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Arquivo

Décio Pignatari: um
Lance de
DADOS

Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 1


Exposição
Arquivo
Décio Pignatari: um
Lance de
DADOS

foto: Klaus Werner, 1952

de 20 de agosto a 25 de outubro de 2015


Sala Tarsila do Amaral - CCSP

curadoria
Maria Adelaide Pontes e Marcio Harum

2 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 3
Arquivo
Décio Pignatari: um
Lance de
DADOS

Catálogo de exposição realizada no Centro Cultural


São Paulo, Sala Tarsila do Amaral, de 20 de agosto a
25 de outubro de 2015.

Curadoria| Maria Adelaide Pontes e Marcio Harum


Organização| Maria Adelaide Pontes
Edição| Ronaldo Bressane
Revisão| Paulo Vinicio Brito
Projeto Gráfico| Solange de Azevedo

ASSOCIAÇÃO
CENTRO CULTURAL

4 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 5
7 APRESENTAÇÃO

Por Maria Adelaide Pontes

9 SEGMENTOS DA EXPOSIÇÃO ARQUIVO DÉCIO

PIGNATARI: UM LANCE DE DADOS

Imagens e legendas de obras e documentos expostos

nos segmentos Mallarmé, Pound, Oswald, Décio

22 SIGNATARI: DO VERBAL AO NÃO VERBAL

Mesa de debates com Augusto de Campos, Dante

Pignatari, Tadeu Jungle e Walter Silveira

44 DÉCIO PIGNATARI, FRANZ MON, AS PUBLICAÇÕES

ROT E FUTURA E ALGUMAS LIGAÇÕES DA POESIA

CONCRETA ENTRE O BRASIL E A ALEMANHA

Por Tobi Maier

50 BOLINHO DE BEBÊ

Por Maurício Marcin

Tradução de Ronaldo Bressane

6 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 7
Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados
por Maria Adelaide Pontes

A exposição Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados - realizada de 20


de agosto a 25 de outubro de 2015, com curadoria de Maria Adelaide Pontes
e Marcio Harum - apresenta uma seleção de obras e documentos que
integram o espólio de Décio Pignatari como poemas, revistas, livros, jornais,
publicações diversas, fotografias, desenhos, cartas, estudos, processos de
criação. O arco da mostra compreende ainda, suas principais influências,
Stéphane Mallarmé, Ezra Pound e Oswald de Andrade – um recorte de sua
extensa biblioteca –, além de publicações de demais artistas e poetas de seu
convívio intelectual no contexto de sua produção poética e teórica - tais como
Augusto e Haroldo de Campos, entre outros de sua rede de relações nacionais
e internacionais, presentes nesta seleção.

A mostra é uma homenagem do Centro Cultural São Paulo ao poeta-


inventor e teórico da informação e comunicação, Décio Pignatari, que foi
o primeiro diretor do Centro de Documentação do IDART - organismo da
Secretaria Municipal de Cultura gênese do acervo do Arquivo Multimeios do
CCSP. A mostra resulta de um extenso trabalho de pesquisa, catalogação e
digitalização de seu arquivo pessoal com a colaboração do CCSP. A seleção
aqui exposta, cedida exclusivamente para esta exposição, faz parte do acervo
da família Pignatari.

O conceito de constelação orienta o arranjo topológico da exposição, que


se compõe de agrupamentos, formando uma plêiade com suas principais
referências literárias, Mallarmé, Pound e Oswald de Andrade, ao lado de
Pignatari. As diferentes frentes do poeta, ensaísta, semioticista, tradutor e
professor Décio Pignatari constitui o principal núcleo da mostra, sublinhando
o programa da poesia concreta e demais signatários. O conjunto distribui-se
em painéis e mobiliário expositivo que mimetiza um livro aberto, onde o texto
é uma escritura visual biográfica transitando entre meios, forma e conteúdo
na diagramação dessas páginas compostas de matéria. Além da exibição de
publicações, datiloscritos, impressos, fotografias, entre outros, distribuídos
em 20 módulos, o público pode acessar demais informações de seu arquivo
pessoal por meio de um catálogo eletrônico - um banco de dados do espólio
de Décio Pignatari. Portanto, a leitura de lance de dados na exposição é
na chave da informação, ao exibir um conjunto de dados emitidos pelo
pensamento de Décio Pignatari, matéria-prima da exposição.

Maria Adelaide Pontes


é curadora de artes visuais do Centro Cultural São Paulo

8 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 9
Segmentos
da Exposição

A exposição divide-se em dois eixos. que articulam as várias frentes do poeta e


O primeiro apresenta suas principais teórico da informação e da comunicação,
referências literárias como Stéphane sublinhando o movimento da Poesia
Mallarmé, Ezra Pound e Oswald de Andrade. Concreta fundado por Pignatari, Augusto e
Sinalizados pelas esculturas em bronze Haroldo de Campos, bem como o alcance
encomendadas por Pignatari. nacional e internacional expresso nas
mais diversas publicações expostas e que
O segundo eixo contextualiza a obra de integram o arquivo de Décio Pignatari.
Décio Pignatari e compõe-se de módulos

10 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 11
Stéphane Mallarmé

Sempre me foi vedada a visita aos seus quinze anos mais tarde, estava desativada
lugares mais íntimos (apartamento pela grama sobre os trilhos e por um
parisiense, quartinho à beira do Sena, vento detestavelmente abandonado, vindo
apartamento de Tourton, ao lado de uma daquelas cavernas onde se teima em
torre, salas de aula do seu colégio), mas me buscar, o que se sabe, já não há. O túmulo
fartei de visitar e fotografar o seu túmulo original, com grades e arabescos de ferro
e vi a casa do aposento de dez metros forjado, prata e ferrugem, dera meio lugar
quadrados, em obras, transformando-se a um novo, tanque de terra granito, com
em museu para as festas do centenário pedra negra no leito de pedrisco e negra
de morte, que imaginei soberbamente urna sobre a coluna – tudo renovadamente
internacionais, mas foram menos. Na pobre – e colhi uma vírgula de ferro caída
Malarmé Un coup de dés jamais n’abolira l Mallarmé Documents Iconographiques
primeira visita ao refúgio de Valvins, em do primeiro e a exibo sempre, lasca de cruz Augusto de Campos, Decio e hasard, Pierre Cailler Éditeur, 1947
cuja memória um dia montei um sítio eciana, a mim mesmo, sobre o fundo branco Pignatari e Haroldo de Campos. Stéphane Mallarmé
Ed. Perspectiva, 1974.Contém Éditions Gallimard, 1952
Valdevinos, o trem me deixou em Vulaines- de qualquer parede de minhas moradias, separata: "Un coup de dés Jamais
sur-Seine que, na segunda visita, uns suspensa por um prego. N'abolira Le Hasard", Stéphane
Mallarmé".
Decio Pignatari, Errâncias, 2000

Página do livro“Stéphane Mallarmé:


Poésies et um Poème” com anotações de
Pignatari.
Foto: João Silva

Ornamento do túmulo
de Mallarmé
Fragmento de
ferro recolhido por
Stephane Mallarmé Túmulo de Mallarmé Pignatari, Cemitério
Jorge Tadeu Gulla, sem data Cemitério de Samoreau, França de Samoreau, França
Escultura em bronze e base de mármore fotos: Décio Pignatari, 1969 e 1992
Encomenda de Decio Pignatari a Jorge Tadeu Gulla Mallarmé Documents Iconographiques
Pierre Cailler Éditeur, 1947

12 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 13
Ezra Pound
Wesley Duke Lee partia para a Europa:
“Quer alguma coisa?”, “Se for para aqueles
lados, traga-me fotos de Pound. O homem
já está livre, em Merano”. E ele trouxe, deu-
me de presente cinco ou seis negativos, era
1958, acho.

Decio Pignatari, Errâncias, 2000

Confucius: The Great Digest & The Cantos of Ezra Pound ABC da literatura. ABC of reading Cantares
Unwobbling Pivot [a draft of XXX Cantos]. EZRA POUND. Ed.Cultrix, 1970. Ezra Pound Ezra Pound
Ezra Pound Ezra Pound Organização e Tradução: Augusto de Norfolk: New Directions, s.d Tradução: Augusto de CAMPOS; Dé-
Published by Peter Owen, London London: Faber and Faber, s. d. Campos e José Paulo Paes cio PIGNATARI; Haroldo de CAMPOS
1st Edition Ministério da Educação e Cultura;
Serviço de Documentação, 1960.

Foto: João Silva


Europignatari
Datiloscrito de Augusto de Campos para
Ezra Pound
Décio Pignatari, 1954
Jorge Tadeu Gulla, sem data
Escultura em bronze e base de mármore
Ezra Pound, 1958 (aprox.)
Encomenda de Decio Pignatari a Jorge Tadeu Gulla
Foto: Wesley Duke Lee
Foto: João Silva

14 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 15
Oswald de Andrade
Conheci-o antes de conhece-lo, em 1946, brasil, 1925, e no Aluno de Poesia, 1927;
Campos do Jordão, no filho (com Pagu), antropofagia,1928, engolindo o surrealismo;
adolescente Rudá, eu mal abrindo os olhos anarcomunisco no Ponte Grande, entre o
suburbanos de pós-guerra para Tarsila crack da bolsa de Nova York, a ascensão
Alguma, mas para todas as Europas. Rápido de Getúlio e a quase-revolução paulista
correu meu tempo sobre mim e eu sobre de 1932 (de cujo fracasso nasceria a
ele, tal como Oswald, com alguns anos de internacional Universidade de São Paulo,
vantagem, sem vantagem. Enquanto Mário caso único na América Latina), ainda
de Andrade, contra Mallarmé e o cubismo, sobrando peças teatrais inovadoras para os
não conseguia evitar de falar “eu”, o tempo anos 1930 e dois poemas notáveis para os
todo, Oswald de Andrade falou cubismo 1940, já ribanceira abaixo.
em João Miramar, 1923; Dadá em Pau-

Foto: João Silva


Decio Pignatari, Errâncias, 2000

Oswald de Andrade
Jorge Tadeu Gulla, sem data
Escultura em bronze e base de mármore
Encomenda de Decio Pignatari a Jorge Tadeu Gulla
Foto: João Silva

Oswald de Andrade, 1950


Foto: autoria não identificada

Crise da Filosofia Messiânica Poesias Reunidas de O. Andrade Folder do Teatro de Cartilha


Oswald de Andrade. Prefácio de Paulo Prado, Ilustrações (Osasco) – do qual participava
Tese para concurso da Cadeira de de Tarsila, Lasar Segall e do Autor Pignatari – anunciando o espetáculo
Filosofia da Faculdade de Filoso- Edições Gaveta, 1945. ‘O Rei da Vela’, 1954. Porém, a peça
fia, Ciências e Letras da Universi- Exemplar autografado não chegou a ser montada pela
dade de São Paulo, 1950. companhia em razão da viagem de
Oswald psicografado por Signatari, 1981 Décio Para Europa.
Decio Pignatari
Revista Código, n. 6, Editor Erthos Albino de Souza

16 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 17
Décio Pignatari Decio Pignatari
Foto: Augusto de Campos,
1952

Quando Décio completou 60 anos, em 1987, e generalizada para a glória do anonimato.


os jornais e noticiários culturais silenciaram, Surgiu da frase “No meio da geleia geral
escrevi, quase como um protesto pessoal, brasileira alguém tem de fazer o papel de
o poema-homenagem que o Folhetim osso e de medula”, com a qual DP redarguiu,
(de saudosa memória) veio a publicar: bate-pronto, à maldição de Cassiano Ricardo:
“Profilograma DP”. Chamei-o depois de “Vocês são muito radicais. O arco não pode
“transmidiúnico” para definir o seu processo ficar tenso todo o tempo. Vocês vão ter de
composicional. Mais do que um caligrama, afrouxar.” Depois do troco, o velho Cassiano
é um portrait do Décio, entre mídias, com pôs o chapéu e se despediu com um “Adeus”.
algo de mediúnico, porque o perfil do Décio
foi nascendo intuitiva e imprevistamente Nunca mais o vimos. Torquato leu o exemplar Decio Pignatari
no Segundo
enquanto eu ia colocando as linhas na velha da Invenção, que lhe dei, onde a expressão Congresso
máquina de escrever, um dos meus últimos aparecia, e ficou siderado. O meu poema se Brasileiro de
Crítica e História
datiloscritos. No meio do caminho, descobri fecha com uma montagem de livros e linhas Literária, Assis/
o que estava fazendo e assumi o jogo. do próprio Décio, altero-autorretrato. E um SP, 24 a 30 de
julho de 1961,
“mano” mallarmeano. Nada que eu pudesse onde apresenta a
O poema começa com uma referência à dizer sobre ele diz mais do que ali está. tese “A situação
da poesia atual no
“geleia geral”, expressão criada por Décio, Brasil”
adotada por Torquato Neto e Gilberto Gil e Augusto de Campos, Suplemento Literário
de Minas Gerais, 2007
Profilograma: dp
Poema de Augusto de Campos,
datiloscrito assinado, 1987
Dimensão: 32x23cm
Décio Pignatari
Jorge Tadeu Gulla, sem data
Escultura em bronze e Ritmo e compasso, crítica de
base de granito Sergio Buarque de Holanda,
Encomenda de Decio Pignatari comentando o estilo literário
a Jorge Tadeu Gulla na obra "O carrossel", de Décio
Pignatari, situando a importância
do ritmo na poesia.
Diário de Notícias. Rio de Janeiro,
10 jun. 1951. p.3-4

O Carrossel, primeiro livro de Décio


Pignatari, clube de Poesia de São
Paulo, 1950

18 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 19
Noigandres
Grupo Noigandres
Decio Pignatari,
Haroldo de
Campos e
Augusto de
Campos
Foto: Klaus
Werner, 1952

Aí estão os protagonistas conscientes, haveríamos de encarar), bancamos nosso


facilmente identificáveis pelos interessados, primeiro samizdat, pisamos no atoleiro
de um crime poético longamente planejado, da distribuição de livros (no ano seguinte,
Osasco,1952. Já vinham de quatro anos conheci na Argentina o sistema civilizado de
confabulações catacúmbicas, essênios cooperativa distribuidora de obras publicadas
raivosos. Quatro anos depois, revolução e fora do sistema regular de editoras). Até
Decio Pignatari Partitura de Um movimento terror: poesia concreta. para a capa procedemos de modo inusitado,
[Proibido de entrar na ECA/USP], 1968 Poema - Decio Pignatari oferecendo um pequeno e honesto dinheiro
Foto: Marco Antonio Amaral Rezende Musica - Willy Correa de Oliveira A primeira experiência com clichês, cores,
Dimensão: 35x99cm para projetos: pagamos os apresentados por
tipos e profissionais de mãos graxentas
artistas iniciantes, mesmo sem aprová-los
(tiragem de 300 exemplares) foi reveladora
(no fim, acabou sendo aprovada uma ideia
para o nosso design poético. Sentíamo-
minha, verbo-grafoexpressionista).
nos nascendo, decisões conjuntas vinham
Daí, fomos ao estúdio de Klaus Werner,
sendo tomadas há anos, poemas eram
alemão recém-imigrado, meu futuro
submetidos ao crivo, visões comuns se
cunhado. Antes do fim do ano, cumpriu-se o
Teoria da Guerrilha Artística, aglutinavam, rompimento com o Clube de
ensaio de Decio Pignatari rito: estávamos passando do poema à poesia.
Poesia de São Paulo (sombras anta-antigas
Correio da Manhã, 04 jun. 1967
Dimensão: 54x38cm de nacionalismos sinuosos, que ainda Pignatari, Errâncias, 2000

McLUHAN, Marshall. Os
Corluz, Decio Pignatari e Hermelindo
meios de comunicação: como
Fiaminghi, 1996
extensões do homem. São Paulo:
Serigrafia 26\40, com poema de Issa. Cultrix, s.d. 407 p.
Tradução: Décio PIGNATARI

Noigandres n.1 - 1952 Noigandres n. 4 - 1958 Livro Teoria da Poesia Concreta Canto XX, Erza Pound
Capa de Decio Pignatar Capa de Hermelindo Fiaminghi (primeira edição) Tradução de Augusto de
Dimensão: 33x24cm cada e 12 lâminas com poemas de Dimensão: 23x16cm Campos, Decio Pignatari e
N.2 - 1955 Decio Pignatari, Haroldo de Augusto de Campos, Décio Haroldo de Campos.
Campos, Augusto de Campos, Pignatari e Haroldo de Jornal do Brasil- Suplemento
Ronaldo Azeredo e Plano-piloto CAmpos, Edições Invenção, Literário, 28/04/1957
da Poesia Concreta. 1965
Dimensão: 40x29cm cada

20 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 21
IDART marginalizadas”, segundo o autor do projeto.
Em 1982, o IDART é incorporado ao recém-
juntamente com o Arquivo Multimeios
tem sua continuidade no CCSP. Até hoje o
inaugurado Centro Cultural São Paulo e projeto de Decio Pignatari norteia o conjunto
o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira, documental que constitui o acervo do Arquivo
O Centro de Pesquisas sobre Arte Brasileira comunicação, Decio Pignatari. A proposta Multimeios.
Contemporânea foi um instrumento inovadora e multidisciplinar do Centro, com
contemporâneo na época que, em sua gênese, recorte no contemporâneo, abrangia o estudo
aponta para o futuro ainda hoje. Desde 1963, das várias disciplinas artísticas, arquitetura
Décio estuda a questão da linguagem através e urbanismo, artes cênicas, artes gráficas,
da semiótica e das teorias da informação e artes plásticas, cinema, comunicação de
comunicação. Esse trabalho está em plena massa, literatura e música, e Pignatari
sincronia com sua obra. programou para todas as áreas uma temática
geral: ARTE EM SÃO PAULO, DENTRO E FORA
É de 1973, seu poema Noosfera, que para além
DO SISTEMA, “no sentido de registro e análise
de sua concretude poética, aponta também,
não só de manifestações institucionalizadas,
para a hoje chamada telesfera (documentos
como também de manifestações culturais
disponíveis na Web). Hoje, a prática eletrônica Decio Pignatari e Olavo Egydio Setubal, Prefeito de São Paulo, na
inauguração do Centro de Pesquisa de Arte Brasileira, 1976.
do pensamento já se realizou no cotidiano -
a ferramenta digital, já está incorporada ao
nosso sistema de percepção, fazendo parte
integrante da nossa forma de assimilar,
investigar, interpretar e recriar o mundo.
Para Décio Pignatari, a Hemeroteca e Arquivo
Multimeios significou célula básica para o
Núcleo de Recuperação da Informação - o
Banco de Dados, visando a implantação de
sistemas de recuperação digital, com um
modelo de documentação contínua.
Sonia Fontanezi, 2007
Sábato Magaldi, Secretário Municipal de Cultura
Em 1975, a Secretaria Municipal de Cultura Decio Pignatari e Maria Eugenia Franco, na sede do IDART,1976
No Centro de Documentação do IDART,
é criada – desmembrando-se da Secretaria Solar da Marquesa,1976
Municipal de Educação e Cultura – pelo Foto: Fernando Lemos
prefeito Olavo Egydio Setúbal. Seu primeiro
Secretário é o crítico teatral Sábato Magaldi.
No mesmo ano é criado o Departamento de
Documentação e Informação Artísticas -
IDART, pela Lei 8252, projeto idealizado por
Maria Eugênia Franco (primeira diretora),
que reunia a Seção de Arte da Biblioteca
Municipal Mário de Andrade, a Discoteca
Municipal, o Departamento de Patrimônio
Histórico, além da criação de um centro de Sabato Magaldi, Maria Eugênia Franco
e Maria Theresa Vargas
documentação, o Centro de Pesquisas sobre
Arte Brasileira Contemporânea do IDART.
Para dirigir o Cendro de Documentação,
não por acaso, Maria Eugênia convida um
dos principais teóricos da informação e Ensaio fotográfico Fernando Lemos

22 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 23
Signatari: Um trabalho absolutamente excepcional dos
profissionais envolvidos, a Adelaide, o Marcio
do verbal ao não verbal Harum, que são os curadores da exposição,
e muito especialmente o Gerson Tung, que
é o profissional que fez a digitalização. Ele
desenvolveu um software de banco de dados
Dante Pignatari – A razão de ser desta e executou este trabalho de digitalização, que
exposição, que exibe parte do acervo do Décio, é espetacular. Tem documentos que estão
são os 40 anos do IDART [Departamento de expostos lá que, na verdade, são cópias digitais
Informação e Documentação Artísticas], um e é impressionante a qualidade do trabalho.
centro de documentação sobre arte brasileira Você jura que está vendo o original. Eu aqui
criado pela prefeitura nos anos 1970 e do qual gostaria muito de agradecer publicamente
o Décio foi o primeiro diretor. Foi ele quem esse trabalho genial que foi feito. E, dito isso,
traçou as linhas de pesquisa desse centro enfim, o pretexto foi esse; 40 anos do IDART.
de documentação e o acervo do IDART está Deixo a palavra com o Augusto, Walter e o
aqui no Centro Cultural São Paulo. Quando Tadeu, que têm muito mais a falar e sabem
eu vim trabalhar na Curadoria de Música do muito mais do que eu, principalmente sobre a
CCSP, há cerca de quatro anos, o pessoal obra do Décio, sobre o trabalho do Décio. Mesa de debates com Tadeu Jungle , Augusto de Campos, Walter Silveira
da Curadoria de Artes Visuais, e muito e Dante Pignatari na sala Lima . Dia 27 de agosto de 2015, Sala Lima Barreto, Centro Cultural São Paulo
especialmente a Adelaide Pontes, procurou- Augusto de Campos – Bom, boa noite a
me interessada justamente no acervo do todos. Eu queria dizer que estou muito feliz
Décio. A exposição, mais do que sobre a obra de ter tido a surpresa dessa exposição tão geração. Os jovens que estavam surgindo
do Décio, é uma exposição sobre esse trabalho extraordinária, tão minuciosa, não só pelo que àquela época – e não éramos só nós, havia
de documentação. Um trabalho espetacular! ela apresenta, mas por aquilo que ela faz supor outros também, como o Cyro Pimentel,
Foram cerca de cinco mil documentos da existência do acervo completo do Décio. o Joaquim Pinto Nazário, outros poetas
digitalizados. Todos os exemplares da Eu realmente não imaginava que ele tivesse mais ou menos da mesma idade, que já se
biblioteca, pelo menos duas ou três fotos de preservado a tal ponto todo esse material ao diferenciavam um pouco da Geração de 45 –
cada livro, manuscritos, publicações. Enfim, é qual o Dante aludiu. Da nossa parte, Haroldo não tinham ainda uma marca especial que os
um universo muito grande. tem uma grande documentação na Casa das identificasse. Então, os jornais começaram
Rosas, já que a biblioteca dele foi doada a a chamar essa geração de “os novíssimos”.
O Décio, de fato, apesar de sempre ter sido essa instituição, muito material de arquivo Houve até um pequeno manifesto de um grupo
muito desprendido com absolutamente também, e fica a minha, que alguma vez em ao qual pertencia o Cyro Pimentel, que citava
tudo, foi muito organizado e conservou as algum momento, vai poder completar essa um texto do José Régio: “Não sei por onde
publicações, as cartas, eu acho que isso história realmente pouco comum, de três vou, não sei para onde vou, sei que não vou
inclusive é comum, com o Augusto e com o artistas, no caso, três poetas, terem iniciado por aí”. Isso já dava certo signo dessa coisa
Haroldo. O Décio nunca entrou no universo uma colaboração há pouco mais de meio nova que estava aflorando. Aconteceu que eu
do computador. Então, tudo o que existe século, e a circunstância especial de nós tinha um colega e cursava o terceiro clássico
ou é escrito é, literalmente, manuscrito ou termos mantido um diálogo muito grande, – chamava-se clássico essa fase do colegial,
datilografado. A correspondência, pelo menos muito intenso, durante todo esse período. que corresponde hoje ao Ensino Médio. Eu
boa parte dela, ou pelo menos a parte mais Mas eu acho que seria interessante a gente estava no terceiro ano, eu tinha 17 anos, e um
importante, o Décio datilografava com cópia falar um pouco sobre a nossa experiência de colega meu, chamado Ataliba Nogueira – filho
carbono. Então muitas vezes você tem as vida, de companheiros de viagem artística. de um jurista conhecido na época –, gostava
duas: a carta que ele mandou, a resposta Então eu vou começar falando sobre como muito de poesia, achava que era poeta e
e a cópia. Enfim, é uma documentação nós nos encontramos. também teve a ideia de fazer uma revista. Essa
riquíssima e eu mesmo não fazia muita ideia, revista ele queria que se chamasse Revista
não é o meu mundo. À medida que o trabalho Fui, na verdade, o primeiro dos Campos a de Novíssimos ou Novíssimos e conversou
foi acontecendo (ele vem sendo feito desde ter um contato com o Décio. Isso se passou comigo.
o início de 2014) é que se revelou todo esse em 1948. Naquela época, dominava a cena
universo do Décio, e eu fico muito feliz com o literária em São Paulo a chamada Geração de Eu gostei da ideia e começamos a procurar
trabalho que foi feito. 45, uns dez anos mais velha do que a nossa alguns possíveis participantes da publicação.

24 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 25
Ocorreu que, houve uma mesa-redonda ou com o Haroldo, não é? Combinamos um faculdade, mas pelo menos vou ter uma boa da poesia concreta brasileira, o Noigandres –,
uma conferência, não me lembro bem, no encontro e aí começou... começamos a conversa com os meus amigos né? Vão estar eles estavam interessados num tipo de poesia
Instituto dos Arquitetos, no centro da cidade, conspirar juntos, começamos a tratar de lá”. É isso, para iniciarmos. que pudesse ser replicado. Ou seja, matriz de
à qual compareceu o poeta Murilo Mendes, poesia e a fazer os nossos projetos. E fizemos linguagem. Tanto é que quando se começou
da geração do Drummond, muito conhecido, a revista Os Novíssimos. Walter Silveira – Eu entrei um pouquinho a fazer a poesia concreta, embora houvesse
e nós fomos, eu e o Ataliba assistir a essa depois na história, lá pelos anos 1970. Mas eu algumas experimentações em outros países,
apresentação. Acontece que nessa onda de Essa revista, por curiosidade, além dos gostaria de começar agradecendo o convite isso se replicou e se tornou um fenômeno
jovens que estavam aparecendo, houve uma poemas do Décio, e do Haroldo, além de para participar dessa mesa, estar ao lado mundial. Talvez o primeiro movimento que saiu
pequena exposição de poetas, acho que na mim, tinha dois outros colaboradores: Boris do Augusto para falar de um poeta que é um do terceiro mundo, como se dizia na sociologia
Biblioteca Mário de Andrade, que era dirigida Fausto, hoje historiador tão conhecido, e dos mais importantes criadores da literatura daquela época, dividindo o mundo em vários
pelo Sérgio Milliet. Ele colaborava n’O Fernando Henrique Cardoso, que renunciou. brasileira, quiçá mundial. O Décio contribuiu mundos. E foi o primeiro movimento que
Estado de S.Paulo e publicou alguns desses Gosta muito de renúncia. Renunciou, eu de forma muito substancial para que se desse lançou esse protótipo, da máquina, de como
poemas que estavam expostos. Entre eles acho, à poesia e instituiu outra carreira um salto qualitativo naquilo que se pensa como fazer poesia em qualquer tipo de língua.
estava um poema do Décio, O Lobisomem, (risos). Mas nós continuamos, e esse foi o sobre o fazer poético e eu diria até de mexer Ali você consegue produzir poemas a partir
e este poema me interessou muito. Achei início. A partir dessa publicação e de outras com as palavras. Com o Décio você tem uma desse pensamento e dessa ideia do que seja
que era uma coisa diferenciada do que se nós começamos a produzir alguma coisa nos poesia que é verbal, uma poesia quase verbal fazer poema.
conhecia pela poética da Geração de 45, que jornais. Mas, no mesmo ano, 1948, em que o e uma poesia não-verbal. Ele transitou de uma
era uma poética muito limitada, assim, por Décio publicou o poema O Lobisomem, saiu forma brilhante nesses interstícios do código Para trazer o Décio para cá, eu queria dizer
uma ideia de certa nobreza da poesia. É o publicado em outro jornal o meu primeiro e deu contribuições também muito grandes que em 2007 eu, o Cid, a Lenora de Barros e
que chamavam os críticos de sermo nobilis, poema, Fuga. Que foi levado ao jornal... Havia na prosa. O Décio foi um ser experimental de o João Bandeira fizemos uma exposição em
expressão nobre. Um dos integrantes da muitos jornais com páginas literárias na fato. No campo da linguagem ele denominava comemoração aos 50 anos de poesia concreta
Geração de 45, num artigo, criticou o uso da época... Foi levado pelo Mário Silva Brito, que o que era fazer. O que seria o poeta senão um e eu tive a oportunidade de desenvolver
palavra “fruta”. Deveria ser fruto, (risos) Ele foi quem nos introduziu Oswald de Andrade, designer da linguagem? E deixou belíssimos algumas animações de poemas dos cinco
se opunha ao uso... Cachorro deveria ser cão, que nos levou, pouco depois, a conhecer, em exemplares dessas peças verbais. poetas, mas ditos pelo Décio. O poema que eu
naturalmente. Não se podia usar a palavra 1949, Oswald de Andrade. Foi nesse início vou apresentar aqui, é o Beba Coca-Cola.
cachorro, não é? Justamente esse poema em que nós nos aproximamos. Depois disso Voltando a esse assunto do designer da
do Décio era um poema que afrontava. Não começou um longo convívio com o Décio. linguagem – e dentro do próprio conceito Esse poema é quase o protótipo de toda a
era ainda um poema de vanguarda, mas era Ele vinha de Osasco, morava lá, naquela desenvolvido por ele e pelo Haroldo e pelo poesia concreta porque ele passa pela questão
um poema que afrontava esse clima mais altura ainda era subúrbio, vinha de trem ou Augusto, e depois com o Ronaldo Azeredo e defendida no Plano Piloto da Poesia Concreta,
respeitoso, reservado para poesia. de ônibus e nos fins de semana ele vinha com o José Lino Grünewald, que se tornaram está aí colocado dentro desse poema, que
para minha casa, dormia lá e falávamos o um grupo experimental de poesia fundador nada mais é que o próprio slogan da Coca-
Esse poema, O Lobisomem, começava tempo todo de poesia e de nossos projetos.
assim: “O amor é para mim um iroquês, que Começamos a projetar coisas juntos,
vem sempre montado a cavalo numa égua inclusive Noigandres. Isso só para dar uma
chamada tristeza” e por aí ele prosseguia, e ideia, enfim, do começo desse encontro. Em
no final ele, o poeta, invocava outras figuras. 48 eu tinha 17 anos, em 1949 eu entrei para
Havia um mendigo e um cachorro, a quem faculdade, fiz o vestibular.
ele pedia pele, não é? E no final ele dizia:
“Não sou eu, não sou cão, não sou gente, sou Mas eu entrei. Inclusive eu não sabia bem o
eu, iroquês, iroquês que fizeste”. que eu queria ser, o que eu queria fazer... Eu
sabia que eu era poeta. Mas não tinha ainda
Era um poema muito estranho. Eu gostei uma ideia do que eu iria fazer e entrei na
muito e, quando estava assistindo à faculdade de direito muito pelo fato de lá já
conferência, à mesa-redonda da qual estarem o Haroldo e o Décio. O Haroldo, um
participava o Murilo Mendes, alguém nos ano e meio mais velho do que eu. Quando eu
apontou: “olha, aquele é o Décio Pignatari”. entrei, fui calouro dos dois. O Haroldo estava
Então fomos falar com ele e convidá-lo para no segundo ano e eu soube, ao conhecer
participar da revista Os Novíssimos. E ele o Décio, que estava no terceiro. Então eu
topou. Então já estabelecemos esse primeiro disse: “Bom, não sei bem o que vou fazer na
contato. Aí eu combinei... eu morava ainda

26 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 27
Cola, que é Beba Coca-Cola desmontado em discricional. Mas o Noosfera também é a poesia concreta que teve muita influência coisas, de ter atuado em tantas áreas. Por
aliterações e ironicamente se transformando fantástico porque é uma mistura de um filme nisso, nesse movimento, nessa aproximação isso eu tenho uma identificação muito grande
em cloaca, sem se colocar uma única letra sei lá, do Coppola, naquele ataque vietcongue mesmo, até a aplicação do Oswald de Andrade com ele. Ajudou-me durante o percurso.
a mais do que aquelas que estão dentro do da guerra. Quer dizer, é uma esquadrilha para o Caetano. Tudo isso está retratado Até hoje eu me lembro dele e me dá certa
slogan publicitário. Outro poema que também das primeiras máquinas voadoras. Então ele dentro do Verdade Tropical, do Caetano, e tranquilidade pelo meu nonsense de atuação.
vale a pena ser lembrado é o Terra. faz uma homenagem a todos os primeiros mesmo o Augusto saía da Procuradoria, Primeiro eu pensei em vir hoje aqui e fazer
inventores dessas máquinas voadoras. levava os livros e aplicava os baianos nessa uma impersonification do Décio, eu cheguei
O Terra traz uma peculiaridade, e isso a nova coisa que estava surgindo. E dentro a pesquisar, fiz um grande texto com frases
gente pode ver em várias peças do Décio, Lendo o texto parece que você vê um disso, tinha o primeiro livro do Augusto, que em primeira pessoa dele, depois não tive
que é esse princípio cinematográfico de um ataque daquelas máquinas primárias, era o Balanço da Bossa. coragem. Mas eu tenho aqui um relato.
olho câmera ou de princípios da linguagem mas muito bonitas, e aí tem essa questão Que fazia a ponte entre essa alta cultura,
cinematográfica. O Terra é um poema que de que ele ressalta do design, mesmo a cultura erudita de alto repertório, com a Eu procurei o Décio. Por exemplo, quando
vem com uma perspectiva de uma visão das próprias máquinas. Na realidade, ele popular e mostrando que esses dois mundos procuramos o Décio na web, encontramos
de cima sobre a questão. Ele reproduz ali o começa descritivamente. Você vê que ele eram comunicantes de fato. O Décio tinha um coisas interessantes: Décio Pignatari foi um
campo arado nessa única palavra “terra” está na máquina porque ele coloca numa livro, Informação Linguagem e Comunicação, poeta brasileiro, um dos mais importantes do
repetida várias vezes. E na leitura você altura do texto. Ele diz que aprecia calota que já tinha todo esse approach de semiótica movimento concretista. Foi também professor,
consegue ver diversas variações semânticas megalopolitana, quer dizer, então ele está de e de uma visão completamente diferenciada tradutor, dramaturgo, poeta, ensaísta, ator,
da palavra, introduzindo vários significados cima, está na máquina olhando para baixo, do mundo da comunicação de massa. Um contista, romancista, dramaturgo, publicitário.
para esse arar a terra do próprio poema. vendo olho de peixe, outra referência... Olho dos mais importantes livros do McLuhan foi Concomitante com as várias atividades que ele
Outro exemplo sobre essa aproximação com de peixe é um tipo de lente de grande angular traduzido pelo Décio. fez, exerceu o jornalismo, escrevendo sobre
o cinema seria o Life, que também é quase que começa a penetrar no cérebro, começa
uma história em quadrinhos de fato, em que fazer um caminho interno, que é esse caminho O Décio deu aulas, fundou o curso de semiótica
a junção de todas as letras é que perfaz o da noosfera para um espaço virtual. Então e fundou a Associação de Semiótica, foi um
poema Life. E Organismo, que na realidade o poema, o texto, termina no céu parietal. É dos fundadores aqui no Brasil. Então, nesse
é um zoom. É uma visão de um texto que cinematográfico isso, eu pelo menos os vejo momento ele tinha essa colocação de uma
vai sendo produzido à medida que você vai como um movimento muito cinematográfico leitura semiótica não da escola de Frankfurt
se aproximando dele e ele tem um princípio de um texto que está dialogando com esse ou dos esquerdismos, todos sociologóides,
científico que é uma questão cara ao Décio: princípio do espaço virtual na realidade. que se faziam na época, mas mostrando a
a teoria da comunicação. O organismo quer comunicação de massa como uma evolução
se repetir e o organismo quer orgasmo e ali Quer dizer, essa é a primeira vez que se trata de formas e de mundo contemporâneos.
ele quase iconiza um ato sexual no final, num desse assunto de começar a fazer um texto
movimento de aproximação e recorte muito dentro desse espaço que não é tangível, que é Tadeu Jungle – Bom, boa noite, obrigado
preciso das palavras do poema. E, por último, apenas pensado, que é o mundo mental, que pelo convite do Centro Cultural São Paulo.
o Noosfera, que não é considerado um poema. é o mundo dos signos, que é o mundo que o É um prazer, é uma honra estar aqui, como
Décio habita fantasticamente. Meu primeiro o Walter já disse, vou repetir o primeiro
O Décio nunca o considerou como um poema, encontro com ele foi em 73, eu costumo dizer parágrafo do Walter: é uma honra estar aqui,
mas era um limite, já estava dentro desse que eu paraticamente nasci com a Tropicália junto com o Augusto, podendo falar sobre um
princípio que seria o texto na realidade, aquele e fui alfabetizado pela Poesia Concreta. Foi dos grandes criadores não só de poesia, mas
momento em que deixa de ser poesia, mas quando eu me dei conta de que as coisas de linguagem. E eu queria começar dizendo
não é prosa. O Augusto chamou de “proesia” poderiam ser diferentes daquelas que que eu tenho uma apreciação muito especial
exercícios desse tipo de prosa porosa que estavam dizendo em casa. A partir da volta do pelo Décio, até pelo fato de ele não ser só
McLUHAN, Marshall. Understanding
ora tem procedimentos poéticos, ora é mais Caetano e do Gil houve uma ligação deles com poeta, não é só poesia, de ele ter feito tantas Media: the extensions of man. New York:
McGraw-Hill Book, [1966]. 364 p.

28 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 29
letras e artes, futebol, política e televisão. anos 1980. Como eu fui assistir à palestra, de novo esse caderninho, eu falei: “pô, mas parateleira ali de casa, eu falei: “P..., mas
Muito da minha formação de televisão veio em tomei várias notas num caderninho espiral tem muito a ver, tudo o que ele falava continua tem tudo a ver isso”. Eu fiz uma instalação
cima das reflexões e dos textos críticos que o e guardei-o. Aquele caderninho começou a tendo muita pertinência”. Ele falando que chamada Cinetanta, cine tudo ao mesmo
Décio fez. Isso foi muito importante. Quem me rolar, eu comecei a mudar de casa, os anos passaríamos do sistema de subordinação ao tempo aqui agora onde eu misturei desde
apresentou à poesia foi o Walter, muito mais foram passando e, sempre na hora de jogar sistema de coordenação, simultaneidade. As longametragem, documental, televisão
velho do que eu (risos). Eu não sabia nada, o fora, ele aparecia, eu lia a palestra e falava: máquinas que produziam bens duráveis hoje até cenas de celular ou fotografia. Quer
Walter me apresentou a poesia, e depois o “pô, isso aqui é legal, vou guardar”. E assim ia, produzem informação. dizer, eu peguei o que eu tinha, misturei e
Augusto. O meu primeiro poema foi o Augusto e foi. Eu, agora, com esse negócio de procurar fiz com que tudo isso ficasse junto e fosse
que leu, é bem curtinho... O Augusto leu, o o Décio, a p... do caderninho estava lá (risos). E ele coloca isso de uma maneira que isso se exibido ao mesmo tempo. Tudo tentasse de
Walter me aplicou a poesia e me introduziu ao aproxima muito da internet hoje. Quer dizer, o alguma maneira ser coordenado e foi exibido
Décio. Então, a primeira coisa que comecei a São 30 anos... só que ele já passou por que nós escrevemos hoje, a gente não escreve em três telas no Rio de Janeiro. Então eu
ver foi o poema Organismo. operações, porque chegou uma época que mais um texto, a gente escreve um texto, um devo um pouco essa sacada a esse lapso
eu achei que estava muito grande guardá- hipertexto uma coisa que se coloca em várias de ter reencontrado com esse amarelado
E aquilo me fascinou de tal maneira, a ideia lo. Eu rasguei, guardei só as dez páginas de coordenadas. Um texto em forma linear fica caderninho do Décio.
dessa visualidade e esse mergulho que eu anotação do Décio. Joguei o caderninho fora, uma coisa muito antiga, e ele estava prevendo
conseguia ver dentro desse poema. Aquilo mas fiquei com as dez páginas do caderninho isso, ele estava deixando isso muito claro já Continuando as últimas páginas, aqui, ele diz,
me fascinou tremendamente e eu fiquei do Décio que essa Comunicação do Século naquela época. Uma coisa depois da outra ele começa o livro que cita, O Pensamento
realmente encantado com a ideia desse XXI, que está ali. Tudo o que o Décio falava no substituída por muitas coisas ao mesmo Artificial, do Pierre de Latil, é um livro
poema em si. Isso me deu coragem para fazer começo dos anos 1980 é de uma perspicácia no tempo. A ideia quando eu fui convidado para sobre cibernética. Ele está falando isso no
a primeira publicação, uma coisa que a gente sentido de antena, absolutamente fantástico, fazer uma exposição lá no Rio em 2013, e foi um começo dos anos 1980. Esse livro é de 1973
imprimia nas caladas da noite da ECA. E em na hora que você pensa em comunicação. problema da série de vídeos que eu tinha que e as discussões desse livro sobre robótica,
cima do Organismo eu fiz o Suruba, que foi Ele está falando aqui sobre as máquinas que colocar e por um grande acaso eu encontrei né, tudo que esta se falando hoje em dia
uma coisa... onde tinha essa materialidade da produzem informação. O principal bem no com esse caderninho de novo e quando li essa no MIT, conexões que estão sendo dadas,
palavra, a ideia da própria palavra ser sólida. mundo é a informação. Isso a gente estava frase foi como uma iluminação. Então a ideia o Décio estava apontando ali para esse
Essa fascinação pela palavra e pela solidez, vivendo numa época que não existia fax nem foi de não usar as coisas, as produções todas rompimento de fronteiras, de novo que é a
conseguir ver a palavra como um objeto. A celular. A televisão tinha controle remoto com em linha ou fazer uma exposição antológica, internet, apontando sobre quando você rompe

partir daí as coisas começaram a crescer, fio e eu e meu amigo aqui, o Waltão, saímos em linha cronológica ou por assunto, ou por as fronteiras você chega nesse, rompe os
enfim, literalmente (risos). Isso foi um poema à noite para pichar muros com poesia porque tempo ou cor, mas tentar misturar todas as borderlines, você rompe isso tudo, como é
que o Waltão me ajudou a produzir lá na ECA. essa era a única maneira de comunicação que coisas e fazer com que elas se falem entre si que você se comunica, quando você abre, dá
E o Décio, a partir daí, tornou-se uma espécie a gente conseguia para os nossos próprios e passem a se ressignficarem. Pela própria vazão para que as coisas se comuniquem.
de... como um dos faróis dentro da poética, poemas. Então a gente estava saindo de aproximação de uma coisa da outra, essa ideia
para mim. Então eu vou relatar aqui um caso uma geração mimeógrafo e entrando numa de sair e de ser um sistema coordenado. Isso Então, essa preocupação dele já estava
bem bucólico que eu acho que dá para dar geração de válvula para transistor, isso no está muito claro aqui, sair de um sistema de colocada ali quando ele fala de satélites,
uma iluminada nessa outra área, que não é a início dos anos 1980. E essa velocidade que o subordinação a um sistema de coordenação. os satélites que vão conseguir romper as
poesia do Décio. Eu fui assistir a uma palestra Décio colocou nessa palestra de duas horas, fronteiras. Ele falando em voz artificial que é
do Décio, e era Comunicação do Século 21, que eu anotei, e aquilo ficou reverberando Então nessa hora, quando eu vi e peguei uma coisa que se coloca hoje e quando ele fala
o título da palestra. Isso era começo dos durante muito tempo. E quando eu encontrei esse caderninho, que ficava realmente na de inteligência, hoje se fala em inteligência

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artificial, não era só o pensamento artificial, era a secretária da universidade que operava, Justamente eu acho que essa é uma das do Alban Berg, do Anton Webern. O trio dos
mas a inteligência artificial que é uma coisa ela imprimia os e-mails, ele lia, respondia e muitas riquezas do nosso grupo. Acho músicos da segunda escola de Viena.
super contemporânea, ele estava citando alguém digitava. Ele nunca se meteu. Tudo que o movimento da poesia concreta deu
isso. Ele, nesse caderninho aqui, termina, escrito à mão e à máquina de escrever. Eu e tão certo porque éramos tão diferentes É claro que, diferentemente, o Schoenberg
tem várias páginas, mas eu só trouxe essas, meus irmãos demos para ele uma máquina uns dos outros. Haroldo era expansivo, era o professor, era o mais velho, mas, de
ele termina, pelo menos para mim, termina de escrever elétrica, mas ele não usou. era generoso, tinha uma personalidade certa forma, o Décio era o mais velho de nós,
com “Mensagens e não coisas” quer dizer, carismática, que todos apreciavam. a diferença entre mim e o Décio é de quatro
a imaterialidade numa época onde tudo Tadeu Jungle – Tem uma frase aqui que eu anos. Haroldo era um ano e meio mais
era absolutamente linear, absolutamente vou falar no microfone do Augusto: “Continuo, O Décio tinha uma personalidade difícil. velho do que eu. Se fosse para fazer uma
sólido, absolutamente concreto, no real por enquanto, escrevendo à máquina, o que Uma vez eu me referi a ele como o “Oswald comparação, não de valores, mas de níveis
sentido, ele estava apontando, até falando é uma grande contradição. Afinal sempre magro da minha geração” (risos). E de fato, estéticos, eu diria que o Décio seria uma
um pouco daquilo que o Walter citou dessa preguei esse negócio de computador. A de nós três, ele era até certo ponto o mais espécie de Schoenberg com um pouco de
imaterialidade. verdade é que não gosto de trabalhar atrevido, o mais audacioso. E tinha um Webern. O Haroldo seria mais Schoenberg
com amadores. Não gosto de ser amador. pouco essa verve crítica do Oswald, muito e Alban Berg. Eu seria mais um misto de
Ele estava muito interessado nessa coisa Trabalho com profissionais. Então tenho mais do que o Haroldo e eu. Mais tímido, Webern e Alban Berg. Acho que seria uma
imaterial, e isso para mim foi uma revelação, amigos que são programadores visuais, que nunca tive uma atuação tão crítica em sua equação interessante, porque eles ficaram
tanto é que a gente acabou trilhando esse são designers, que operam computadores veemência como a do Décio. Mas havia uma sempre amigos. Houve essa ligação que
caminho da televisão do vídeo, desse tipo de muito bem. Então eu prefiro fazer o layout diferença entre Décio e Oswald. Nós fomos tinhamos certamente entre nós.
contato, foi uma coisa que veio já com esses dos meus trabalhos e eles, gente como Chico apresentados ao Oswald pelo Mário da Silva
apontamentos de tecnologia e esse fascínio Homem de Mello, resolvem.” Brito. Àquela altura ele estava perto dos 60 Não é que fosse um mundo cor-de-rosa.
pela tecnologia, pelas máquinas e tal. Então anos e era muito frequente nas reuniões A gente brigava muito, discutia-se muito,
eu só tenho aqui, citando, começando com Augusto de Campos – Eu também não sei promovidas pelo grupo da Geração de 45, que mas sempre havia uma coesão interna,
o caderninho aqui, citando como ele veio explicar essa coisa do Décio, não. Do grupo paraticamente era o oposto dele. Pregava que permaneceu ao longo de todos esses
andando durante o tempo e agora quando dos três, eu fui o único que entrou nesse uma volta a padrões mais convencionais e anos de trabalho. Eu gostaria de fazer
fui procurar para tentar falar alguma coisa mundo e eu não sei explicar por que o Décio de formas fixas e criticava o modernismo, também uma observação, voltando um
eu achei que o caderninho era pertinente não entrou. Quando eu entrei, em 1992, eu que via como uma facilidade, uma falta de pouco ao que o Walter falou. Ressaltar
para mostrar um cara que estava, que tinha tinha pouco mais de 60 anos. Isso talvez conhecimento estético. os os poemas Life e Organismo. Poemas
toda a poesia da qual nós bebemos e nos explique. Essa coisa do computador tem de tanta importância que mereceram
influenciamos, mas é um cara que estava uma parte técnica, uma parte mais objetiva. O Oswald militava muito naquelas reuniões consideração especial do poeta americano
muito ligado à publicidade, teve uma agência Para você fazer animação precisa estudar os que se faziam no Clube de Poesia, que Kenneth Goldsmith, que é muito conhecido
de publicidade, fez direito, morou em Osasco. programas de computador, precisa estudar era dominado pela Geração de 45, sempre como organizador do site UbuWeb (ubuweb.
Quer dizer, era um cara especial, diferente, muito. Há um dispêndio de memória também, discutindo muito e dando aquelas respostas com), talvez a mais extraordinária página de
morou em Curitiba, era um cara especial por uma espécie de, vamos dizer assim, trabalho ferinas que hoje são conhecidas de seu poética de vanguarda que há na internet. Ele
poder tratar com essas... com a comunicação, braçal da memória, de tal sorte que chega anedotário. Mas ele era uma figura risonha. reconheceu num trabalho dele que, quando
livros que ele escreveu, TV Cultura, que um ponto que, se você não entrou, não entra E, quando ele dizia aquelas coisas violentas começou a produzir esse site, inspirou-
ele se interessava muito e tal. Então, ele mais, nunca mais. E eu acho que eu tive sorte, e agressivas, às vezes profundamente se em Noigandres, como nós éramos
nos influenciou não só dentro do âmbito com o único defeito de ter entrado muito velho ofensivas a quem ele se dirigia, parecia conhecidos como grupo fora do País e era
poético, mas também dentro do âmbito num mundo muito novo. que sempre estava esperando ser perdoado o nome da nossa revista. Ele ressaltou
da comunicação da televisão e satélites e pela comicidade da situação que ele criava. muito especialmente a importância dos
fronteiras. Mas realmente, essa coisa do Décio eu não E acabava sendo. No fim, pessoas as quais dois poemas, Life e Organismo, como pré-
sei explicar o porquê. O Haroldo também ele tinha criticado, ridicularizado de certa digitais. Poemas que já eram cinepoemas.
Dante Pignatari – Eu queria aproveitar só para não entrou nesse mundo. Mas isso era mais maneira, acabavam se aproximando dele. O E esse foi um reconhecimento muito
fazer uns comentários dessa coisa do Décio compreensível porque o Haroldo era uma Décio era diferente. A agressividade dele era expressivo, ao afirmar que Life e Organismo
trabalhar com computador. Eu me lembro personalidade extremamente verbal. Ele mais severa e não era tão risonha como a do estavam muito presentes na cabeça dele
que em casa tinha aquelas fichas perfuradas. ficava até chateado quando, nos últimos Oswald. Essas diferenças de personalidade quando começou o projeto de organizar um
Quer dizer, milhares de fichas perfuradas que tempos, referiam-se sempre a ele como poeta se casaram bem. Éramos três pessoas site de poesia visual, poesia de vanguarda,
era como funcionavam os computadores dos concretista. “O poeta concretista... Haroldo de individualmente muito diferentes, mas era poesia de todos os timbres da linha
anos 1970, 1980 e, no entanto, o Décio nunca Campos, traduziu a Ilíada de Homero… Há uma mistura boa, que dava certo. É muito experimental. Mas eu diria mais. Eu diria
foi para o computador. Eu mesmo não consigo trinta anos eu não faço poesia concreta”, dizia raro esse companheirismo, atravessando que se o Décio tivesse feito só o Life, não
explicar até hoje. Mas até mesmo os e-mails, ele. Mas isso faz parte. tanto tempo assim. Eu me lembro do caso do precisaria fazer mais nada. Eu acho que é
Schoenberg, que foi, na verdade, o professor um dos maiores poemas do século 20.

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E se não foi reconhecido ainda, vai ser. Porque poesia que busque uma “mensagem”, um Andrade... Além de longa, a peça é em versos,
não há nem a desculpa de não ter sido escrito discurso. Não. Aquilo é poesia reduzida a seus basicamente. É muito engraçado ver o Décio,
em idioma pouco conhecido. Então não tem elementos mínimos, porém extremamente a coisa do Concretismo, o Augusto falando do
sequer as dificuldades que a língua portuguesa significativos. É o comentário que eu queria Life, que é talvez um dos poemas mais visuais,
possui para atravessar a fronteira babélica acrescentar aqui às observações do Walter. radicalmente visuais, que o Décio fez e, no
dos outros idiomas. Foi escrito em “língua entanto, ele, no final da vida, estava voltando
geral” e eu não conheço um poema que, em Dante Pignatari – Nos últimos anos de vida, para uma prosa poética.
tão estrita medida, tão sinteticamente, tenha a última etapa dele, ele foi se interessar,
sido capaz de historicizar a própria existência engraçado... Ele quase fecha um ciclo... Ele No caso de Viagem Magnética, praticamente
humana a partir de algumas letras. O poema, volta para onde começou, que é o teatro. Ele toda a peça é em versos. Ele tinha planejado
como sabem todos, vai do I para o L, para o tinha o Teatro de Cartilha, em Osasco... Havia uma trilogia e eu sei que a terceira peça,
F, para o E, consegue encapsular-se num começado com o teatro. tenho certeza, seria sobre a Regine, que era a
único signo abstrato, inexistente, mas que por noiva do (Soren) Kierkegaard. Ele chegou a ir a
acaso coincide com o ideograma chinês do sol Ele publicou uma primeira peça, que é Céu de Copenhague, estava começando a pesquisar.
Céu de Lona, peça de teatro de Décio Pignatari
e explode na palavra LIFE, vida. Lona, em Curitiba, sobre a Carolina, mulher No acervo tem uma biografia, está toda
do Machado de Assis. Lembro-me que rabiscada e anotada. Ele tinha planejado uma
Este, o Organismo, e outros poemas do Décio inclusive eu ajudei um pouco na pesquisa, em trilogia romântica. Queria justamente pegar
também eu sempre os chamei de “biopoemas”. algum momento. Eu e minha irmã digitamos essa coisa do romantismo. Mas é curioso, o
Isso é importante porque há uma grande o Céu de Lona. A segunda peça que ele manuscrito é uma peça de teatro em versos
diferença, e esses poemas assinalam isso estava escrevendo eu sabia que era sobre a e, como eu digo, escrita à caneta tinteiro. Não
muito bem, entre a poética da poesia concreta Nísia Floresta, essa personagem estranha é nem máquina de escrever.
brasileira e outras poéticas, especialmente as aí da história do Brasil, uma mulher que
europeias da mesma linhagem. Quer dizer, no em meados do século 19 veio do interior do Augusto de Campos – Eu queria fazer uma
percurso da poesia concreta, que tomou um Rio Grande do Norte, do sertão nordestino, pequena observação. Eu não estou querendo
âmbito internacional, muita coisa se fez, muita apareceu no Rio de Janeiro, teve uma escola. puxar a brasa para a minha sardinha, mas
coisa boa, muita coisa não tão boa, e muita Acabou indo para a Europa, acabou tendo eu acho que o Décio era muitas coisas, não
coisa excelente, mas uma das características uma história com Augusto Comte, inclusive, é? Era também o teatrólogo, o semioticista,
da poesia concreta brasileira é esse caráter e acabou circulando em meios intelectuais o cronista, mas penso eu que o Décio,
bioexistencial. Há muitos poemas lindamente onde transitava Nietzsche, Wagner... Uma nos poemas que ele continuou a publicar,
executados, muito bonitos de se olhar, mas coisa meio incompreensível. embora esparsamente, continuou a ser,
que se ressentem do que eu chamaria de não vou dizer concretista ou concreto, mas, Décio visitando o túmulo de Kierkegaard
uma insignificância semântica. Assim, se Quando o Décio veio de Curitiba, ele já estava sobretudo, um poeta da visualidade e do
nós voltarmos ao barroco, onde a poesia doente. Eu encontrei alguns cadernos com minimalismo semântico. É claro que, sendo
visual teve uma tradição, um incremento esboços, manuscritos e tal, e tentei ver se uma personalidade tão inquieta e tão capaz
muito grande, você vê que muitos daqueles conseguia retomar, ele já não conseguia de descobertas e de trilhar novos caminhos,
labirintos extraordinários eram na verdade mais. E depois, já mexendo com o acervo, ele, nessas outras manifestações, dava-
feitos a propósito de banalidades. O filho da com as coisas dele, acabei encontrando um se o direito de usar até criticamente, até
rainha fez aniversário… Então elaboravam- manuscrito passado a limpo, escrito com ironicamente, algumas linguagens que
se poemas extraordinariamente belos, com caneta tinteiro, impecável, realmente passado se afastavam dessa prática. Chegou mais
Stele pour vivre
formações labirínticas. a limpo, um manuscrito bastante pronto, que propriamente ao texto semiótico, e a própria
foi finalmente publicado postumamente: prosa dele, a prosa a que também o Walter
Muita coisa do que se produziu a partir da poesia Viagem Magnética. aludiu no caso de Noosfera. Quer dizer, o que
concreta ou em termos de poesia concreta ele chamava de prosa, eu achava que
e visual tem esse aspecto de insignificância Que é essa peça de teatro. A gente conseguiu era poesia. Eu achava que o Noosfera, por
semântica que a poesia brasileira não tem, fazer aqui no Centro Cultural. No final do exemplo, poderia estar tanto num livro de
a poesia do Décio, especialmente evidente ano passado foi feita uma leitura encenada poemas como num de contos. Penso que
nesses poemas, que é o fato de eles não do texto. Evidentemente é um pouco o o Décio quis puxar essa experiência dele
serem meras especulações, não se trata de testamento do Décio, é uma peça longa com para um território meio incatalogável, meio
mero ludismo. São poemas extremamente uma quantidade de referências assustadora, inclassificável, e por isso ele preferiu colocar
significativos, sem fazer concessões a uma desde o teatro grego, Safo, Oswald de esse texto num livro de contos, que na verdade
Manuscrito de Viagem Magnética, peça de teatro
de Décio Pignatai

34 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 35
é um livro de contos que não são contos. São não é vida, na morte interessa o que não é
textos mais propriamente semióticos. Por morte”.
exemplo, no caso do Noosfera ele usa o til
como um elemento não verbal. O til é uma Então, é claro, o Décio tinha essa personalidade
aeronave, são as primeiras aeronaves que múltipla, mas, por outro lado, ele ainda
percorrem o espaço do papel graficamente. continuou, embora muito espaçadamente, a
Quer dizer, são o signo enquanto tal e são fazer poemas concretos. Quando intitulou a
também o ícone de uma aeronave, “libélulas” última coletânea de poemas de , ele estava
aviatórias. falando sério. Eu não acreditei muito, eu
continuei, mas o Décio tinha outras ideias.
Então é apenas fazer essa observação. O Talvez o Dante pudesse nos dar algum
Décio foi diferente do Haroldo, que realmente elemento a mais, mas me parece que a ideia
abandonou a prática estrita da poesia principal dele era fazer um livro de prosa,
concreta. Passou a admitir na composição era um romance que não sei se ele deixou
dos poemas da última fase um retorno, até incompleto ou só em projeto, mas que tinha,
certo ponto paródico, a elementos tipicamente se bem me lembro, um título assim: Brasil
versificatórios. O Décio também o fez. Ele fez em Obras. Eu não me lembro bem, mas era
alguns poemas mais propriamente verbais. um grande projeto que ele tinha.
O próprio “Interessere”, que é um poema
extraordinário dos anos 1980, mas é um Dante Pignatari – Em 1970 ou 1980 ele falava
poema ideológico, um poema conceitual, em da prosa, falava que queria escrever um
que ele diz: “em Joyce só interessa o que não romance. Ele sempre falou do tal romance,
é Joyce, na poesia concreta interessa o que nunca se materializou. E na verdade, você
Stèle pour vivre 5
não é poesia concreta, na vida interessa o que tem toda a razão que essa coisa da poesia
visual ainda foi incorporada no “poesia pois
é poesia” e que eu acho absolutamente apressado que quiser conhecer poesia tem uma fresta. Tem que decifrar. Você olha o
extraordinário, um dos mais bonitos que ele que passar pela poesia concreta. A poesia poema, lê o poema através da fresta. Essa é
fez que é o “Devolva-me as tardes douradas”, concreta é como um corredor polonês; você uma palavra que ele gostava muito, decifrar.
que na verdade é um painel, ele já tinha feito passa por ela, toma as bordoadas necessárias E é duchampiano também no sentido do
outros... e sai do outro lado para escolher o seu enigma, de o poema ser um enigma que pode
caminho” (risos). Só para ter ideia. O Walter ser atacado por vários lados e ele tem que
Tadeu Jungle – Ele tem uma frase aqui que vai falar... resistir a esses ataques que são as leituras,
é: “A prosa é o signo do demônio. A poesia cai né. Eu não estou falando particularizando o
do céu. Quero me dedicar à prosa. Quando Walter Silveira – Tudo é infinito. Tem um texto Décio porque não estamos falando nisso, mas
o castigo da prosa for demasiado, voltarei a que eu gosto muito que é o Stele pour vivre 5. há inúmeros exemplos do Augusto.
fazer poesia, seja verbal, não verbal, ou quase Eu não vou saber reproduzir o que é, mas ele
verbal”. Essa é boa da poesia concreta que ele também tem esse princípio, foi publicado pela Inclusive no último livro Augusto ainda
fala, cadê? primeira vez como um pôster, encarte, de mostra um vigor que poucos jovens têm. Essa
uma revista Código (revista Invenção), que é é que é a grande verdade, nos seus oitenta e
Dante Pignatari – O Noosfera, só um aquele poema preto, semion, eu não sei dizer, pouquinhos anos. Se você pensar que toda a
parêntese aqui rápido, é uma ideia que ele mas é todo um desenvolvimento humano, e poesia do Décio está num volume de menos
tirou do Teilhard de Chardin, uma espécie de que termina com os signos que parecem ser, de 400 páginas, 380; do Augusto, somando
atmosfera de ideias que circunda o planeta – pode ser lido assim porque é dúbio. os volumes de poesia própria, não chega a
é um mundo virtual. 500 páginas; o Haroldo ainda teve livros de
Os cortes dados nas letras deixam várias inéditos depois publicados. E uma conta de
Tadeu Jungle – Da poesia concreta ele falou possibilidades de leitura, é Os signos espiam poucos poemas por ano, a produção.
assim: “Poesia concreta é odiada por quase ou esperam a hora de. E esse poema é
todo mundo, principalmente pelas escolas recortado, as letras são recortadas de modo Augusto de Campos – Dois ou três...
estaduais. Mas não tem como negá-la, ela que parece que os signos estão através de
Capa do fascículo nº 5 da Revista Invenção
já está na corrente sanguínea, e o jovem Walter Silveira – Quer dizer, então é isso...

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Augusto de Campos – Não é que você só faça jovens, o Tadeu, o Walter, o Arnaldo, o Omar e Italiano, nem precisava dizer… São Paulo também fundamental para nós, foi também
isso. Mas... aqueles que você não reconhece outros tantos. Houve na continuidade daqueles é italiano. O Décio era filho de italianos. o que nos levou à Primeira Exposição
o mínimo de qualidade você deixa de lado. encontros que tínhamos nos anos 1948, 1949, Eu tinha aulas no meu trabalho com um Nacional de Arte Concreta, em 1956. A ideia
Por trás de dois ou três poemas há os que uma circunstância muito especial. Se não colega que era italiano, levava para lá o da exposição não foi nossa; o Décio estava na
ficaram de fora... Poesia é um pouco como tivéssemos outros méritos, ao menos tivemos que estava lendo e treinava com ele. Havia Europa, nessa ocasião, e a ideia foi do próprio
futebol. Não adianta, as pessoas reclamam a sensibilidade de aproveitar a informação uma livraria italiana em São Paulo, onde Cordeiro. Ele foi convidado porque os artistas
quando o Neymar perde um pênalti, pois todo cultural daqueles tempos. Nós estávamos, nós comprávamos livros incríveis em saldo, visuais do chamado Concretismo começaram
mundo perde pênalti. O Messi perde pênalti, é bom frisar, na década posterior ao fim da livros que não tinham sido vendidos durante a incomodar e ao mesmo tempo a aparecer.
o Cristiano Ronaldo. Então, você não pode segunda grande guerra. Se você pensar, no a época da guerra. Nós queríamos saber Eles começaram a se tornar relevantes no
imaginar quando você publica um livro, que século 20 houve duas grandes conflagrações. “onde é que a gente vai entrar”. Lembro- contexto cultural da época.
você acertou em todas. Mesmo você sendo o Talvez os mais jovens não tenham uma me de, uma vez, o Décio chegando em casa,
mais rigoroso possível, o livro tem uma série percepção tão aguda disso. Claro que sabem, ele já entrava declamando o poema Annabel Chegou um momento, depois de três Bienais,
de tentativas e erros. E você, no fim, verifica conhecem, mas não têm uma vivência tão Lee, de Edgar Allan Poe: de 1951, 1953, 1955, em que foi tão grande a
com a perspectiva do tempo que você tem só intensa como nós tivemos. Eu tinha 14 anos evidência do trabalho de contestação desses
dois ou três hits. Você acertou aqui, acertou quando se encerrou a segunda grande “It was many and many a year ago/In a artistas que tinham optado mais do que
ali, às vezes você perde um gol. Na frente do guerra. Então, depois da paralisação cultural kingdom by the sea/That a maiden there pela arte abstrata, pela arte geométrica,
gol vazio, acerta na trave, não é? Isso faz parte. que ocorreu com a interferência da segunda lived whom you may know,/By the name of numa época em que o figurativismo ainda
Futebol é uma arte também na sua dimensão. grande guerra mundial, houve, no começo Annabel Lee”. era dominante, que os artistas concretos de
Dá um exemplo do que é uma composição. dos anos 1950, uma revisão geral de tudo que São Paulo foram convidados pelo Museu de
se passou na cultura na primeira metade do Ele entrava falando poesia. E nós, então, Arte Moderna, por intermédio do Cordeiro,
Agora nós todos, eu acho, fomos sempre século vinte, e isso ocorreu em todo o mundo. começamos a fazer uma espécie de para fazer uma exposição coletiva. E ele nos
rigorosos, não é? Como Fernando Pessoa Mas em São Paulo, dentro da conjuntura brainstorming. Começamos a procurar convidou para participarmos com os nossos
deixou escrito naquelas páginas de Doutrina brasileira, aconteceu de uma maneira muito ler aquilo que havia de mais radical na trabalhos. Isso teria sido em agosto de 1956.
Estética: a maior concorrência não é dos especial porque naquele clima de reanimação informação que se podia obter e nos era No Rio havia o Grupo Frente, que era voltado
vivos, é a dos mortos. Não adianta você estar e de euforia que sucedeu o período sombrio entregue aqui em São Paulo. Tínhamos já a também para a arte geométrica e tinha um
querendo enxundiar o mundo de obras e mais da segunda grande guerra, começou a surgir Livraria Francesa. Nos anos 1950, surgiu aqui mentor intelectual na figura do crítico Mario
obras porque, no fim, poucas delas restarão. aqui um contexto cultural muito interessante. a Livraria Pioneira, que importava livros dos Pedrosa. Cordeiro soube que esse grupo
Ele diz: “Daqui a alguns séculos restará Estados Unidos e da Inglaterra. Em 1952, tinha sido também convidado para fazer uma
da nossa poesia algo nalguma antologia Surgiram museus de arte de São Paulo, surgiu o grupo dos pintores, dos artistas exposição dois meses depois. “Eles não são
alexandrina, na qual cada um de nós vai o MASP, em primeiro lugar, o Museu de visuais, o grupo Ruptura. Em 1954, Hans- lá muito concretos”, dizia Cordeiro. Alguns
entrar com dois ou três poemas. Certamente Arte Moderna (MAM). Os dois funcionavam Joachin Koellreuter começou a dar aulas ainda pintam com marrom, mas vamos
estarão lá o ‘Life’ e o ‘Organismo’, não tenho inicialmente no centro da cidade, na Rua na Escola Livre de Música, na Rua Sergipe. fazer com eles também. Vai ter muito maior
dúvida nenhuma”. Sete de Abril. Logo a seguir, em 1951, veio E nós frequentávamos as conferências, as repercussão.
a primeira Bienal. A Cinemateca do Museu palestras do Koellreuter, juntamente com
Dante Pignatari – E o “Cidade city cité”. de Arte Moderna. Nós víamos toda a história alguns pintores. Inclusive, foi no apartamento E foi assim. A ideia foi dele, Cordeiro, e foi
do cinema, o cinema russo de vanguarda, do Waldemar Cordeiro, que era uma espécie daí que nós partimos para a organização
Walter Silveira – Ah, tem vários. (risos) o expressionista alemão, a gente tinha de líder conceitual do grupo dos artistas dessa grande exposição que marcou esse
uma percepção informativa muito grande concretos, que nós nos encontramos com o encontro interdisciplinar entre artistas
Tadeu Jungle – Bom, Dante, você é o desses primeiros momentos. Foi a época Pierre Boulez, ainda muito jovem. plásticos, pintores e escultores, e poetas da
comandante. do surgimento do cinema brasileiro, havia o visualidade. Foi um momento que depois veio
Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)… Esse ambiente – aí é que eu queria chegar – a se refletir na continuidade das explorações
Dante Pignatari – Eu nada, não comando nos deu uma visão interdisciplinar que não poéticas, artísticas, das gerações mais novas.
nada. Eu vou comentando, assim. Faço notas Nós passávamos a nos reunir, nós três, era comum nas circunstâncias do mundo Segunda, terceira geração de artistas, como
marginais... toda semana. E tratávamos de assimilar acadêmico, do mundo universitário, que era os que estão aqui, o Tadeu e o Walter, que
todas essas coisas, inclusive favorecidos um mais unilateral. Literatura era uma coisa e projetaram essa visão interdisciplinar para
Augusto de Campos – Eu posso acrescentar pouco pelo cosmopolitismo de São Paulo. música, outra. Então foi esse ambiente que outros veículos, para TV, vídeo. Veículos que
alguma coisa. Eu comecei falando um pouco Os currículos escolares, desde o ginásio, nos trouxe para uma visão mais abrangente, hoje estão mais presentes ainda no mundo
da nossa biografia, dos nossos encontros, incluíam o latim, o inglês, o francês. No que depois foi se ampliando com o próprio digital. Não podíamos prever tudo isso, menos
que foram fundamentais para nós. E isso vai curso clássico havia um ano de espanhol. Eu desenvolvimento da tecnologia. A televisão ainda a revolução da arte digital.
repercutir no futuro, nas práticas dos mais li o Dom Quixote no original, aos 15, 16 anos. chegou aqui nos anos 1950 em branco e
preto… E esse encontro com os pintores foi

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A revolução da comunicação digital começou todos eles viveram. Muito obrigado a todos, Porque o Arnaut Daniel tinha inventado poema fundamental, um poema básico. O
na verdade a existir presencialmente na Augusto, Tadeu, Walter. Não sei se alguém formas que não existiam antes. O próprio Finnegans Wake se sustenta por si só como
esfera doméstica, nos anos 1980, nos Estados mais quer dizer alguma coisa ou se alguém Dante, que certamente tinha que ser alinhado uma obra das mais inventivas do século, mas,
Unidos, e, nos anos 1990, aqui no Brasil. E quer perguntar alguma coisa... entre os mestres, havia considerado Arnaut na verdade, o próprio Finnegans Wake, visto
nos anos 1950 não podíamos prever o que Daniel il miglior fabbro del parlar materno, o a partir de uma perspectiva mais abrangente,
iria acontecer. Nem o McLuhan previu isso Maria Adelaide Pontes – Augusto, eu queria melhor artesão da fala materna, a provençal. pode-se considerar, de alguma forma,
porque ele morreu antes. Morreu antes de que você comentasse... É claro que em Então, nós nos orientamos principalmente contido, ou pelo menos embrionariamente
1984, antes da Apple lançar os primeiros 1952 vocês já estavam publicando a revista por essas categorias. Poderíamos fazer pressuposto nesse grande poema do
computadores domésticos. Enfim, foi essa Noigandres. Nos anos 1950 vocês já tinham os qualquer tipo de poesia individualmente, Mallarmé.
intervenção e essa visão de comunidade poemas concretos, e a fundamentação teórica poderíamos ter entrado cada um a compor
artística entre várias disciplinas que orientou da poesia concreta nasce também meio que dentro da sua subjetividade, ou da sua Então, a partir dele e da reflexão sobre
esse lance inicial da poesia concreta e que globalizada, meio que internacionalizada, capacidade expressiva. Mas a nossa intenção esses outros poetas é que se deslanchou,
também foi, de certa maneira, confirmado uma vez que o Décio estava na Europa. era diferente. Nós estávamos interessados conceitualizou-se propriamente aquilo que
pela intervenção da tecnologia. Porque hoje a Enfim, vocês se correspondiam, tem toda em criar algo novo. E fomos então, fazer nós pretendíamos fazer e que exprimíamos
tecnologia digital coloca em nossas mãos tudo uma discussão, verdadeiros tratados ali uma espécie de triagem. Procurávamos ler por meio dos primeiros manifestos
aquilo que nós queríamos e que não tínhamos por correspondências... Queria que você tudo o que havia nas várias literaturas. E nós publicados em 1956. É claro que no Brasil,
no momento em que nós fizemos as nossas comentasse um pouco isso. chegamos a uma seleção dos artistas que a partir do mesmo processo seletivo, nós
intervenções, não é? Os poemas que eu fazia tinham radicalizado ao máximo a linguagem chegarmos à conclusão da importância da
em várias cores, usando carbonos com uma Augusto de Campos – Como eu dizia, nós poética. Não quer dizer que os outros radicalidade da obra do Oswald de Andrade.
grande dificuldade, em um papel almaço de começamos a examinar o que tinha acontecido artistas não fossem importantes, não fossem Seus poemas-minutos, reduzidos ao mínimo,
duas páginas, em que eu colocava carbonos em toda aquela primeira metade do século, e interessantes. a inventividade toda dos romances, Serafim
coloridos e conseguia fazer a impressão na nos orientamos muito pela conceptualística de Ponte Grande, João Miramar e João Cabral
segunda página em até seis cores. Hoje, com Ezra Pound. Ele estabeleceu aquela espécie Eu, por exemplo, adorava o Lorca. Até hoje de Melo Neto, que já tinha publicado nos anos
o programa Word você faz brincando. Nós de classificação sobre os vários tipos de sei peças do romanceiro dele de cor. Mas os 1940 Antiode, Psicologia da Composição.
tentamos fazer essas coisas 60 anos atrás, intervenções literárias. Inventores, mestres artistas que nós focamos, especialmente, Obras arquitetônicas, pode-se dizer,
sem ter à nossa disposição o instrumental e diluidores, belle-lettres, além de uma foram o Mallarmé, do Lance de Dados, o Joyce, extremamente substantivas e minimais e
necessário para isso. série de outras categorias. Ele não pensava do Finnegans Wake, o e.e.cummings. E Pound, que eram seguramente um antecedente
essas categorias como uma coisa estanque, evidentemente, o próprio Pound. E também importantíssimo para nós. O João Cabral,
Dante Pignatari – Ok, na verdade só um fechada, não. E é um conceito que poderia ser nos interessaram trabalhos da Gertrude Stein cronologicamente, pertencia à geração de
pouquinho, para finalizar, um pouco do estendido às artes em geral. Ele dizia que havia e do Apollinaire. Principalmente aqueles 1945, mas a sua produção se destacava e
jeito que eu comecei. Lembrando que alguns segmentos de escritores, de poetas, quatro primeiros a que eu me referi. E mais divergia dela..
principalmente agora, depois de ouvir o que se preocupavam com novas linguagens, ainda. Todos nós concordamos que a obra
Augusto falando tudo isso, do que foi esse em criar novas formas de poesia. Havia outros principal era a do Mallarmé. O Lance de Público – Tenho duas perguntas para fazer
momento, os anos 1950, os anos 1960, quando que eram os mestres, os grandes escritores Dados, que é uma obra entre dois séculos. ao Dante. Dante, eu já li você dizendo que há
aconteceu tudo. Na verdade, de maneira que assimilavam essas descobertas muitas traduções inéditas que o Décio fez do Santo
muito sintética também, essa exposição vezes, e as levavam a um ponto de excelência A primeira versão incompleta dela surgiu Augustinho.
que está aí é um pouco também retrato, a extraordinária. Havia outros escritores menos em 1897 na revista uma publicação que
partir de documentos, publicações, fotos, importantes, mas nem por isso insignificantes, na verdade não apresentou o poema na sua Dante Pignatari – Então, eu acabo de
exatamente, não só de todo esse momento que tinham um trabalho com a linguagem da integralidade, como havia previsto Mallarmé. descobrir, na verdade, essa coisa. Conforme
histórico, de toda essa história e de como época, produziam trabalhos significativos, E a segunda edição, completa, veio a ser as coisas foram acontecendo. O Décio foi
isso se manifestava em publicações. Eu acho trabalhos interessantes, e outras várias publicada na Nouvelle Revue Française, em assim. Ele, em algum momento, nos primeiros
muito bacana essa coisa da documentação, categorias. Ele chamava a atenção porque 1914. No mesmo ano, no mesmo mês em que anos do século, tinha um interesse profundo
de como isso, na verdade, esta lá. Qualquer era da índole dele como poeta, posicionar- Apollinaire publicava os primeiros caligramas e muito duradouro, que sempre houve, sobre
um pode ver. Você tem a prova material de se na primeira categoria, atribuir um valor dele, saía a segunda edição de Un Coup de a cultura, principalmente pela Grécia e pelo
tudo isso, como o Augusto estava falando. especial a essa categoria. E ele exemplificava Dés. Na segunda, o poema se espraiava. mundo grego. E pela poesia grega, ele tinha o
Imagino, claro, que o Augusto tenha um os inventores com a poesia praticada pelos Atravessava a dobra da página, passava de fascínio por Safo, mas também por Horácio...
acervo dele também, que é, deve ser, outro trovadores provençais dos séculos 12 e 13, uma à outra, tornando ainda mais complexa As paixões dele. E por esse mundo do início,
universo, enfim, deslumbrante desse mundo. mas especialmente com a poesia do Arnaut a leitura espacial que ele propunha. Nós os primeiros séculos do Império Romano, que
Um mundo de ideias, na verdade, que foi Daniel. De uma dessas canções nós, inclusive, chegamos à conclusão de que esse era um é quando Agostinho aparece. Agostinho era
sempre onde o Décio, o Augusto e o Haroldo, extraímos a palavra Noigandres. Por quê ?

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africano, na verdade. Era do norte da África, Como a gente sabe que a solução não é evitar conta disso não vai fazer nada de interessante. daquilo que já foi experimentado e que está
e o Décio teve um fascínio por esse mundo. a poesia concreta, que está na Noigandres. Então eu acho que os poetas pelo menos balizando que o caminho a ser trilhado passa
Traduziu um fragmento das Confissões, que Onde vocês acham que estaria, o que fazer, deveriam tomar conhecimento desse âmbito por isso. Ou seja, sem preconceito do uso ou
eu acho uma beleza, aliás. E isso eu descobri hoje... Onde que estaria essa relevância? e tentar produzir poesia nele, porque ele é de voltar a pintar, ou de fazer um website,
recentemente, por conta da publicação da Existe razoavelmente bastante discussão, ou muito propício para essa discussão que foi mas sabendo que já teve a poesia concreta,
peça Viagem Magnética, que é sobre a Nísia pelo menos, acho uma discussão significativa, iniciada com a poesia concreta, da qual Décio que Mallarmé muito antes da poesia concreta
Floresta. Um professor da Universidade mais relacionada com a internet diretamente, falava muito, como um pensador que ele era já pensava num tipo de desenvolvimento,
Federal do Rio Grande do Norte entrou em muita gente diz que já existe muita quantidade da linguagem poética. Esse encontro, que é vamos dizer, icônico do pensamento dentro
contato comigo por e-mail, escreveu um de coisas online, publicadas. Então, o mais propiciado pelo mundo digital entre o verbal dos seus poemas e muitos outros criadores.
pouco protestando, inclusive, com algumas relevante a ser feito não seria publicar mais e o não verbal. Que ele preferia chamar, Então, o novo eu acho que não vem pelo novo
coisas que eu tinha falado, maculando a coisas, mas organizar a informação que está nos últimos tempos, de icônico. Ele preferia só. Ele vem por aquilo que é o repertório... a
imagem da Nísia... lá. Existe muita conversa sobre plataforma a expressão icônico ao não-verbal. Esse parabólica tá ligada (risos).
também. Vocês acham que é por aí? (risos) encontro entre o verbal e o icônico é muito
E na verdade aí ele me mandou um catálogo, Vocês acham que é outra coisa ? Vocês acham importante. Você hoje entra no Facebook, Tadeu Jungle – Acho que o Walter... Vocês
uma publicação da Federal do Rio Grande que isso é uma falsa questão? no Instagram... as imagens parecem falar comentaram tudo. Seria uma longa discussão.
do Norte, que se chama Colóquio Barroco. mais até do que as palavras. Quer dizer, as Esse é um assunto em que eu me debruço
Eles fazem todos os anos e o Décio tinha sido Augusto de Campos – Não, mas eu gostaria pessoas tendem mais a projetar as imagens, diariamente, sobre se isso seria abrir muitas
convidado para participar desse encontro. de ouvir também a opinião do Tadeu e do a conversar com os outros por meio das portas. Eu acredito, há pouquíssimos anos a
Tinha estado no Rio Grande do Norte, Walter. De minha parte, por princípio, a gente imagens e de pequenas incursões verbais. gente não tinha... Hoje em dia é corriqueiro
justamente. Ele tinha ido porque a cidade não sabe nada. Quer dizer, por princípio um É tão evidente essa transformação, essa o Twitter, a gente não tinha Facebook. Foi
onde a Nísia Floresta nasceu hoje se chama poeta nunca sabe onde ele vai parar. Não deve metamorfose da comunicação, que eu acho agora, foi anteontem isso. Então, em mais
Nísia Floresta. E essa tradução do Agostinho saber mesmo. Eu acho que essa parede, essa que os poetas, necessariamente, vão ter que dois anos haverá outras coisas e mais cinco
foi publicada nos anais desse colóquio dificuldade de ser, é essencial para a poesia. se defrontar com isso. Seja para embarcar mais outras, muitas. Então as ferramentas
barroco. Inédito, que eu achei mesmo, era Eu termino um poema e não sei exatamente nessa viagem, seja para rejeitá-la, se estão em ampla proliferação. As formas
Viagem Magnética, a peça de teatro. Em como vai ser o outro. E acho que não é o preferirem, por acaso, outros modos de fazer de se comunicar, as formas de expor o seu
manuscrito eu não encontrei mais nada, momento inclusive de ter um só caminho, de poesia. Que todos eles são válidos, penso eu. pensamento, as telas, serão todas. Tudo,
duvido que haja. Porque o Décio nos últimos ser assim extremamente ortodoxo. Eu acho Sempre com aquela nota. O caminho de Roma para mim, será tela. Eu tenho certeza disso.
anos estava concentrado, era nisso que ele que os caminhos da poesia são muitos. Eu, pelo meio não dá. As coisas todas serão tela. Você vai tocar, vai
estava trabalhando. quando me perguntam sobre os caminhos da falar, vai comunicar, vai ver. Essa coisa dos
poesia, eu sempre cito uma frase do Arnold Walter Silveira – Eu vejo assim, de fato você óculos que agora vão ver as coisas, você vai se
Público – Eu acho que outra pergunta que Schoenberg: “Todos os caminhos levam a tem hoje um instrumental muito grande comunicar com três coisas ao mesmo tempo.
eu ia fazer era até sobre isso. Se há algum Roma, menos o do centro”. para expressão. E na realidade a gente hoje Você vai ver vidas passadas (risos).
fragmento desse... Obras, Brasil em Obras. não está dizendo que uma coisa é única
Então eu acho que a poesia tem que e se é por ali que se vai chegar a Roma de Opa! Já esta aí. Já existe um registro de um
Dante Pignatari – Não. Eu acho que ele essencialmente se orientar por essa fato. Mesmo porque a questão do fazer e do mesmo lugar, eu vou poder vir aqui, sentar-
nunca nem começou. Ele falava do romance, liberdade. Quer dizer, não é que toda poesia criar é um território... Quanto mais você não me com os meus óculos e ver esta palestra
mas na verdade ele fez os contos e depois ele deva ser visual necessariamente, tenha quer souber o que está fazendo de fato, aonde você do Augusto, e outras que já aconteceram
fez Panteros. E aí, quando ele foi se dedicar ter essas características. O que eu digo apenas vai chegar com aquela experimentação, é o aqui ao mesmo tempo. E conversando com
novamente à prosa, ele foi para o teatro. é que o mundo digital, a informação digital que pode produzir a informação nova. Essa um físico do Rio de Janeiro, que é o curador
nos deu um instrumental extraordinário para informação nova não é uma informação que do Museu do Amanhã, com o qual eu estou
Público – Oi. O Augusto comentou que desde trabalhar. Quer dizer, você pode escolher não vem de você ser um curioso desinformado. tendo lá umas coisas, falei: “P..., mas é muita
o início a ideia foi fazer algo significativo. Com usar esse material e fazer excelente e até Tá certo? Quer dizer, hoje você tem uma coisa, cara”. Três, quatro, o cérebro é plástico.
uma relevância histórica, vamos dizer, social. grande poesia. Mas esses instrumentos estão bagagem muito grande, pela própria internet, Ele vai conseguir... Eu estou conseguindo ver
E ele também falou que deu o exemplo do aí para serem usados. Se nós não usarmos, pelas próprias ferramentas que aí estão. Você o Walter falar aqui, eu percebo que o outro
word e do papel carbono e tal, e como isso outros vão usar para finalidades talvez não tão pode ter um cruzamento de repertórios e de está falando lá, estou ouvindo uma música,
ficou mais fácil, extremamente mais fácil. Por interessantes. Falando sobre esse assunto me referências que produzirão com certeza nesse eu ainda tô roçando e tem alguém... Eu estou
outro lado, parece que outras coisas ficaram lembrei da figura do Prometeu, que roubou o curto-circuito, alguma coisa nova. em seis, sete coisas ao mesmo tempo que
mais difíceis. Dá essa sensação. O sentido fogo dos deuses. Ele foi sacrificado por isso. estaremos. Quer dizer, imagina a poesia nisso.
de talvez conseguir uma relevânciasocial. Mas se nós não tentarmos nos apropriarmos Quer dizer, para mim, passa por aí. Quer dizer, Onde ela poderá ser sensória, visual, auditiva,
desse fogo, dessa informação, quem vai tomar é de você ter um repertório, um conhecimento por todos os poros, vamos poder vivenciar,
comer poesias. Sabe Deus o que nós vamos

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poder fazer. Quer dizer, nós estamos em pleno e Wagner, e eu fui ler alguma coisa e acabou bonito. Fica na memória. Mas o Décio falando, de poesia, ainda mais quando se trata de
olho do furacão nessa coisa da comunicação. caindo na coisa de Safo. Que era uma das citando o Peirce, falando que o “Drummond poesia nova, ainda não assimilada. Mas, na
Então, o que será relevante é a pergunta... paixões do Décio. E eu comecei a ver o que não vendia três mil exemplares no auge da União Soviética, aconteceu que as edições
Cara, se é uma falsa pergunta é f... mesmo. era a obra da Safo. Safo viveu no século 7 a.C, carreira. Sabe por quê? Porque a poesia eram estatais.
É bem f... O que que é relevante? Para que na ilha de Lesbos. E não tem quase nada. não conclui e a civilização ocidental exige
caminho? Os caras aqui foram lá, estudaram O que existe da poesia dela? Quase nada. E conclusões.” Quer dizer, não havia editoras particulares.
tudo, o cara aprendeu alemão para ler Rilke. se escrevem bibliotecas inteiras por causa Era uma única editora. E depois que o Stalin
Quer dizer, é outro. O cara estudou tudo para de quatro letrinhas num caco de cerâmica. Walter Silveira – Mas o Augusto vendeu a se aproveitou da fama do Maiakóvski, e da sua
trás. Ele falou: “Pera um pouquinho, vou Ficaram especulando, tentando reconstruir primeira edição inteira já. Mil exemplares. fidelidade utópica ao regime comunista, para
começar o negócio, uma coisa bacana, deixa o que seria aquele poema, que não sobrou transformá-lo em poeta oficial da Revolução
eu estudar tudo”! (risos) quase nada, tudo fragmentado. Um negócio Augusto de Campos – Tinha aquele poeta Russa, a editora estatal vendia a coleção de
impressionante. Mas, literalmente, bibliotecas alemão, o Hans Magnus Enzensberger, que 13 exemplares da obra completa dele em
A partir daí botou um pé e falou: ”Olha que inteiras, centenas de livros. E continuam disse ter criado a Lei de Enzensberger. Em grandes tiragens. Eu adquiri essa coletânea
legal, o Mallarmé...” Lance de Dados, pá, pá, sendo escritos. qualquer país do mundo, seja na Alemanha, publicada com até 200mil exemplares numa
criou. Erigiu uma coisa absolutamente sólida. na Cochinchina, na Argentina, nos Estados livraria de São Paulo que havia no centro e
Sem trocadilhos com a poesia concreta. Aliás, é por isso que eu digo... Quer dizer, Unidos, livros de poesia e de poesia nova vendia livros russos. Isso, antes do Golpe de
Construiu um negócio que é para sempre. do lado dessa cornucópia de ferramentas e vendem sempre 1235 exemplares (risos). 64, que acabou obrigando o dono a fechá-
Entendeu? Quer dizer, a gente é bombardeado possibilidades... E, no entanto, na verdade, o Com exceção da União Soviética, onde, por la. De Iessiênin, eu comprei uma antologia
de tanta informação que nos falta realmente rigor e o know-how... Quer dizer, uma mulher uma espécie de enfermidade ainda não de poemas em cinco volumes, com tiragem
rumo. E toda hora que você acha que botou o que foi fazer poesia lá em não sei quando diagnosticada, os livros são vendidos em de 500mil exemplares. Então, não sei.. mas
pé em Mallarmé... Pintam dez outras coisas e continua sendo assim. É tão fundamental 200mil, 500mil exemplares… De fato, não parece que a Lei de Enzensberger continua
você fala: “Caceta, você não sabe nem o que é o fazer do poeta, né? E eles, em vida, não passam de mil, dois mil exemplares os livros prevalecendo, com algumas exceções…
relevante”. Onde nós estamos, né? Onde nos levam nada, mas vai ser sempre depois.
segurarmos? É uma época imaterial mesmo. Mas é tão fundamental que, mesmo que
Então, estamos bem ralados. você..., são sílabas esparsas soltas em
cacos de cerâmica. As pessoas continuam
Dante Pignatari – E eu, com essa coisa, estou pesquisando, estudando, lendo, falando,
lembrando assim dessa coisa de ler tudo e fazendo, porque é assim. Talvez o que há de
saber tudo. Eu sei que tanto o Décio quanto mais fundamental na cultura humana, na
o Augusto... Eu sei porque eu sei. A gente criação humana, é justamente isso que os
sabe. A biblioteca do Décio e a biblioteca, poetas fazem. E aí os caminhos, realmente eu
ele leu inteira. Eu só não li os livros em acho que podem ser desde você ir pesquisar
francês porque eu não sei francês. E, assim, um papiro perdido não sei onde até isso. Até
eu trabalho com pesquisa e musicologia e incorporar esse mundo tecnológico todo.
tal, e tem um cara que eu admiro muito que
é o Charles Rosen, que escreveu um livro Lenora de Barros – Uma frase do Décio que
fundamental sobre a geração romântica. ecoou o tempo todo aqui na minha cabeça e
Aliás, são dois: o Charles Rosen e um cara ecoou na minha vida, e que eu acho que passa
chamado Lawrence Kramer. Ele tem um livro por tudo isso, é mais ou menos assim: “Antes
em que propõe a criação de uma disciplina da poesia concreta, versos eram versos. Com
que permita estudar indiferentemente a a poesia concreta, versos não são mais versos.
música ou a poesia. Porque ele acha que Depois da poesia concreta, versos são versos
são artes tão próximas e tão unidas que elas a dois dedos da página, do olho e da história”.
poderiam perfeitamente ser estudadas na Então eu acho que, de algum modo, ela ficou
mesma disciplina. E esses caras são assim, aqui e eu quis dizer (risos). É isso.
eles leram tudo. Toda filosofia, toda arte do
período, todas artes plásticas... Walter Silveira – Obrigado! Muito bom.

Quer dizer, para o cara falar de música, Tadeu Jungle – Décio citando, a conclusão
eles veem assim, né? E eu lembro uma vez, aqui, Interessere seria bom, você sabe Dante Pignatari e Gilberto Mendes na exposição Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados
tentando escrever um ensaio sobre mitologia Interessere? Podia ler que não temos. É

44 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 45
Décio Pignatari, Franz Mon, Na mesma cidade de Bielefeld, o Kolloquium
Neue Poesie (o colóquio para poesia nova)
as publicações ROT e Futura, aconteceu entre 1978 e 2003. Dessa maneira
e algumas ligações da poesia cidades periféricas como Ulm ou Bielefeld
concreta entre o Brasil e a se tornaram lugares significativos na criação
da poesia concreta e da poesia visual na
Alemanha Alemanha e no mundo. O artista e poeta
Franz Mon estava por perto, em Frankfurt am
A origem do movimento internacional de
Main, e de vez em quando viajava a Bielefeld e
poesia concreta tem sido atribuída por
Ulm para encontros com Gomringer e outros
diversas fontes a uma reunião, que teve
poetas como Helmut Heißenbüttel e artistas
lugar em Ulm, na Alemanha, em 1955.
como o fundador do ZERO, Heinz Mack, e o
Eugen Gomringer, suíço de origem boliviana,
pintor K. O. Götz, um dos representantes
esteve trabalhando como secretário de Max
principais do Informel. Mon esteve conectado
Bill no College of Design de Ulm, e acabou
com uma variedade de artistas de vanguarda
conhecendo Décio Pignatari, um professor
do pós-guerra na Alemanha Ocidental e
de Desenho Industrial e da Teoria da
outros como Carlfriedrich Claus na Alemanha
Comunicação, de São Paulo, que esteve dois
Oriental.
anos na Europa. Ambos já estavam ativos
no campo da poesia experimental. Pignatari
Fundador da editora Typos, em Frankfurt,
tinha formado o Grupo Noigandres em 1952
Franz Mon argumenta que não importa a
com os poetas Augusto e Haroldo de Campos.
quantidade de conteúdo em um página,
Gomringer havia publicado sua primeira
mas sim a relação entre os caracteres e as
coleção de Constellations (Constelações), em
possíveis conexões entre eles. Mon sempre
19531.
identifica o espaço na página como plano
integral do poema visual. Neste sentido ele
Ambos tinham de fato considerado o uso
concorda com uma das ideias principais do
da palavra “concreto” em relação a seus
“plano-piloto” – publicado em 1953/58 por
trabalhos, no entanto eram totalmente
Pignatari e os irmãos Campos – que postulava
inconscientes da existência um do outro. A
que “a poesia concreta começa por tomar
reunião em Ulm não só abriu um canal de
conhecimento do espaço gráfico como agente
comunicação entre Gomringer e os poetas
estrutural”.
Noigandres, mas resultou num acordo de
que seus trabalhos deveriam passar a ser poucos sendo perdida. Os textos são então uma superfície determinada – espalhados
Segundo Mon, na poesia concreta, as letras
identificados por um título comum. Esta somente visuais ou fonéticos. Eles assim por exemplo. O valor de sua posição em uma
e a forma fonêmica são conversíveis, o que
história é relativamente conhecida e, na representam posições fronteiriças da poesia superfície e seu tamanho tem igual valor a sua
significa que um texto pode ser lido e falado,
Alemanha, diversas exposições celebraram concreta, zonas intermediárias entre música, posição em relação aos outros simbolos. Além
pois seu material é de natureza verbal. Em
o 90º aniversário de Eugen Gomringer, em artes plásticas e arquitetura. Em seu texto disso, a distância semântica – a proximidade
sua jornada em direção a formações textuais
2015. Uma dessas exposições acontecerá na About concrete poetry (1969), publicado no ou distância entre significantes, ou seja, entre
mais extremas, a convertibilidade foi aos
cidade de Bielefeld com a participação de catálogo da Mostra di Poesia Concreta, de palavras especiais – pode desempenhar um
uma série de artistas jovens2. Veneza (1969), Mon detalha que, em relação papel importante. (exemplo:
à poesia concreta – derivada de textos de jetzt, de Rühm)
1 Décio Pignatari recebe sua copia de Konstellationen, constellations, constelaciones, de Eugen Gomringer em Ulm em 1955. A cópia, material verbal –, os seguintes padrões de 3. A conexão assintática entre vários signos
presente na mostra no CCSP, inclui uma constelação na qual se lê:
composição podem ser esboçados: linguísticos em linhas e colunas, onde
Avenidas os mesmos elementos são muitas vezes
Avenidas y flores
Flores
1. A posição dos vários signos linguísticos repetidos (exemplo: pleure/pleut, de Ian
Flores y mujeres em uma determinada superfície. Mesmo que Hamilton Finlay)
Avenidas
Avenidas y mujeres
isso não seja o mais antigo, é, sem dúvidas,
Avenidas y flores y mujeres y um admirador a forma mais radical de poesia concreta. 4. A multiplicação dos mesmos elementos
2 A mostra intitulada Gomringer & no Bielefelder Kunstverein (agosto-outubro 2015) inclui participações de artistas tais como Ann
(exemplo: I/L/F/E/LIFE, do Pignatari). para intensificar e estender o contraste de
Cotten, Natalie Czech, Kenneth Goldsmith & John Ashbery, James Hoff, Karl Holmqvist, Sophia Le Fraga, Tan Lin, Hanne Lippard, Nils 2. A posição dos vários signos linguísticos em informações. Possibilidades de redundância
Menrad, Michalis Pichler e Cia Rinne.

46 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 47
podem ser demonstradas. (exemplo: un sorriso, de Belloli) formato e com capa cor laranja fluorescente, que foi produzida com 200 exemplares
5. O aumento de uma quantidade (possivelmente indeterminada) de e leva uma seleção de obras variadas de Mon. Foram essas as edições de Mayer em
signos linguísticos em uma superfície. A sua distribuição pode consistir Stuttgart, cidade perto de Ulm, que documentam o intercâmbio da poesia concreta
em diferentes densidades. Assim, sobreposições e variações entre entre Alemanha e Brasil.
legibilidade e ilegibilidade podem ocorrer. (exemplo: sind, de Gappmayr).
6. As permutações de material linguístico através de todas as suas Na coleção do Pignatari encontram-se vários exemplos de Futura, também editado por
variações que permitem uma norma. (exemplo worte sind schatten, de Mayer:
Gomringer)
7. A contaminação dos elementos verbais: palavras ou segmentos de Futura I, de Mathias Goeritz, die goldene botschaft (edição Hansjörg Mayer, 1965)
palavras que se fundem uns com os outros. O significado muda e se surgiu dos primeiros poemas sonoros e constelações gráficas que Goeritz desenvolveu
confunde; significados inesperados são descobertos através de trechos em viagem a Marrocos entre 1941 e 1949. Die goldene botschaft (mensagens de oro),

de uma estrutura. (exemplo: coloramas/caracolar, de Augusto de por exemplo, foi criado em 1960 e está relacionado com os chamados painéis de ouro,
Campos). dando ênfase à composição e aos aspectos fonéticos. Encomendados via telefone, as
8. A variação associativa fonética dos signos linguísticos. Uma forma obras receberam o subtítulo de Telefonkunst, arte por telefone.
fonética desencadeia um outro semelhante, no entanto, com um
significado diferente (exemplo: pomander/open pomander/open poem Futura 3, de Max Bense (1965) intitulado Tallose Berge (montanhas sem vales), foi
and her..., de Morgan). escrito em homenagem ao Rio de Janeiro, onde Bense lecionou sobre estética moderna.
9. A figuração de materiais linguísticos: a) através de um regime exógeno Geólogos falam de montanhas sem vales quando indicam que devido à dureza da rocha
(exemplo: os discos Rundtexte, de KRIWET). b) como visualização de não há vales cortados nas superfícies dos famosos cones que dominam a paisagem
textos (exemplo: Brancusi, de Kolar no limiar para o poema visual). em torno do Rio. O arranjo de palavras em camadas na obra do Bense recria o ícone –
montanha sem vales – que caracteriza o Rio de Janeiro.
As descrições didáticas do Mon3 trazem um alfabeto da poesia concreta,
e dentro do mesmo está refletido também o universo do Pignatari Futura 9, de Augusto de Campos, (edição Hansjörg Mayer, 1966) traz a palavra “lixo”
(notavelmente Mon descreve a obra do Pignatari como a “mais radical”) formada pelo conjunto de palavras luxo. Este poema desponta da palavra luxo das
e de seus parceiros. Por outro lado, na coleção do Pignatari exposta na decorações kitsch dos apartamentos opulentos: luxo luxury luxus lixo garbage abfall.
mostra no CCSP, Franz Mon está presente com ainmal nur das alphabet A exibição tipográfica opera com a intenção de impacto direto, a metamorfose do
gebrauchen. É uma edição de Hansjörg Mayer (1967), em grande oposto doublé cria um poema apoético, um antiadvertisement concreto, uma ode
limpa ao lixo do poeta – um poema onde os sons ecoam.
3 Desde as décadas de 1960 e 1970 o trabalho do próprio Franz Mon tem contido variações lúdicas,
especialmente quando ele começou a usar imagens em suas colagens como elemento e fonte
adicional: material de publicidades ou notícias da mídia. Porém, Mon não aspirou produzir uma obra
inerentemente crítica da sociedade de consumo ou da história alemã.

48 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 49
Outra série de publicações que se destaca com título Versuchsbuch Galaxien, que foi
na mostra é a ROT (Vermelho) editado pelo traduzido do português para o alemão pelo
Max Bense e Elisabeth Walther, também na Villém Flusser e Anatol Rosenfeld. Rot # 29
cidade de Stuttgart. Com capa vermelha com (1967), de Mira Schendel, foi publicado sob
as letras ROT, a contracapa traz a inscrição título de Grafische reduktionen e com uma
de uma frase do filosofo alemão Ernst Bloch: descrição de Bense sobre a obra de Schendel:
Es gibt auch rote Geheimnisse in der Welt, ja “As intensidades do acidente vascular
nur rote (Também há segredos vermelhos no cerebral, a estadia em curvas, o elegante, o
mundo, unicamente vermelhos). pesado, o gracioso, o fechado, o aforístico e
detalhado, como se consistisse de cabelo ou
O acervo de Pignatari traz alguns números da então como uma barra”.
ROT: Rot # 7, com título Konkrete Texte der
Noigandres, traz uma introdução do Helmut Porém, o mais fascinante de todas as edições
Heißenbüttel sobre a poesia concreta com de ROT, na coleção do Pignatari, é uma
contribuições de Haroldo de Campos, Décio história pouco conhecida no Brasil, contada na
Pignatari, Augusto de Campos, Ronaldo Rot #39 (1969), que detalha a obra de Aloisio
Azeredo, José Lino Gruenewald. Heißenbüttel Magalhães, intitulada Rio de Janeiro, der Weg
menciona a ligação de poesia concreta com eines Zeichens. A cidade carioca celebrava o
a arte sonora e a pintura Informel através de seu 400º aniversário em 1965 e, na preparação
uma debate de ideias centrais do compositor do evento, 500 candidatos participaram de
francês Pierre Schaeffer que propagava que um concurso para a elaboração de um logo

o elemento que menos pode ser influenciado que fosse adequado para todos os eventos
pelas pessoas é o som. Segundo Schaeffer criados para a data comemorativa. A princípio
a música concreta é a verdadeira raiz do houve certa resistência na utilização do
concretismo, amara assim a perspicácia símbolo vencedor, mas, subsequentemente,
história com a poesia e a pintura Informel. os cariocas se apropriaram e fizeram uso
das formas concretas do Magalhães que
Outras edições presentes na coleção de apareciam nas janelas, nos carrinhos dos
Pignatari incluem: vendedores ambulantes, no carnaval e até em
biquínis e vestidos nas praias da cidade.
Rot #14, de João Cabral de Melo Neto, com
título Der hund ohne federn (O cão sem Tobi Maier, para Centro Cultural de São
plumas), e Rot #25, de Haroldo de Campos, Paulo, São Paulo, setembro 2015

50 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 51
Bolinho de bebê No aeroporto foi recebido por uma turma de espécie de magma, ou em uma galáxia para uma prancha metálica e interrompiam suas
jovens poetas que festejava sua chegada com onde vinham os ajonjolíes espalhados, saídos considerações. O corpo, os órgãos de Décio
¬Mezcal, peru, mole e bolinho de bebê balões coloridos e cartazes que manifesta- de estrelas e planetas. trabalhavam na digestão do peru, do mole,
Um recuerdo psicodélico de uma palestra de vam carinho e admiração. Outros dois seres do mezcal que provocava o vaivém de ideias
Décio Pignatari no México
mais sóbrios, uma mulher e um homem Provou o mole com uma tortilla como colher e signos e números como peru e semiótica e
por Maurício Marcin – distintos por um discreto broche com o e o achou picante, doce e picante ao mesmo perus degolados, etc.
escudo da UNAM –, não demoraram a reco- tempo, e divagou sobre sua vida, sobre como Décio desceu à recepção para pedir ajuda.
nhecê-lo ao sair da área de alfândega, pois teria mudado sua vida se tivesse colocado, O recepcionista lhe deu um remédio para
Para que acontecem as coisas, os seres, se conheciam seu rosto por fotos. Deram-lhe as com maior regularidade, mais atenção sobre o estômago e ele conseguiu dormir. O que
se pode fazer literatura? boas-vindas e, depois de se oferecerem para a gastronomia e a alimentação. sonharia Décio esta noite?
Pode a ficção fazer sumir o capitalismo e a ajudá-lo a carregar uma pequena mala (aju- As conversas, por minutos, giraram ao redor
escravidão? Sim, pode. Pode reviver os mor- da que Décio recusou), acompanharam-no do peru, dos bolinhos de bebê pré-hispâni- Décio sonhou com mandíbulas que o des-
tos? Não, não pode. até uma van que o levou ao restaurante Las cos, das formas de matar animais com digni- troçavam flutuando sobre um pântano. As
Sem fingir um início, sem um centro, direi Delicias, no bairro Santa María La Ribera, dade e sem sofrimento, mas logo retornaram mandíbulas perseguiam uma criança, que
que em 1981 se verificou na Universidad onde se encontrou com alguns outros par- os signos, as metáforas, as transcrições fugia apavorada em pequenos passinhos.
Nacional Autónoma de México (UNAM) o IV ticipantes do Colóquio que haviam chegado linguísticas e Décio se sentiu confiante. Sem Com cada passada a menina crescia ligei-
Coloquio Internacional de Poética y Semio- nos dias anteriores. muita consciência, com sua atenção posta ramente, cresciam seus pés e pernas, seu
logía sem muitas consequências entre os sobre as palavras que entendia parcialmen- cabelo se estendia até formar uma trança
esportistas de alto rendimento e vários ou- Décio parecia feliz e não tinha fome, mas a te, terminou de comer o mole e se sentiu e suas cadeiras se alargavam, do peito da
tros setores populacionais. Alguns colóquios insistente cortesia mexicana dispôs que os satisfeito e cansado. Ao terminar a comida, menina brotavam uns figos verdes. A menina
só interessam aos especialistas da área, conferencistas o deleitassem com um peru tomaram café e uma tacinha de mezcal, deixava de ser menina e era então uma pro-
incluindo quando esses tentam ser multidis- com mole poblano, uma das mais refinadas saíram sem pagar a conta, que já havia sido fessora da escola que empunhava uma régua
ciplinares e integradores. delícias da gastronomia colonial mexicana. paga pela Universidade, e passearam pelo de madeira na mão esquerda. As mandíbulas
Um pequeno prato – o mole – que agre- bairro para fazer a digestão. Pararam em se convertiam em um alto-falante que tocava
O IV Colóquio, naturalmente, foi precedido, ga entre 30 e 35 ingredientes: chocolate, um parque decorado no centro com um belo um bolero. Sonhou também com o Colóquio
um ano antes, pelo III Colóquio. Ambos acon- pimenta mulato, pimenta pasilla, pimenta quiosque mourisco e dali observaram a reali- e imaginou um auditório com enormes filas
teceram por iniciativa da UNAM (instituição ancho (abertas e sem sementes), manteiga dade mexicana e o entardecer. de cadeiras forradas de veludo vermelho,
louvadíssima). Para participar do III Colóquio de porco, alho, tortillas duras, amêndoas, todas vazias, menos uma na terceira fila,
viajou ao México Haroldo de Campos. Era passas, um bolinho tostado, outras coisas PAUSA ocupada pela professora da escola, que o
1980. Para participar do IV Colóquio, viajou de que me esqueço, açúcar e sal a gosto. Décio chegou ao hotel que se encontrava na observava. Décio improvisava uma fala sobre
ao México Décio Pignatari. As presenças Décio pediu uma cerveja que lhe pareceu rua de Jardínes ou de San Miguel. Suponho as plantas fanerógamas e o desenho clássico
seguidas dos poetas brasileiros não foram morna. Como sei? Por seu gesto. Arqueou as que todos os conferencistas se hospedaram e encontrou beleza nas pálpebras da profes-
ignoradas pela crítica, que qualificou a coin- sobrancelhas e inflou as bochechas e isso, no mesmo lugar. Registrou-se e subiu pela sora. Suspendeu seu discurso, levantou-se
cidência como um bálsamo revitalizador da sabe-se, é que provoca uma cerveja que não escada a um quarto no terceiro piso. Ao de sua cadeira para se aproximar, desceu
poesia concreta. “Os dedos de Noigandres se bebe fria o bastante. Décio escutava as cruzar o umbral (a porta), tirou os sapatos do praticável onde estava e estendeu a mão
tateiam o umbigo da lua”, sentenciou a im- palavras em espanhol dos participantes do e logo depois a camisa: ficou de peito nu. à professora. A professora, sem mexer os
prensa. Décio aterrissou numa terça-feira na Colóquio. Divagou sobre o romance mexicano Sentiu um calafrio e o cheiro do quarto lhe lábios, lhe disse:
cidade, ou pode ter sido numa quarta-feira. e se maravilhava com a palavra “xingar”, que lembrou sua mãe. Apressou-se em tirar as “Décio, as escadarias são também cascatas,
O que asseguro é que um dia depois de sua conhecia de textos de Octavio Paz, mas que calças e foi tomar um banho. Enquanto se inclusive em épocas de seca. Cuidado com as
chegada estava prevista sua participação no nunca havia escutado de viva voz: “xingar”. lavava lembrou-se dos perus e os imaginou pegadas das raças, são pegadas de gigantes
Colóquio onde exporia seus estudos recentes Que diabo é xingar?, perguntava Décio, en- sendo degolados num quintal. Tentou con- e, Décio, tenha cautela em distinguir o ruído
sobre a Semiótica da Montagem. quanto duas mulheres repartiam pratos de centrar-se e repassar mentalmente algumas da melodia.”
peru, mole e arroz. Décio olhou o prato e a noções semióticas que exporia no Colóquio,
escura cor do mole o levou a pensar em uma mas os perus degolados desfilavam por

52 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 53
Décio foi sacudido pelo som do telefone de que tinha seu nome escrito. Nesse mesmo auditório um pôster da época da Revolução A mulher girou sobre seu eixo para mostrar
seu quarto e uma voz feminina lhe indi- cenário, atrás da mesma mesa coberta com Russa. O proletariado russo, disse, semia- o desenho a todos os assistentes. Eu vi o
cou que falava para despertá-lo, às seis da uma manta bordada de azul e dourado, Ru- nalfabeto, aprendeu mediante imagens o desenho e vi a blusa da mulher, com flores
manhã, como havia pedido. Rompeu o jejum bén Bonifaz Nuño (nosso poeta) tinha inau- que não poderia ter entendido mediante bordadas no peito e nas costas e figuras geo-
com uma banana que estava sobre a escriva- gurado, alguns dias antes, o Colóquio. Eu textos complexos. Disse que algo similar métricas de todas as cores. Décio cessou de
ninha e da qual não se lembrava de ter visto me considerava da turma de Bonifaz. Nessa havia acontecido na Revolução Mexicana e falar e fixou a vista na mulher, que lhe dava
na noite passada. Descascou-a e sentiu suas época a poesia era tão concorrida que nos os murais de Diego Rivera, e o mesmo com as costas. A mulher disse ao auditório que a
vitaminas penetrando-o. Pensou em seus dávamos ao luxo de poder escolher turmas a conquista espiritual católica, que teve na História de um ponto de vista aéreo, ou zeni-
sonhos e tentou recordá-los, em vão. Pensou e correntes. Duas vezes troquei de turma ou América uma fábrica de pinturas infinitas tal, podia-se desenhar como uma linha reta.
nas feridas como rosas cálidas. Décio girou de corrente. Agorinha lembrei-me da visita que preencheram os corações dos índios. Disse que essa visão era uma mentira. Uma
as torneiras do chuveiro e esperou que saís- de Décio a Teotihuacán. Espero dizer-lhes Disse também que havia três tipos de monta- forma de representação opressiva e parcial.
se água quente. Desnudou-se, ou já estava algo sobre isso também, mas vou tentar me gem, a 1, a 2 e a 3. A montagem 1 era, em re- Disse que a história, sob outro ponto de vista,
nu, e tomou banho. Enquanto imaginava sua manter no fluxo do Colóquio. sumo, a cinematográfica, como a de Eisens- parecia-se mais com uma dobra em uma
fala no Colóquio, perfumou-se, procurou tein. A montagem 2 era a parte semântica do tela e que ela, em nome de uma frente ativa,
suas anotações, pegou dois livros que trouxe Um homem que se identificou na audiência signo e a parte ideológica. A montagem 3 era combatia com a frente todo aquele batalhão
de São Paulo, sua carteira e saiu do quarto. como Enrique Balión, ou Enrique Balón, a parte pragmática do processo. Algo assim. para exibir as dobras que a academia, o pa-
deu as boas-vindas aos assistentes, atraiu Na verdade não entendi bem, mas me delei- triarcado e a colonização haviam silenciado.
Interessado nos signos, assisti a esse dia do nossa atenção com uns aplausos chamati- tava escutar Décio esforçar-se em espanhol. A mulher exaltava cada palavra, como que
Colóquio, lembro-me bem. vos e subiu a voz para dizer que o terceiro prevendo que seu tempo terminaria, expres-
14º andar da Torre de Humanidades na Cida- dia do Colóquio começaria com a participa- Falava com uma cadência estrangeira, gos- sou que o problema da América Latina e do
de Universitária. Sem luz. ção de Décio Pignatari a quem apresentou tosa. Dizia que na poesia importa o que não é Mundo não era mais do que um só:
sucintamente e cedeu a palavra. Para esses poesia, e disse que o melhor romance sobre o homem, o colonizador que sustenta a ver-
Sem instantes, todos nós estávamos já sentados o deserto nunca menciona os camelos. Falou dade, a miserável grandeza.
e e em silêncio. Décio afastou o inútil microfo- dos hexagramas do I Ching e dos ideogramas
l ne, tirou uns papéis e os livros de sua pasta, de um francês. Passeou por sua erudição Exaltada, posicionou-se contra o livro único,
e colocou-os sobre a mesa. Encheu um copo sobre a poesia provençal e o cinema russo. do signo único, das religiões que supôs como
v com água e se pôs de pé. Disse bom dia em Não posso me lembrar de suas ponderações agentes totalizadores e lembrou-se de Karl
a português. Creio que provava o alcance de com exatidão. Disse algo sobre o motivo pre- Marx. Disse umas palavras em nahuatl que
d sua voz no auditório. Nós, mexicanos, somos ponderante, o motivo secundário e o motivo me pareceram bonitas, como pássaros de
o educados e dissemos bom dia de volta, como adjacente. Anotei-os em um caderninho que metal que se dissolvessem no ar. Eu não sei
r na escola, quando chega a professora. perdi. Depois de meia hora de fala, Décio nahuatl, mas conheço algumas palavras e
avançou em suas teorias sobre a montagem, reconheci o som do xochitl em seu revés e
Subi os 14 andares atento à vista dividida Décio começou a explicar um esquema de e a audiência o ouvia concentrada. pensei, naturalmente, nas flores enquanto
entre os degraus, que contava um a um, e as comunicação que iniciava com a FONTE. ela delirava. Abriu o outro lado da folha e
costas de Décio, que subia poucos metros à Imaginei uma fonte de pedra lavrada em uma Na terceira fila, ou na quarta, uma mulher mostrou um segundo desenho ou esquema,
minha frente. Ia ligeiramente atrasado e, ao praça da Itália. Distraí-me com o borboleteio se colocou de pé em um salto. Sem gritar, muito parecido com o primeiro, composto de
chegar ao 14º andar, estava, como dizemos da água e voltei. Décio disse que a FONTE levantou uma folha de papel com uma linha dois desenhos. Girou novamente, mostrando
no México, colocando os bofes pra fora. sem o EMISSOR não servia pra nada. Expli- desenhada no centro. No centro da folha seu desenho. Com um rosto solene, mostrou
cou que a FONTE é quem emite uma infor- branca, uma linha negra. -o a Décio.
O auditório estava cheio. Não cabia uma mação, o EMISSOR é a forma em que realiza
alma, nem um alfinete. Assim, Décio abriu a transmissão da informação, e o RECEPTOR
caminho até o púlpito. Saudou cortesmente é aquele que converte a informação de modo
a duas pessoas que o esperavam e sentou- que não aconteça muita perda. Desdobrou
se atrás de um papelzinho sobre a mesa um dos papéis sobre a mesa e mostrou ao

54 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 55
na desigualdade, na justiça. Do praticável se Legendas da Exposição
Poesia Concreta Brasileira, cartaz
aproximou também o poeta Marco Antonio Jornais 42x29,5cm
Montes de Oca. Estendeu a Décio um volume
Ritmo e compasso, crítica de Sérgio Buarque de Holanda Arte e Comunicação, cartaz
autografado de seu livro recém-publicado: comentando o estilo literário na obra O carrossel, do Curso na Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo
Lugares Onde o Espaço Cicatriza. Muitos poeta Décio Pignatari, situando a importância do ritmo 46x30,5cm
na poesia.
outros poetas lhe entregaram exemplares Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 10 jun. 1951. p. 3-4 O Inferno de Wall Street, Décio Pignatari
recorte 32x14cm Maio 2001
de seus trabalhos. Conheço ou conheci bem 53x30cm
muitos dos que se aproximaram, maus poe- Décio Pignatari – The Concrete Poets of Brazil, número
especial do suplemento literário do Times sobre a Publicações
tas e bons filólogos.
vanguarda, reconhecendo a importância mundial do
movimento da poesia concreta. Spirale nº 5, artigo de Eugen Gomringer: “Do verso à
Times Literary Supplement, 3 set. 1964, p. 791 constelação – função e forma de uma nova poesia”.
Creio que a boa poesia mexicana morreu. 44x30,5cm Revista de arte e poesia concreta, fundada por Eugen
Agora o que há é poesia livre. Décio e os con- Gomringer, Dieter Roth e Marcel Wyss, em 1953, Berna,
Caça Níqueis e Tiro Indireto, crônicas de Décio Pignatari Suíça.
cretos ajudaram nessa libertação. E salvador sobre futebol. 35x35cm (aberta 35x70)
Elizondo, que esteve no Colóquio, e também Folha de S.Paulo, 2 mar. 1965
31,5x21cm Spirale nº 8, 1960
Tan Lin, e também o Tin Larín. E Eugene Poemas de Décio Pignatari
Teoria da Guerrilha Artística, ensaio de Décio Pignatari. 35x35cm (aberta 35x70)
Gomringer. As listas são odiosas e aborreci-
Correio da Manhã, 4 jun. 1967
das, um abismo e uma sedução. 54x38cm Koncrete Poesie International
Décio, impávido, olhava a mulher. Achei aqui- Edition Hansjörg Mayer, 1965
Vi que Décio tomava um táxi, justo com Sal- 48x48cm
lo um discurso chato demais para mostrar Re-Flashes: DP 80, número especial em homenagem aos
vador Elizondo, e o editor argentino ou fran- 80 anos do poeta Décio Pignatari poema de Augusto de
só dois desenhos. Achei sua interrupção ino- 1987. Edição com poemas do Décio
cês Saul Yurkievich, o surrealista Bueno, e Suplemento Literário de Minas Gerais, agosto 2007. Edition Hansjörg Mayer, 1965
portuna e pouco elegante. Jogou a folha para 48x48cm
foram juntos, mais alguém, Tatiana Bublova. 35,5x29cm
o ar e seu breve voo hipnotizou o público. A
Enquanto subiam, apareceu ninguém menos Oswald de Andrade Psicografado por Décio Pignatari Topoemas, Otávio Paz
mulher se agachou e pegou outra folha de “Folhetim”, Folha de S.Paulo, 27 jun. 1982 Sobretiro de la revista de la universidad de México
que [a cantora mexicana] Yuri. Caramba, uma
papel, com um terceiro desenho, que poucos 35,5x29cm Volumen XXII, nº 10, jun. 1968
canção de Yuri que dizia: Capa e contracapa + 6 lâminas
assistentes conseguiram ver porque, quando FEMME, poema de Décio Pignatari 31,5x22,5cm
pa pa pa passa ligeira a maldita primavera
tentou levantá-lo e mostrá-lo, um magrinho “Folhetim”, Folha de S.Paulo, 10 abr. 1987
Foi mais ou menos assim, 35,5x29cm Linguaviagem, cubepoem by Augusto de Campos
guarda de segurança, com força inverossímil, Brighton Festival, 1967
vinho branco, 25x25,5cm (aberto 25x75)
segurou seus braços, parou-a e a conduziu Ezra Pound: Canto 2
noite Página Invenção, Correio Paulistano, 3 jul. 1960, p. 5
para fora do auditório. 60x40,5cm Poetamenos, Augusto de Campos – 1953-1973
velhas canções Edições Invenção, São Paulo, 1973
Depois das exclamações da mulher, um 10 lâminas + datiloscrito carbono
doce enganadora a maldita primavera Comunicação e Semiótica
silêncio. Lembro-me de ter visto o desenho e Página Invenção, Correio Paulistano, 9 out. 1960, p. 5 24,5x25,5cm
só faz mal a mim 63x42cm
do aroma das flores. O aroma das flores era Revistas Código - Erthos
o contrário do terrorismo cultural. Nova Linguagem, Nova Poesia Código 2, data (Décio – Pháneron)
Maurício Marcin (Tapachula, México, 1980) é Suplemento Literário, 26 set. 1964 Código 3, 1978
58x39,5cm Código 4, 1980
pesquisador e curador de artes visuais Código 5, 1981 (Augusto)
Décio não demorou em continuar e termi-
(Tradução: Ronaldo Bressane) Movimento Literário, Crise de Poesia em São Paulo Código 6, (Décio – Oswald) – 33x24,5cm [17 lâminas]
nar sua fala, já sem sobressaltos. Recebeu Folha de S.Paulo, 12 abr. 1953 Código 7, 1982
60x44cm Código 8, 1983 (galáxia)
um aplauso generalizado, comovido. Alguns Código 11, 1986 (capa Terra)
assistentes se aproximaram devagar do pra- Jornal, (Lygia Clarck e Décio Pignatari na capa) Código 12, 1989/1990
48x33cm
ticável para reverenciá-lo e conversar. Eu me
aproximei também e escutei que um homem Manifest Du Neo Concretisme Vocogramas, Décio Pignatari, 1985
Special – Lygia Clark: Fusion Generalize, p. 12 16,5x24cm 10 lâminas verticais e uma horizontal + capa
felicitava Décio por seu bigode. “Que bigode 41x55cm (aberto)
bem cuidado”, disse. Pensei na mulher fora Levantamento Vocabular de lance de dados feito por
Catálogo, cartaz, outros Erthos no computador
do auditório. Imaginei o guarda levando-a 2 folhas
14 andares abaixo. Pensei na ilegalidade e Poema Soviet, serigrafia 28x33,5cm (28x67)
31x31cm

56 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 57
Datiloscrito, Carta de Erthos para Décio, de 15 abr. 1979, Revista Através – 4 números Profilograma: DP europignatari
comentando o resultado do levantamento de lance de nº 1 Datiloscrito de Augusto de Campos DP, 1987 Datiloscrito de Décio Pignatari para Augusto de Campos,
dados. nº 2 32x23cm 1954
nº 3
Cartaz da exposição Erthos Albino de Souza: do Dáctilo 22,5x17cm Décio Pignatari Ritmo e Compasso, crítica de Sérgio Buarque de Holanda,
a Dígito nº 4 (fechada) Datiloscrito o Jogral e a Prostituta Negra, 1949 comentando o estilo literário na obra O Carrossel, do
Curadoria: Augusto de Campos e André Valias, 24 ag. a 24 26x18cm cada 29,5x21cm poeta Décio Pignatari, situando a importância do ritmo
out. 2010, Instituto Moreira Salles, Rio de Janeiro na poesia.
29,5x63cm Revista OEI, Suécia, 2008/2009, nº 39 Décio Pignatari Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 10 jun. 1951.
29,5x19,5cm Poema Digital Femme
Partitura de Um Movimento número especial sobre poesia concreta 21x31cm Spirale nº 5
Poema: Décio Pignatari Recorte do jornal O Globo, segundo caderno, 24 jul. 1992 Ensaio de Eugen Gomringer
Música: Willy Correa de Oliveira Livro Teoria da Poesia Concreta (primeira edição), Augusto 21x31cm “Do verso à constelação – função e forma de uma nova
35x99cm de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos poesia”.
Edições Invenção, 1965 Semiótica – Manual de Leitura FAU/USP Revista de arte e poesia concreta, fundada por Eugen
Life: Madrigal, 1973 23x16cm Lucrecia, Décio, Ferlauto e Carlos Egídio Gomringer, Dieter Roth e Marcel Wyss Berna, Suíça.
31x21,5cm 29,5x21cm (64x21 aberto)
O Carrossel, Décio Pignatari, 1950 Spirale nº 8
LP Gilberto Mendes, disco 19x13,5cm (aberto) Décio Pignatari Poemas de Décio Pignatari, 1960
inclui gravação Motet em Ré Menor Datiloscrito Adieu Mallaimé (autoportraitre), 1954
(Beba Cola-cola), 31x31cm Auto do Possesso, Haroldo de Campos, 1950 [versão 310] Revistas Código
19x13,5cm (fechado) 31,5x22cm Editor Erthos Albino de Souza
Revista Nevelouca
Editor Lucio Urubatan de Abreu O Rei Menos o Reino, Augusto de Campos, 1951 Décio Pignatari Vocogramas
Organização e coordenação: Torquato Neto e Wally 19x13,5cm (fechado) Datiloscrito Volpi, para Errâncias Décio Pignatari, 1985
Salomão 29,5x21cm Editor Erthos Albino de Souza
Rio de Janeiro Poema Lila (n. 152), 1950 Levantamento Vocabular
Aberta no Pháneron, I (36x55) 30,5x22cm Décio Pignatari Erthos Albino de Souza
36x27,5cm Manuscrito Um movimento impressora matricial
Datiloscrito Noosfera com orientação para publicação 21x27cm
Livro Céu de Lona, peça de Teatro de Décio Pignatari, 33x26,5cm Carta de Erthos para Décio de 15 abr. 1979, comentando
Travessa dos Editores, 2003 Décio Pignatari o resultado do levantamento vocabularde lance de dados.
31,5x24cm Suplemento Literário de Minas Gerais “Noosfera” Datiloscrito Um movimento
13 out. 1973 22x21,5cm A (R) Evolução do Poeta 1948-1998
Livro Ezra Pound 44x30,5cm Edição de Autor
Adquirido em Milano, 1955 (pequeno) FUTURA, nº 1, 3 e 9, 1965-66 Décio Pignatari, 1998
12x9,5cm Datiloscrito Beba coca-cola, 1957 Edições Hans - Jörg Mayer
vitrine Publicações do IDART
Livro O Desenho Industrial no Brasil, 1970 26x21,5cm Corluz, serigrafia de Décio Pignatari e Hermelindo Esta série inicial de publicações corresponde ao período
20,5x15cm Fiaminghi, 1996 1976/77, em que Décio Pignatari atuou como diretor do
Um Coup de Dés – Poéme Centro de Pesquisa do IDART. Fernando Lemos, então
Revista Invenção – 5 números Editora Gallimard, 1952 - originalmente publicado em Poesia Concreta in Brasile supervisor da área de Artes Gráficas e responsável pela
25,5x18cm (fechada) 1914 Serigrafias de Décio Pignatari, Haroldo de Campos e linha editorial do IDART, é o autor do projeto gráfico da
nº 1 (aberta) (25,5x36) 32,5x25cm Augusto de Campos série de publicações.
nº 2 (aberta) página 14, Cri$to, poema LU PUS (25,5x80) Curadoria: Lenora de Barros
nº 3 (fechada) Datiloscrito “Dados sobre Mallarmé” (3 folhas), 1954 Milão, 1991 Pesquisa Linguagens Experimentais em São Paulo
nº 4 (fechada) 32x22cm Supervisor da área de Artes Plásticas:
nº 5 aberta página 78 e 79, Cri$to, 1966 (25,5x58) Das Ruínas a Rexistência Raphael Buongermino Netto
Cartaz Concrete Poetry – Metropolitan, 1986 Filmes de Décio Pignatari inacabados (1961-1962)
Logomarca Invenção – original, carimbo s/ papel 57x42cm realização e montagem: Carlos Adriano Pesquisa Circo Espetáculo de Periferia
22,5x32cm produção: Bernardo Vorobow e Carlos Adriano, Supervisora da área de Artes Cênicas: Maria Thereza
Concurso de Livre Docência – anexo (pranchas), 1979 2004-2007/35mm/16mm/digital, 13 minutos Vargas
Certificado de patente de Invenção Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
33x24cm de São Paulo Ornamento do Túmulo de Mallarmé Pesquisa Da Literatura à TV
11 pranchas Fragmento de ferro recolhido por Pignatari, Cemitério de Supervisora da área de Literatura e Semiótica: Lucrécia
Revista Noigandres nº 1 - 1952 (fechada) Prancha III - cadeira Samoreau, França D’Aléssio
+ 2 estudos da capa de Décio Pignatari 32x22cm
33x24cm cada Prancha VI - mensagem arquitetônica Túmulo de Mallarmé Ensaio Fotográfico do IDART
42x32cm + capa Cemitério de Samoreau, França Fernando Lemos, 1976
Noigandres nº 2 - 1955 dedicada ao Décio fotos: Décio Pignatari, 1969 e 1992 Maria Eugênia Franco, Diretora do IDART
33x24cm cada (33x48) Roteiro para Vídeo – período de década de 1930 Décio Pignatari, diretor do Centro de Pesquisa do IDART
5 folhas Mallarmé Documents Iconographiques Décio Pignatari e o então prefeito de São Paulo, Olavo
Noigandres nº 3 - 1956 (aberta) poema Adieu Mallaimé 31,5x21,5cm Pierre Cailler Éditeur, 1947 Egydio Setubal, na inauguração do Centro de Pesquisa de
33x24cm cada (33x48) Arte Brasileira, 1976.
Lygia Fingers, Datiloscrito de Augusto de Campos Lygia Dados Sobre Mallarmé Sábato Magaldi, então secretário Municipal de Cultura e
Noigandres nº 4 - 1958 (12 lâminas + capa) Fingers, 1953 Décio Pignatari Maria Eugenia Franco
40x29cm cada 29,5x20,5cm datiloscrito/manuscrito, 1954 Sábato Magaldi, Maria Eugenia Franco e Maria Thereza Vargas

58 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 59
Oswald de Andrade
Foto1: sem autoria, 1950
Foto2: fotomontagem de Décio Pignatari e José F. Nania

Oswald de Andrade Psicografado por Décio Pignatari


Décio Pignatari
Folhetim, Folha de S.Paulo, 27 jun. 1982

Décio Pignatari
Waldermar Cordeiro
Desenho, 1953

Décio Pignatari e Waldemar Cordeiro, 1953


Décio Pignatari
foto: Klaus Werner, 1956

Décio Pignatari
foto: Augusto de Campos, 1952

Décio Pignatari
foto: Klaus Werner, 1956

Décio Pignatari e João Cabral de Melo Neto, Sevilha, 1956

Décio Pignatari e Roman Jakobson visitando o ateliê de


Alfredo Volpi
foto: Augusto de Campos, 1968

Prova de Cor da Capa e Revista Noigandres nº 1, 1952


capa: Décio Pignatari

Espetáculo Multimídia OUVER, com leitura de poemas,


por Décio e Augusto de Campos, participação de músicos
e projeção de vídeos, na Casa da Palavra, em Santo André,
1992. Na foto, da esquerda para a direita, em pé: Andréia,
Cid Campos, Augusto de Campos, Décio, Walter Silveira,
Manny Monteiro, Marcelo Brissac e Livio Tragtenberg

Décio Pignatari – The Concrete Poets of Brazil


Suplemento literário do Times reconhecendo a
importância mundial do movimento da poesia concreta.
Times Literary Supplement, 3 Set. 1964, p. 791.

Décio Pignatari no Concurso de Livre Docência


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo, 1979
foto: Claudio Ferlauto
Prancha VI - Mensagem Arquitetônica
(anexo da Tese)

Décio Pignatari proibido de entrar na ECA/USP, 1968


foto: Marco Antonio Amaral Rezende

Décio Pignatari no Segundo Congresso Brasileiro de Crítica


e História Literária, Assis/SP, 24 a 30 de julho de 1961, onde
apresenta a tese A situação da poesia atual no Brasil

Grupo Noigandres
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de
Campos
foto: Klaus Werner, 1952
Grupo Noigandres
Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos
foto: Ivan Cardoso, 1972
Augusto de Campos, José Lino Grünewald e Décio
Pignatari
José Lino Grünewald e Décio Pignatari

60 Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados Arquivo Décio Pignatari: Um Lance de Dados 61
Prefeitura de São Paulo Bruno Covas
Secretaria de Cultura André Sturm

Centro Cultural São Paulo | Direção Geral e Núcleo de


Curadoria Cadão Volpato Supervisão de Ação Cultural
Adriane Bertini e equipe Supervisão de Acervo Eduardo
Navarro Niero Filho e equipe Supervisão de Bibliotecas
Maria Aparecida Reis Ribeiro da Silva e equipe Supervisão
de Informação Álvaro Olyntho e equipe Supervisão de
Produção Luciana Mantovani e equipe Núcleo de Gestão
Everton Alves de Souza e equipe Núcleo de Projetos Kelly
Santiago e Walter Tadeu Hardt de Siqueira

Exposição ARQUIVO DÉCIO PIGNATARI: UM LANCE


DE DADOS | Coleção particular Acervo Décio Pignatari
[Família Pignatari] Curadoria de Artes Visuais CCSP
| Curadores Maria Adelaide Pontes e Marcio Harum
ISBN 978-85-99954-16-4
Arquiteta de exposições Claudia Afonso Produtora ano de impressão junho/2018
Vanessa Marcelino Estagiária Fernanda Rosolen impressão Laboratório gráfico do CCSP
Supervisão de Acervos CCSP | Conservação e Montagem tiragem 1000 exemplares
fina Claudia Lameirinha Bianchi, Andréa Bruscagin papel offset
capa 120gr
Morellato, Andrea Silva, Sandra Maria Lovizio, Maricler
miolo 90gr
Martinez Oliveira, Mariolis Della Torre, tipografia DIN
Nilza S. Mantovani Montagem | Manutenção CCSP
Montagem final ARTE TÉCNICA - Solução em Instalações
Impressão Fine Art Oficina de Impressão Digitalização
Gerson Tung
A exposição foi apresentada de 20 de agosto a 25 de
outubro de 2015 na Sala Tarsila do Amaral.

Catálogo ARQUIVO DÉCIO PIGNATARI: UM LANCE DE


DADOS | Organização Maria Adelaide Pontes Textos Maria
Adelaide Pontes, Tobi Maier, Maurício Marcin ‘Bolinho
de bebê’ (tradução de Ronaldo Bressane) Comunicação
Alvaro Olyntho Edição Ronaldo Bressane Revisão Paulo
Vinicio de Brito Projeto Gráfico e criação da capa Solange
de Azevedo Fotos da exposição João Silva e Vanessa
Marcelino Digitalização do acervo Décio Pignatari Gerson
Tung Transcrição do debate Signatari: do verbal ao não
verbal Fernanda Rosolen
Participaram do debate Signatari: do verbal ao não verbal
Augusto de Campos, Dante Pignatari, Tadeu Jungle e
Walter Silveira.

Agradecimento Fernando Lemos (Fotografias do IDART)


Agradecimento Especial Dante Pignatari e Lila Pignatari

realização

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