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A história e a memória: suas

abordagens e problemáticas
no século XXI
Renato / outubro 23, 2014
Por: Renato Drummond Tapioca Neto

No seu clássico texto Entre Memória e História: a problemática dos lugares (1993), Pierre Nora destaca que as
sociedades de hoje, vivendo sob uma espécie de presente contínuo, estão em processo de ruptura com seu
passado. Passado esse que, para o historiador, estaria definitivamente morto. Aliado a esse processo de ruptura,
a sensação de perda ou fim de alguma coisa desde sempre começada. Falamos hoje tanto em memória, porque
ela não mais existe. Desse modo, a curiosidade pelos lugares onde ela se cristaliza está ligada a esse processo
de ruptura com o passado. Existem lugares de memória porque não existem outros meios de memória. Nora
observa que as chamadas sociedades-memória, grupos que asseguravam a conservação e transmissão das
tradições, como a família, a Igreja, a escola ou o Estado, estão atualmente em crise devido ao fenômeno da
mundialização, da democratização, da massificação, da mediatização. As nossas sociedades, levadas pela
mudança e condenadas ao esquecimento, fazem do passado, história, em contraposição a uma memória
verdadeira, social, intocada, que representa um elo de identidade entre os grupos. Caso ainda habitássemos a
nossa memória, não haveria motivos para lhe consagrar lugares.

As sociedades de hoje estão em processo de ruptura com seu passado coletivo e cada vez mais condenadas ao
esquecimento.
A perspectiva de Pierre Nora é bem desanimadora. Para ele, tudo o que chamamos hoje de memória já não o é,
mas história. Tudo aquilo que compreendemos hoje como clarão de memória é seu desaparecimento no fogo da
história. Nora aprofunda ainda mais a fissura entre a história e a memória do que o sociólogo Maurice
Halbwachs. Ambos os autores apontam as inúmeras diferenças existentes entre uma e outra. A memória é a
vida, sempre carregada pelos grupos vivos, em permanente evolução, vulnerável a manipulações, suscetível à
dialética da lembrança e do esquecimento. A história, por sua vez, é uma reconstrução problemática e
incompleta daquilo que não mais existe. Enquanto a primeira é um fenômeno sempre atual, a segunda é uma
representação do passado. Halbwachs diferenciou a memória e a história sob pelo menos dois sentidos: 1) a
memória é uma corrente de pensamento contínuo, que nada tem de artificial e que não ultrapassa os limites do
grupo, ao passo que a história é construída a partir de cortes temporais e divisões muito artificiais e se coloca
acima dos grupos; 2) existem tantas memórias coletivas quantos grupos que a carregam. Em contrapartida, a
história pertence a todos e a ninguém, o que da a ela uma vocação para o universal.

É essa memória viva e espontânea, que nada tem de artificial, que hoje se encontra num momento de crise.
Jacques Le Goff definiu a memória como um conjunto de funções psíquicas, pelas quais o indivíduo pode
atualizar impressões e informações que ele considera como passadas. A memória também pode ser entendida
como as reminiscências do passado que afloram no presente, no pensamento de cada um. Maurice Halbwachs
defendeu em seu livro A Memória Coletiva (2013) a tese de que embora acreditemos que alguns acontecimentos
de que nos recordamos pareçam individuais, eles só ganham importância e sentido porque são, antes de tudo,
coletivos. A lembrança é assim construída graças ao nosso convívio social com outras pessoas, uma vez que
podemos basear nossa impressão nas lembranças de outros indivíduos que fazem parte dos mesmos grupos
sociais nos quais estamos inseridos, seja para reforçar, enfraquecer ou mesmo completar a nossa percepção dos
acontecimentos. Dessa forma, a confiança que temos na exatidão de nossa recordação será maior, visto que
outras pessoas viveram os mesmos acontecimentos e se lembram deles assim como nós. Contudo, para que o
trabalho da recordação seja eficiente, é preciso que nosso pensamento não deixe de concordar com os
pensamentos de outros membros do grupo.

O que concebemos hoje como memória é a sua vastíssima constituição de estoque material daquilo que nos é
impossível de lembrar, mas que poderíamos um dia ter a necessidade de lembrar.
A prática da memória passou por muitas fases de transformação ao longo do passado da humanidade. Le Goff
tomou de empréstimo as concepções de Leroi-Gourhan para definir esse processo em cinco períodos: o da
transmissão oral, ligado às sociedades sem escrita; a passagem da oralidade à escrita, da Pré-história à
Antiguidade; a memória dita medieval, equilibrada entre o oral e o escrito; o desenvolvimento da memória
escrita, da Renascença até os nossos dias; e por fim os progressos atuais da memória, ligados à revolução
tecnológica pela qual o mundo vem passando nos últimos anos. A memória coletiva também sofreu muitas
transformações com a constituição das ciências sociais, desempenhando hoje um papel fundamental na
interdisciplinaridade que se instalou entre elas. Se antes ela era utilizada pelos grupos sociais dominantes como
recurso para legitimar seu poder sobre os demais, agora cada grupo, independente de etnia ou status econômico
tomou para si a tarefa de se lembrar de suas origens, de se constituir como guardião de um passado formador
de identidades, que está sob a ameaça de ser esquecido, devido aos vários fenômenos já indicados, como a
mundialização, a democratização, a massificação, a mediatização, que podemos resumir em uma palavra:
globalização.

Pierre Nora aponta que a passagem da dupla Estado-nação para a Estado-sociedade, implicou no fim da história-
memória e o estabelecimento de uma história-crítica. Ora, interrogar uma tradição é não mais se identificar
como seu único portador. Assim, a história, entrando em sua idade crítica ou historiográfica, se desidentificou
com a memória. Uma memória que, para Pierre Nora, acabou se tornando objeto de estudo da própria história.
Até mesmo os lugares onde a memória se cristaliza teriam entrado na dança. Eles nascem do sentimento de que
não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, manter celebrações, notariar atas, porque essas
operações não são naturais. Se o que eles defendem não estivesse ameaçado, não seria necessário construí-los.
Se ainda vivêssemos as lembranças que eles envolvem, sua existência teria pouca ou quase nenhuma utilidade.
Por outro lado, caso a história não se apoderasse deles para transforma-los e petrifica-los, eles tampouco se
tornariam lugares de memória. O tempo dos lugares é justamente esse em que deixamos de viver sob a
intimidade de uma memória, para nos submetermos à visão de uma história reconstituída.

As sociedades de hoje, obcecadas por se compreenderem historicamente, fazem do historiador um


personagem central nesse processo.
De fato, o que concebemos hoje como memória é a sua vastíssima constituição de estoque material daquilo que
nos é impossível de lembrar, mas que poderíamos um dia ter a necessidade de lembrar. Para Maurice
Halbwachs, nossa capacidade de reter os acontecimentos passados não é ilimitada. Aparentemente, é como se
a memória coletiva tivesse a necessidade de se descarregar. Um dos caminhos para tanto seria a criação de
arquivos, que hoje conhecem uma fase de grande difusão, graças à ajuda das novas tecnologias, como o
computador. Esse imenso repositório de testemunhos, documentos, imagens, etc., representam o medo que as
sociedades têm de esquecerem seu passado, porque vivendo mais no signo da mudança e do presente, se sentem
compelidas a registrar os acontecimentos como prova de algum julgamento futuro da história. Na concepção de
Pierre Nora, o arquivo muda de sentido devido ao seu peso. Difundido a partir da Baixa Idade Média pelos
Estados monárquicos e religiosos, hoje ele não mais representa o saldo aparentemente intencional de uma
memória vivida, e sim a secreção voluntária, organizada, de uma memória cada vez mais perdida.

Com efeito, nossa sociedade, em fase de ruptura com sua memória graças à amplitude de suas mudanças, e
obcecada por se compreender historicamente, está, como afirma Pierre Nora, condenada a fazer do historiador
uma figura central, uma vez que é ele quem impede a história de ser somente história. Jacques Le Goff faz um
apelo no final de seu ensaio sobre a memória, publicado no livro História e Memória (1994), aos pesquisadores
de hoje para que eles trabalhem a memória de forma mais descentralizada e democratizada, dando destaque
para as lembranças de grupos que por muito tempo foram tragados pela intervenção das classes sociais
dominantes. É o caso de citarmos aqui, por exemplo, as mulheres, os operários e os prisioneiros, definidos por
Michelle Perrot como os excluídos da história. O estudo desses grupos vem conquistando hoje cada vez mais a
atenção das ciências sociais, constituindo-se também num elo de intermediação entre elas. No Brasil, é notável
o interesse pelo estudo das memórias dos grupos de escravos africados, como elemento de construção das
identidades afrodescendentes, relevantes para o estudo do processo de formação da sociedade brasileira.

Estaríamos presenciando o fim das sociedades-memória, ou antes a sua transformação, juntamente com as
práticas de memória?
Diante do que foi até aqui exposto, pudemos constatar que as sociedades de hoje vivem sob o medo de esquecer
alguma coisa do passado e que não obstante elas são compelidas a buscar na história sua própria compreensão.
Uma história que, por sua vez, não pode desconsiderar as memórias individuais ou coletivas, repositórios de
uma população que atribui ao mais simples dos vestígios, a potencialidade de ser lembrado. Os lugares onde a
memória se ancora, sejam de natureza topográfica (arquivos, bibliotecas e museus), monumentais (cemitérios
ou arquiteturas), simbólicos (comemorações, peregrinações, ou aniversários), ou funcionais (manuais,
testamentos, ou autobiografias), são assim constituídos porque a imaginação os investe de uma aura simbólica.
Em geral, a história se apega a acontecimentos assim como a memória se apega em lugares. Nessa relação, e a
memória que dita o que a história deve reter. Como Maurice Halbwachs ressaltou, enquanto a memória é vivida
pelos grupos, é inútil ser pura e simplesmente fixada pela história, o que reforça ainda mais a tese de Pierre
Nora de que nós não mais vivemos em nossas lembranças. Por isso relegamos à história cada vez mais o papel
de transportar a memória.

Mas estaríamos presenciando o fim das ditas sociedades-memória, como a família, a Igreja, o Estado e a escola,
ou, antes disso, vivendo a transformação das mesmas junto com o fenômeno da globalização? Michelle Perrot,
por exemplo, ressalta que a família nunca esteve tão forte. Ela é um grupo para o qual o indivíduo se volta
sempre quando à necessidade lhe impõe essa aproximação. Contudo, não é mais aquele modelo de família
nuclear que Maurice Halbwachs concebia, mas de um outro tipo: marcada pelas relações de gênero e alterações
nos papéis desempenhados por cada um de seus membros. Sendo assim, a transmissão das tradições estaria de
certa forma garantida, só que aberta a constantes ressignificações. A globalização não implicou no fim das
sociedades-memória, mas na transformação destas. É o mundo inteiro que precisou se acomodar ao signo da
mudança, atualizando valores e prescrevendo novas regras para o convívio social. Transformações ocorreram
(e ocorrem, mesmo que de forma lenta e gradual) durante todo o processo da história e com elas as práticas da
memória. Talvez ainda não seja o momento de falar no fim da memória, mas numa nova possibilidade de
começo, onde ela procura salvar o passado dos grupos para servir tanto ao presente quanto ao futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2ª ed. São Paulo: Ed. Centauro, 2013.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução de Bernrado Leitão. – Campinas, SP: Editora da Unicamp,
1994.
NORA, Pierre. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. In: Projeto História, n° 10, p. 7-28, dez.
1993.
PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Tradução de Denise
Bottmann. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.

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