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■ ANO 26 ■ Nº 2 ■ ABRIL/2018 ■

tiragem: 13 000 exemplares

A Europa instável
N a Itália, dois partidos populistas
e eurocéticos triunfaram em
eleições parlamentares que caíram
como bombas sobre a União Europeia.
Na Espanha, o nacionalismo catalão
desafia a ordem estatal. Na Alemanha,
locomotiva do trem europeu, a lide-
rança de Angela Merkel ingressa em
declínio, enquanto emerge um partido
nacionalista de direita. As esperanças
de estabilização política da Europa
provocadas pela vitória de Emmanuel
Macron, na França, dão lugar à certeza
de que a crise veio para ficar.
A crise é, sobretudo, de valores. Na
origem da União Europeia, encon-
tram-se o internacionalismo, o cos-
mopolitismo e a crença na democracia
© blu-news.org/Creative Commons 2.0

liberal. O encerramento da Guerra


Fria nutriu a ilusão de que a Europa
supranacional não mais enfrentaria
desafios existenciais. Hoje, a ascensão
do nacionalismo, do nativismo e da
xenofobia evidencia que o passado
continua a pesar sobre o presente – e
ameaça destruir o edifício supranacio-
nal construído desde 1950.
“Putin, nos ajude, nos salve”, Na “era Putin”, a Rússia volta a
diz o cartaz do grupo alemão de mostrar suas garras. Na “era Trump”,
Karl Marx (1818-83) extrema-direita Pegida (Patriotische os europeus já não podem contar com
“Proletários do mundo, uni-vos” Europäer gegen die Islamisierung des os Estados Unidos. Mas o perigo prin-
Abendlandes, ou “Europeus Patriotas cipal vem de dentro, dos demônios
contra a Islamização do Ocidente”), que povoam as sociedades europeias.
que faz oposição ao governo “fraco”
de Angela Merkel Veja as matérias às págs. 6 a 9

e mais...
n Editorial – A vereadora Marielle Franco foi vítima do condomínio entre a facção
bandida da polícia e o narcotráfico.
Pág. 3
n Donald Trump cumpre a promessa de campanha de deflagrar uma guerra comercial.
© Coleção particular

A China é o alvo principal.


Pág. 5
n Diário de Viagem – São Petersburgo, a segunda capital da Rússia, é Paris,
Versalhes e o Partenon.
Pág. 10
23º Concurso Nacional de
Escreva e se Redação­ de Mundo e H&C
inscreva!!! 2018
Hieronymus Bosch.
O jardim das delícias terrenas
(tríptico), c. 1480-1505

Em algumas situações
raras, alguns artistas e
obras desafiam valores
de sua época, adotando
linguagens pouco
convencionais, escapando
à censura. É o caso

© Museu do Prado, Madri


do tríptico de Bosch,
cujos detalhes mostram
cenas de nudismo,
homossexualidade e
zoofilia, mas integradas a
uma narrativa da batalha
entre o Bem e o Mal.

Regulamento
■ Quem poderá participar? ■ Quem julgará os trabalhos?
Todos os alunos das escolas assinantes de Mundo. As redações serão avaliadas por uma Comissão E X P E D I E N T E
Julgadora integrada por professores de Comunicação
■ Qual é a forma de participação? e Expressão de reconhecido saber e experiência no PANGEA – Edição e Comercialização de
Material Didático LTDA.
Cada escola poderá enviar até cinco redações. ensino médio.
Tomamos a liberdade de sugerir que as escolas realizem Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,
um concurso interno de seleção. Todos os leitores de ■ As redações serão publicadas? Nelson Bacic Olic (Cartografia)
Mundo podem participar, mas apenas mediante a A redação vencedora será publicada e comentada na Jornalista responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)
intermediação das escolas. Por razões pedagógicas, edição de outubro de 2018 de Mundo. Outras redações Revisão: Jaqueline Ogliari
não aceitaremos redações enviadas sem a anuência da poderão, eventualmente, ser publicadas. Importante: Pesquisa iconográfica: Thaisi Lima
escola. os autores, ao participarem do concurso, concedem Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
a Mundo o direito de publicar suas redações, sem
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CEP 05591-100. Tel/fax: (011) 3726.4069 / 2506.4332
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São Paulo (nosso endereço pode ser encontrado nesta
página, no Expediente), impreterivelmente até 30 de ■ Haverá prêmios para os melhores trabalhos? Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos
junho de 2018. Sim. Os autores das dez melhores redações serão assinaturas individuais. Exemplares avulsos podem ser
premiados por Pangea e empresas patrocinadoras do obtidos no seguinte endereço, em São Paulo:
■ Quais devem ser as características das redações? concurso. O 1º colocado receberá um tablet no valor • Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900, São Paulo
Fone: (011) 3283.0340
As redações devem ter no máximo 40 linhas e, de R$ 500,00. Do 2º ao 5º, todos receberão um
obrigatoriamente, conter título. Cada escola receberá, aparelho MP4 no valor de R$ 200,00. Do 6º ao 10º,
durante o mês de maio, cinco folhas pautadas e serão ofertados prêmios em livros. www.clubemundo.com.br
numeradas para a transcrição dos textos selecionados.
As folhas preenchidas deverão ser remetidas à sede da Infelizmente não foi possível localizar os autores de
todas as imagens utilizadas nesta edição.
Pangea. Este formato é obrigatório, inclusive para Para mais informações, veja o tema da Teremos prazer em creditar os fotógrafos,
garantir o sigilo: a Comissão Julgadora não terá acesso redação à pág. 2 de Mundo n. 1 – março caso se manifestem.
ao nome dos autores ou das respectivas escolas. de 2018.

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 2018 ABRIL 


E D I T O R I A L

Execução de Marielle desafia a democracia


A execução da vereadora carioca Marielle
Franco, do PSOL, e de seu motorista,
Anderson Gomes, no Rio de Janeiro, em 14 de
Em qualquer hipótese, foi um atentado provoca-
dor, destinado a causar ainda mais desestabilização
e caos, no contexto de intervenção das tropas do
Estado de defender e preservar instituições que,
com todas as suas precariedades e imperfeições,
foram construídas por um processo legítimo,
março, foi exatamente isso: uma execução. Foi exército no Rio. Milicianos ou traficantes, não im- encerrado o capítulo da ditadura militar.
um crime premeditado, executado por profis- porta, seus autores agiram com um grau de eficiência e A natureza do crime foi imediatamente percebida
sionais que sabiam exatamente o que estavam desenvoltura apenas possibilitado por uma florescente por uma parcela importante da sociedade brasileira
fazendo, como demonstraram as investigações cultura de corrupção que envolve traficantes, mili- e motivou impressionantes manifestações de repú-
preliminares. cianos, policiais, políticos e uma parcela da elite local, dio, no Rio, em São Paulo e nas principais cidades do
Até o momento do fechamento da presente todos agindo à sombra e à margem do Estado. país. Apenas esse sentimento explica o grande porte
edição de Mundo, as investigações apontavam No final das contas, é disso que se trata: o atenta- das manifestações, também motivadas – é claro – por
a provável autoria para integrantes de milícias do foi uma demonstração estúpida e bárbara do poder simpatia e solidariedade para com as vítimas. Cabe
que atuam nos morros do Rio. Menos provável, de atuação do crime organizado, que transformou a às instituições do Estado descobrir e punir, com
porém também possível, para narcotraficantes capital fluminense numa espécie de terra de ninguém. todo o rigor da lei, os autores diretos– e, sobre-
motivados por vingança: Marielle se destacava A execução explicitou para o mundo tudo o que está tudo, os mandantes – de um crime que, em última
por sua luta contra a violência, particularmente em jogo no Rio: de um lado, o domínio das máfias, da instância, coloca um ponto de interrogação sobre
no Complexo da Maré, onde nasceu. força bruta e do terror; do outro, a capacidade do os destinos da democracia brasileira.

colômbia Depois da derrocada de Timochenko


Newton Carlos
Da Equipe de Colaboradores

T imochenko, nome de guerra de Rodrigo Londoño


Echeverri, líder das Forças Armadas Revolucionárias
da Colômbia (Farc), desistiu de sua candidatura presi-
conduzir um governo de transição que produzirá
condições para o nascimento de uma nova Colôm-
bia”, disse a seus companheiros, entre eles Sofia, ao
dencial no início de março. Alegou problemas de saúde, lançar seu nome para as presidenciais de maio.
que são reais, mas as raízes da renúncia se encontram nas O governo colombiano e as Farc assinaram o
sondagens eleitorais, que lhe atribuíam menos de 1% das acordo de paz em Havana, em setembro de 2016,
intenções de voto. encerrando 52 anos de guerra civil. Inicialmente,
Não se trata só de Timochenko, chefe do que foi a em plebiscito, os colombianos recusaram o acordo,
mais poderosa guerrilha da América Latina. Até há pouco, considerando-o brando demais com os guerri-
também Sofia, modesta mulher de 22 anos, pegava em lheiros. Mas a decisão final coube ao Congresso,
armas numa coluna guerrilheira. No auge do seu poder, a que o referendou com mudanças superficiais. O
guerrilha armava emboscadas, sobretudo contra militares, e presidente Juan Manuel Santos terminará seu
promovia sequestros envolvendo milhares de civis em troca segundo mandato em agosto e não pode mais se
© Sortu/Creative Commons 40.0

de carregamentos de drogas, faturando milhões. Mas, desde reeleger. Os líderes do partido emanado das Farc
que foi assinado o acordo de paz, Sofia mora num “campo inscreveram em sua plataforma o combate à cor-
de desmobilização”, onde densas florestas se encontram com rupção e à pobreza.
imensos matagais. Como muitíssimos ex-guerrilheiros, ela O passado não ajuda. As Farc operaram um
se esforça para preencher dias que se tornaram vazios desde sofisticado tráfico de cocaína e armaram soldados-
que as Farc aceitaram se desfazer de suas armas. crianças. Os habitantes pobres das zonas de guerra
Quando isso terminará? É o que pergunta com jeito de sofreram perdas devastadoras. O célebre sequestro
lamentação, ou mesmo de desespero, um companheiro de de Íngrid Betancourt, então senadora e candidata
Sofia nas lutas em campos abertos. Quando ele se queixou Ao posar para foto, Rodrigo “Timochenko” à Presidência, perdurou entre 2002 e 2008, até o
do acordo de paz, a história do longo conflito colombiano Londoño usa uma camiseta com os dizeres “viva o resgate na selva pelos militares colombianos. Os
contabilizava mais de 220 mil mortos e de 7 milhões de povo”, no idioma basco Estados Unidos e a União Europeia classificaram
deslocados internos. A esperança de Sofia e tantos outros a guerrilha como grupo terrorista. No pleito par-
era a de que o acordo de paz, depois de 52 anos de guerra, lamentar de março, o partido Farc obteve meros
mudasse o país, que se criassem oportunidades também Timochenko, pelo menos, tornou-se história. Falou-se, 0,5% dos votos, num espetáculo dramático de
para eles. Mais da metade dos 500 rebeldes que se insta- nas muitas reuniões em presença de Sofia, que o novo repúdio nacional.
laram no mesmo campo de Sofia agora encaram a ideia objetivo, mesmo em meio a grossas dificuldades, logo Mas o fato é que um líder da antiga guerrilha chegou
de se reocuparem, passando aos poucos da guerrilha à depois do desastre eleitoral da Farc no pleito parlamentar, a ser pré-candidato a presidente, à frente de um partido
política, em compasso com a Força Alternativa Revolu- seria eleger um presidente da Colômbia. político legal. No primeiro turno das eleições presidenciais,
cionária Comum, o partido criado a partir das Farc, que Timochenko participou de comícios, até onde pode, em 27 de maio, Sofia e seus companheiros de “campos
utiliza a mesma sigla. com a saúde abalada, tendo como retaguarda o espólio de desmobilização” tendem a votar no candidato apoiado
O ex-Timochenko, hoje Rodrigo Londoño, levou da guerrilha. Ele ainda é tratado como líder de ponta. pelo ex-presidente Santos, a figura que colocou a Colôm-
milhares de “rebeldes marxistas” a entregarem suas armas, Partidários em seu primeiro comício, em Ciudad Bolívar, bia na rota da paz. Mas, de fato, talvez não exista futuro
sem garantia clara de ingresso na vida comum. A sentença vestiam-se com camisas brancas, símbolo da nova fase, e para eles.
de Sofia é a de que “não há nada para nós”. O nome de portavam cartazes com fotos suas. “É meu compromisso

 ABRIL 2018 MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


globalização

Rumo à “indústria 4.0”?


No passado, o caminho do desenvolvimento foi trilhado por meio da industrialização. Hoje, as tendências de desindustrialização alarmam
tanto as nações ricas quanto as economias emergentes

A estrutura econômica do mundo atual é definida, em


grande medida, pelo processo de industrialização. A
indústria figura na vanguarda de qualquer estatística que
Gráfico 1
O recuo da indústria nos países do BRICS
crescimento industrial da China. Todavia,
a tendência de sofisticação das linhas de
produção reabriu espaço para as potências
envolva tecnologia e informação. Em sua busca permanente (participação porcentual do setor no PIB) industriais tradicionais: já não é mais su-
50
por novos produtos e para tornar suas linhas de produção ficiente oferecer mão de obra barata; ela
cada vez mais eficientes, o setor industrial é o que mais inves- 40 precisa, também, ser qualificada.
te em pesquisa e desenvolvimento (P&D), desempenhando 30 O Brasil ingressou cedo na etapa final
papel crucial no progresso econômico dos países. do “U” invertido. O setor industrial chegou
20
Nos Estados Unidos, a indústria representa algo em a ter peso expressivo no PIB na década de
torno de 12% da economia e é responsável por cerca de dois 10 1980, mas atualmente essa participação foi
terços dos gastos privados com pesquisa e desenvolvimento. 0 reduzida a menos da metade. Por aqui, a
As indústrias geram aproximadamente 10% dos empregos Brasil Rússia Índia China África do Sul passagem da economia industrial para a de
1980 1990 2000 2010 2013
do país – e nelas trabalham um em cada três engenheiros. Fonte: Adaptado da revista Exame CEO, setembro de 2017
serviços ocorreu prematuramente. O Brasil
Excluindo as commodities – combustíveis, minérios e produ- ingressou em trajetória de desindustriali-
tos agrícolas –, os manufaturados são responsáveis por mais Gráfico 2 zação bem antes que a população atingisse
da metade do valor dos intercâmbios internacionais. níveis de renda próximos aos das nações
Desde a Revolução Industrial, quase todos os países PIB total da indústria de transformação desenvolvidas em estágio similar da curva
(variação porcentual diante do ano anterior)
que conseguiram entrar para o seleto grupos de nações de 10 em “U” invertido [veja o Gráfico 1].
renda média – cerca de US$ 12 mil per capita, segundo o 8 Os processos brasileiro e argentino
Banco Mundial – fizeram a transição da economia agrária 6 guardam semelhança. A prematura desin-
para a economia industrial. China e Índia são exemplos 4 dustrialização acompanhou uma especiali-
de como a indústria pode fazer a diferença na luta contra 2 zação em commodities agrícolas e minerais,
a pobreza. Desde a década de 1970, os chineses intensi- 0 manufaturas primárias e serviços de baixa
ficaram esforços para se tornar uma potência industrial, -2 produtividade. Os resultados foram a ex-
-4
enquanto a Índia optou por se especializar em serviços, pansão da informalidade e o declínio da
-6
setor responsável por dois terços do PIB do país. produtividade geral da economia. No caso
-8
O resultado das estratégias divergentes foi o seguinte: brasileiro, o processo acentuou-se com a
-10
enquanto a China exibe renda per capita superior a US$ 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 profunda recessão iniciada em 2014, uma
10 mil, a renda por habitante da Índia é cerca de cinco Fonte: IBGE, elaboração IEDI PIB da indústria de transformação PIB Total das mais dramáticas da história do país.
vezes menor. Talvez isso explique o sentido das reformas Todos os segmentos econômicos foram
econômicas recentes na Índia, destinadas a estimular o Gráfico 3 afetados, mas a indústria sofreu os piores
investimento privado e o desenvolvimento industrial danos: 2016 e parte de 2017 foram anos
(o Make in India). Sob a nova estratégia, o PIB indiano Produção de veículos em milhões de unidades terríveis, antes do início de uma tênue
(inclui carros, comerciais leves, ônibus e caminhões)
ganhou forte tração, chegando a ultrapassar o ritmo do 4 recuperação [veja o Gráfico 2]. A indús-
3,71
crescimento do PIB chinês. 3,5 3,38 3,42 3,4 tria automobilística é um termômetro da
3,15 3,08*
A relevância da indústria para um país, em termos de 3
3,05 3,08 grave recessão. O intervalo 2015-17 forma
2,7
participação no PIB e geração de empregos, segue um pa- 2,5 2,43 o período em que menos se produziram
2,16
drão que pode ser comparado à letra “U” invertida. Num 2
veículos desde 2007. A produção crescerá
primeiro momento, cresce rapidamente, conforme os 1,5
em 2018, mas atingirá apenas o patamar de
países progridem da economia agrícola para a urbano-in- 2009 [veja o Gráfico 3].
1
dustrial. Nessa etapa, registram-se saltos de produtividade Qual será o peso da indústria do mundo
0,5
e grande incremento da renda dos trabalhadores. O ápice nos próximos anos? Uma corrente de ana-
0
do processo ocorre quando a indústria de transformação 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 listas acredita que o avanço tecnológico re-
atinge uma fatia entre 30% e 40% do PIB. Daí em dian- Fonte: Anfavea * previsão verterá a tendência de perda de participação
te, a tendência é de decréscimo gradual da participação do setor nas economias desenvolvidas. Eles
industrial no PIB, conforme ganham maior relevância as afirmam que a incorporação de ferramentas
atividades ligadas ao setor de serviços. Nessa fase, sob o como a impressão em 3D, a realidade au-
impacto da automação das linhas de produção, reduzem-se os níveis de 1995. Os manufaturados representam cerca mentada, a computação em nuvem e a análise de universos
os níveis de emprego industrial. de 80% das exportações do bloco europeu e geram um imensos de dados (big data) à produção industrial estão
Nos países desenvolvidos, a trajetória de declínio da quarto dos postos de trabalho. deflagrando uma “quarta revolução industrial”.
participação industrial na economia acelerou-se nas últi- Nos Estados Unidos, onde a participação da indústria Indústria 4.0? Como as três revoluções industriais an-
mas décadas, à medida que a indústria se propagou pelo no PIB caiu de 16,5% para 12% nos últimos 20 anos, o teriores, a quarta exigiria menos funcionários nas unidades
mundo em busca de custos mais baixos. A indústria norte- assunto ganhou destaque na campanha presidencial de fabris, mas cada vez mais trabalhadores qualificados. Em
americana, por exemplo, foi ultrapassada pela chinesa em 2016. O discurso nacionalista de Donald Trump repete tese, é uma oportunidade de reindustrialização para os
2010. Dois anos depois, o mesmo ocorreu com a indústria sempre o mantra de que a indústria estrangeira cresceu países desenvolvidos. Quanto aos países em desenvolvi-
do conjunto da União Europeia. Desde 2014, a Comissão à custa da norte-americana. Mas Trump fala do passado mento, como o Brasil, o caminho talvez seja o de importar
Europeia persegue a meta de elevar a participação da in- recente, não do futuro. Durante décadas, a força de tra- novas tecnologias e combiná-las com seus custos mais
dústria no PIB do bloco, de 17% para 20%, recuperando balho barata foi o principal fator que levou ao estrondoso baixos de produção.

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 2018 ABRIL 


estados unidos

Trump deflagra a guerra comercial


João Batista Natali Tarifas sobre o aço e o alumínio violam o princípio multilateral
Especial para Mundo que organiza o sistema mundial de comércio

À primeira vista até pode fazer sentido:


para proteger um setor industrial ame-
açado pela concorrência estrangeira, aumen-
Gráfico 1

Exportações de aço (2016)


A lógica do atropelo ao multi-
lateralismo está na hipótese de os
Estados Unidos obterem vantagens
tam-se os impostos de importação para com 120 pontuais, em troca de uma desor-
108,1
isso preservar investimentos e empregos. Mas ganização do mercado e da queda
100
essa visão é, sem dúvida, caolha – e é ela que generalizada dos preços, em razão do
vem sendo praticada, com muito barulho, por 80 excesso de oferta que provocariam.
Donald Trump. 60 Os americanos compram 31% do
O presidente americano deu um primeiro 40,5 aço comercializado no mundo e
40 31,2 30,6 29,9
passo em janeiro, ao sobretaxar máquinas de 18,2 15,3 estão, entre os importadores, atrás
20 13,4
lavar roupa importadas da Coreia do Sul e apenas da União Europeia, com
células fotovoltaicas (energia solar) produzidas 0 40,4%.
China Japão Rússia Coreia União Ucrânia Turquia Brasil
pela China. O passo seguinte consistiu em do Sul Europeia Do ponto de vista de Trump,
Fonte: World Steel Association, 2017
anunciar, em março, uma sobretaxa de 25% a geração de uma situação caótica
para o aço e de 10% para o alumínio que os no comércio internacional valeria
Estados Unidos importam. A última cartada, amplamente a pena, caso a econo-
pouco depois, consistiu em sobretaxar US$ 50 mia americana saísse beneficiada.
Gráfico 2
bilhões em produtos fornecidos pela China, o Mas é aí que mora o engano. Um
que equivale a 10% do total de importações Principais fornecedores de aço para os EUA levantamento da revista The Eco-
americanas da potência asiática, para punir US$ milhões (janeiro de 2018) nomist revelou que 47 entidades
uma suposta concorrência desleal, derivada empresariais dos Estados Unidos se
da pirataria de patentes americanas. Canadá colocaram de sobreaviso e passaram
Cada uma dessas medidas é suficientemen- União Europeia a pressionar por um recuo da Casa
te genérica para despertar preocupação nos Coreia do Sul Branca. Entre elas, a Associação das
mercados – e a reação dos países prejudicados, México Câmaras de Comércio, com 300 mil
que imediatamente anunciam a disposição Brasil filiados, e a Associação das Pequenas
de “negociar”. Por esse tipo de negociação, Japão Empresas, com 65 mil.
os Estados Unidos operam um movimento Taiwan A resistência também surgiu
nefasto. Passam a discutir condições diferentes China dentro do Partido Republicano, no
de comércio com cada parceiro, enterrando Congresso, sensível aos interesses
Rússia
os acordos internacionais que determinam a da agricultura do Meio-Oeste
Turquia
validade geral das regras comerciais. (Corn Belt). Os agricultores te-
Tais acordos funcionam desde 1995, 0 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 mem, por exemplo, que Canadá,
Fonte: US Department of Commerce
patrocinados pela Organização Mundial do México ou China, em resposta,
Comércio (OMC), com sede em Genebra, sobretaxem os grãos que impor-
hoje presidida pelo brasileiro Roberto Azevêdo. tam dos Estados Unidos. Mas em
Com 164 países-membros, a OMC é fruto de quem Trump pensou, ao prometer
longa trajetória. Nasceu do Acordo Geral sobre Tarifas e O importante nessa história é que Trump não incluiu o protecionismo durante a campanha e agora aplicá-lo
Comércio (GATT, criado em 1944), por meio da Rodada a China nas exceções. Justamente, e de longe, a maior de modo tão controvertido? Existem os estados que ti-
Uruguai de negociações comerciais. A OMC é um exemplo exportadora mundial, numa lista em que o Brasil ocupa nham no passado um forte setor siderúrgico (Michigan,
de multilateralismo: todos negociam e elaboram regras de apenas a oitava colocação [veja o Gráfico 1]. Havia en- Ohio, Pensilvânia) que entrou em decadência e hoje
comércio que devem seguir. Mas Trump ligou os motores tão um recado embutido para os chineses, que viraram forma o chamado “Cinturão da Ferrugem” (Rust Belt),
de seu trator para atropelar organizações multilaterais, como a bola da vez do protecionismo americano duas semanas com usinas abandonadas ou reduzidas a uma fração da
a Unesco (agência de educação e cultura da ONU), da depois, com a sobretaxa sobre os US$ 50 bilhões. Depois antiga produção. É um quadro gerado pela automação,
qual retirou seu país. O pressuposto, para ele, é “os Estados de México e Canadá, entraram na fila de espera das ne- ineficiência diante da concorrência estrangeira e pro-
Unidos em primeiro lugar” (America First), um lema que gociações a União Europeia, a Austrália, a Coreia do Sul, blemas ambientais e de preço com o uso do carvão que
conduz ao isolacionismo e ao protecionismo. a Argentina e o Brasil. abastece os altos fornos.
A questão do aço e do alumínio é, nesse sentido, Curioso é que os principais fornecedores de aço para Observação importante: não é um retrato de todo o
exemplar. Depois de afirmar que a nova sobretaxa seria os Estados Unidos são países aliados, como Canadá, Mé- setor americano do aço, que preservou bolsões moderni-
válida para todos, a administração Trump recuou e, num xico e União Europeia, uma lista na qual o Brasil ocupa zantes e atualizados em tecnologia. Tanto isso é verdade
primeiro passo, deixou de incluir o Canadá e o México, a quinta posição [veja o Gráfico 2]. Só no caso do aço que os americanos são o quinto produtor mundial, com
com os quais os Estados Unidos formam o Acordo de – exportações, no ano passado, para os Estados Unidos, 4,8% de toda a tonelagem global. Mas essa matéria-pri-
Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Mas isso, de US$ 2,6 bilhões – o governo brasileiro acredita que a ma é insuficiente para alimentar a indústria, gerando a
esclareceu a Casa Branca, só enquanto o Nafta estiver sobretaxa levaria a uma perda de US$ 1,3 bilhão. Mais necessidade de importação.
sendo renegociado. Renegociar o acordo significa colocar curioso ainda: os Estados Unidos se dispõem a negociar
em xeque as regras originais do bloco e exigir condições separadamente com Brasil e Argentina, quando a lógica
mais vantajosas para a economia americana. multilateral exigiria discutir a questão com o Mercosul. João Batista Natali é jornalista

 ABRIL 2018 MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


europa
O medo que ronda a Europa
Cláudio Camargo Os sistemas políticos europeus jamais foram tão instáveis, com níveis recordistas de mudanças de votos e uma perda geral
apoio para os partidos tradicionais, enquanto a fronteira de valores entre nacionalistas e cosmopolitas torna-se tão importa
Especial para Mundo
quanto a antiga divisão entre esquerda e direita. [...] No centro da agenda europeia, encontram-se as políticas identitárias […

U m estudo realizado pelos cientistas


políticos Yascha Mounk e Martin
Eiermann, da Universidade de Melbourne
fato, embora exista um cauteloso otimismo sobre o crescimento econômico e a Zona do Euro, [...] a maioria dos eleitores diz
imigração e terrorismo são prioridades máximas. Se a União Europeia pretende realmente reduzir o apelo dos partidos populis
precisará resolver o temor subjacente sobre refugiados, fronteiras e segurança.
(Austrália), sobre a votação de 102 partidos
classificados como “populistas” em 39 [Matthew Goodwin, “In 2018, Europe’s populist challenges will continue”, Chatam House – The Royal Institute of International Affairs, 14 de dezembro d
países europeus, mostrou que, entre 2000 “É mais fácil mobilizar com
e 2017, o apoio a esses partidos subiu de base no medo do que com
8,5% para 24,1% do eleitorado. Nesse es- argumentos racionais. Por
tudo, o termo “populismo” engloba tanto isso, acusar o sistema socioe-
agremiações políticas de extrema-direita conômico de fracasso e pregar
quanto de extrema-esquerda. Um dos de- sua transformação radical é
nominadores comuns a essas agremiações mais difícil do que dizer que
populistas é que todas são eurocéticas: a culpa é dos muçulmanos e
querem seus países fora da União Europeia imigrantes que estão batendo
ou, no mínimo, da Zona do Euro. à porta”, explica.
Para os autores, o populismo não é uma O populismo de extrema-
ideologia, em sentido estrito: “para ser popu- esquerda opõe verticalmente
lista, um movimento precisa reivindicar para si o “povo” a uma elite. Por © Bernd Settnik/dpa-Zentraibild/DPA

a verdadeira vontade do povo, unido contra as isso, distingue-se tanto dos


elites, os imigrantes estrangeiros ou as minorias socialistas e social-democratas
étnicas, religiosas ou sexuais”, escrevem. Entre tradicionais, que privilegiam
os partidos analisados no estudo, três quartos conflitos de classe, quanto dos
defendem o ideário xenófobo, chauvinista e liberais ou progressistas, que
islamofóbico da extrema-direita. Os maiores buscam conciliar interesses
índices de crescimento desses partidos ocorre- de classes antagônicos. Já o
ram na Sérvia, Hungria, Bósnia, Eslováquia, populismo de extrema-direita
Itália, Polônia e Grécia. coloca o “povo” contra uma
Nos três últimos anos, a extrema-di- elite e um terceiro grupo, que
reita eurocética e populista viveu dias de seria “mimado” pelo primeiro.
esplendor no velho continente. Em 2016, Esse terceiro grupo varia: imi-
na Grã-Bretanha, o Ukip saiu-se vitorioso grantes, muçulmanos, judeus ou negros. dell’Uomo Qualunque (Frente de Qualquer e cortaram parte dos benefícios do Welfare
na campanha do Brexit, destinada a tirar O conceito de “povo” dos populistas é Homem) obteve 5% dos votos e 30 cadeiras State, aprofundando a crise social.
o país da União Europeia. Ano passado, elástico, podendo dizer respeito aos traba- no Parlamento em 1946, mas despareceu O cenário agravou-se depois de 2011,
na França, a candidata da Frente Nacio- lhadores, aos pequenos comerciantes, aos dois anos depois. De certo modo, o atual quando a chamada Primavera Árabe pro-
nal, Marine Le Pen, foi derrotada pelo brancos, aos “verdadeiros” nativos, ou à Movimento 5 Estrelas retoma o fio do “qua- vocou a derrubada de vários governos na
candidato centrista Emmanuel Macron classe média. A “elite” pode ser representada lunquismo” [veja a matéria à pág. 8]. África do Norte e desencadeou a sangrenta
no segundo turno, mas obteve 34,5% por corporações, intelectuais, mídia, políti- Na França, em 1953, um movimento guerra civil na Síria, aumentando dramati-
dos votos e fez uma significativa bancada cos profissionais etc. “Os conceitos de povo semelhante liderado por Pierre Poujade, a camente o fluxo de refugiados para a Euro-
parlamentar. Na Alemanha, a Alternativa ou de elite não definem o populismo; o que União de Defesa dos Comerciantes e Ar- pa. E, a partir de 2015, com a ocorrência
para a Alemanha (AfD) conquistou 13% o define é a relação de conflito entre os dois tesãos (UDCA), nasceu para lutar contra o de uma série de atentados terroristas na
dos votos, levando um partido de extrema- – ou, no caso do populismo de extrema- aumento de impostos sobre essas categorias. França, Grã-Bretanha, Suécia, Alemanha,
direita ao Bundestag (Parlamento) pela direita, entre os três”, escreve o historiador Na época, a França precisava financiar as Bélgica e Dinamarca, a percepção europeia
primeira vez desde 1945 e tornando-se a americano John B. Judis. No caso específico guerras coloniais. Em 1956, o movimento, sobre os imigrantes e os muçulmanos au-
terceira força política da Alemanha [veja a da Catalunha, o “povo” dos separatistas são conhecido como “poujadismo”, teve 11,6% mentou exponencialmente.
matéria à pág. 7]. A extrema-direita tam- os “catalães de sangue”, por oposição aos dos votos e elegeu 51 deputados à Assembleia A inabilidade da União Europeia para
bém obteve bons desempenhos eleitorais espanhóis [veja a matéria à pág. 9]. Nacional, entre eles o então jovem Jean-Ma- lidar com a crise dos refugiados e os aten-
na Áustria, onde participa do governo, na O populismo, principalmente o de ex- rie Le Pen. Os poujadistas se dissolveriam no tados terroristas alimentou as paranoias
Holanda, na Dinamarca e na Itália. trema-direita, tende a florescer em tempos gaullismo, e Le Pen seguiria rumo próprio, da extrema-direita populista, que conse-
O cientista político holandês Cas Mud- de crise econômica e social. Na Europa, fundando a Frente Nacional. guiu estabelecer entre os dois fenômenos
de registra que o populismo de extrema-es- a primeira manifestação desse fenômeno O crescimento vertiginoso dos partidos uma falsa ligação de causa e efeito. Se a
querda teve apenas dois casos de sucesso na depois do nazifascismo surgiu em 1944, na populistas de extrema-direita deu-se a partir política e a vida civil nasceram do medo,
Europa: o Syriza, na Grécia, e o Podemos, parte da Itália libertada pelos Aliados. Foi da crise econômica iniciada em 2008. A como assegurava o filósofo inglês Thomas
na Espanha. Isso porque, segundo ele, os um movimento chamado “qualunquismo” crise atingiu todos os países europeus, mas Hobbes, o medo também poderá matar a
populistas de ultraesquerda tentam cativar (qualquer um), liderado por Guglielmo foi mais dura nos menos pujantes, como política, como parece estar acontecendo
seus eleitores com argumentos racionais, ao Giannini, que pregava contra o Estado, Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Irlanda, agora na Europa.
contrário do que ocorre com a extrema- os impostos e os partidos. “Abaixo todos cujas políticas de austeridade impostas pela
direita, que apela diretamente às paixões. eles”, era seu lema. O movimento Fronte União Europeia aumentaram o desemprego Cláudio Camargo é jornalista e sociólogo

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 2018 ABRIL 


a Declínio de Merkel aprofunda crise europeia
“N
l de
ante ão, o Islã não pertence à Alemanha. A Alemanha é configurada pelo cristia- Merkel, a “chanceler de ferro”, governa a Alemanha desde 2005. Na longa “era Merkel”,
…]. De nismo.” As duas sentenças, proferidas por Horst Seehofer, novo ministro do especialmente a partir da crise do euro iniciada em 2010, os rumos da União Europeia
que Interior alemão, formam um míssil dirigido contra Angela Merkel, a chefe de governo dependem da bússola alemã. A eleição de Emmanuel Macron na França, em 2017,
stas, reconduzida à frente de uma ampla coalizão entre os democratas-cristãos (CDU/ gerou a expectativa de restauração do antigo “motor franco-alemão” – isto é, da parceria
CSU), de centro-direita, e os social-democratas (SPD), de centro-esquerda. Seehofer privilegiada entre Berlim e Paris na condução do projeto europeu. Contudo, o súbito
é o líder do CSU, o partido regional da Baviera que opera como parceiro histórico enfraquecimento da primeira-ministra alemã diluiu as esperanças. Na União Europeia,
de 2017]
do CDU no bloco democrata-cristão. O bombardeio a Merkel parte do núcleo de fala-se num “outono de Merkel” – isto é, no começo do fim de sua liderança.
seu próprio movimento O “outono de Merkel” coincide com uma coleção de desafios à estabilidade da União
político, não da tradicional Europeia. No front externo, a Rússia de um Vladimir Putin reeleito continua a pressionar o
oposição social-democrata. bloco europeu, tanto no campo militar, com exercícios junto às fronteiras da Organização do
Não poderia haver prova Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a intervenção na Ucrânia, quanto no campo político,
mais clara da fragilidade do com o apoio explícito e subterrâneo do Kremlin aos partidos nacionalistas ou movimentos
novo governo alemão. eurocéticos. Já no front interno, as forças centrífugas manifestam-se intensamente.
As raízes da crise alemã Sob o empuxo de suas correntes nacionalistas, a Grã-Bretanha deriva rumo ao
situam-se na política de Brexit, a saída do bloco europeu, em negociações cada vez mais amargas. Na Euro-
portas abertas aos refugia- pa central, partidos nacionalistas controlam os governos da Polônia e da Hungria,
dos definida por Merkel tocando os tambores do nativismo e da xenofobia. As correntes políticas de direita
em 2015, no auge do êxo- avançam na Áustria, na Dinamarca e na Holanda. As eleições italianas estabeleceram
do provocado pela guerra um cenário caótico, com o duplo triunfo da direita nacionalista da Liga e dos popu-
© ONU/Fotos Públicas

na Síria. Na ocasião, a listas antieuropeus do Movimento 5 Estrelas [veja a matéria à pág. 8]. A Espanha
então poderosa primei- enfrenta o desafio do separatismo catalão [veja a matéria à pág. 9].
ra-ministra desafiou as A crise europeia começou no campo da economia, com as rachaduras no edifício
resistências generalizadas à monetário do euro que refletiram o crescimento descontrolado das dívidas e dos déficits.
recepção de refugiados nos O remédio das políticas de austeridade, receitado pela Alemanha, corroeu o tecido eu-
países da União Europeia. ropeu de coesão social, produzindo consequências políticas. Os discursos antieuropeus
“O Islã pertence à Alema- adquiriram força inédita. Diferenciadamente, mas em quase todos os países, os partidos
nha”, afirmou celebremen- tradicionais entraram em declínio, enquanto emergiam partidos nacionalistas e popu-
te a alemã, anunciando listas. Os refugiados entraram em cena quando um fogo destrutivo já estava aceso.
A extrema-direita exige o fechamento das fronteiras que a maior potência da A gramática do discurso nativista organiza-se sobre a oposição “nós” versus “eles”.
da Alemanha, a expulsão dos foragidos e o fim do Europa receberia 1 milhão Os nativistas definem a nação, o povo (“nós”) em termos étnicos, culturais, linguísti-
governo Merkel, acusado de levar o país à ruína de refugiados. Ela queria cos e, no limite, raciais. “Eles”, os outros, são estrangeiros – não no sentido político
dizer que não apenas os ou jurídico do termo, mas no sentido étnico. Os judeus alemães eram “eles”, para o
muçulmanos estabelecidos nazismo. Os muçulmanos, cidadãos ou não, são “eles”, para os partidos nacionalistas
na Alemanha fazem parte europeus. Os imigrantes, mesmo os europeus, são “eles”, para os radicais do Brexit,
da nação alemã, mas que na Grã-Bretanha. Os espanhóis são “eles”, para os separatistas catalães de centro-
suas crenças incorporam-se à cultura e às tradições alemãs. De lá para cá, Merkel direita ou de esquerda.
perdeu sua condição de líder incontestável na Alemanha e a União Europeia verga A difusão do discurso nativista transformou-se na principal ameaça à União
sob a ofensiva dos nacionalismos e da xenofobia. Europeia, que é um projeto supranacional criado por partidos centristas e social-
A reação xenófoba abalou a estabilidade do sistema político alemão. Nas eleições democratas. Quando Horst Seehofer contesta a chefe do governo no qual é um dos
gerais de 2017, os dois grandes partidos – o CDU/CSU e o SPD – perderam juntos mais importantes ministros nos termos do nativismo, não há como ocultar que há
cerca de 15% do eleitorado. Enquanto isso, a Alternativa para a Alemanha (AfD), algo de muito errado no núcleo da Europa. Depois de Merkel, será o dilúvio?
partido ultranacionalista de direita, tornou-se o terceiro maior do país, e os liberais
do Partido Democrático Liberal (FDP), com um discurso anti-imigração, avançaram
para o quarto posto [veja o gráfico]. %
Eleições alemãs
No passado, os dois grandes partidos representavam perto de 70% do eleitorado. 45
Em 2015, obtiveram, somados, pouco mais de 50%. O desastre eleitoral refletiu-se 40
nas amargas negociações para a formação de uma nova maioria. Merkel fracassou 35
na tentativa de atrair o FDP e os verdes para uma coalizão. Os liberais, em especial,
30
recusaram-se a apoiar a primeira-ministra, exigindo uma reversão completa da política
imigratória. A saída desesperada foi reeditar a antiga coalizão com um SPD desgastado 25
eleitoralmente, cujas bases ansiavam por uma ruptura com os democratas-cristãos. 20
A nova maioria é fruto de renúncias dolorosas, que se destinam a evitar a con- 15
tinuidade da ascensão da AfD. O SPD desistiu de voltar à oposição para tentar 10
recuperar os eleitores que o abandonam em massa. Merkel abdicou de sua política 5
imigratória, aceitando se converter em refém de Horst Seehofer. Paradoxalmente, 0
para combater o partido da direita xenófoba, o centro político alemão desiste de CDU/CSU SPD AfD FDP Esquerda Verdes
princípios valiosos e aceita parte de suas imposições. As portas abertas se fecham, 2013 2017
como queriam os arautos da xenofobia.

 ABRIL 2018 MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


itália

Eleições jogam mais sombra na Zona do Euro


O Movimento 5 Estrelas e a Liga, os dois partidos que mais cresceram, são abertamente hostis aos planos de austeridade
da União Europeia e à acolhida de imigrantes e refugiados

C omo aconteceu em 2016, com a vitória do Brexit


(ruptura britânica com a União Europeia, em
junho) e com a eleição de Donald Trump à Presidência Câmara dos Deputados (630 cadeiras)
as devidas distinções, é um fenômeno semelhante ao que
deu a vitória a Trump no cinturão industrial em declínio
dos Estados Unidos e ao Brexit nas regiões do interior da
dos Estados Unidos, em novembro, o eleitorado italiano 16 Inglaterra. Já a Liga obteve a maior parte de seus votos no
rejeitou os candidatos e partidos do establishment. O maior Centro-Direita norte italiano, explorando um discurso nativista acirrado
122
vitorioso nas eleições gerais de março foi o Movimento 5 M5S pela lenda de que a Itália está sofrendo uma “invasão” de
Estrelas (M5S), fundado pelo comediante Beppe Grillo e 265
Centro-Esquerda imigrantes do Oriente Médio e da África do Norte.
liderado por Luigi Di Maio, que obteve, sozinho, mais de Outros Os líderes vitoriosos não falam abertamente em ruptura
um terço dos votos para a Câmara dos Deputados e para o com a União Europeia. Não está na mesa, ainda, nenhuma
Senado [veja o gráfico]. Dentro da coligação de partidos proposta de plebiscito semelhante ao Brexit, por exemplo,
227
vencedora, Centro-Direita, o “capo” Silvio Berlusconi, do exceto por parte dos grupos mais extremados. Mas os seus
partido Força Itália, sofreu uma derrota histórica obtendo discursos são cheios de ressentimento, e o M5S defende o
apenas 14% dos votos e sendo ofuscado por Matteo Sal- abandono da Zona do Euro. Os dois partidos enfatizam o
vini, da Liga (antiga Liga Norte), com 17%. Senado (315 cadeiras) fato de que a economia italiana permanece estagnada desde
O equilíbrio estabelecido entre as forças no Parlamento é 6
que o país adotou o euro (em termos reais, o PIB per capita
muito instável, com uma clara tendência de fortalecimento Centro-Direita
italiano, hoje, é menor do que era no ano 2000) e respon-
de grupos e partidos antieuropeus. A coligação Centro-Es- 60
M5S
sabilizam os limites impostos pela Banco Central europeu
querda, europeísta, cujo núcleo é o Partido Democrático, Centro-Esquerda (incluindo o limite do déficit público em 3% do PIB) pela
137
sofreu uma derrota aplastante, perdendo 227 de suas cadei- Outros paralisia econômica. Finalmente, afirmam que a Itália paga
ras na Câmara e 122 de suas cadeiras no Senado. Os vence- sozinha os custos da imigração descontrolada de africanos
dores – o M5S e a Liga – são, de modos diferentes, partidos oriundos, principalmente, da vizinha Líbia.
112
populistas e eurocéticos. O resultado das eleições na Itália Um evento específico ilustra bem esse sentimento. Em 3
é uma péssima notícia para a União Europeia, dado o fato de fevereiro, em Macerata (nordeste do país), um pistoleiro
de que a economia italiana representa o terceiro maior PIB Fonte: Ministério do Interior da Itália
de extrema-direita disparou contra um grupo de africa-
do bloco (US$ 1,85 trilhão), só perdendo para Alemanha nos, deixando seis feridos.
(US$ 3,46 trilhões) e França (US$ 2,46 trilhões). O pistoleiro, filiado à Liga,
Às vésperas das eleições, as previsões indicavam a declarou que se tratava de
“ressurreição” política de Berlusconi, 81 anos, após Itália: resultado das eleições para a Câmara vingança pela morte de uma
sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro, em 2011, jovem, supostamente por três
encerrando duas décadas no palco principal da política ALEMANHA nigerianos que se encontram
italiana. Desgastado por seus comentários racistas, acusado presos. Isso provocou um
de corrupção, fraude fiscal e participação em orgias com FRANÇA ÁUSTRIA
salto no número de eleitores
prostitutas menores de idade, Berlusconi foi declarado SUÍÇA HUNGRIA da Liga, de 1% nas eleições de
inelegível pelos tribunais. Mesmo assim, apresentou-se 2013 para 21% agora.
como principal voz da aliança de centro-direita que ESLOVÊNIA Em tese, os resultados
SÉRVIA
aparecia em primeiro lugar nas sondagens eleitorais. As CROÁCIA abrem tanto para Salvini
sondagens indicaram que a coalizão teria algo em torno de quanto para Di Maio a pos-
38% dos votos, ao passo que o M5S, com uma plataforma BÓSNIA sibilidade de formar coalizões
centrada na crítica aos políticos tradicionais, por sua vez, parlamentares que os con-
deveria abocanhar 26%. Deu quase tudo errado. O M5S duzam à chefia de governo.
disparou na frente, tornando-se o maior partido do país. MONT. No limite, poderia haver um
A coalizão Centro-Direita foi vitoriosa, mas Berlusconi MAR ADRIÁTICO compromisso entre a coligação
viu-se deslocado pelo partido Liga, de Salvini. Roma
Centro-Direita e o M5S, o que
Parte da explicação está no fato de que tanto a Liga daria uma força excepcional à
quanto o M5S adotam um discurso xenófobo, claramente perspectiva de ruptura com a
hostil aos imigrantes [veja a matéria à pág. 6]. Ao mes- União Europeia. O processo
mo tempo, ambos são contrários à adoção dos planos de de negociações e batalhas
austeridade formulados pela União Europeia, ao passo que políticas, cuja condução cabe
Berlusconi é mais cauteloso quando se trata preservar as ao presidente do país, Sergio
relações com o bloco europeu. Mattarella, promete ser extre-
A geografia eleitoral esclarece muita coisa [veja o MAR MEDITERRÂNEO mamente complicado, e pode
mapa]. A principal base de votos do M5S foi o Mezzo- Liga até mesmo conduzir a novas
giorno, o sul da Itália, região mais pobre e que menos se Partido eleições, como aconteceu na
beneficiou da integração econômica europeia. O PIB per Democrático Espanha, em 2015. Em qual-
M5S
capita da região equivale a apenas dois terços da média ARGÉLIA TUNÍSIA
quer hipótese, novas nuvens
Outros
nacional, ao passo que metade da juventude com idade cinzentas se adensam sobre a
entre 15 e 24 anos está desempregada. Na Sicília, em Fonte: Ministério do Interior da Itália Zona do Euro.
particular, a vitória do M5S foi esmagadora. Guardadas

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 2018 ABRIL 


espanha

Nacionalismo catalão identifica a nação


ao “sangue”
“N ão façam como no circo romano: à prisão só vai
quem o juiz diz que deve ir.” A advertência partiu
Os partidos nacionalistas enterram suas divergências po-
líticas e ideológicas sob o espesso sedimento do separatismo.
de metade da população catalã. Mas, como revelam os
resultados eleitorais, não conseguem perfurar a barreira
de Josep Borrell, um catalão e um veterano do Partido No campo político, descrevem a Espanha atual como uma das principais cidades, como Barcelona e Tarragona,
Socialista espanhol (PSOE), dirigindo-se à multidão que potência autoritária, derivada do franquismo, ignorando onde se concentram uma população mais cosmopolita
tomou as ruas de Barcelona em 8 de outubro de 2017 tanto a Constituição democrática de 1978 quanto os e centenas de milhares de trabalhadores cujas famílias
para dizer aos nacionalistas que é possível ser catalão e estatutos de autonomia regional que dela resultaram. No transferiram-se, há décadas, da pobre Andaluzia para
espanhol ao mesmo tempo. Mas a frase era uma crítica aos terreno econômico, acusam o governo central de explorar a a próspera Catalunha [veja o boxe].
seus – aos que o aplaudiam e exigiam a prisão de Carles riqueza catalã (“a Espanha nos rouba”), como se o nível de A crise da Catalunha veio para ficar. Seus frutos são a
Puigdemont, então chefe do governo autônomo da Ca- transferências fiscais da Catalunha não estivesse em linha polarização extrema da sociedade catalã, a fuga de empre-
talunha. Hoje, Puigdemont encontra-se na Bélgica, para com o de regiões prósperas de outros países europeus. sas da região e um perigoso enrijecimento da democracia
escapar ao sistema judicial espanhol, junto com alguns de O nacionalismo catalão segue um figurino na- espanhola. O governo conservador do PP, incapaz de
seus antigos secretários. Na Espanha, mas na prisão, e por cionalista estabelecido na Europa do século XIX. conduzir a luta política contra o separatismo, depende
decisões judiciais, estão seu antigo vice-chefe de governo, Reinventam o passado, produzindo uma imaginária agora dos mais amargos remédios previstos na Constitui-
Oriol Junqueras, e dois destacados líderes de organizações “Catalunha eterna”. Invocam a língua e a cultura an- ção. O Poder Judiciário age na fronteira incerta entre a
separatistas, Jordi Sánchez e Jordi Cuixart. cestral, inscrevendo a nação na moldura da etnia, não lei e o autoritarismo. Bandeiras nacionais tremulam nas
A espada do Poder Judiciário acompanhou o canhão na política ou nas leis. Nesse passo, apelam às emoções sacadas de cidades grandes e pequenas da Espanha, num
do Poder Executivo. Diante de uma declaração unilateral dos “catalães de sangue”, especialmente do interior. sinal de reativação de um agressivo nacionalismo espanhol
de independência do Parlamento da Catalunha, o governo Impulsionados pela recessão econômica que se seguiu de sombrias memórias. Não se brinca impunemente com
espanhol utilizou, pela primeira vez, o artigo 155 da Cons- à crise do euro, conseguiram o apoio firme de cerca o “sangue”.
tituição, suspendendo a autonomia catalã e indicando
interventores estatais.
O gesto dramático foi acompanhado pela convocação
de novas eleições regionais na Catalunha, que se realizaram
em dezembro. No pleito, pouco mais da metade dos elei- Tabarnia, a ironia e seus perigos
tores votaram nos partidos constitucionalistas, contrários
ao separatismo (Cidadãos, de centro; Partido Socialista, de Tabarnia (“Ta”, de Tarragona; “Bar”, de Barcelona) é uma região ficcional no interior da Catalunha que abrange as
comarcas ligadas às duas cidades [veja o mapa]. A ideia nasceu nas redes sociais como paródia do movimento pela indepen-
centro-esquerda; Podemos, de esquerda; Partido Popular,
dência catalã, pelas mãos da organização Barcelona Não é Catalunha. A figura pública mais conhecida da atual Plataforma
de centro-direita). Mas, graças ao sistema distrital que dá por Tabarnia é o dramaturgo catalão Albert Boadella, um ácido crítico dos separatistas.
peso maior aos votos das pequenas cidades, as três forma- No começo, tudo era fina ironia: um exercício de sofisticado espelhismo do discurso dos nacionalistas catalães. A
ções independentistas (Junts per Catalunya, de centro; Catalunha se distingue da Espanha por sua cultura ancestral? A Tabarnia se diferencia da Catalunha pela antiga cultura
ERC, de centro-esquerda; CUP, de extrema-esquerda) dos catalães do litoral. A língua catalã é uma marca de identidade nacional? Os habitantes de Tabarnia falam o catalão de
novamente obtiveram escassa maioria no Parlamento modo específico, típico da região costeira. A Espanha “rouba” a Catalunha? A Catalunha “rouba” a Tabarnia, pois Barcelona
regional. O separatismo está ferido, mas não morto. e Tarragona transferem parte dos impostos que arrecadam para as comarcas do interior.
As eleições regionais de dezembro produziram um forte argumento político para Tabarnia. Na região ficcional, os par-
“Facha”, fascista na expressão popular espanhola, é o tidos separatistas perderam. O “povo de Tabarnia” não deseja se separar da Espanha. Brincando, a Plataforma por Tabarnia
insulto ritual aplicado pelos nacionalistas catalães a todos propôs um plebiscito para se separar da Catalunha, formando uma nova comunidade autônoma dentro da Espanha.
os que repelem a via da secessão. “Bloco monárquico” A polarização po-
– é assim que os independentistas se referem aos partidos lítica catalã começa
constitucionalistas. A pedagogia separatista produziu a a desgastar o tecido A Tabarnia e a Catalunha
divisão da sociedade catalã em dois campos inconciliáveis. da ironia. Algumas
FRANÇA

As ruas contra as leis – a tática nacionalista baseou-se, correntes ensaiam falar FRANÇA
Catalunha
sério, quando se trata
sempre, na ideia de que a mobilização popular vale mais
PORTUGAL

de cindir a Catalunha. Madri


Ilhas
República Catalã
que o contrato social. Mas, sem maioria social, a criação Nacionalismos não são, ESPANHA
Baleares
População: 1.383.000
PIB per capita: EU 22.673
de uma República Catalã independente choca-se com a necessariamente, coisa
MAR
MEDITERRÂNEO

Ilhas Canárias
vontade de metade dos catalães – e com a dura reação do do passado, como ates- OCEANO
Língua oficial: catalão
ATLÂNTICO

Estado espanhol. tam as fragmentações


O nacionalismo catalão pratica, há quase duas décadas, da Tchecoslováquia e
C a t a l u n h a
o esporte da identificação entre a nação e o “sangue”. Na da Iugoslávia. Nações
podem sempre ser in- Comunidade autônoma
esfera da narrativa histórica, a Guerra da Sucessão Espa- ventadas. Basta que
de Tabarnia

nhola (1702-14), um conflito dinástico entre as casas de muitos acreditem na E S P A N H A Tabarnia População: 6.139.000
PIB per capita: EU 28.673
Bourbon e de Habsburgo, é reescrita como uma guerra linguagem da identi-
Língua oficial: catalão
popular de secessão da Catalunha – e seu resultado como dade e da exclusão. e espanhol
início da dominação espanhola sobre a nação catalã. Na
MAR MEDITERRÂNEO
esfera da escola, os governos regionais adotaram a “imersão
linguística” – isto é, um sistema baseado no ensino quase Fonte: Plataforma por Tabarnia
exclusivamente em língua catalã. Na esfera da comuni-
cação, a TV3, canal público controlado pelo governo
regional, emite incessante propaganda nacionalista.

 ABRIL 2018 MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


Anne Marie Sumner
Especial para Mundo

São Petersburgo, verão e inverno


Centro histórico de São Petersburgo
Hermitage, de onde percorrendo Rafael,
Rubens ou Ticiano, entrevê-se o Neva

O s canais de São Petersburgo são os


estruturadores horizontais da cida-
de além de aproximadores, como ímãs, dos
Fortaleza
de Pedro Rio Neva
congelado; à noite, nos concertos da tem-
porada de inverno e nos magistrais balés no
Teatro Mariinsky, Giselle, Anna Karenina
e Paulo
transeuntes. Os quatro canais principais ou O corsário. O controle dos corpos de
Rio Neva e canais
– Moyka, Griboyedova, Fontanka e Ob- Museu baile é um assombro; para um arquiteto,
Hermitage Infraestrutura viária
vodny, paralelos ao rio Neva no seu estuá- (ruas e avenidas) assombram também as paisagens urbanas
rio – desenham a cidade, cuja monumental Aveni
da Nevsk
Edificações de fora: o Teatro Mariinsky, visto do Café
y
(casas, museus, palácios,
obra de drenagem foi iniciada no começo igrejas e jardins) Teatro, a Catedral Kazan, vista do Edifício
do século XVIII [veja o mapa]. Canal Moika
Principais edificações
(Museu Hermitage e
art nouveau Singer, a Praça do Palácio com
Os marcadores verticais são os pinácu- Canal Fontanka Fortaleza de Pedro e Paulo) a Coluna de Alexandre, vista do alto do
los dourados, mas também os campaná- Hotel Kempinsky [veja o Desenho 2].
rios, cúpulas e bulbos bizantinos, surreais, Espesso branco, tudo é neve: uma certa
Canal Obvodny
que caracterizam grande parte dos pontos cidade parisiense desenhada por canais e
de fuga, sempre visíveis devido à cota rasa pináculos de um certo Bizâncio entrecru-
e contínua da plana São Petersburgo. É, de zados pelo intimismo da Igreja Ortodoxa:
Desenho 1
fato, a janela para a Europa, fundada por o ícone. E claro, principalmente no in-
Pedro I, o Grande, determinado a moder- Desenho 1: Canal Moika verno, a presença mítica da Revolução de
nizar a Rússia. Paris é o modelo no desenho 1917. Ter visto o filme Outubro, de Sergei
das quadras, definidas pelo alinhamento Desenho 2: Vista do Hermitage e da Praça do Eisenstein, no Hermitage, na Exposição
contínuo dos edifícios sempre nas testadas Palácio, a partir do restaurante Kempinsky Retrospectiva dos 100 anos da Revolução
dos lotes, sem recuo frontal ou lateral e (28 de janeiro de 2018) Russa, foi uma vertigem. Inaugural para
com gabarito ligeiramente variável, cinco a o cinema, a grande arte do século XX, os
sete pavimentos (Paris tem seis). Versalhes enquadramentos pioneiros, a filmagem da
é outro emblema, sobretudo no caso do Pa- Desenho 2 ocupação do Hermitage pelos revolucio-
lácio de Inverno, hoje Museu Hermitage: nários, lá dentro, no mesmo Hermitage:
as dimensões do Salão de Baile do palácio um espanto.
russo são basicamente as mesmas do Salão É evidente o orgulho dos russos de sua
© Ilustrações: Anne Marie Sumner

dos Espelhos do francês. própria história, ainda ambiguamente per-


As pontes que atravessam o rio Neva, meada pelo rastro da Revolução de 1917.
de grande escala e sofisticada engenharia, Cultura sofisticada, crianças de escola
alinhavam os dois lados da cidade. Naquele diariamente percorrendo o Hermitage,
estuário, a configuração urbana é defini- assessoradas em geral por funcionários
da a sul pelos canais, ora de escala mais idosos no atendimento, estritamente em
intimista e singela, com transposições de língua russa, que se estende às instituições
menor porte e tão próximas e cotidianas públicas em geral, teatros, museus, facul-
ao cidadão, ora com pontes monumentais, dades. Para o estrangeiro, há o anteparo
como a Nevsky, sobre o Moika, que privi- da língua, com alfabeto cirílico, associado
legiam os grandes eixos visuais. ao rigor das normas oficiais. Para visitar as
Na cidade cosmopolita, nem mesmo curva do Moika que encontra, logo ali, o O traçado da Avenida Nevsky com fuga 12 faculdades da Universidade só mediante
o rigoroso inverno, com todos os canais Fontanka [veja o Desenho 1]. no pináculo do edifício do Almirantado, interferência de professores – e deixando o
e mesmo o Neva congelados, impede a A Fortaleza de Pedro e Paulo, em ilha sede da marinha imperial, a três quartos em passaporte na recepção.
movimentação de gente até tarde da noite de configuração estelar clássica com seus relação à Avenida, acentua a maestria for- Os fogos de artifício na noite de 27 de
nos restaurantes, cafés, lojas e mesmo nas pináculos dourados, embora cidadela inau- mal e espacial da apreensão daquele marco janeiro, em comemoração ao aniversário
ruas. O comércio fecha tarde até no gélido gural, tem como contraponto, do outro e daquele conjunto edificado. Sim, porque fim do cerco nazista à então Leningrado
janeiro. No verão, com o contínuo de luz, lado do Neva, a São Petersburgo imperial: sendo visualizado em quina, a 45 graus em na Segunda Guerra Mundial, dão uma
quase uma aurora boreal, o Neva é palco o Palácio de Inverno e a Praça do Palácio relação ao eixo da Nevsky, permite uma medida épica dessa deferência em relação
da passagem de todo tipo de embarcação, com sua coluna de mármore central de apreensão espacial-volumétrica em vez de à própria história. Afinal, sob o mesmo
indo e vindo, as pontes se abrindo para 43 metros erguida de um só golpe. Já o percepção apenas frontal, uma das grandes inverno, os russos fizeram recuar tanto
receber navios cargueiros de grande porte. edifício do General Staff (antiga sede de lições do Partenon de Atenas. Napoleão quanto Hitler. Inverno – nele
Depois de tais espetáculos sob as pontes ministérios, hoje parte do Hermitage), Naquela latitude, verão e inverno está o enigma maior, avassalador e sublime
em festa, na madrugada clara de um em semicírculo monumental, conforma constituem paisagens, incidências de luz da Rússia.
eterno lusco-fusco, o movimento segue classicamente a praça e, dependendo do e vivências muito distintas. A luz perene
animado pelos passeios nos jardins do ponto de vista, resulta em perspectiva do verão se inverte no inverno, e os per-
antigo Palácio Mikhailovsky (atual Mu- Anne Marie Sumner é arquiteta e
surpreendente, distorcida pela diagonal cursos protegidos do frio cortante se dão
professora de Projeto da FAU-Mackenzie
seu do Estado Russo), ao longo de uma da Avenida Nevsky ao fundo. de modos diversos: com mais vagar no (www.annemariesumner.arq.br)

MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO 2018 ABRIL 10


mapas de mundo, mundo dos mapas

Europa envelhece e opta por energia renovável


A Organização Nações Unidas (ONU) divulgou dados
demográficos com previsões para médio e longo
prazos (2030 e 2050). Segundo a ONU, a população do
altamente imprevisíveis, ligados ao desempenho da eco-
nomia, ao equilíbrio entre oferta e demanda energética,
ao desenvolvimento de novas tecnologias, à variabilidade
Nas próximas três décadas, o consumo global de
energia deverá crescer cerca de 30% e quase todas as fon-
tes primárias – à exceção do carvão e, talvez, das fontes
planeta era, em 2017, de aproximadamente 7,5 bilhões dos preços das commodities energéticas, às tensões geopo- hídrica e nuclear – deverão se beneficiar disso. Na matriz
de indivíduos, aos quais seriam acrescidos mais 1 bilhão líticas e ao peso do tema ambiental na opinião pública. energética mundial, as fontes não renováveis, que hoje re-
em 2030 e pouco mais de 1,2 bilhão em 2050. Contudo, no caso da Europa, a decisão política de reduzir presentam pouco mais de 80% do consumo total, recuarão
Analisando em detalhe esse incremento populacional o uso de combustíveis fósseis terá nítido impacto na matriz para cerca de 70%, no horizonte de 2050. As mudanças
verifica-se a disparidade entre regiões e países do mundo. energética continental. não serão, portanto, tão expressivas como muitos tendem
Em termos gerais, quase todos os continentes apresenta- a acreditar.
rão, tanto em 2030 quanto em 2050, acréscimos em seu A Europa possui escassas reser-
efetivo demográfico. A exceção fica por conta da Europa, Mapa 1 vas energéticas. Por outro lado, o
cuja população diminuirá nos dois horizontes, passando Rumos demográficos do continente europeu conjunto dos países do continente
de 742 milhões em 2017 para 739 milhões em 2030 e faz uso de 20% do total da ener-
716 milhões em 2050. Se as previsões se confirmarem, na ISLÂNDIA gia mundial, tendo necessidade
metade deste século o continente europeu terá 26 milhões de importar cerca da metade da
de indivíduos a menos que atualmente. Essa situação é energia que consome. Os principais
R Ú S S I A
resultado da combinação de três fatores principais: a di- NORUEGA fornecedores são a Rússia e países
SUÉCIA
minuição do ritmo do crescimento vegetativo, a imigração da África e do Oriente Médio. A
de origem externa e a migração entre os próprios países MAR
DO NORTE
matriz energética europeia ainda
do continente. Os três fatores variam em intensidade ao é dominantemente marcada pelo
BELARUS
longo do tempo e de país para país. binômio hidrocarbonetos e ener-
ATLÂNTICO
OCEANO

POLÔNIA
Segundo as previsões, há nações europeias cuja popu- ALEMANHA UCRÂNIA gia nuclear. As fontes renováveis
lação absoluta crescerá tanto em 2030 quanto em 2050, representam quase 17% do total. A
formando dois grupos distintos. O primeiro abrange FRANÇA proposta da União Europeia, que
ROMÊNIA
países localizados da porção norte-ocidental do conti- MAR NEGRO deverá ser acompanhada por países
nente, englobando os países nórdicos (Islândia, Noruega, do continente que ainda não fazem
ITÁLIA
Suécia, Finlândia e Dinamarca), mais Grã-Bretanha, Ir- ESPANHA TURQUIA
parte do bloco, é de aumentar essa
landa, França, Suíça, Luxemburgo e Bélgica. O segundo participação para 20% até 2020 e
corresponde a três países do sudeste da Europa: Turquia, MAR MEDITERRÂNEO 27% em 2030, além de incremen-
Azerbaijão e Chipre [veja o Mapa 1]. tar no mesmo nível a eficiência
No grupo da Europa norte-ocidental, o crescimento Ganharão população em Ganharão população em energética.
demográfico deve-se, principalmente, à imigração oriun- 2030 e 2050 2030, mas perderão em 2050 As disparidades internas são
Perderão população em Em 2050 terão menos
da da África e da Ásia, mais especificamente do Oriente 2030 e 2050 população que em 1950 notórias. Há países como os do
Médio, como também de outros países europeus, espe- Fonte dos dados: Eurostat grupo nórdico – Islândia, Noruega,
cialmente na porção centro-oriental. Na Turquia e no Mapa 2 Suécia e Dinamarca – que já ultra-
Azerbaijão, países dominantemente muçulmanos, existe passaram em muito o patamar de
culturalmente uma “tradição” de maior crescimento vege- Participação das fontes renováveis 20% de fontes alternativas em sua
tativo. As taxas de natalidade, embora declinantes, ainda na matriz energética matriz energética. O país com maior
são elevadas. representação nas fontes alternativas,
ISLÂNDIA
Já os países cuja população atual será reduzida nos pouco mais de 70%, é a pequena,
horizontes de 2030 e 2050 formam uma espécie de arco gélida e isolada Islândia. Este país
praticamente contínuo que vai da Rússia, passa pelo an- R Ú S S I A
insular, que não pertence à União
tigo bloco soviético do Leste Europeu e se estende pelas NORUEGA
SUÉCIA
Europeia, tem como principal fonte
penínsulas Balcânica, Itálica e Ibérica. As exceções são primária a energia geotérmica [veja
MAR
Holanda, Alemanha, Áustria e Eslovênia, que experimen- DO NORTE o Mapa 2].
tarão incremento demográfico até 2030, mas perderão BELARUS
No extremo oposto estão alguns
ATLÂNTICO

população no horizonte de 2050. Os casos dramáticos: dos mais importantes países da


OCEANO

POLÔNIA
ALEMANHA
Letônia, Lituânia, Ucrânia, Hungria Croácia, Bulgária e UCRÂNIA União Europeia, cujos índices no uso
Albânia terão população menor em 2050 do que possu- de energias renováveis estão abaixo
íam em 1950. O decréscimo populacional relaciona-se FRANÇA de 10%, casos da Bélgica (7,9%),
ROMÊNIA
à combinação variável de quatro causas principais: as MAR NEGRO Holanda (5,8%) e Grã-Bretanha
importantes transformações políticas recentes (fim dos ITÁLIA
(8,2%). Um pouco acima deles, mas
regimes do “socialismo real”); conflitos militares (Bósnia, ESPANHA TURQUIA abaixo da média europeia, estão dois
Croácia, Geórgia, Ucrânia); persistente diminuição do “pesos pesados” do bloco: Alemanha
crescimento vegetativo; emigração para países da Europa MAR MEDITERRÂNEO (14,6%) e França (15,2%). No caso
Ocidental. francês chama atenção o grande uso
A Europa que envelhece está na vanguarda das polí- Menos de 10% De 20 a 30% da fonte nuclear, que perfaz aproxi-
ticas de substituição de fontes energéticas não renováveis madamente 45% do total da matriz
De 10 a 20% Mais de 30%
por renováveis. Não é simples traçar um diagnóstico da energética do país.
evolução do cenário energético na Europa, pois há fatores Fonte dos dados: Eurostat e IEA

11 ABRIL 2018 MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO


brasil

Reformas alteram pilares da Constituição de 1988


Renato Rocha Mendes No aniversário de 30 anos, o texto constitucional é objeto de polêmicas que abrangem
Especial para Mundo tanto seu pacto social quanto seu pacto político

T rês décadas depois de sua promulgação, a Consti-


tuição brasileira continua a figurar entre as mais
avançadas do mundo, sob a ótica dos direitos e garantias
fundamentais do cidadão. Nela, está concentrado o ideário
da nação por meio de um conjunto de leis. Mas a Cons-
tituição é letra, um documento, a expressão do momento
em que foi redigida. Hoje, a crise da Nova República,
como foi batizado o período aberto pela redemocratiza-
ção, coloca em xeque os pactos social e político de nossa
Carta Magna.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de
1988, é a sétima escrita após a independência, em 1822.
Ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, expressão
cunhada por Ulysses Guimarães, líder da oposição legal ao

© Arquivo/Agência Brasil
regime militar, porque fez parte do ciclo de redemocratiza-
ção do país, um período de ebulição social e política.
A cronologia do período de transição inicia-se com o
movimento civil pelas “Diretas Já!” (1983-84), em favor
das eleições diretas para presidente, uma meta que não se
concretizou, frustrando a população. Na sequência, veio a
eleição indireta de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral,
em 15 de janeiro de 1985, a morte do presidente eleito, Em Brasília, a Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Ulysses Guimarães, aprova o texto da
em 21 de abril, e sua substituição pelo vice, José Sarney, Nova Carta, em 5 de outubro de 1988
oriundo da Arena, o partido de sustentação da ditadura
militar. A Assembleia Nacional Constituinte instalou-se Na Constituição, encontra-se a chamada “regra de A “Constituição Cidadã” gerou, também, um pacto
em 1º de fevereiro de 1987 e concluiu seus trabalhos em ouro” dos gastos públicos, que limita as operações de político – que hoje está em ruínas. A profunda crise política
22 de setembro de 1988. A Constituição foi promulgada crédito do governo federal, para evitar o aumento do dos últimos anos, marcada pela multiplicação de partidos
em 5 de outubro. endividamento gerado por pagamentos de funcionários e com escassa representatividade e pela exposição de vastos
O texto constitucional estabeleceu um pacto social despesas gerais de órgãos públicos. Hoje, diante da crise esquemas de corrupção, evidencia o encerramento de uma
implícito, formado por um conjunto de gastos públicos orçamentária, o Ministério da Fazenda ensaia flexibilizar era. A crise política e ética tem raízes institucionais: o
obrigatórios ligados à educação, à saúde, à Previdência a “regra de ouro”, num sintoma do esgotamento do pacto chamado “presidencialismo de coalizão”, que evoluiu para
Social e à remuneração dos funcionários públicos. Os social de 1988. um “presidencialismo de cooptação” no qual o presidente
resultados foram, de um lado, a redução de carências O Novo Regime Fiscal, ou Teto de Gastos Públicos, obtém maioria no Congresso em troca da colonização da
sociais históricas e, de outro, pressões crescentes sobre o or- aprovado pela Emenda Constitucional 95, de 2016, máquina pública pelos partidos aliados.
çamento da União. O crescimento dos gastos públicos em contraria o pacto social da Nova República. A alteração Na Constituição, está a prerrogativa presidencial de
ritmo superior à expansão do PIB, um traço característico na Constituição limita gastos em setores críticos, como preencher dezenas de milhares de cargos públicos na admi-
das três últimas décadas, causou a hiperinflação dos anos saúde e educação, mas deixa de fora a Previdência Social, nistração direta ou indireta (estatais) a partir de indicações
anteriores ao Plano Real (1994) e o aumento acelerado que representa 40% dos gastos federais obrigatórios. Os políticas. A crise atual exigiria a revisão dessa prerroga-
da carga tributária, desde o Plano Real. Finalmente, nos saldos negativos da Previdência, que aumentam ao longo tiva. Paralelamente, o pluripartidarismo constitucional e
mandatos de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2016, provo- do tempo, são uma das principais fontes de pressão sobre as regras eleitorais propiciaram um salto no número de
cou forte crescimento da dívida pública. os gastos públicos [veja o gráfico]. Os governos FHC e partidos políticos, de 13, em 1988, para os atuais 35. A
Lula ensaiaram reformar a Previdência, mas multiplicação partidária não reflete a diversidade de cor-
recuaram diante da resistência sindical. O rentes políticas. Pelo contrário, partidos são criados como
governo Temer enviou projeto de reforma ao veículos para a conquista de espaços na máquina pública.
R$ bilhões
(Dez. 2016)
Contas da Previdência Congresso, mas também recuou diante da Não é por acaso que, em tempos de Lava Jato, volte à baila
600,0
515,9
derrota anunciada. Sem reforma previdenciária, a necessidade de uma radical reforma política.
483,9
500,0
406,4
433,6
459,0 478,5 e com teto de gastos públicos, ocorreria auto- Diante de tantas rupturas de pactos constitucionais, não se-
392,4
400,0
312,3
335,5 339,2
364,0
377,3
395,3 409,6 300,7
mática redução de gastos em educação e saúde ria o caso de dizer que a própria Constituição está em crise?
284,1 354,8 364,0
300,0
233,9
258,6
277,4 294,4
325,9 para cobrir os déficits previdenciários. A resposta, do ponto de vista das liberdades públicas,
200,0 254,1

176,4
192,9
211,0
232,9
Lula anunciou que o PT proporá o fim é não. Num cenário político e econômico tão complexo
100,0
do teto de gastos públicos e se oporá à re- como o que vivemos no Brasil, a Constituição de 1988
0 -57,5 -65,7 -73,1 -79,4 -81,4 -61,8 -69,6 -66,5 -51,6 -56,2 -64,6 -68,9
-95,1
forma previdenciária. Geraldo Alckmin e continua a organizar as disputas e institucionalizar os
-100,0 -151,9 outros candidatos expressaram apoio tanto conflitos. Trinta anos depois do fim da ditadura militar,
-200,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 a um quanto à outra. A natureza do pacto ela garante o regime democrático. Não é pouca coisa.
Arrecadação líquida Benefícios previdenciários Resultado previdenciário social estará no centro dos debates nas elei-
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Previdência, 2017
ções do fim do ano. Renato Rocha Mendes é jornalista

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