sobre o conceito de totalitarismo, quase
onipresente nas décadas de 50 e 60 do século XX. O termo foi apropriado pelos próprios
partidos fascistas no sentido de indicar a presença do Estado em todos os âmbitos da vida
social: “Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado”, assim dizia
Mussolini. Mas em seguida, a noção foi contrabandeada em conceito. Autores como Franz
Neumann e Hannat Arendt definem o totalitarismo, conceitualmente, como uma “oposição
radical ao estado liberal” (CHASIN, 1977) e, desde modo, reúnem o fascismo e o stalinismo
(e suas variantes, supostamente identificadas com “o comunismo”) em um único conceito.
Enquanto um conceito artificial criado por liberais de meados do século passado, o
totalitarismo se apresentava como o reverso da medalha de face liberal, sob o qual se
julgava os regimes políticos do mundo todo.
Esta é a arte das ciências humanas contemporâneas: a fábrica dos conceitos. Os
conceitos não mais procuram expressar “formas do ser”, “determinações da existência” ou
seja, aspectos da realidade reunidos segundo critérios objetivos, mas ganham autonomia,
caminham com pernas próprias. Agora, no mundo fantástico e encantado das ciências
humanas, a realidade é julgada à luz dos conceitos criados pelos experts. Como gostam de
sugerir os professores acadêmicos em suas orientações: nesse caso, use tal conceito,
naquele outro, o conceito tal. A questão de se o fascismo é “de esquerda” ou “de direita” é
apenas a reencarnação da questão do totalitarismo, posta em forma ainda mais tosca e
pouco rigorosa. Afinal de contas, que cargas d'água é esquerda e direita?
Historicamente, tais termos sempre possuíram um uso relativo, pragmático. Define-
se esquerda, circunstancialmente e localmente, em relação a direita e vice-versa; tendo
como referência, costumeiramente, as duas posições dominantes no espectro político de
um dado país. Não sem razão, nos Estados Unidos, cujo espectro político é dominado pela
contraposição liberais – conservadores, os primeiros são “a esquerda”, os segundos “a
direita”, ainda que tais organizações sejam mais heterogêneas internamente que a
contraposição liberais versus conservadores faz parecer. Fato é que os termos “esquerda” e
“direita” não possuem substância, não possuem uma conceituação objetiva passível de ser
determinada em si e por si mesmas, dando margem a todo tipo de trapaças teóricas. Cada
autor define esquerda e direita como lhe convém, de forma a atingir os objetivos
previamente almejados. A questão, portanto, de se o fascismo é de esquerda ou de direita
é, desde o início, uma armadilha.
Mas a polêmica não é um exotismo brasileiro. Ainda em 1974, a defesa do fascismo
como uma corrente tipicamente de esquerda é defendida pelo conservador austriaco Erik
von Kuehnelt-Leddihn em seu livro Leftism, From de Sade and Marx to Hitler and
Marcuse. Mais recentemente, em 2008, a tese foi reerguida por Jonah Goldberg no livro
Liberal Fascism: The Secret History of the American Left, From Mussolini to the Politics
of Meaning. Este livro chegou a ocupar a primeira posição no ranking de vendas nos
Estados Unidos por algumas semanas, considerando apenas obras de não-ficção. Golberg
vai mais longe no jogo de conceitos: procura identificar, por meio de analogias e
comparações externas de todos os tipos, o parentesco entre Socialismo, Fascismo e …
Liberalismo.

Fascismo e relações sociais capitalistas


Os cientistas políticos podem criar os conceitos que lhe apetecerem. Nós não temos
a intenção de agregar a esta fábrica um novo produto de nossa própria lavra. O que
realmente importa esclarecer quanto a esse tema é o seguinte: o fascismo, em todas as suas
variantes (italiana, alemã, espanhola), jamais procurou, nem em discurso nem em ato,
criar um programa que traduzisse os interesses objetivos da classe trabalhadora ou mesmo
dos setores subalternos da sociedade. Antes disso, o que está em questão são os interesses
da nação tendo em vista o expansionismo imperialista ou pelo menos a intervenção em
outros países. Trata-se, portanto, de uma disputa inter-capitalista entre nações. A
novidade, nesse caso, foi tentar ganhar as massas populares em torno desse projeto
nacional, mas sob nenhum aspecto fundar um movimento que procure representar seus
interesses particulares. Por isso, no termo “nação proletária” o atributo proletária apenas
confere a nação uma posição subalterna no sistema internacional de estados, sendo a
nação o sujeito absoluto do processo, tomada como um corpo orgânico homogêneo: como
um indivíduo coletivo.
A consequência da aplicação desse conceito, nação proletária, salta aos olhos:
dissolver os interesses específicos do proletariado nos interesses ditos nacionais, isto é, a
disputa imperialista mundial. Daí a criação do corporativismo sindical, a integração dos
sindicatos ao Estado e a destruição completa de sua liberdade. Daí a retórica da
“revolução” que nada mais significa do que o militarismo paramilitar na esfera interna e a
guerra na esfera esterna. Apesar de forte intervencionismo econômico, a propriedade
privada não está, de modo algum, em questão. Nos 26 pontos da Falange espanhola
podemos ler: “o Estado irá reconhecer a propriedade privada como um meio válido de
chegar a fins individuais, familiares e sociais e irá protegê-la contra os abusos da Alta
Finança, dos especuladores e usurários”. A “revolução” fascista, portanto, se sustenta em
uma economia baseada nas leis do mercado (STERNHELL, 1994, p.7).
Em síntese, é central para o fascismo a ideia de ordem e harmonia interna obtida
pela intervenção política direta, sem que, para isso, seja necessário uma revolução na
forma de organização social. É, desse ponto de vista, absolutamente conservador. A
transformação almejada pelo projeto fascista se refere ao domínio externo: a posição da
nação no interior do sistema internacional de Estados. Daí a identificação de revolução
com a guerra. Daí a necessidade da mais absoluta coesão interna. Ainda nos 26 pontos da
Falange podemos ler: “Nós declaramos que o cumprimento histórico da Espanha é o
Império. Nós exigimos que a Espanha tenha uma posição proeminente na Europa”. Da
mesma forma, no programa do Partido do Partido Nacional Fascista na Itália se lê: “A
Itália […] deve preencher sua função de baluarte da civilização latina no Mediterrâneo”. E
ainda: “O PNF agirá para disciplinar as lutas de interesse desorganizadas entre as
categorias e as classes”, segue o “princípio nacional segundo o qual a nação está acima das
classes” (PARIS, 1976, p. 98-9).
Não foi por acaso que, apesar de sua pomposa retórica, o fascismo nunca conseguiu
uma adesão realmente expressiva e consistente na classe operária. Vários estudos (J-P
FAYE, 1974; WINCKLER, 1979) dão conta de que a pequena burguesia e os estratos
médios da sociedade foram os alvos realmente efetivos da propaganda fascista. Setores
com algo a perder e mais vulneráveis as crises estruturais e econômicas do capitalismo.
Outro aspecto elucidador é o financiamento das organizações fascistas. Na Itália, a
maior parte dos recursos foram fornecidos pelos capitalistas industriais e pelos grandes
proprietários fundiários, sendo o nazismo também financiado por grandes empresas e
corporações industriais (SARTI, 1973; LUEBBERT, 1991; MUCHNIK, 2004; GALLEGO,
2001). No entanto, no período prévio a tomada do poder este financiamento foi expressivo
apenas no período de grandes agitações sociais, como na grande greve italiana de 1920.
Ou, ainda, após o colapso econômico alemão com a crise de 1929, quando o fantasma do
bolchevismo pairava sobre pais sob a base de uma inflação jamais vista. Já após a tomada
do poder, tanto na Itália quanto na Alemanha, a associação entre poder econômico
nacional e o governo fascista foi imediata, mas circunscrita ao projeto de recuperação e
expansão econômica. Apenas em alguns poucos casos houve engajamento político direto
entre os grandes capitalistas e o governo. Mas são mais raros ainda o caso de aberta e
declarada oposição.
Como se vê, quanto a sua base social, o fascismo foi um movimento que encontrou
eco direito nos extratos médios da sociedade. Mas tais setores médios não tiveram
influência real nos rumos dos governos fascistas europeus. O fascismo foi financiado pelo
grande capital sempre que apareceu como a única saída viável diante do perigo
bolchevique.
Nesse sentido, apesar da retórica fascista incluir em igual medida tanto o
anticomunismo como o anticapitalismo [leia-se liberalismo] sua ações seguiram sempre a
máxima: dois pesos e duas medidas. Revestido de caráter militarizado, centralizador e
paramilitar todas as setas do fascismo foram sempre apontadas para o movimento
comunista. Na Itália, por exemplo, antes da chegada ao poder, se generalizam as esquadras
fascistas, expedições punitivas que visam destruir o “império socialista”. Ângelo Tasca, em
uma obra clássica, descreve minunciosamente essas expedições:

Precipitam-se em direção à Bolsa do Trabalho, do sindicato, da cooperativa, da Casa do Povo;


arrombam as portas, jogam nas ruas a mobília, livros, mercadorias e derramam galões de
combustível: alguns minutos depois, tudo está pegando fogo. Quem é encontrado no local é
espancado selvagemente ou morto. As bandeiras são queimadas ou levadas como troféu. (TASCA,
1969, p.130)

Na Espanha, sem ter apoio de massas e incapaz de enfrentar diretamente as


organizações anarquistas, socialistas e comunistas, muito mais numerosas e fortes, a
Falange descamba para o terrorismo individual. Apesar de ataques contra líderes
republicanos de distintas ideologias, são as sedes e ativistas do movimento operário o
principal alvo das ações falangistas.
Toda a tensão interna ao projeto fascista salta aos olhos. Em primeiro lugar, seu
projeto se assenta na elevação da nação na hierarquia de dominação imperialista mundial
pela via militar, mantendo as relações sociais de produção assentadas na propriedade
privada e na distribuição da riqueza pela via do mercado. Trata-se, portanto, de um projeto
absolutamente capitalista, embora em sentido algum liberal. Em segundo lugar, esse
projeto não se baseia na atuação do exército e das instituições tradicionais do Estado, pelo
contrário, pressupõe a absoluta perda de confiança nesses aparatos e, assim, a criação de
um braço militar paralelo e, após a tomada do poder, a supressão de toda liberdade política
e a “harmonização” dos conflitos pela centralização Estatal. Por essa relação com as
instituições e as constituições dadas, o fascismo se afasta do movimento conservador. Em
terceiro lugar, o fascismo se propõem a ser um movimento de massas cuja força se
fundamenta em vasta mobilização e organização popular. Ora, é notório que os dois
primeiros elementos, que constituem a essência do programa e organização fascista, não
são, nem de longe, capazes da realização do terceiro: isto é, produzir um apoio e
mobilização de massas. Daí o absoluta descompasso entre discurso e realidade na atuação
fascista. Daí uma série de expressões paradoxais usadas até então para descrever os seus
discursos: “mentir com beleza”, “estetização da política”, “estetização da existência”,
“religião laica”. Daí a demagogia socialista em seus símbolos e discursos, em um momento
histórico que a revolução russa arrastava multidões. Daí, também, sua demagogia religiosa.

O fascismo e suas alianças


Por último, para que possamos determinar melhor o caminho até aqui esboçado,
cabe nos perguntar: sendo o fascismo antiliberal, contrário as premissas conservadoras de
defesa das instituições tradicionais e anticomunista; qual dessas oposições se sobressai?
O fascismo não é, certamente, liberal. Caracteriza-se pela supressão de todos os
direitos democráticos. Além disso, enquanto uma proposta nacional imperialista, não opta
em ascender internacionalmente pelo elo mais frágil nesses países em que o fascismo mais
se desenvolveu: o mercado e a livre disputa de capitais. Opta pela via militar. Mas ambos
tem em comum o fato de se apresentarem como regimes políticos opostos para a mesma
forma de organização social, assentada na propriedade privada e no mercado. Não sem
razão, a crítica dos fascistas aos liberais sempre se pauta na impotência das democracias
europeias, consideradas de uma perspectiva exclusivamente política e militar.
A comparação entre conservadores e fascistas é, sem dúvida, a mais difícil. Isto é
assim porque o fascismo aparece como negação do conservadorismo na medida que
orienta seu discurso para o futuro e se apoia em um movimento de massas com um braço
armado não institucional. No entanto, parece conservador em função de seu nacionalismo
e do culto a glória e personagens nacionais. É uma concepção antimaterialista,
antiuniversalista e irracionalista. No entanto, antiuniversalista em oposição ao humanismo
e ao marxismo, acentuando as particularidades nacionais. Irracional em oposição a Razão
Ilustrada. Em todos esses aspectos, conservadorismo e fascismo se aproximam. Mesmo
assim é uma contraposição ainda artificial. Por exemplo, as acepções conservadoras negam
a Razão Ilustrada e o humanismo em benefício de uma razão metafísica, centrada na noção
suprema de Deus, mas de modo algum no irracionalismo. Já a religião nas acepções
fascistas é bem diferente: uma espécie de religião laica umbilicalmente ligada a
necessidade de coesão e unidade nacional.
Ilustramos acima o método por meio do qual conceitos como fascismo são
comumente analisados. Isto é: comparando, externamente, alguns de seus aspectos com os
de outros movimentos e concepções. Aqui se revela a limitação do tratamento puramente
conceitual do problema. Do método que apenas justapõem conceitos, abstraindo do
processo histórico e seu conteúdo social. Ele abre margem, como se vê, para aproximar ou
afastar o fascismo do que se queira, baseado em uma ênfase arbitrária do analista.
Seguindo, por outro lado, o processo social e histórico, as conclusões são bem diferentes e
a confusão aparente se dissipa.
Como vimos em nossa análise, a retórica socialista se transmutou em pura
demagogia oportunista, se afastando completamente deste quanto a forma de organização
social almejada, tanto interna quanto externamente. A substituição, inclusive, do termo
internacional por nacional não é, de modo algum, a alternância de um atributo dentre
outros. O caráter internacional do socialismo de base marxista perpassa transversalmente
todo o seu programa, concepção e fundamentação. Daí um agente social que se caracteriza
pela posição que ocupa na forma de organização social: o proletariado, que, enquanto tal, é
universal, independente de qualquer particularidade nacional.
O apoio do grande capital às organizações fascistas apenas no momento de absoluta
instabilidade econômica e ameaça comunista imediata desnudam que o fascismo é, em seu
significado histórico, a última cartada das classes dominantes nacionais. O fascismo é a
forma política de manutenção das relações sociais capitalistas nacionais quando todas as
demais alternativas fracassaram. O fascismo foi, historicamente, a saída capitalista ao
colapso das instituições oficiais (fundamento do conservadorismo) e ao fracasso da
democracia burguesa (fundamento dos liberais). Tudo isto associado a existência de um
movimento revolucionário com alguma possibilidade de vitória. Inclusive a meta de elevar
a nação na hierarquia imperialista mundial não se difere das propostas conservadoras e
liberais. Nesse domínio o fascismo apenas substitui a via legal, econômica e institucional
pela via do combate direto.
Tanto é assim que, do ponto de vista nacional, os partidos fascistas sempre se
aliaram, direta ou indiretamente, com alternativas conservadoras. Ainda que Stálin, cujos
métodos em muito se assemelharam ao dos fascistas, inescrupulosamente tenha assinado
o Pacto Molotov-Ribbentrop em 1939, bem como buscado alianças em política externa com
Hitler em todos os anos desde 1933, como demonstra a documentação mais recente
(MARIE, 2011), esses fatos, em si mesmos absolutamente condenáveis, foram produto de
sua míope caracterização da política externa. Ele subestimou o nazismo até sua chegada ao
poder e, em seguida, passou a temê-los e, no fundo, venerá-los. É verdade que existe uma
interpretação já antiga (TOPITSCH, 1987), e atualmente retomada por alguns autores
(MAGENHEIMER, 1998), de que o nazismo foi fomentado conscientemente por Stálin,
bem como a Segunda Guerra Mundial. Esta hipótese, insustentável, pode ser o centro de
um longo debate interpretativo que não vamos adentrar nesse curto artigo (1).
Seja como for, é fato histórico que em 29 de outubro de 1922 Mussolini acendeu ao
poder a convite do rei Vítor Emanuel III que o encarregou, depois da encenação de sua
“marcha sobre Roma”, de formar o novo governo e, nos anos seguintes, o apoiou
plenamente. Na Alemanha, em 1932, foi o conservador Hindenburg que convidou Hitler
para a chancelaria, abrindo caminho para o poder nazista. Além disso, o processo se inicia
com uma coalização entre nazistas e conservadores que garantiu aos nazistas mais de 50%
dos ministérios. O caso mais contundente, certamente, foi o da Falange espanhola. Foi em
coalização com a Falange, uma força claramente de segundo nível no conflito espanhol,
que o general Franco, católico e conservador, assumiu o poder e governou a Espanha por
décadas, além de ter contado com apoio militar direto do nazismo durante guerra civil
espanhola.
Não sem razão, a relação entre conservadores e o fascismo foi sempre, no frigir do
ovos, ambígua. Por exemplo, o filósofo italiano Benedetto Croce avalizou o primeiro
gabinete fascista que, em sua acepção, seria a primeira solução conservadora séria no
sentido de por fim a desordem e a possível atuação de massas nesse sentido após a
Primeira Guerra Mundial. Posteriormente, revisou sua posição em função da
instrumentalização da produção cultural.
Este é, em seus traços mais gerais, o conteúdo histórico e conceitual do fascismo,
que não deixou de ter, evidentemente, variantes de todos os tipos em conformidade com a
especificidades nacionais. Compreendido isto, pouco importa o rótulo predileto que lhe
seja imputado.

Notas
(1) A biografia de Jean Jacques-Marie sobre Stalin, levando em conta toda documentação
recente oriunda da abertura dos arquivos em Moscou após o colapso da URSS, expõem
com clareza a relação de Stálin com Hitler e os nazistas, bem como sua atuação do
primeiro na Segunda Guerra Mundial.

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