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A Europa instável
N a Itália, dois partidos populistas
e eurocéticos triunfaram em
eleições parlamentares que caíram
como bombas sobre a União Europeia.
Na Espanha, o nacionalismo catalão
desafia a ordem estatal. Na Alemanha,
locomotiva do trem europeu, a lide-
rança de Angela Merkel ingressa em
declínio, enquanto emerge um partido
nacionalista de direita. As esperanças
de estabilização política da Europa
provocadas pela vitória de Emmanuel
Macron, na França, dão lugar à certeza
de que a crise veio para ficar.
A crise é, sobretudo, de valores. Na
origem da União Europeia, encon-
tram-se o internacionalismo, o cos-
mopolitismo e a crença na democracia
© blu-news.org/Creative Commons 2.0
e mais...
n Editorial – A vereadora Marielle Franco foi vítima do condomínio entre a facção
bandida da polícia e o narcotráfico.
Pág. 3
n Donald Trump cumpre a promessa de campanha de deflagrar uma guerra comercial.
© Coleção particular
Em algumas situações
raras, alguns artistas e
obras desafiam valores
de sua época, adotando
linguagens pouco
convencionais, escapando
à censura. É o caso
Regulamento
■ Quem poderá participar? ■ Quem julgará os trabalhos?
Todos os alunos das escolas assinantes de Mundo. As redações serão avaliadas por uma Comissão E X P E D I E N T E
Julgadora integrada por professores de Comunicação
■ Qual é a forma de participação? e Expressão de reconhecido saber e experiência no PANGEA – Edição e Comercialização de
Material Didático LTDA.
Cada escola poderá enviar até cinco redações. ensino médio.
Tomamos a liberdade de sugerir que as escolas realizem Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,
um concurso interno de seleção. Todos os leitores de ■ As redações serão publicadas? Nelson Bacic Olic (Cartografia)
Mundo podem participar, mas apenas mediante a A redação vencedora será publicada e comentada na Jornalista responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)
intermediação das escolas. Por razões pedagógicas, edição de outubro de 2018 de Mundo. Outras redações Revisão: Jaqueline Ogliari
não aceitaremos redações enviadas sem a anuência da poderão, eventualmente, ser publicadas. Importante: Pesquisa iconográfica: Thaisi Lima
escola. os autores, ao participarem do concurso, concedem Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
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obrigatoriamente, conter título. Cada escola receberá, aparelho MP4 no valor de R$ 200,00. Do 6º ao 10º,
durante o mês de maio, cinco folhas pautadas e serão ofertados prêmios em livros. www.clubemundo.com.br
numeradas para a transcrição dos textos selecionados.
As folhas preenchidas deverão ser remetidas à sede da Infelizmente não foi possível localizar os autores de
todas as imagens utilizadas nesta edição.
Pangea. Este formato é obrigatório, inclusive para Para mais informações, veja o tema da Teremos prazer em creditar os fotógrafos,
garantir o sigilo: a Comissão Julgadora não terá acesso redação à pág. 2 de Mundo n. 1 – março caso se manifestem.
ao nome dos autores ou das respectivas escolas. de 2018.
de carregamentos de drogas, faturando milhões. Mas, desde reeleger. Os líderes do partido emanado das Farc
que foi assinado o acordo de paz, Sofia mora num “campo inscreveram em sua plataforma o combate à cor-
de desmobilização”, onde densas florestas se encontram com rupção e à pobreza.
imensos matagais. Como muitíssimos ex-guerrilheiros, ela O passado não ajuda. As Farc operaram um
se esforça para preencher dias que se tornaram vazios desde sofisticado tráfico de cocaína e armaram soldados-
que as Farc aceitaram se desfazer de suas armas. crianças. Os habitantes pobres das zonas de guerra
Quando isso terminará? É o que pergunta com jeito de sofreram perdas devastadoras. O célebre sequestro
lamentação, ou mesmo de desespero, um companheiro de de Íngrid Betancourt, então senadora e candidata
Sofia nas lutas em campos abertos. Quando ele se queixou Ao posar para foto, Rodrigo “Timochenko” à Presidência, perdurou entre 2002 e 2008, até o
do acordo de paz, a história do longo conflito colombiano Londoño usa uma camiseta com os dizeres “viva o resgate na selva pelos militares colombianos. Os
contabilizava mais de 220 mil mortos e de 7 milhões de povo”, no idioma basco Estados Unidos e a União Europeia classificaram
deslocados internos. A esperança de Sofia e tantos outros a guerrilha como grupo terrorista. No pleito par-
era a de que o acordo de paz, depois de 52 anos de guerra, lamentar de março, o partido Farc obteve meros
mudasse o país, que se criassem oportunidades também Timochenko, pelo menos, tornou-se história. Falou-se, 0,5% dos votos, num espetáculo dramático de
para eles. Mais da metade dos 500 rebeldes que se insta- nas muitas reuniões em presença de Sofia, que o novo repúdio nacional.
laram no mesmo campo de Sofia agora encaram a ideia objetivo, mesmo em meio a grossas dificuldades, logo Mas o fato é que um líder da antiga guerrilha chegou
de se reocuparem, passando aos poucos da guerrilha à depois do desastre eleitoral da Farc no pleito parlamentar, a ser pré-candidato a presidente, à frente de um partido
política, em compasso com a Força Alternativa Revolu- seria eleger um presidente da Colômbia. político legal. No primeiro turno das eleições presidenciais,
cionária Comum, o partido criado a partir das Farc, que Timochenko participou de comícios, até onde pode, em 27 de maio, Sofia e seus companheiros de “campos
utiliza a mesma sigla. com a saúde abalada, tendo como retaguarda o espólio de desmobilização” tendem a votar no candidato apoiado
O ex-Timochenko, hoje Rodrigo Londoño, levou da guerrilha. Ele ainda é tratado como líder de ponta. pelo ex-presidente Santos, a figura que colocou a Colôm-
milhares de “rebeldes marxistas” a entregarem suas armas, Partidários em seu primeiro comício, em Ciudad Bolívar, bia na rota da paz. Mas, de fato, talvez não exista futuro
sem garantia clara de ingresso na vida comum. A sentença vestiam-se com camisas brancas, símbolo da nova fase, e para eles.
de Sofia é a de que “não há nada para nós”. O nome de portavam cartazes com fotos suas. “É meu compromisso
na Síria. Na ocasião, a listas antieuropeus do Movimento 5 Estrelas [veja a matéria à pág. 8]. A Espanha
então poderosa primei- enfrenta o desafio do separatismo catalão [veja a matéria à pág. 9].
ra-ministra desafiou as A crise europeia começou no campo da economia, com as rachaduras no edifício
resistências generalizadas à monetário do euro que refletiram o crescimento descontrolado das dívidas e dos déficits.
recepção de refugiados nos O remédio das políticas de austeridade, receitado pela Alemanha, corroeu o tecido eu-
países da União Europeia. ropeu de coesão social, produzindo consequências políticas. Os discursos antieuropeus
“O Islã pertence à Alema- adquiriram força inédita. Diferenciadamente, mas em quase todos os países, os partidos
nha”, afirmou celebremen- tradicionais entraram em declínio, enquanto emergiam partidos nacionalistas e popu-
te a alemã, anunciando listas. Os refugiados entraram em cena quando um fogo destrutivo já estava aceso.
A extrema-direita exige o fechamento das fronteiras que a maior potência da A gramática do discurso nativista organiza-se sobre a oposição “nós” versus “eles”.
da Alemanha, a expulsão dos foragidos e o fim do Europa receberia 1 milhão Os nativistas definem a nação, o povo (“nós”) em termos étnicos, culturais, linguísti-
governo Merkel, acusado de levar o país à ruína de refugiados. Ela queria cos e, no limite, raciais. “Eles”, os outros, são estrangeiros – não no sentido político
dizer que não apenas os ou jurídico do termo, mas no sentido étnico. Os judeus alemães eram “eles”, para o
muçulmanos estabelecidos nazismo. Os muçulmanos, cidadãos ou não, são “eles”, para os partidos nacionalistas
na Alemanha fazem parte europeus. Os imigrantes, mesmo os europeus, são “eles”, para os radicais do Brexit,
da nação alemã, mas que na Grã-Bretanha. Os espanhóis são “eles”, para os separatistas catalães de centro-
suas crenças incorporam-se à cultura e às tradições alemãs. De lá para cá, Merkel direita ou de esquerda.
perdeu sua condição de líder incontestável na Alemanha e a União Europeia verga A difusão do discurso nativista transformou-se na principal ameaça à União
sob a ofensiva dos nacionalismos e da xenofobia. Europeia, que é um projeto supranacional criado por partidos centristas e social-
A reação xenófoba abalou a estabilidade do sistema político alemão. Nas eleições democratas. Quando Horst Seehofer contesta a chefe do governo no qual é um dos
gerais de 2017, os dois grandes partidos – o CDU/CSU e o SPD – perderam juntos mais importantes ministros nos termos do nativismo, não há como ocultar que há
cerca de 15% do eleitorado. Enquanto isso, a Alternativa para a Alemanha (AfD), algo de muito errado no núcleo da Europa. Depois de Merkel, será o dilúvio?
partido ultranacionalista de direita, tornou-se o terceiro maior do país, e os liberais
do Partido Democrático Liberal (FDP), com um discurso anti-imigração, avançaram
para o quarto posto [veja o gráfico]. %
Eleições alemãs
No passado, os dois grandes partidos representavam perto de 70% do eleitorado. 45
Em 2015, obtiveram, somados, pouco mais de 50%. O desastre eleitoral refletiu-se 40
nas amargas negociações para a formação de uma nova maioria. Merkel fracassou 35
na tentativa de atrair o FDP e os verdes para uma coalizão. Os liberais, em especial,
30
recusaram-se a apoiar a primeira-ministra, exigindo uma reversão completa da política
imigratória. A saída desesperada foi reeditar a antiga coalizão com um SPD desgastado 25
eleitoralmente, cujas bases ansiavam por uma ruptura com os democratas-cristãos. 20
A nova maioria é fruto de renúncias dolorosas, que se destinam a evitar a con- 15
tinuidade da ascensão da AfD. O SPD desistiu de voltar à oposição para tentar 10
recuperar os eleitores que o abandonam em massa. Merkel abdicou de sua política 5
imigratória, aceitando se converter em refém de Horst Seehofer. Paradoxalmente, 0
para combater o partido da direita xenófoba, o centro político alemão desiste de CDU/CSU SPD AfD FDP Esquerda Verdes
princípios valiosos e aceita parte de suas imposições. As portas abertas se fecham, 2013 2017
como queriam os arautos da xenofobia.
As ruas contra as leis – a tática nacionalista baseou-se, correntes ensaiam falar FRANÇA
Catalunha
sério, quando se trata
sempre, na ideia de que a mobilização popular vale mais
PORTUGAL
Ilhas Canárias
vontade de metade dos catalães – e com a dura reação do do passado, como ates- OCEANO
Língua oficial: catalão
ATLÂNTICO
nhola (1702-14), um conflito dinástico entre as casas de muitos acreditem na E S P A N H A Tabarnia População: 6.139.000
PIB per capita: EU 28.673
Bourbon e de Habsburgo, é reescrita como uma guerra linguagem da identi-
Língua oficial: catalão
popular de secessão da Catalunha – e seu resultado como dade e da exclusão. e espanhol
início da dominação espanhola sobre a nação catalã. Na
MAR MEDITERRÂNEO
esfera da escola, os governos regionais adotaram a “imersão
linguística” – isto é, um sistema baseado no ensino quase Fonte: Plataforma por Tabarnia
exclusivamente em língua catalã. Na esfera da comuni-
cação, a TV3, canal público controlado pelo governo
regional, emite incessante propaganda nacionalista.
POLÔNIA
Segundo as previsões, há nações europeias cuja popu- ALEMANHA UCRÂNIA gia nuclear. As fontes renováveis
lação absoluta crescerá tanto em 2030 quanto em 2050, representam quase 17% do total. A
formando dois grupos distintos. O primeiro abrange FRANÇA proposta da União Europeia, que
ROMÊNIA
países localizados da porção norte-ocidental do conti- MAR NEGRO deverá ser acompanhada por países
nente, englobando os países nórdicos (Islândia, Noruega, do continente que ainda não fazem
ITÁLIA
Suécia, Finlândia e Dinamarca), mais Grã-Bretanha, Ir- ESPANHA TURQUIA
parte do bloco, é de aumentar essa
landa, França, Suíça, Luxemburgo e Bélgica. O segundo participação para 20% até 2020 e
corresponde a três países do sudeste da Europa: Turquia, MAR MEDITERRÂNEO 27% em 2030, além de incremen-
Azerbaijão e Chipre [veja o Mapa 1]. tar no mesmo nível a eficiência
No grupo da Europa norte-ocidental, o crescimento Ganharão população em Ganharão população em energética.
demográfico deve-se, principalmente, à imigração oriun- 2030 e 2050 2030, mas perderão em 2050 As disparidades internas são
Perderão população em Em 2050 terão menos
da da África e da Ásia, mais especificamente do Oriente 2030 e 2050 população que em 1950 notórias. Há países como os do
Médio, como também de outros países europeus, espe- Fonte dos dados: Eurostat grupo nórdico – Islândia, Noruega,
cialmente na porção centro-oriental. Na Turquia e no Mapa 2 Suécia e Dinamarca – que já ultra-
Azerbaijão, países dominantemente muçulmanos, existe passaram em muito o patamar de
culturalmente uma “tradição” de maior crescimento vege- Participação das fontes renováveis 20% de fontes alternativas em sua
tativo. As taxas de natalidade, embora declinantes, ainda na matriz energética matriz energética. O país com maior
são elevadas. representação nas fontes alternativas,
ISLÂNDIA
Já os países cuja população atual será reduzida nos pouco mais de 70%, é a pequena,
horizontes de 2030 e 2050 formam uma espécie de arco gélida e isolada Islândia. Este país
praticamente contínuo que vai da Rússia, passa pelo an- R Ú S S I A
insular, que não pertence à União
tigo bloco soviético do Leste Europeu e se estende pelas NORUEGA
SUÉCIA
Europeia, tem como principal fonte
penínsulas Balcânica, Itálica e Ibérica. As exceções são primária a energia geotérmica [veja
MAR
Holanda, Alemanha, Áustria e Eslovênia, que experimen- DO NORTE o Mapa 2].
tarão incremento demográfico até 2030, mas perderão BELARUS
No extremo oposto estão alguns
ATLÂNTICO
POLÔNIA
ALEMANHA
Letônia, Lituânia, Ucrânia, Hungria Croácia, Bulgária e UCRÂNIA União Europeia, cujos índices no uso
Albânia terão população menor em 2050 do que possu- de energias renováveis estão abaixo
íam em 1950. O decréscimo populacional relaciona-se FRANÇA de 10%, casos da Bélgica (7,9%),
ROMÊNIA
à combinação variável de quatro causas principais: as MAR NEGRO Holanda (5,8%) e Grã-Bretanha
importantes transformações políticas recentes (fim dos ITÁLIA
(8,2%). Um pouco acima deles, mas
regimes do “socialismo real”); conflitos militares (Bósnia, ESPANHA TURQUIA abaixo da média europeia, estão dois
Croácia, Geórgia, Ucrânia); persistente diminuição do “pesos pesados” do bloco: Alemanha
crescimento vegetativo; emigração para países da Europa MAR MEDITERRÂNEO (14,6%) e França (15,2%). No caso
Ocidental. francês chama atenção o grande uso
A Europa que envelhece está na vanguarda das polí- Menos de 10% De 20 a 30% da fonte nuclear, que perfaz aproxi-
ticas de substituição de fontes energéticas não renováveis madamente 45% do total da matriz
De 10 a 20% Mais de 30%
por renováveis. Não é simples traçar um diagnóstico da energética do país.
evolução do cenário energético na Europa, pois há fatores Fonte dos dados: Eurostat e IEA
© Arquivo/Agência Brasil
regime militar, porque fez parte do ciclo de redemocratiza-
ção do país, um período de ebulição social e política.
A cronologia do período de transição inicia-se com o
movimento civil pelas “Diretas Já!” (1983-84), em favor
das eleições diretas para presidente, uma meta que não se
concretizou, frustrando a população. Na sequência, veio a
eleição indireta de Tancredo Neves, pelo Colégio Eleitoral,
em 15 de janeiro de 1985, a morte do presidente eleito, Em Brasília, a Assembleia Nacional Constituinte, presidida por Ulysses Guimarães, aprova o texto da
em 21 de abril, e sua substituição pelo vice, José Sarney, Nova Carta, em 5 de outubro de 1988
oriundo da Arena, o partido de sustentação da ditadura
militar. A Assembleia Nacional Constituinte instalou-se Na Constituição, encontra-se a chamada “regra de A “Constituição Cidadã” gerou, também, um pacto
em 1º de fevereiro de 1987 e concluiu seus trabalhos em ouro” dos gastos públicos, que limita as operações de político – que hoje está em ruínas. A profunda crise política
22 de setembro de 1988. A Constituição foi promulgada crédito do governo federal, para evitar o aumento do dos últimos anos, marcada pela multiplicação de partidos
em 5 de outubro. endividamento gerado por pagamentos de funcionários e com escassa representatividade e pela exposição de vastos
O texto constitucional estabeleceu um pacto social despesas gerais de órgãos públicos. Hoje, diante da crise esquemas de corrupção, evidencia o encerramento de uma
implícito, formado por um conjunto de gastos públicos orçamentária, o Ministério da Fazenda ensaia flexibilizar era. A crise política e ética tem raízes institucionais: o
obrigatórios ligados à educação, à saúde, à Previdência a “regra de ouro”, num sintoma do esgotamento do pacto chamado “presidencialismo de coalizão”, que evoluiu para
Social e à remuneração dos funcionários públicos. Os social de 1988. um “presidencialismo de cooptação” no qual o presidente
resultados foram, de um lado, a redução de carências O Novo Regime Fiscal, ou Teto de Gastos Públicos, obtém maioria no Congresso em troca da colonização da
sociais históricas e, de outro, pressões crescentes sobre o or- aprovado pela Emenda Constitucional 95, de 2016, máquina pública pelos partidos aliados.
çamento da União. O crescimento dos gastos públicos em contraria o pacto social da Nova República. A alteração Na Constituição, está a prerrogativa presidencial de
ritmo superior à expansão do PIB, um traço característico na Constituição limita gastos em setores críticos, como preencher dezenas de milhares de cargos públicos na admi-
das três últimas décadas, causou a hiperinflação dos anos saúde e educação, mas deixa de fora a Previdência Social, nistração direta ou indireta (estatais) a partir de indicações
anteriores ao Plano Real (1994) e o aumento acelerado que representa 40% dos gastos federais obrigatórios. Os políticas. A crise atual exigiria a revisão dessa prerroga-
da carga tributária, desde o Plano Real. Finalmente, nos saldos negativos da Previdência, que aumentam ao longo tiva. Paralelamente, o pluripartidarismo constitucional e
mandatos de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2016, provo- do tempo, são uma das principais fontes de pressão sobre as regras eleitorais propiciaram um salto no número de
cou forte crescimento da dívida pública. os gastos públicos [veja o gráfico]. Os governos FHC e partidos políticos, de 13, em 1988, para os atuais 35. A
Lula ensaiaram reformar a Previdência, mas multiplicação partidária não reflete a diversidade de cor-
recuaram diante da resistência sindical. O rentes políticas. Pelo contrário, partidos são criados como
governo Temer enviou projeto de reforma ao veículos para a conquista de espaços na máquina pública.
R$ bilhões
(Dez. 2016)
Contas da Previdência Congresso, mas também recuou diante da Não é por acaso que, em tempos de Lava Jato, volte à baila
600,0
515,9
derrota anunciada. Sem reforma previdenciária, a necessidade de uma radical reforma política.
483,9
500,0
406,4
433,6
459,0 478,5 e com teto de gastos públicos, ocorreria auto- Diante de tantas rupturas de pactos constitucionais, não se-
392,4
400,0
312,3
335,5 339,2
364,0
377,3
395,3 409,6 300,7
mática redução de gastos em educação e saúde ria o caso de dizer que a própria Constituição está em crise?
284,1 354,8 364,0
300,0
233,9
258,6
277,4 294,4
325,9 para cobrir os déficits previdenciários. A resposta, do ponto de vista das liberdades públicas,
200,0 254,1
176,4
192,9
211,0
232,9
Lula anunciou que o PT proporá o fim é não. Num cenário político e econômico tão complexo
100,0
do teto de gastos públicos e se oporá à re- como o que vivemos no Brasil, a Constituição de 1988
0 -57,5 -65,7 -73,1 -79,4 -81,4 -61,8 -69,6 -66,5 -51,6 -56,2 -64,6 -68,9
-95,1
forma previdenciária. Geraldo Alckmin e continua a organizar as disputas e institucionalizar os
-100,0 -151,9 outros candidatos expressaram apoio tanto conflitos. Trinta anos depois do fim da ditadura militar,
-200,0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 a um quanto à outra. A natureza do pacto ela garante o regime democrático. Não é pouca coisa.
Arrecadação líquida Benefícios previdenciários Resultado previdenciário social estará no centro dos debates nas elei-
Fonte: Ministério da Fazenda, Secretaria da Previdência, 2017
ções do fim do ano. Renato Rocha Mendes é jornalista