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RESUMO: A hospitalização da criança costuma ser vivenciada por ela com grande
sofrimento psíquico potencializado pelo distanciamento da família, pela submissão aos
procedimentos e rotinas hospitalares e por lidar com a fantasia ou o perigo real de morte.
Durante a internação, a criança tem o seu corpo disponível para tratamento e para
investigação e a sua privacidade fica subordinada à dinâmica hospitalar; tornando, portanto, a
internação uma experiência demasiadamente intrusiva. O hospital quase sempre percebe a
criança como ingênua e desconhecedora desse processo, tratando-a apenas semelhante a um
corpo que sofre. Tais questões me levaram a eleger como objetivo principal dessa pesquisa, a
discussão do brincar no contexto hospitalar. A pesquisa foi desenvolvida no ano de 2003, na
pediatria do Hospital Estadual Dr. Odilo Antunes de Siqueira, localizado na cidade de
Presidente Prudente/SP, com a participação de três crianças do sexo masculino, nas idades de
três anos, quatro anos e dez meses e doze anos e cinco meses. Tomei por base o método
psicanalítico para a compreensão do brincar, notadamente o pensamento de Freud, Klein e
Winnicott. O brincar pode mostrar-se um instrumento valioso para um melhor enfrentamento
da internação, por ser uma forma eficaz de expressar e de dominar a angústia bem como de
administrar a agressividade e a destrutividade. De forma mais específica apoiei-me, para a
realização desta pesquisa, na formulação teórica de espaço potencial elaborada por Donald
Winnicott e assim, propor um trabalho junto à criança hospitalizada, o qual denomino
encontro. O encontro baseia-se no brincar espontâneo e no oferecimento de acolhimento
emocional à criança, descrito por Winnicott como holding. Durante os encontros, utilizei uma
pasta contendo brinquedos, material escolar e acessórios tipicamente hospitalares. Os
encontros foram diários, num total de onze, com duração de aproximadamente uma hora. A
compreensão dessas experiências pautou-se pela escuta psicanalítica. Aponto como resultado
principal dessa intervenção a mudança de atitude da criança após os encontros. Percebi ainda
que brincar, desenhar e conversar produziu uma ressonância interna favorável na criança
explicitada por meio dos desenhos, temas, brincadeiras e forma de enfrentamento da
hospitalização; na brincadeira, temas hospitalares foram ocupados por outros relacionados à
volta ao lar; alguns desenhos apontaram o sentimento da criança perante sua doença e, com os
encontros, pude notar que tanto as mães ou os acompanhantes como também a equipe de
saúde se mostraram atentos a essas mudanças.
HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL:
O BRINCAR COMO O ESPAÇO DE SER E FAZER
até a promoção de relações interpessoais mais humanas. Em relação a esse último aspecto, a
pesquisa realizada (ao longo do mestrado) por mim, orientada pela Profª Drª. Olga Cecliato
Matiolli e supervisionada pelo médico e psicanalista José Ottoni Outeiral pode trazer alguma
espaço hospitalar. O que sustentou a minha intervenção no hospital junto às crianças foi a
experiência de internação. A criança é um ser em desenvolvimento e como tal, pode não estar
preparada emocionalmente o bastante para lidar com a experiência total de uma internação;
de significados particulares. Assim, além da própria doença a criança leva consigo suas
ansiedades, fantasias e desejos. Por outro lado, a equipe de saúde reage emocionalmente à
figura do paciente.
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da criança hospitalizada; em virtude disso, é mais difícil para a criança eleger, consciente ou
menos subjetivos.
Penso que a forma com que o adulto se relaciona com a criança pode ajudá-la no
observação inativa sem ansiedade por parte do médico, o retorno à saúde pode, em muitos
integrando dois olhares para ela: o olhar técnico (FAZER) que consiste no manejo relativo aos
cuidados físicos e o olhar sensível (SER) que traz a possibilidade do próprio ser da criança.
cuida dos aspectos somáticos, a fim de curá-los o mais brevemente possível. Desta forma, a
aspectos físicos do caso. Diante do exposto, posso afirmar que é necessário um ambiente
emocional acolhedor para a criança hospitalizada e a Psicanálise pode contribuir para isso,
pois tem outra lógica. A Psicanálise tem condições de oferecer um outro sentido àquilo que é
percebido apenas como rotineiro e como óbvio, pode sem qualquer dúvida, acolher tanto a
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Ver: no livro Brincar e Realidade, de Winnicott, os conceitos de elemento feminino e elemento masculino.
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afirma:
O poder do inconsciente sobre o corpo está apenas começando a ser avaliado, mas
parece ser verdade que o metabolismo possa ser reduzido praticamente a zero, que
os ferimentos possam ser impedidos de cicatrizar e que o cabelo possa cair,
simplesmente como resultado de um desejo proveniente das camadas profundas.
Parece também que, às vezes, machucados não saram simplesmente devido a uma
falta geral de interesse, por parte da criança e dos tecidos em viver. (WINNICOTT,
1988, p. 88).
percebo o brincar como um recurso favorável para a hospitalização infantil. Winnicott afirma:
“É no brincar, e somente no brincar que o indivíduo criança, ou adulto, pode ser criativo e
utiliza sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu
(self)”. (WINNICOTT, 1975, p. 80). Assim, numa dinâmica dissociada, o brincar é uma
suma, o brincar no hospital é uma forma da criança lidar criativamente com a sua realidade.
Penso o brincar tomando por base a teoria psicanalítica que o define como forma
distinção, pois ele próprio pode ser capturado pela lógica cindida do hospital, vivenciado
Para Pelento (1991): “Ali onde existe este espaço potencial, há lugar para a terapia,
entre pais e filhos”. (PELENTO, 1991, p. 110). Assim, a intervenção junto à criança
delimitam a natureza dessa interação. Algumas vezes fui interrompida pela equipe de saúde
para a realização de algum procedimento, porém o enquadre adequado permitiu que essas
com a alteração do conteúdo e das cores utilizadas nos desenhos, bem como na mudança de
temas do brincar. Notei que o brincar, apesar de espontâneo, não era aleatório.
de trabalharmos medos e angústias nesses encontros, também nos divertimos. Pedro pôde sair
do recorrente “eu estou bem” e brincar com uma seringa tirando proveito dessa experiência ao
aplicar injeção em mim, fato que só se tornou possível no brincar. Sílvio, ao invés de criança
totalmente adaptada ao hospital, pôde dizer do seu medo da morte e falar de seu rim, a sua
pecinha quebrada (conforme a figura F1). Guilherme estava passando pelo conflito de crescer:
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Crianças que participaram da pesquisa. Os nomes não são verdadeiros a fim de preservar a identidade dos
participantes.
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tinha a necessidade de ser protegido e ao mesmo tempo temor de ser sufocado. Ele pode dar
contorno às suas angústias ao lembrar, contar e desenhar a história dos Três Porquinhos.
atendida, bem como por alguns comentários, como: “Ah, meus cinqüenta minutos de sossego
do dia” feito por uma mãe ou “eu não sabia que eles falavam tanto”, feito por uma
funcionária.
Para finalizar, trago a seguinte citação: “Então, a pesquisa tem esse poder de
chorar e rir, mas exatamente por essa posição provisória de nosso saber”. (HERRMANN,
1994, p. 48). Nessa trajetória de pesquisa em que me propus a discutir o brincar no contexto
hospitalar, tive que lidar com a especificidade desse setting e, como resultado dessa
experiência, defendo a idéia de que é possível um encontro no hospital e que o brincar traz em
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HERRMANN, F. Problemas na orientação de teses de Psicanálise. In: ENCONTRO DE
PESQUISA ACADÊMICA EM PSICANÁLISE, 2., 1994, São Paulo. Atas de ... São Paulo:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1994. n.1, p. 38-48.
OLIVEIRA, Márcia Campos de. Brincar no hospital: um encontro possível. Assis, 2005.
165 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis,
UNESP, Assis, 2005.