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Conversas em exposição:
sentidos da arte no contato com ela1

Lígia Dabul
Ao abordar conversas de visitantes em exposições de arte, o texto apresenta suas
variações e as maneiras como perpassam outras práticas sociais e contribuem para a
produção de significados sobre as obras expostas e sobre as próprias exposições. Impli-
cações analíticas de tomá-las para estudo são também indicadas.
Público, exposições de arte, conversas, centros culturais.

De tudo o que visitantes fazem juntos numa exposição, dando sentido a essa experiên-
exposição de arte – observar obras, ler pla- cia e determinando consideravelmente o tipo
cas, etiquetas e textos afixados em paredes, de relação que vão estabelecer com os ob-
brincar, estudar, acompanhar o monitor, na- jetos expostos.
morar etc. –, conversar talvez seja a prática
Há muitas formas de conversa que ocorrem
mais freqüente. E conversar é das ações mais
durante uma exposição de arte, como as que
difundidas também em outras ocasiões e
costumam ter lugar em visitas monitoradas.
momentos da vida social. Seu estudo, além
Nelas não há flexibilidade nas interações
de levar a formas bastante comuns – e pou-
entre os indivíduos quando demarcadores
co conhecidas – de a população ter contato
(tom de voz, pausas, ritmo, vocabulário,
com produtos das artes plásticas, elucida gestual etc.) as definem como “conversa”,
mecanismo de produção coletiva de signifi- algum ator social ocupando a posição de
cados sobre objetos e eventos. Conversar “principal”,3 ou seja, com identidade social
também é maneira fundamental de os indi- precisa e que o leva a falar representando a
víduos interagirem. Em alguns casos, mais do instituição à qual é identificado. Existem
que o assunto, o conteúdo tratado, importa muitas outras, e neste trabalho vamos nos
para eles a própria conversa, o estar conver- centrar em maneiras de conversar mais fle-
sando, atividade que, dependendo do lugar e xíveis e corriqueiras.
circunstância histórica, tem certas regras e
aglutina este ou aquele grupo social.2 É na verdade muito difícil, operação na maio-
ria da vezes só justificada por fins analíticos,
Sabemos que indivíduos estão em exposi- isolar a conversa de outras práticas que ela
ções de arte boa parte das vezes acompa- traspassa – brincar, namorar, observar obras,
nhados, interagindo com outros com os quais caminhar, acompanhar visitas monitoradas
para lá se dirigiram. Essas interações, em ge- etc. – efetuadas por aqueles que estão no
Visitantes na exposição ral baseadas em relações como parentesco, espaço de uma exposição. Indivíduos con-
Os Trópicos, O sonho da amizade, coleguismo, são traço fundamental versam enquanto caminham, enquanto lan-
planta do escritório
escritório, 2008 da chamada experiência artística: estar junto çam os olhos e atentam para uma determi-
CCBB, Rio de Janeiro,
Gerda Steiner e Jörg
– brincando, observando obras, conversan- nada obra ou enquanto, juntos, fazem ano-
Lenzlinger do etc. – muitas vezes é o que marca a im- tações para entregar a um professor que as
Foto: Christina Bocayuva portância para os indivíduos estarem numa irá ler e avaliar.

ARTIGO • LÍGIA DABUL 55


Em uma exposição, nem sempre se conver- muitas vezes, como já indicamos, em eixo
sa sobre as obras. Na verdade, a conversa que perpassa e alterna a interação entre os
viabiliza a passagem da atenção que visitan- atores sociais e a observação da obra. Não
tes dirigem à obra e às informações a res- é raro a conversa pautar o andamento dos
peito dela para a própria interação entre eles; percursos: prática muito comum é o convi-
e também o inverso. Noutros termos, se te para que o acompanhante, detido em
seguimos E. Goffman,4 podemos afirmar que outra obra, interrompa esse exame e venha
alguns atos que perpassam uma situação observar uma que ainda não olhou, para que
social específica porque próprios dela – atente para algum detalhe, para que dê sua
como, nas exposições, a observação de uma opinião, para que fique perto de quem o
obra por um grupo de indivíduos – dão lu- chamou. Ou que alguém se veja atraído pela
gar a outros – como beijos, brincadeiras e conversa de seus acompanhantes sobre al-
conversas sobre temas independentes da gum objeto ou assunto derivado de sua ob-
obra exposta. Essas situações sociais dão servação e eventualmente dirija seu olhar
continuidade à história tanto das relações já para ele.
estabelecidas entre os atores sociais que
delas participam como dos diversos contex- Há quem declare que vai à exposição para
tos de uma exposição que visitam, isto é, os conversar. E são diversos os tipos de conver-
indivíduos interagem também por força da sa que presenciamos em nossa pesquisa. Uma
situação social que encontram e recriam ali, forma bem comum consiste no “comentá-
com outros visitantes, alguns desconhecidos, rio”: um ator social comenta com seus acom-
que compartilham aquela situação. panhantes algo, incluindo aspectos da obra
que juntos apreciam. Além de comentários,
As obras pontuam os percursos dos visitan- encontramos a tentativa de compreensão,
tes nas exposições, quando se detêm aqui e uma “interpretação” do que o artista se dis-
ali porque estão referidos a uma ou outra pôs a comunicar ou expressar por meio do
delas. O contrário, porém, também aconte- trabalho que expõe. Além do comentário e
ce: grupos (parentes, casais, amigos) subme- da interpretação, as conversas se desenro-
tem por alguns momentos essa observação lam também em torno de uma “avaliação”
ao ritmo da brincadeira, do namoro, da con- das obras, situação em que os visitantes
versa, esta nem sempre provocada pelo con- explicitam para os demais se delas gostaram
tato com as obras. Nessas circunstâncias, ou não. Dessas três formas mais difundidas
podemos ver visitantes passarem rapidamen- e significativas de conversa, a que normal-
te os olhos sobre as obras expostas, enquan- mente corresponde ao enfoque das aten-
to se deslocam com a atenção centrada nas ções dos visitantes em outros temas que não
pessoas com quem conversam, ou, ainda, a obra é o comentário. A avaliação corres-
naquelas cuja conversa acompanham. ponderia, grosso modo, ao ato que mais con-
centra a atenção na obra exposta.
Se é evidente que conversar envolve mais
de uma pessoa, a observação de obras em Comentários
uma exposição freqüentemente envolve ele-
mentos que a caracterizam como prática Comentários de visitantes sobre obras de
coletiva, seja porque indivíduos juntos ob- arte numa exposição em muitos casos flu-
servam uma sucessão de obras, seja porque em para assuntos de seu cotidiano e do in-
permeiam a observação com conversas. teresse comum, o prazer da conversa fixan-
Conversar durante a exposição consiste do-se especialmente nessas referências a fa-

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tos e a considerações sobre fatos comparti- to da atenção em relação às obras, é o que
lhados ou conhecidos por eles, que não têm envolve comentários sobre pessoas presen-
relação com aquela situação da exposição. tes no espaço da exposição, relacionadas ou
Por exemplo, numa exposição de objetos não ao grupo do qual fazem parte. Conver-
de cerâmica, amigas derivaram observações sam, por exemplo, sobre figuras públicas com
sobre peças expostas para comentários a as quais se deparam ou sobre o comporta-
respeito de dotes de outra amiga para trans- mento de outros visitantes – turistas que se
formar objetos, sobre a beleza de bijuterias vestem de maneira considerada chamativa,
de cerâmica, sobre como ocupar casas de adolescentes que riem e falam alto, crianças
veraneio com peças artesanais. Mas há con- especiais que passam caladas pela exposi-
versas que exploram longamente detalhes ção. Em Fortaleza, no Centro Dragão do Mar
das obras. Então visitantes usam seu rol de de Arte e Cultura, dois jovens estrangeiros
conhecimentos sobre o artista, sobre o que vestidos de preto, fortes, muito claros e al-
pensam ser o referente de uma obra ou de tos, cabelos raspados, braços e nucas tatua-
sua produção em geral, sobre outros artis- dos, por algum tempo foram objeto de aten-
tas considerados equivalentes ou próximos ção e conversas dos demais presentes na
ao expositor, sobre técnicas utilizadas, so- exposição sobre arte popular do Cariri.6
bre a localização da obra ou de sua produ- Outra importante matéria de conversas é a
ção na história da arte. Mas, não raro, esses exposição. São freqüentes, por exemplo, os
comentários sobre as obras derivam-se e comentários sobre a temperatura das salas,
deslocam-se para cada um desses itens, pro- a escuridão ou excessiva luminosidade, o som
longando-se em especificações deles e es- alto, a cor de uma parede, a dificuldade para
tendendo-se ou somando-se a comentários ler as etiquetas, a densidade da distribuição
sobre itens da vida cotidiana.5 de peças no espaço da exposição, o quase-
Visitantes na exposição
Os Trópicos
Trópicos, CCBB,
pisar uma escultura colocada no chão no
Outro modo de os visitantes conversarem, centro do salão.
Rio de Janeiro, 2008
Foto: Christina Bocayuva e que também corresponde a um afastamen-
Por meio de comentários feitos nessas con-
versas que naturalizamos como, talvez, ruí-
dos, em um ambiente cuja vocação estaria
numa atenção, especialmente visual, sobre
os trabalhos expostos – por meio deles é
estabelecida uma continuidade da arte com
diversas outras esferas da vida. Experiências
compartilhadas, fatos da vida pessoal a se-
rem relatados, trocas de palavras que cons-
tituem ocorrências a acumular no rol de
experiências comuns daqueles visitantes são
suscitados por muitas coisas, incluindo co-
res, traços, idéias, técnicas, tamanho, figuras,
referentes, menções e tudo mais que possa
ser reconhecido num trabalho exposto
como artístico. Pensar sobre essa modalida-
de de conversa, os comentários, parece ser
oportunidade de escaparmos para dentro da

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arte, abolindo alguns de seus limites justa- sobre o que o artista comunicou. A compo-
mente onde encontramos experiências que, sição do mosaico de significados possíveis,
a olho nu, nada teriam a ver com ela. em aberto, pode ser ela própria objetivo e
atividade que mobiliza e deleita visitantes. É
Interpretações espécie de jogo, diversão conjunta, monta-
gem de possibilidades, apresentação e se-
Para além da temática reconhecida e atuali-
guimento de pistas ou seu descarte. Visitan-
zada quando a atenção se volta para as obras,
tes que percorrem a exposição juntos, caso
parte importante das conversas em exposi-
pensem não compreender uma obra, depen-
ções diz respeito ao que o artista “quer di-
dendo da relação que os une, podem esta-
zer”. Nelas os comentários se superpõem,
belecer uma espécie de pacto para desco-
raramente se contrapõem. Supor que o ar-
brir em colaboração seu significado ou sen-
tista “quer dizer” algo não suprime a possibi-
tido, ou mensagem.
lidade ou, em alguns casos, a necessidade de
se extrair do exame das obras e do desen- Compor, conversando, o significado de uma
rolar das conversas um novo conteúdo, ou obra, nem sempre iguala a capacidade de
“mensagem” do artista, que, por sua vez, não participação de todos. Costuma ser diferen-
desmereceria qualquer outra hipótese te o peso atribuído às formulações deste ou
sugerida por outros visitantes. Na semântica daquele visitante, de acordo com sua suposta
extremamente plástica das conversas sobre capacidade de interpretar a obra. Essa con-
a mensagem do artista ou sobre “o que a corrência em torno da afirmação de uma ou
obra significa”, mesmo quando há opiniões outra forma de interpretar é pontual, de-
ou “interpretações” contrapostas, é possível tendo-se ora em um, ora em outro elemen-
encaminhar a conversa, versar sobre a obra to. Na verdade, percorrem a interpretação
e disso derivar novas conversas dirigidas para desde o tema tratado pelo artista até o que
outros temas a respeito dos quais não há ele quis dizer a seu respeito e o quanto suas Visitantes na exposição
embate. técnicas teriam permitido conseguir ou não Os Trópicos
Trópicos, CCBB,
Rio de Janeiro, 2008
transmitir o que quis transmitir. Essa con-
Na realidade, para a maior parte dos visitan- Foto: Christina Bocayuva

tes a obra tem uma mensagem que o artista


quis propositadamente passar. E há sempre
um referente, do mundo ou da própria bio-
grafia do artista. Para eles a obra conteria
segredo, mistério ou verdade detida pelo
artista, que mesmo inconscientemente dis-
poria de sua “chave”. O público tomar a arte
como expressão, mesmo que apenas
documentária em relação à vida do artista,
dá lugar a certa tolerância quanto à não-cla-
reza, à impossibilidade de compreender a
mensagem, o que o artista “realmente” “quis
dizer”: nem sempre ele pode “dizer tudo”.

Extrair e compor um ou vários sentidos das


obras é operação comum e prazerosa. Não
obrigatoriamente se chega a uma conclusão

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corrência, nas conversas, costuma ser fluida escolar, eventual conhecimento da técnica
e entremeada de negociações, composições usada, informações que dispõem sobre a
e superposições de significados e argumen- exposição. Mas esses elementos submetem-
tos, afora quando algum dos visitantes se se a interações e experiências durante a ex-
coloca como especialista e como tal é reco- posição e, entre outros efeitos, fazem com
nhecido pelos demais. A busca e composi- que compartilhem por meio de conversas
ção do “sentido” da obra por vezes conti- esses itens mobilizados para a compreensão
nua depois de saírem da exposição, no sa- das obras. Nessas conversas, têm necessida-
guão, no bar, após a sessão de cinema segui- de de comunicar impressões sobre as obras
da à exposição, no caminho ou ao chegar na e por isso formulam verbalmente o que
escola, ou quando em outra ocasião se en- experimentariam de modo apenas difuso,
contram pessoas que foram juntas à exposi- desorganizado, se estivessem na exposição
ção. Mesmo quem faz o percurso sozinho sozinhos. Comunicando impressões estão
pode depois praticar essa composição de também sondando-as e lhes agregando itens
significado com alguém, por exemplo, com das impressões e formulações daqueles com
amigos que também visitaram a mostra. quem tentam interpretar a obra.

Muitas das conversas em exposições se vol- A origem e as implicações sociológicas des-


tam para essa busca de sentido, de modo se mecanismo de interpretação das obras
mais ou menos intenso, demorado, finaliza- em exposições estendem-se para diversas
do, exclusivo. Mas experimentar a exposi- dimensões das interações feitas pelos ato-
ção por meio das conversas, jogo sobre o res sociais nessas situações. Mas queremos
significado da obra e sobre assuntos aos salientar, em primeiro lugar, que o processo
poucos associados a ela, “recheando-a” com de constituição de bases para a interpreta-
itens da vida cotidiana e daquela situação na ção de obras está calcado com muita fre-
qual estão os visitantes, é tão importante qüência em conversas, que consistem, por
quanto “esquecido” em seus relatos e na sua vez, na experiência talvez mais impor-
própria literatura sobre o público de expo- tante de parte considerável dos visitantes
sições. Representam, na verdade, formas de durante uma exposição. Muito do que será
usufruir as obras, mecanismos cruciais de acionado, no futuro, ao se referir a uma obra
construção social de seu significado e das para verificar e reconstruir o significado a ela
exposições. atribuído, coincidirá com formulações elabo-
radas e informações atualizadas por meio de
Concebemos como compreensão qualquer conversas, apresentadas pelos outros visitan-
interpretação da obra independente da in- tes com quem falou e que, possivelmente,
tenção do artista. Na construção do significa- em alguns momentos integraram aquele
do de uma obra por visitantes, naturalmente “jogo” de interpretação.
incidem informações e recursos técnicos que
curadores e outros profissionais vinculados à Assim, nas conversas durante as exposições,
exposição, como monitores, mobilizam para os visitantes se informam, situam as infor-
dirigir (nem sempre correspondendo à in- mações que detêm e comunicam, tomam
tenção do artista) a interpretação de visitan- contato e apresentam, confirmando saberes
tes. Essa interpretação é feita em boa medi- e formando um rol de itens próprios para a
da a partir dessas e outras referências ao interpretação daquelas obras e nele incluin-
universo de experiências artísticas dos visi- do diversos elementos que eles mesmos
tantes – outras exposições, sua formação mobilizaram. A conversa consiste em cons-

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trução de significados sobre as obras, mas, as interjeições explicitam bem o caráter tan-
ao mesmo tempo, na própria experiência to automático como comunicativo que su-
de aplicação desses significados àquela situ- blinhamos nas conversas dos visitantes. Nes-
ação de observação e conversas sobre a se sentido, trata-se de uma “expressão obri-
obra. Então, ao menos para os que estão na gatória de sentimentos”, tal como definida
exposição acompanhados, a experiência ar- por M. Mauss.9
tística inclui conversar, embora às vezes isso
Quando os indivíduos percorrem a exposi-
não seja lembrado por eles quando descre-
ção acompanhados, interjeições são ainda
vem exposições que freqüentaram ou aquela
mais constantes e contundentes, indicando
que acabaram de percorrer.
correlação entre sensibilização comunicada
Por incluir a conversa, e de certa forma cons- e interações ocorridas enquanto os obje-
tituir-se mais do que tudo pela conversa, tos artísticos são observados. Essas interjei-
certas experiências dos visitantes aproxi- ções são importantes a ponto de atrair os
mam-se muito da experiência do artista. A acompanhantes para observar determina-
conversa é prática comunicativa, isto é, da obra, estimular conversas – interpreta-
dirigida também para a comunicação de sig- ções e comentários sobre ela – e gerar in-
nificados entre os atores sociais que estão terjeições semelhantes. Por conta delas, um
interagindo. Além disso, o mecanismo da indivíduo pode aproximar-se de um desco-
conversa, como indicamos, inclui a constan- nhecido, passando a observar ao seu lado a
te criação de significados e, no caso da inter- obra que a suscitou.
pretação de obras de arte, essa prática é
Essas interjeições demonstram sentimentos
deliberadamente voltada para isso. Assim, a
ou sensações – tristeza, raiva, alegria, pra-
invenção e a comunicação de significados,
zer, graça –, mas quase sempre, embutida,
atributos socialmente reconhecidos nas
também uma avaliação da obra. Por meio
ações dos artistas, são compartilhadas por
delas, indivíduos comunicam extremos da
indivíduos que conformam o chamado pú-
apreciação – o entusiasmo e a aversão em
blico e potencializadas em suas conversas,
relação à obra. Seria, portanto, modalidade
sobretudo quando interpretam as obras que
de expressão de sentimentos que possui
observam.
de forma concentrada avaliações positivas
Avaliações ou negativas dos objetos que observam.

Além de comentários e interpretações, e sem Embora carreguem flexibilidade não encon-


que fronteira precisa possa ser fixada entre trada em outras temáticas da vida social,
esses tipos de conversa, percebemos ser como esporte, religião e política, discussões
quase compulsório os visitantes fazerem ava- sobre gostar ou não de uma obra podem
liações das obras. Há uma disposição7 para gerar pontos de vista contraditórios, bem
apresentarem sensações e pensamentos menos comuns em discussões sobre o sig-
quando deparam com uma obra, que é nificado de objetos artísticos. Alguém pode
potencializada quando estão acompanhados. não gostar ou não concordar com o que
Essa disposição pode ser concebida como outros pensam que certa obra signifique,
do campo da interjeição, que L. com a suposta mensagem que o artista es-
Wittgenstein8 reconhece como próprio da taria comunicando, com sua aparência, e,
arte. Bastante comuns mesmo junto aos in- por isso, não gostar dela. Outro que o acom-
divíduos que estão sozinhos na exposição, panha pode concordar justo com o supos-

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to significado e, por isso, gostar da obra. Mas siste em ação social que adquire importância
o que de fato a obra significa, eles admitem, para além dos conteúdos comunicados com
varia muito, e pontos de vista muito diferen- essa declaração e dos meios através dos quais
tes tendem a se compor, a própria dinâmica pôde ser constituída. Declarar a avaliação de
da conversa, como vimos, permitindo esse uma obra perfaz ação, no sentido proposto
arranjo. por Austin (1970), que estabelece um fato,
qual seja, indicar um momento crucial da
Dos conteúdos e resultados das conversas, atenção que um indivíduo ou grupo de indi-
talvez a avaliação seja a que mais contenta- víduos dispensa a uma obra e localizar o in-
mento fornece aos que percorrem a expo- divíduo frente ao grupo com o qual percor-
sição juntos – mas também a boa parte dos re a exposição.
que estão sozinhos. A incapacidade de pro-
duzir e expressar uma avaliação (por exem- Os itens de uma avaliação dizem respeito a
plo quando alguém que acompanha um visi- muitos elementos do objeto observado, e,
tante emite uma avaliação de uma obra, e no limite, passam a constituir também jul-
ele não sabe como se manifestar) produz gamentos em torno da possibilidade de esse
mais constrangimento do que não conseguir objeto poder ou não ser considerado arte.
interpretar ou não ter nada a comentar, si- “Isso não é arte” é afirmativa feita por visi-
tuações que também geram embaraço. tantes com alguma freqüência e costuma
desencadear reações de quem acompanha
Gostar e não gostar constituem objetivo da ou está perto – seja de aquiescência ou
presença dos indivíduos nas exposições. É discordância, seja ainda de potencializar sua
Visitantes na exposição
Os Trópicos,
esperado que todos tenham alguma avalia- atenção em relação à obra. Dada a disposi-
Máscara
Máscara, 2005 ção, positiva ou negativa, extensa ou não, ção de os atores sociais a princípio aceita-
Marcos Chaves “profunda” ou não, do que está sendo ex- rem que aqueles objetos sejam expostos
vídeo-instalação no posto. Declarar se gosta ou não desta ou
CCBB, Rio de Janeiro como obras de arte, um objeto – ou um
Foto: Christina Bocayuva daquela obra, e mesmo da exposição, con- conjunto deles, ou mesmo todos de uma
exposição – costuma ser excluído da cate-
goria arte apenas quando não se encontram
de fato elementos que possam justificar sua
classificação como tal. Há, nesse sentido,
grande tolerância do público, e, diferente
do gostar ou não gostar, essa inclusão ou
exclusão de obras da categoria arte pode
ser transformada mediante o fornecimento
de informações e outros elementos para sua
avaliação – por exemplo, quando alguém
durante a exposição fala ou lê algum mate-
rial sobre as intenções do artista com aque-
la obra ou sobre a dificuldade de se achar
ou trabalhar com algum material utilizado
em sua confecção. Assim, excluir da cate-
goria arte corresponde ao grau máximo da
avaliação negativa de uma obra, e por isso
sua comunicação é procedimento diferen-

ARTIGO • LÍGIA DABUL 61


te da simples avaliação, tão comum nas ex- goria arte, diz respeito à impossibilidade de
posições de arte. Trata-se de procedimen- se construir um sentido sobre elas. Com efei-
to acoplado à avaliação, mas que com ela to, visitantes passam a explicitar que gosta-
não coincide, já que nem sempre incluir um ram da obra após alguma interpretação ser
objeto na categoria arte frente a argumen- feita sobre ela, quando a princípio não ti-
tos e informações apresentadas pelos acom- nham conseguido construir nenhum signifi-
panhantes significa mudar a avaliação em cado a seu respeito.
torno do gostar ou não gostar dele. De
qualquer modo, a avaliação é procedimen- Diferente é a avaliação baseada no suposto
to consideravelmente referido ao contex- referente da obra, que não raro é tomado
to no qual é produzido e costuma estar quase como um equivalente da mensagem
moldado pelas interações dos atores sociais que o artista teria tentado transmitir. Se a
durante seu percurso na exposição. Não é, suposta realidade referida é avaliada como
portanto, um conjunto de critérios aplica- bela, interessante, informativa, comovente ou
dos a uma obra, mas construção que varia significativa para o visitante, como quando
e conta com critérios que podem, cada um
menciona ou retrata um determinado san-
deles, ser ou não criados e mobilizados
to, localidade, time de futebol, o trabalho
dependendo das circunstâncias em que a
pode ser avaliado positivamente por conta
avaliação é feita.
disso. O inverso também se coloca em mui-
Parte considerável das avaliações negativas tas situações: trabalhos são avaliados negati-
de obras, que com alguma freqüência estão vamente devido a seus referentes ou supos-
correlacionadas com sua exclusão da cate- tos referentes.

Visitantes na exposição
Os Trópicos, O sonho da
planta do escritório
escritório, 2008
Gerda Steiner e Jörg
Lenzlinger, CCBB, Rio de
Janeiro,
Foto: Beatriz Pimenta

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Com esses e outros critérios obras são Notas
avaliadas corriqueiramente nas exposições, ao
1 Essas reflexões resultam de pesquisa etnográfica em expo-
lado ou junto de comentários e interpreta- sições de arte de centros culturais, sobretudo as volta-
ções feitos em conversas entre visitantes. Às das para o chamado grande público e para contingente
vezes é por meio de uma conversa que eles significativo de escolas. Se com os dados de que dispo-
constroem um mínimo de compreensão da mos, pela própria natureza da pesquisa, não pretende-
obra para se sentir seguros e expressar uma mos efetuar generalizações, eles permitem discutir pro-
posições bastante difundidas sobre o contato da popu-
avaliação para seus acompanhantes. E à saída lação com objetos de arte. Para a apresentação com-
da exposição, grupos, pares, amigos come- pleta dos dados da pesquisa e desenvolvimento de ar-
çam a avaliar, individualmente, qual a obra de gumentos, ver Lígia Dabul. O público em público: práticas
que mais gostaram – e eventualmente da que e interações sociais em exposições de artes plásticas, tese
menos gostaram, se gostaram ou não da ex- de doutorado em sociologia. Fortaleza. PPGS/ UFC.
posição, e novas avaliações são feitas referi- 2 Em A arte de conversar, textos explicitam e preconizam
das completamente a esses novos contextos. regras da conversação, prática oral difundida nos hôtels
parisienses e voltada para a diversão, nos séculos 17 e
Assunto sem fim 18. Como outras práticas sociais, essa é também passí-
vel de aprendizagem, “por experiência e ‘impregnação’,
Tal como não podemos separar comentári- enquanto técnica de adquirir o ofício ‘que não se deve
os das interpretações e avaliações que visi- fazer sentir’”. Alcir Pécora. “Prefácio. Variações para con-
tantes fazem em uma exposição, não encon- versas entre espécies de salão”. In Morellet et al., A arte
tramos a conversa isolada das outras práti- de conversar. São Paulo: Martins Fontes, 2001: VII.
cas sociais que presenciamos e compartilha- 3 Erving Goffman [1981]. Façon de parler. Paris: Les Éditions
mos nessas situações: brincadeiras, observa- de Minuit, 1987.
ção de trabalhos expostos, convivência, es- 4 Erving Goffman. Behavior in Public Places. Notes on the soci-
tudo, carícias, ensino etc. Já não podemos al organization of gatherings. New York: The Free Press,
mais, também, afastar a experiência de con- 1969.
tato dos indivíduos com as obras expostas 5 Mesmo atores sociais considerados especializados, em di-
nas exposições que freqüentam, de tantas ferentes graus, mas com grande incidência, tendem a
outras experiências que estão tendo naque- fazer comentários com essas características.
le exato lugar e momento, na maioria das 6 Exposição permanente Admiráveis belezas do Ceará ou o
vezes junto com outros visitantes. Pensar a desabusado mundo da cultura popular.
arte, e sua relevância social, a partir do que
7 P. Bourdieu. Esboço de uma teoria da prática. In Ortiz,
de fato ocorre nessa sua ponta por vezes
Renato (org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática,
esquecida – a tocada pelo público tal como 1983.
ele se apresenta para ela – talvez consista
em esquecer sua especificidade. Ou 8 Leçons et conversations sur l’esthétique, la psychologie et la
croyance religieuse. Paris: Gallimard, 1971.
encontrá-la em conjunções inusitadas de
parcelas da vida social que teimam em inva- 9 M. Mauss [1921]. A expressão obrigatória de sentimentos.
di-la e experimentá-la. Talvez a conversa, In Cardoso de Oliveira, Roberto (org.). Marcel Mauss.
Antropologia. São Paulo: Ática, 1979.
como sociabilidade, forma de interação vol-
tada para ela mesma,10 contribua para man- 10 Ver Simmel, G., Sociabilidade – um exemplo de sociolo-
ter indefinido o sentido da arte e, assim, o gia pura ou formal.. In Moraes Filho, Evaristo de (org.).
ímpeto de os indivíduos se perguntarem a Georg Simmel. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
seu respeito.
Lígia Dabul é doutora em sociologia (PPGS/UFC), poe-
ta, professora do Departamento de Sociologia da UFF e
colaboradora do PPGAV – EBA/UFRJ.

ARTIGO • LÍGIA DABUL 63

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