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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO TEORIA JUNGUIANA

CLAUDIA MARIA GAMA LEAL

O TRABALHO COM O NUMINOSO NA PSICOLOGIA JUNGUIANA


NUMA ARTICULAÇÃO COM
A PSICOLOGIA INICIÁTICA DE KARLFRIED GRAF DÜRCKHEIM.

RIO DE JANEIRO

2016
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

CLAUDIA MARIA GAMA LEAL

Trabalho de Monografia apresentada para


conclusão do Curso de Pós-Graduação em
Psicologia Junguiana da Universidade Estácio de
Sá.

RIO DE JANEIRO

2016

1
AGRADECIMENTOS

Primeiramente deixo aqui meus agradecimentos:

A minha querida e grande amiga de toda uma vida, sem ela não haveria nenhuma
possibilidade, Maria Olinda.
A essa família rara à qual pertenço, e que na trajetória da vida, foram amigos, heróis,
ouvintes, parceiros, e cúmplices. Nas tolices, e arbitrariedades, nos empenhos e conquistas e
nas derrotas. Assim, tem sido a vida, caminhamos juntos.
A minha irmã Marcia, ao me oferecer um caminho através do livro: Emergência Espiritual,
presente dado com sensibilidade e que foi indicado por Antônio Filpi que será também
lembrado aqui.
A minha querida irmã-amiga Cleuza Cantarelli e sua amizade, cujas asas voam junto e cujas
raízes me ancoram tantas vezes na suavidade do encontro afetuoso.
Aos meus bons e queridos professores que me inspiraram, ensinaram e preparam o caminho
para chegar até aqui. Particularmente Angel Viana, Rainner Viana, Carlos Affonso, Maria
Adela Palcos, Irene Tratjenberg, Federico Navarro, Humbertho Oliveira, Silvana Sacharny,
Leila Chon, Ivaldo Bertazzo, Tarthang Tulku, Jean-Yves Leloup, Pierre Weil, Roberto Crema,
Francisco de Assis de Oliveira, e a todos os professores da Teoria de Jung, com quem estive
estudando, desde 2012, em cursos introdutórios, e pós, em especial, a nossa amada Nara
Santonieri.
Ao querido analista de muitos anos Humbertho Oliveira, sem o qual teria sido impossível. A
analista e professora, Maria Lucia Lorêdo, de quem tive um apoio imprescindível. E também
a analista, Sonia Havas, cuja interlocução foi crucial este ano.
Aos meus queridos mestres espirituais, de todos os lugares por onde estive. Em especial,
Lama Gangshen, Lama Michel e Père Martin.
A minha querida orientadora Lygia Fuentes que topou, aceitou o tema, e ofereceu sua ajuda
experiente e humana.
Aos meus queridos colegas da turma 2015, de Teoria Junguiana da faculdade Estácio de Sá,
seu companheirismo não tem preço.
A todos os pacientes que depositaram sua confiança no nosso diálogo desde meu inicio em
1984.

1
RESUMO:

Leal, G.M. Claudia: O Trabalho com o Numinoso na Psicologia Junguiana numa


articulação com a Psicologia Iniciática de Karlfried Graf Dürckheim. Rio de Janeiro,
2016, Monografia de final apresentada no curso de pós-graduação em Teoria Junguiana,
da Faculdade Estácio de Sá.

Na Teoria Junguiana, está presente o termo numinoso cujo significado aqui,


engendra a compreensão dos fenômenos psíquicos e subjaz à experiência mais profunda e
necessária do ser humano. Muitos autores tem estudado o tema do numinoso desde então. O
termo foi cunhado por Rudolf Otto em seu Livro, O Sagrado, no qual é definido como a
qualidade da experiência religiosa e transcendente do ser humano. O numinoso é para Jung,
qualidade própria dos arquétipos, que estão na base do inconsciente coletivo que nos chegam
através das imagens arquetípicas, e sempre causam arrebatamento. Essa denominação também
foi usada por outro Teórico, que se fundamentou em Jung, quer seja Graf Dürckheim o qual
se refere aos “momentos numinosos”, como acontecimentos que se dão na vida do indivíduo
no processo natural do sujeito em seu desenvolvimento psíco-espiritual. Para ambos, Jung e
Graf, não há saúde sem conexão com o misterioso mundo arquetípico, do qual brota a energia
de nossa criatividade, e autoconhecimento. Caminhamos sempre nessa direção queiramos ou
não. Isso é o que Jung denominou de processo de individuação. Nesse presente estudo, o que
se pretendeu foi tecer um diálogo entre esses dois autores, sobre o tema do Numinoso.

1
ABSTRACT:

Leal, G.M. Claudia: The Work with the Numinous in Jungian Psychology in articulation with
the Initiaque Psychology of Karlfried Graf Dürckheim. Rio de Janeiro, 2016, Final
dissertation presented in the postgraduate course in Jungian Theory, Faculdade Estácio de Sá.

In Jungian theory, the term numinous is present whose meaning here engenders
the understanding of psychic phenomena and underlies the deepest and most necessary
experience of the human being. Many authors have studied the numinous theme ever since.
The term was coined by Rudolf Otto in his book, The Holy One, in which it is defined as the
quality of the religious and transcendent experience of the human being. The numinous is for
Jung, a quality characteristic of the archetypes, which are at the base of the collective
unconscious that come to us through the archetypal images, and always cause rapture. This
denomination was also used by another Theorist, who was based on Jung, whether it be Graf
Dürckheim which refers to "numinous moments" as events occurring in the life of the
individual in the natural process of the subject in his psycho-spiritual development. For both
Jung and Graf, there is no health without connection to the mysterious archetypal world, from
which springs the energy of our creativity, and self-knowledge. We always walk in that
direction whether we like it or not. This is what Jung called the process of individuation. In
this present study, what was intended was to create a dialogue between these two authors, on
the theme of Numinous.

1
SUMÁRIO:

1. INTRODUÇÃO: .................................................................................................................. 7

2. O NUMINOSO EM KARFRIED GRAF DÜRCKHEIM................................................ 16

3. JUNG E O NUMINOSO: ...................................................................................................30

4. CONCLUSÃO: .................................................................................................................. 50

5. BIBLIOGRAFIA: ...............................................................................................................55

1
1. INTRODUÇÃO:

A qualidade da experiência numinosa é vista em toda obra de C. G. Jung. Ela se


refere à força da energia do arquétipo que se experimenta por vezes em momentos inusitados,
ou mesmo de maneira cotidiana, que nos causam certo estranhamento, temor, ou imenso
prazer ou mesmo sensações grotescas, profundas, de inteireza ou aniquilamento. De qualquer
maneira ele considera tais experiências como sendo o núcleo de sua pesquisa em psicologia. E
como sendo fundamentais para a análise do paciente.
A experiência imediata, dita, os “pequenos satoris”, termo emprestado do Zen
Budismo, são sempre, carregados de energia dos arquétipos, trazem uma profunda
oportunidade de conhecimento do conteúdo psíquico, tanto ao analista quanto ao paciente,
que tomando conhecimento de seus conteúdos tem a oportunidade de integrá-los à
consciência, ampliando seus recursos, suas possibilidades de cunhar sentidos ao seu ser
existencial. Eis Jung nos falando da importância do Numinoso em sua prática terapêutica:
“O senhor tem razão em dizer que o interesse principal do meu trabalho não está no
tratamento das neuroses, mas numa aproximação do numinoso. O fato é que o
acesso ao numinoso é a verdadeira terapia e na medida em que se chega às
experiências numinosas, há uma libertação da maldição da doença. A própria doença
assume um caráter numinoso”. (JUNG, 2001, Cartas Vol1, 28-08-45)

Pretendo revisar o conceito de experiência numinosa na obra de Jung,


denominação primeiramente trazida por Rudolf Otto, e utilizada por Jung para descrever
vivências, de “intensa tonalidade afetiva”, que podem efetivamente trazer uma energia
desconhecida à consciência e integrar conteúdos proscritos, ou negligenciados, ou totalmente
desconhecidos. Sabemos que, caso a pessoa não suporte o confronto, poderá ser perigoso para
sua saúde psíquica. Portanto é necessário mapear de que maneira Jung se utiliza desse
conceito e elucidar de que forma ele utiliza esse conhecimento em sua clínica. Uma de suas
grandes contribuições, é que essas experiências foram acolhidas numa Psicologia que as
legitime. Não as cunhando de necessariamente patológicas.
No entanto, houve outro Psicólogo, Graf Dürckheim, que em Toodmos Rute,
na floresta negra na Alemanha, fundou uma Terapia, denominada Iniciática, que se utiliza
muito desse conceito de numinoso, e enfatiza-os em sua jornada terapêutica, fazendo o
cliente, observar primeiramente, quais são esses momentos, os quais, ele denomina,
“estrelados”.
“Relembremos desses momentos que, bruscamente, nos faz sentir até ao fundo de
nosso ser”. “Qualquer coisa” que nos toca e nos abala no mais profundo de nós
mesmos. Nós devemos escutar esta “qualquer coisa” (GRAF, 1968, p. 28).
1
Graf Dürckheim se apoia na Psicologia profunda de Jung, no Zen Budismo, e
em Mestre Eckhart. A influência de Jung está descrita em seu livro: El Caminho, El Verdade
Y El Vida: diálogos com Alphonse Goettmann que citarei aqui (GRAF, 1987, p.83):
Foi sua ausência em um congresso internacional de psicologia, que eu devia ir, que
me decidiu ir visitá-lo. Como muitos outros, eu estava escandalizado porque não o
haviam convidado. Causou-me muita, impressão conhecê-lo... Todavia o vejo vir em
minha direção com seu cachimbo na boca: era como uma montanha que se
aproximava... “Então lhe disse: “Senhor Jung, tenho aprendido no Japão que quando
alguém se encontra na presença do mestre tem direito a fazer-lhe uma pergunta
muito simples” E ele me respondeu em seu idioma suíço: “Bem, que quer saber”?
“Poderia me dizer o que é um arquétipo?. Ele sorriu porque era ele o que havia
introduzido este termo na psicologia”. Porém como havia proposto meia dúzia de
definições ou mais, sentia curiosidade por saber qual ia a dar-me. Neste momento
respondeu. “Pattern of Behaviour”. “Trata-se de uma pré-formação de seu
comportamento e não do resultado de um costume.”
Durante estes últimos vinte anos, a obra de C.G.Jung e a de seu primeiro discípulo
Erich Neumann me têm enriquecido muito. Sua teoria do "si" (si mesmo)
corresponde a meu conceito do ser essencial. Para eles o verdadeiro si é a integração
do si profundo no eu existencial, o que dá lugar à persona. Isso é o que me tem
marcado; por aí C. G. Jung tem aberto o caminho à iniciação. Desgraçadamente, os
discípulos de Jung não o têm continuado.

A "Terapia Iniciática” possui três elementos básicos, o primeiro: o de observar e


relembrar os momentos ditos “estrelados” da existência. Será sempre esta a pergunta básica
de Dürckheim ao analisando. O segundo elemento será: estabelecer o diálogo constante entre
o ser essencial e o ser existencial. Veremos como Dürckheim os conceitua. Em terceiro, se
colocar à escuta do “Mestre Interior”.
Esta abordagem nos remete àquela criada mais ou menos ao redor de meados do
século XX por William James, Abrahan Maslow, Victor Frankl, Antonio Blay, e que veio ser
chamada de Transpessoal. Ela considera que se trata não “somente” de deixar vir à
consciência, o inconsciente, ou o subconsciente (no seu sentido freudiano), ou mesmo a
história biográfica. com seus traumatismos e bloqueios. Trata-se de abrigar o que esses
autores chamam de supra consciente.
Essa é talvez uma diferença conceitual importante para a “pergunta” que move a
pesquisa em questão. Jung tratará o conceito de inconsciente de maneira muito ampla, e
profunda, não se detendo na biografia pessoal apenas, e não tratará a questão do supra pessoal
metafisicamente.
Esta abordagem mostrou-se eficaz no tratamento de casos que poderiam ser
tomados como psicóticos. Pelo menos, seus dois maiores propagadores, experimentaram
certos estados peculiares e vivenciaram a terapia seja com Dürckheim ou sua esposa Maria

1
Hippius e através da qual retomaram o curso de suas vidas com um sentido muito profundo de
vocação. Essas pessoas são: Vera Khon, fundadora do Centro de Desarollo Humano em Quito
no Equador, e autora do Livro: “Terapia Iniciática”. Formou dezenas de pessoas nesta linha
de abordagem e metodologia. Outro teórico e autor não menos relevante é Jean-Yves Leloup,
através do qual conheci essa abordagem. Leloup, leva sempre consigo para suas conferências,
a obra de Karfried Graf Dürckheim e sua experiência junto a este.
Segundo Leloup, a Terapia Iniciática, tem como base inexorável, “a
consideração dos momentos privilegiados de nossa existência, estas “horas estreladas”, que
através da noite, atestam que o Dia existe” (LELOUP, 1991, p.20).
Para Graf é: “uma qualidade do vivido onde nos é revelado o afloramento de outra
dimensão, de uma realidade que transcende o horizonte da consciência comum (...) ele nos faz
estremecer” (LELOUP, 1991, p.21).
Corbett em seu artigo: “Variedades da experiência numinosa: A experiência do
sagrado no processo terapêutico”, diz que o encontro com o numinoso trazido ao setting
analítico, tende a produzir um efeito muito promissor ao processo terapêutico. Para isso o
analista não poderá tender ao reducionismo, ou mesmo desdenhar esse conteúdo. Isso
dependerá bastante do sistema de crenças e filosofia teórica do profissional. “No caso de
interpretações redutivas, o paciente, poderá recalcar o conteúdo, alimentando a neurose.”
(CORBETT, 2006, p.53).
A experiência do numinoso pode nos trazer um desconforto enorme e, nos
sentirmos mesmo insultados, “por um inexplicável estado de espírito, uma desordem nervosa,
ou um incontrolável estado de ser, ou seja, uma manifestação de Deus” (tradução minha,
APUD COBERTT, 2006, 53; JUNG, 1935\1966:23).
Pretendo revisar também o conceito de experiências numinosas, na obra de
Dürckheim, na intenção de dialogar com Jung em sua visão do numinoso.
O tema da pesquisa constitui o trabalho com o numinoso na Psicologia Junguiana
numa articulação com a Terapia Iniciática de Karlfried Graf Dürckheim.
Para iniciar a pesquisa, farei o levantamento mais específico do que é o
Numinoso, em primeiro lugar. Esse termo foi usado pelo "teólogo protestante alemão, erudito
em religiões comparadas": Rudolf Otto, e que exprime um significado e uma conceituação
religiosa e filosófica da "experiência religiosa" humana bastante relevante na atualidade.
Numa citação:
"Uma coisa é apenas acreditar no suprassensorial; outra, também vivenciá-lo; uma
coisa é ter ideias sobre o sagrado; outra perceber e dar-se conta do sagrado como

1
algo atuante, vigente, a se manifestar em sua atuação. È convicção fundamental de
todas as religiões e da religião em si que também a segunda possibilidade é viável,
que não só a voz interior, a consciência religiosa, o discreto sussurro do espírito no
coração, o palpite e o anseio prestem testemunho a seu respeito, mas que seja
possível encontrá-los em eventos, fatos, pessoas, em atos de auto-revelação, ou seja,
que além da revelação interior no espírito, também haja revelação exterior do
divino" https://pt.wikipedia.org/wiki/Rudolf _Otto

Precisaremos discernir no termo, o conceito e a descrição da experiência


numinosa em Otto, que será útil para a pesquisa. Posteriormente será incluído o olhar
especialmente de Graf e Jung, teóricos em diálogo na pesquisa, e também de outros autores
que fazem referência á elas em seus textos. O que queremos discriminar é a que experiência
numinosa eles se referem quando a citam em suas obras, e como as experimentaram assim
também, como a utilizaram, inserindo-a em sua pratica terapêutica.
No seu Livro, O Sagrado, Otto faz primeiramente alusão ao reconhecimento de
algo sagrado como um "momento bem específico que foge ao acesso racional" sendo então:
"impronunciável", "inefável", "indizível", "na medida em que foge totalmente à apreensão
conceitual”. O termo na Filosofia e na Teologia tem um caráter derivado e se refere a um
"atributo moral, perfeitamente bom". Nesse sentido ele irá citar Kant. Poder-se-ia falar em
"vontade santa", "vontade impelida pelo dever" obedecendo à "lei moral", e que estaria ligada
"á vontade moral perfeita". No texto original em alemão o termo empregado para "sagrado" é
"heilig", não sendo um termo rigoroso e contendo muitas conotações. Nesse sentido o “heilig"
se refere a muito mais do que o que nos é descrito em Kant. Em outras línguas como as
latinas, e as mais antigas está implícito apenas o sentido de um "algo mais", onde nenhum
aspecto moral é levado em conta inicialmente e nem exclusivamente. A necessidade de se
utilizar o termo moral parece ser para Otto a da utilidade para a normatização geral.
O autor se propõe a retirar desse termo esse aspecto bastante usado de um
sentido moral, e também o sentido racional lembrando que em todas as culturas e religiões,
esse elemento está "vivo" e constitui "seu mais íntimo cerne, sem o qual nem seria religião".
Dessas religiões o autor destaca a semítica e a bíblica que se utilizam do termo nas três
línguas: latina (sanctus, sacer) hebraica (qadôsh) e grega (hágios), que irão acabar também
designando o termo, em sua ideia e maturidade máxima ao que é "Bom" e ao "Bem" sendo
isso um tanto controverso, pois tais termos derivam também de leituras racionalistas.
Portanto, para isso, Otto sugere o termo numinoso referindo-se a “uma categoria
numinosa de interpretação e valoração, bem como um estado psíquico numinoso que sempre
ocorre quando aquela é aplicada, ou seja, onde se julgue tratar de objeto numinoso", sendo na
realidade não definível, pois é, suis generis, A discussão do termo, deveria levar o sujeito a
1
aquele estado psíquico onde a experiência se dará. Se lermos diretamente do texto veremos
com mais clareza que a reflexão sobre a palavra numinoso, levará "o ouvinte a entendê-la,
conduzindo-o mediante exposição àquele ponto da sua própria psique onde então ela surgirá e
se tornará consciente"citação). Todas essas pequenas citações estão contidas na sua pequena
introdução do livro: O Sagrado.
Dessa maneira, Otto inicia a explanação de sua reflexão sobre o Numinoso como
"experiência do sagrado" onde, ele vai descrever cinco aspectos do numinoso, sendo estes: "o
Sentimento de Criatura - como reflexo da numinosa sensação de ser objeto na auto
percepção", "o Misterium Tremendum", o "Hinos Numinosos", o "Fascinante" e o
"Assombroso". Iremos então, seguir suas reflexões, sintetizando-as.
O primeiro aspecto do nuninoso seria o "sentimento de criatura". Estranha
colocação, mas que em verdade se revela essencial. O momento de "forte excitação religiosa".
O “arrebatamento devocional" que se caracteriza pelo “solene", não ficará reduzido aos bons
sentimentos cristãos: de gratidão, confiança, amor, esperança, humilde "sujeição e
"submissão". Tomando emprestado de Scheilermacher o termo de "sentimento de
dependência", Otto, diz que esse termo não se aproxima em seu significado dos estados
ordinários e naturais do cotidiano, e que exprimem em sentimentos de "insuficiência própria,
impotência e inibição em função das circunstancias". O termo é empregado em outro aspecto,
e é "qualitativamente diferente". Trata-se de um "dado fundamental e original da psique, que
somente pode ser definido por si mesmo". Citando Abraão em Gênesis: " Tomei a liberdade
de falar contigo, eu que sou poeira e cinzas" ( Apud, OTTO, 2011, Genesis 18:27) . Aqui
podemos ver melhor essa intraduzível experiência, e o mais próximo que Otto pode chegar é a
um “sentimento de criatura", para tentar descrevê-la, "que afunda e desvanece em sua
nulidade perante o que está acima de toda criatura". (OTTO, 2011, p 41). “Aqui há não
somente essa humildade e nulidade perante o “avassalador”. Sendo o “caráter desse
avassalador" algo de "inefável” onde não há formulação racional capaz de descrevê-lo.
"Somente pode ser indicada indiretamente pela evocação íntima e apontando para o peculiar
tipo de conteúdo da reação-sentimento desencadeada na psique por uma experiência pela qual,
a própria pessoa precisa passar”. (OTTO, 2011, p.42). Em Schleiermacher o sentimento de
dependência ou de criatura determina o sentimento religioso. Este então em primeira instancia
seria uma auto percepção, uma condição psíquica nascente que se apresenta na dependência.
Para Otto, este sentimento de criatura, é à sombra de outro sentimento, ou seja, o sentimento
de um verdadeiro "receio" do Indescritível, que é o numinoso, e que se revela como um

1
"objeto fora de mim". Vemos nessa experiência de Abraão citada acima, o confronto com a
aproximação do Nume, sendo este um objeto imaginário ou um objeto real, essa presença
numinosa faz surgir como "reflexo na psique" o sentimento de criatura. William James vai
descrever aqui como sendo um sentimento de autodepreciarão diante da pressuposição de algo
sentido como superior (“a inacessibilidade absoluta do numinoso").
Já se antevê a proximidade da alteridade. O que é isso fora de mim? Eu o sinto
fora de mim. E, no entanto é indizível.
Primeiro vê-se uma psique que se mobiliza de uma maneira que a arrebata, e se vê
como um mero grão de areia. Há nisso uma percepção de "um poder que confunde os
sentidos”, que podemos descrever como um Misterium Tremendum, sendo este o segundo
aspecto do numinoso. O vemos em tais estados psíquicos que aparecem em cultos, e ritos,
onde nenhum conhecido está presente.
Numa outra citação:
"Pode passar para um estado da alma a fluir continuamente, em duradouro frêmito,
até se desvanecer, deixando a alma novamente no profano. Mas também pode
eclodir do fundo da alma em surtos e convulsões. Pode induzir estranhas excitações,
inebriamento, delírio, êxtase. Tem suas formas selvagens e demoníacas. Pode decair
para o horror e estremecimento como diante de uma assombração. Tem suas
manifestações e estágios premliminares selvagens, purificado e trasfigurado. Pode
vir a ser o estremecimento e emudecimento da criatura a se humilhar perante - bem,
perante o Quê? Perante o que está contido no inefável mistério acima de toda
criatura." (GRAF, 19. p. 45)

Esse Mistério não apreendido, não se pode definir, há um sentido inerentemente


positivo que se exprime por sentimentos a isso que apenas podemos cunhar negativamente, ou
seja: "o não evidente", o "não familiar”. O sentimento primeiro parece ser "o terror", o medo.
Mas não de maneira comum. É mais um receio do que se pressente como outro, o totalmente
desconhecido. “Vemos que nesse sentido algo despertou na psique, uma predisposição
peculiar" bem distinta da ordinária e que coloca o indivíduo que a vive numa atitude singular
e nova e pela qual passa a ansiar e valorizar. Há algo aqui que começa a se desenvolver.
Primeiramente no receio do "demoníaco" que toca aquela área mais primitiva, ou se refere
mesmo as vivências dos "primitivos" (“nossa ancestralidade, presente no inconsciente
coletivo” e que se eleva na crença nos deuses e posteriormente na fé em Deus. Essa fala de
Otto sugere a visão Cristã, como algo que se desenvolveu dessa maneira, tornando a
experiência terrível do demoníaco - algo mais nobre). Não entrarei nesse momento, na
questão que os teóricos fazem ao estudar Jung sobre a concordância dessa colocação de Otto.
Para este, nada aqui, na evolução da experiência do nuninosa, no desenrolar da passagem dos

1
anos (de rituais primitivos, aos deuses, e posteriormente no cristianismo) deixa de existir,
apenas se enobrece. Dessa maneira sempre houve nas bases de qualquer experiência numinosa
e por último (historicamente), na fé cristã onde tais experiências, começaram a ser objeto de
reflexão, esse sentimento do "intimíssimo estremecimento e emudecimento da alma até suas
mais profundas raízes.”
Por tremendum pode-se designar também como a "Ira de Javé". Algo de
irracional, uma "força natural oculta”, ou "como eletricidade acumulada que se descarrega em
quem dela se aproxima demais", sendo "imprevisível, "arbitrária", nada tendo a ver com
moralidade. Há certa similaridade ainda com o "demoníaco-fantasmagórico" mais primitivo,
menos elaborado e que persiste ainda no inconsciente. Tal é a qualidade do aspecto do temor
numinoso. O numinoso não só como imagem, mas como sensação. Ou uma apercepção da
psique. A "Ira de Javé" sendo o próprio tremendum, na sua completa irracionalidade, só
poderá ser concebida e expressa através de "algo do âmbito natural", "algo do psiquismo
humano" e que se revela no sentimento religioso. Não se trata de algo da natureza, se trata da
numinosidade da experiência, que atravessa o físico, o racional, a realidade tal como nos
chega ao senso comum e que chamamos objetiva, ela se situa alhures
Podemos quase conceituar, mas seria fora de qualquer representação fazê-lo.
Desse modo a "ira" se adapta mais a um ideograma, um termo sugestivo da experiência
religiosa. Contém algo de "distanciador", de "zelo", e de "inacessibilidade absoluta".
A "Ira de Deus" nos transtorna na nossa busca de consolo, bondade, e confiança-
aqui o convite da experiência Maior que rasga o véu da ignorância, Deus é Terrível: diria
Jung. Queres ver a Deus? Não se pode ver a Deus. Apenas dele se pressente. O ser humano
não consegue mensurar, nem sentir. Para nossa psique ela, a Ira Divina, se configura como
complemento que nos trás a ética e a justiça. E aí talvez encontremos algo em caráter
complementar do terrível que apazigua.
Primeiramente então pressentimos que algo de extraordinário nos chega de algum
lugar: algo superior, "totalmente absoluto", e nos sentimos humilhados, compreendemos
nossa dependência total. Não sou eu que sou, e sim, Ele que É. Perdemos esse domínio do
Ego e ficamos assombrados, há então essa anulação em função de toda a Majestade (poder,
domínio, hegemonia supremacia absoluta), já nada mais somos diante Dele. Esse é a matéria
prima numinosa do sentimento de religiosidade. "Quando, então, assim tiveres renunciado a ti
mesmo, eis que serei Eu e tu não serás." (Apud, OTTO, 2011, Spamer. Texte aus der
deutschen Mystic. p 52)

1
Pode-se então falar de uma "energia do numinoso", "senti-lo vivamente, sobretudo
na Ira, expressando-se simbolicamente na vivacidade, paixão, natureza emotiva, vontade,
força, comoção, excitação, atividade, gana". "Trata-se daquele aspecto do nume que ao ser
experimentado aciona a psique da pessoa, nela desperta o zelo (Eifer), ela é tomada de
assombrosa tensão e dinamismo: (...) na eclosão em atuação heroica". (Otto, 2011, p.55)
citação longa.
No seu aspecto de Mysterium, iremos encontrar esse "Totalmente Outro". Há
primeiro o "espanto" esse “ser atingido psicologicamente por um milagre” (...) um “prodígio”.
Este é um sentimento de “espanto genuíno", somente encontrado diante do numinoso, senão
se torna apenas pasmo comum. Está para além de uma designação natural, onde cabe também
o estupor que se difere muito de tremor. Esse espanto genuíno nos remete mais a ficar
propensos ao Misterium, ao não compreendido e ao inexplicável. Essa experiência do
Misterium faz a pessoa confrontar-se com Objetos de natureza enigmática, que "causam
estranheza, deixam a pessoa embasbacada, por exemplo, diante de fenômenos, eventos e
objetos estranhos e extraordinários na natureza, entre os animais e seres humanos." ( Otto 59).
“Há então certa diferenciação entre o „estranhamento natural” diante de um
"mecanismo de relógio imperscrutável" ou uma "ciência que ainda não se compreenda". Isso
seria da ordem de algo não entendido, embora possamos vir a entender. Nesse caso se
apresenta um problema apenas. No caso do numinoso, não há o que se entender, nem
compreender. É algo que permanece inapreensível, inesgotável em sua natureza de
Misterium, e Totalmente Outro. Sua natureza não é comum, não é conhecida, porque "possui
qualidades incomensuráveis para a minha natureza". Permanecemos para sempre no espanto.
"O que é aquilo que reluz através de mim e percute meu coração sem feri-lo? Estremeço tanto
quanto me inflamo" (Apud: Otto, 2011, Agostinho, confissões, 11, 9,1). Aqui se contrasta
com o conhecido e familiar, e já não se pode nomear, tornando-se "sobrenatural".
Teremos ainda o aspecto do numinoso "Fascinante" que Otto analisa. Vamos
pular o aspecto Hinos.
Citaremos diretamente OTTO (2011, p.68):
O teor qualitativo do nuninoso (...) é por um lado, aquele aspecto distanciador (...)
Por outro lado, ele também parece algo atraente, cativante, fascinante, em curiosa
harmonia de constraste com o elemento distanciador do tremendum.
Toda a história da religão atesta essa harmonia contrastante, esse duplo caráter do
numinoso, começando no mínimo pelo estágio do "receio demoníaco". Trata-se, na
verdade, do mais estranho e notável fenômeno da hisória da religião. Que o
demoníaco-divino tem de assombroso e terrível para a nossa psique, ele tem de
sedutor e encantador. E a criatura que diante dele estremece no mais profundo receio
sempre também se sente atraída por ele, inclusive no sentido de assimilá-lo. O
mistério não é só o maravilhoso , mas também aquilo que é prodigioso. Além de
1
desconcertante, é cativante, arrebatador, encantador, muitas vezes levando ao
delírio e ao inebriamento - o elemnento dionisíaco entre os efeitos do nume. Este
chameremos de aspecto “fascinante” (Fascinas) do nume.

Otto cita os nomes racionais pelos quais exprimimos naturalmente esse fascínio:
amor, misericórdia, compaixão, caridade, que novamente não esgotarão a experiência que
permanece com seu aspecto fascinante e que não se satisfaz com a beatitude religiosa. O
amor último, a misericórdia última, guarda o "elemento profundamente prodigioso do
beatífico mistério contido na experiência da divindade." (OTTO, 2011, p. 69)
Há mesmo essas experiências de fascínio que a pessoa chega a querer se apossar
do "misterioso em si, encher-se dele, inclusive identificar-se com ele. "Pode-se falar de
identificação mágica de si mesmo com o nume, mediante ato mágico cultual" (OTTO, 2011,
p. 70). Temos aí: "consagração", conjura, encantamento e outros". E também podemos
encontrar nos procedimento xamanísticos, o estado de " possessão" , através da " exaltação e
êxtase". Aqui se quer apenas se apropriar do elemento numinoso. Otto sugere que seja então
um estagio, um momento no processo arrebatador religioso. Para ele aqui se inicia a Vida
religiosa onde se tenta permanecer de posse de tais estados de arrebatamento e êxtase. Há
um processo de " purificação e amadurecimento da experiência". No entanto, seja em que
estágio e estado o ser estiver, o elemento do fascínio permanece positivo, " a saber, algo
extremamente beatífico"; " Ele concede a paz que está acima de todo entendimento".
Finalmente chegamos ao Assombroso: último aspecto do numinoso. Aqui Otto
usa já de poucas palavras que na verdade parecem repetir-se.
Nada disso é de fato algo que se possa chegar ao inerente da experiência
numinosa. Não é tampouco uma "mera explicação (analítica)", é mais um "predicado
sintético" dos aspectos discutidos aqui. E também o que se utiliza para descrever a
experiência são as "reações de sentimento" diante do "numinoso" as quais são diferentes em
cada aspecto, sendo estes também inerentemente diferentes em suas qualidades intrínsecas.
(OTTO, 2011, p.38)
Vejamos o que OTTO (2011, p.58) nos fala:
Isso mais uma vez já é assim no mais baixo nível da primeira sensação de
sentimento numinoso na religião dos primitivos. O que caracteriza esse nível nao
são as "almas", curiosas entidades que por acaso são invisíveis, como no animismo.
As “idéias” de alma e conceitos semelhantes são antes "racionalizações"
posteriores, que tentam interpretar de alguma maneira o enigma do mirum", as quais
então logo atenuam, amenizam a respectiva experiência. Dessas noções não deriva a
religião, mas a racionalização da religião, a qual então muitas vezes desemboca em
1
grosseira teoria com interpretações tão plausiveis que o mistério chega a ser
"expulso". O mito sistematizado tanto quanto a escolastica elaborada são
achatamentos do processo religioso básico, que ao mesmo tempo em que o achatam
acabam por expulsá-lo. Mesmo no mais baixo nível, o essencial está antes, numa
sensação singular, justamente no stupor diante de algo "totalmente outro"; pode-se
chamar esse outro de espírito, demônio, Deva ou não lhe dar designação alguma, ou
produzir novas fantasias para interpretá-lo e preservá-lo, ou atribuí-las a entes
fabulosos que a fantasia já produziu independentemente, ou antes, mesmo de se
sentir o receio demoníaco.

2. O NUMINOSO EM KARFRIED GRAF DÜRCKHEIM

Graf Dürckheim trará a sua experiência do numinoso que é para ele a


verdadeira experiência do Ser. "A condição de todo o exercício que favorece a evolução
interior é o pressentimento e também a experiência do seu próprio Ser. Sem Ele, toda
experiência se torna um impasse." (Graf)( onde). Se mantivemo-nos fixados no objetivo dessa
experiência através de uma imagem que nos chega de alhures desse Ser, O Ser que
imaginamos, ou que nos visita em nossas imagens, poderemos nos remeter às imagens
arquetípicas, tais como Jung as coloca. Na verdade, os cristãos da ortodoxia irão beber muito
do trabalho iniciático de Graf, e foi através deles, incluindo Jean-Yves Leloup que me
aproximo da Terapia Iniciática. Este sacerdote, hesicaste, teólogo, psicólogo transpessoal,
conferencista internacional, sempre nos trouxe imagens arquetípicas de relevância retiradas do
panteão bíblico e que serão para eles, e para Graf o que a mitologia grega é para Jung. Os
grandes personagens bíblicos servirão para essa travessia, para o Aberto. Para os ortodoxos
cristãos, toda imagem é um ícone. Quando nos fixamos nela, estamos fazendo dela um ídolo.
Qualquer fixação em uma imagem seja incluída a do Cristo ou até mesmo de um mestre pode
se tornar idolatria. Dessa maneira, nenhuma imagem do Cristo, ou de qualquer outro santo
servirá como fim, e sim como meio. O ícone é esta ponte, e então todas suas imagens são
carregadas de símbolos. O Deus que se resgata está mais para o Deus semítico, YHVH, dele
não se tem imagem. Supõe-se dele, Aquele que É, e seu nome é impronunciável. O Ser
essencial é a própria abertura.
A discussão entre alguns estudiosos de Graf e este estudo é que para eles então é
essa a referencia, o qual levaria a compreender que a grande experiência do Ser, quando
ocorre é sem imagem. Essa me parece uma posição ingênua diante de nossa complexidade
1
psíquica. Mesmo lançando mão de seres que descrevem suas experiências de êxtase, estas
estão sempre permeadas de imagens, sensações, sentimentos, beatitude, amor, vastidão. Mas
nesse caso então, me remeto ao Budismo, e creio mesmo que a experiência da Grande Mente
me leva ao treinamento e familiarização com o “vazio de existência intrínseca” relativa a
todos os fenômenos. Então há essa dissolução na mente onde o que existe é vazio. Essa é
minha única referência de que essa experiência do Ser como sendo sem imagem poderia nos
oferecer.
Então, há essa discussão de que, enquanto estou percebendo a coisa ainda não é
o numinoso. Mas quando me torno a coisa é o numinoso. Nessa experiência do numinoso em
Graf estamos então falando de uma experiência sem dualidade. Onde se ultrapassa a relação
com qualquer imagem, sensação, conceito e permanece sim no espaço assombroso do
encontro do vazio, da clara luz.
Para Graf todo seu trabalho estará ao redor dessa experiência que ultrapassa
essas descrições sobre ser uma experiência do terrível, atraente e magnífico. Para ele, é
preciso dar passagem, a um “Outro”. De uma alteridade sem palavras. E esse outro deve se
manifestar para dar lugar à experiência numinosa propriamente dita. Aqui estamos num
terreno da manifestação do Cristo Interior. E é por isso que ele beberá da fonte do Mestre
Eckhart. Existe verdadeiramente na vida de alguns místicos a relação com uma voz interior
que o encaminha para a Grande Experiência. Ela só poderá ocorrer aos poucos, na medida em
que o pequeno ser aprende a receber e aprofundar as pequenas experiências de abertura. Esse
Ser, sendo o nosso ser que nos faz ser, nos atravessa de maneira inexorável, sabemos que há
nele essa qualidade da eternidade, que se encaminha de renascimento a renascimento,
conforme a crença, ou ele é esse ponto que alcançamos e com o qual nos encontramos, numa
verdadeira experiência do vivente em nós, e que ao nos unirmos a ele, nos tornamos um, com
a vida. Nesse momento fala-se da transfiguração, do ser ressurreto.
Podemos ter a experiência das várias manifestações do ser que são pequenas e
transitórias. Graf irá distinguir a intensidade de amplitude. Pois existem aquelas experiências
que são enormes, mas não são profundas. É preciso esse trabalho de distinção. Para ele, a
experiência do numinoso não existe na dualidade, não existe nela a oposição sujeito e objeto.
É uma experiência do Eu Sou. Onde já não estou separado, mas sei a presença, saboreio o
sendo. Nos momentos privilegiados, se manifestam em todos através da percepção e do
pressentimento, mas não é o numinoso, que verdadeiramente ninguém controla.

1
Vejamos a passagem no livro El Camino La Verdade Y La Vida diálogos com
Alphonse Goettmann, tradução livre de Francisco de Assis em que GRAF (1987, p.16\17),
descreve sua grande Experiência:
Eu tinha vinte e quatro anos, e me encontrava no atelier do pintor Willi Geiger em
Munich. Minha futura esposa, Madame Von Hattingbeg estava sentada a mesa, e ao
lado dela havia um livro... eu o vejo ainda.. e eis que ela abre esse livro e lê em voz
alta o décimo primeiro versículo do Tao-Te- King de lao-tsé: Trinta raios em volta
de um eixo: no vazio mediano está a obra da carroça. Penetra-se a argila e ela
toma forma de vasos: é através do vazio que eles são vasos. Fazem-se portas e
janelas para criar um quarto: é por esses vazios que existe um quarto. Por
consequencia: aquilo que é serve à utilidade, o que não é representa a essência.
Isso me chega assim de repente!... eu escutava e um raio me atravessou... o véu se
rasgou, eu estava desperto! Eu acabava de fazer a experiência d ´Isso. Tudo existia, e
não existia, esse mundo e, através dele, a manifestação de outra Realidade (...) eu
mesmo existia e não existia. Eu era tocado, no encantamento, em outro lugar e sem
embargo, estava ali feliz e como que privado de sentimento, muito longe e ao
mesmo tempo profundamente entaizado nas coisas. Toda a realidade que me
envolvia era, de repente, formada por dois pólos: um que era visível imediatamente,
e outro invisível, que estava no fundo da essência do que eu via. Eu via
verdadeiramente o Ser... em alemão poderíamos dizer como Heidegger: das Sein in
Seinden , Eu via o Ser no Sendo. E isso me tocava tão profundamente que eu tinha a
impressão de não não ser mais eu mesmo. Eu sentia que era preenchido por algo
extraordinário, imenso, que me enchia de alegria e ao mesmo tempo me mergulhava
num profundo silêncio. Permaneci nesse estado por mais ou menos vinte e quatro
horas.

As práticas que Graf impõe no seu método ou o que se escolhe, vão ser de suma
importância, mas não poderão garantir que a experiência se dará. Suas reflexões junto aos
padres da ortodoxia francesa o aproxima dos textos bíblicos. Eis então uma ocasião para se
dizer: "Vigiai porque não sabes a hora em que o Ladrão chegará". O numinoso é nesse
sentido o próprio Ladrão. Tem também outras passagens bíblicas onde se sugere que as
virgens devem estar preparadas para o esposo. "Estejam preparadas com suas lâmpadas
acesas, porque em algum momento virá o esposo."
Ainda que eu saiba que nada sei verdadeiramente sobre a experiência do que é
numinoso, e que nada me garante que meu esforço vai gerar esse encontro, ainda assim algo
me coloca nesse caminho, é aí que o místico dentro de nós fala forte. Isto está nos textos
canônicos: sou atravessado por esse desejo, essa é a dinâmica mística. Há então, essa
passagem em que se diz que as ovelhas estão suspirando por Deus.
Há certa ingenuidade em se desejar essa experiência. O místico ingênuo vai fazer
a experiência e vai querer repetir, e ele vai ficar eternamente vazio. Pois vai de numinoso a
numinoso sentindo-se cada vez mais embriagado, sem compreender sua sede. Nem saber qual
é a Fonte. Nesse caso é igual ao drogado.

1
Há então a passagem da bíblia do encontro com a samaritana. Onde haverá a
reorientação de seu desejo. "Aquele que beber da minha Fonte, jamais terá sede". É onde ele
a transmite o Hesicasmo, ou a Vigilância no Sopro e na Oração. Uma atitude de se colocar
nesse silencio e nessa centridade, quietude, solitude. Respirar, e escutar o coração.
Podemos comentar também que no caminho iniciático, há místicos que não tem
um caminho. Mas não existem caminhos se não houver um apelo, um impulso. Esse apelo
místico é inato, todos nascemos com ele. É o que se diz do sacro-ofício, que é a atitude de se
colocar diante da vocação. Da obra de se estar encarnado. Isso exige uma inteligência
espiritual, a qual hoje em dia se fala. Jean-Yves Leloup costuma falar de uma inteligência que
tem um coração. Santa Teresa D Ávila é um exemplo de alguém que tem um caminho. Ela é
fiel aos seus encontros com o “Senhor”. Se ela não tinha um caminho ele aconteceu em sua
vida. E ela teve de se haver com isso. Ela então responde a esse acontecimento indo ao
encontro de um caminho que tornou possível se colocar numa atitude de fidelidade.
Graf vai dizer que é uma espécie de mística natural que vai se dando sem se saber
nem como nem porque. Mais tarde o Ser vai pedir um passo mais adiante. É quando somos
atravessados por seu mistério. E essa experiência é singular em cada um.
Vale comentar que as reflexões acima estão muito proximamente da relação de
Graf com a Igreja Ortodoxa Francesa, onde teve grande influencia. Essas reflexões são o
resultado de estudos sobre o livro El Camino La Verdade y La Vida , diálogo entre Graf
Durckheim e o sacerdote Alphonse Goettmann, conduzidos por Francisco de Assis de
Oliveira, sacerdote e representante desta Igreja no Rio de Janeiro e que dirige a Fraternidade
Hesitaste também nesta cidade. Talvez por isso, essas linhas tenham nos levado à analogia da
experiência numinosa em Graf com “a experiência do Cristo”, contada por cristãos ortodoxos.
Vale dizer que esta é maneira com que a Igreja Ortodoxa, vive e ensina, quer seja pela
meditação, quer seja por essa abertura ao numinoso, quer seja pela Oração e Centramento, na
“Invocação do Nome”, quer seja através de seus personagens arquetípicos contidos na Bíblia.
Farei então apenas duas citações de Graf onde ele pressente essa experiência em
seu encontro com o Zen Budismo e com Mestre Eckhart. A citação acima quando ele vive a
grande experiência através de um livro de Lao Tsé, foi sua primeira aproximação com o zen.
Nesse momento em diante:
No Âmbito do meu desenvolvimento espritual se tratava sem dúvida, do giro cuja
importância conheci depois. Naquele momento então, minha esposa e eu, junto com
um casal de amigos havíamos formado o que nós chamávamos o "Quatuor".
Estávamos nos anos vinte e já comçávamos a por em pratica alguns exercícios:
exame de consciência cotidiano, silêncio interior e de meditação. , “era o meu
primeiro zazen”.
1
A atitude de conversão, que me acontecera a partir de então, me orientava sem
cessar para certo polo de investigação através de tudo o que encontrava. Não é
surpreendente então que, neste conetxto, irrompera em mim, como um raio, Mestre
Eckhart. Não conseguia desfazer-me de seus "Tratados e Sermões" que percebi
como um eco múltiplo e variado da música divina que acabava de escutar. (GRAF
1987, p.18 - tradução livre).

Podemos ter a experiência das várias manifestações do ser que são pequenas e
transitórias. Graf irá distinguir a intensidade de amplitude. Pois existem aquelas experiências
que são enormes, mas não são profundas. É preciso esse trabalho de distinção. Para ele, a
experiência do numinoso não existe na dualidade, não existe nela a oposição sujeito e objeto.
É uma experiência do Eu Sou. Onde já não estou separado, mas sei a presença, saboreio o
sendo. Nos momentos privilegiados, se manifestam em todos através da percepção e do
pressentimento, mas não é o numinoso, que verdadeiramente ninguém controla.
Esse chamado natural, não ocorre assim tão naturalmente. Graf enumera alguns
dos momentos em que sem dúvida ele existirá em nossas vidas, e que poderemos reconhecer
ou não. Tais momentos são: Morte, Erotismo, Ritual, Natureza. É preciso estar à escuta, à
espreita, e isso se torna verdadeiramente iniciático. “O homem que fica insensível ao ritmo
do de seu Ser não compreende o sofrimento que vive exteriormente”. (GRAF, 1987, p.27).
Ele atribuirá às causas exteriores. Ele não estará pronto, e nesse sentido o numinoso nos chega
como o “Ladrão” da bíblia.
No entanto, onde não se tem esse olhar ele não ocorre, dessa maneira como uma
verdadeira manifestação do Ser. Creio que um budista fará então a experiência da verdadeira
natureza da mente. É assim mesmo que Songyal Rimponche descreve essa natureza da
mente, como uma voltar para casa. Há mesmo esse entendimento que algo permanece para
além de nosso pequeno percebimento do que somos. É quase universal em todas as religiões,
e filosofias perenes. No budismo tibetano é o "contínuo mental", aquilo que sofreu
"imprinting", a mente sutil, que vive e renasce.
Em algum momento interessante do estudo de Jung, o "numinoso" na mitologia
pareceu-me colocar diretamente uma analogia ao oráculo de delfos. Cujas respostas diziam
mais respeito ao "pressentimento" daquilo que deveríamos seguir. Não há respostas diretas no
oráculo, ele aponta um paradoxo difícil ao ser humano, que carrega os opostos. Seguir o
oráculo era uma questão de escolher um sentido ali. Não havia uma resposta direta. É um
meio através do qual se chega a algum lugar. O oráculo como um meio de se relacionar com
Apolo, como um numinoso que se pressente e que trás a sabedoria de alhures trazidas pelas
sacerdotisas de Apolo. Através delas a numinosidade do Deus, era de certo modo revelada,

1
sussurrando horizontes sugestivos, onde antes parecia sem saída. O oráculo traz a questão de
dar sentido ao destino, e às escolhas. As decisões vêm imbuídas de pressentimentos, e númen.
É verdade que Graf irá se utilizar de Mestre Eckhart e que Francisco de Assis de
Oliveira, estudioso de Graf e padre da igreja ortodoxa francesa irá falar como sendo "o mais
zen de todos os cristãos". Há então um atravessamento do cristianismo pelo olhar de Mestre
Eckhart assim como do Zen budismo. Na qual a experiência deverá ser a de ir além das
imagens. Lá onde o próprio Numinoso reside, ou É. Não se traduzindo exatamente em coisa
em si, pois pelo próprio budismo, nada existiria em si. O que podemos perceber é a
“interdependência de todos os fenômenos”. Cada palavra, ação ou pensamento vivido, gera
consequências e condições. Nada existe sozinho. Trata-se da experiência da dissolução
momentânea do pequeno eu, através da qual estaríamos diante então da verdadeira
experiência do numinoso. Aqui não pretendo discutir os aspectos criticados a respeito dessa
experiência, feita no decorrer dos séculos. Ela é descrita sugestivamente em inúmeros textos,
cristãos, hindus, taoistas, budistas, nas mais diferentes línguas e maneiras de descrevê-la.
Apenas me ocorre acrescentar, que a toda experiência direta, nada se acrescenta. Ela se dá de
tal maneira que o sujeito que a vive, não duvida mesmo que não a compreenda. Nesse sentido
é bem colocada pelos predicados de Otto a elas.
Embora tudo isso vem sendo discutido, encontro uma citação de Graf em que
ele reconhece como numinoso a experiência da imagem arquetípica tal qual Jung nos trás.
Seu Ser essencial é análogo ao Self Junguiano, e todas essas experiências interiores, nos
trariam essa dimensão terrífica e fascinosa, do nume.
Eis aí a citação: Meditar Por Què y Como, (GRAF, 1987, p. 22\23). Vejamos:
Utilizamos o conceito de "numinoso" para designar uma qualidade de vivencia em
que se nos revela o que sigifica roçar outra dimensão, outra realidade que transcende
o horizonte da consciência ordinária. Esta transcendência pode ter um caráter
liberador ou abrumador, gozozo ou horrível, porém sempre se evidencia uma força
que se experimenta como sobrenatural. Não somente possui este carácter o encontro
com o anjo; também se pode encontrar quando o demônio está perto. Os poderes
arquetípicos que penetram a consciência íntima são numinosos. Quando se
apoderam do homem e o dominam, sua natureza pode ser de luz, como o arquétipo
do taumaturgo, ou o da sombra, como o da "mãe devoradora". Tudo o que nos faz
tremer de horror ou de alegria, tudo o que nos situa mais além do horizonte de nossa
realidade cotidiana, possui uma qualidade numinosa. O mesmo é verdadeiro com o
que nos mergulha em uma meditação sincera, ou nos obriga a uma entrega total de
nós mesmos; com o que nos aterroriza ou nos arraza, apesar de nós, a um ato
inumano. Neste sentido, tudo o que se vive como numinoso - já sejam luzes ou
trevas - ameaçam sempre a realidadade ordenada de nosso meio habitual e
circunscrito fazendo-nos estremecer. É o tremendum do numinoso. Porém ao
mesmo tempo aflora a consciencia uma dimensão inerente a nosso Ser que é base de
toda nossa vida. Este é seu poder sedutor. Poder que fascina essse “transfondo” de
nós mesmos que ainda não temos integrado. Sempre que entra em jogo esta
fascinação, o que nos atrai é o profundo de nós mesmos, essa interioridade que

1
deveríamos desenvolver. É a atração do numinoso. “Há sempre dois aspectos: o
„tremendum” e o "fascinosum". Porém se a dimensão numinosa está alterada e
deformada, seu poder sobrehumano pode também manifestar-se em uma força
inumana. Quando o Ser sobrenatural não consegue realizar sua forma, a energia que
lhe exterioriza pode manifestar-se baixo modos destruidores e aparecer então em
uma deformidade. às vezes a enfermidade mental é uma forma liberadora falida e,
justamente por isso, é da incubência da terapia iniciática
Cada trabalho implica um modo específico de experiência do numinoso. Quantas
vezes o homem aprofunda de tal modo sua profissão e domina com tal perfeição a
técnica como para que o eu racional, dirigido pela vontade, passe o segundo plano, o
Ser essecia linvade a consciência íntima. (Graf, 1987, p.27).
Neste caminho o discípulo sabe que pode encontrar o numinoso em todas as partes.
Porém, há situações e lugares especiais em que já está presente ou donde é possível
experimentá-lo, a condição de achar-se interiormente receptivo. Participar em uma
cerimônia religiosa é uma destas situações. O lugar do culto, a igreja, a casa de deus,
estão em si mesmos carregados de uma qualidade numinosa que atrai o incrédulo e
lhe incita a determinar-se. O homem que busca unir-se a uma cerimônia religiosa,
inclusive se vive em um mundo mais ou menos ignorante do divino,
inconscientemente está buscando aproximar-se do numinoso. Ainda que mantenha
distâncias com respeito a artigos de fé específicos ou bem se trate de uma religião
cujos dogmas lhe são desconhecidos, não por isso lhe embargará menos força
numinosa do culto e do lugar. A atmosfera que em tais cultos reina entra em
contacto com o profundo em si mesmo, que é a mesma profundidade que o Ser
essecial espera para expressar-se. Sem embargo, a fascinação do numinoso pode
levar ao homem a fugir de si mesmo. Resolver este problema é um dos trabalhos
deste caminho. (GRAF, 1987, p. 26)

A tarefa de abrir-se e curar-se por esta abertura, a separação, esse corte com o
numinoso se daria então através dos sentidos: Olfato, Visão, Audição, Tato, Paladar, Intuição,
Criatividade. Tais tarefas são vividas no seio mesmo da vida: O cuidar do Jardim, o arar,
semear, plantar, ver crescer, e cuidar, abrindo-se para a beleza dessa situação em que se
encontra a possiblidade de termos todos nossos sentidos aguçados. É asim uma verdadeira
terapia, para abrirmos nossos sentidos, esse contínuo trabalho sobre um jardim. Essa
experiência encontra ressonancia no budismo e esta descrita no Livro: Jardins de Mandala do
grande lama Tarthang Tulku, que em seus programas de retiro, o indivíduo se entrega a esta
atividade muito estruturante, com a sugestão do mestre para a abertura para o belo. O trabalho
com a voz, o canto, o ouvir toda a natureza cantando, os sons de passaros, e plantas, vento,
música, burburinhos, as ondas do mar, os latidos de cães, e mesmo até o som do tráfego. Os
cheiros e odores, a alimentação nutritiva e saborosa, e o tocar no abraço, no cuidar do outro,
no limite que é dado na corporalidade dos objetos e seres, no envelopar de uma massagem.
Eis aí muitas tarefas a realizar.
Os sentidos como fonte de experiência transcendente: a prática esotérca de todos os
tempos e de todos os povos o tem vivo. Podem ser o conteúdo secreto e o sentido
simbólico das cores, a ordem universal refletido na escala dos diversos sons e
tonalidades e, sobretudo, na linguagem expressiva das vocais. Existe também a ação
penetrante dos odores, que modificam a consciência, a importancia capital do gosto,
a qualidade dos manjares e das bebidas, a riqueza do universo que se abre às
1
impressões táteis e que se extendem desde esse mundo maravilhoso que o contacto
com os objetos nos fazem experimentar, desde a vivência sensorial e suprassensorial
do tato erótico até o tumulto da sexualidade que deixa em suspenso os estados
ordinários de consciência.
Toda a esfera sensorial se pode experimentar a um simples nível natural. Porém o
homem, dotado para a profundidade inicática e decidido a comprometer-se, encontra
nesses terrenos um testemunho da profunddade sobrenatural. (GRAF, 1987. p.31)
Esplêndida no resplendor de suas brilhantes cores, de ssuas luzes e sons, sempre
surpeendente pelo jogo de suas formas, grandes ou pequenas, perpetuamente
envolvta em poderes obscuros e perigos, porém também cheia de promessas, nos
sentimos essa pleinutde deslumbrante da existência saturada de vida, de impulso de
movimento e de energia, de dinamismo e sopro vivo. Uma finitude animada pelo
infinito, luminosa, harmooniosa, cheia de perfumes. Arrasta, muda, reanima, atrai e
litera. E são os sentidos os que produzem todas estas impresões. O caminho inciático
conduz a aprofundar essas vivencias e através deles a abir-se a plenitude. (GRAF,
1987, p. 34).
Uma forma particular de consciência distingue o pré-inicático do homem que tem
despertado para iniciação. Esta consciência tem o caráter de intuiçao em
contrapartida a obejtividade definidora. Ao perceber outra dimensão,
necessariamente se precisa desta consciência interiorizada. O místico não flama, sem
razão, de “saborear o Ser". Trata-se cirtamente de percebê-lo através de uma
sensorialidade suprassensorial. Esta consciência íntima, interiorizada, sabe rsponder
com exatidão ao contato do Ser quano a consciencia objsetiva lhe dissipa.
A forma de consciência que precede ao desenvolvimento desta corresponde à
primeira infãncia está também ligada á consciência sensitiva. É uma forma pré-
objetiva, que mais tarde seguirá estando subjacente no homem. A consciência
objetia modifica o carpater do que se percebe intuitivamnte. Para fazê-lo entrar em
seu sistema conceitual. Quando o elemto sensitvo se faz assim acessível ao
conheciemto objetivo, ficando integrado nele, se lhe desposja dessa riqueza e ardor
que são prórpios da sua qualidade vivencial. A consciência sensitiva que carcteriza a
experiência inciática - nós a chamamos consciencia sensitiva superiro - implica o
passar apreviamente pela consciencia objetiva. Em sua interiorirdade é, pois, ao
mesmo tempo, supra-objetiva. Abre ao homem, incluindo através do que se percebe
objetivamente a experiência de outra dimensão. Esta consciencia interiorizada,
supra-objetiva, se distingue, da consciencia ordinária e da consciencia pré-objetiva
por umapercepção consciente da qualidade profunda que expressa à natureza
essencial, a "essencia rerum" intimamente presente em cada vida. A percepção
sesivel dos elementos cotidianos: o vento, o ambiente, a atmofesra, andar de carro, a
comida e a bebida, tudo isso não é somente um elemnto imediato, anteriror, á
definição objetiva. Trata-se de uma pecepção que vai mais além da consciência
ordinária. Não é ja de natureza pré-objetiva. Pressupondo o conheciemtno objetivo,
ossui um catáter supra-objetivo. A apbertura ao ser que tem lugar mediante este
conhecimetno, exigee ir mais além do contatoa espontãneo e imediato da criança
com o Ser. (GRAF, 1987, p.42,43,44)

Graf então falará de que toda neurose e psicose é fruto da desconexão. De que
conexão ele fala? E o que no homem opera como transformadora? Esta prometida
transformação não é a que o homem moderno desavisado aspira. A questão da normatização
se impõe como correlato da neurose e está a serviço da desconexão com a Grande Vida.
Caminhar pelo caminho iniciático que Graf propõe terapeuticamente precisa ser
definitivamente compreendido como o ato de trazer vida ao mundo.

1
Um ato extraordinário, de apontar para o que é fundamental na experiência do
ser humano, ancorando-o no vivo, e ao mesmo tempo naquilo que o deslumbra. Para ele a
doença é a condição de uma exteriorização do homem em excesso. E aqui também nos
encontramos com Jung que resgata a verdadeira relação com a anima. A alma perdida do
mundo. E não o faz sem saber, da aridez do universo positivista que a embarga. Graf diz que
o mundo está vazio, o ser humano vive para fora de si mesmo, e então já não vivo pela
orientação de Algo, do vivente em mim, desse entusiasmo vigoroso, muito longe do
entusiasmo banal, (esforço entusiástico – paramita, antídoto para a pratica budista), mas antes,
vivo pelo que posso adquirir ter, ser reconhecido, ser amado, desejado, cujas necessidades
estas, são do ser existencial, e se projetam no mundo exterior. A tarefa, no entanto, é o Ser, e é
ele a quem traímos constantemente, nos afastando da Fonte, E por isso vivemos sedentos.
Nenhum sucesso exterior me fará viver em harmonia comigo mesma. Nenhuma adaptação à
família ou sociedade, irá de fato trazer ao sujeito, o equilíbrio de que precisa. O fato de se
recolher as projeções, bastante discutida em Jung também, impõe uma escolha fundamental,
para o homem, o de estar a sós consigo mesmo. E nesse sentido encontrar os obstáculos no
interior de si mesmo e não na exterioridade.
Graf vai se apropriar do conceito junguiano de Sombra e enumerar vários
problemas que se darão a partir de cinco elementos positivos no ser humano, mas que os
valores sociais de nossa sociedade ocidental têm negligenciado, tornando o ser humano
doente. Vejamos primeiro sua colocação em uma citação:
A Força que leva o home à meditação nasce de seu sofrimento ate a ausência de sua
unidade total. Em nossa civilização esta unidade está obstaculizada por diversas
causas. As principais são a rejeição dos desejos e das pulsões naturais, o
desconhecimento do feminio em favor do masculino - tanto na mulher como no
homem -, a repressão da personalidade criadora que é consequência da organização
de uma sociedade que faz do indivíduo um servidor de leis, de sistemas e de
empresas impessoais. Porém o fator decisivo de fracasso desta integralidade é a
rejeiçao de sua essência sobrenatural. “O homem contemporâneo, pela primeira vez
está consciente disso.” (GRAF, 1987, p. 77)

A primeira questão que se coloca é a questão da repressão da natureza. A


primeira vez em que vi algo parecido escrito foi no livro de Clarissa Pínkola: Mulheres que
Correm com os Lobos nos anos noventa. Há então essa natureza capaz de se encher da
energia diante de um dissabor, ou confronto com o outro e disso retirar a assertividade e
clareza de quem se é realmente. Mas nem sempre essa qualidade é legitimada ou permitida.
Trata-se de algo em nós que toma parte fundamental de nossas vidas e que não pode ser
"vivido", desenvolvido e amadurecido. Sejam essas coisas relacionadas a ferimentos, ofensas
ou decepções, tudo o que "tem limitado nossas naturais reivindicações legítimas, tudo isso se
1
transforma em uma agressividade asfixiada que perturba o inconsciente". Mas essas não são
as únicas coisas que reprimimos, assim também ficam na sombra, os “chamamentos” da
vocação, e as coisas belas, que nos trouxeram alegrias. Essa é nossa natureza, que
frequentemente é colocada no porão de nossa consciência. (Aqui Graf se iguala bastante ao
conceito geral de Sombra em Jung). Mas aproveito para afirmar, também, que hoje em dia,
podemos salientar outra faceta da sombra que nos incomoda muito: quer seja, a repressão da
natureza, da Mãe natureza, e aí entramos no aspecto da ecologia que nos vem recordar com
urgência do nosso descuido. Onde o homem dos séculos IXX e XX tem depredado em nome
do progresso todo o planeta, nos grita que sua relação sagrada com o ambiente, também está
negligenciada e colocada na sombra.
A segunda questão que Graf nos fala é da repressão do erotismo. Ele nos
recorda que é através do encontro que podemos nos abrir em fecundidade, e há mesmo nesse
encontro de aberturas, e entregas Algo maior nos chega. A intimidade revela o numinoso em
nós. E no ápice do orgasmo, vivemos esse mistério de morte e renascimento. Essa questão
foi bastante desenvolvida em Wilhelm Reich, e gosto muito de sua colocação no livro O
Assassinato de Cristo, em que descreve o que ele denomina “O abraço genital". Segundo
Graf, é dessa maneira que a sexualidade cumpre seu papel iniciático.
Existe então a repressão do feminino. Existimos num mundo em que impera os
valores masculinos, e a direção da energia exteriorizada, em direção à eficácia e a eficiência,
ás leis, e razão objetiva, e também o pragmatismo, a técnica, o conhecimento, podemos falar
também da iniciativa, da ação predatória e da misoginia. Todo o movimento emancipatório
feminino se deu no sentido de liberar na mulher a sua masculinidade e se igualar ao homem.
Porém o feminino permanece reprimido e depreciado, tanto no homem quanto na mulher. A
dimensão noética, a dimensão psíquica do homem, a linguagem dos sonhos, as visões dos
santos, os deuses antigos, a poesia, a arte, a tradição, as religiões, a mística, cedeu lugar cada
vez mais a programas de televisão, churrascos abeira da piscina, compras compulsivas na
internet e shoppings, e muita gastronomia. Sem que ninguém se pergunte de onde vem o que
compramos e usamos, que tal material foi extraído em algum local degenerando-o, e que foi
extraído por alguém que vive nessas e naquelas condições, e que foi repassado à outra que
pelas condições que teve levou tal material ao local de distribuição onde foi industrializado e
vendido. São inúmeros seres que nos servirão. Nós que apenas enxergamos o objeto que
queremos como algo ali oferecido ao nosso deleite. Esse é então um universo exteriorizado e
objetivado, que nega a sua alma, o feminino sagrado em si. Detemo-nos diante do que o Deus

1
ciência nos decreta como verdadeiro. Tudo o mais não tem valor. Esse tudo o mais é o nosso
feminino negligenciado.
Não iremos nos deter, mas na essência do feminino vive o Ser. E Graf por
último nos fala dessa repressão do Ser. Podemos resgatar um pouco disso no culto. Mas a
dimensão religiosa do transcendente nos escapa cada vez mais. Ficamos ocupados demais
com nossos afazeres e compromissos que não nos permite mais a qualidade do Sopro. Sem
essa qualidade, adoecemos. Podemos mesmo realizar muitas maravilhas com nosso corpo,
melhorando nossa respiração, mas se não “O” recordarmos, não mais nos maravilharmos
diante da Vida, é sinal de que estamos podados dela. Instalamo-nos na cama de “Proscruto”.
Esticamos nossas pernas para nela caber, ou acabamos amputados. A promessa do Ser
ancorado no enraizamento, nos escapa. No entanto ao nos ligarmos a ela, toda a natureza se
revela fecunda e significativa.
A promessa do Ser trata da individualidade criadora, O elemento criador no
homem é o que o torna um indivíduo capaz de gerar frutos e se dedicar ao bem comum. As
reivindicações individuais, da necessidade do sujeito ser ele mesmo, e de opinar, refletir,
discutir, agir, de acordo com sua coerência é negada constantemente por forças normativas
sociais. Ele é obrigado a se prostituir em empresas em troca do sustento, e que lhe podam o
pensamento crítico e observador.
A sombra é carregada de elementos dos arquétipos. Nesse caso em que Graf nos
fala, é o próprio numinoso que é reprimido em cada uma dessas instancias do ser. É como se
nos tirasse o maravilhamento e o encantamento. Depois nos tirassem a esperança no
transcendente. Mesmo nos caminhos psicoterapêuticos em que excessos de frases pseudo-
diagnosticantes são ditas num impulso sem um verdadeiro contexto, como por exemplo,
aquela dada a uma colega que tem por natureza um comportamento de encantamento com
tudo: "Nossa como é infantil ainda esse seu maravilha mento, você precisa deixar isso de
lado". Acreditamos por demais no seco e árido produto de nossas reflexões psicológicas? Há
possibilidade do ser adulto ainda se encantar? (tem uma citação de Jung sobre não se podar a
criança interna) O perigo, não é a decepção, não é o deixar as fantasias e projeções, para trás.
Não é o confronto com as feridas humanas, nem a exposição ao fracasso do ego. O perigo é
de se deixar de crer que esse pressentimento, esse nume, nos faz bem. E que faz parte de algo
que fundamenta nosso ser.
Graf o coloca como sendo o Gosto pela Vida mesmo, assim, vejamos: (GRAF,
1987, p. 33).
O Homem se faz consciente do Ser em sua pleniude, antes de tudo pelo gosto da
vida ("gosto de viver", disse Mestre Eckhart), sobretudo quando tem experimentado
1
espontaeamente como o sabor de uma força original e como uma energia liberadora.
O elan vital tem no homem o caráter de um "sim" insconciente à vida. Quando um
destino adverso o transforma em "não", ou talvez somente em um "sim, porém", se
apaga o resplendor sobrenatural da alegria espon´tanea de viver, e também então se
aproxima o caminho da profundidade.

Talvez precisemos ainda falar sobre os tipos de sofrimento a que o ser humano
está sujeito ao fazer a travessia no caminho da iniciática:
O ser humano busca incessantemente acabar com o seu sofrimento e obter
autossatisfação imediata. Essa questão inerente ao ser humano é no budismo a causa de todo o
sofrimento. Nesta Tradição milenar, o sofrimento é um fato. Para se superá-lo é necessária
uma visão correta da realidade dos fenômenos. Talvez a principal seja de que a visão correta
da realidade é a interdependência de todos os fenômenos. Essa visão transforma todo o olhar
do homem que deseja superar esse sofrimento através da autogratificação. Isso difere na
colocação que Graf coloca de que o iniciado vê no sofrimento um meio de alcançar o Ser.
Ambos nos falam da renuncia das satisfações imediatas o que pressupõe uma mudança de
olhar e de valores. Não se trata mais de "consumir, se trata de comungar" (LELOUP). Graf
também aponta o caráter valorativo de firmeza de intenção, e da força gerada disso: "É uma
ética que leva alguns a sofrer grandes tormentos sem queixar-se. O Heroísmo, e a resignação
são, pois, duas formas das que se serve o homem identificado com o eu existencial para
provar sua firmeza ante o sofrimento" (GRAF, 1987, p.96). Mesmo aquele ser humano que
incorporou de certa forma o mistério de Deus, de Morte e da Vida de maneira natural, mesmo
isso não bastará. O homem adoecerá, e se encontrará metido em si mesmo, em inatividade
aparente, pois não realizou em si o amadurecimento da relação com o Ser; e esta será sua
oportunidade de crescimento que nasce em meio à crise. “Ele poderá estabelecer um contato
imprevisto com as raízes de sua existência" (GRAF, 1987, p. 97). "E a partir desse
desassossego, se pode perceber a “metanoidade iniciática”, que leva consigo uma nova
relação com o sofrimento." (GRAF, 1987, p. 97). A Atitude transformada que irá ocorrer, é a
que necessita de segurança, no razoável, e na proteção. Toda busca nessa direção fracassa.
isso exige a superação dessa atitude mais natural. Se trata de se deixar morrer o velho, e
nascer o novo. "Quanto mais insuportável lhe pareça ao homem natural uma situação ou um
sofrimento, mais perto está da possibilidade de uma experiência inciática, com a qual se aceita
a regra do jogo essencial: aceitar o inaceitável" (GRAF, 1987, p. 99).
A sabedoria Zen diz o mesmo. A situação não tem saída. Há que aceitá-la? Não: há
que ir ainda mais longe, diz o mestre Zen, não somente aceitar, senão comprometer-
se com a dificuldade total. Exigência paradoxal, Sem dúvida, porém encerra uma
verdade transcendente (GRAF, 1987, p. 100)
1
Para Graf então o maior de todos os sofrimentos consiste na separação do Ser
essencial. Esse homem é um exilado e sofre de nostalgia. Sente o desassossego em seu
interior, uma ansiedade, uma incoerência em relação ao ritmo de seu coração. Isso é , segundo
Graf, ainda mais verdadeiro naqueles que estão muito bem no mundo, tem um ótimo emprego
que lhes satisfaz, são reconhecidos e amparados pela comunidade ao redor. Negam a
felicidade que subjaz e se enraíza no fundamental da existência. Sua vida tem uma aparência
útil, mas se sentem isolados. Essa fala é incrível, porque nos coloca diretamente com o que
nos cura, e que nos traz sentido de conexão e vinculação com a Grande Vida, e que vamos
encontrar nessas palavras de Graf (1987, p. 101):
Não há nenhuma neurose que não desapreça quando o Ser essencial ocupa
livremente o lugar que lhe corresponde. A neurose é um mecanismo mediante o qual
o eu existencial busca a forma de cobrar segurança ante a repetição de uma decepçãp
ou ferida sofrida no passado. Esta couraça protetora do eu boqueia o caminho que
faz remontar o Seressencial. Porém uma vez liberado, este Ser invulmervel oferece
abrigo e refúgio, não necessitando jánenhuma couraça.

Essa citação justifica nos termos de Graf Durckheim o sentido terapêutico através
do seu trabalho iniciático como o lugar da transformação e cura. Nesse caminho, ao se fazer
essa conexão, o ser se transforma. Nada lhe pode mais obstruir o caminho. Eis uma passagem
de um pequeno livro que gosto muito: "Se sua casa pegasse fogo, o que salvaria? O Fogo".
"Minha casa está em ruínas, nada mais me turva a visão da lua deslumbrante.” Leloup. Em
Deuses e Homens.
O caminho iniciático pressupõe a participação no exercício com o corpo a alma e
o espírito:
Seu trabalho está determinado por sua vez pelo estado fisico e a saúde, pela
disposiçãoa afetiva e pelo nível de relação com o absoluto. Toda prática pressupoe
um conhecimento da problematica do caminho, o qual é consequencia da tensão
entre os dois polos humanos; o eu existencial, condicionado pelo tempo e espaço, e
o ser essencial, absoluto, por cima de espaço temporal. para responder ao Ser
essencial permitindo-lhe manifestar-se em forma pessoal, é preciso uma
transformação do homem total, fisico e psíqico. Porem o homem põe obstaculos a
exigencia do Ser essencial, tanto no plano fisico como no psíquico. A falta de
tansparencia do corpo mesma a opacidade psíquica nascida da obstinação e da
sombra, e daí resultam, ao inicio, uma atitude fundamentalmente falas. (GRAF,
1987, p.128).

São duas atitudes necessárias a aceitar: a finalidade primeira, que requer um


compromisso com a disciplina, uma fidelidade ao desejo. Nascido da primeira experiência do
chamado, o sujeito está cheio de um entusiasmo que lhe carrega de vigor. Outra aceitação

1
inevitável recai sobre o cerne de toda transformação, que é estar entregue a impermanência
que impõe um ritmo de morte e renascimento constante. Não nos esqueçamos, da consciência
de humildade diante de algo que se faz cada vez mais presente como superior a vontade do
ego, e que age em nós pela paciência.
Trata-se de nos perguntar como: Como se abrir a essa realidade do Ser? Como
reconhecer-lhe? Como acolhê-lo? Como deixar que sua presença nos penetre? Como lidar
com os obstáculos que me paralisam (a minha própria vontade e a minha sombra). Como
deixar que o Ser essencial tome forma em minha vida e através de mim, segundo meu modo
individual de perceber o mundo? Em outros termos, como vou perceber o mundo em sua
verdade profunda para logo estruturar minha vida e esse mundo conforme essa verdade?
Então primeiramente há um encontro, algo que rasga nossa visão cotidiana e
condicionada, “uma experiência”. A ela se segue todo o caminho transformador de fidelidade
a esta experiência. Há essa certeza sobre a experiência, a que nada se opõe nem duvida. Há
então que enraizar-se, aprofundar-se e meditar sobre ela, e sua realidade. Para se sentir,
conhecer e, formar o mundo de acordo com ela. E para isso o caminho também é o confronto
com todo obstáculo a isso. Tudo isso implica numa nova forma de ver o mundo e de estar
nele. É uma profunda metamorfose.
Seja qual for a idéia que se faça desse Ser essencial, uma coisa é certa: a Vida em
sua perpeta movimento de regeneração e e seu impulso de trabfromação criadora.
Lhe é pois contrario , tudo o que obstaculiza esta transformação. O homem pelo que
tem chega a dser. expressa uma dessas resistecncias. Hostil ´amudança, defende
posições, mantem e se mantém em uma forma determianda. Quado mdiante um
constante exerc´cio se pratica o caminho, não há que esqueceee nunca que esta
resistência não é somaneee uma titude psíqucia: está encarnada no corpo. A via
inciatica é uma luta initerrpupa contra esast forças da inercia. (GRAF, 1987, p. 132).

A ideia que se faz do corpo é aqui muito importante. É interessante observar que
nas Tradições muitas vezes o corpo é visto como algo que obstaculiza. Na atitude Cristã, que
é referencia para Graf, ao contrário do que se conhece disso, o verdadeiro sentido do corpo é
"o espírito feito carne" - o corpo é então a "forma exteriorizada do espírito".
Aqui fazemos distinção do corpo que se tem com o corpo que se é. . O que se tem,
é esse usado como objeto de estudo, de cura medica, e que enfim está dissociado do sujeito
em nossa cultura.
Em troca, no corpo que se é essa rigidez, revela certa disposição do sujeito, uma
atitude de desconfiança ou de medo, de resistencia ou de rebeldia. Deste ponto de
vista, a própria crispação não se pode curar com tratamento médico. É necessario
que o sujeito adote uma atitude diferente, uma atitude de confiança. O corpo e a
forma em que o homem vive e se manifesta fisicamente no mundo é a forma pela
qual ele se expressa, se apresenta, se nega, ou se realiza. O corpo, em sua aparencia
e constituição, não é o simples resultado de um crescimento natural. Como pode ser
1
o corpo de uma flor. A vida da alma deposita tambem nele seus sentimentos. O
corpo encarna assim a medida e as modaliddes pelas quais o homem tende a se
expressar - ou a conter - seus movimentos internos - Para quem esteja habituado, a
forma e os gestos corporais estao revelando o homem interior, sua liberdade ou sua
desasossego interior, ate inclusve sua historia, o vir a ser consciente do aluno que em
sua pratica do camiho iniciático é um exercício do corpo que se é um exercício cujo
fim é criar aquelas condições que permita a esse corpo fazer-se transparente ao Ser
essencial. A prática torna possíveis duas coisas: pressentir - quiça inclusive sentir -
atraves da linguagem do corpo nossa essência imanente e nela o ser sobrenatual; e
dar a esta essência a oportunidade de tomar, no corpo que se é a forma que
conresponde a nossa imagem conatural. (GRAF, 1987, p. 136).

Numa tentativa de comentar mais profundamente o acima citado do texto de


Graf, a questão da “qualidade da irradiação de uma pessoa depende da qualidade de sua
transparência”. Assim, o “Numinoso assume igualmente a forma e a qualidade do centro vital
através do qual ela se manifesta”. Por exemplo, para Reich, a irradiação do Cristo expressava-
se por seu poder sexual vibrante em todo o seu corpo; como a “energia cósmica” não é
atravancada por rigidez ou couraças emocionais podia desenvolver-se livremente “(LELOUP,
2001, p.182)”. Nesta questão Graf se utiliza as praticas que vão desenvolver a atitude viva
enraizada no Hara. Essa atitude, oriental em relação ao centro vital, Hara, é então, algo que
bem mais complexo que estudamos nos moldes ocidentais das yogas. Trata-se de uma atitude.
Sabemos que um bailarino clássico para poder conseguir estabilizar-se no eixo e rodopiar na
ponta do pé, ou ser capaz de um salto, ou mesmo o de sustentar o peso de seu colega numa
coreografia, se utiliza desse centro. Não há movimento físico, sem que este esteja ancorado no
Hara, o qual fornece uma força e uma estabilidade inabalável, a todo praticante de dança,
balé, esportes, artes marciais, yoga. Mas Graf, em seus livros “O Hara”, “O Zen e Nós”, e “O
Culto Japonês da Tranquilidade”, editados em português, como também bem
especificadamente em seu livro: “Exercices Initiatiques dans la Psychotherápie”, discorre
justamente sobre o tema da atitude oriental. O hara, chamado de centro vital, é também o
centro de gravidade, e para Maria Adela Palcos, daí nasce todo movimento. Por isso em suas
classes de exercícios, se inicia sempre o movimento a partir desse centro. Fala-se então de que
tal centro de gravidade, deve estar sempre bem estabelecido no hara, o que nos faz lembrar
que podemos modificar, e tornar predominante, o peso de nossa gravidade em outro local do
corpo físico. Há então essa fala de Graf: “Descolar o centro de gravidade para a parte de cima,
e o fato de seccionar-se desse centro, alteram o equilíbrio natural entre tensão e afloramento,
fazendo que o homem oscile entre um estado de tensão muito forte para um estado de
dissolução”. O perigo disso é que deixa de existir um verdadeiro centro através do qual o
sujeito ou a sociedade se organizam. E aqui está Graf nos contando do verdadeiro sentido do
hara para a cultura oriental, em especial o Japão.
1
No fundo, este perigo que os Orientais conhecem desde os tempos mais remotos,
nós também conhecemos. Porém ao não haver estado nunca tão distanciados como
nós do centro original, e Oriental percebe muito mais facilmente sua voz e seus
avisos, que se deixam ouvir sempre que o sentimento, a razão ou a vontade põe em
perigo o laço que o une com as fontes da vida. Esta voz lhe recorda que não deve
perder de vista sua origem; ele conhece o segredo que lhe permite voltar a encontrar
seu centro original. (GRAF, 2008, p.15).

Na continuação do texto, Graf descreve sua surpresa diante da atitude japonesa


do que diz respeito à importância de ter desenvolvido o hara. Esses japoneses “absortos em si
mesmo”, “sentados imóveis”, “olhos semicerrados”, “busto erguido”, nada lhes é sonolento,
seu olhar parecem chegar do mais profundo, “expressam uma calma perfeita, e uma
presença”. Encontraram uma estabilidade ancorada no seu ventre, de onde lhe advém toda
força física, e sua interioridade. “A forma em que o japonês se mantém sentado, representa,
não somente uma atitude externa, senão que também expressa uma atitude interna”. “O
combinar uma postura erguida com o fato de estar como que repousando em si mesmo, é
significativo”. (GRAF, 2008, p.20)
O exercício fundamental que faz o sujeito retornar ao centro de gravidade é o de antes
de tudo deixar tombar os ombros à primeira expiração, ao que se segue sentar-se sobre sua
bacia, ancorando-se nela, essa atitude básica representa e gera o equilíbrio (não só psíquico)
necessario. O ventre deve estar solto, sem, no entanto colapsar o corpo deixando a barriga
sem tonus algum, na realidade é necessaria certa força colocada ali, e exercer com o punho
certa pressão.
independentemente da doença em questão é favorecida pela atitude confiante, agindo inconscientemente e na
natureza.ela
eh ao contrario, feita mais diianfícil se o paciente não confia, (Livro: exercicies initiaqiques.

c
sua origens
3. JUNG E O NUMINOSO:

A Pergunta que se quis fazer nesse diálogo diz respeito ao conceito e à


experiência do numinoso em terapia como elemento fundamental a ser valorizado na pratica
clínica e cujo efeito contribui de maneira efetiva para a transformação profunda do ser
humano. Foi através de Jean-Yves Leloup que a pergunta se deu. Suas conferências nos
encheram de inspiração ao nos fazer relatos sobre a pratica de Durkheim, de seus pressupostos
antropológicos, a experiência dos padres do deserto assim como dos terapeutas de Alexandria.
Toda sua proposta para o Colégio Internacional dos Terapeutas repousa numa prática de
1
abertura aos momentos numinosos. Trazida inicialmente de Graf Durckheim, que por sua vez
se embasa em Jung. A Anamnese do Ser. É bem verdade que para Graf, o que de fato lhe é
definitivo é a experiência do Ser. Experiência que o atravessou e para aceita-la não precisou
de nenhum mestre. Mais tarde é que se apoia em Jung.
Jung por sua vez, não se distancia, ele mesmo destas experiências. Aqui temos
então o primeiro encontro entre esses dois grandes teóricos. Essas experiências na vida de
Jung estão descritas por toda sua obra, especialmente em Memórias Sonhos e Reflexões, sua
autobiografia. O fato é que Jung traz para si a responsabilidade de tornar toda essa
experiência cabível numa Ciência Psicológica, capaz de assegurar a integridade do ser
humano, resgatar a vida da Alma no sujeito que vive e sofre e se encaminha à terapia em
busca de ajuda. Para Jung a psique é religiosa. Sua linguagem é mítica, onírica, carregada de
imagens. O que a caracteriza é essa vocação à transcendência. Não há nada na psique que não
seja imagem. Linguagem é imagem. Sentimentos são expressos em imagens, sensações,
pensamentos, intuições. Essas imagens surgem das profundezas trazendo consigo a mensagem
de alhures quer chamemos de deuses, e de ser essencial. É através delas, que o transcendente
se torna humano. Elas serão sempre de natureza numinosa, daí a importância dos rituais. O
numinoso como prática fundamental, nos remete, a esta atitude profunda de nos assentarmos
na existência no pressentimento do Mistério, nos ritos e experiências imediatas. Tornamo-nos
novamente religiosos, não nesse sentido comum de pertencemos a esta ou aquela religião, mas
de estarmos religados, a um “Outro” (em Jung, os arquétipos, em Graf o Ser que vive nos
respira, e nos faz ser). Definitivamente, nos tornamos inteiros novamente. Não haverá corpo
sem alma, e alma sem alhures. O cuidado se torna integral.
Na obra de Jung o termo numinoso é citado sempre na condição de experiência do
arquétipo. A natureza do arquétipo é numinosa. Todos os deuses são numinosos. Todas as
manifestações da totalidade da psique, o Self, tudo aquilo que remete ao mais profundo.
Assim, pressinto a aproximação de Hermes esse grande psicopompo, ele vem trazendo as
mensagens do Olimpo e do Hades, ele traz a mensagem dos mundos, dizendo-nos que estão
vivos e que nunca morreram. O numinoso é o aspecto, a qualidade, a essência dessas
experiências. Sempre que um arquétipo se aproxima vivemos essa abertura, esse
atravessamento de Algo extraordinário. O Mistério está vivo.
Jung afirma que nas religiões e rituais, o mistério permanece vivo. É importante,
necessário e dele não podemos nos apartar. Então aqui temos o segundo ponto de encontro
entre esses dois grandes médicos da alma: trata-se de despertar o homem encerrado em sua

1
neurose pela separação daquilo que o faz ser inteiro integrado. Ele se encontra
desenraizado da sua profundidade. Ele se esqueceu de há muito como dialogar com sua alma,
com sua interioridade. Trata-se do resgate daquilo que foi negligenciado, daquilo que foi
proscrito, ou seja, a Psique em Jung ( quer dizer uma grande parte dela), e o Ser em Graf. Para
aquilo que foi negligenciado, pela consciência, Jung denomina Sombra, e Graf vai se utilizar
desse termo junguiano para nos dizer que o sagrado foi negligenciado, é na sombra que ele se
encontra.
Vamos mesmos dizer, que o trabalho com o psíquico em Graf é atravessado pelo
Ser, é este mesmo que assim engendra nossas experiências dramáticas, para que façamos essa
jornada da vida com significado de comunhão com a Grande Vida que sempre se aproxima,
mais e mais do homem. E aqui o terceiro ponto de encontro, o processo de individuação
que nunca termina, mas para o qual se nasce e se vive. E se em Graf fazemos a Grande
experiência, em Jung vivemos a metanóia. Há mesmo esse texto no livro de Jean-Yves Leloup
(Padres do Deserto), onde ele descreve os passos da metanóia.
Mas em Jung, essa crise de transformação retira do ego o ensejo dominante sobre a
vida do sujeito e a coloca no centro organizador da Psique, quer seja o Self. Isso é a própria
iniciação no interior de uma teoria psicológica empírica, isto é, baseada na experiência. A
Crise da Crisálida seria então o quarto encontro: Metanóia em Jung, Iniciação, “o chamado
do Ser” em Graf.
Esse grande trabalho de transformação deve incluir o resgate do mítico, pois
sendo a linguagem da alma imagética, se aproxima muito da linguagem dos deuses. Estes nos
trazem a experiência estranha e paradoxal da totalidade psíquica que contém as polaridades. A
experiência da totalidade, ou fazendo a analogia com a grande experiência do Ser em Graf, é
justamente a capacidade de realizar a experiência da não dualidade. Seria um quinto
encontro.
Podemos dizer que desta maneira o ser humano foi salvo de sua doença mais grave,
que é a desconexão com sua psique feita pela escolha unilateral a favor de uma única posição
dessas duas polaridades, (no caso, iremos dizer a escolha unilateral pela vida consciente em
detrimento do diálogo e da legitimidade da vida do inconsciente). Ele é salvo pela renúncia do
ego que, ao estar sempre à disposição da consciência não dispõe do elemento capaz de
suportar a visão não dual, e para isso será necessário renunciar e aceitar que a alma, seu
sentido criador, e o sagrado inerente a sua natureza, estando repletos de todos os fenômenos e
sendo dual em sua natureza contém em si essa capacidade de realizar esse trabalho de

1
integração dos opostos. Estes se agitam em nosso inconsciente em cada manhã, em cada
momento do dia, em que estamos eufóricos, ou ficamos tristes. Nossa mudança de humor
registra o movimento interno que se inicia nas profundezas, sem que tomemos consciência.
Algo se constela, um Deus se movimenta, uma centelha arquetípica coloca em movimento,
afetos e complexos. Novos elementos são trazidos do inconsciente. Torna-se necessário então,
que nos coloquemos à disposição dessa escuta interna. Devemos aceitar como fundamental
que nos dispusemos a esse diálogo. “O que em mim”, “quem em mim”, “é como se fosse o
quê”, “que imagem é essa que me visita”, que mensagem ela trás de alhures, como me faz
sentir. Isso nos aponta para o sexto encontro, em que essas imagens míticas serão
abordadas.
Colocamo-nos aqui para nós a questão do que é ser inteiro. Uma inteireza que se
alcança através de uma nova escolha, pela produção de uma nova solução dada através da
colisão desses opostos. Quando isso ocorre, nos estabilizamos. Sentimos alívio, porém, com o
passar do tempo tudo começa a se mexer de novo no terreno desconhecido do inconsciente e
somos exigidos a revisar essa nova solução. Estaremos sempre dispostos a mantê-la, nos
apegamos a essa nova consciência, o que é nosso equívoco unilateral. Pois valorizamos mais
essa tendência. Já estamos familiarizados e como pertence à consciência, continuamos
incapazes de perceber o oposto que desponta nela desde nosso inconsciente. A consciência,
para relembrar, não é capaz de olhar duas visões opostas sobre o mesmo objeto, vive então a
pressão insólita do inconsciente que constantemente pede atualização e integração de seus
conteúdos e que constrange constantemente nossas preciosas soluções conscientes.
Tentamos manter heroicamente nossa posição, porém novamente se impõe no
interior de nós mesmo uma mudança, a atitude oposta está à espreita e exige atenção. Se nos
mantivermos nos extremos de atitudes escolhidas sem sermos capazes de retroceder e
enxergar a natureza oposta de nossa escolha, cujo trabalho de exercer pressão na consciência
se inicia desde nossas profundezas, ela irá provar sua legitimidade e exigirá nossa consciência
a reconhecê-la e o resultado pode ser nossa desestabilização, e pode mesmo ocorrer uma
possessão chamada por Jung de enantiodromia, nos afastando da inteireza conquistada.
Então temos em Graf o termo inteireza que em Jung poderíamos arriscar em falar
de integração, sétimo encontro.
A enantiodromia ameaça inevitável de qualquer movimento que alcança uma
indescrutível superioridade, não é a solução do problema, porque em sua
desorganização é tão cega quanto em sua organização.
Só escapa à crueldade da lei da enantiodromia quem é capaz de diferenciar-se do
inconsciente. Não através da repressão do mesmo – pois assim haveria simplesmente

1
um ataque pelas costas-, mas colocando-o ostensivamente à sua frente como algo à
parte, distinto de si.
Só mediante este trabalho preparatório será possível solucionar o dilema a que aludi
anteriormente. O paciente precisa aprender a distinguir o eu do não eu, isto é, da
psique coletiva. Assim, adquire o material com que vai ter de se haver daí em diante
e por muito tempo ainda. (...) A enantiodromia é o estar dilacerado nos pares de
opostos. (JUNG. 2015, pg.49\50)

Jung ao discutir a questão da consciência, da moral e da ética, nos fala que esta,
será engendrada a partir daquilo que ele chama de “função transcendente”, ela é a criação de
um “terceiro” que nasce da comunhão de dois polos distintos. Creio que esse “terceiro” nasce
do ato criativo da união da consciência com o inconsciente e que Jung denominou Mysterium
Coniunctionis. Assim, a cada Coniunctionis, a cada casamento e união dos opostos, onde
ocorre a experiência da aproximação de algo que nasce de alhures, ocorre em nós o exercício
da nossa capacidade de integrar e assim, exercitar o olhar da totalidade, o que nos aproxima
do confronto com o Self, nesse momento em que esse nascimento misterioso da experiência
de comunhão dos opostos, o “filho é gerado”, se engendra nova consciência, se expande mais
e mais nossa capacidade de encontrar novos sentidos, em meio ao contraditório caos. Isso
também se assemelha aos momentos estrelados de Graf, no seu sentido mais geral, na medida
em que de abertura em abertura nos preparamos para o confronto com o Ser. Portanto,
seria aqui o sétimo encontro entre os dois em que se aponta para o processo, o como se dá, o
caminhar pelas aberturas, pelas provocações do inconsciente, para que integremos seus
conteúdos, processo quase sempre incômodo, que traduz a meta da individuação. Esses
momentos de incômodo serão os “momentos estrelados” que ditos em outra linguagem serão
encontros com o “absurdo e a graça”:
Quando mediante a exploração do inconsciente, a consciência do arquétipo, o
individuo é confrontado com a contradição abissal da natureza humana, o que lhe
proporciona uma experiência imediata da luz e da treva, do Cristo e do demônio.
Trata-se aqui, no melhor ou no pior dos casos, de uma possibilidade e, não de uma
garantia; experiências deste tipo não podem ser induzidas através de meios
humanos. Há fatores a serem levados em conta que não estão sob nosso controle. A
vivência dos opostos nada tem a ver com a visão intelectual nem com a empatia. É
mais aquilo a que poderia chamar de destino. Tal vivência pode provar a uns a
verdade de Cristo, a outros, a de Buda, até a mais extrema evidência.
Sem a vivência dos opostos não há experiência da totalidade e, portanto, também
não há acesso interior às formas sagradas. (JUNG, 2015. p 134)

Na psicologia de Jung, na medida em que o ser humano penetra cada vez mais a
profundidade de suas experiências psíquicas, que são objetivamente carregadas de elementos
contraditórios dos arquétipos, e as vive no diálogo e aceitação dessas imagens numinosas que
lhe chega desses arquétipos, pode começar também a vivê-las de maneira em que as recolhe
como inerentes aos processos interiores da alma, retirando pouco a pouco as projeções no
1
mundo exterior, e que gera nele a capacidade de suportar a tensão que os opostos criam dentro
de si, e que fazem nascer uma nova condição, uma nova atitude, “o terceiro” que Jung
denomina “o filho”, “a ética”, “o outro”, quer seja algo criativo, algo novo, e que corresponde
ao ato regulador da psique, e também ao devir da consciência e da vida no processo de
individuação rumo ao Si Mesmo. Nos momentos estrelados da prática da terapia iniciática, a
consciência, ou seja, a atitude unilateral é ferida na sua ilusão de dominação e ali se
redescobre a vigor de algo mais profundo, que viceja em nosso interior adormecido. Somos
convidados, a ir a busca desse Algo, ou seja, desse nume que nos avisa que é preciso olhar e
escutar, se colocar em marcha, sair do conforto das atitudes satisfatórias e confortáveis, que
nos fazem petrificar, e nos enredar em certezas mortas que nos encerram em uma adaptação
ou compensação inoperante que mais cedo ou mais tarde nos farão adoecer. Uma escolha é
boa para aquele único momento, nunca para a vida toda. Digo isso no interior de nós mesmos,
não necessariamente no sentido de um caminho que se tenha escolhido, ou de um casamento,
citando apenas como exemplo. Em ambos, no entanto, muitas escolhas, estarão sendo
convidadas a serem revisitadas com mais e mais profundidade. Há que acolher, em cada
confronto com a verdadeira natureza dual do afeto que move cada escolha, suas imagens
arquetípicas, sua natureza numinosa, sua natureza sagrada e de mistério, inerentes deste
inconsciente coletivo no qual estão todos os arquétipos da humanidade. E desta maneira
também nós psicólogos, que já nem acreditamos, nem sequer sabemos, que o que
perseguimos não é o esforço de adaptação bastante necessária, nem o esforço de compensação
igualmente bastante necessário, mas o fundamental esforço da metanóia, capaz de fazer nosso
pequeno eu, cuja tarefa é a da mediação entre o consciente e o inconsciente, não se esquecer
de que ele nunca triunfará sobre o centro regulador da psique. Essa é a hibrys do herói, que
em seu entusiasmo erra na missão, exagera, infla, e colocar a meta da transformação na sua
conquista, tarefa que nunca termina, pois se trata de não sucumbir. Mas não é ele quem está
no comando da vida psíquica. E é por isso que nunca termina.
O oitavo ponto que me ocorre é a preocupação com a pergunta sobre a questão
positivista e cientifica que amputa o ser humano de suas raízes profundas.
Parece mesmo que os deuses, o nume, jogam conosco, com os humanos, para que
permaneçamos a serviço. E, no entanto, os heróis que somos nós, enquanto esses seres de eu,
nos esquecemos de que o diálogo do ego com o Self sendo irreversível não deve estar
bloqueado, por uma escolha de atitude unilateral, consciente, onde o inconsciente está
negligenciado. Suas profundezas misteriosas e suas mensagens ininteligíveis, por vezes

1
terríveis, nos sacodem, e nos fazem questionar sobre os fundamentos de nossas escolhas e de
nossas crenças, e é quando não queremos lhe ouvir que então se instaura a neurose.
E porque somos seres dessa cultura já cindida, somos seres por si mesmos
neuróticos. A experiência dessas mensagens numinosas costuma nos aterrorizar e a fazemos
caber na nossa caixinha preferida, o que faz aparecer todos esses sintomas que chamamos de
doença mental, e psíquica. E novamente Jung nos salva, desses reducionismos, através dos
quais ficamos identificados com o patológico, nesse sentido o sintoma é a própria
comunicação da alma que revela onde e o que precisamos transformar, pois para Jung, resta a
experiência, pois nunca nossas imagens internas estão perdidas.
Veja, essa comunicação é feita na linguagem da alma onde tudo se revela,
bastando saber lê-la. Podemos dizer que a patologia é nossa alma criando esses diálogos
possíveis com nossa postura e atitude negligenciada. Creio que a questão da consciência
colocada em Jung, vem nos esclarecer a esse respeito. Tudo o que consideramos consciência,
carrega uma atitude valorativa, nem sempre consciente, e assim fica ilustrada, a questão das
raízes, de todo nosso conhecimento de si. Estas não residem numa consciência objetiva do
mundo. Ela subjaz nas profundezas do inconsciente. Este é o oitavo encontro, ou seja: o
porquê nos esquecemos:
O desenvolvimento da filosofia ocidental nos dois últimos séculos teve como
resultado o isolamento do espírito em sua própria esfera e a ruptura de sua unidade
original com o universo. O próprio homem deixou de ser o microcosmos, e sua alma
já não é mais scintilla consubstancial ou uma centelha da anima mundi (da alma do
mundo) (JUNG, 2013,Vol 11\5, p. 759) .
O conflito surgido entre a ciência e religião no fundo não passa de um mal-
entendido entre as duas. O materialismo científico introduziu apenas uma nova
hipótese, e isto constitui um pecado intelectual. Ele deu um nome novo ao princípio
supremo da realidade, pensando, com isto, haver criado algo de novo e destruído
algo de antigo. Designar o princípio do ser como Deus, matéria, energia, ou o que
quer que seja nada cria de novo. Troca-se apenas de símbolo. O materialista é um
metafísico malgré lui. O crente, por outro lado, procura manter-se em estado
espiritual primitivo, por motivos meramente sentimentais. Não se mostra disposto a
abandonar a relação infantil primitiva relativamente às figuras criadas pelo espírito.
Prefere continuar gozando da segurança e confiança que lhe oferece um mundo em
que pais poderosos, responsáveis e bondosos exercem a vigilância. (JUNG, 2013,
Vol. 11\5, p. 763)

Aqui Jung é rigoroso com o aspecto da experiência da individuação através da


qual o ser humano deve ser capaz de desenvolver o discernimento necessário, e a
singularidade de sua própria experiência religiosa. Após o comentário do lamentável
empobrecimento do pensamento ocidental, que se reduziu a um materialismo científico, pelo
preconceito criado a partir da cisão entre a Igreja e os Renascentistas, ele retorna sem piedade
à crítica àquele crente que se vincula à religiosidade pela segurança sentimental que lhe

1
oferece seja a imagem de um Deus bom, seja pela imagem de um Cristo amigo (evitando o
olhar exigente e rigoroso do Cristo tão bem retratado no ícone famoso ortodoxo, onde um
olho é ameno, e outro terrivelmente rigoroso), seja o olhar para a Virgem, que se compadece
de todos, e assim nos sentimos perdoados, seja, enfim, na dependência de um mestre, de cuja
necessidade para se obter verdadeiros ensinamentos parece ser de todos, pois ele
verdadeiramente fez o caminho, ( sabemos o quanto faz diferença essa proximidade em
nossas vidas e em nosso percurso espiritual , pois o mestre nos ensina antes de tudo a
discernir), mas ao lado do qual queremos estar para sempre, sem termos realmente realizado o
nosso caminho singular. Há mesmo essa antiga história em que sempre após estar diante do
mestre, e tendo realizado um conhecimento muito importante, o discípulo deve retornar ao
mundo, ao mercado, ao centro para ensinar o que aprendeu, para doar ao mundo, para ser no
mundo existencial junto a todos os seres.
Enfim, Jung também analisará a diferença contrastante entre ocidente e oriente,
no prefácio do Livro da Grande Liberação (também contido no Vol.11\5 das Obras
Completas, ed. 2013), e também no segredo da Flor de Ouro. Livros que tratam do Bardo
Thodol, e da Alquimia Chinesa, respectivamente. Jung, ao se deparar com a profundidade dos
textos tibetanos, chineses, hindus, etc. Percebe com cautela que o homem ocidental viverá
muitas dificuldades se tentar integrar essas práticas em sua vida. Novamente para ele, o
homem ocidental, está exilado de sua fonte, de seu ”mundo imaginalis”. O oriental de maneira
alguma. Para este homem oriental predominantemente introspectivo, o ir e vir do sujeito
através de todas as suas representações arquetípicas, para este homem, é atitude natural e
cultural sem que necessite censurar nenhum diálogo vivo com sua interioridade. Não há ponto
nenhum de congruência desses mundos, oriental e ocidental, o que um fará por naturalidade, o
outro deverá esvaziar-se de tudo o que o constituiu, e é nesse sentido que Jung, não concebe
tal caminho como possível, e o sendo, trata-se de algo perigoso para sua saúde psíquica,
devendo ser vivido com cautela.
Em vez de aprender de cor as técnicas espirituais do Oriente e querer imitá-las,
numa atitude forçada, de maneira cristã – imitatio Christi -, muito mais importante
seria, procurar ver se não existe no inconsciente uma tendência introvertida que se
assemelhe ao princípio espiritual básico do Oriente. Aí, sim, estaríamos em
condições de construir, com esperança, em nosso próprio terreno e com nossos
próprios métodos. Se nos apropriarmos dessas coisas do Oriente, teremos de ceder
nossa capacidade ocidental de conquista. E com isso estaríamos confirmando, mais
uma vez, que “tudo o que é bom vem de fora”, onde devemos busca-lo e bombeá-lo
para nossas almas estéreis. A meu ver, teremos aprendido alguma coisa com o
Oriente no dia em que entendermos que nossa alma possui riquezas suficientes que
nos dispensam de fecunda-la com elementos tomados de fora, e em que nos
sentimos capazes de desenvolver-nos por nossos próprios meios, com ou sem a
graça de Deus. Mas não poderemos entregar-nos a esta tarefa ambiciosa, sem antes
1
aprender a agir sem arrogância espiritual e sem uma segurança blasfema. A Atitude
oriental fere os valores especificamente cristãos e não adianta ignorar estas coisas.
Se quisermos que nossa atitude seja honesta, isto é, radicada em nossa própria
história, é preciso apropriar-nos desta atitude, com plena consciência dos valores
cristãos e conscientes do conflito que existe entre estes valores com a atitude
introvertida do Oriente. É a partir de dentro que devemos atingir os valores orientais
e procura-los dentro nós mesmos, e não a partir de fora. Devemos procura-los em
nós próprios, em nosso inconsciente. Aí, então, descobriremos quão grande é o
temor que temos do inconsciente, e, como são violentas as nossas resistências. “É
justamente, por causa destas resistências, que pomos em dúvida aquilo que para o
Oriente parece tão claro, ou seja, a capacidade de autolibertação própria da
mentalidade introvertida”. (JUNG, 2013, Vol. 11|5, p 773)

A questão dessa diferença se prolonga por todo o texto dos dois prefácios, mas
retiro aqui ainda outra citação que explicita algo muito diverso de nós, da cultura oriental, e
que vem nos auxiliar no projeto de iniciação que Graf propõe:
O fato do Oriente colocar de lado o eu com tanta facilidade parece indicar a
existência de um pensamento que não podemos identificar com o nosso “espírito”.
No Oriente, o eu desempenha certamente um papel menos egocêntrico que entre
nós; seus conteúdos parecem estar relacionados com um sujeito apenas frouxamente,
e os estados que pressupõe um eu debilitado parecem ser os mais importantes. A
impressão que se tem, igualmente, é de que a hatha-ioga serve, antes de tudo, para
extinguir o eu pelo domínio de seus impulsos não domesticados. Não há a menor
dúvida de que as formas superiores da ioga, ao procurar atingir o samâdhi, tem como
finalidade alcançar um estado espiritual em que o eu se ache praticamente
dissolvido. (JUNG, 2013, Vol. 11\5, p.775)

Aqui vemos um ponto importante, pois no decorrer da terapia iniciática, e também


do processo de individuação sugerido por Jung, o “centro de gravidade” da consciência, ou
seja, o eu, o ego em nossa psicologia ocidental, e o eu existencial em Graf, migra para o Ser
Essencial, e o Self respectivamente. Daí, tocamos outro ponto de encontro o nono.
Um exemplo de erro de interpretação clássica do ocidental para com os exercícios
do yoga é que para nós seriam exercícios de sublimação. Aqui, o sentido da sublimação,
tomamos emprestado de Freud. Jung os vê diferentemente, até porque investiga
profundamente os textos de ascese cristã, como os exercícios de Ignácio de Loyola, que
contém práticas sublimativas. Portanto seu conhecimento da sublimação não está referenciado
no conceito Freudiano.
Destas considerações podemos concluir que a forma oriental da “sublimação”
consiste em retirar o centro de gravidade psíquico da consciência do eu, que ocupa
uma posição intermédia entre o corpo e os processos ideais da psique. As camadas
semi-fisiológicas inferiores da psique são dominadas pela prática da ascese, isto é,
pela “exercitação”, e assim, mantidas sob controle. Não são negadas ou reprimidas
diretamente por um esforço supremo da vontade, como acontece comumente no
processo de sublimação ocidental (JUNG, 2013, Vol11\5, p 776)

Acho que podemos ver um décimo ponto de encontro na medida em que Graf
mesmo bebendo profundamente do conhecimento e praticas zen budista permanece na sua
1
ascese cristã. Sendo que no texto do Livro: El Caminho La Verdade y La Vida (s\d, p.113),
essa posição está colocada de maneira indubitável. Eis o texto:
Tento situar-me na trilha de Cristo e não de Buda. Minha intenção não é a de propor
experiências liberadoras ou iluminadoras, senão seu fruto que é a transformação da
pessoa. O Cristo nos tem ensinado o caminho de chegar a ser, e o tem vivido diante
de nossos olhos. Ele mesmo é esse caminho (...). Para isso é indispensável,
“carregar” sua cruz, aceitar o inaceitável, como Cristo, a aniquilação do eu
existencial mediante a travessia a morte, do absurdo, da solidão, e no abandono ao
Ser, realizar a experiência da redenção.

Estamos falando ainda desse pequeno eu (ego\herói) que dá lugar ao Eu


Essencial\Self através da metanóia. Essa experiência do abandono do eu ao Ser, que é vivido
na literatura cristã no relato de São João da Cruz, ou seja, A Noite escura da Alma. Nesse
momento em que o homem ocidental, se deixa estar diante do vazio de sua existência, se
abandona ao “crepúsculo de suas certezas”, ancoradas em memórias, imagens de si, e crenças
arcaicas, ancestrais, familiares, sociais, e abre-se à escuta de si. No caminho cristão se falará
de conversão. Largar tudo para trás e segui-Lo, é seguir o Ser de nossa essência: o Mestre
Interior. Mas para o cristão há verdadeiramente esse encontro com o Cristo Vivente e que se
revela inequivocamente. É como “fogo abrasador”, que acende nossa verdade mais profunda.
Dizem aqueles que o experimentaram. Vamos ver o que Jung nos fala da Noite escura da
Alma.
A linguagem cristã traz essa experiência da crucificação do Cristo, que nos chega
carregada de sofrimento e de absurdo. Lembremos que o Cristo histórico foi realmente
crucificado juntamente com dois ladrões, não por ser diferente deles, mas por ser a prática
mais comum de punição daquela época da dominação romana. Isso dito por Andre Chouraqui
(algeriano, advogado, escritor, rabino e político, falecido em 2007, comentador de textos
bíblicos). Todo o resto se desenrola no seu aspecto simbólico. Mesmo crendo que de fato, o
chão se abriu, o céu se tornou escuro, diante de sua morte, um epifenômeno da natureza,
diante da morte do deus encarnado, Mistério profundo, ainda assim, estaremos diante da
hermenêutica dos textos sagrados. Para o cristão permanece como um convite à experiência
do Cristo, simbólica e empiricamente.
No budismo existe mais essa relação direta com os fatos e a condição da reflexão
profunda sobre as raízes do sofrimento. E tal reflexão conduz inexoravelmente à logica, que
gera a transformação do olhar, onde há a busca da autossatisfação, está justamente o
sofrimento. E estamos diante do paradoxo. Onde buscamos felicidade, isto é, a segurança, a
autossatisfação, encontramos o sofrimento. A lógica nos conduz à raiz de nosso eu

1
egocêntrico, como a causa de todo sofrimento, este, sempre excessivamente preocupado
consigo mesmo e com sua satisfação, não somente imediata, gera todos os tipos de sofrimento
através da rejeição ou aversão daquilo que lhe é repugnante e, portanto, lhe causa incômodo, e
apego àquilo que lhe dá prazer e satisfação. O Sutra do Coração nos revela magnanimamente
a realização do Buda.
Em ambos os caminhos o sofrimento não é negado.
Ao falar de Cristo e Buda, estamos indo ao encontro de aspectos do arquétipo do
Si-Mesmo. É relativamente fácil ver a capacidade dessas duas personalidades, Graf e Jung,
de aderir à reflexão e pratica budistas, sem perder de vista a raiz cristã que lhes constituíram.
Eis uma citação de Jung em seu livro: Espiritualidade e Transcendência, seleção e edição de
DORST,(2015, pg.133). (A fonte original do texto selecionado se encontra nas Obras
Completas Vol. 12 cap. 1 p. 1-34; nota de pagina da organizadora)
O “Símbolo de Cristo” é da maior importância para a psicologia, porquanto constitui
ao lado da figura de Buda, talvez o símbolo mais desenvolvido e diferenciado do si-
mesmo. Isto pode ser avaliado pela amplitude e pelo conteúdo dos predicados
atribuídos a Cristo, que correspondem à fenomenologia psicológica do Si-mesmo de
um modo incomum, apesar de não incluir todos os aspectos deste arquétipo. A
extensão incalculável do Si-mesmo pode ser considerada negativa relativamente à
determinação de uma figura religiosa. Mas os juízos de valor não constituem de
maneira alguma uma tarefa da ciência. O si-mesmo não só é indefinido, como
também comporta paradoxalmente o caráter do definido e até mesmo da unicidade .

Parece haver também uma correspondência entre a terapia de Jung e Graf quanto
aos doentes mentais. E aqui estaríamos diante do décimo encontro. Vamos ver uma citação
de Jung a qual comentaremos depois:
Na verdade existe uma enorme diferença entre uma psicose antecipada e uma
verdadeira, que, entretanto de início nem sempre é percebida e reconhecida
claramente, o que pode dar lugar a uma incerteza angustiante ou até mesmo a u m
acesso de pânico. No caso da verdadeira psicose, a pessoa envolvida se sente
inundada por fantasias incontroláveis, por tratar-se de uma irrupção do inconsciente,
ao passo que na atitude crítica se trata apenas de um enredamento voluntário
naqueles acontecimentos da fantasia que compensam a situação individual e
principalmente também a coletiva da consciência. Esse enredamento ocorre com a
finalidade expressa de integrar à consciência os enunciados do inconsciente por
causa de seu conteúdo compensativo, e assim, realizar esse sentido de totalidade que
é a única coisa capaz de tornar a vida digna de ser vivida e de dar a mão a poucas
pessoas a própria possibilidade de viver melhor. Que o enredamento tenha a mesma
aparência de uma psicose provém do fato de o paciente integrar o mesmo material
da fantasia, do qual se torna vítima o doente mental, porque não o pode integrar, mas
é devorado por ele. No mito o herói é o que vence o dragão, e não extamente o que é
devorado por ele. E, no entanto, os dois têm de haver-se com o mesmo dragão. O
herói também não é aquele que nunca se encontrou com o dragão nem aquele que,
tendo-o visto uma vez, afirma depois nada ter visto. Da mesma forma descobre e
ganha o tesouro, “aquela preciosidade difícil de conseguir, somente aquele que ousa
a confrontação com o dragão e não perece. Tal pessoa tem verdadeiro direito á
autoconfiança, pois enfrentou a profundeza escura do próprio si-mesmo e desse

1
modo conquistou para si o seu si-mesmo. Esta experiência interna lhe dá força e
confiança, míotiç (pístis, confiança) na capacidade de sustentação do si-mesmo,
pois tudo o que o ameacava provindo do interior, ele o tornou coisa própria sua,
adquirindo desse modo certo direito de crer que será capaz de dominar com seus
próprios meios tudo o que os alquimistas designam como unio mentalis (união
mental). (JUNG. Vol 14\2 p. 410)
A unio mentalis (união mental), significa, pois, um alargamento da consciência e um
domínio sobre os movimentos da alma pelo spiritus veritá (espírito de verdade). Vol
14\2 p. 398. Obs: falando dos alquimistas – parecem se utilixar do termo cristão do
espíto santo.
A loucura é uma possessão por um conteúdo inconsciente que, como tal, não é
assimilado pela consciência, nem poderia sê-lo, uma vez que se nega tal tipo de
conteúdo. A expressão desta situação, em termos religiosos, seria: “O homem
perdeu o temor de Deus e pensa que tudo pode ser julgado de acordo com medidas
humanas”. “Esta hybris, que corresponde a uma estreiteza de consciência, é o
caminho mais curto para o asilo dos loucos” (JUNG, 2001, p. 50)

Revendo também a reflexão de Jung a respeito do Numinoso, friso sua posição


diante de sua intenção de pesquisa empírica sobre as questões da psicologia, ou seja, da
psique humana. Seu compromisso e obra diz respeito a esse profundo estudo, que o levou a
concluir que o ser humano é religioso por natureza. A psique humana é religiosa. Assim
veremos o que ele diz:

Como sou médico e especialista em doenças nervosas e mentais, não tomo como
ponto de partida qualquer credo religioso, mas sim, a psicologia do homo religius.
Do homem que considera e observa cuidadosamente certos fatores que agem sobre
ele e sobre seu estado em geral. (JUNG, 2013, Vol. 11\1, p.11).
Antes de falar de religião, devo explicar o que entendo por este termo. Religião é
como diz o vocábulo latino religere - uma acurada e conscienciosa observação
daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de “numinoso‟, isto é, uma
existência ou efeito dinâmico não causado por um ato arbitrário”. Pelo contrário, o
efeito se apodera e domina o sujeito humano, que é mais sua vítima do que seu
criador. Qualquer que seja a sua causa, o numinoso constitui uma condição do
sujeito, e é independente de sua vontade. De qualquer modo, tal como o consensus
gentium, a doutrina religiosa mostra-nos invariavelmente e em toda a parte que esta
condição deve estar ligada a uma causa externa ao indivíduo. O numinoso pode ser a
propriedade de um objeto visível, ou o influxo de uma presença invisível, que
produzem uma modificação especial na consciência. Tal é, pelo menos, a regra
universal. (JUNG, 2013, Vol.11\1, p. 6). Mas logo que abordamos o problema da
atuação prática ou do ritual deparamos com certas exceções. Grande número de
práticas rituais é executado unicamente com a finalidade de provocar
deliberadamente o efeito numinoso (JUNG, 2013, Vol.11. p. 7).
Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com
o emprego originário do termo: "religio", poderíamos qualificar a modo de uma
consideração e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos
como "potências": espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou qualquer outra
denominação dada pelo homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a
experiência ter-lhe-ia mostrado suficientemente poderoso, perigoso ou mesmo útil,
para merecerem respeitosa consideração, ou suficientemente grandes, belos e
racionais, para serem piedosamente adorados e amados (JUNG, 2013, Vol. 11\1, p.
8).
Eu gostaria de deixar bem claro que, com o termo “religião” não me refiro a uma
determinada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão
religiosa, por um lado, se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por
1
outro, na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma
determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí
resulta. Um dos exemplos, mais frisantes, neste sentido, é a conversão de Paulo.
Poderíamos, portanto, dizer que o termo “religião” designa a atitude particular de
uma consciência transformada pela experiência do numinoso" (JUNG, 2013,
Vol.11\1,, p. 9).

Para Jung a colocação no parágrafo acima de “uma existência ou efeito


dinâmico não por um ato arbitrário”, faz referência ao numinoso próprio da experiência
arquetípica. Ele desenvolverá o tema da estrutura da psique como sendo repleta de
“conteúdos autônomos”. Essa autonomia da Psique, inclui basicamente os complexos, e as
formas arcaicas de afeto, os arquétipos, que estão em parte inconscientes, e em parte
conscientes e são mediados pelo ego, o centro da consciência. Possuem uma carga afetiva
própria e quando constelados, assumem o comando do ego, deixando este de lado, ou no
mínimo exercendo de tal modo sua influência que agem “sob a forma de emoções e afetos,
como o fascínio ou o assombro, que podem ser observadas nas manias e em outras formas de
neurose”. (CECCON, HOLANDA, 2012).

O europeu culto deve simpatizar com estas palavras do Hui Ming Ging: “As
imagens que se configuram pelo fogo do espirito não são mais do que cores e formas
vazias”. Isto soa muito a europeu, e parece adequar-se à nossa razão. Congratulamo-
nos, por haver atingido, um tal grau de clareza, deixando para trás todos esses
deuses fantasmagóricos. Abandonamos, no entanto, apenas os aspectos verbais, não
os fatos psíquicos responsáveis pelo nascimento dos deuses. Ainda estamos tão
possuídos pelos conteúdos psíquicos autônomos, como se estes fossem deuses.
Atualmente eles são chamados: fobias, obsessões, e assim por diante; numa palavra,
sintomas neuróticos. Os deuses tornaram-se doenças. Zeus não governa mais o
Olimpo, mas o plexo solar e produz espécimes curiosos que visitam o consultório
médico; também perturba os miolos dos políticos e jornalistas, que desencadeiam
pelo mundo verdadeiras epidemias psíquicas. (JUNG, 2001, p. 50).

Não se trata de falarmos desses conteúdos psíquicos nas suas definições, tão
discutidas na obra de Jung, mas de nos referirmos a eles, e a seu caráter numinoso. Otto
define o numinoso no fenômeno religioso exclusivamente. Jung parece concordar na medida
em que afirma que a psique é religiosa, porém diferentemente de Otto, ele estende esse
fenômeno a todo fenômeno psíquico, incluindo nossos sintomas neuróticos, obsessivos e
psicóticos. Esses fenômenos “são a expressão de algo que foge ao poder da consciência,
ocorrendo, na verdade, uma sujeição desta, o sentimento de criatura, a esse algo”. (Ceccon,
Holanda, 2012) Podemos falar dessa autonomia que se impõe fortemente ao sujeito, o
subjugando, e que são sentidas e visualizadas em imagens tão fortemente carregadas de

1
energia, e de afeto, que irrompe a consciência. A essa carga de tonalidade afetiva e imagética,
Jung correlaciona com as qualidades do numinoso.
A partir dessa diferenciação entre Otto e a apropriação por Jung do termo
numinoso, podemos reconhecer que Jung considera o fenômeno psíquico como a única
realidade experimentável, sendo então através do psíquico, e somente nele que existimos de
certa maneira. Assim toda experiência é psíquica. Sendo “um postulado com o intuito” de
compreensão e observação de uma série de fenômenos naturais não esgotados, (Ceccon,
Holanda, 2012) Tais fenômenos numinosos estão colocados em Otto de maneira muito
diferente sendo o numinoso um fenômeno identificado por ele com o religioso, isto quer dizer
que o sagrado, é colocado como sobrenatural, tendo um sentido de algo não racionalizado, é
um “totalmente outro”. Mas para Jung o sobrenatural é do âmbito do psíquico e não se
encontra fora dele, portanto, refere-se a algo natural.
Tais conteúdos autônomos aparecem então nas neuroses e nas psicoses tais como já
citamos. E também aparecem em acontecimentos coletivos de massa, não estando restritos ao
eu. Eles têm essa qualidade de numinosidade, pois seus conteúdos "assumem também um
caráter compulsivo e influenciável de um automatismo, do qual só podem ser despojados
quando se tornam conscientes, (...) tais complexos (...), assumem, por auto simplificação um
caráter arcaico e mitológico, e consequentemente, certa numinosidade, (...), Mas a
numinosidade situa-se inteiramente fora do âmbito da volição, pois transporta o sujeito para o
estado de arrebatamento, numa entrega em que a vontade está totalmente ausente” (Jung,
2013 p. 383). A experiência desses fenômenos é vivida pela consciência individual ou
coletiva, como transbordamento de algo desconhecido que, no entanto, possui um aspecto
objetivo.
O caráter arcaico e mitológico é encontrado em todas as manifestações psíquicas,
que sempre se dá através das imagens carregadas de afeto e carregadas também dessas
qualidades numinosas, e que, portanto, arrebatam nossas fantasias, nossa imaginação e nossas
ações projetivas no mundo. Podendo atuar diretamente na nossa ação no mundo, sendo
sintomáticas ou não.

Por isso, é melhor para o homem ocidental não pensar que compreende, desde o
início, tudo ou quase tudo acerca da visão penetrante dos sábios orientais, pois,
como já dissemos, poderia tratar-se do “meio correto nas mãos do homem errado”.
Em lugar de convencer-se de que o “daimon” é uma ilusão, ele deveria experimentar
novamente a realidade desta ilusão. Deveria aprender a reconhecer essas forças
psíquicas, e não esperar que seus humores, estados nervosos e ideias obsessivas
provem de um modo penoso que ele não é o único senhor em sua própria casa. As
tendências dissociativas são verdadeiras personalidades psíquicas, de realidade
relativa. São reais quando negadas, passando então a ser projetadas. Relativamente
1
reais quando associadas ao campo da consciência ou, em termos religiosos, quando
existe um culto, são, no entanto irreais, na medida em que a consciência se destaca
de seus conteúdos. Este último estágio só é alcançado quando a vida foi vivida de
um modo completo e com tal devoção, que já não resta qualquer obrigação vital
imprescindível e também já não há desejo que não possa ser sacrificado, para a
obtenção do íntimo desapego do mundo. Em relação a isso, é inútil tentar mentir
para si mesmo. Somos possuídos por tudo aquilo que nos apegamos; e quando
somos possuídos por algo mais forte do que nós nos possui. (...) Não é de todo
indiferente chamar-se a alguma coisa de “mania”, ou de “Deus”. Submeter-se a uma
mania é reprovável e indigno, mas servir a um Deus é extremamente significativo e
promissor, por tratar-se de um ato de submissão a um poder alto, invisível e
espiritual. (...) Lá onde Deus não é reconhecido aparece a mania egocêntrica, e desta
provém a doença. (JUNG, 2001, p.50\51)

Já vimos que Jung entende por qualidades numinosas “o efeito dos conteúdos
autônomos da psique, além do eu, que chamou de complexos” (CECCON, HOLANDA,
2012). Estes gradativamente são absorvidos à consciência na medida em que ao serem
constelados podem ser reconhecidos e se tornarem menos carregados de afeto. A energia é
liberada para seguir novos rumos. “Este procedimento é considerado, e com razão, como um
dos mais importantes fatores terapêuticos”. (JUNG, 2013, Vol.8\2, p.283). Para isso a
observação e a razão são necessárias, pois sem o diálogo reflexivo tais complexos mantém
sua natureza arcaica e mística. Essa “relativa independência em relação ao eu demonstra que
em si ele possui uma carga energética própria, provinda de um possível núcleo, que por
carregar um montante de energia, é, além de fonte de perturbação, um manancial criativo”
(CECCON, HOLANDA, 2012). Sobre isso escreve OTTO, (2001. p.55):
Finalmente os aspectos tremendum e majestas ainda compreendem um terceiro, que
eu chamaria de energia do numinoso. Pode-se senti-lo vivamente sobre tudo na orge
[ira], expressando-se simbolicamente na vivacidade, paixão, natureza emotiva,
vontade, força, comoção, excitação, atividade, gana. (...). Trata-se daquele aspecto
do nume que, ao ser experimentado, aciona a psique da pessoa, nela desperta o zelo
[Eifer] .

Sendo a psique tudo o que podemos experimentar, podemos dizer que a patologia
é nossa desconexão com ela. Somos analfabetos em relação à linguagem da alma. Sobre esta
ser eminentemente constituída de imagens lemos em Jung:

Na verdade, o ser psíquico é a única categoria do ser da qual temos um


conhecimento direto e imediato, pois nenhuma coisa pode ser conhecida sem
apresentar-se como imagem psíquica. A existência psíquica é a única que pode ser
demonstrada diretamente. Se o mundo não assume a forma de uma imagem
psíquica, é praticamente como se não existisse. (JUNG, 2013, Vol.11\5, p.769).
Mas entre as qualidades psíquicas hereditárias há uma classe particular que não
encontra limitações essenciais nem de ordem familiar, nem no plano racial. São as
disposições espirituais de caráter genérico, entre as quais devemos considerar de
modo particular certo tipo de formas de acordo com as quais o espírito ordena, por
assim dizer, os seus conteúdos. Poderíamos chama-los também de categorias,

1
analogicamente às categorias lógicas que existem sempre e por toda parte e que
constituem essenciais e imprescindíveis do intelecto. Só que no caso das “formas”
em apreço não se trata de categorias do intelecto, mas da faculdade imaginativa.
Como os produtos da fantasia são sempre diretamente acessíveis à observação, no
sentido mais amplo do termo, suas formas a priori têm o aspecto de imagens, e de
imagens típicas, às quais, por esta razão, dei o nome de arquétipos, inspirado na
antiguidade clássica. (JUNG, 2013, Vol11\5,.p. 845)
O processo simbólico é uma vivência na imagem e da imagem, (...) É óbvio que a
riqueza dos símbolos oscila extraordinariamente. Tudo, no entanto, é vivenciado
numa forma imagética, isto é, simbolicamente (...) o perigo é sucumbir à influência
fascinante dos arquétipos, o que pode acontecer mais facilmente quando as imagens
arquetípicas não são conscientizadas. (JUNG, 2013, Vol9\1, p. 82)
Além destes, o inconsciente contém igualmente “percepções subliminares” (bem
como imagens esquecidas na memoria que reproduzidas no momento, ou mesmo
nunca). Entre os conteúdos, devemos distinguir as percepções daquilo que eu
chamaria um “conhecimento” ou “presença inexplicável de imagens psíquicas”.
(JUNG, 2013, Vol. 8\3, p.856)

A questão que se coloca nessa revisão bibliográfica é diálogo entre um teórico e


outro no que diz respeito ao encontro do numinoso no homem e no trabalho terapêutico.
Sabemos já em Graf de sua prática fundamental: a da escuta e valorização dos momentos
estrelados.
Tais momentos fazem surgir como um maravilhamento diante do mar e de sua
profundidade durante a noite. A escuridão da noite lhe oferece ao sujeito que o observa o
horizonte profundo e escuro na paisagem do mar e este tem então, um sentimento de
profundidade, e isso é bem-vindo. Há nele nesse momento um endereçamento a uma
interioridade que lhe faz silêncio Ele a experimenta, com um sentido de inteireza que lhe
surpreende. Ele está diante da experiência anunciada. Há uma calma, uma interioridade, um
peso, um pressentimento de algo sagrado. E uma profunda aceitação vivida no presente, no
instante. A isso somente podemos dizer sim. Mas permanece algo que se despertou. Não
podemos negligenciar mais. O ser humano que experimentou isso gostaria então de perpetuar,
de se tornar algo como que unido para sempre a este instante. No entanto isso é tarefa difícil,
e pertence à promessa. Naturalmente, somos constantemente distraídos, exigidos no mundo, e
quando estamos de volta e novamente de volta encontramo-nos naquelas conversas cotidianas
dos nossos pequenos desejos de alma, e que na verdade guardam no seu bojo, os grandes
desejos de alma. Mas a cada reencontro com essa cotidianidade, percebemos que aquilo que
vivemos como tão importante e que nos consome é tão insignificante. Não sabemos como
fazer a experiência se repetir ou permanecer nela. Aqui me recordo de uma fala de Leloup: “O
Ser que É nos sustenta e que nos escapa”. Permanecer na escuta do instante se revela a tarefa
inconcebível. Talvez isso se coloque em oposição com a caminhada cotidiana, pela qual para

1
que a experiência se dê novamente evocamos a imagem que ficou em nós. Ou aquela que
nossos pais e avós nos apresentaram como representativa dessas. E que Père Martin nos
revelou como sendo ainda a exteriorização do ser que se confunde muito com a interiorização.
Na medida em que estamos em diálogo com essas imagens, nos prendemos a elas. Ficamos
atomizados
Parecem-nos caminhos muito diferentes aqui, do Graf e de Jung, Mas ambos
parecem desejar essa inteireza do ser.
Essa experiência nos exige a continuação e a repetição. Procuramos no
maravilhamento diante do nascer do sol na montanha ou no mar. Esse infinito céu que se abre
todos os dias. A poesia das ondas em oração, e dos pássaros, e dos ventos. Tudo assim é
oração. E já não estamos separados.
O silencio se torna mais e mais fortalecido. Há então essa passagem nos textos de
Teresa D´Ávila que ela descreve esse silencio que não deixa espaço nem para as lagartixas
passarem. E em Teresa de Calcutá que ao ser indagada sobre sua oração, quer seja, diante da
pergunta: o que você fala a Deus madre Teresa nas suas orações, o que lhe pede, ela
responde: oh! , não digo nada. Diante dessa resposta misteriosa a pergunta continua: E então,
madre o que Ele lhe diz, E vem à resposta: Oh! Ele, não diz nada.
Diríamos então que há nessa inteireza algo de semelhante em Jung e em Graf.
A inundação de imagens que alude Jung na citação acima, diz respeito ao trabalho
da alma de discriminar-se e discernir do mundo das forças arquetípicas. A luta com o dragão é
a luta da consciência que se desenvolve a partir da discriminação com o inconsciente. Esse
momento no ser humano difere muito do primeiro. A consciência, com seu núcleo, o ego, se
desenvolvem a partir desse trabalho de discriminação das forças arquetípicas. Diríamos que o
psicótico não consegue terminar essa tarefa nos desafios impostos pela Vida. Ele sucumbe e
permanece perdido no mundo das imagens que sempre lhe chegam carregadas de afeto, e com
as quais inicia uma desesperada luta por significa-las. Errando então o caminho, pois vindo do
inconsciente coletivo, somente podem ser indiretamente absorvidas e interpretadas. Nada
nisso sendo então tão pessoal, o sujeito necessita do símbolo. Necessita tornar o vaso do ego
capaz de absorver essas experiências no nível da consciência, sendo isto apenas possível
através de mitos, ritos, e produções artísticas. O corpo é seu auxiliar no resgate de um senso
de si pequeno que se enraíza no presente. O psicótico, no entanto permanece nesse caldo do
inconsciente sem dele emergir.

1
Essa questão se torna importante na medida em que Jung coloca uma tênue linha
entre os vários estágios dessa relação com o inconsciente. O ser humano que se deixa
mergulhar nele e cujo empenho é o trabalho com a alma, corre o risco de naufragar, mas há aí
um ego que trabalha a favor de si mesmo com uma certa eficiência. O próprio Jung viveu de
maneira intensa essa experiência e correu também o risco de naufrágio de sua consciência.
As experiências de Teresa D´Ávila, e Madre Teresa, foram tarefas diante do
Mistério e as tornou fiéis a Ele, colocando no mundo sua presença atuante. As coloco como
exemplos, pois suas ações foram legitimadas. Já não podemos dizer o mesmo sobre Mestre
Eckhart, e Teilhard Chardin, que foram execrados.
O psicólogo Stanislav Grof cunhou o termo emergência espiritual a certos estados
intermediários em que essa experiência do sagrado não se deu de maneira efetiva. Para
justificar um pouco a presença da perspectiva de Grof e de seu conceito de emergência
espiritual, seria bom falar sumariamente de seu livro com o mesmo nome. Cristina Grof,
autora, juntamente com seu marido Stanislav, ambos pertencentes à Psicologia Transpessoal
durante vários anos vem trabalhando com estados extraordinários de consciência, respiração
holotrópica, psicodélicos, e regressões. Mapearam os estados pré-natais, e os trouxeram para
o trabalho terapêutico, como método próprio. Essa questão atravessa este trabalho, na medida
em que, o termo emergência espiritual trás o sentido de uma certa abertura a certos estados
conscienciais diferenciados, de muita amplitude, em que naturalmente os conteúdos
inconscientes irrompem a consciência e por ela podem não ser suportados. Os psicodélicos,
sabemos, podem levar os indivíduos a grandes experiências, sem, contudo, conseguir
promover a integração desses conteúdos. Isso parece irrelevante, já que não tratamos disso
nesta pesquisa. No entanto, foi assim pela, primeira vez em que ouvi que os estados ditos de
perturbação de conteúdos inconscientes somados à ampliação de consciência não deveriam
ser colocados imediatamente sob exame psicopatológico. Grof, ela mesma tendo vivenciado
por longo tempo esses estados, cunhou de emergência espiritual, A questão da espiritualidade
está envolvida e é essencialmente o fundamento dessa perturbação. E ai nos encontramos
diante da terapia iniciática que justamente enfatiza que os estados de sofrimento mental, são
de cunho do espiritual quando este não é bem aceito por nós. Há então que fazer essa
conexão com o sagrado. E novamente entramos na questão das vivências psicodélicas, as
vivências numinosas, que de tão assombrosas e sedutoras de lá não retornarmos. Ficamos que
no limbo. É nesse instante que Jung, e sua profunda experiência com os doentes mentais, vão
dar corpo e sustância à questão psíquica do ser humano que vivencia esses estados

1
perturbadores, o qual, ele mesmo vai conhecer da sua maneira singular, e deles falará
através de toda sua reflexão psicológica. Diremos que toda sua psicologia se baseia nelas.
Ousamos mais uma vez citá-la, pois, difícil se torna encontrar em toda sua obra, o parágrafo
adequado, e justo para cada reflexão e ponte que fazemos, tal é profundidade com que ele
examina todas essas questões. A escolha do parágrafo se refere justamente ao como a
consciência não consegue de alguma maneira receber conteúdos tão imensamente
desordenados, e é dessa maneira que se justifica uma “emergência espiritual”, deixando o
termo espiritual no contexto do sagrado em que temos discutido anteriormente, tal como visto
por Jung e Graf.
Uma dissociação desta espécie apresenta dois aspectos distintos: no primeiro caso,
trata-se de um conteúdo originariamente consciente que se tornou subliminar ao ser
reprimido por causa de sua natureza incompatível; no segundo caso, o sujeito
secundário consiste em um processo que jamais pode penetrar na consciência,
porque nesta não há a mínima possibilidade de que se efetue a apercepção deste
processo, isto é, a consciência do eu não pode recebê-lo por falta de compreensão e,
por conseguinte, permanece essencialmente subliminar, embora, do ponto de vista
energético, ele seja inteiramente capaz de tornar-se consciente. Ele não deve sua
existência à repressão, mas é o resultado de processos subliminares (...) Quer dizer,
os conteúdos que aparecem na consciência são primeiramente sintomáticos (...) Os
conteúdos sintomáticos são, em parte, verdadeiramente simbólicos e são
representantes diretos e indiretos de estados e processos inconscientes cuja natureza
só pode ser deduzida imperfeitamente e só podem tornar-se consciente a partir dos
conteúdos que aparecem na consciência. É possível, pois, que o inconsciente abrigue
conteúdos de tão alto nível de energia que, em outras circunstâncias, eles poderiam
tornar-se perceptíveis ao eu. Na maioria das vezes, eles não são conteúdos
reprimidos, mas simplesmente conteúdos que ainda não se tornaram conscientes,
isto é, que ainda não foram percebidos subjetivamente, como, por exemplo, os
demônios ou os deuses dos primitivos ou os “ismos” em que os homens modernos
tão fanaticamente acreditam. Esse estado não é nem patológico nem de qualquer
modo estranho, mas o estado normal original, ao passo que a totalidade da psique,
compreendida na consciência, é uma meta ideal, e jamais alcançada. (JUNG. 2013,
Vol8\2, p366)

Podemos falar que o vaso do ego, do núcleo da consciência não pôde conter esses
conteúdos e sua enorme força. Pode supor-se certa identificação com o arquétipo do si
mesmo.
Há então essa fala dos estudiosos de tradição cristã: “errar o alvo”, ou então,
outra fala, a que houve uma desorientação do desejo (Leloup).
Estamos diante de algo extremamente simples e extraordinário: Estar inteiros
“com todo nosso peso”, sentindo em nós essa presença que nos interioriza e nos centra e nos
silencia. E que nos surpreende, nos maravilha, e nos desperta. Parece extremamente diverso
toda experiência do estilhaçamento psicótico. A atomização que nos fala Père Martin. Mas aí
há extremos. Onde está à linha tênue que Jung nos diz, que se entrecruza com caminho de
Graf Dürckheim.

1
A consciência, que é o sistema perceptivo por excelência, pode ser comparada com a
escala perceptível do som e da luz, tendo como estes, um limite superior e um limite
inferior. Acho que se poderia estender esta comparação à psique em geral, o que
seria possível se houvesse processos psicóides nas duas extremidades de cada escala
psíquica, de acordo com o princípio: natura non facit saltus ( a natureza não dá
saltos). (JUNG, 2013, Vol. 8\2. P. 367)

Vale uma breve tentativa de comentar o termo psicóide usado por Jung. Parece-
me que aqui encontrarei uma espécie de solução ao enigma da consciência ampliada e a
conjunção com fatores inconscientes subliminares.
O arquétipo denota um campo que não apresenta nenhuma das peculiaridades do
fisiológico, mas que no fundo não pode ser mais considerado como psíquico,
embora se manifeste psiquicamente. Os processos fisiológicos, porém, comportam-
se também desta maneira, mas nem por isso são classificados com psíquicos. (...)
Devemos aplicar este argumento, logicamente, também aos arquétipos. Como,
porém, não temos consciência de sua natureza essencial e, não obstante, eles são
experimentados como agentes espontâneos são quase certo que não temos
alternativa senão a de definir sua natureza como “espírito”. (...) A ser assim, sua
posição estaria situada para além dos limites da esfera psíquica, analogamente à
posição do instinto fisiológico que tem suas raízes no organismo material e com sua
natureza psicóide constitui a ponte de passagem à matéria em geral. Na
representação arquetípica e na percepção instintiva o espírito e a matéria se
defrontam no plano psíquico. (...) Ambos são transcendentes, isto é, irrepresentáveis
em sua natureza, dado que a psique e seus conteúdos são a única realidade que nos é
dada sem intermediários. (JUNG. 2013, Vol.8\2, p420).
Ao usar o termo “psicóide”, estou plenamente cônscio de que ele entra em choque
com a mesma palavra criada por Driesch. Por psicóide entende ele o princípio
condutor, o “determinante das reações”, a “potência prospectiva” do elemento
germinal. (...) Bleuler, ao invés, usa a expressão “psicóide” como termo coletivo,
para designar, sobretudo, processos subcorticais que se acham relacionados
biologicamente com “funções de adaptação”. “O psicóide é a soma de todas as
funções mnésicas do corpo e do sistema nervoso, orientadas para um fim (...) “ A
psique corporal do indivíduo e a filosopsique juntas formam uma unidade (...)
designando-a pelo termo psicóide”.(...) Se uso o termo psicóide, faço-o com três
ressalvas: a primeira é que emprego essa palavra como adjetivo (...) segundo é que
ela não denota uma qualidade anímica e psíquica em seu sentido próprio, mas uma
qualidade quase psíquica,(...) e a terceira é que esse termo tem como função
distinguir uma determinada categoria de fatos dos meros fenômenos vitais, por uma
parte, e dos processos psíquicos por outra. (JUNG, 2013. Vol. 8\2 p.368).
Como outros arquétipos dão origem a dúvidas semelhantes, parece-me provável que
a verdadeira natureza do arquétipo é psicóide. (Jung. 2013, Vol8\2, p 417).
Onde predomina o instinto, começam os “processos psicóides”, que pertence, à
esfera do inconsciente como elementos capazes de atingirem o nível da consciência.
O processo psicóide, pelo contrário, não se identifica com o inconsciente em si,
porque este último tem uma extensão consideravelmente maior. Além dos processos
psicóides, existem no inconsciente representações e atos volitivos, ou seja, algo
parecido com os processos conscientes. (JUNG. 2013, Vol. 8\2, p380).

E aqui ele discorrerá longamente no capítulo sobre o inconsciente coletivo e os


arquétipos: “Um segundo sistema psíquico concomitante à consciência – independente das
qualidades que venhamos a lhe atribuir – é revolucionária, na medida em que poderá alterar
radicalmente nossa visão do mundo”. (JUNG, 2013, Vol. 8\2. p. 369).

1
O mesmo se aplica ao homem: ele traz dentro de si certos tipos de instinto a priori
que lhe proporcionam a ocasião e o modelo de sua atividade, na medida em que
funcionam instintivamente. Como ser biológico, ele não tem alternativa senão a de
se comportar de maneira especificamente humana e realizar o seu pattern of
behavior. Isto impõe estreitos limites às possibilidades de ação de sua vontade, tanto
mais estreitos quanto mais primitivos ele for e quanto mais sua consciência depender
da esfera dos instintos de um determinado ponto de vista seja absolutamente correto
considerar o pattern of behavior como vestígio arcaico ainda existente, (...) não
constituem propriamente relíquias ou vestígios de antigos modos de funcionamento,
mas reguladores sempre presentes e biologicamente necessários da esfera dos
instintos cujo raio de ação recobre todo o campo da psique. (JUNG. 2013. Vol. 8\2,
p 398).
Essas experiências e reflexões levaram-me a reconhecer que, certas condições
coletivas inconscientes que atuam como reguladoras e como estimuladoras da
atividade criadora da fantasia e provocam as configurações correspondentes,
utilizando-se do material consciente já existente para este fim. (...) A existência
destes reguladores inconscientes – que eu às vezes chamo também de dominantes,
por causa de sua maneira de funcionar – parece-me tão importante, que baseei sobre
eles minha hipótese de inconsciente coletivo. (JUNG. 2013, Vol. 8\2, p.403).
Nada mais natural, portanto, do que supor que estes fatores se acham em relação
com os instintos, e indagar se as imagens da situação típica que representam
aparentemente estes princípios formadores coletivos no fundo não são idênticos às
forças instintivas, ou seja, aos pattern of behavior. (JUNG, 2013, Vol. 8\2, p. 404)
Quer dizer, os arquétipos, quando surgem, têm um caráter pronunciadamente
numinoso, que poderíamos definir como “espiritual”, para não dizer “mágico”.
Consequentemente, este fenômeno é da maior importância para a Psicologia da
religião. O seu efeito, porém, não é claro. Pode ser curativo ou destruidor, mas
jamais indiferente, pressupondo-se, naturalmente, certo grau de clareza. (...) Há uma
aura mística em torno de sua numinosidade, e esta exerce um efeito correspondente
sobre os afetos. Ele mobiliza concepções filosóficas e religiosas justamente em
pessoas que se acreditam a milhas de distância de semelhantes acessos de fraqueza.
Frequentemente ele nos impede para o seu o objetivo, com paixão inaudita e lógica
implacável que submete o sujeito ao seu fascínio, de que este, apesar de sua
resistência desesperada, não consegue e, finalmente, já não quer desvencilhar, e não
o quer justamente porque tal experiência traz consigo uma plenitude de sentido até
então considerada impossível. (JUNG, 2013, Vol. 8\2, p. 405).

4. CONCLUSÃO:

Otto, Jung, Dürckheim empregam esse termo para significar a apreensão de um


”mysterium, tremendum et fascinans”, experiência de uma realidade, simultaneamente,
fascinante e terrificante que estaria na origem de todo devir espiritual ou místico. “Será
necessário lembrar que a palavra mistério ou místicas vem do verbo grego muein que significa
“calar-se”, fechar a boca e os olhos diante do que apenas é bem expresso pelo silêncio. (0)
Existe também o sânscrito mus que remete ao que está escondido, e secreto.” (LELOUP,
2001, P.41).
Leloup, em acordo com Jung, parece nos dizer através de seus textos, que esse
nosso mundo lógico, é dual, e “binário, e que existe algo para além dessa dualidade o qual

1
Jung irá denominar de “coincidêntia oppositorum”, da qual o Numinoso, emerge. Existem no
numinoso, todas aquelas tonalidade, matizes e nuances emotivas que Otto cunhou muito bem
para podermos apenas tentar falar delas.
Já comentamos a tendência de nossa consciência a eleger a “dissociação”, na
medida em que, esta, só consegue perceber um lado e uma medida. No entanto: “No instante
numinoso, tocamos uma realidade que reúne esses opostos: não se trata de sua soma ou
mistura, mas de um terceiro termo que os contém, do mesmo modo que o símbolo do Tao, o
círculo compreende as alternâncias entre o branco e o preto, insuportável ambivalência do
Real, que, se for assumida poderá levar o homem à maturidade.” ( LELOUP, 2001, p. 43) .
Lembremos novamente da fantasia de Jung, algo mais que fantasia, quase uma grande
experiência, em que pressente, primeiramente, sente-se maravilhado diante da catedral, sob o
sol ensolarado, mas algo de terrível quer vir à consciência. Após muita luta, ele deixa vir: ele
vê Deus defecando sobre a Catedral. Ele tinha 12 anos. Filho de pastor, já vinha a muito
desconfiando desse “bom Deus”, desse Jesus, que “come criancinha” ( uma de suas fantasias,
anteriores, bem infantis), “ Jung é colocado em relação com uma dinâmica que não está ao
seu alcance”. E esse foi seu caminho, ou seja, a busca de compreende-la. Somos mesmo
capazes de perceber que em sua obra quase cabe nessas suas experiências de infância, que o
marcam para sempre. Obviamente, ele as amadureceu, mas primeiramente teve de viver,
“uma experiência que lhe é singular”, e que está escrita em seu “Livro Vermelho”. Jung
confronta o eu com o arquétipo da Sombra. Ou seja, toma definitivamente consciência dela. O
que não significa “sua sombra”, e também amadurece essa questão da realidade dos opostos,
que lhe foi apresentada de maneira indubitável tão cedo. Somente mais tarde com a leitura do
O segredo da Flor de Ouro, Jung encontrará definitivamente as respostas, pois o oriente, e
toda sua mística está fundamentada nisso. Essa “integração da sombra ou do mal em Deus
será a grande indagação de Jung e de sua psicologia: esta tem origem nesse caráter
inassimilável do Numinoso para a consciência habitual”: (LELOUP, 2001, p. 44)
“O grande problema da psicologia é a reintegração dos contrários;
reencontramo-lo por toda parte e em todos os planos” APUD, Jung, Leloup. p.44). Esta
questão atravessa as questões do bem e do mal, para a qual Jung propõe a integração, ou seja,
a “assimilação, isto é, elevá-lo à consciência”, e que na Alquimia Medieval Europeia, que
Jung acaba por se utilizar, irá chamar de “Conjunção dos dois Princípios”. Diante dessa
experiência do numinoso o que nos é introduzido é a “Presença do Absoluto” ou do
“Incondicionado que somos”.

1
Por aqui podemos perceber que as experiências de transcendência nos levam a
uma experiência do “Incondicionado”, “o qual nunca poderemos apreender, e que o
cristianismo numinoso e apofático” diz: “Deus é imanência”. Ele permanece Sendo, ele é o
Aberto. Portanto ele não é causa, nem valor, muito menos nenhuma de nossas representações
que dele tentamos apreender. “E antes, É o que permite ao Ser, ao Sendo, à Causa, ao valor, e
à pessoa, respirarem e se entregarem” (LELOUP, 2001, p.47).
“O mistério, dizia Einstein, é que o mundo seja compreensível”, que nossa
inteligência entre em ressonância com a inteligência existente no Universo. O Numinoso é o
momento “dessa ressonância.” (LELOUP, 2001, p.53)
Então, vamos retomar a uma ideia extraída da pratica dos antigos Terapeutas de
Alexandria, pela qual Leloup inaugura o estilo alexandrino, e funda o Colégio Internacional
dos Terapeutas, no qual se inscreve a pratica da Anamnese do Ser, quer seja, o processo no
qual rememoramos o Ser que É, “durante a breve abertura proporcionada pelos movimentos
numinosos de sua existência”. Para Leloup, a prática de memorização dos momentos
privilegiados, pareceu ser a pratica mais próxima do Estilo Alexandrino e da Anamnese
Essencial.
“Para além dessa presença do passado pessoal em ato nos mecanismos de repetição
a que Freud dá o nome de inconsciente, não haveria outra presença, cuja
rememoração surge, às vezes, no despertar de uma nova “qualidade” de ser que nos
torna livres em relação aos condicionamentos do consciente e do inconsciente (). A
anamnese essencial não é a lembrança do passado, nem memória dos
acontecimentos, nem memória-acontecimento (ab-reação), mas abertura da
inteligência, do coração do corpo, à origem incriada que, no próprio instante e no
devir, nos serve de fundamento‟”(LELOUP, 2001, p.11)
Eis o que pode assumir as formas de um retorno, mas “retornar á origem não é voltar
à nascente, mas deixar que esta volte a nós” (LELOUP, 2001, p.11).

Leloup nos indaga se é através dos relatos de “nosso pior”, “nossas memórias de infância”,
“as exacerbações de nossas perdas”, ou ao invés disso, do “despertar de nossas memórias do
numinoso”, das „horas estreladas”, que nos fornecerão, “orientação” para não ficarmos
perdidos nos “meandros da sombra”, pois na rememoração do Incondicionado, podemos nos
fortalecer diante “dos condicionamentos e alienações”. Esse posicionamento é um estilo, que
não pretende retirar do ser as “couraças emocionais”, sem antes lhe “permitir reencontrar sua
coluna vertebral”. “Os mecanismos de defesa”, estes, “que mantém o homem de pé”,
necessitam ser aceitos, e assimilados, antes do relaxamento, pelo qual poderá antes, haver um
“desmoronamento”. Nesse sentido, para que o sujeito se reoriente para seu eixo, no qual
deverá estar diante do “acontecimento de ser ele mesmo”, é preciso largar o “confinamento

1
nessa a anamnese do pior”. Pode ser então que consiga iniciar “uma anamnese do melhor”,
em direção ao Self a ser reencontrado.
“O que é que teria sido o mais lindo, o mais verdadeiro, o melhor em sua vida()
Quando é que você conseguiu ser você mesmo(a), ou melhor ainda, mais do que
você mesmo(a) (), Mais inteligente que sua inteligência(), Mais paciente ou amante
mais vivaz a partir de uma vida mais ampla, mais viva do que você mesmo (a). (). “

E aqui Leloup adere à Graf Durckheim, na orientação das experiências


numinosas. No entanto sem deixar de haver a escuta “do que não vai bem”. Para se conhecer
a “identidade”, o “sentido” e o “desejo perdido”. “Do mesmo modo que, na anamnese do
pior, o terapeuta escutava o que não podia ser dito nas falas do paciente, assim também trata-
se de escutar o secreto, o silêncio do que é dito no relato dos momentos numinosos”
(LELOUP), 2001, p. 41).
Com relação ao terapêutico do numinoso, Leloup, propõe uma hermenêutica.
Pois, “não basta viver tais experiências; além disso, é necessário interpretá-las”. Vai existir
então essa questão: trata-se de fantasia ou realidade. As tradições perenes confiarão na
realidade suprema do vazio absoluto. E Leloup afirma: “É verdade que tudo existe salvo
Deus. Tudo é ilusão, exceto Ele. Somente Deus não existe; neste aspecto, Ele é o único Real
que não é ilusório.” (LELOUP, 2001, p. 127). E diz que o numinoso é, portanto, da alçada da
verdade relativa. “Ela é o testemunho sempre relativo (uma vez que sempre existente) de um
Real Absoluto”. E endossando nossa premissa de que facilmente nos confundimos o estar
conectados, com a adaptação ao meio social e ambiental, onde verificamos o quanto, aí,
também, está adoecido, ele afirma: “Em geral, a crítica da experiência numinosa (...) se traduz
pela expressão “não passa de” que acusa uma atitude hermenêutica redutora, própria de
algumas correntes psicológicas” nas quais facilmente ficamos atomizados, exteriorizados
quando no confronto com nossas imagens internas. Tudo o que nos chega afinal são
manifestações arquetípicas do centro regulador da psique, O Self, que constantemente vem
em socorro num constante trabalho de regulação. A questão da unicidade do Ser também nos
chega por Jung. Para ele a noção de Self, elaborada a partir de experiências com as mandalas,
sejam nos sonhos, nas tradições, que sempre indicam a valorização e orientação do sujeito a
um centro. “Portanto, o “Self” será colocado como centro inconsciente da personalidade que a
contém e ao, mesmo tempo a transborda; quanto à individuação, irá consistir no
reconhecimento e na integração a esse centro”. (LELOUP, 2001, p. 171).
“É isso, „ser inteiro‟. Sejam quais forem as feridas e carências, a
coordenação entre o ego e o Self realiza a totalidade porque não se trata de ter ou ser
tudo mas existir segundo uma estrutura na qual agem princípios opostos”
(LELOUP, 2001, p.171)
1
“Pode-se parecer supérfluo comentar, uma vez mais, a diferença, verificada há muito
tempo, entre a tomada de consciência e a realização de si (individuação). Mas, não
me canso de ver que o processo de individuação é confundido com a tomada de
consciência do ego e que assim, o ego é identificado com o Self... deste modo a
individuação torna-se simples egocentrismo e puro autoerotismo. ( Apud, Jung,
Leloup, 2001, p. 171)
A proposta da anamnese essencial não pretende idolatrar então essas imagens
internas, nem de reduzi-las a fantasias, nem tampouco reprimi-las. Para ele, assim como para
Jung, trata-se da “emergência de nossa realidade mais profunda”. E também como este
propõe, “um verdadeiro trabalho consistirá em estabelecer um vínculo constante, para não
dizer permanente”. “Daí o exercício de “conservar o olhar não fixado”, “conservar a
inteligência não fixada no que ela sabe”, “conservar o coração não fixado no que ama”,
“conservar o desejo não fixado pelo objeto de nossas necessidades ou demandas”. Esse
caminho propõe a queda do ídolo e a atitude de instaurarmos o ícone, que dá passagem ao
“nosso desejo essencial”, não permite que nosso desejo se fixe e que assim encha “nosso
olhar, a inteligência ou a afetividade”, nos levando aos “recintos fechados ou becos sem
saída”. (lembrei de colocar aqui, uma citação de Henri Corbin) (LELOUP, 2001, p.108).
Podemos estar então nessa atitude de interiorização na qual só existe o Ser que
É. Nessa experiência se busca pela interioridade que se propõe na pratica meditativa onde
contemplamos as imagens sem nos atermos a elas. Elas estando o tempo todo presentes, se
tornam como crianças conversando entre si, mas que nada afeta essa estabilidade do Ser. Pois
“Ele é aquilo que nunca adoece.”.
Sabemos que alguns autores como Leloup e Vera Khon, fizeram o caminho
iniciático de Graf depois de eles mesmos, sofrerem a crise que os teriam deixado, pela
psicologia clássica, no ostracismo. No entanto, eis que se tornaram pessoas de uma
experiência bastante singular e que ofereceram ao mundo um conhecimento muito grande
capaz de inspirar, e transformar muitos. Este sofrimento, estas perturbações, e também, certas
agitações internas se fizeram tão pungentes que se transformaram para eles, num caminho.
Eis uma citação de KHON, (2006, p.78). ( Coloar tb a visão de leloup).
O que se chama hoje em dia esquizofrenia é uma não existência totalmente trágica e
sem resposta. Ao esquizofrênico, nada lhe pertence; nem a beleza de uma noite de
lua, nem de um quadro, nem da igreja, nem do amor. Tudo está ali, porém lhe é
distante. Esquizofrenia é a total pobreza rodeada de todas as riquezas possíveis. (...)
É Prometeu, preso à rocha, e cujo fígado é devorado cada dia pela águia e renovado
de noite para ser devorado no dia seguinte. Antigamente, o fígado era o centro do
homem. A ave lhe arranca seu ser, sua possibilidade de atuar, porque o faz perder o
contato com seu centro vital, com sua alma. E de muitas maneiras: gerando-a,
vivendo-a, ignorando-a.

A esquizofrenia tem me acompanhado durante toda a vida e a de muitas pessoas e de


muitas maneiras: gerando-a, vivendo-a. ignorando-a, desconhecendo-a, gozando-a
até o insuportável, lutando para supera-la e curando-a nos outros (2006, p.85).
1
As pessoas que sofrem desta “enfermidade” tendem a experimentar diretamente a
realidade transcendente: o eu, ao perder suas defesas e consistência, não se mantém
quieto e rígido, senão deambula por territórios desconhecidos. É aqui donde se abre
a possibilidade de tocar – ainda que por um momento – o núcleo sagrado, de viver
uma experiência única e impensada para qualquer outra pessoa. (2006, p.85)

O que se chama esquizofrenia e que se tem catalogado entre as patologias, como se


fosse um dente podre ou uma úlcera gástrica, não é uma enfermidade senão um
caminho difícil, terrivelmente difícil, que produz todas as dores físicas e espirituais
inimagináveis, com prantos, gritos, regressões, evasão, júbilo e noite escura da alma.
È um caminho terrível, porém grandioso que somente pode se caminhar à pé,
sempre pata frente e só :este caminho é incomparavelmente único.

O esquizofrênico em seu estado agudo pode ser um iniciado.

A força que chamamos vida, Cristo, ou libido, é tão intensa que rompe a razão,
rompe as regras sociais, se faz lava, força, ou simplesmente espírito – Ruach – e se
expressa. Esta força cósmica e viva dos místicos, o Espírito Santo, é o que enche o
vazio. É o totalmente outro que surge que libera que enche que compõe; une e
produz uma plenitude que está mais além de sentir-se feliz. (2006, p 89).

Quis-se aqui colocar o depoimento de Vera Khon, fundadora do centro de


Desarollo Humano em Quito, Equador, e seguidora de Graf Dürckheim. Sua passagem pela
floreta negra, durante uma crise, muito bem retratada em seu livro: “Terapia Iniciática, para o
núcleo sagrado”, nos remete a esta questão da vivência numinosa, como o arrebatamento do
eu ao “Ser que nos faz ser”. Numa definição de Leloup, do Ser: “Ele é Aquele que nos
sustenta, e nos escapa”. Eu diria: Ele nos arrebata, e se põe em marcha diante de nós e avisa:
“Não me detenhas”. Cegos por sua Luz, permanecemos sem saber com caminhamos no
deserto de nós mesmos em busca de sua companhia. No entanto, Ele sege sempre adiante.

Quem recorre ao caminho iniciático, o único que faz superar a esquizofrenia, tem
que equivocar-se, duvidar, buscar no escuro de seu desconhecimento. Este caminho
é como um radar de tanto em tanto em tanto se desvanece, se esconde, joga e burla,
porém segue cantando. O núcleo sagrado é, pode comum a todos os seres. Nunca se
destruir, senão tão somente esconder à consciência. É o absoluto que se manifesta no
que Dürchkeim chama a experiência religiosa fora do dogma. (Khon, 2006, p. 91).
As palavras do esquizofrênico são pinceladas que pintam a condição de sua alma. A
linguagem sai da lógica intelectual ou mental ou atemporal e a “alógica rompe a
lógica racional. Condensa conteúdos, não como na linguagem poética desde um
sentido estético ou afetivo, senão mediante associações espontâneas A mente se
desboca. E salta gratuitamente de uma condição a outra. Se sente como se milhões
de cavalos corressem e corressem. Tudo se personifica As palavras não tem
referentes nem limites. Refletem o curso do movimento da mente donde não há um
eu que atue como centro organizador , o núcleo sagrado, substituindo o pequeno eu
a um plano de menor importância.
O espirito, o sagrado que está em todos, que nunca se enferma, porque esta mais
além da enfermidade ou a saúde, porque não existe a mente dualista. O espiritual é
uma experiência individual que começa donde termina o mental. “È uma experiência
não é uma ideia”. (KHON, 2006, p. 93)

1
De muitas maneiras, o ser humano se vê às voltas com estas “experiências”.
Podemos lembrar que a “vivência da sincronicidade” é um momento em que se pode perder o
sentido de eu e de raiz. Somos cindidos, lembremos, esse núcleo sagrado nos coloca em
marcha, sem que saibamos como lidarmos com o universo profundo da conexão interior.
Parece-nos paradoxal, e é, pois quando estamos conectados, é quando estamos mais inseguros
de como prosseguir, diante da normalidade em voga. Hoje em dia já conhecemos o termo
dessa doença da normalidade: a Normose.
Lembremos que essas experiências são carregadas de imagens arquetípicas e que
o analista junguiano parece estar bem informado a respeito, pois é essa mesma a questão
junguiana. Tais imagens são numinosas, e são vividas, nessa ou naquela experiência humana,
pois lhe é inerente. É nessa direção que podemos tecer esses aspectos em comum ou próximo
no diálogo desses dois grandes médicos da alma. Talvez o fenômeno numinoso, enquanto
experiência do assombro, do terrível ou da Graça estupenda, possa ser a ponte para se
compreender a urgência da alma adoecida em sua espasticidade cientificista. Urgências
psíquicas e espirituais, ou ambas porque já não podemos falar de uma sem falar de outra.
Na teoria Junguiana, contemplamos neste trabalho as questões relativas à psicose e
a neurose, ou seja, a psicopatologia da desconexão com as forças originárias, a Fonte em Graf,
os Arquétipos em Jung. Em ambos os casos e métodos, o paciente psicótico e o não psicótico
se haverá de lutar com as forças devoradoras da Grande Mae, que é o inconsciente coletivo. O
dragão do inconsciente estará ali para que todos nós o encaremos. Isso ficou claro, não se
pode negligenciar o inconsciente sem adoecer. A desconexão que Jung parece pontuar com
ênfase, está diretamente relacionada a Deus, aos Deuses, aos Arquétipos, ao Mistério, a Cristo
ou Buda. Eles permanecem como forças que nos engendram a vida em eterno movimento.
Como manifestações do arquétipo do Si Mesmo. E que o predomínio cultural ocidental do
racionalismo pela consciência objetiva, os colocou como mortos, esquecidos, sem prioridade.
E, no entanto, eles são o fundamento. Sem eles, ficamos sem raízes. Nós é que estamos
mortos.
Permanecemos fazendo concessões ao ego consciente, que luta para manter seu
status quo, sem se dar conta que matou dentro de si aquilo que lhe forneceu esse poder de
alcançar tudo o que alcançou. Uma energia tão poderosa quanto misteriosa. Essa banalização
do Vivo foi reduzida ao shopping, ao cinema, ao restaurante, a um modo de vida banalizado.
Mas retorno ao perigo do ego naufragar, quando possuído pelos arquétipos como
nos diz Jung. Graf nos responde que a todo o momento temos de escolher, entre as exigências

1
do ser existencial e do ser essencial. Essa é uma equação, que se repete em Jung, as
exigências da consciência e da adaptação e as exigências do inconsciente. Nisso há para Jung
uma tensão relevante. Que por vezes se torna extrema e que o sujeito deve ser capaz de
sustentar a tensão em seu interior. Pois algo se produz pela autorregularão psíquica, na
“Coniunctionis” entre o elemento consciente e inconsciente um novo símbolo surge e, um
novo insight, um novo entendimento e compreensão. Essa produção se dá por aquilo que Jung
denominou Função Transcendente vivida no simbólico eixo-Ego-Self.
E aqui também estaremos nos curando no âmbito da conexão profunda com
nosso corpo. O “Corpo que se É”:
Quando se trata do corpo, há que aprender a distinguir o corpo que é daquele que se
tem. (Graf, s\d, p.133). Este último pertence ao médico, e sua saúde deve “estar a
serviço e disposição do homem.” ( Graf, s\d, p134). “A consciência corporal do
homem iniciático é de outra ordem. Está em relação com a transparência” (Graf, s\d,
p. 135). Uma transparência muito marcada depende de fatores diferentes dos que
atuam sobre a saúde física. Na curva da transparência a vida não desce
necessariamente com a velhice. É possível que siga sendo ascendente até a morte.
Inclusive no momento de morrer pode alcançar seu apogeu, nesse instante em que o
homem, abandonando o corpo que se tem, adquire essa transparência ao despojar-se
do eu e liberar-se de todas suas ataduras, abrindo-se assim ao sobrenatural que chega
a ele sem obstáculos” (GRAF, s\d, p. 136).

Podemos fazê-las e torna-las insólitas desesperanças, ou procurar mesmo no vazio


de nossa desconexão o sentido supremo do diálogo com nossa alma ou o nosso Ser, como
caminho e desenvolvimento com e na Vida que somos. Voltamos a falar da fidelidade ao
caminho, eles então parecem ser fortalecidos diante de uma disciplina e uma fidelidade a
certas práticas de aprofundamento do conhecimento ali.
Jung, vejamos, também permanece fiel ao seu objetivo: “o conhecimento da
psique”. Que o exigiu muita disciplina e sofrimento (diz-se mesmo da experiência junguiana).
Suas práticas, e exercícios, seus escritos, suas família e filhos assim com clientes, o
ancoravam na realidade cotidiana.
Podemos dizer que o que os fez estar fiéis no caminho escolhido foi o numinoso de
suas experiências arrebatadoras. Tal deve ser o elo, já que Jung não revela uma disciplina
religiosa a que ele praticasse. Embora na sua psicologia tenha valorizado o mito cristão como
base de nossa psique ocidental. À pergunta: O senhor acredita em Deus. Ele responde
prontamente: Eu não creio. Eu Sei. Isso já nos responde.
Retornando a Graf, a escolha de uma determinada atenção a ser dada a um e a outro
deve ser inteira. Aqui estamos diante da passagem da bíblia em que se conta sobre as irmãs
Marta e Maria. Marta se zanga com a irmã que não a ajuda nas tarefas da casa para receber o

1
Mestre. No entanto, Maria já está aos pés dele, e nele jogou perfume, e óleo. Jesus, então
repreende: Marta! Marta! Marta! Por que te preocupas com Maria, ela escolheu a melhor
parte. E aqui muitos irão interpretar como a melhor parte, a atitude de Maria de reverenciar o
mestre em primeiro lugar. Leloup nos diz que Marta o reverenciou preparando tudo para
todos, o que é irrepreensível. A questão é sua divisão. Que se perde no julgamento, na
comparação, na avaliação, ela permaneceu com um dos olhos em Maria. Enquanto esta
permanecia inteira em sua atitude de devoção e contemplação. Então contemplar, estar com o
Ser, não é melhor que estar no mundo. Mas com qual atitude estamos nele. O sagrado e o
profano em Eliade se unem para a mesma celebração da Grande Vida. Essa é uma providencia
àqueles que mergulham no caminho, das subjetividades. Estar atento ao equilíbrio.
Devemos cuidar para esse equilíbrio do excesso de “psiquização” nas atividades
terapêuticas, onde nossa psique, carregada de imagens dialogantes, fica encapsulada, numa
atividade exploratória, sem produção criativa. Nada deve ser retido. Como na meditação, e
esta é para os dois terapeutas em diálogo aqui, o verdadeiro método. Em um a pratica
meditativa como a conhecemos e em outro, a meditação diante dessas imagens, de maneira
criativa e produtiva. Nesse sentido diríamos que Hillman e Havens radicalizam. “Sua terapia
pressupõe a “arte imaginativa, intimamente ligada a poética – a feitura de palavras, a criação
ficcional. Para curar o sintoma, ele argumenta, é preciso curar a história na qual ela se
imagina” (capa , Hillman 2010) ... James Hillman faz uma pergunta fundamental : “ o que a
alma quer “ e responde: Ela quer histórias que curam”, tal psicologia pressupõe uma base
poética da mente.
Se Jung revelou seu método através de uma imaginação ativa, ele tinha como
meio de retorno, sua própria criação, desenhos de mandalas, brincadeiras infantis no lago, um
empenho de torna-se novamente um ser inocente que como uma criança apenas inventa. E
fica absorvido no brincar , totalmente entregue a vida. A auto-regulação psíquica. Mas
também se deteve nos sonhos, onde não há essa noção de um efeito tão desastroso. O ser
humano sonha seus mitos, e os compreende de acordo com sua memória, seu método,
costuma de ser o circumambular, ao redor de um significado... ou vários... desses sonhos,
utilizando muitas histórias de deuses, símbolos. Onde também se pode contar com a fábula. A
pintura, a calatonia, a caixa de areia. Todos métodos de interação com a imagem e de
integração. A integração é a própria capacidade de ir adiante, ou seja, a telelologia da alma,
que existe para uma finalidade, e não somente por uma causa num tempo. Nesse caminhar se
cria sempre novos significados. Na narrativa, ou no sonho, “ não é a personagem e a história

1
ou a ação que revelam o que está acontecendo, é o enredo da psicodinâmica em ação”( PG
18, Hillman, 2010). Em Freud se revela a tentativa de desenrolar o iuytr
porquê, no entanto,.
“Para Jung isto se revela simplista, a causalidade pois na própria busca dessas
respostas causais o sujeito cria uma trama. Na vida humana, as tramas não se
desdobram lado a lado com a história de alguém. O desenvolvimento da minha vida
e o desenvolvimento da trama dela, são dois desdobramentos distintos. O porque
pode ser respondido somente por Freud em termos de sequências temporais, o que
aconteceu primeiro e o que aconteceu depois.” ( Hillman, pag 22, 2010)

A trama verdadeiramente interage com tudo à volta.

“O porque tem ainda outras respostas além da causalidade material e eficiente: pede
um pra que uma (causa final) O Por que no sentido de que a idéia arquetípíca, mito
ou pessoa ( causa formal) esta trabalhando na história. Jung diz que devemos olhar
para a intencionalidade dos personagens dos próprios personagens e para onde
estão se encaminhando, pois são a maior influência na forma das histórias. Cada um
carrega consigo sua própria trama, escrevendo sua história tanto restropectivamente
quanto em direção a um futuro, a medida que se individualiza. Jung dá muito mais
peso ao caráter individual do que a narrativa ou sua trama”. ( Hilman , pag 22, 2010)

Nessa atividade quando saímos de nossa verdadeira interioridade para dar lugar a um
diálogo com o exterior, ainda que conceitualmente, digamos, pertence ao subjetivo, a essas
imagens internas e, portanto ao nosso interior, nesse caso estamos ainda exteriorizados
momentaneamente. Porque estamos projetando na imagem em si. Nesse algo arquetípico que
se manifesta em dialogo. Tudo sendo portanto, um só. É preciso então retornar daí
verdadeiramente, recolher as projeções, e cultivar essas praticas curativas de estar no exterior
numa atitude de cuidado, e sabedoria, onde o ritmo e a forma se revelam facilitadoras para a
coerência do fazer cotidiano. Onde o próprio fazer é explorado, como revelação do interior. A
coerência cardíaca nos revela quando estamos equilibrados, assim como nosso relaxamento,
relativo, ou nossa simples respiração. O corpo possui essa sabedoria juntamente com o
psíquico, ambos se autorregulam.
Na vivencia chamada psicose, pode ocorrer a atomização na exteriorização das
imagens quer externas ou ditas internas. Já não há um ser no interior do sujeito. A este se
pergunta: Tem alguém aí dentro. Volte. Volte. Volte. Volte para si. Não se disperse em
imagens, teorias, conceito. Retorna para casa diria o Mestre Budista Songyal Rimponche,
nosso lar, a mente, que só pode igualmente ser vivida na atitude interiorizada que para nós
significa uma mente e um estado de paz. Como é citado na oração de acolhimento dos
terapeutas do colégio internacional. “Não tenhas pressa, onde tens de ir é somente a Ti
mesmo”. Não há nada para se buscar longe.
1
A propósito disto, Avens diz que nossa base religiosa pressupõe a ascensão , primeiro
imaginação, psique, e depois espírito. Segundo ele isso estaria contra a realidade da alma
imaginal, e que a realidade de um bodhisatwa é que samsara e nirvana são iguais. Isso nos
deixa pensativos sobre:
“Não há nenhuma espiritualização sem imaginação , porque no fim, e a imaginação
que imagina o espirito . mesmo quando o ultimo , o espirito finge ser independente
da imaginação. Pos a independência ou separação espiritual , como tudo o mais
criado no homem é o produto da fantasia da alma. Além disto , também teremos de
sustentar, tão firmemente quanto possível que nossas fantasias e imaginação não
são de maneira alguma menos ontológicas do que a fonte de onde surgem.” (Avens
, pg 16, 1993)
A alma é esse próprio numinoso que nos dota de tudo o mais a ser gerado..
Viva a imaginação.
Espero com esse diálogo ter podido iniciar um possível esclarecimento dos temas
comentados.

5. BIBLIOGRAFIA:

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1
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__________ Misterium Coniunctionis, Vol. 14\3, O.C. 10ª Ed., Editora Vozes, Petrópolis, RJ,
2013

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