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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

THALES CAETANO LIRA

WESLEY DUKE LEE: UM ESTUDO DE CASO DO TRIUNFO DE


MAXIMILIANO I E OS TRABALHOS DE EROS EM UMA ANÁLISE DE SUA
POÉTICA

CAMPINAS

2015
Para Neide.
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Marco Antonio Alves do Valle, pela sugestão, condução, apoio e
confiança durante toda pesquisa.

À CNPQ/CAPES pela concessão da bolsa, sem a qual a pesquisa não teria


sido a mesma.

À Cacilda Teixeira da Costa e o Instituto Wesley Duke Lee, pela disponibilidade


e conhecimentos compartilhados.

A todos os amigos que de alguma forma ajudaram, mesmo que indiretamente.


A Amália, Isabela, Fábio, João, Monique, Natália, Thiago. À Gabriela, mesmo
que em caminhos diferentes.

À minha família, Marcos, Neide, Nathália e Thaisa, foram e continuam sendo o


apoio necessário nessa jornada.
RESUMO

A presente pesquisa teve como finalidade estudar dois trabalhos do artista Wesley
Duke Lee (1931 – 2010), “O Triumpho de Maximiliano I” de 1986, que tem como base
um conjunto de gravuras produzidas por Albrecht Dürer e Hans Burgkmair de mesmo
título, e “Os Trabalhos de Eros” de 1991, baseado nos frisos das colunatas do Grand
Palais, buscando pontos de intersecção com sua poética e com a história da arte.
Ambos os trabalhos foram analisados na procura pelos seus materiais constituintes,
referências e relações com a poética do artista. Dessa análise extraímos alguns
pontos chaves que compõem a poética de Wesley, sua relação com o tempo, memória
e mito.

Palavras-chave: História da Arte Brasileira, Artes Visuais, Wesley Duke Lee, Memória,
Mito.
ABSTRACT

This research aimed to study two works by the artist Wesley Duke Lee (1931 – 2010),
“The Triumph of Maximilian I” from 1986, based on a work with the same name by
Albrecht Dürer and Hans Burgkmair, and “The Eros’ Works” from 1991, that takes as a
starting point the reliefs on the base of the Grand Palais columns, intending to find
intersection points with his poetics and the history of art. Both works were analyzed in a
way to bring the sources, references and relations with the artist’s poetics. After that we
came up with some focal points that we believe are crucial to Wesley’s work, his
relationship with time, memory and myth.

Keywords: Contemporary Brazilian Art, Visual Arts, Wesley Duke Lee, Memory, Myth.
SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo 1 – Histórico e Contexto Artístico 3

1.1 O Começo 3

1.2 Aprendizado com Karl Plattner 5

1.3 Formação Continuada 6

1.4 De aprendiz a provocador 12

1.5 Artista e Professor 21

1.6 Realismo Mágico e Desenvolvimentos Poéticos 25

1.7 Grupo Rex 33

1.8 Bienais e Trabalhos no Exterior 38

1.9 Poética e Considerações Gerais do Trabalho 43

1.10 Aby Waburg 45

Capítulo 2 – “O Triumpho de Maximiliano I” 49

2.1 Introdução 49

2.2 Contexto Inicial 50

2.3 O Triunfo de Maximiliano I 53

2.4 Xerox 63

2.5 Desenho 65

2.6 A Série – Características Formais 67


2.7 Símbolos e Ícones 72

2.8 Narrativas e Temas 76

2.9 Os Tempos de Wesley 82

Capítulo 3 – “Os Trabalhos de Eros” 115

3.1 Introdução 115

3.2 O Grand Palais 115

3.3 Criação da Obra – Contexto 121

3.4 Os Trabalhos de Eros 125

3.5 Mnemozyne 135

3.6 Mito 139

3.7 Catálogo e Narrativa 147

Conclusão 163

Referências 168

Anexo I 173

Anexo II 183
11

Introdução

A presente dissertação pretende discorrer sobre a poética do trabalho de Wesley Duke


Lee, artista paulista fundamental para o desenvolvimento da arte contemporânea no
contexto paulista e brasileiro, desde os anos 60. Estamos nos propondo analisar como
recorte de nossa pesquisa duas de suas séries realizadas num momento considerado
mais maduro de sua produção, a saber: O Triumpho de Maximiliano I e os Trabalhos
de Eros. Buscamos analisar e interpretar ações e motivos recorrentes que acontecem
em sua poética nestes trabalhos, e como ela se relaciona com o todo de sua produção
e em especial com o contexto histórico que se insere.

O recorte proposto se baseia em alguns tópicos: memória, mito e tempo. Tais tópicos
se relacionam com a poética de Wesley e são apontados pelo mesmo em seus
escritos, trabalhos e falas. A inclinação do trabalho para esse sentido de pesquisa se
deve para além do material em si, com suas questões inerentes, a também referências
bibliográficas apontadas tanto pelo artista, quanto no desenvolvimento do processo de
pesquisa, e aqui destaco a importância dos artigos “Arquivos da Memória: Aby
Waburg, a História da Arte e A Arte Contemporânea”1 da Prof a Dra Cláudia Valladão de
Mattos2 e “Os Arquivos da Arte Moderna”3 de Hal Foster4.

Sobre o material bibliográfico utilizado durante a pesquisa, devemos destacar a


contribuição fundamental de Cacilda Teixeira da Costa 5, que desenvolveu durante
vários anos um trabalho de documentação sobre a obra de Wesley, sendo nesse
sentido a principal e às vezes a única referência sobre a obra do Artista. No presente

1
Disponível em:
http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2006/DE%20MATTOS,%20Claudia%20Valladao%20-%20IIEHA.pdf
2
Professora de História da Arte no Instituto de Artes, Unicamp.
3
Disponível em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae22_Hal_Foster.pdf
4
Historiador e crítico de arte Estadunidense possui alguns livros editados no Brasil, talvez o de maior
destaque seja “O Retorno do Real”, editado pela Cosac Naif.
5
“Doutora em artes pela Universidade de São Paulo. Especialista em arte moderna e contemporânea no
Brasil. Foi coordenadora do setor de vídeo-arte Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São
Paulo, Curadora do setor de vídeo-arte na XVI Bienal de São Paulo, Chefe de programação da Divisão de
Artes Plásticas do Centro Cultural São Paulo, Diretora técnica Museu de Arte Moderna de São Paulo,
Curadora independente de várias exposições; Consultora das séries “Arte e Matemática” e “Grandes
Mestres” na TV Cultura São Paulo; co-autora de “Todo passado dentro do presente” série de programas
para televisão. Autora de várias obras como “O sonho e a técnica, Arquitetura de ferro no Brasil”-
vencedor do Prêmio Jabuti 1995.” Biografia disponível em: http://www.escolasaopaulo.org/quem/cacilda-
teixeira-da-costa
12

capítulo, a grande maioria das notas biográficas derivam de seu trabalho,


apresentados em dois livros “Um Salmão na Corrente Taciturna” (COSTA, 2005), fruto
de sua tese de doutorado e do capítulo “Cronologia da Vida e Obra de Wesley Duke
Lee” do livro editado para sua retrospectiva na Pinakotheke Cultural 6(COSTA et al,
2010). Além de escrever os textos críticos presentes nos catálogos dos trabalhos
estudados.

Tendo isso em vista, reafirmamos o sentido de nossa pesquisa em prover um olhar


aprofundado sobre a obra do artista e ajudar a criar um corpo mais diversificado de
estudos sobre a obra de Wesley Duke Lee.

6
Para uma visão da exposição veja: WESLEY Duke Lee – Retrospectiva – Roda da Moda, Rio de
Janeiro, 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HVM_WlwJwfk
13

Capítulo 1

Histórico e Contexto Artístico.

O Começo.

Wesley Duke Lee (São Paulo, 21 de Dezembro de 1931 – São Paulo, 12 de Setembro
de 2010), foi uma figura controversa, ainda que essencial para o meio artístico
brasileiro desde a década de 60. Dono de uma trajetória singular, durante todo o seu
percurso artístico manteve uma forte traço de independência, tendo um trabalho
bastante distinto no contexto artístico brasileiro. Sua formação artística pode ser
traçada desde sua infância, os avós maternos e paternos, apesar de não serem
artistas profissionais, possuíam estudos em belas-artes (avó paterna), bem como
pintura e decoração de interiores (avô materno). Ainda na infância, Wesley, junto de
seu irmão William, viveu um período na casa dos avós paternos, onde sua avó
possuía um ateliê pintura, tendo um contato ainda que indireto, pois a avó não o
deixava mexer.

Após essa temporada na casa dos avós, Wesley volta a morar com os pais, nessa
nova morada, seu pai William possui uma oficina e marcenaria, e é lá que desenvolve
seus primeiros projetos. Sua iniciação formal num curso artístico acontece em 1951,
quando passa a frequentar o Curso Livre de Desenho do MASP 7, dirigido por Roberto
Sambonet. No curso tem aulas com Pola Rezende, desenhando modelos vivos,
esculturas e objetos durante o curso. No mesmo ano é realizada a primeira Bienal de
São Paulo, a qual traz obras de Pollock, de Kooning, Rothko e Max Bill, este último
crucial para o desenvolvimento da arte concreta no Brasil.

Concluindo o colegial, viaja aos Estados Unidos onde estuda na Parsons School of
Design de 1952 a 1955, não chegando a concluir a formação, faz também um curso de
tipografia no American Institute of Graphic Arts. Durante sua estadia nos EUA,

7
COSTA et al, 2010, pg. 19
14

acompanha também o início da mudança de paradigma no cenário internacional, a


abstração na sua corrente mais forte de expressionismo abstrato, especialmente em
Nova Iorque, começa a dar lugar para outras proposições, muito ligadas a figuração,
objetos cotidianos e populares. Muito se deve esse retorno a uma redescoberta e
reavaliação crítica da obra de Marcel Duchamp, já residente nos EUA por muitos anos.

Bastante influenciados por Duchamp, bem como o trabalho de John Cage, Robert
Rauschenberg e Jasper Johns despontam como uma espécie de reação a força
vigente do expressionismo abstrato. Wesley tem contato com a obra de ambos, bem
no início de suas carreiras, quando ainda eram chamados de Neo-Dadá. Esse contato
com a vanguarda americana e mais tarde com os expoentes europeus (transitou pela
Europa entre 1958 e 1961, alternando estadias em Nova York e Brasil), foi
fundamental para a sua formação.

Haja visto que mesmo com as iniciativas das Bienais em trazer artistas internacionais,
o contato brasileiro com a produção de fora ainda era muito incipiente e inconstante,
sendo o contrário também verdade. De fato, não se promulga aqui um juízo de valor,
no sentido de o que existe além-mar seja melhor ou necessário para uma formação
artística, mas que acreditamos que artistas necessitam de contatos diversos, para
formar um solo fértil para a criação. Por causa de suas vivências no exterior, quando
fixa residência no Brasil, Wesley traz consigo referências que serão importantíssimas
para o meio artístico brasileiro, especialmente se fomos levar em conta os artistas da
Escola Brasil8, os quais foram seus alunos por um breve período.

A sua volta para o Brasil se deve, entre outros fatos, a não querer realizar uma
espécie de campanha publicitária para a finalização do curso. Considera não ser uma
boa forma de iniciação, mas ao mesmo tempo tem consciência que a publicidade é
apenas uma forma de ganha-pão, e toma como consolo uma frase dita por Paul Klee,
um dos seus heróis: “(...) Primeiro de tudo, a arte de viver; depois como minha
profissão ideal, poesia e filosofia, e como minha profissão real, artes plásticas; no
último recurso, por falta de ganhos ilustração”9. Escreve no seu diário: “por acaso,
coincide”.

8
MATTOS, 2006, pg. 11
9
No original: “(...) First of all, the art of living; then as my ideal profession, poetry and philosophy, and as
my real profession, plastic art; in the last resort, for lack of income illustration.” COSTA et al, 2010, p. 20.
15

A publicidade vai ser para Wesley algo que por mais que não seja seu foco principal,
vai orbitar nas bordas, sendo seu sustento até conseguir se firmar como artista
independente. Vale mencionar que apesar de ser para ele só um ganha-pão, seu
talento foi reconhecido tanto quanto estudante, ganhando prêmios, quanto profissional,
realizando campanhas para multinacionais como a Renault e a Ford 10.

Aprendizado com Karl Plattner

O fato de ter sido assistente de Karl Plattner11 (1919 – 1986) durante 3 anos – de 1957
a 1960 – contribuiu bastante para sua formação, nas palavras de Cacilda Teixeira da
Costa:

O que o aproximava de Plattner era a excelência técnica, o conhecimento do métier e,


sobretudo, sua postura definida de artista-pintor e não de inventor de gêneros ou
nomenclaturas estéticas. Com Plattner, ele procurava encontrar os meios e as trilhas
oferecidas pelos cânones. Se iria confirmá-los ou modificá-los, não entrava nas suas
reflexões (COSTA, 2005, p. 31)

Esse aprendizado, realizado após suas incursões aos EUA, mostra Wesley ainda
preocupado com sua posição como artista. Buscava em Plattner uma forma de
entender, de se aproximar ao mundo artístico, de vivenciar no dia-a-dia do estúdio o
que é se dedicar as artes, no caso mais específico da pintura. Com o mestre, também
pode ver como certas correntes disputavam os seus modos de fazer, ver como existia
um racha além de estético, ideológico até sobre a abstração e figuração.

10
COSTA et al, Op., cit., p. 24
11
“Karl Plattner (Valle Venosta Itália 1919 - 1986 s.l.). Pintor, desenhista e professor. Em 1946, inicia os
estudos artísticos em Florença e, no ano seguinte, transfere-se para Milão. Em 1948, freqüenta a
Académie de la Grande Chaumière, em Paris, e tem aulas com André Lhote (1885-1962). Expõe, em
1952, no 1º Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM), no Rio de Janeiro. Realiza individuais no Museu de
Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) em 1952, 1953 e 1954. Participa da Bienal Internacional de São
Paulo em 1953, 1955, 1957 e 1959 e, em 1956, integra a comitiva brasileira da 28ª Bienal de Veneza, na
Itália. Durante o período em que vive no Brasil, é professor de Maria Bonomi (1935), Gisela Eichbaum
(1920-1996) e Wesley Duke Lee (1931 - 2010). Retorna à Itália em 1954, devido a prêmio para realização
de um painel na cidade de Bolzano. Em 1956, de volta ao Brasil, é premiado com medalha de prata no
Salão Paulista de Arte Moderna e trabalha em painel para o jornal Folha de S. Paulo, cuja inauguração
será acompanhada de uma mostra individual. No mesmo ano, publica um desenho de capa no primeiro
número do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, obra que viria a figurar em exposição das
ilustrações desse caderno no MAM/SP em 1993. Em 1957, expõe individualmente no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). A partir de 1958, retornando definitivamente à Europa, executa
murais na Itália, França e Áustria.” Biografia disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23509/karl-plattner Acesso em 06/10/2015
16

Plattner ainda que mantivesse fiel a figura, uma “violenta fidelidade a figura”, nas
palavras de Lourival Gomes Machado (COSTA, 2005), deixava em aberto a
possibilidade da integração com elementos abstratos a figuração. Em suas próprias
palavras, escritas em um catálogo diziam: “Afinal por que não se poderia chegar a um
Realismo concreto?” 12.

Percebe no mestre certa vontade conciliadora, tanto porque, sendo um estrangeiro em


terras brasileiras, Plattner não contava com uma boa vontade natural ou mesmo um
grupo que pudesse lhe fornecer apoio, mas, além disso, tinha como proposta continuar
trabalhos que se inscreviam na história da arte, para além das vanguardas do começo
do século XX. Tendo vivenciado a Segunda Guerra Mundial, a vontade de conciliação
e retorno a uma tradição, eram compreensíveis, ainda que não ignorasse os feitos dos
grupos vanguardistas.

O fato de buscar ser aprendiz de um pintor remete a uma vontade de pertencer a uma
tradição, de entrar num espaço por meio de aprendizado, uma forma até retrograda de
inserção no campo artístico, tendo em mente os desdobramentos da arte no século
XIX e XX. Cacilda escreve sobre seu tempo de aprendizado:

O seu aprendizado com Plattner se encerra em 1958, logo após uma mal-fadada
temporada na ilha de Panarea na costa italiana. Lá, junto de Plattner conviveu com os
artistas Leonardo Cremonini, Matta Echauren, Anselmo Francesconi e Lucien Ferrari,
compositor. Os ânimos e os egos dos artistas fazem como que o projeto de
estabelecer uma comunidade artística na ilha fracasse, e em Setembro do mesmo ano
parte para Bruxelas, no qual trabalha num documentário sobre o café dirigido por
Geraldo Junqueira de Oliveira.

Formação Continuada

Segue depois para Paris em Outubro, por recomendação de Plattner, onde frequenta o
ateliê do gravador Friedlaender e classes na Académie de La Grande Chaumiére,
porém não encontra mais o centro efervescente que foi em outrora. Na época Nova
Iorque já despontava como centro da arte mundial, tendo o expressionismo abstrato
como força maior vigente.

12
COSTA, 2005, Op., cit., p.28
17

Encontra na cidade luz resquícios do surrealismo, visto


que Breton havia retornado a cidade depois da guerra e
buscava retomar a força do movimento. Essa tentativa
não ocorreu sem obstáculos, Tzara, Sartre e Camus
criticavam o movimento e seu potencial revolucionário
enquanto outras correntes de pensamento se tornavam
mais fortes. Breton organizou exposições surrealistas,
junto a Duchamp, mas com a distância histórica da origem
do movimento, uma aura de retrospectiva histórica pairava
sobre as exposições.

Figura 1. Bed, Robert Rauschenberg, Fonte:


https://www.moma.org/learn/moma_learning/robert-rauschenberg-bed-1955

Com objetivo de atualizar o movimento e estabelecer ligações com artistas correntes,


Breton realiza em 1958 Exposition Internationale du Surréalisme, onde expõe obras de
Rauschenberg e Jasper Johns. Wesley tem a oportunidade de ver essa exposição e
se impressiona com dois trabalhos de Rauschenberg: Bed (1955) e Canyon (1958).
Nas obras dos dois artistas norte-americanos sente uma identificação maior do que os
artistas em destaque nessa época em Paris, como Lucio Fontana e Jean Debuffet.

Durante sua estadia na cidade, compõe uma série denominada Templários, onde cria
uma narrativa reinterpretando a saga desses cavaleiros, passando pelo seu passado
histórico e também por representações atuais como as histórias em quadrinhos do
Príncipe Valente. É na Europa que Wesley tem contanto no presente com um passado
quase mítico, que conhecia de reproduções e histórias, e essa fusão de tempos
diferentes vai ser algo que acompanhará sempre sua obra. Os cavaleiros templários
são uma visão auto-referencial para Wesley, que nesse mergulho histórico ajuda-o a
entender seu processo pessoal de descobrimento artístico, refletindo sua vida. Arkadin
D’y Saint Amer, é o nome concedido ao seu alter-ego, onde Saint Amer é Santo
Amaro, bairro onde cresceu e viveu durante boa parte da vida:
18

Em uma carta aos pais escreve como sente que a atmosfera de Paris não é aquilo que
busca, tendo já passado por Nova Iorque, é lá que se identifica: “sinceramente eu
prefiro Nova York; aqui pensam que eu sou louco porque é quase um desafio, mas eu
estou vivo hoje e não há cem anos (quem sabe seja questão de raiz)” (Carta aos pais,
s.l., 27. Set. 1958) 13. Escreve em seu diário sobre a decepção que Paris trouxe: “Paris
não funciona para o que eu procuro, é pena...Ficou o mito e uma geração perdida,
misturada com os outros que pensam que ainda existe...Friedlaender me decepcionou.
Vou me preparar para partir para o Japão...Será a última tentativa! 14

Nem tudo foi decepção durante a estadia em Paris, pois foi lá que conheceu Carlos
Felipe Saldanha, diplomata brasileiro que seria amigo seu de longa data. No ambiente
intelectual de jovens diplomatas e artistas brasileiros, entrou em contato com a ciência
da soluções imaginárias, a patafísica15 de Alfred Jarry16, qual foi influente para
Duchamp, Breton, Raymond Roussel. O que instigava esse círculo de pessoas nas
obras de Jarry era o clima de nonsense, de humor e ironia, de uma subversão da
lógica, o que na poética de Wesley iria se afirmar depois com o humor como elemento
fundamental no fazer artístico.

É curioso pensar que um dos artistas que exerceu influência no processo formativo de
Wesley, Robert Rauschenberg também em sua formação se locomoveu para Paris,
em busca de uma capital artística efervescente, porém ambos descobrem que o brilho
que imaginavam a cidade ter, já não era mais ou mesmo e decidem buscar em outro
lugar essa vitalidade artística.

Não devemos também enxergar Paris nessa época como um deserto cultural. De fato
diversos artistas que antes tomavam a cidade como morada, vindos dos mais diversos
países, agora escolhiam Nova York como sua residência. Isso se deve ao fato que
durante a Segunda Guerra Mundial, Paris foi ocupada e muitos tiveram que fugir dos

13
COSTA, 2005, Op., cit., p. 38
14
Idem.
15
“A ‘Patafísica é, possivelmente, o mais heterodoxo dos campos filosóficos. Entendida também como a
“ciência das soluções imaginárias”, concentra-se no estudo das exceções do universo, substituindo a
observação de fenômenos repetidos pela engenhosa prática da atribuição de propriedades simbólicas aos
objetos, a partir de suas potencialidades.” Disponível em:
http://www.repia.art.br/ear/index.php?pag=38&prog=163&id=18 Acesso em 06/10/2105
16
(1873 – 1907) Escritor e dramaturgo francês conhecido por obras de caráter surrealista mesmo antes
de o movimento tomar forma. Sua peça mais conhecida é Ubu Rei.
19

horrores da guerra, escolhendo os EUA como destino de refúgio. Duchamp talvez seja
um dos mais famosos exilados, mas junto a ele, uma miríade de artistas e intelectuais
também migrou para o novo mundo, ajudando a fomentar uma cena que agora no pós-
guerra ganhava cada vez mais destaque.

Porém, a ebulição cultural e social que a década de 60 trouxe para o campo artístico
não foi exclusiva de Nova York, em Paris um grupo de artistas, tendo talvez Yves
Klein17 como seu principal expoente, também começava a mostrar seus trabalhos e
assinalar uma mudança no eixo da prática artística. Os novos realistas, como foram
chamados pelo crítico Pierre Restany18 buscavam uma nova interpretação do real no
sentido da prática artística, de não só realizar uma pintura de cenas cotidianas, mas
sim fundir o cotidiano com a prática artística.

Essa fusão também era vista como motor no trabalho de Rauschenberg, segundo
consta na sua famosa frase que seu trabalho era feito no limiar entre a Arte e a Vida,
nas palavras de Alan Solomon (COSTA, 2005):

Começamos a operar aqui em área um tanto indeterminada, de certo modo localizada


entre a arte e a vida, de maneira tal que o potencial de enriquecimento da vida como
arte funde-se de maneira inseparável com a possibilidade de tornar a obra de arte uma
experiência a ser sentida de maneira muito mais direta do que as precedentes formas e
pintura e escultura jamais o permitira..19

Wesley em dezembro de 1958 retorna ao Brasil, um pouco confuso e frustrado com a


experiência europeia, porém certo de sua vocação como artista, ansiava ter mais
conhecimento e se aprofundar mais: “As minhas preocupações mudaram por completo

17
(1928 – 1962) Artista francês conhecido por suas pinturas monocromáticas em azul. Expôs na galeria
parisiense de Iris Clert uma obra chamada “O Vazio” onde apresentou somente o espaço expositivo, sem
obras. No tocante da sua obra, lidou com questões da desmaterialização da obra de arte, muito presentes
na década de 1960.
18
(1930 – 2003) Foi um crítico de arte francês muito atualmente no cenário artístico mundial desde a
década de 1960. Cunhou o termo “Novos Realistas” com Yves Klein, por ocasião em que este participava
de uma exposição em Milão. Acompanhou também com bastante interesse os desenvolvimentos
artísticos na America Latina, em especial a Bienal de São Paulo. Sobre sua relação com a Bienal de São
Paulo e suas críticas ao modelo ver SCHROEDER, Caroline Saut. Pierre Restany: A Passagem para a
“Anticarreira” In: Encontro de História da Arte – Unicamp, VII, 2011. Campinas, Atas... Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2011, p. 107-110. Disponível em
http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2011/Caroline%20Saut%20Schroeder.pdf
19
COSTA, 2005, Op., cit., p. 38
20

e levei o choque de quem acredita em idealismos e depois vê os ideais com os


próprios olhos... Eu tenho que me instruir mais e trabalhar muito” (Costa, 2005).

Em sua volta a São Paulo, trabalha dois meses na agência de publicidade AD


Publicidade com Affonso Celso de Aquino, mas logo recebe um convite de Geraldo
Junqueira para trabalhar em um documentário sobre a construção de Brasília para a
Real Aerovias, fazendo a rota Buenos Aires/Nova York, passando por diversas
cidades latino-americanas.

Logo após o encerramento do documentário, recebe uma proposta da Renault para


realizar uma campanha institucional nas novas linhas de montagem da empresa. Viaja
para Paris em Julho e com o dinheiro obtido no trabalho, consegue se manter na
Europa por praticamente um ano. Ao término da campanha convida a mãe para vir a
Europa e viaja até Portugal para encontrá-la, passando pelo norte da Espanha. Depois
viajam pelo Norte de Portugal, passando por Altamira, San Sebástian, Florença e por
fim França. Wesley já havia combinado com Plattner que iria ajudá-lo a realizar um
painel de 86 m² para a Neufestspielhaus em Salzburgo, viaja então em Dezembro para
o ateliê do mestre em Bolzano, onde trabalha por quatro meses.

Durante esse período tem a oportunidade de viajar frequentemente para Zurique,


Munique e Salzburgo, podendo assim ver as coleções de obras de Klimt e Schiele,
conhecer de perto os trabalhos de seu herói pessoal Klee e do Blauer Reiter. Essa
estadia também permite o encontro com outros jovens brasileiros, muito deles
diplomatas, como Rogério Corção, a pianista Gilda Osvaldo Cruz e o reencontro com
Carlos Felipe Saldanha. Essa atmosfera de cultura, requinte intelectual e de uma certa
aristocracia decaída (COSTA, 2005) contrastam com a educação protestante que teve,
muito mais austera e pragmática.

É durante esse período que no seu diário escreve as figuras importantes para seu
trabalho:

Nova Geração Alemã:

Klaus J. Fischer, Jürgen Schmidt, Wolff Barth

Heróis: Antoni Tapiès, Alberto Burri,Lucio Fontana, Wols, Dubuffet, Juan Miró

Influências Sadias: Schiele, Egon. Klimt, Gustav


21

20
Anjos: Paul Klee, Picasso.

É notável a influência europeia, nada mais claro haja visto o ambiente que estava
imerso, mas ao mesmo tempo que evoca contemporâneos, Wesley também se mira
para o passado, ainda que recente ou não tão longínquo. A sua predileção por
desenho também é vista, elegendo grandes mestres do traço como Picasso e Klimt.

Durante essa nova estada, também trabalhou na sua série de Templários, e foi seu
amigo Rogério Corção que lhe concedeu o nome Arkadin, mais tarde D’y Saint Amer.
Arkadin refere-se ao arcaico, além de ser um personagem de Orson Welles, Mister
Arkadin que traz uma referência a Arcádia. Dentro dessa concepção, já podemos
perceber a ligação de Wesley com o passado, criando uma personagem e uma série
em que articula um mundo medieval, da mesma forma que irá articular no futuro com o
“Triumpho de Maximilano”, esboçando desde então essa ligação tênue de diversos
tempos, que coexistem graças a poética do artista, filtrados por suas experiências
pessoais.

Dos seus amigos dessa época, também criou obras e expandiu o universo dos
templários que vinha trabalhando. Pintou Retrato do Marcelo (1958), fez um desenho
para Gilda, Valnéria D’y Pompéia (c.1960), e criou outro alter-ego para orientação,
chamado de Marcadium d’y Capua (1961).

Podemos enxergar com a sua produção na época buscava um auto-descobrimento,


uma formação de artista, que como um cavaleiro, partia em peripécias pela Europa,
buscando trilhar o seu caminho único e pessoal. Talvez por isso que durante sua
estadia em Bolzano se sentia preso, em tédio, em seu diário escreve: “Os Plattner
levam uma vida antissocial” (COSTA, 2005), que apesar de Wesley se reunir com
amigos intelectuais e desfrutar de uma cena artística, no dia-a-dia do trabalho a
realidade e a rotina o massacravam.

Ainda em formação como artista, buscando sua poética própria, Wesley decide seguir
pela carreira de cineasta e pretende ir até a Suécia, onde segundo seu plano tornar-
se-ia aprendiz de Ingmar Bergman. Em maio de 1960, empreende a viagem junto ao
irmão, ambos numa vespa, numa releitura moderna do cavaleiro com seu cavalo e
escudeiro em busca do mago que iria ajudá-lo em sua jornada. O cineasta acaba por

20
Diário de Wesley, Bolzano, 31, Jan, 1960 in COSTA, Op., cit., p. 48
22

receber Wesley, porém não o aceita como membro de sua equipe, preferindo
aconselha-lo a trabalhar em seu país de origem, Brasil.

É interessante ver como nesse momento, Wesley vacilava sobre a sua vontade de ser
artista, no caso como pintor, muito por influência de Plattner. Sem querer entrar em
psicologismos, busca no cinema talvez uma fuga da influência do mestre pintor, uma
forma de buscar novos ares, traçar outros caminhos. Podemos enxergar sua estadia
na Europa como um processo de amadurecimento, em que ao retornar ao Brasil em
Julho de 1960 encerra sua fase de aprendizado.

De aprendiz para provocador

Ao voltar para o Brasil, se estabelece em São Paulo, abrindo um ateliê na Rua


Augusta, ponto de característico até hoje da vida cultural paulistana. A partir daí
começa a produzir e pintar, no que podemos entender como a consolidação de sua
postura como artista. Desenvolve nesse período talvez uma de suas séries mais
conhecidas, certamente uma das primeiras a ter destaque no circuito artístico.

A série chamada de Ligas é uma exploração do universo feminino, com viés de


erotismo e voyeurismo. A modelo, Lydia Chamis, tinha um relacionamento com
Wesley na época, e durante os trabalhos da série podemos ver além da representação
da mulher, um desenrolar intimo do casal, análogo a relação modelo e pintor.

Já olhando em retrospecto, Wesley elabora sobre as questões da série:

[...] hoje me parecem míticos, primitivos. Era um rito de iniciação primário, uma
homenagem à origem, à grande mãe, alguma coisa interior, parte de minha evolução.
Contudo, lidava instintivamente com um assunto muito complicado (e que para os
homens é um terror): o princípio feminino. Como manejar o feminino dentro de si?
Estava me aproximando do vaso, o vaso máximo eu é o útero, onde se põe tudo.
Comecei pela púbis, tentando vencer o medo; dele fui avançando até conseguir fazer
uma figura inteira, o que levou 10 anos. A imagem aparecia sempre por partes, faltando
pedaços. Agora, “colando as figurinhas”, é fácil ver como eu fui me aproximando do
problema lentamente, timidamente, até formar uma visão. Era um trabalho ritual.
(Costa, 1980, p. 22)

A série Ligas parece servir como um molde temático para os outros trabalhos que
desenvolve num período de 3 anos, todos com a temática feminina, que oscila entre
um lirismo e uma transgressão erótica, buscando uma compreensão de uma parte de
23

si mesmo, uma liberação “de seu próprio intelectualismo, [o] retornar inteiro diante da
mulher”, em suas próprias palavras.

Entre 1960 e 1964, desenvolve os trabalhos com essa temática: “Ode Erótica a Lydia
(1960), Série das Ligas I (1962), O Cinturão de Afrodite (1962), Série das Ligas 2
(1962), Série das Ligas 3 (1962), Série das correias (1962) e o álbum A história da
moça que atravessou o espelho (1964), numa busca de explorar uma temática tanto
quando motivo artístico, como um processo psicológico na qual toma parte à partir de
sua vivência, em lidar com o feminino.

Figura 2: No Espelho Mágico, 1964, Wesley Duke Lee, fonte: Enciclopédia Itaú
Cultural. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee

Em 1962, por convite de Arturo Profili, viaja a Itália onde produz alguns trabalhos e
expõe a série de Ligas, na Galeria Sistina II, onde encontra uma certa resistência no
ambiente local, apesar de outros trabalhos serem apreciados:

Os desenhos estão sendo bem recebidos, encontrei um clima de respeito pelo meu
trabalho e o nível é bem igual ao deles. [Apenas a série das Ligas] deixa a turma um
24

pouco quieta, mas chacoalha bastante, o que me faz pensar que aí (no Brasil) temos
muito mais liberdade.21

A exposição da série Ligas no Brasil ocorreu em 1963, e foi feita de uma maneira que
também evidenciava o caráter erótico e voyeur do trabalho, realizado no João
Sebastião Bar, não mais operante hoje, “O grande espetáculo das artes” consistia em
filme feito com Otto Stupakoff, de 15 minutos em que Maria Cecília Gismondi, vestida
com roupas de alta costura, caminha pelas ruas, terminado o filme, Lydia Chamis,
vestido como a personagem, rompe a tela de projeção, onde realiza anti-striptease,
que no final não revela nem uma parte do seu corpo, havia também um ventilador que
jogava espuma de sabão, penas de galinha e confete colorido sobre os espectadores.

Figura 3: Still do Vídeo de Otto Stupakoff. Fonte: A Última Viagem de Arkadin D’y
Saint Amer, DVD, Cores.

As obras eram expostas numa meia luz, de modo que para conseguir vê-las, era
necessário portar uma lanterna. Houve excesso de público e a polícia teve que intervir.
Na abertura também foi lido um protesto contra a crítica de arte (um embate que
perdurou durante muito tempo):

21
Carta aos pais, Legnano, 13, Dez, 1962, in COSTA, 2005, p. 73
25

Todas as manifestações que estão diretamente ligadas aos problemas filosóficos de


Origem ou Mytho são dificilmente percebidas ou compreendidas de imediato. Por isso,
eu gostaria de aproveitar este momento para publicamente fazer uma homenagem à
Crítica que desde o começo de minha carreira vem me incentivando e ajudando neste
muito minha e particular pesquisa. Pela perspicácia e sensível observação, pela
originalidade na classificação artística, nas nuanças do metier. Gostaria que este crítico
aqui presente recebesse a totalidade de minha gratidão, transcrevendo e decifrando ao
grande Público os curiosos e inesperados caminhos que o desenvolvimento artístico
atravessa. (COSTA, 2005, p. 87)

Paralelamente ao desenvolvimento da série dos Templários e das Ligas, Wesley


desenvolve outra série, O Chefe. Na trilogia de trabalhos dessa época, o Chefe parece
surgir como o elemento ordenador na tríade. Se por um lado temos o Templário como
o cavaleiro quase romântico, que vive aventuras e está sempre em busca de algo,
junto com as Ligas, representando tanto a possível donzela em perigo, necessária
para o cavaleiro, quanto o lado feminino, o oposto do cavaleiro (oposto não
necessariamente no sentido de embate, mas mais como uma forma complementar, o
outro lado da moeda, por assim dizer), do outro lado surge a figura do chefe, como o
elemento que põe em cheque os outros dois, uma espécie de pilar central para que os
outros lados não se percam.

Executou nessa temática da série o primeiro trabalho no mesmo ano que faz Ode
Erótica a Lydia e o Templário Ark, chamado de Renascimento do fauno ou chefe ainda
sobre disfarce (todos de 1960). Sobre a série, Millôr Fernandes escreve em Elegia
para um artista vivo, de 1964 (COSTA, 2005):

O Chefe, reminiscência das histórias em quadrinhos (“Pegamos o homem, chefe!”) é,


sobretudo, ânsia social dos países livres cansados de sua liberdade e de sua falta de
chefia (“O Bigodudo vem aí”) e terror dos países totalitários e socializados, onde pode
faltar tudo, menos o chefe. Wesley Duke Lee é, assim, um artista que pensa, mas sua
plástica, já se percebe, antecipa-se à ideia – ele só pensa depois que vê. E o que ele
vê são magos, magias, távolas redondas, cavaleiros templários e inúteis cintos de
castidade – a carne é forte.

Busca com ela um sentido de ordem, algo que mesmo diante da profusão criativa
possa se estabelecer como uma disciplina, num caráter ético e até mesmo utópico,
diferente das outras séries, que possuem um caráter pessoal, sentimental.

Em seu próprio diário, Wesley escreve sobre a figura do Chefe:


26

[...] tive um momento lúcido, de uma de minhas necessidades, o constante poder de


influenciar, lento mas seguro, a necessidade do líder, sem as responsabilidades que
forçam com a tomada de posição. [E completa]: então guardar o anonimato, a
independência de movimento...Ah! Samurai do séc. XII, no meu atraso total eu vos sigo
22
com oito séculos de retardamento.

Uma característica da série O Chefe, é que a personagem principal nunca aparece de


forma completa, ou demonstra claramente sua função. Nas obras da série, sempre há
uma nebulosidade, pedaços daquilo que se entende pelo personagem principal. É
semelhante o procedimento feito nas Ligas onde partes e mais partes vão sendo
criadas e adicionadas para podermos compreender melhor essa figura nebulosa e
instigante. Podemos ver isso nas obras: Estudo para o maxilar superior do chefe
(1961), Estudo para o crânio do chefe (com influência do Mabe) (1961), Estudo para o
embrião do chefe (1962), Estudo para molaris triturante do chefe (1962).

22
Diário, Bolzano, 3.jan.1960 in COSTA, 2005, p.60
27

Figura 4: Estudo para a Tráqueia do Chefe, Wesley Duke Lee. Fonte: Um Salmão na
Corrente Taciturna.

Por mais que o Chefe apresente esse sentido de ordenação, nunca foi num sentido
programático ou panfletário. Tinha o seu caráter utópico, de centralizar em uma só
figura o poder de mediação entre diversas partes, mas nunca chegou a ser uma força
repressora dentro do âmbito do trabalho. Podemos enxergar em Wesley um diálogo
pessoal, onde busca entender as forças que regem seu processo criativo, onde elas
se encontram numa narrativa pessoal.

Embora Chefe, Ligas e Templário sejam séries simultâneas, vemos uma certa
distinção entre seus motivos que no decorrer de seu percurso poético irão se cruzar e
prover diversos frutos, como podemos enxergar em “O Triumpho”, onde Wesley
parece articular a figura do Chefe, ou seja, o Imperador Maximiliano I, as Ligas,
presentes na modelo que desfila junto a procissão triunfal e o templário, como parte da
escolta e personagem do triunfo.

O clima da época também era favorável a esse tipo de pesquisa e descobrimento, a


década de 60 trouxe diversos movimentos contestatórios, tanto no âmbito social
quanto no político. Chega até ser presciente a figura do chefe ser trabalhada apenas
alguns anos antes do golpe militar, que institui literalmente a figura de um chefe de
estado repressor.

Apesar desse conjunto de séries não serem propriamente os primeiros trabalhos


realizados por Wesley, podemos ver neles uma das primeiras expressões dum artista
formado, que começa a construir sua própria poética e caminho. Apesar disso, a
recepção de seus trabalhos ainda causa desconforto, não tendo o diálogo que
esperava, ou melhor dizendo ansiava. Na ocasião de sua exposição na Itália, escreve
aos pais:

O Famoso diálogo que pensava encontrar parece que não existe senão entre algumas
pessoas, o resto é todo um trabalho particular, e no mundo da criação o caminho é
muito sozinho mesmo. Mas, uma vez contato isso, as coisas ficam mais simples e
aparentemente mais fáceis. (COSTA, 2005, p. 73)

A sua primeira individual foi realizada na Galeria Sistina, de Enrica e Arturo Profili, a
mesma galeria que o abrigaria na Itália alguns anos depois, em Abril de 1961. Profili
era diretor do jornal Fanfula, ex-secretário geral do MAM-SP, além de ser secretário
28

particular de Cicillio Mararazzo no MAM-SP e na Bienal de São Paulo. Tinha como


marchand um transito entre artistas europeus de renome, mas buscava também trazer
artistas brasileiros, tendo Manabu Mabe um exemplo de artista que ganhou
reconhecimento através de sua galeria (ainda que não sem protestos e críticas de
outros grupos).

Apresenta na exposição cerca de 50 trabalhos emoldurados, 57 reunidos num álbum


chamado O espírito da coisa. Dentre os trabalhos, cerca de 15 são relacionados aos
Templários, 3 da série denominada Botânica, dois trabalhos de temática pessoal, Vovó
e eu (1958 – 1960) e A avó e a mãe da moça (1958 – 1960) entre outros.

Sobre a exposição, José Geraldo Vieira (COSTA. 2005) escreve na Folha de São
Paulo duas críticas. Na primeira, se foca mais na figura do artista, comparando a
Alfred Jarry, Antonin Artaud e Jacques Vaché, tendo pouco material sobre as obras
em si:

De qualquer maneira, o homem existente no artista chama a atenção nas rodas


artísticas, nas galerias, nos museus, primeiro que tudo por lembrar um remanescente
do dadaísmo de Colônia, Zurique, Berlim e Hannover. Quanto aos títulos de suas
têmperas, de suas gravuras e de seus desenhos, há ainda laivos de classificações no
gênero, sobretudo de Marcel Duchamp.

Alguns dias depois, retoma a escrever sobre a exposição:

As rodas artísticas caracterizam-se por diferentes grupos; mas nelas há indivíduos que
por si só, convivendo com sua artes penas, valem por um grupo, devido exatamente a
polivalência de sua expressão, mesmo que esta permaneça marginal ao tachismo ou
ao concretismo, por exemplo. Esse é, sem dúvida, o caso do artista Wesley Duke Lee,
que não exterioriza sua arte através da clave tachista, nem da pauta concreta e sim
através de processos artesanais como a têmpera, o desenho e a gravura cujos timbres
elemodifica pelos bemóis do surrealismo objetivo ou abstrato. (...) O conjunto é bom,
quase excelente, resultando decerto daquilo que os concretistas chamariam
“espontaneidade controlada”. Conjunto denso, variado quase heteróclito; evidencia da
parte quem o fez a direção intelectual sobre a mão artesanal, resultando não direi
tarefas mas inspirações sadias, duma ambiguidade irônica e comprovando o velho
slogan davinciano: Arte é coisa mentale.23

23
COSTA, 2005, p.68-69
29

Na crítica de José Geraldo Vieira podemos notar duas coisas que serão constantes no
diálogo crítico sobre Wesley: A primeira, é sua formação e proposição de trabalho
diferente do contexto brasileiro da época, mas especificamente a sua não aderência a
elementos concretos, certamente algo herdado do ensino com Plattner. A segunda é a
individualidade do artista, que ao menos num primeiro momento, não possuía muitos
congêneres no campo artístico. Com o passar dos anos a situação muda, mas não
nunca chegou a ser parte de um movimento, que digamos assim, era o mais popular.

É notável também uma certa fixação com a aparência e os modos de Wesley, o jeito
como ele se comporta perante a sociedade. Certamente, a biografia e modo de vida
de um artista exerce alguma, ainda que difícil de quantificar, influência no seu trabalho
(e claro, aqui estamos fazendo isso), porém a fixação da crítica na época, era
desmerecer o trabalho com base nesses atributos. Wesley estabelece uma postura
combativa, de enfant terrible.

Tendo em vista o contexto da época, uma ebulição de causas sociais e integração


latino-americana, a postura de Wesley era vista como algo excessivamente
estrangeira, o que é fruto de sua formação, tendo ascendência estadunidense e
passado alguns anos na Europa. Era visto como alguém colonizado, que falava para
alta sociedade e não se interessava por uma questão social. De fato, Wesley
frequentava os círculos da alta sociedade, possuindo amigos no meio, mas no
histórico da sua vida, o poder econômico nunca foi alto, vindo de uma família classe
média e tendo durante grandes períodos dificuldades econômicas.

Quando expôs na Itália, na filial da Galeria Sistina, Wesley também se questiona sobre
a recepção do seu trabalho. Tinha esperanças de talvez em outro contexto, ter uma
recepção melhor, mas se frustra ao final:

O famoso diálogo que pensava encontrar parece que não existe senão entre algumas
pessoas, o resto é todo um trabalho particular, e no mundo da criação o caminho é
muito sozinho mesmo.24

Uma das figuras que parecem ser predecessoras de Wesley, é Flávio de Carvalho,
artista que ele já tinha conhecimento, desde a época de seu primeiro experimento, em
1956 com Passeata em Traje de Verão. Da mesma forma que Flávio se tornara uma
figura controversa, após a exposição do João Sebastião Bar, Wesley parece ter ser
24
COSTA, 2005, p 73
30

torando também. Não quero fazer aproximações num nível de repercussão em


cadernos sociais, mas ambos possuíam e de certa forma herdeiros, de uma tradição
da polêmica como método artístico, muito comum nas obras do Dadá e Surrealismo.
Além de serem artistas essencialmente cosmopolitas e urbanos, em que a convivência
na cidade e seu círculos sociais era essencial para o trabalho e circulação. Wesley se
interessa pela obra de Flávio e busca conhecer o artista, num sentido de presta uma
homenagem ao seu trabalho, que se torna uma grande referência.

Outra grande referência para Wesley é a figura de Oswald de Andrade, apresentado


para ele por Lívio Xavier. Uma figura que era muito criticada no meio, em contraste a
Mário de Andrade, assumindo assim um papel de defensor de sua obra. Tanto Flávio
como Oswald, representam para Wesley precursores, tanto na maneira que se
portavam, quanto no seu trabalho, mas ao mesmo tempo um sinal de alerta, de como
a recepção e o modo de se portar podem causar na convivência e inserção do artista.

O fato de seu círculo de amizades não consistir de artistas (ou pelo menos não
exclusivamente), também era mal visto, tachando-o de individualista, que não tinha
apreço dos seus pares. O círculo consistia me fotógrafos, como Otto Stupakoff,
publicitários (afinal, sua formação profissional) como Marcelo Corção, poetas como
Hilda Hist e Lupe Cotrim Garaude. Tinha também um círculo de amizade que consistia
em jornalistas do O Estado de São Paulo, como Lívio Xavier, Cláudio Abramo e
Thomaz Souto Côrrea. Muito disso se deve ao seu processo de formação no exterior,
onde passou alguns anos fora, assim não desenvolvendo um “networking” no meio
das artes propriamente ditas.

Isso não é dizer que Wesley vivia ostracizado, ele encontrou acolhida em dois
diretores de museus: Pietro Maria Bardi e Walter Zanini, que ao longo de sua carreira
iriam convidar para participar de importantes mostras que organizaram durante a
década de 1960. Nesse momento também já é possível identificar alguns pontos que
serão crucias na sua carreira, pontos esses contraditórios que irão só se agravar ao
longo do tempo, algo como ânsia para expor e obter algum diálogo, ao mesmo tempo
que a relação com marchands se mostra insatisfatória e irritante, um isolamento no
meio artístico, ainda que consciente do que estava acontecendo; comunicação na
mídia de forma frustrante, apesar de espaços dados e por último uma relação de
alegria e ódio com a crítica especializada, a qual travou diversos embates.
31

Em Fevereiro de 1962, Wesley recebe o convite de Flávio Motta de montar um curso


de iniciação às artes gráficas aplicadas a ser realizado na FAAP. A escola tinha em
seu quadro de professores, artistas como Marcelo Grassmann, Darel Valença Lins e
Renina Katz. Sua ideia era de fazer algo voltado para a publicidade e comunicação
visual, tendo ajuda de Otto Stupakoff e Alexandre Wollner. Infelizmente o curso não foi
organizado do jeito que esperava pela FAAP e acabou não realizando o projeto.

Isso não seria o fim de sua atuação como professor, já que no mesmo ano recebeu
em seu ateliê Frederico Nasser, jovem poeta que buscou Wesley com intenção de ter
aulas e se formar um artista. Frederico começou a frequentar o ateliê e desenvolver
trabalhos com o mestre. Wesley também via na proposta do aluno, uma forma de criar
um círculo artístico, em que pudesse conviver e expressar suas ideias, como escreve
em seu diário: “Eu devo realmente procurar um novo grupo de gente para conviver!” 25

Artista e professor

Apesar de Wesley relutar em assumir um cargo de professor como uma faceta sua,
Plattner o fez prometer que ajudaria a formar outro artista, como pagamento pelo seu
aprendizado. Em 1963, outros três amigos de Frederico se juntam, estes eram Carlos
Fajardo, José Resende e Luiz Paulo Baravelli, no qual no total ficaram 2 anos sobre a
tutela de Wesley.

O curso em si consistia em dois encontros por semana, sendo uma aula de desenho e
outra de composição. Desenho, para Wesley era a pedra angular de uma formação
artística, o filtro por qual todos os processos, inclusive pessoais eram tratados. O seu
método durante as aulas, pode ser descrito como algo experimental, ainda que
baseado em uma conceituação prévia. Tentou mesclar as aulas que teve na Parsons e
o seu período com Plattner, buscando desenvolver exercícios para que a poética de
cada aluno se desenvolvesse.

Não só exercícios práticos e formais eram feitos durante as aulas, a história da arte
também tinha um papel fundamental, mas sempre surgiu em discussões que estavam
relacionadas a prática dos trabalhos, numa apresentação mais informal. Não deixava
também de comentar sobre desenvolvimentos artísticos recentes, algo que tinha muita
proximidade com os jovens alunos.

25
Diário, s.l., 1962. In COSTA, 2005
32

Apesar de um certo foco técnico e talvez até formalista, a intenção de Wesley não era
formar meticulosos virtuosos, via na técnica um sentido de libertação. Era necessário
ter domínio sobre ela para que pudesse realizar trabalhos artísticos, nunca
aparecendo como um fim em si mesmo.

Anos depois, relembra sua experiência:

Nunca tinha ensinado antes e o ensino não me interessava. Quando os quatro me


procuraram, aceitei-os por uma dívida pessoal que tinha com meu mestre e por
insistência deles. A dívida era a seguinte: o tempo que Plattner dedicar a mim era
impagável. O pagamento seria formar um outro. Formei quatro... [...] tive muito lucro
porque me deu a oportunidade de entrar numa onda, com a informação de toda uma
geração que estava dentro do meu estúdio. As coisas aconteciam naquele estúdio!
(COSTA, 2005, p.76)

O ensino continuou por 2 anos, período no qual os alunos participaram de fatos


relevantes do trabalho de Wesley, como o happening do João Sebastião Bar. Ao final,
Wesley realizou um retrato a duas mãos de cada aluno: A zona: It’s all very silly
(retrato de Frederico Nasser + Wesley Duke Lee) (1967); A zona: Rembrandt (retrato
de Luiz Paulo Baravelli + Wesley Duke Lee) (1968); A zona: it’s about painting (retrato
de Carlos Fajardo + Wesley Duke Lee) (1968); e A zona: retrato de José Moura
Resende + Wesley Duke Lee (1968).
33

Figura 5: A zona: It’s all very silly (retrato de Frederico Nasser + Wesley Duke Lee),
Wesley Duke Lee, Fonte: Um Salmão na Corrente Taciturna.

Os alunos, depois de iniciarem suas carreiras como artistas profissionais, criaram uma
escola de arte, chamada Escola Brasil, que recebeu cerca de 400 alunos. Funcionou
de 1970 até 1974. Em depoimento acerca da Escola Wesley escreve:

Trabalhamos durante dois ou três anos? Basicamente aulas de desenho,exercícios que


eu dava e a conversa. Depois desse tempo, chamei os quatro e falei: acabou a aula, o
que tinha para contar já contei, está na hora de cada um pôr o pé na estrada. Transmiti
o compromisso que havia recebido de Plattner: cada um por sua vez deveria formar um
artista também. Talvez esteja aí o embrião da Brasil (...) Eles montaram um curso muito
bacana e desenvolveram uma filosofia de ensino particular deles. Fizeram um curso
adaptado à realidade brasileira. Funcionou até o dia em que eles largaram a
34

fraternidade e passaram para a paternidade: é quando começam as divisões e a


individualidade.26

Sobre uma exposição realizada pelos 4, no MAM do Rio de Janeiro, Aracy Amaral
escreve:

No Rio de Janeiro, um certo número de jovens artistas, entre eles Tunga e Waltércio
Caldas, foi efetivamente influenciado por uma exposição, no Museu de Arte Moderna
dessa cidade, de quatro sofisticados artistas de São Paulo, em 1970, ainda então
bastante jovens. Estes, recusando-se a qualquer tipo de arte de participação,
discípulos que eram do pintor Wesley Duke Lee – diretamente filiado à informação
norte-americana em particular, e internacionalista em geral – impressionaram de forma
significativa seus colegas do Rio. Entre seus atrativos apresentavam (em contraposição
à arte precária e efêmera dos anos 60) a preocupação com o acabado, a nobreza dos
materiais – até alabastro e mármore, além de madeira polida e envernizada; a
valorização do desenho era uma das suas bases diretrizes, além do cuidado acurado
com as molduras. Enfim, todo um sistema de trabalho e apresentação do produto como
procedente de sistema da tecnologia mais avançada.27

Reynaldo Roes, num tom mais elogioso, escreve no catálogo da sua retrospectiva em
1992:

Fala-se muito da sua influência sobre a geração paulista de Nelson Leirner e da Escola
Brasil:, de Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo e José Resende, e muito pouco sobre o
“efeito Wesley” fora do circuito da Paulicéia. Mas, na verdade, a ele muito deve toda a
geração da crise brasileira, do Rio a Brasília: geração de Antônio Dias, Rubens
Gerchman e Carlos Vergara, de Cildo Meireles e Luiz Alphonsus, Antonio Manuel, Artur
Barrio e Ivald Granato (que naquele tempo estava ainda no Rio) – para mencionar
apenas estes. A sua dívida para com Wesley certamente não está na visualidade que
ele estabeleceu (embora aqui e ali reconheçamos procedimentos formais que viriam
alimentar toda a arte dos 60 e muita dos 70), mas nos fundamentos que sustentaram
toda a arte da resistência do período, a capacidade de, sem perder o pé da realidade
da arte (e está aí toda a dificuldade), transformar a realidade do lado de fora da arte.28

26
SAWAYA, 2007, p. 23.
27
AMARAL, Aracy A. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer. Artigos e Ensaios (1961 –
1981), São Paulo, 2013, Editora 34, p. 323.
28
COSTA, 2005, p.82
35

Outra oportunidade surgiu em 1964, quando foi convidado a ser professor de desenho
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, muitas críticas surgiram pelo
fato de substituir um professor que fora cassado por razões políticas, e mesmo
dentrodo curso enfrentou dificuldades em implementar suas ideias, esbarrando na
burocracia da instituição de ensino. Demitiu-se após um ano frente a cadeira.

Atuou também como professor em 1965, convidado por Pedro Caminada Manuel-
Gismondi para dar um curso de fundamentos do desenho na Escola Superior de
Desenho Industrial de Ribeirão Preto. Chegou a elaborar um plano de aulas, mas teve
que se desligar devido a participação na 8a Bienal de Tóquio. Quem assumiu foi
aquele que já tinha sido seu aluno, Carlos Fajardo.

A sua última experiência docente aconteceu em 1969, quando participou do projeto Art
& Technolgoy, no Los Angeles County Museum. A convite de Robert Irwin lecionou
desenho num curso de pós-graduação em artes da Universidade do Sul da Califórnia,
em Irvine. Em suas palavras (Costa, 2005): “uma boa experiência, porque o nível dos
alunos era muito bom”.

Devido ao contexto social a partir de 1964, o meio artístico se polarizou entre aqueles
que se engajavam ou não com o a situação política vigente. Daisy Peccinini escreve
sobre esse embate:

(...) o cosmopolitismo de sua poética integrada às similares internacionais, e pelo qual


o artista pagou um alto preço no ambiente artístico brasileiro, onde pontificava uma
crítica de arte de esquerda que condenava a efusão lírica-simbólica e o fabulismo das
29
obras de Wesley.

A crítica Aracy Amaral é ferrenha ao descrever o trabalho de Wesley, descrevendo


como um publicitário que faz a vez de artista, fazendo vontades das madames da alta
sociedade paulistana, irradiando um “excesso de bom gosto, requinte e sofisticação,
em contraposição ao “popular”, que seria “a manifestação mais autenticamente latino-
americana” (AMARAL, 2013).

Realismo Mágico e Desenvolvimentos Poéticos

29
PECCININI, Daisy Valle Machado. Figurações – Brasil anos 60. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 26
36

A partir de 1964, sua produção passar por algumas mudanças, se antes possuía uma
coloração mais sóbria, quase sombria, agora passa a ser mais colorida, viva. A
expressão do seu desenho, marca registrada de sua poética também ganha força,
apresentando diversos grafismos e uma linha solta, que percorre o quadro, como
podemos ver na Figura

Figura 6: Arkadin D’Y Saint Amer (1964), Wesley Duke Lee, fonte: Enciclopédia Itaú
Cultural30

O chamado realismo mágico, surgido no contexto de uma exposição de Wesley


realizado na Galeria Seta, em agosto de 1963 e que teve vigência até a fundação do
grupo Rex, em 1966, é uma tentativa de exprimir o que é a realidade pelo filtro
subjetivo de mitologia pessoal.

A denominação realismo mágico reunia dois termos contraditórios: o primeiro


denunciava seu compromisso com a realidade, precisamente com a realidade
cotidiana, escavada, recortada e reapresentada, seguindo os esquemas

30
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee
37

imaginativos a mitologia pessoal do artista; segundo, suas raízes fantásticas e


surrealistas.31

Sendo uma expressão mais pessoal do que um grupo arregimentado, isso não
impedia de ter um círculo que constituísse o realismo mágico. Eram compostos pelos
pintores Maria Cecília Gismondi e Bernardo Cid, compositor Sergio Mendes, Carlos
Felipe Saldanha, Otto Stupakoff e o crítico Pedro Caminada Manuel-Gismondi. O
termo realismo mágico já havia sido discutido e fazia parte da relação com Carlos
Felipe, já mencionado anteriormente, mas foi a denominação que Manuel-Gismondi
deu para a obra de Wesley e seus associados.

O Realismo Mágico surge mais uma vez como uma vontade de Wesley buscar seus
pares, de formar um círculo em que possa ser compreendido e ter o seu trabalho
divulgado. Serviu também como forma de estreitar laços que viriam a se concretizar no
grupo REX. Tem também como predecessor, na visão de Wesley, o grupo da semana
de 22, inclusive criando fotos que emulavam os materiais da época. Além de prestar
uma homenagem a Oswald de Andrade, figura cara a Wesley.

Sobre a prática do Realismo Mágico, no contexto da obra de Wesley, associa-se a


uma grande variedade de meios e técnicas expressivas, de pintura gestual a colagem,
passando por texto, têmpera e outras técnicas, sobre essa postura Wesley diz:

Estou tentando realmente pôr em foco uma visão do mundo (...). Realizar então toda
classificação para mim é a posteriori, porque misturo técnicas e não me incomodo a
32
mínima.

Assim como o Surrealismo, tinha um caráter de mudança no público, de levar em


conta a reação possível frente às obras:

Valorizando o elemento criativo, estritamente ligado com o indívduo (...) propondo


trabalhos com conteúdo, que desencadeavam associações de serventia, de meditação,
de introspecção, contento o elemento do humor (...) é perceber nas coisas mais

31
Idem, p. 21
32
PECCININI, Op., cit., p. 21.
38

simples um segundo significado, um prolongamento de significados que incite a


imaginação a uma viagem.33

Daisy Peccinini escreve:

A práxis artística buscava desencadear um processo de imaginação que visava o lado


mágico das coisas mais banis, criando vivências novas segundo as estratégias
surrealistas. Entretanto, distanciava-se do surrealismo dogmático pelo conteúdo
apresentado, captável racionalmente, e mais ainda pela utilização de esquemas
34
publicitários de fácil apreensão e comunicação apropriados da linguagem pop.

A menção do Pop serve como possível gancho para entendimento de um “mote” geral
que caminhava nesses trabalhos. Nesse sentido podemos entender a aproximação de
Wesley com o Pop, na busca do imaginário contemporâneo que o envolvia, sendo nas
embalagens de manufatura industrial, nas revistas e gibis ou cinema. A realidade de
uma época de franca expansão do mercado e do capital.

Apesar disso, Wesley (COSTA, 2005) rejeita a pecha de Artista Pop, já em 1963, na
ocasião do seu happening: “Recuso essa classificação. O que absorvi da Pop e que é
um das grandes contribuições para a arte é um novo sistema de figuração e um
relacionamento da figura”.

Até 1964, o seu realismo mágico possui uma grande influência de um passado mítico,
de origens e lendas, muito influenciado por um imaginário medieval, mas após 64,
assumi um viés mais contemporâneo, preocupando-se com uma visão do agora, e não
só evocações do passado. Por conta de experiências lisérgicas (algo em voga na
época), o seu trabalho sofre uma modificação, rompendo com os motivos medievais:

O realismo mágico viveu então um processo de modificação importante, pois se


desatou das evocações do passado medieval, passando da imaginação para a ação no
presente: o mundo supra-real se ancorou no mundo conjuntural do momento. Segundo
Wesley, foi a ação do lisérgico que desencadeou essa ruptura com o “círculo vicioso da
fantasia medieval” e dispôs a hegemonia da “imaginação criativa”, atuando no

33
Idem, p. 22.
34
Ibdem, p. 22
39

presente. Em decorrência, o imaginário de Wesley adentrou as dimensões sígnicas do


cotidiano.35

Entre os anos de 1964 e 1965, o Realismo Mágico teve seu período de maior
destaque, iniciado com a mostra Pau Brasil, em 1964 na Galeria Atrium. No texto do
catálogo da mostra, Carlos Felipe Saldanha, usando seu pseudônimo Kid Camarão
escreve com ironia: “Mas nesta brasileira de hoje em dia tudo é novo, o romance novo,
o novo novo, o ovo novo. Só o Realismo Mágico é Velho”. Podemos ver assim, uma
consciência histórica de onde o movimento se encontrava, um caráter pós-moderno
digamos assim, no sentido de historicizar algo que acaba de ser criado, ressaltando
também suas ligações com o passado.

A exposição Pau Brasil, foi uma homenagem a Oswald de Andrade, que escreveu um
poema com esse título. Assim como o poeta buscava elementos de humor, parodia
jogo e erotismo, elementos tais já presentes e valorizados no seu trabalho, mas com
essa exposição reafirma sua aliança com uma tradição brasileira, ao mesmo tempo
que joga luz num aspecto que não estava em voga na época (haja visto a rixa entre
concreto e neoconcretos que dominava o discurso oficial).

Costa escreve sobre a relação com Oswald:

Vale dizer: Wesley encontra-se em Oswald numa correspondência altamente


inspiradora e rende-lhe homenagem por sua inquietação, intuição, pelo
raciocínio contraditório e anti-sério, enfim tudo aquilo que tornava o poeta
suspeito e tirava-lhe a credibilidade diante da crítica e do meio intelectual sério
e taciturno. Ao convidar o público para brincar, o artista sinaliza que são essas
características que ele valoriza, assume para si e, mais tarde, tem de enfrentar
as consequências da escolha.36

O dia da abertura foi uma confusão, digna do ar de brincadeira e ironia que buscava,
como foi reportado na revista Visão (COSTA, 2005):

A exposição de vinte trabalhos do artista foi pretexto para o álacre – leia-se térrible –
festival. Já à descida da escada que conduz à cave da Atrium percebia-se que a coisa
era para valer e para chocar. Sentados pelos degraus, jovens barbichas (nenhuma

35
PECCININI, Op. Cit. p. 24
36
COSTA, 2005, p.108
40

semelhança com as barbas de Fidel Castro) entoavam em coro uma litania profunda e
monótona, valendo-se da letra e textos lidos em pedaços de jornal ou no próprio
catálogo da exposição. Vez por outra um deles se levantava e desferia uma pancada
num dos quadros metálicos, redondo e double face, que ressoava mais ou menos
como um gongo que dá início aos filmes do Rank. Aí eles começavam de novo em tom
gregoriano: “Nós não incomodaaaamos ninguéeeem”.

De repente, uma perturbação. Um corre-corre típico de briga (mas os cantores


imperturbáveis, sempre entoando sua ladainha): era o pintor passando um pito em uma
moça que acrescentara a um texto escrito sobre um quadro uma frase dela, feita de
próprio punho.

Mais tarde, Wesley comenta sobre a importância dessa exposição para seu trabalho e
carreira:

“Pau Brasil” (o nome da exposição era esse) foi sobretudo uma grande surpresa.
Realmente não tinha noção do que tinha feito, mas era o que tinha feito, foi exposto e
explodiu. Essa exposição da Atrium foi mesmo uma explosão! Os trabalhos [Da
formação de um povo, e Zona] eram os que depois foram para Tóquio e ganharam um
prêmio. (Costa, 2005, p. 109)

A exposição ainda traria uma semente do que seria outra fase no trabalho de Wesley,
no texto do catálogo da mostra, Kid Camarão (Carlos Felipe Saldanha), propõe que o
Realismo Mágico é Rex. Rex seria o nome da galeria que fundaria com Geraldo de
Barros, Nelson Leirner e seus estudantes, a qual discutiremos mais a frente:

Biografia Mágica de Wesley

(capítulo 7983)

Vivem me perguntando o que é o Realismo Mágico. Se é movimento, escola, filosofia,


religião, guestalte, baurraus, zen yê-yê, etc., etc. Eu respondo que não é nada disso,
que o Realismo Mágico é Rex. Aí me perguntaram o que é Rex. É a resposta que eu
dei, Bidu! Eureka ou pas Eureka, eis a questão. Arkadin Wesley Duke Lee d’y Saint
Amer é Rex (...) Um livro preto e velho, de 1935, cheio de gravuras minúsculas em
hachurado grosso, de finanças ou de gramática pode ser por si só um porca velharia.
Mas basta os Rex dizerem:- “Isto é Rex” e pronto, o livreco caquetz passa a ser Rex, e
37
portanto, uma consumada obra de arte.

37
COSTA, 2005, p.109
41

Podemos ver na declaração que o trabalho de Wesley tem uma aguda consciência
histórica, sabendo onde sua prática se insere no contexto da história da arte. Ao
mesmo tempo que não proclama algo de vanguarda, no sentido de desbravamento,
propostas novas. É mais uma consciência dos artifícios e esquemas já utilizados por
outros movimentos, e como eles podem ser reinterpretados, e nessa caso com um
forte viés surrealista e duchampiano, como visto na apropriação do livro, no humor e
ironia.

Na ocasião de uma exposição sua realizada em Tóquio, em 1965, Wesley desenha


uma figura em que expõe as bases do seu realismo mágico, enumerando suas raízes
e afiliações, onde podemos ver que ele se filia tanto a arte do fim do século XIX
(Schiele e Klimt) quanto as vanguardas do século XX, numa mistura visando tanto o
passado quanto o futuro. Segundo Ichiro Haryu, em conversa com o pintor, Wesley
disse que “continuaria derrubando barreiras avançando no caos em direção a uma
paraíso terrestre”38.Vemos abaixo o esquema desenhado por Wesley:

38
COSTA et al. Antologia Crítica sobre Wesley Duke Lee. São Paulo: Galeria Paulo Figueiredo, 1981. P.
18
42

Figura 7: Esquema de Influência de Wesley, Fonte: Antologia Crítica sobre Wesley


Duke Lee.

Wesley também serviria como um polo de informação, trazendo consigo as


informações que obteve durante sua formação e viagens ao exterior:

Outra significativa contribuição de Wesley foi a veiculação da pop art e suas estratégias
como os happenings, os readymades e a convivência de diferentes meios da
linguagem artística. Na verdade, ele teve um papel importante de veiculador de
informações da arte internacional do momento desde o início dos anos 60. 39

A figura, numa contrapartida ao abstrato, era o tema central do Realismo Mágico, mas
em comparação a outros movimentos e práticas, ela era vista como ponto de partida
para explorações além de uma verossimilhança. Seu caráter psicológico e sensorial
possuía maior destaque do que uma realização fotográfica (ainda porque, a utilização
de diversos meios tais como fotos não era tabu):

Para o realismo mágico, a figuração foi instrumento essencial, a fim de que se


estabelecesse a dialética interna, na qual se fundamentou, entre a realidade e a
realidade-outra, ou super-realidade – o mundo das evocações, do “recuo histórico”.
Transacionando com essas categorias antagônicas, a figura conformou-se alusiva,
simbólica, fragmentária, mas sempre imprescindível no jogo imaginativo-mágico de
fragmentos dessas realidades, resolvidas através de bricolages de estilo e meios
variados. O problema da figuração estava nesse momento profundamente vinculado ao
da imagem do significado proposto pelo artista.40

Em depoimento ao catálogo Alternative Attuali, Wesley (PECCININI, 1999) diz que não
é só uma questão de pintura, mas que estava “tentando desenvolver uma linguagem e
através desta resolver alguns problemas de comunicação”, acrescentando que era “a
favor de todos os movimentos recentes de arte, embora somente desfrutasse uma
parte de cada um”:

Acompanhando sincronicamente as tendências internacionais neofigurativas, o artista


manipulava uma heterogeneidade bastante ampla de meios, tomando como base de

39
PECCININI, 1999, p.74
40
PECCININI, 1999, p. 26-27.
43

sua poética a psique, em eterno jogo entre a realidade e a supra-realidade imaginada –


tendo rompido com as fantasias do passado medieval, fazia a imaginação atuar
criticamente no presente.41

Apesar de poder ser visto com um dos pioneiros na volta da figuração no contexto
brasileiro, Wesley não era o único a trabalhar com a figura. É importante lembrar
também que por mais que os movimentos concretos/neoconcretos fossem a ordem do
dia, existiam outros artistas trabalhando de formas diferentes, não ligados a vanguarda
do eixo Rio – São Paulo. José Aguilar, Flávio Shiró, Bernado Cid, Maria Carmen, Sara
Ávila, são nomes que também se destacaram no contexto de uma nova figuração.

A exposição do Grupo Phases no Brasil (MAC/USP, 1964), grupo qual Wesley


participou por um breve período, também representa um importante marco na
discussão e problemática da figuração. Organizada por Walter Zanini 42, que havia tido
contato com o grupo em sua estadia em Paris, trouxe para o Brasil obras de artistas
ligadas ao grupo CoBrA, Surrealismo, Art Brut entre outros, todos eles ligados a um
realismo contemporâneo. A exposição se caracterizava formalmente por uma
variedade de peças de pinturas a assemblages, passando por desenhos e
fotomontagens, tendo a pesquisa da imagem como ponto unificador. Segundo Daisy
Peccinini foi uma “tendência direcionada à reinvenção de imagens pesquisadas no
homem interior, segundo todas as possibilidades que se oferecem” 43.

Hélio Oiticica afirma em Esquema Geral da Nova Objetividade, que “as premissas
teóricas do Realismo Mágico como uma das constituintes principais nesse processo
que me levou a formulação da "Nova Objetividade"44, pondo Wesley como alguém

41
Idem, p. 73.
42
“ (São Paulo SP 1925 - idem 2013). Professor, historiador, crítico de arte e curador. Realiza graduação
(1956) e doutorado em História da Arte (1961) na Universidade Paris VIII. Após concluir o doutorado, volta
ao Brasil e ingressa como professor na Universidade de São Paulo (USP). Torna-se o primeiro diretor do
recém-inaugurado Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP), em 1963,
permanecendo no cargo por 15 anos (1963 a 1978). Curador da 16ª e 17ª Bienais de São Paulo,
ocorridas em 1981 e 1983, propõe como fio condutor das mostras a seleção de trabalhos que exploram
analogias de linguagens e propiciam uma abertura para novas experimentações. Tem importante papel
na fundação do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo (ECA/USP) (1970) e da Pós-Graduação em Artes - pioneira no Brasil na concessão de títulos
de mestre (1974) e doutor (1980) na área.” Biografia disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa547/walter-zanini Acesso em 07/10/2015
43
PECCININI, 1999, p. 30
44
OITICICA, Hélio. Esquema geral da nova objetividade. NOVA objetividade brasileira. Rio de Janeiro:
Museu de Arte Moderna, 1967.
44

valoroso no contexto do novo realismo que estava se articulando. Mario Schenberg


também articula a importância do realismo mágico:

O realismo mágico e o realismo fantástico são formas de super-realismo, no sentido do


velho surrealismo. Levam em conta que a consciência constitui apenas uma pequena
parte da vida mental e que pode haver caminhos de apreensão da realidade através do
45
Inconsciente.

Novo Realismo, Nova Figuração, Nova Objetividade, Realismo Mágico são nomes
usados de formas intercambiáveis aqui, ainda que cada um refira a uma modalidade e
contexto diferente, mas todos representam um certo modo de pensar que foi constante
durante a década de 60 para 70, quando as profundas modificações sociais e
tecnológicas causaram um repensar no modo de estar artístico. Waldemar Cordeiro
nos oferece uma definição sucinta desse modo de pensar:

A Nova Figuração não deve ser compreendida com um retorno ao figurativismo mas como busca
de novas estruturas significantes (...) O artista tradicional adota como assunto o mundo exterior
enquanto natureza. Neste caso é o da produção industrial. Elementos, portanto, que pertencem
à paisagem criada pela técnica do homem moderno.46

Grupo REX47

Durante 1965, assim como a mostra de Wesley na Galeria Atrium, outros artistas da
mesma verve também enfrentavam duras críticas e causavam polêmica no meio
artístico. Geraldo de Barros e Nelson Leirner haviam exposto em Setembro na mesma
galeria, recebendo a mesma reação que Wesley. No Rio, em finais de 1964,
Waldemar Cordeiro e Augusto de Campos como popcretos também estavam imersos
em críticas. Outro fato que causou repercussão e serviu para Wesley se aproximar de
outros artistas, foi a retirada do quadro de Décio Bar na mostra Propostas 65 na
FAAP. Em protesto tanto Wesley, quanto Nelson e Geraldo retiraram suas obras.

Tendo uma aproximação entre os artistas, surgiu a ideia de criar um espaço


independente para que pudessem expor, propor debates e difundir suas ideias. Com

45
SCHENBERG,Mario.Um novo realismo.In: PROPOSTAS 65. São Paulo: FAAP, 1965.
46
CORDEIRO, Waldemar. VII Bienal – ‘Nova Figuração’ denuncia a alienação do individuo. Brasil
Urgente. São Paulo, n. 40, dez. 1963
47
Para um estudo abrangente de toda a experiência REX ver: LOPES, Fernanda. A Experiência Rex.
São Paulo: Alameda Editorial, 2009. 272 p.
45

isso criaram a galeria Rex Gallery and Sons, utilizando-se de um espaço na loja
Hobjeto de Geraldo de barros. O espaço servia de resistência contra o circuito artístico
da época, ainda pouco desenvolvido. Reclamavam da falta de monografias de artistas
brasileiros, de um acesso as obras para que críticos e jornalistas pudessem escrever e
divulgar os trabalhos, além de um certo provincianismo que se chocava com as
condutas mais contemporâneas, como o crítico Pedro Manuel-Gismondi
(PECCININI,1999) escreve em carta para Wesley: (...) coisa triste ainda a apatia e o
provincianismo de todos os meios artísticos aqui. Não um provincianismo saudável,
autêntico, ingênuo, mas provincianismo – pretensa – cosmopolitização, arrogante,
fetibundo”

Os membros do grupo Rex eram: Wesley Duke Lee, Nelson Leirner, Geraldo de
Barros, Frederico Nasser, José Resende e Carlos Fajardo. Apesar de se reunirem em
grupo, não agiam de forma programática, e sim pragmática, como uma necessidade
para atuarem no meio artístico paulistano da época:

O episódio Rex foi único, pois a união pragmática de seus participantes não tinha a
finalidade do desenvolvimento de uma linha comum de pesquisa em arte, mas sim
exclusivamente de ação imediata no meio. Esta ação, por um lado, dirigia-se contra os
sistemas instituídos e, por outro, tinha o objetivo de comunicar-se com o público sem
outras modalidades mais imediatas, incentivadoras de uma ação participativa.48

O que tinha de similaridade entre os 3 artistas formados (Wesley, Nelson e Geraldo),


era a tendência figurativa que perpassava a obra dos 3. Ainda que em diversos
suportes, técnicas e linguagens, as obras possuíam um caráter também urbano,
buscando uma relação de arte e vida, sobre a reavaliação do cotidiano via o prisma da
arte. A própria experimentação que os artistas buscavam, não se limitando a um meio
só, pode ser vista como um elo de ligação. Em uma declaração a imprensa, Wesley
elabora:

Fazemos parte de uma tendência de experimentação, que podíamos dizer ser nascida
nos Estados Unidos (...). O espírito de nossa galeria (e do jornal), consequentemente, é
49
mostrar essa arte à medida que ela vai sendo processada e desenvolvida.

Sobre a posição de Wesley no contexto da galeria, Peccinini escreve:

48
PECCININI, 1999. P. 72.
49
Idem, p. 73
46

Extremamente bem informado, Wesley desenvolveu uma ação libertária em relação


aos formalismos estilísticos e gêneros artísticos. Acompanhando sincronicamente as
tendências internacionais neofigurativas, o artista manipulava uma heterogeneidade
bastante ampla de meios, tomando como base de sua poética a psique, em eterno jogo
entra a realidade e a supra-realidade imaginada – tendo rompido com as fantasias do
50
passado medieval, fazia a imaginação atuar criticamente no presente.

Wesley também era o mais visado nas críticas que a galeria recebia. A sua própria
postura combativa, de desafiar críticos e tirar sarro trazia para si uma carga maior para
a repulsa que o ambiente artístico tinha com esses novos experimentos. Porém, a
figura de Wesley não era só vilificada, tendo um importante papel na difusão de
estratégias novas como as advindas da pop art, além do uso de readymades e
happenings. Seu papel foi fundamental na divulgação da arte internacional no Brasil,
principalmente nos artistas que foram seus alunos:

(...) o fato de Wesley ter tido a responsabilidade muito grande de aproximar seus
discípulos de uma avalanche de informações do mundo das ates, através de livros,
catálogos e principalmente revistas, que colocava à disposição deles em seu estúdio.
Assim, em 1964, os jovens liam revistas inglesas e americanas – Art International,
Artforum, Studio International e outras -, tinham contato com todos os artistas pop
ingleses e americanos, além da produção artística americana relativa a minimal art,
hard edge e cool. Isso significou para eles um autêntico estímulo em busca de
manifestação que não se prendessem a suportes tradicionais, mas utilizassem novos
meios de expressão tridimensional. (...) Portanto, era um espírito de experimentação
empírica e um desejo de atualizações que moviam as primeiras intervenções desses
51
jovens artistas na fase do grupo Rex.

O Grupo Rex também editou um jornal chamado de Rex Time, que teve 6 edições
publicadas. Tinha como propósito divulgar ideias e trabalhos dos membros do grupo,
criando uma plataforma de comunicação que fosse além da galeria. A sua
diagramação e montagem lembrava muito os panfletos surrealistas, se utilizando de
artifícios parecidos, como anúncios nonsense e usos de clichês tipográficos antigos.

Cumprindo a sua função de informar o público, Wesley comenta em uma entrevista


para o Estado de São Paulo, sobre a falta de informação que o público sofre:

50
Ibdem, p. 73
51
PECCININI, 1999, pg. 74-75.
47

Há dezenas de anos Flávio de Carvalho, com suas “experiências”, já fazia happenings.


A provocação pela arte existe entre nós desde a Semana de Arte Moderna e artistas
como Flávio, Carlos Prado, Quirino e Gobbis tiveram um papel marcante neste sentido,
papel este hoje ignorado pela juventude, que não conhece a história da nossa arte
52
porque não há livros de história da nossa arte, não há monografias

No quinto número da Rex Times, montam um esquema cronológico bem humorado,


mas que ajuda a entender que diversas manifestações tidas como novas como os
happenings, de fato já eram algo que se praticava aqui, ainda que com outros nomes.
Fazendo assim, uma ponte com o passado para estabelecer a tradição da qual
participavam:

Para melhor compreensão da posição quase pioneira e mais independente do


movimento Rex nas perspectivas históricas do Brasil, daremos abaixo uma lista das
principais personalidades que condicionaram as mais importantes reviravoltas culturais
do país. Evidentemente a opinião pública, sempre tão lenta em seus movimentos,
ainda não alcançou a importância dos acontecimentos (chamados mais tarde de
happening pelos americanos) criados a tão duras penas pelas citadas personalidades.
Mas, com temos confiança no Brasil e em seu povo, ficamos esperando a data em que
tudo ficará mais claro para todos.

Os acontecimentos são, por ordem cronológica:

1. Caramuru (Booom)

2. Bispo Sardinha (Nhãm-Nhãm)

3. D. Pedro 1° (Independência ou Morte)

4. e 5. Flávio de Carvalho (Claraboia da cozinha da Leiteira, Campo Bello e a


Travessia do Viaduto do Chá)

Os realistas Mágicos, encabeçados por Wesley Duke Lee, realizaram no dia 21 de


Outubro de 1961 (sic) o 6° acontecimento, que pode ser considerado o primeiro
53
happening do Brasil, no João Sebastião Bar

52
COSTA, 2005, p.126
53
PECCININi, 1999. p. 72.
48

Não só os textos eram publicados no jornal, mas durante exposições tinham mostras
didáticas, como ocorreu na exposição Descoberta da América, onde foram projetados
filmes sobre Jim Dine, Roy Lichenstein, Andy Warhol, Barnett Newman, Kenneth
Noland e Frank Stella, todos esses realizados por Lane Slate. Mario Schenberg realiza
uma palestra sobre a vanguarda brasileira e Flávio de Carvalho sobre a dialética da
moda. Além de obras dos artistas fundadores, também foram feitas mostras com
artistas iniciantes, como a feita em maio de 1967 com participação de Carmela Gross,
Marcelo Nitsche entre outros.

Foi também durante a exposição Descoberta da América, composto por Geraldo de


Barros, Wesley, Olivier Perroy, José Resende, Roland Cabot, Nelson Leirner, Carlos
Fajardo e Frederico Nasser, que realizaram a taxi-painting, que consistia em uma
grande tela e materiais diversos de pintura que ficavam a disposição do publico,
bastando pagar no taxímetro pelo tempo gasto. Nelson Leirner em uma entrevista ao
Estado de São Paulo elabora:

As expressões mais frequentes que se ouvem em exposições de parte dos assistentes,


é “eu também seria capaz de fazer isso” ou “o meu filho faria melhor”. Daremos pois,
por meio de nossa invenção, o taxi-painting, a todos que desejarem, a oportunidade de
pintar, desde que paguem a bandeirada a 3.200 cruzeiros e 400 cruzeiros por minuto.54

No Rex Time 2, apresenta uma característica já discutida por Wesley que é a


apropriação de meios, técnicas e qualquer coisa que venha a ser útil na produção de
uma obra. Anunciando a exposição FlashBack de Setembro de 1966, escrevem: “Nós
usamos de tudo e de todos e não damos satisfação”, ainda que não fosse um postura
somente irônica, buscavam um sentido: “procurando sentido; Flash Back; Flash Back;
Flash Back. Procurando Sentido”55

A galeria acaba durando somente um ano, devido a diversos problemas financeiros,


falta de público, dificuldade econômica geral do país, além da necessidade da
utilização de mais espaço na loja Hobjeto. Na finalização das atividades, anunciam
nos jornais a última exposição, A Exposição-Não-Exposição, de Nelson Leirner, onde
todas as obras ali expostas poderiam ser levadas gratuitamente, desde que
conseguissem superar os obstáculos postos pelos membros, como barras de ferro,

54
COSTA, 2005, p.126
55
Idem, p. 125
49

correntes, piscina, blocos de concreto. Em apenas 10 minutos todas as obras já


haviam sido levadas.

A dissolução do grupo também ocorre por motivos pessoais, os artistas se sentiram


necessitados de buscar seus próprios trabalhos pessoais, mas definitivamente
deixaram uma marca no cenário paulistano de arte. No quinto e derradeiro número do
Rex Time, traçam uma breve cronologia de sua experiência, enumeram os gastos com
a galeria, apontam os motivos (como acima mencionados) para o fechamento e
criticam a crítica especializada da época por não terem em nenhum momento
estabelecido algum diálogo, seja bom ou ruim.

Relembrando sua exposição Flash Back, demonstra como se tinha falta de informação
e crítica na época:

Houve também a exposição Flash-Back que tinha a intenção de exprimir as origens


individuais dos artistas pertencentes ao grupo. (...) A falta de informação no período de
formação determinando uma valorização excessiva das poucas informações chegadas
ou monopolizadas pelos meios de divulgação. Isto acontece nos países sub-
desenvolvidos principalmente e vai inibindo os delicados achados individuais de artistas
que, no período de formação, são declarados com grande timidez. Ao sentir que seus
achados localinos não são percebidos pela crítica (que sofre de problemas similares,
característicos de países-sub) os artistas tentam se colocar dentro das tendências
internacionais, o que muitas vezes conseguem com grande desenvoltura, chegando a
transcender os limites locais sem que a mesma crítica local tenha percebido o que
aconteceu. Daí então o maior sucesso de alguns de nossos artistas com a crítica de
fora do que dentro de nosso país, (santo de casa...).56

Bienais e Trabalhos no Exterior.

Apesar do encerramento das atividades, o Grupo Rex foi bem sucedido, ainda que por
um curto espaço de tempo. Sendo certamente um marco importante na carreira de
todos os envolvidos. No tocante da obra de Wesley, nesse período ele começa a ter
um grande destaque com sua obra, participando de 8° Bienal do Japão em 1965, no
qual é premiado. Apesar de ironias da imprensa brasileira, seu reconhecimento no
exterior faz com que seja aceito na 8° Bienal de São Paulo, ainda que as pressas.

56
COSTA, 2005, p.138
50

Wesley que havia tentado participar durante diversas edições, sempre sendo rejeitado,
se vê na posição que mais tarde será explicitada no Rex Time, o artista precisa fazer
sucesso no exterior para que ganhe renome em casa. Walter Zanini que havia feito a
seleção dos trabalhos a serem enviados a Tóquio, escreve na Revista Visão após o
prêmio:

[...] era fácil prever que Wesley Duke Lee seria laureado na Bienal de Tóquio [...]. De
um momento para outro, um jovem, metódica e pontualmente cortado das Bienais
paulistas é projetado no cenário internacional, colocando em movimento a máquina
produtora de fama. O prêmio é merecido. Sem dúvida o júri da Bienal Nipônica [...]
optou por um artista que sabe misturar as palpitações de um coração generoso e ainda
ingênuo, aos impulsos nervosos próprios desses tempos carregados de
57
descontentamentos e de amarguras.

A Bienal é um sucesso para Wesley, que acaba ficando no Japão por mais 5 meses,
onde expõe na Tokio Gallery, novamente bem sucedido e que daí provem o apoio
financeiro para fazer um viagem pelo Oriente, Grécia, Europa, voltando para o Brasil
pelo Estados Unidos.

Além da participação na Bienal nipônica, Wesley participa da Bienal de Aquila,


representa o Brasil na Bienal de Veneza em 1966, uma coletiva no Guggenheim ao
lado de Rauschenberg, Johns e Oldenburg, outra coletiva na Galerai Leo Castelli e a
National Educational Television de Nova York realiza um documentário de 30 minutos
sobre sua pessoa, vindo depois para São Paulo acompanhando os acontecimentos da
Galeria Rex e posteriormente na Bienal de Veneza.

O sucesso no exterior, infelizmente não se traduz da mesma forma no Brasil. Apesar


de tentar participar das Bienais por muito tempo, a forma como entra na oitava Bienal
tem gosto de derrota. É possível ver nas obras ainda o carimbo de rejeitado, coberto
rapidamente devido ao sucesso no Japão. Além do mais, a obra por ter um conteúdo
erótico é censurada pela secretária geral da Fundação Bienal, Diná Coelho. A obra “O
nome do cadeado é: as circunstâncias”, consiste num retrato de uma figura feminina,
onde a parte inferior é composta de duas partes móveis, que podem ser abertas pelo
espectador. Ao abrir, ele se depara com um rosto formado por espelhos cortados,
onde pode-se ver seu reflexo e uma púbis com pelos verdadeiros e a frase “Bom dia!”.
Diná considera essa parte chocante e cola com Araldite, impedindo a abertura.

57
Idem, p. 114
51

Figura 8: “O nome do cadeado é: as circunstâncias” que se tornaria o tríptico: O


Guardião, A Guardião e as Circunstâncias, Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural58.

Ao ser informado por sua mãe, Wesley escreve uma carta para a direção da fundação,
porém só irá conseguir lidar com essa situação ao voltar para o Brasil, onde acaba
modificando o trabalho, transformando num trípitco: O retrato original é pintado como
uma tarja nos olhos e adiciona mais duas pinturas: um retrato de Cicillio Matarazzo e
de Diná Coelho. No de Matarazzo ao invés de pintar o rosto, coloca um retrato de

58
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee
52

Almeida Jr, de um homem do século XIX, com direito a moldura dourada. Por fim, o
quadro é sustentando por um mobiliário art-nouveau. A obra é chamada de O tríptico:
o guardião, a guardião e as circunstâncias, e é exposta no 1° Salão de Abril, no MAM
do Rio de Janeiro:

Estou ciente da conversa que d. Odila de Oliveira Lee teve com d. Diná a possível
causa da retirada e mutilação do quadro. Considero a causa e a solução dada “tipo
caseiro”, fora das cogitações artísticas, filosóficas ou intelectuais que trouxe para o
plano do visível. A pessoa em questão (retratada na obra) participou da feitura do
quadro e teve a liberdade de objetar antes de o quadro ser submetido a júri. Não deve
haver dúvida de que eu não objetaria a tal negação, mas tudo isso devia ser antes do
júri. Em todo o caso, este fato não modifica o meu protesto perante a “autoridade
exacerbada” desta entidade.59

Os seus percalços com instituições não iriam ficar restringidos com esse episódio, no
ano seguinte, sendo parte da representação brasileira na Bienal de Veneza, vê seu
trabalho ser entregue em outra cidade, além de não obter nem suporte e recursos para
sua montagem. O trabalho era uma “ambientação”60, o que agora comumente
chamamos de instalação, chamada “Trapézio Ou Uma Confissão”, composta de
quatro telas, dois painéis de acrílico e uma cobertura de alumínio que emitia um ruído
branco.

59
COSTA, 2005, p.117.
60
Ambientação como era chamada na época é o que chamamos hoje de instalação. Partindo de uma
vontade modernista de ligar a arte e a vida, a concepção de uma obra somente como quadro estático
muda, invadindo todo o espaço tridimensional.
53

Figura 9. “Trapézio ou uma Confissão”, fonte Projeto Animae61.

A obra lida com algo que é caro ao trabalho de Wesley, a percepção dos lados
masculinos e femininos, que veremos desenvolvidos em outras de suas obras e com
destaque no “Triumpho de Maximiliano” e de certa forma integrando os dois aspectos
nos “Trabalhos de Eros”. Além de tudo, ao final quando o trabalho é montado, o júri da
mostra competitiva já havia passado, premiando o argentino Julio Le Parc.

Outra oportunidade que se mostrou frustrante foi sua participação no programa


americano Art & Technology em 1969. Proposto por Maurci Tuchman, curador-chefe
de arte moderna do Los Angeles County Museum of Art, previa juntar grandes artistas
com fábricas e companhias industrias, numa espécie de residência artística, em que

61
Disponível em: http://www2.uol.com.br/animae/artistas/wesley/wesley4.htm
54

ambas as partes pudessem dialogar e talvez se beneficiarem da relação. Participaram


artistas como Oldenburg, Warhol, Morris, Kitaj, Serra entre outros. Sua proposta é de
criar uma Cápsula do nascimento (nome da obra), onde haveria um cubo de acrílico
de 3 metros de lado, cheio de líquidos impulsionados por bombas de ar comprimido.
Além do mais haveria uma roupa, similar de um astronauta, que permitiria a entra no
cubo. O cubo arrebenta na primeira tentativa, fruto de cálculos errados, e outras
frustrações atingem o processo, esgotando Wesley62. Retorna ao Brasil, com
esperanças que o trabalho fosse terminado, porém isso não acontece e tudo que foi
feito se perde.

No final da década de 1960, podemos ver que Wesley, apesar de tudo, estava inserido
no circuito artístico brasileiro. Isto não é dizer que foi plenamente aceito pelo meio,
diversas brigas ainda irão acontecer, chegando a situação de Wesley romper com
galerias e anunciar que irá vender seus trabalhos sem intermédio. Porém, apesar de
todos os percalços, o trabalho de Wesley gera repercussões e definitivamente é um
marco na história da arte brasileira.

Poética e considerações gerais do trabalho.

Como discutido acima, o conjunto da obra de Wesley pode ser visto como
predominantemente figurativa inscrita no que pode ser chamado de novo realismo ou
neofigurativismo. O retorno à figura, ainda que com elementos diversos na sua feitura,
até mesmo vindo de práticas abstratas. Tem também como característica o uso de
diversos suportes e técnicas, não se limitando a qualquer uma delas. O desenho é o
elemento chave na construção de todo o seu trabalho. Vindo tanto de sua formação
publicitária63, onde podemos entender o desenho como design, no sentido de
construção ordenadora, de fundamento para uma peça, como de seu aprendizado
com Karl Plattner, que utilizava de técnicas abstratas, como manchas para dali extrair
uma figura. O seu desenho foi sempre reconhecido, apesar de todas as críticas que

62
O Artista José Resende em depoimento sobre Wesley, diz que o próprio achava que os astronautas
eram loucos em confiar nessas empresas, que muitas vezes forneciam para a NASA e a qualidade do
material era duvidosa.

63
Marcel Duchamp, um de seus heróis também teve formação “publicitária”, trabalhando numa
gráfica em sua juventude. O que é comumente conhecido como seu ultimo quadro “Tu m’”
(1918), além de ser um inventário de suas concepção poéticas, possui algum clichês gráficos
como o mão apontando. Para maiores informações ver: PERRET, Catherine. “Tu m’”: À
propôs Du titre de um tableau de Marcel Duchamp, disponível em : http://www.revue-
geste.fr/articles/geste5/GESTE%2005%20-%20Ralentis%20-%20Perret.pdf
55

recebeu, e quando ministrou aulas, sempre frisou que o desenho fosse o elemento
mais importante no aprendizado, sendo a lente por qual deveríamos interpretar o
mundo.

Essa predileção por desenho é uma característica clássica no desenvolvimento de


artes, sendo apresentada desde o século XV, como o elemento fundador das artes,
seja ela pintura, escultura e arquitetura. Apesar dessa longa tradição, na início do
século XX e até meados da década de 60, essa concepção é constantemente
questionada, tanto por um viés de classicismo, no sentido de quebrar com uma
tradição, como na percepção do artista como alguém não mais ligado
necessariamente a uma técnica específica, mas como alguém que produz arte, no
sentido mais amplo possível. Wesley tem como desenho a predileção pessoal, porém
nunca foi fator limitante para que desenvolvesse trabalhos em outros meios e
técnicas.Outra característica que podemos dizer recorrente em seu trabalho é a
mistura entre elementos, símbolos, vindos de diversas fontes. No começo de sua
carreira, de uma forte inclinação medieval, gótica até, para que depois se expanda
para tanto materiais da cultura popular como quadrinhos, cinema, televisão, quanto
para temas mitológicos oriundos da antiguidade clássica.

Da forma como suas figuras são construídas, podemos notar certa tendência a utilizar
pedaços e partes de um todo, dando preferência a fragmentação como modo de
representação. Isto não é dizer que não há figuras, digamos, completas nas sua obras,
mas a utilização de fragmentos é uma estratégia comum, que exacerba o caráter que
sua obra tem de hibrida. Onde há mistura tanto de técnica quanto de motivo, mas
todos trabalhando para uma possível apresentação que dê conta de nossa expectativa
na contemporaneidade.

Como dito anteriormente e presente em diversas falas de Wesley, a apropriação de


meios, símbolos e técnicas não era vista como problemática, tendo a origem no
contato durante sua formação com obras de Marcel Duchamp, do Dadá e Surrealismo.
O que podemos enxergar é que sua obra se encontra num período muito fértil e em
que os grandes projetos modernistas já não são tão potentes. Em seu mapa pessoal
das influências podemos ver Wesley tem uma predileção pelo desenho, mas não
serve qualquer programática ou discurso que aponte para um fim em comum. Mesmo
porque, seu temperamento era de uma individualidade bem característica da cultura
americana protestante, o que gerou tensões em diversos períodos de sua carreira,
principalmente logo após o golpe militar de 1964.
56

No contexto da utilização de diversos símbolos e motivos advindos de uma miríade de


fontes, Wesley pode ser visto como um dos expoentes de artistas que enxergam a
história da arte e a cultura em geral, como material para seu trabalho. De forma geral,
seu conjunto de trabalho foi uma reinterpretação de diversos símbolos presentes tanto
na história da arte como na história geral da humanidade. A predileção pessoal se
mostra depois da década de 60 na época clássica, considerada a fundadora da
civilização europeia, e conseguinte nas nações do novo mundo. Essa forma de
atualizar e utilizar símbolos clássicos parece vir de um desejo de criar seu próprio
contínuo histórico, de jogar nova luz sobre fatos e símbolos que talvez tenham perdido
seu destaque no momento atual. Discutiremos mais afinco tal relação nos capítulos
seguintes, nos atentando a questões de memória, tempo e mito.

Encontramos na fala de Mattos sobre o trabalho Cartografia Anímica alguns elementos


chaves que buscamos salientar nas duas séries analisadas, no seu jogo com imagens
provenientes de diversas fontes e sua relação temporal e cultural:

Enquanto mapas, cada uma das imagens da série representa uma possibilidade de
organização da informação visual que nos rodeia em uma configuração particular e
individual. Ainda que as imagens sejam coletivas, sua composição no interior do sujeito
é única, resultando em mapas afetivos da alma. Os novos meios de multiplicação da
imagem (jornais, revistas televisão, etc.), potencializam este jogo ao infinito, rompendo
fronteiras impostas anteriormente pela própria cultura. Encontramos aqui o tom otimista
de Wesley com relação às potencialidades da cultura contemporânea.64

Aby Warburg

No texto de Mattos, a tese principal é a associação dos métodos de estudo de Aby


Waburg com produções artísticas, mais especificamente o caso de dois artistas: R.B
Kitaj e Wesley Duke Lee. Arby Warburg desenvolveu sua teoria baseado na
recorrência de determinadas formas e símbolos durante diversos períodos da arte.
Seu principal foco é nas formas assumidas pelas imagens e o porque delas se
transformarem durante o tempo. Sua historiografia possuía um caráter mais
psicológico do que cronológico, assim buscando uma orientação na história da arte
que não fosse progressista, isto é, tal movimento levou a outro movimento e todos

64
MATTOS, Claudia Valladão De. Arquivos da Memória: Aby Waburg, a História da Arte e A Arte
Contemporânea. In: Encontro de História da Arte – Unicamp, II, 2006. Campinas, Atas... Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2006, p. 226-227. Disponível em:
http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2006/DE%20MATTOS,%20Claudia%20Valladao%20-%20IIEHA.pdf
57

marcham inexoravelmente rumo ao progresso. Assim, Warburg abre espaço para que
a historiografia se torne mais flexível, aberta, buscando mais seus efeitos do que
ações:

(...)De acordo com a concepção de Warburg, as imagens seriam formadas por


motivações psíquicas relacionadas a uma determinada época e carregadas para dentro
de outras culturas, onde seriam remobilizadas em seus conteúdos psíquicos e
reorganizadas em função do novo contexto. Como observou Didi-Hüberman em seu
livro sobre o autor, Warburg desenvolveu nesse projeto uma teoria da história calcada
numa temporalidade não linear, onde as imagens, portadoras de uma memória
coletiva, romperiam com o continuum da historia, traçando pontes entre o passado e o
presente. Funcionando como “sintomas”, no sentido freudiano, as imagens
sobreviveriam e se deslocariam temporalmente e geograficamente, criando fenômenos
diacrônicos complexos.65

Wesley, segundo Mattos, alegou não conhecer o trabalho de Waburg, ao contrário do


outro artista citado que faz menção explícita ao pesquisador. Porém, em seus
trabalhos e nas duas séries aqui propostas, Wesley faz menção ao trabalho de Jung e
Kereneyi, que desenvolveram teorias sobre interpretação dos mitos e de arquétipos
que possuem características parecidas das de Waburg. Leva-se em conta também o
fato de Wesley conhecer a produção de Kitaj, tendo assim um elo mais forte, ainda
que entre o conhecimento da obra e assimilação de uma teoria como prática exista
uma distância larga.

O fato é que durante toda sua produção e nas suas falas, Wesley buscou através das
suas obras suscitar efeitos psicológicos, trabalhar com imagens e símbolos que por
sua vez retratam ou ativam estados mentais diferentes. A presença do erotismo, de
Eros propriamente dito também, é uma busca e questionamento de uma característica
psíquica própria, ainda que compartilhada com o resto da humanidade. Busca na
história da arte e geral, elementos, símbolos que possam o ajudar na articulação de
seus estados mentais. Trabalhando como uma exteriorização de estados por quais
todos nós passamos, e na medida que eles criam corpo no mundo concreto, entram
em diálogo com todos os outros estados que outras pessoas já passaram.

Essa investigação psicológica passa pela sua mitologia pessoal, que pode ser
entendida como a forma como articula dentro do seu espaço psíquico as tendências e

65
MATTOS, 2006, p. 222.
58

vontades durante toda sua vida. O processo de feitura da imagem, desde o início de
sua carreira estabelece um método de criação em que a finalização de um trabalho
passa pela investigação e desdobramento de elementos materiais já dados, isto é, se
no começo de sua carreira, um dos processos, herdado de Plattner, era de através
das manchas criadas por tintas e veladuras, extrair uma figura, com o passar do
tempo, a extração passa não ser só de processos formais, mas também de outras
imagens e formas, que na sua articulação em conjunto recebem outra significação.

De certo, o processo de referencia e construção de obras baseadas na história do


meio, não é algo novo ou inédito. A tradição clássica se baseia em preceitos antigos
que são reafirmados em outras interpretações de acordo com o tempo em que o
artista vive. A própria teoria de Warburg parte do estudo de obras do século XV, outro
intelectual que se debruça sobre essa questão é Baudelaire 66, teorizando qual seria a
melhor forma de referenciar obras do passado sem se tornar uma paródia.

O que diferencia esses preceitos da prática artística de Wesley e outros


contemporâneos é o fluxo de imagens exacerbado. Não vem mais de uma só fonte e
não está mais condicionado geograficamente. A transmissão e produção de imagens
adquire uma característica industrial, massiva. E é dessa cultura de massa e herança
cultural que surgem as obras de Wesley, numa tentativa de navegar esse continuo
imagético, criando sua própria história.

66
Hal Foster escreve: “A memória”,escreve Baudelaire em Salão de 1846, “é o grande critério da arte; a
arte é a mnemotecnia do belo”.O que ele quer dizer é que uma grande obra numa tradição artística deve
evocar a memória de importantes precedentes nessa tradição como base ou apoio (para Baudelaire isso
significava a pintura ambiciosa pós-renascentista; ele depreciava a escultura). O trabalho, porém, não
pode ser ofuscado por esses precedentes: deve ativar subliminarmente a memória de imagens tão
importantes – atraí-las, disfarçá-las, transformá-las.” FOSTER, Hal. Arquivos da Arte Moderna. Artes e
Ensaios Rio de Janeiro, v. 19, p. 183. Disponível em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-
content/uploads/2012/01/ae22_Hal_Foster.pdf
59
60

Capítulo 2
“O Triumpho de Maximiliano I”

Introdução

O presente capítulo visa discutir a série de trabalhos realizada por Wesley Duke Lee
entre 1966 e 1986, intitulada O Triumpho de Maximiliano. A série é composta de 28
obras, e foi realizada durante um período de 20 anos, o que nos permite entender
durante esse período as transformações e desenvolvimentos da poética de Wesley.
Buscamos também nesse capítulo, contextualizar a obra frente sua produção, sua
relação com o contexto da época e possíveis apontamentos frente a obra de outros
artistas.

Pretendemos inicialmente discutir as 3 etapas que o trabalho passou durante o


período de sua feitura. Achamos que no sentido de uma análise dos elementos
pertinentes a obra, separá-los pela época em que foram realizados fornece uma
oportunidade de discutir além do trabalho em si, também o contexto em que eles
foram feitos e como eles se relacionam com outros elementos da obra poética do
artista.

Num segundo momento, analisamos a série em sua totalidade, buscando as relações


que os diversos elementos possuem entre si e com a série no total, além do contexto
artístico e relações possíveis com a história da arte. Acreditamos que elementos de
uma obra, sempre agem em relação ao conjunto, porém por motivos de construção
textual e apresentação optamos por uma análise primeiramente em partes e depois
em conjunto.

Analisamos o contexto da série como apresentada no seu catálogo, buscando


evidenciar as características particulares desse meio de apresentação e como se
relaciona com a exposição do trabalho em um ambiente de galeria e em coleções
particulares.

Por fim, e não menos importante buscamos entender a conceituação de diferentes


tempos proposta por Wesley em seu catálogo, afim de que possamos compreender
como ela se encaixa em suas propostas estéticas e em contextos da história da arte.
61

Contexto Inicial

A série O Triumpho de Maximiliano I consiste em 28 trabalhos que se baseiam na


série de gravuras realizadas por Albrecht Dürer e Hans Burgkmair encomendadas pelo
imperador alemão Maximiliano I. O trabalho de Wesley foi feito em três períodos
diferentes, primeiro a cópia das gravuras em bico de pena é de 1966, depois as
reproduções em xerox são de 1976 e finalmente os desenhos em guache, sumi-ê,
nanquim e lápis que são de 1986, ano em que foram expostos.

O fato de o trabalho ter tido um tempo extenso de concepção e finalização nos oferece
uma oportunidade de estudar os desenvolvimentos poéticos pelos quais Wesley
passou. Além de ajudar a refletir sobre quais motivos são recorrentes na sua poética e
como o artista se encaixa no contexto artístico de sua época.

A primeira parte do trabalho é realizada em 1966, fazendo parte de um período de


extrema ebulição criativa. Havia participado da Oitava Bienal de Tóquio e estava
presente na Oitava Bienal de São Paulo no ano anterior, além de exposições na
Europa e Estado Unidos. Em conjunto aos primeiros desenhos da série Triumpho,
produz também Preparation drawing for a drawing, que numa tradução livre é Desenho
Preparatório para um Desenho. Essa série autorreferente foi feita como estudo para
outra série a ser realizada no ano seguinte chamada de Jean Harlow.

A Preparation Drawing é um estudo onde o artista busca utilizar todos seus


instrumentos e procedimentos, numa espécie de ensaio procurando tornar mais aguda
sua sensibilidade com o métier67. Utilizando de colagens, montagens, frotagens,
apagamentos e outras técnicas, Wesley busca, assim como um músico, ensaiar e
testar seus limites técnicos para depois serem utilizados de uma forma mais focada,
no caso da série Jean Harlow.

67
“ Hoje dei continuação ao grupo Preparation drawing for a drawing, onde estou experimentando a mão
para a série de Jean Harlow” Diário, São Paulo, out. 1966 in COSTA, 2005, p. 119
62

Figura 10: A Zona: Prepartion Drawing for a Drawing, Wesley Duke Lee. Fonte: Um
Salmão na Corrente Taciturna.

A série Jean Harlow (1967) é composta de 38 pranchas em que Wesley cria uma saga
refletindo a vida da atriz que foi um dos símbolos sexuais do cinema na década de
1930. Sua carreira é encerrada tragicamente aos 26 anos de idade devido a uma falha
no funcionamento dos rins e sua própria história de vida é pontuada por tragédias.
Wesely ao ler sua história numa revista banal sobre Hollywood concebe a série,
buscando explorar a relação que o estrelato projeta na figura feminina frente aos
próprios dramas pessoais que a estrela passava. No quesito formal, a série é
composta por principalmente desenhos em nanquim, guache e recortes de jornais.

Nela podemos ver como a fragmentação e a utilização de meios diversos faz parte da
poética de Wesley, o que gera um retrato diferente da personagem, do que seria
comum de se esperar na retratística ou ciclos temáticos. Com a utilização de
fragmentos, contornos e colagens, Wesley nos convida a buscarmos as nossas
próprias conexões para além das que já fez nas pranchas. O espaço que os recortes e
fragmentos deixam potencializam a nossa projeção no que seria a vida dessa estrela:

Copia a bico-de-pena uma série de fotos da estrela, colocando as cenas de sua vida
em quadrinhos, alguns desenhados a sépia, em imagens sutis, como fotos antigas que
vão se resumindo aos contornos, meio apagados, das figuras, e outros com
sobreposições ou destaques de partes de seu corpo, em cores. A saga da atriz
63

desenrola-se nos fragmentos que ocupam uma pequena área em cada prancha das 38
que formam a série. A eles Wesley justapõe os desenhos de uma visão sua,
contracanto delicado e sensível, dos mistérios do universo feminino. (Costa, 2005, pg.
121)

Figura 11: Jean Harlow, 6 – A Zona: A Morte, 22 – A Zona: A Paz, 0 – A Zona: A


Retomada, 1967, Wesley Duke Lee, Fonte: Um Salmão na Corrente Taciturna.
64

O Triunfo de Maximiliano I

Da mesma forma que Wesley encontra numa revista banal um material que vai
alimentar seu trabalho, são nas gravuras feitas por Albrecht Dürer 68 e Hans
Burgkmair69 para o imperador Maximiliano I que dão o mote inicial para a série. Ao
mesmo tempo em que realiza os preparativos para Jean Harlow, também copia a bico-
de-pena as gravuras dos artistas alemães, não dando prosseguimento ao trabalho até
1976.

As gravuras quais Wesley copia são parte de um ciclo comemorativo feito pelo
imperador Maximiliano durante o seu reinado, com intenção de elevar a moral dos
seus súditos e corte, frente a uma situação de guerras e escassez. Também é parte
do trabalho, a glorificação prematura do regente e sua tentativa de ditar como será seu
cortejo fúnebre e subseqüente lembrança objetivando sua imortalidade pelos registros.

O triunfo de Maximiliano faz parte de uma tradição da corte europeia que em


comemoração a eventos como casamentos, funerais, coroações, nascimentos de
herdeiros eram erguidos festivais que depois eram transformados em livros a serem
distribuídos para a corte. A maioria dos livros possuía relatos de testemunhas
presentes nos festivais, às vezes com reflexões morais ou filosóficas, alguns
continham somente a lista de nomes dos presentes. Eram publicados com autorização
ou pela corte, cidade ou clero, variando de simples panfletos as mais rebuscadas
publicações:

Os livros de festival são um gênero da elite na sua concepção e continua a ser


no seu desenvolvimento. A grande maioria dos livros de festival do século XV
em diante relata festivais em que ou acontecem na corte, e são organizados
pelo príncipe mesmo, ou são organizados por uma cidade ( ou uma cidade
república como Genoa) para honrar um príncipe ou um grande lorde. Os
eventos eclesiásticos (canonizações de santos, traduções de relíquias) tão
comuns em Roma e que se tornaram paulatinamente o tema de festivais e
livros de festivais durante os séculos XVII e XVIII também são ambientados no
âmbito da corte, no caso a Corte Papal.70 (Watanabe-O’Kelly, 2004, p. 3)

68
(1471 – 1528) Importante artista alemão, envolvida em diversas áreas como: pintura, desenho, gravura
e matemática. Conhecido por ser um dos expoentes no Renascimento Nórdico, sua obra sobrevive até
nós em grande parte por suas gravuras.
69
(1473 – 1531) Conhecido como O Velho, foi pintor, gravador e ilustrador. Desenvolveu boa parte de seu
trabalho com apoio do Imperador Maximiliano I.
70
No original: The festival book is an élite genre in its inception and continues to be so in its development.
The great majority of festival books from the fifteenth century onwards chronicle festivals which either take
place at court, and so are organized by the prince himself, or are put on by a city (or by a city republic such
as Genoa) to honour a prince or great lord. The ecclesiastical events (canonizations of saints, translations
of relics) so common in Rome and which became increasingly the subject of festivals and festival books
65

Os livros de festivais, isto é, os livros que acompanham os festivais realizados pela


corte têm sua origem em 1475, pouco depois da invenção da prensa. Em meados de
1520, é considerado que o gênero de livros de festivais havia se tornado algo
reconhecido e praticado. Os festivais aos quais os livros se originam, normalmente
eram realizados em tempos de crise ou conflito, locais ou cortes com uma estabilidade
assegurada não costumavam ter festivais:

A instabilidade e conflito proviam não só o pano de fundo, mas a raison d’être


para diversas cortes e festivais cívicos, e era frequentemente em tempos de
mudança, instabilidade e insegurança que os governantes e cidades
encenavam festivais. Governantes de longa data que estava firmemente
estabelecido no trono e não em conflito imediato com forças nem de dentro
nem de fora de suas fronteiras quase sempre não tinham necessidade de
festivais públicos em larga escala (ainda que eles possam ter encenado ou
feito parte de entretenimentos em pequena escala dentro da corte).
(WATANABE-O’KELLY, 2004, p. 5)71

Uma definição importante é a diferença entre as cerimônias realizadas durante os


festivais e espetáculos de forma mais geral. As cerimônias são os eventos em que as
estruturas de poder se consagram como a coroação72, Batismos, funerais e
casamentos possuem a mesma função de modo que mantém a estrutura de poder. As
cerimônias possuiam um caráter público, sendo necessário o testemunho da
população para que possam ter validade. Um rei ao entrar na cidade, passando por
seus portais não só demonstra o seu poder para a população, mas também sela esse
contrato social, instaurando as obrigações da corte e dos plebeus.

Os espetáculos, por outro lado, possuem um caráter fechado, em que membros da


corte são os atores e espectadores. As formas dos espetáculos podem ser muitas
como danças, músicas, teatros, competições militares e esportivas, entre outros.
Dessa forma, podemos enxergar esses espetáculos algo essencialmente privado,
ainda que a nossa noção de privado não seja exatamente a mesma das cortes,
mesmo assim sua abrangência era muito menor e mais localizada e não tinha
necessariamente um caráter de recuperação e reafirmação frente a conflitos.

Relatos históricos são presentes nos livros também, alguns chegando a detalhar as
roupas e quantas pessoas faziam parte de uma comitiva, ou mesmo qual foi a reação
dos presentes frente alguma fala ou gesto, mas muitas desses relatos apesar de em
seus títulos buscarem afirmar a veracidade do fato (como o livro francês ‘Récit

during the seventeenth and eighteenth centuries also take place within the ambit of a court, namely the
Papal Court.
71
No original: This instability and conflict provided not just the background, but the raison d’être for many
court and civic festivals, and it was frequently in times of change, instability and insecurity that rulers and
cities staged festivals. Long-lived rulers whore were firmly established on the throne and not in immediate
conflict with forces either inside or outside their borders quite often had no need of full-dress public
festivals (though they may have staged or taken part in small-scale entertainments in the intimacy of the
court.
72
WATANABE-O’KELLY, 2004, p. 5
66

veritable de tout de qui s’est fait et passé’, Narrativa verdadeira de tudo que aconteceu
e foi feito, em tradução livre), a intenção primária das cortes era glorificar os seus atos
e oferecer o relato correto de quem encomendou o livro:

(...) Histórias oficiais eram encomendadas por uma dinastia para demonstrar
como os grandes feitos daquela dinastia levaram ao presente momento e o
presente governante, e como suas ações contemplaram amplamente as
tradições de sua casa e a promessa dos seus primeiros anos. Livros de
festivais geralmente apresentam o evento que estão descrevendo – a entrada
solene, a grande celebração de casamento, o torneio – como um dos grandes
feitos, o res gestae, do príncipe que está no centro de todos.73 (WATANABE-
O’KELLY, 2004, p. 8)

Esses livros também possuam diversas formas, podendo ser uma simples narrativa ou
dialogo, em prosa ou verso, cartas fictícias, alegorias entre outros. Podem também
fazer parte de uma estrutura ficcional (a narrativa é descrita a partir de um sonho) a
ser ilustrada, ou ocasiões para sermões morais e discussões filosóficas. Porém, na
tradição dos livros, aqueles que se concentram em pranchas ilustradas devem
bastante a figura e influência do imperador Maximiliano I.

Maximiliano I, nascido em 1459, foi imperador do Sacro Império Germânico de 1493 a


1519. Chega ao poder poucos anos antes da chamada Reforma Imperial
(Reichsreform), o que de uma forma geral, foi um tentativa dos regentes das cidades
imperiais para mudanças em que o poder não ficasse centralizado na figura do
imperador.

Tendo esse cenário de contestação e instabilidade, Maximiliano movimentou todos os


recursos que tinham em mãos para consolidar sua figura, criando narrativas de seus
fatos heroicos, numa forma que pode ser entendida contemporaneamente como
propaganda estatal:

Com a ajuda de um time completo de historiadores, genealogistas, escritores e


artistas Maximiliano dispôs a se cercar num mito de poder, virtude e cultura.
Esses fazedores de imagens produziram trabalhos de história dinástica e
genealogia, enquanto Maximiliano estilizava sua vida como um romance da
corte em uma série de trabalhos que o retratavam como um cavaleiro
participando em toda sorte de combates de cavaleiros. Para a execução
desses trabalhos, ele se utilizou dos serviços dos artistas mais destacados do
seu tempo e usou tanto manuscritos como a nova arte da impressão. 74
(WATANABE-O’KELLY, 2004, p. 12)

73
No original: Official histories were commissioned by a dynasty to demonstrate how the great deeds of
that dynasty led up to the present moment and the present ruler, and then how his actions amply fulfilled
the traditions of his house and the promise of his own early years. Festival books often present the event
they are describing – the solemn entry, the great wedding celebration, the tournament – as one of the
great deeds, the res gestae, of the prince who is at the heart of them.
74
No original: With the help of a whole team of historians, genealogists, writers and artists Maximilian set
about waving round himself a myth of power, virtue and culture. These learned image-makers produced
67

Diversos livros foram feitos para dar suporte a essa visão mítica de um nobre cavaleiro
e suas aventuras, mas os trabalhos que mais ganharam destaque e serviram de
modelo para outras cortes na Europa, foi o que é conhecido como o Triunfo de
Maximiliano I, composto de 3 obras diferentes: O Arco Triunfal (1515-1517), composto
por 192 xilogravuras de Dürer, e as 136 xilogravuras feitas por Burgkmair, Altdorfer e
Dürer que compõem a Procissão Triunfal (1517), e a Grande Carruagem Triunfal
(1518 – 1519), feita por Dürer.

As cenas criadas pelas séries de gravuras funcionam como uma representação ideal
do poderio e esplendor do imperador, uma forma de emanar seu poder para toda
extensão do império. O seu Arco Triunfal não foi realmente construído, no sentido de
criar um monumento, mas as suas gravuras circulavam pelas casas nobres do
império, sendo um sinal de prestígio possuir cópias, ao mesmo tempo em que reafirma
o poder do imperador e seus diversos feitos.

Maximiliano I em 1500 tinha em sua corte, o comerciante de Nuremberg Anton Kolb,


que havia publicado um panorama de Veneza cidade que foi sua residência nos três
anos precedentes, com ajuda do desenhista Jacopo de Barbari, composto por seis
xilogravuras divida em blocos. Esse panorama servia como forma de propaganda para
a cidade mercante, e podemos especular que o imperador certamente viu potencial
nessa forma de comunicação como meio de propagandear seu poder e influência.
Com eles também trouxe a “expertise” na publicação de xilogravuras, sendo o trabalho
de Jacopo uma influência em Dürer.

A utilização de panoramas e diversas gravuras para criar uma grande cena dividam
em blocos, tem sua origem em Andre Mantegna, com sua Batalha dos Deuses do Mar,
um das primeiras gravuras feitas com duas placas. Essa forma de criar blocos, frisos
se tornou padrão para triunfos, procissões e batalhas. 75 É interessante notar que
apesar da Itália ser um polo disseminador, principalmente no que tange os festivais e
costumes que as cortes adotaram sem contar o próprio Renascimento que emanou
por toda Europa, foram nos países pertencentes ao Sacro Império Germânico que o
costume de livros ricamente ilustrados tomou forma e destaque. Aliado a nascente
produção editorial, graças ao tipo móvel, e artistas renomados em gravura, a produção
dessa região serviu de base para outras cortes na Europa, estabelecendo um padrão
de excelência:

(...) Então, os alemães, aqueles que desenvolveram a arte da xilogravura e de


gravura em cobre ao mesmo tempo em que descobriram a arte de impressão
com o tipo móvel, que tiveram um número de excelentes artistas como Dürer e

works of dynastic history and genealogy, while Maximilian himself stylized his own life as a courtly
romance in a series of works that portrayed him as a knight participating in various sorts of chivalric
combat. For the execution of these works he drew on the services of the foremost artists of his day and
used both manuscript and the new art of printing.
75
Ver STIBER, Linda S. EUSMAN, Elmer. ALBRO, Sylvia. The Triumphal Arch and the Large
Triumphal Carriage of Maximilian I: Two oversized, multi-block, 16th-century Woodcuts from the Studio
of Albrecht Durer. Disponível em: http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v14/bp14-07.html
Acesso 04/06/2015.
68

Cranach, o velho, para desenvolver a forma e que tiveram seus prestigiosos


trabalhos produzidos por Maximiliano como modelo estava produzindo livros de
festivais ricamente ilustrados numa época onde não era comum em nenhum
outro lugar.76 (WATANABE-O’KELLY, 2004, pg 13)

O triunfo celebrado não só por Maximiliano, mas por outros regentes, deriva de uma
prática do Império Romano, onde os imperadores realizavam cerimônias públicas
comemorando conquistas militares, além de institucionalizarem um espírito guerreiro
na figura do gladiador na arena.. Fazia parte do jogo político em que ao comemorar
tais vitórias, mantinha-se o espírito de união necessário para que o governo se
mantivesse no poder. De certa forma, nessas cerimônias públicas, o que era
celebrado era o “Triunfo”, a “Vitória” por si só, não importando necessariamente sobre
quem ou o quê. Isso claro se deve a consolidação do império em que a expansão
territorial e campanhas militares não eram mais necessárias.

Os descendentes europeus do império romano adotaram essa prática, expandindo-a


para acomodar não só vitórias em combates, mas toda sorte de atividades da realeza,
em que o caráter de exibição de poder fosse necessário:

É evidente que os regentes de Roma buscavam enriquecer o calendário anual


com banquetes que proclamavam sua magnificência e poder utilizando todos
meios disponíveis, até inventando falsas vitórias. Seus descendentes da
Renascença continuaram essa prática através da multiplicação de números de
ocasiões vistas como apropriadas para um festival da corte – incluindo eventos
políticos e dinásticos tais como coroações, casamentos, batismos, funerais,
tratados de paz, entradas (incluindo procissões), banquetes, regatas, shows de
fogos de artifícios, apresentações dramáticas e bailes de máscaras. 77
(SANDBICHLER, 2015, pg. 168)

O Arco Triunfal pode ser visto como algo que tem como função transformar a
arquitetura da cidade, de criar uma estrutura supostamente antiga dentro da cidade
atual. Uma reminiscência de tempos clássicos feita para valorizar o tempo atual do
regente. É uma lembrança de feitos comemorativos que evoca não só as glórias de

76
No original: So the Germans, who developed the art of the woodcut and of the copper engraving at the
same time as they discovered the art of printing with moveable type, who had a number of excellent artists
such as Dürer and Cranach the Elder to develop the form and who had he prestigious works produced by
Maximilian as models, were producing beautifully illustrated festival books at a time when this was not at
all common elsewhere.
77
No original: It is evident that the rulers of Rome aimed to enrich the annual calendar with feasts that
proclaimed their magnificence and power by all available means, even by inventing false victoreis. Their
Renaissance descendants continued this practice through their multiplication of the number of occasions
deemed appropriate for court festivals - by including political and dynastic events such as coronations,
weddings, baptisms, funerals, peace treaties, state entries (including processions), feasts, regattas,
firework displays, dramatic presentations and masquerades. SANDBICHLER, Veronika. Elements of
Power in Court Festivals of Habsburg Emperors in The Sixteenth Century. In: MULRYNE, J.R. ALIVERTI,
Maria Ines. TESTAVERDE, Anna Maria (Org.) Ceremonial Entries in Early Modern Europe: The
Iconography Power.Farnham: Ashgate, 2015, p. 168.
69

uma campanha bem sucedida, mas também toda a linhagem de vitórias que tal
dinastia ou imperador pertencia. Com isso, a linhagem do poder era mantida e
reforçada. Apesar do Arco Triunfal de Maximiliano I só existir de uma forma virtual,
digamos assim, ele ainda sim era algo de uma escala monumental. Ao montar todas
as pranchas a imagem completa mede 3,5 m x 3 m, realçando sua característica
arquitetônica, ainda que gráfica.

Sobre as origens do formato da obra vemos que:

O design arquitetônico e o arranjo dos portões do Arco Triunfal foram


originalmente concebidos pelo pintar da corte e arquiteto tirolês Jorg Kolderer
como uma miniatura. Foi o historiado, biógrafo e astrônomo da corte Johannes
Stabius que transformou a ideia numa xilogravura gigantesca. Ele providenciou
o conteúdo para as imagens e as composições das inscrições. Foi o mesmo
Stabius que persuadiu Dürer a supervisionar a execução artística do Arco
Triunfal por volta de 1512. Uma grande parte do “design” foi feita pelos
assistentes de Dürer: Hans Springinklee e Wolf Traut. Os brasões de Kolderer,
Stabius e Dürer podem ser encontrados no canto direito inferior. 78

Em suas características formais, podemos apontar os seguintes pontos:

O arco é divide em três portais, “Fama” e “Nobreza”, ambos nos flancos do


portão central, “Honra e Grandeza”. A seção do meio do edifício é reservada
para a genealogia da Casa dos Habsburgos. Os 24 painéis acima dos portais
da fama e nobreza descrevem a história política de Maximiliano. As duas
torretas redondas mostram os próximos eventos e conquistas pessoais de
Maximiliano. Stabius providenciou uma descrição detalhada desses na legenda
na parte de baixo.

As decorações no arco são uma mistura de simbolismos cristãos, pagãos e até


egípcios. Dos três o último é talvez o mais interessante. No segundo ou quarto
século A.D. Horus Apollo compôs um trabalho chamado “Hierogliphica” sobre
hieróglifos egípicios. Supostamente traduzido do egipicio para o grego por
Phillipus o tratado tornou-se conhecido na Itália em 1419 e causou um grande
impacto no mundo humanista. Ele é completamente sem valor do ponto de
vista científico visto que o verdadeiro significado dos hieróglifos não era

78
No original: The architectural design and the arrangement of the gates of the Triumphal Arch were
originally conceived by the Tyrolean court painter and architect Jorg Kolderer as a miniature. It was the
historian, biographer and court astronomer Johannes Stabius who transformed the idea into a giant
woodcut. He provided the content of the imagery and the compositions of the inscriptions. It was the same
Stabius who persuaded Dürer to oversee the artistic execution of the Triumphal Arch around 1512. A large
part of the design was done by Durers assistants: Hans Springinklee and Wolf Traut. The two round
towers flanking the Arch are attributed to Albrecht Altdorfer. The coats of Arms of Kolderer, Stabius and
Dürer can be found in the right bottom corner. ALBRO, Sylvia. The Triumphal Arch and the Large
Triumphal Carriage of Maximilian I: Two oversized, multi-block, 16th-century Woodcuts from the Studio
of Albrecht Durer. Disponível em: http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v14/bp14-07.html
Acesso 04/06/2015.
70

conhecido até 1799 após a descoberta da Pedra de Roseta. Mas, a elegância


de uma linguagem ideográfica que poderia expressar frases completas com
uma série de imagens, era algo bastante valorizado pelos humanistas que
sempre tiveram uma fascinação pelo misterioso Egito. Essa nova linguagem é
ainda conhecida como “literatura emblemática”. Dürer definitivamente sabia da
existência dessa nova linguagem, mesmo porque ele ia ilustrar uma tradução
latina do Hierogliphica pelo seu amigo Pirckheimer. Maximiliano se envolveu na
última moda, supostamente a antiguidade.79

79
No original: The arch is divided into three portals, "Fame" and "Nobility", both flank the center-gate of
"Honor and Might". The midsection of the edifice is reserved for the genealogy of the House of Habsburg.
The twenty-four panels above the portals of fame and nobility depict Maximilian's political history. The two
round flanking turrets show further events and Maximilian's personal accomplishments. Stabius provided a
detailed description of these in the legend at the bottom.

The decorations in the arch are a mixture of Christian, heathen and even Egyptian symbolism. Of the three
the last is perhaps the most interesting. In the second or fourth century A.D. Horus Apollo composed a
work entitled "Hierogliphica" on Egyptian hieroglyphics. Supposedly translated from Egyptian into Greek by
one Phillipus the treatise became known in Italy in 1419 and made a big impact in the humanistic world. It
is completely worthless from a scientific point of view since the true meaning of hieroglyphics was not
known until 1799 after the discovery of the Rosetta Stone. But the elegance of an ideographic language
which could express a whole sentence by a series of images, was very appealing to the humanists who
always held a fascination for mysterious Egypt. This new language is still known as "emblem literature".
Dürer definitely knew of the existence of this new language since he was to illustrate a Latin translation of
Hieroglypica by his friend Pirckheimer. Maximilian embraced the latest fashion, supposedly derived from
ancient antiquity. ALBRO, Sylvia. The Triumphal Arch and the Large Triumphal Carriage of
Maximilian I: Two oversized, multi-block, 16th-century Woodcuts from the Studio of Albrecht Durer.
Disponível em: http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v14/bp14-07.html Acesso
04/06/2015.
71

Figura 12: O Arco Triunfal de Albrecht Dürer, Fonte: British Museum80.

Fazendo parte do conjunto de obras, temos também a Carruagem Triunfal do


Imperador Maximiliano I, que foi desenvolvida primariamente por Dürer e pelo
humanista Willibald Pirckheimer. Apesar de o imperador ter supervisionado a criação
da obra, ela passou por revisões em 1518, um ano antes da morte do imperador,
sendo impressa postumamente em 1522. O conjunto da obra mede cerca de 0,46 m x

80
DIsponível em: http://blog.britishmuseum.org/2014/09/12/one-night-at-the-museum-moving-durers-
paper-triumph/ Acesso em 09/09/2015.
72

2,4 m, e era para ser um das partes centrais da Procissão Triunfal. Sua composição é
a mesma do Grande Arco, onde oito blocos formam uma grande imagem. Nos
aspectos formais vemos que:

A Carruagem Triunfal de Dürer mostra o Imperador sentado num carro puxado


por seis grupos de cavalos. O Imperador segura uma palmeira, e uma coroa de
louros é posta na sua cabeça pela Vitória, enquanto as outras virtudes
segurando coroas de louros estão sobre o carro ou guiam os cavalos. O carro é
dirigido pelo “ratio” (“razão”) e os cavalos são comandados com “nobilitas”
(“nobreza”) e “potentia” (“poder”). As rodas do carro, que são adornadas com
símbolos de Maximiliano, a águia de duas cabeças e asas abertas e com
decorações chamadas “magnificinetia”, “dignitias”, “gloria” e “honra”. Um
extenso texto interpretativo feito por Willibald Pirckheimer também faz parte da
obra. Pirckheimer foi largamente responsável pela iconografia da carruagem,
sobre a qual ele se correspondeu com Maximiliano em 1518. Tomando como
base numa longa tradição de entradas triunfais, que datam dos Imperadores
Romanos, o “design” sugere um paralelo entre Júlio César, o Imperador
Romano arquetípico, e Maximiliano, um César moderno.81

81
No original: Dürer’s triumphal chariot shows the Emperor seated in a cart drawn by six teams of horses.
The Emperor holds a palm, and a laurel wreath is being placed on his head by Victory, while other virtues
holding laurel wreaths stand on the cart or lead the horses. The cart is driven by 'ratio' (‘reason’) and the
horses are reined with 'nobilitas' (‘nobility’) and 'potentia' (‘power’). The wheels of the cart, which are
adorned with Maximilian’s symbols, the splayed eagle and the Burgundian flints, are named
'magnificentia', 'dignitas', 'gloria' and 'honor'. An extensive interpretive text, by Willibald Pirckheimer, is
included on the print. Pirckheimer was largely responsible for the iconography of the chariot, over which he
had corresponded with Maximilian in 1518. Drawing on a long tradition of triumphal entries, thought to date
back to Roman emperors, the design implied a parallel between Julius Caesar, the archetypal Roman
emperor, and Maximilian, the modern Caesar. Disponível em
https://www.royalcollection.org.uk/collection/830118/the-triumphal-cart-of-the-emperor-maximilian Acesso
em 08/09/2015
73

Figura 13: A Carruagem Triunfal de Albrecth Dürer, Fonte: Library of Congress82.

Assim como as outras obras do conjunto, a função desta também é de reafirmar o


poder do regente, e especula-se que sua intenção era de ser exposta em lugares
públicos, como uma forma de demonstração da grandeza de seus feitos, além de ter
um aspecto moralizante e histórico.

Uma fala atribuída ao Imperador mostra a lógica por trás de um projeto de uma escala
tão grande:

Aquele que não providencia para sua memória enquanto vive, não será
lembrado depois de sua morte, então essa pessoal será esquecida quando os
sinos dobrarem. Sendo assim, o dinheiro que eu gasto para minha memória
não será perdido.83

De certo a maioria dos feitos o qual o imperador se gaba, são nada mais do que isso,
uma ostentação de seu poder. O mais interessante nessa complexa empreitada é a
criação do mito, chegando ao ponto de Maximiliano afirmar que sua descendência
chega até o mítico Hércules, passando por César e Alexandre, o grande. O que faz
parte de uma prática comum, no que se diz respeito à legitimidade do poder
monárquico. Diversas dinastias estendiam seus laços até uma antiguidade mítica para
82
Disponível em: http://www.loc.gov/pictures/item/2008675513/ Acesso em 09/09/2015
83
No original: He who does not provide for his memory while he lives, will not be remembered after his
death, so that this person will be forgotten when the bell tolls. And hence the money I spend for my
memory will not be lost. Disponível em:
http://www.albertina.at/jart/prj3/albertina/resources/dbcon_def/uploads/Presse/pressetexte_12/PM_Maximi
lian_ENG.pdf Acessom em 08/09/2015
74

que assim legitimassem seu poder. O fato também do poder do regente ser alinhado
com um poder divino também facilita a questão da auto-mitologia.

É interessante notar como Maximiliano parece ter uma perspectiva muito


contemporânea de como as imagens impressas possuem um poder tão grande como
o poderio militar. Isso não é dizer que essa percepção é única, o desenvolvimento
humano sempre teve consigo relação com imagens, relações de poder inclusive,
principalmente no âmbito temporal. O que aparenta ser diferente no caso do imperador
é a presença da imprensa como meio de propagação de imagens e textos. Restrito
ainda para uma minoria letrada, ainda sim era um poderoso novo instrumento:

Suas comissões para humanistas e artistas para crônicas, autobiografias,


panegíricos, poesia e baladas, retratos, xilogravuras em sua honraria, e –
acima de tudo – sua tumba em Innsbriick, não devem ser atribuídas a vaidade
ou um desejo ególatra para auto-engrandecimento. Ao invés disso, elas
indicam o conhecimento de Maximiliano dos mais eficientes meios de polêmica
disponíveis para ele – a imprensa e as artes visuais. (AIKIN, 1976, pg. 9)

Xerox

O xerox como meio de reprodução existe desde de meados da década 1950, porém
só se popularizou na década 1960, onde foram desenvolvidas máquinas de fotocópias
capazes de operar dentro de um escritório devido ao seu tamanho reduzido. A partir
daí, a fotocopiadora se tornou um método razoavelmente barato de reprodução,
podendo reproduzir fotos, desenhos, textos e quase toda sorte de coisas, ainda que a
qualidade da reprodução seja variada. Mas justamente essa possibilidade de inserir
“ruídos” e manipulações fez com que diversos artistas optassem por usar esse novo
meio, sendo algo bastante presente em trabalhos artísticos diversos a partir da década
de 60. (pesquisar mais sobre o xerox e reprodução).

Em 1979, realiza a segunda parte do trabalho, em que consiste de reproduções em


xerox de uma modelo frente a um espelho, dando um giro sobre o próprio eixo.
Podemos ver na sequência do trabalho essa ação se desenrolando vagarosamente,
tendo às reproduções a semelhança de dos quadros que formam um filme.

Wesley já havia utilizado xerox em suas obras, sendo mais um elemento na sua paleta
de técnicas, como pode ser visto na série O truque da concha celestial (36
transformações) de 1977 e nos Fragmentos coloridos apresentados na série Sombra-
Ações em 1976. Em 1979, a convite da recém criada Comissão de Valores Imobiliários
(CVI) em Rio de Janeiro, propõe uma série, depois denominada Papéis, onde com
ajuda da reprodução em xerox colorido, constrói um panorama histórico do mercado
de capitais, utilizando materiais vindo do acervo do Banco do Brasil e da Bolsa do Rio
de Janeiro. Criando uma série que possuía um lado histórico, mas também plástico
devido às variações de cor feitas propositalmente.

Com essa encomenda, viaja ao centro de pesquisas da Xerox, em Nova Iorque


patrocinado pela Xerox do Brasil. Realiza no centro cerca de 400 colagens com os
75

papéis, ficando com 50 da série, a qual expõe nas Bolsas do Rio e da São Paulo. A
pesquisa realizada no centro se mostra frutífera reverberando em outros trabalhos nos
anos seguintes.84

Durante essa visita, aproveita do maquinário disponível para transformar as fotos de


uma modelo em xerox colorido, que depois é aplicado na série de desenhos, tendo
sua localização quase sempre nos estandartes que os personagens das gravuras
empunham.

Interessante notar que nas reproduções em xerox, a modelo está de frente a um


espelho, o que reforça uma característica da obra que é a reprodução e a
reinterpretação, articulando um diálogo entre a visualização que temos de nós
mesmos, como a modelo no espelho e como nós nos projetamos para o mundo, como
Maximiliano faz nas gravuras e mesmo até o olhar de Wesley sobre a modelo.

O movimento que nós percebemos da modelo dando a volto em seu próprio eixo, pode
ser visto como análogo ao movimento da procissão triunfal, ainda que no caso do
xerox, temos algo cíclico. Esses movimentos ajudam a série estabelecer um ritmo
visual e narrativo, em que os diversos elementos que compõem o trabalho, travam um
diálogo pela série toda. Vemos que com o desenrolar da procissão, também
acompanhamos uma modelo que nos seus movimentos traz uma carga erótica para
além das sugestões míticas trazidas pelas gravuras.

A temática do feminino, do corpo da mulher que se contorce, aparece e desaparece, é


uma constante no trabalho de Wesley, e aqui toma corpo de uma forma parecida com
outras ocasiões, como na série das Ligas. Podemos ver através das reproduções
somente partes do corpo da modelo, a atmosfera escura cria um jogo em que o corpo
nunca é revelado por inteiro, em que devemos percorrer a narrativa juntando os
pequenos vislumbres, e nunca conseguindo ter uma visão por inteiro.

A presença do espelho em que podemos ter outro ponto de vista de uma mesma cena
estabelece um jogo recursivo de representação. Temos assim a modelo, sua reflexão
no espelho e o enquadramento do fotografo, que é o nosso ponto de vista. Desse
modo, o espaço da cena se torna mais profundo, onde podemos alternar pontos de
vista e navegar o espaço, ainda que restrito. Essa multiplicidade na visão reafirma
uma característica psicológica do trabalho de Wesley, onde enxergamos uma imagem
não só na sua concretude, enquanto matéria em algum suporte, mas também sua
verossimilhança e possivelmente estados psicológicos.

A presença do espelho dá margem para que vejamos para além de um só ponto de


vista, para que possamos, num certo estado psicológico enxergamos a nós mesmos
além do nosso corpo. O ponto de vista central do nosso ser, o nosso corpo, tem sua
duplicação e exteriorização, um exercício que é uma forma de tornar concreto o que
Wesley busca quando diz dos estados psicológicos, assim na imagem vemos a
ilustração desse estado, o artista lidando com a reflexão de uma volúpia e também um

84
COSTA et al, 2010, pg. 24 e COSTA, 2005, p. 179-180
76

eu feminino, e no mesmo jeito que agimos como um voyeur penetrando num espaço
psicológico, assim como artista operava frente à modelo.

No contexto do trabalho de Wesley, a feitura das fotoreproduções se insere numa


retomada do artista aos experimentos técnicos, coisa tal que sempre fez em sua
carreira, ainda que em alguns períodos não seja tão proeminente. Também podemos
ver como um período de retomada de seus trabalhos, ainda que nunca tenha parado
de produzir, devido a uma crise com o mercado de arte, deixa de expor durante um
tempo no começo da década de 1970.85

Podemos enxergar o artista também em um momento diferente de sua carreira, se no


inicio dessa obra, ainda era tinha certa energia de afronta, de demarcar seu espaço e
paulatinamente ser reconhecido no circuito artístico, agora vemos Wesley com um
artista maduro, alguém que não necessariamente consagrado e coberto de louros,
mas um artista que possui uma trajetória sólida, tendo participado de importantes
exposições e que abriu caminho para toda uma geração de artistas.

Desenho

A terceira etapa que finaliza o trabalho é composta de desenhos em bico de pena,


naquim e guache de 1986. Os desenhos foram feitos baseados na modelo e amante
de Wesley, Sabine Berg. Interessante notar que no procedimento de Wesley, por mais
que a modelo pose e dessa situação faça alguns estudos, seu trabalho com modelos
geralmente é baseado em fotos. Tal procedimento se deve ao fato de Wesley trabalhar
sobre a imagem de uma forma diferente do que somente capturar a semelhança da
cena, buscando partes, enquadramentos, realçando diferentes partes na composição.

O fato de usar fotografias como base de seus desenhos não é algo novo na história da
arte e foi uma contribuição importantíssima para diversos artistas. As composições
impressionistas, em especial as de Degas, possuem muito da influência de uma visão
fotográfica. Essa visão fotográfica pode ser enxergada como uma visão que edita ou
que separa o campo de visão, ou ainda que foca em detalhes. O nosso campo visual
possui limitações, obviamente, mas com o usa da foto isso se torna mais evidente no
que se diz respeito ao que estamos focando. Assim com a utilização de uma foto,
reforçamos a ideia de que ao enxergarmos, selecionamos a todo tempo o modo como
vemos, mudando os pontos de vista voluntariamente ou não.

No tocante da feitura do trabalho, a utilização de fotos volta a reafirmar um caráter de


reprodução que a obra possui. Apesar de serem pranchas únicas, suas origens
temáticas e técnicas são de meios de reprodução em massa. Das gravuras para os
desenhos em bico de pena, das fotos para a fotoreprodução, das fotos para o nanquim
e o guache. Podemos dizer que a matéria que a compõe e as reproduções vêm de um

85
Wesley sempre teve problemas com a crítica e com o mercado de arte, como vimos na introdução.
Durante esse período para além de seus problemas pessoais, o mercado financeiro brasileiro também
sofre um revés e agrava muito a situação das galerias. Em depoimento ao autor, a galerista Luísa Strina
nos diz: “Esse era um problema para Wesley, ele brigava com todo mundo”.
77

olhar sobre uma imagem, o artista está organizando imagens envolvidas com estados
psicológicos, não com um retratismo verossímil.

Com os desenhos da modelo, Wesley volta a intervir na cópia das gravuras,


adicionando cor em algumas ocasiões, em outras sobrepondo à imagem da modelo. A
paleta de cores usada é bem limitada, contendo vermelhos, azuis, amarelos e pretos,
em alguns casos com a diluição da tinta e misturas atingindo um tom rosáceo,
gradações de cinzas e tons arroxeados. Podemos notar que as cores predominantes
são as cores primárias: vermelho, amarelo e azul, com a adição do preto. Não
considerando o preto como uma cor, ele atua no sentido de constituir somente as
linhas e traços e em outros casos no preenchendo espaços, criando volume, em
suma, numa dualidade entre linha e mancha.

A modelo, assim como no xerox, é representada na maioria das vezes em recortes,


somente vemos seu corpo inteiro em três ocasiões. Wesley prefere focar em partes do
corpo, realçando um caráter erótico na modelo, seja em poses sensuais, seja com
adereços:

As formas dos aparatos eróticos também se contrapõem às alegorias clássicas. A


moça nua ou enrolada numa tela, com máscaras, plumas, sapatos altos, cordas, laços
e tudo que se costuma usar em um “boudoir”, deita-se diante da deusa da fortuna de
Maximiliano, pinta os olhos, brinca de palhaça ou permanece amarrada tranquilamente,
86
distante, fechada em si mesma.

A presença de uma figura feminina, assim como nas reproduções em xerox, é um


tema constante na obra de Wesley. Durante seu percurso artístico, investiga a
representação feminina, numa busca pessoal em lidar com aspectos femininos que
sua personalidade possui87. Essa investigação do feminino caminha junto com a
investigação do seu eu masculino, na forma como enxerga a figura feminina, em
partes, em tom erótico, de forma sacramental. Em suas próprias palavras, Wesley diz:
“Para mim os sapatos de salto alto são os pedestais onde coloco minhas deusas” 88,
onde podemos ver que a mistura entre o erótico e o sagrado faz parte integrante de
sua concepção para a figura feminina, onde a potencialidade sensual é vista como
algo divino, uma potência além do mundado.

As poses da modelo, assim com uma temática sensual, rementem a um dos primeiros
trabalhos de sua carreira, a série Ligas. Ambos possuem um caráter de investigação
do “mistério feminino” e do erótico. Sendo trabalhos de épocas distintas, podemos
enxergar a diferença na aproximação do tema. Na série Ligas, realizada no começo de
sua carreira, havia certa indecisão nas linhas, uma fragilidade, o assunto quase sumia
nos papéis. O jeito que foi exposto pela primeira vez tendo os espectadores lanternas
para que pudessem enxergar os trabalhos na meia luz nos leva a pensar sobre uma

86
COSTA, 1986, p. 5
87
COSTA, 2005, p.56
88
GALVÃO, João Candido. Triunfo do Traço: Os Desenhos Requintados de Wesley Duke Lee. Veja,
Sâo Paulo,p. 97, 7 de Janeiro, 1987.
78

forma de hesitação, de algo mais dificultoso em sua fruição. A meia luz e as lanternas
colaboram para que a aura voyeur seja amplificada, mas ao mesmo tempo é como se
a temática não pudesse se apresentar por si só. Já nos desenhos realizados para
essa série, a desenvoltura da modelo é maior, assim como sua representação. A
temática de aparatos sensuais como lingeries, máscaras e saltos altos é interpretada
de uma maneira mais vibrante, ganhando destaque pela cor e na composição. Wesley
ao fazer esses desenhos já era um homem e artista maduro, o seu comando do métier
e motivos próprios eram maiores. Com isso, cria um jogo em que o foco mudo sempre
entre os três elementos da obra, obscurecendo-os ou trazendo a baila de acordo com
suas vontades, numa perspectiva mais confiante da representação feminina.

A Série

Características Formais.

Tendo em mente todos os elementos que foram analisados acima, partamos para um
olhar mais geral, na tentativa de abarcar a totalidade do trabalho tanto quanto série
quanto as pranchas em si. Composta de 28 pranchas, todas medindo 51 x 69 cm, em
papel “Fabriano”, a série constrói uma narrativa que está ligada a uma visão
psicológica e não necessariamente na progressão de fatos num determinado tempo.
Wesley em uma entrevista sobre seu trabalho expõe como entende elementos
artísticos com o traço e a cor, numa visão psicológica: “(...) a cor é a vida, é Eros (...) a
linha é Apolo, o intelecto.”89 Vemos assim que na sua prática artística a construção de
imagens serve um princípio psicológico, de investigação de forças presentes tanto no
inconsciente do artista quanto, de uma forma geral, no espectador.

Durante a série vemos uma espécie de embate entre duas figuras principais, o cortejo
de Maximiliano I e a modelo, Sabine. No inicio ambas as partes preenchem o quadro
de uma forma harmônica (o que não é dizer igual, a composição é dinâmica). Porém,
com o progredir da série, a figura da modelo ganha mais proeminência enquanto as
gravuras vão perdendo força. E durante toda essa progressão, a segunda modelo
continua no seu giro, servindo de um ponto intermediário entre os dois outros
elementos.

A modelo em xerox, por estar sempre enquadrada pelo estandarte das gravuras, cria
um ponto de convergência, estabelecendo uma constante durante a série toda, no
sentido formal sendo o elemento que reaparece em todos os trabalhos, definindo um
ritmo próprio para o trabalho. Dentro da própria repetição desse formato retangular,
ocorre também variações entre o estandarte da gravura e o xerox, reforçando o ritmo
na série. Devido ao formato de retângulo, ecoa também a própria forma das pranchas,
uma espécie de quadro dentro de outro quadro, que em certos momentos podemos
pensar como um elemento independente dos outros, mantendo seu ritmo próprio e

89
São Paulo, Estado De São Paulo, Caderno de Programas e Leituras, 17 de Outubro, 1981.
79

constância. Porém, o conteúdo da imagem reproduzida, com sua modelo frente ao


espelho, reforça tanto as características de Sabine, no sentido da visão voyeur,
erótica, quanto das gravuras de Maximiliano I, com sua reprodução e reflexos de uma
visão (tanto psicológica como evento físico concreto).

Os desenhos das gravuras possuem um tratamento diferenciado de os da modelo.


Wesley prefere, ao invés de reinterpretar as hachuras características da xilogravura,
simplificar a forma. Onde elas demonstravam volume, sombra ou textura, prefere criar
contornos, demarcando as zonas onde seriam aplicadas as hachuras. Também é
característica no tratamento da imagem sua abertura, em momentos não completando
a figura toda, deixando grandes áreas de branco às vezes somente demarcando seu
contorno, criando uma mistura entre silhuetas e figuras mais definidas. Com isso o
artista negocia não só a criação de espaços na composição, mas também a tensão na
representação de uma obra, não sendo algo do mais fiel, mas sim a livre interpretação
que demanda o trabalho.

Na figura da modelo, percebemos em geral contornos mais decididos, com maior


carga na linha, além da presença da cor dentro de sua silhueta. Wesley também não
trabalha com hachuras na modelo para demonstrar volume, carregando essa
potencialidade no contorno e em áreas de cor, o que cria um peso na figura diferente.
Em certas ocasiões, assim como nas gravuras, a modelo não está representada em
sua totalidade, com formas deixadas em aberto, dialogando com as gravuras, criando
uma tensão entre os espaços abertos deixados por ambas e por suas intersecções.

Os três elementos principais na obra criam um interessante embate na representação


de espaço. O espaço aqui entendemos como os artifícios gerados em uma superfície
em duas dimensões para a representação de profundidade de um espaço
tridimensional. Esses artifícios são usados de formas diferentes, de acordo com as
características técnicas e da origem das imagens.

Como exemplo, na prancha intitulada: “O Cavaleiro no lugar do cavalo com “arreios”


(de joelho)” (Figura 14), temos no primeiro plano a modelo de joelhos, com a cabeça e
as mãos tocando o “chão” e um banco. O ponto de vista do desenho é de como se nós
tivéssemos quase agachados como a modelo, duas linhas demarcam uma linha do
horizonte, cruzando nas costas da modelo. O banco em que a modelo se apoia é
definido quase como uma letra “A”, com pinceladas em marrom. Sua forma existe
numa tensão entre o bidimensional e o efeito do tridimensional, tendo a cor como
elemento de destaque no volume. O cabelo e o sapato de salto alto (além de uma
máscara sugerida no emaranhado dos seus cabelos, é o único elemento de vestuário
presente), são definidos por um azul, que contrasta com as fitas comemorativas do
estandarte em vermelho. Os dois polos em azul, cabelo e sapatos, oferecem dos polos
onde a figura se firma no plano do desenho. Contrastando com esse ponto de vista,
temos a figura de um cavaleiro, portando um estandarte. O cavaleiro tem no seu
tratamento apenas o que seria a porção esquerda ou a frente de sua figura, a parte de
trás ou direita não está desenhada, porém ela se encaixa perfeitamente com as coxas
da modelo, ao mesmo tempo em que sua parte definida é sobreposta com os seios da
modelo. O ponto de vista da figura é heráldico, de forma a mostrar toda sua
indumentária e símbolos, porém, pelo tratamento dado por Wesley, temos somente
80

seus contornos, dando mais peso a figura em contraste com a modelo, num jogo entre
espaços demarcados e vazios. O estandarte que carrega, é cortado por uma das
linhas que nos ajudam a formar o horizonte, e no seu final vimos que ela termina no
que seria uma flâmula, alternando sua disposição para nós entre um elemento
espacial e gráfico. A forma como o estandarte está representado também foge do que
seria o plano ideal para o cavaleiro segurar, sendo representado mais como um
elemento gráfico do que necessariamente a representação em três dimensões do
mesmo. Dentro dele vemos a reprodução da foto da modelo, que está sentada, onde
só conseguimos ver de sua lombar até seus pés e seu pequeno reflexo no espelho no
fundo da composição. Por estar numa penumbra, o foco de luz reforça a presença do
corpo da modelo. Sua posição também se relaciona com a outra modelo, onde suas
coxas estão viradas para o lado contrário da outro modelo, criando um ritmo sinuoso.
Também há uma relação entre a posição da reprodução em xerox em relação ao
desenho da modelo, situando-se na sua lombar, reforçando o peso nessa determinada
área.

Figura 14: “O Cavaleiro no lugar do cavalo com “arreios” (de joelho)” de Wesley Duke
Lee. Fonte: Catálogo “O Triumpho de Maximiliano”

O título da obra, presente na prancha no canto superior esquerdo, trata das duas
imagens mais destacadas, uma num sentido literal e outro erótico. O título explicita
essa comparação: “o cavaleiro no lugar do cavalo com “arreios” (de joelho)”, a modelo
está na posição que remete a do cavalo, ou seja, agachada com os quatro membros
tocando o chão. Pelo título, a mudança ocorre quando aquele que deveria cavalgar, se
81

coloca na mesma posição do cavalgado. Com a representação do cavaleiro,


conseguimos ver esse contraste simultaneamente.

A carga erótica também é realçada, trabalhando com os dois conceitos que Wesley
tinha apresentado, a respeito da construção e técnica, tendo a figura apolínea do
cavaleiro, representando uma ordem nobre, e o Eros da modelo, representando o
desejo carnal. Conseguimos ver assim que ambas as poses, em tese as mesmas,
representam duas concepções diferentes e que sempre existe essa dualidade, entre o
erótico e o racional, lógico e o passional.

Vemos também como o artista articula em sua obra um diálogo entre uma cultura
medieval, de forte herança clássica, que buscava uma representação alegórica de
virtudes e feitos, num âmbito além do pessoal, e uma visão erótica, intima, pessoal. A
modelo se debruça no cavaleiro, ligando ambas as visões, nos permitindo ver
simultaneamente como esses dois polos convivem na série e na obra do artista.

Os títulos das obras são partes integrais das mesmas, tanto no sentido de construírem
junto sua totalidade, quanto na questão formal, já que eles estão presentes numa
escrita caligráfica na prancha. Todos os títulos se encontram no canto superior
esquerdo acompanhados de uma sequência de números, que vai de 32 ao 59. Os
números foram criados por meio de estêncil, que nos lembra um clichê tipográfico. A
presença da escrita também se dá em algumas pranchas, com frases elaboradas por
Wesley num estilo caligráfico rebuscado. Numa primeira impressão, podemos até
confundir com grafismos, necessitando um olhar mais atento para decifrar seu
conteúdo.

Essa característica que estamos chamando de caligráfica deriva de sua feitura em


bico de pena e no tratamento das letras que possuiu uma sinuosidade elegante,
contrastando com a construção mecânica dos números. Em diversas pranchas
também vemos pequenos grafismos na composição, riscos que parecem ter a mesma
origem que as palavras, tendo o mesmo tratamento gráfico, porém destilado para
somente ter um aspecto formal, sem características gramaticais ou semânticas.

Na série toda a integração entre os elementos ocorre de maneira variada. Podemos


dividir em composições harmônicas e dissonantes. Na primeira, são composições que
os elementos todos estão integrados no âmbito formal sem criar conflitos, em que os
pontos de vista dos elementos convergem a um plano só. No segundo tipo, a
composição dos elementos gera alguns conflitos, nos fornecendo divergências entre
os planos. Ambos os tipos de composição refletem o “mote” que rege a feitura do
trabalho, o diálogo que Wesley estabelece com suas fontes e como ele as articula, ora
de forma mais integrada, ora evidenciando seu conflito.
82

Figura 15: O Cavalo (1976) de Wesley Duke Lee, Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural90

90
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee Acesso em
09/10/2015.
83

Figura 16: (ikone) o estandarte de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “O Triumpho de
Maximiliano I”.

Símbolos e ícones

Aqui usamos o termo símbolo de uma forma geral, quando necessário especificamos a
conotação a qual se refere. Uma das pranchas da série, intitulada “(ikone) o
estandarte” nos fornece um importante ponto de partida para analisarmos a relação
que Wesley tem com símbolos e uma simbologia de forma geral. A palavra “ikone”, é a
palavra alemã para “ícone”, derivada do grego “eikon”, que pode ser traduzido como
imagem. Um ícone pode ter diversas conotações, mas a que mais parece adequada
nesse contexto, por força das características da própria obra, é conatação que ícone
tem em nas artes sacras, mas especificamente na arte derivada da Igreja Cristã
Ortodoxa.

A igreja Cristã Ortodoxa possui algumas afinidades com o que descrevemos como
características gerais da poética de Wesley. A igreja, sendo fruto de uma junção entre
culturas gregas, romanas e cristãs, e tendo o seu desenvolvimento muito ligado às
culturas Russas e dos Balcãs. Essa mistura de culturas e diferentes referências criam
uma perspectiva única para sua produção artística, que é o nosso foco nesse presente
texto.
84

Nesse contexto, a ícone pintado possui características que refletem a prática religiosa
cristã ortodoxa, em que a imagem pintada assume uma característica dupla, sendo
algo além do plano material, fazendo parte de uma ligação com o divino. O simbolismo
presente não funciona com algo que somente remete a outra coisa, mas sim a coisa
em si, ainda que numa forma dupla:

Claramente, com relação a iconografia, o “simbólico” pode somente ocupar uma


posição secundária, mesmo que a qualidade do significante do um ícone, por
excelência é o fato que ele constitui uma imagem real daquilo que representa. A
imagem é de certa maneira a “verdadeira” forma do protótipo, participando dele e
91
integralmente ligado a ele.

Essa distinção entra a coisa em si e uma representação dela, é a base do argumento


contra acusações de idolatria que os cristãos ortodoxos lutarem durante muito tempo.
Os argumentos usados por São João Damasceno oferecem uma luz sobre essa
interpretação:

Primeiro de tudo, existe a adoração, na qual nos oferecemos para Deus, que somente
pela sua natureza é digno de adoração... Mas agora, quando Deus é visto em carne
conversando com os homens, eu crio uma imagem de Deus o qual eu vejo. Eu não
adoro matéria, eu adoro o Criador da matéria que se tornou matéria pelo meu bem.92

Basílio de Cesárea oferece uma visão sucinta:

Nós veneramos imagens; [mas] não é uma veneração oferecida para matéria, mas
para aqueles retratados através da matéria nas imagens. Toda honraria dada a uma
imagem é transferida para o seu protótipo.93

O interessante dessa interpretação é que ela vai de encontro com a maioria das
interpretações presentes no campo artístico e na história da arte. De certo, para além
das questões ritualísticas e religiosas, o argumento entre a representação e a ligação
com o objeto representado persegue diversas áreas de conhecimento, sendo um
importante tema de discussão durante toda a história da humanidade.

A nossa menção aos ícones no contexto da arte cristã ortodoxa, se deve além das
questões de relação entre o ícone, representação e relação entre os dois, também
para com as características formais que esses ícones possuem, tendo um esquema
formal muito bem caracterizado, com definições de poses e de cores que devem
constituir um ícone.

De um modo geral, e de acordo com as regras da Igreja Ortodoxa, os ícones são


criados por um laborioso, às vezes tedioso, processo, onde o pintor deve se purificar
para que possa tornar-se apto a tarefa. Invenções formais ou “toque pessoal” do

91
AUXENTIOS, The Iconic and Symbolic in Orthodox Iconography, Originalmente publicado em:
Orthodox Tradition, Vol. IV, No. 3, pp. 49-64. Disponível em:
http://orthodoxinfo.com/general/orth_icon.aspx Acesso em: 20/09/2015
92
Idem.
93
Ibdem.
85

artista não são encorajados. As representações das figuras divinas possuem certa
impassividade, sem demonstrações de fortes emoções. A imagem existe num plano
bidimensional, não sendo encorajada a sugestão de tridimensionalidade. As poses e a
composição também costumam ser estáticas e carregadas de simbolismos. As cores
também possuem uma simbologia própria, derivada de uma tradição grega, tendo a
presença do dourado como o símbolo máximo da divindade, o vermelho como cor da
vida, azul o céu e os seres celestiais.

A utilização de cores na prancha em questão parece referenciar as tradições


ortodoxas, com grande presença de dourados, vermelhos e azuis. Essas cores
também estão presentes durante a série toda, mas nesse caso em específico, devido
ao título, parece assumir um tom de referência maior. A referência parece ter certo
tom de ironia, com a presença da cor não num sentido de divino, mas de opulência,
riqueza. O vermelho, pensado como o tom vital, aqui se aproxima mais da paixão, do
erótico, sendo associado a cinta liga usada pela modelo.

A prancha (Figura 16) é construída com um desenho central da modelo, sentada numa
reminiscente da Vênus Adormecida, de Giorgione, que foi de inspiração para Vênus de
Urbino de Ticiano e talvez no exemplo mais famoso, a Olympia de Manet. A Olympia
talvez seja a comparação mais interessante, em que a modelo toma pose de uma
figura alegórica, mítica, mas subverte a aura do quadro de uma contemplação serena,
para uma carregada de erotismo. O mesmo acontece no desenho pintado por Wesley,
a modelo está vestindo uma cinta liga, o chão é povoado por sapatos de salto alto. O
tórax da modelo está vestido por algo que lembra um corselete, pintado de dourado. O
azul completa a cena, criando sombras e volumes. Uma fina linha corta a imagem no
eixo horizontal.

Enquadrando a figura principal da modelo, temos no canto superior esquerdo o


estandarte das gravuras, com a reprodução em xerox de outra modelo, acompanhado
de fitas comemorativas. O enquadramento do xerox foca nas coxas da modelo, que no
momento fotografado estava levantando. A cena vista fora do conjunto, demora para
ser compreendida, pois é uma pose que parece antinatural, muito por ser um
movimento capturado em pequenos instantes. O foco nas coxas da modelo se
relaciona com as coxas da modelo desenhada, que também é realçado pela presença
da cor vermelha. Formando um foco diagonal da parte superior esquerda até a parte
inferior direita, ajudado também pelo traço que percorre a imagem central.

As duas palavras do título parecem reforçar a característica de um símbolo que a


imagem central da modelo tem. A figura da modelo, reclinada, coberta de adereços
eróticos, emoldurada de uma forma aristocrática, seria como o estandarte
representante da série. Nela está o símbolo das forças discutidas durante a sequência
das pranchas. Esse símbolo pode ser entendido como a visão do feminino, um corpo
potente de erotismo, que nessa pose em específico parece não estar de uma forma
ativa, ainda sim guarda toda a chave de Eros. Como dito anteriormente por Wesley,
sobre a presença da cor como elemento de Eros, nela vemos essa pulsão condensada
no estandarte figurativo de seu próprio triunfo. Não é mais Maximiliano que exalta seus
feitos nobres, sim o feminino, Eros que rege toda a procissão e será levado com
86

símbolo. Como próprio texto presente na parte inferior da imagem diz: A Madonna está
disponível, em espera.

O ícone criado por Wesley é algo que se situa diametralmente oposto ao propósito dos
ícones que referencia. Ao invés de representar a santidade, abnegação, o contato com
o divino, a representação nos dá o erótico, o carnal, o humano. Podemos pensar
também além da contraposição, mas como uma elevação desse potencial erótico, o
estandarte levantado em sua procissão é que Eros é a força vital, é aquilo de mais
sagrado, aquilo que deve ser levado como mote nas suas campanhas.

De certa forma, a veneração que o ícone criado pelo artista pede, não é de uma
transcendência para além do reino material, mas sim para um aprofundamento da
nossa própria visão enquanto ser. São os confins psicológicos, as pulsações eróticas,
que são a origem da vida, se nós olharmos por uma lente biológica. O ícone é o
reflexo das próprias forças que regem nossas vontades e vidas, articulado por Wesley
no Eros primordial, aquele que nos cria e também faz como que reproduzimo-nos.

A forma como essa prancha foi concebida, representa bem os processos comuns na
poética de Wesley. Articulando referências diversas, busca criar uma simbologia
própria em que diversos tempos coexistem de uma maneira harmônica. Ao reproduzir
um trabalho de mais de 400 anos atrás (na época de sua realização), Wesley traz para
o tempo presente algo que possa ter sido esquecido, mas que possui ressonância com
questões atuais. Ele subverte a procissão de Maximiliano, com toda sua pompa e
circunstância, num percurso de glórias e afirmação de poder, para um mergulho nas
questões psicológicas que lhe interessa. A procissão não é mais para fora, mas sim
para dentro, um mergulho tanto no tempo quanto no espaço psicológico. E o que
parece simbolizar essa vontade ou ser a guia desse percurso é Eros, encarnado na
figura das duas modelos, que fazem pose, brincam para com o artista, enquanto os
cavaleiros, pajens e toda sorte de personagens medievais prosseguem na procissão.

A recuperação de uma simbologia antiga, de tempos de cavaleiros e donzelas, reis e


rainhas, aponta para uma afirmação no presente de papéis já descartados. É um
processo arcaizante de Wesley, de reafirmar uma potencialidade individual heroica, de
glórias conseguidas por alguns indivíduos que transcendem as características de
cidadãos ordinários. Ao mesmo tempo em que parece reconhecer que esse tipo de
comportamento não é possível de ser recuperado de forma plena, apenas como uma
prática pessoal. O cavaleiro, o rei, o imperador não é mais alguém de poder e feitos
materiais, mas sim algo que só ocorre num contexto psicológico, imaterial, íntimo. Não
existe mais cavaleiros, talvez somente a postura de um cavaleiro.

Nesse sentido, vemos durante o percurso das obras de Wesley, como ele opera esses
conceitos, símbolos, sempre num sentido de trazê-los para o tempo atual, não num
resgate a tempos mais simples, de uma forma ingênua, mas uma reinterpretação que
o artista vê como necessária. Além de tudo, na afirmação do Realismo Mágico, que diz
que as outras coisas são novas, só o Realismo Mágico é velho, é um senso de ironia
frente a projetos vanguardistas, que não raro partem de uma tabula rasa e possuem
um culto do novo.
87

É como se Wesley quisesse ser retaguarda e não vanguarda, e sua novidade quase
sempre aliada a procedimentos técnicos e novas tecnologias. De certa forma um
pensamento de que: e se as ideias antigas, motivações milenares pudessem ser
realizadas com a tecnologia atual? É um pensamento que os ideais clássicos não
desprezariam as tecnologias atuais, mas sim fariam uso delas para prosseguir com
seus questionamentos.

Narrativa e temas94

Uma série, em geral, por mais que não seja necessariamente pensada para contar
uma história, possuir uma narrativa, trabalha sobre questões, motivos, temas em
comum, e a interpretação e diversas interações proporcionadas durante a série fazem
com que possamos enxergar esses fios condutores que torcem, mexem e se enrolam,
mas que mesmo assim conseguimos seguir. Uma figura vista sozinha, nos causa uma
determinada reação, ao colocarmos outra figura em sua proximidade, o modo como
que nos relacionamos com a primeira figura muda, e mesmo que inconscientemente
nós traçamos alguma relação entre as duas figuras. A própria ilusão de movimento
que temos com o filme é a sucessão de imagens estáticas numa velocidade que
interpretamos como movimento. Escrevemos esse preâmbulo para poder situar como
interpretamos a narrativa que a série propõe. Algo que pode não ter a configuração de
uma história comum, digamos assim, mas que possui um fio narrativo que se
desenvolve ao longo da série.

A narrativa de uma série vista num espaço expositivo como uma galeria nos oferece
algumas possibilidades diferentes de uma publicação, por exemplo. Pela própria
natureza do espaço físico, o jeito que abordarmos cada prancha e a sua própria
disposição criam outra leitura para a própria série, podemos abordar cada prancha em
ordens diferentes, ao sabor de como navegamos o espaço expositivo. De certo, a
configuração da exposição pressupõe uma ordem de visitação, mas é algo que é visto
mais como uma sugestão do que imposição, pelos fatos já discutidos acima.

De uma forma contrária, a exposição de uma série numa publicação como um


catálogo oferece um percurso bem claro na ordem que devemos “ler” as imagens e
sendo assim, como essa narrativa se desenrola. Utilizamos o catálogo como meio de
estudo tanto por questões pragmáticas quanto por acreditarmos que ele possui
características específicas que valem a pena serem discutidas. Por questões
pragmáticas entendemos que uma exposição, após seu término, se torna impossível
de ser vivenciado novamente, restando apenas os seus documentos, como o catálogo.
Entendemos também que outras exposições que reúnam os trabalhos, não teriam a
presença do artista em sua concepção, o que daria a exposição outra proposta, sem
julgamento de valor sobre a mesma. Por isso vemos a presença do catálogo com um
instrumento interessante para compreender o processo desenvolvido na série. Wesley
sempre foi vocal sobre a falta de monografias e publicações de artistas no Brasil, e
que durante muito tempo havia uma escassez generalizada de material sobre artistas.

94
Para imagens das pranchas ver final do capítulo.
88

Outro fator que levamos em conta, é a própria formação de Wesley como publicitário,
onde a construção e manejo de impressões e publicações fazem parte do cotidiano da
profissão.

O artista também publicou livros com outros artistas, talvez o mais conhecido seja
Paranoia, com Roberto Piva, além de ter ilustrado poemas de Hilda Hist. Desenvolveu
alguns projetos de livros de artista, como “O Caderno que Respira” de 1970, além de
alguns portfólios de gravura, como “Cartografia Anímica”. Em suma, a expressão
gráfica em Wesley sempre foi algo presente, que andou junto com sua produção em
outros meios.

O catálogo da exposição fecha o ciclo iniciado com a feitura do trabalho, de certa


forma é o passo mais lógico no tempo de vida de um trabalho. Desde sua concepção,
manufatura e exposição culminam num registro para posteridade. Argumentamos aqui
que o catálogo da exposição “O Triumpho de Maximiliano I”, pode ser usado como um
rico material para propor discussões a respeito da série e das características da
poética de Wesley. Não vemos o catálogo como um livro de artista em si, mas como
um desdobramento importante de uma série de trabalhos.

Alguns elementos que reocorrem nos catálogos de Wesley nos levam a crer que o
pensamento destinado a publicação difere de um catálogo tradicional. Não é raro um
artista usar o catálogo como outra plataforma para seu trabalho, utilizando layouts
diferentes, textos auxiliares e até outras obras. No caso de Wesley podemos ver como
sua preocupação se estende no tratamento gráfico e na apresentação do conteúdo,
criando uma atmosfera que reforça o conteúdo do trabalho. De certa forma é como se
o artista ditasse todos os elementos necessários para apreciação, e nos conduzisse
por eles através do passar das páginas.

O catálogo de “O Triumpho de Maximiliano I”, se apresenta de forma distinta já em sua


capa, com um padrão em tons ocres, lembrando papel marmorizado e um retângulo
com o título, nome do artista e uma pequena folha. Ao abrirmos o catálogo, temos um
poema junta a uma reprodução das gravuras de Burgkmair. As gravuras mostram um
grupo de três cavaleiros, armados com lanças e seus cavalos devidamente fardados e
armados, a posição é de espera, porém preparados para o confronto. O poema narra
a origem da série, com Wesley descrevendo que a série originou-se de uma premissa
falsa, baseado numa história que uma professora ginasiana lhe contou. Falando sobre
o medo que essa professora de história instilava nele próprio, Wesley diz que a
professora confundiu a história, com a estória e moral do cristianismo. Dizendo que o
que Maximiliano cometeu foi um pecado capital, ao invés de descrever os fatos e
contexto político da época. Dessa premissa falsa e de um viés equivocado, surge a
série de Wesley, quase que como uma resposta a visão puritana de sua professora.
Se pela sua descrição, condenava o pecado mortal da vaidade de Maximiliano,
Wesley transforma o cortejo num forte apelo erótico, indo de em contra com a
natureza puritana de sua professora.

Na página seguinte, temos a figura de um tocador de trombeta, montado na figura


mitológica do grifo, além de carregar faixas comemorativas, anunciando assim o inicio
da narrativa, tendo o título, autor, local e data descritos. As figuras retiradas da Grande
89

Procissão vão pautar certos momentos durante o prosseguimento do catálogo, criando


um diálogo entre as figuras das pranchas. Ao trazer as gravuras para dentro do livro,
Wesley faz com que elas habitem o mesmo espaço que as imagens da prancha, agora
não mais reinterpretadas pelo seu prisma, mas sim por sua recontextualização dentro
da publicação. A presença das gravuras, quase inalteradas serve também para criar a
atmosfera que a publicação pertence há outro tempo, ao tempo de Maximiliano, e de
uma forma mais abstrata, a uma categoria de publicações comuns do período
medieval, que eram adornadas por reproduções em xilogravuras. Essa atmosfera não
se pauta por uma reconstrução de meios de impressão antigos, mas como símbolos
de aliança a uma tradição não mais vigente.

Após isso, temos um texto introdutório de Cacilda Teixeira da Costa, onde conta a
origem da série que veremos a seguir e elenca os temas discutidos com o autor. Diz
sobre as questões narrativas da série:

Para cada prancha Wesley tem uma história: é quando as encontra que consegue
puxar o fio das imagens. Resulta uma sorte de poema que conduz a configuração e
fixação das formas. Assistir à narrativa destas peripécias da alma e dos deuses é como
vê-lo caminhar sobre gelo fino.95

Ao encerrar a apresentação e o texto escrito por Cacilda Teixeira da Costa, somos


apresentados a sequência de imagens, que é intercalada pela mesma figura presente
na primeira folha. Só que ao passo que reaparece, a sua disposição na página muda,
revelando cada vez mais sua totalidade, porém sem consumar com a aparência
completa. Essas páginas servem de respiros, onde o artista insere textos que
dialogam com o tema de sua série e de certa forma, na última página, finaliza a
sequência narrativa. Os textos presentes nessas páginas serão discutidos mais
adiante.

A narrativa presente na série não é algo linear, as entendemos como cenas que
percorrem o procissão triunfal do Imperador Maximiliano. A modelo Sabine, que possui
mais destaque nas pranchas realiza movimentos e poses para o artista e esses são
inseridos no tempo imaginário que seria o passar da grande procissão. Paralelamente
a esses dois elementos, a outra modelo, representada na reprodução em xerox, faz
um movimento de rotação em si mesma, a qual acompanha tanto o movimento da
procissão quanto as poses da modelo. Com isso podemos estabelecer que a narrativa
seja composta de cenas que se justapõem ao movimento da procissão triunfal, que no
decorrer da série vão sendo cada vez menos presentes até quase sumirem.

O processo narrativo se dá então, num nível formal, ao diálogo dos diversos


elementos, principalmente entre os desenhos proveniente das gravuras e os desenhos
realizados a partir da modelo Sabine. Essa progressão ocorre num nível formal em
que a modelo Sabine assume maior destaque na composição, de modo que os outros
elementos quase desaparecem ou se tornam secundários.

No nível das questões literárias presentes nos títulos, eles parecem se ligar, em sua
maioria ao tema das gravuras provenientes do triunfo. Em algumas circunstâncias o
95
COSTA, 1986, pg. 7
90

artista parece oferecer fragmentos de sua relação com alguém, possivelmente a


modelo. Com isso temos uma temática que se associa com algo pessoal, do intimo e
com uma apresentação pública, do fora. É nessa tensão entre o artista que diz: “tá
levando dez anos para esquecer esse Maximiliano” ao mesmo tempo que em outra
prancha temos “se passaram dez verões e eu nem havia percebido/ - continuo
então...”, estabelece assim uma dualidade entre o processo de reminiscência do
próprio imperador, que como mencionamos acima, criou um projeto para que fosse
lembrado e a memória do autor enquanto figura presente ainda de modo elíptico nos
textos. Cabe aqui uma distinção entre o autor como figura pessoal e o autor como
figura dentro do trabalho. Nas frases que existentes que apontam para a primeira
pessoa, entendemos o autor como algo que faz parte de toda a obra, mas que não se
liga necessariamente a figura pessoal de Wesley. É um autor-personagem, que
adentramos na sua visão como espectador e podemos partilhar de suas
reminiscências.

Podemos dividir a série em grupos, ligando-os a temática das gravuras, e por


consequência as cenas presentes nessas pranchas. Temos no começo da narrativa
das pranchas numeradas, pelo artista, do 32 ao 41, uma temática ligada aos animais.
A primeira prancha traça um elemento importante que dá o tom de inicio da série, com
o seguinte título: “os pássaros/- penas no tornozelo (andamento)/o cavaleiro lidera o
triunfo do templo das vestais”. Tomando o título como base para o desenvolvimento da
narrativa, temos representados o inicio dos movimentos das três camadas que
compõem as pranchas.

A modelo Sabine, começa a andar com seus saltos, com penas no tornozelo, como
um desfile para o artista, que está observando-a. A segunda modelo está em uma
posição inicial, a que precede o movimento, ainda em repouso. O cavaleiro é aquele
que vai liderar o triunfo, a vanguarda que vai a frente puxando todo o cortejo, sendo
amparada pelos pássaros.

O templo das vestais mencionados no título se refere a um grupo de sacerdotisas que


protegiam a chama sagrada, que era a proteção divina para todos os membros da
comunidade. A deusa que elas cultuavam Vesta era deusa dos lares, que representa o
fogo em sua conotação de acolhimento, com o fogo de uma lareira. Uma figura central
no desenvolvimento da comunidade, tendo o fogo primordial como proteção e
acolhimento:

Sacerdotisas de Vesta entre os romanos. O colégio das Vestais compunha-se,


primitivamente, de quatro elementos e, mais tarde, de seis. Eleitas por sorteio
entre as famílias nobres ingressavam no serviço da deusa entre os seis e os
dez anos, e permaneciam nele durante trinta anos, Faziam rigoroso voto de
castidade. As que o violavam eram castigadas com a morte, bem como seus
companheiros. Terminado o tempo de consagração, poderiam casar-se.
Entretanto, poucas usavam de tal direito, preferindo manterem-se virgens.
Desta forma, asseguram uma situação extremamente prestigiosa: recebiam
honra públicas e tinham poder de perdoar qualquer condenado à morte que
encontrassem em seu caminho. A principal função das Vestais consistia em
91

manter aceso o fogo sagrado, símbolo da proteção divina do Estado.


(ANDRADE, 1973, pg. 187)

No sentido da narrativa, o cavaleiro buscou a benção daquelas que mantém o fogo


divino aceso, como forma de continuidade para sua missão de celebrar o Triunfo,
assim estabelecendo uma relação primordial com costumes clássicos e com a
celebração do triunfo do imperador. As vestais mencionadas também estabelecem um
contraponto a figuras das modelos, elas eram vistas como figuras puras,
mantenedoras de uma ordem acolhedora, porém severa, assim como o fogo, e as
modelos, vemos como figuras de uma devoção carnal, de uma pulsão erótica, de um
sentido metafórico de fogo, como aquilo que propulsiona a nossa paixão. De certa
forma reflete a multitude de papéis que as figuras femininas vão assumindo nas obras
de Wesley, que possuem uma ligação com o tema do fogo como elemento primordial
de nascimento e renascimento, propulsor e também acolhedor.

No prosseguimento desse conjunto, as outras pranchas apresentam os animais que


eram utilizados nas caças pela nobreza. As cenas que representam a modelo invocam
em algumas horas os animais presentes nas gravuras, como na prancha 33 com os
chifres das cabras, na prancha 35 com a associação da pegada de urso com os
sapatos de salto alto da modelo e na prancha 40, com o contraste entre o torso e
nádegas da modelo com as corcovas do camelo.

Nas duas últimas pranchas, vemos dois animais que não são características da fauna
europeia. Sendo eles um camelo e um elefante. Eles surgem no ciclo de gravuras
pertencentes ao triunfo como uma forma de demonstrar a extensão do império de
Maximiliano, que possui sua influência da Europa até a Ásia. A perspectiva é
claramente orientalista, aonde o exótico vindo de outras terras ganha contornos de
sofisticação usados pelas casas imperiais.

O elefante que segue acompanhado de um grupo de homens é uma representação


dos povos de Calicute. A aparição de um animal, dito exótico, proveniente da Ásia,
serve como demonstração do poder do Imperador, em que seu império é tão vasto
que chega até os (até então, na visão europeia) confins do mundo. Um elefante,
chamado de Hanno96, seria dado depois como presente da corte portuguesa ao
sucessor de Maximiliano, Maximiliano II. O animal de terras exóticas servia como
símbolo de poder para a casa nobre, como uma representação de um leviatã bíblico e
totalmente diferente dos animais presentes na Europa. Essa tradição de
representação exótica tem diversos precedentes na Europa, com representações que
datam do império Romano, mas um ciclo de Andrea Mantegna é apontado como
inspiração das gravuras do triunfo de Maximiliano:

O ciclo de telas de Andrea Mantegna in Mântua [também conhecida como


Mantova], o Triunfo de Julio César (c 1485 – 88), também continha elefantes,
como espólios de guerra e como referências precisas dos animais de guerra
Africanos usados por Aníbal. Esse tipo de imagem foi adaptada por sua vez por

96
SILVER, Larry, Worlds of Wonder: Exotic Animals in European Imagery. In: CUNEO, Pia F. Animals
and Early Modern Identity, Farnham: Ashgate, 2014, p. 295
92

Hans Burgkmair, incorporada em uma de suas xilogravuras da Procissão


Triunfal para o Imperador Maximiliano I (c. 1516-18, não finalizada) onde um
elefante é acompanhado por indianos armados que representam O Povo de
Calicute como seus subordinados distantes. Aqui de novo o animal indica uma
locação estrangeira, recentemente disponível para dominação Europeia e
pagando tributo para o poderoso Sacro Império Germânico enquanto ecoa
antigas vitórias imperiais romanas.97

Das pranchas 42 a 45, temos as figuras humanas que compõem a procissão na forma
de cavaleiros e pajens. Eles eram os emissários, subordinados ao rei que deveriam
espalhar suas glórias. São vistos carregando faixas, flâmulas e outros apetrechos que
nas gravuras seriam preenchidos com as conquistas do imperador, suas posses e
qualidades. A modelo nessas pranchas também se relaciona com a temática da
gravura, como na prancha 43, discutida anteriormente e na prancha 44, onde utiliza
uma máscara, assim como as figuras provenientes da gravura.

Das pranchas 46 a 50, vemos nas gravuras as carruagens reais, que representavam
as conquistas do Império, suas batalhas, seus aliados e os reinos sobre seu jugo.
Após esse conjunto, nas pranchas restantes, as gravuras do Triunfo se tornam
esparsas, dando destaque para a modelo, que emerge como a figura central na
continuação da série.

Na prancha 45 temos a representação da modelo Sabine com seu reflexo no espelho,


o que ocorrerá em outras pranchas (46, 49 e 58), que serve de um diálogo com a
representação em xerox, na qual a modelo também se relaciona com o espelho.
Reafirmando assim uma das características de voyeur presentes durante a série.
Somos levadas a ver cenas de intimidade, onde a modelo utiliza um espelho para se
maquiar, numa atividade intima a qual temos acesso. Podemos pensar também sobre
a construção da imagem que a modelo faz de si mesmo e como isso se relaciona com
a própria construção da obra.

Percebemos-nos como um espectador adentrando ao mesmo tempo uma cena


majestosa, um desfile de honrarias e conquistas, também estamos dentro de uma
intimidade em que uma figura feminina utiliza máscaras, sapatos de salto alto, cordões
e fitas num jogo com outro alguém, que podemos entender como o autor. Assim
assumimos o ponto de vista do artista, que está imerso nesse jogo de sedução.

Wesley parece assim estabelecer dois parâmetros do seu desfile triunfal. O primeiro
seria o triunfo relacionado ao Maximiliano, o desfile do poder político de uma figura

97
No original: Andrea Mantegna's canvas cycle in Mantua, the Triumph of Julius Caesar (c. 1485 - 88),
also featured elephants (canvas V, repeated in an engraving), as spoils of war and as accurate references
to the African war animnals used by Hannibal. This imagery was adapted in turn by Hans Burgkmair,
incorporated into one of his woodcuts of a Triumphal Procession suite for Emperor Maximilian I (c. 1516-
18, unfinished), where an elephant is accompanied by armed Indians to represent the People of Calicut as
his distant subjects. Here again the animal betokens a foreign setting, newly available to European
domination and paying tribute to the powerful Holy Roman Emperor while echoing ancient Roman imperial
victories. SILVER, Larry, Worlds of Wonder: Exotic Animals in European Imagery. In: CUNEO, Pia F.
Animals and Early Modern Identity, Farnham: Ashgate, 2014, p. 298
93

central, um poder que se estende a uma comunidade, ligado ao poder político e


religioso. O segundo parâmetro seria o desfile, o jogo realizado entre duas figuras,
como foco na figura feminina, evocando um poder que está relacionado a sedução, ao
erótico, algo que é de um esfera privada, que necessita de intimidade.

Assim, podemos enxergar a narrativa sobre o desenvolvimento de aspectos internos e


externos, numa progressão onde a figura feminina se exibe, relaciona, brinca e por fim
descansa e que a procissão triunfal exibe suas conquista e glórias e pouco a pouco
some se integrando a figura feminina. Numa síntese entre esses dois parâmetros, o
elemento externo é acolhido pelo interno, como se a procissão imperial saísse da
figura feminina, para ao final retornar, dando a indicação que ambos os parâmetros
tem origem num só e não conseguimos vê-los por separado.

Os tempos de Wesley.

Como mencionado acima, Wesley no catálogo do Triumpho de Maximiliano I,


menciona os quatro tempos presentes na sua obra. Seu primeiro texto diz assim: “A
arte de parar o tempo/é uma atividade metafísica./ É preciso construir/ uma armadilha
sutil/para segurar/quatro tempos de uma vez só.”. Essa frase nos lembra uma frase
atribuída a Faulkner: “The aim of every artist is to arrest motion, which is life, by
artificial means and hold it fixed so that a hundred years later, when a stranger looks at
it, it moves again since it is life.”98 Vemos assim como uma das questões que animam
o trabalho de Wesley nessa série é tentar organizar diversos tempos presentes como
elementos constituidores de sua obra. Podemos perceber uma consciência do artista
na questão historiográfica, como ele entende a história da humanidade e por extensão
a história da arte como elementos necessários na constituição de seu trabalho. Wesley
busca uma associação com um continuo histórico, ao mesmo tempo em que escolhe
diferentes “tempos” a qual se associa.

Esse diferentes tempos estão ligados a tanto períodos históricos quanto a técnicas
utilizadas por ele próprio, o que é mencionado em seu próximo texto: “Tem o tempo do
Dürer/ tem o tempo Polaroid/xerox,/ tem o tempo Kodak, e o tempo último do
desenho.” Devido ao grande período que esse trabalho levou para ser concluído,
podemos ver como artista reflete sobre cada uma de suas escolhas técnicas ao
compor a obra.

O tempo da gravura é o tempo primeiro, ligado a renascença, aos processos


artesanais onde a reprodução de imagens existia, porém numa escala que nada se
compara a atual. O segundo tempo é relacionado as polaroids e xerox que Wesley
tirou da modelo dando um giro em si mesma. É um tempo diferente, com a presença
da imagem fotográfica e sua reprodução em larga escala ainda que com degradação
em sua qualidade, como é a fotoreprodução, a Polaroid também é o que chamam de
fotografia descartável, de uma revelação quase que instantânea, sua presença e
98
RANKIN, Thomas.The Ephemeral Instant: William Faulkner and the Photographic Image, In
KARTIGANER, Donald M. (Org): Faulkner and The Artist, Jackson: University of Mississipi Press,
1996.p.294
94

feitura se relacionam com o xerox, um criando múltiplos em larga escala de forma


rápida, outro criando imagens singulares, porém quase que na mesma velocidade que
o outro.

O tempo Kodak é o tempo das fotos tiradas da modelo Sabine, que demandam mais
atenção devido as poses da modelo e o olhar do artista. Requer um planejamento de
luz, enquadro, foco, composição de cena. Não que na foto Polaroid isso não seja
possível, mas a diferença reside em sua reprodução. São necessárias mais etapas
para que possamos ver a foto revelada, o que tira a dimensão da instantaneidade. O
último tempo, o tempo do desenho é o tempo final que reorganiza todos os elementos
antes apresentados. Com ele o artista verte das gravuras e fotos suas imagens, nesse
processo transformando suas fontes, na qual toma decisões acerca de composição,
cor e posicionamento da imagem, escolhendo também quais partes deverá
representar. Temos também assim, uma volta a processos manuais que se iniciam
com as gravuras de Dürer, como fechamento de um ciclo do manual ao industrial para
voltar ao manual.

O texto final de Wesley sobre o tempo aparece logo após a última imagem, nele está
escrito: “ Depois é o Tempo da Serpente que morde o rabo para formar o mundo.”.
Alusão é clara a serpente Ouroboros, aquela que morde o próprio rabo. Esse tempo
do Ouroboros seria o tempo cíclico, o tempo que eventos do passado reocorrem no
presente e terão consequências no futuro. Podemos enxergar o artista como aquele
que interpreta diversos tempos, continua um ciclo que é sempre alimentado por ele
mesmo.

Jung afirma que além de ser um símbolo do infinito, da completude, também é um


símbolo da assimilação de contrastes, de oposições:

Sobre o Ouroboros é dito ter o significado do infinito ou da completude. Na imagem


antiga do Ouroboros está o pensamento de um devorando a sim mesmo e tornando um
todo num processo circulatório (...) O Ouroboros é um símbolo dramático para
integração e assimilação do oposto.99

A menção a um tempo cíclico, em que diversos momentos retornam pode ser


entendida como o olhar histórico que Wesley aplica a suas obras. Dentro de um
posicionamento no contexto artístico, Wesley parece invocar uma noção que mesma
as rupturas provocadas pelas vanguardas não são capazes de cessar as ligações com
o passado. Ao mesmo tempo em que o artista não se coloca como um tradicionalista
na busca por uma retomada a tempos dourados, enxerga que há diferenças nos
tempos, mas que cabe ao artista organizá-los.

A postura de Wesley evidenciada nesse trabalho também reflete com os contextos


artísticos de sua época, como nos anos 60, no inicio do trabalho, as questões de
vanguarda e seus movimentos modernos não estavam mais em pauta. Surgiu uma

99
No original: The Ouroboros has been said to have a meaning of infinity or wholeness. In the age-old
image of the Ouroboros lies the thought of devouring oneself and turning oneself into a circulatory process
(…)The Ouroboros is a dramatic symbol for the integration and assimilation of the opposite. JUNG, Carl.
In: ADLER, Gerhard (Org). Collected Works Vol.14. Princeton: Princeton University Press. 2014, p. 51.
95

espécie de fadiga a um projeto que se pretendia totalizante em seus programas. Com


isso surgem diversas manifestações que não se encaixam em programáticas
definidas, com diretrizes em manifestos. A proliferação dos meios de reprodução em
massa, e com isso o estabelecimento de uma cultura visual massiva impulsionada
pelo desenvolvimento cultural e político dos EUA deixaram sua marca no campo
artístico. A influência POP, ainda que não diretamente associado por Wesley é
inegável no sentido de entender que existia uma cultura de massa que estava fora dos
padrões eruditos e acadêmicos. A própria presença fotográfica que desde o final do
século XIX emerge como um espectro na prática artística, emerge cada vez mais
consolidada nesse período, além do desenvolvimento de sua “irmã”, como Cinema e
subsequentemente a TV. Assim, o propagandeamento de imagens toma uma
proporção muito maior que em qualquer época anterior. A cultura visual Europeia,
possuía uma circulação na forma de reproduções em gravura e também por questões
geográficas, agora pode alcançar diversas partes do globo, e sendo a recíproca
verdadeira (ainda que em partes). Existem questões políticas e coloniais envolvidas
nessa transmissão, vide o próprio desenvolvimento da arte POP e as reações
nacionais (inserir nota no rodapé). Porém, como Wesley mesmo aponta em seus
tempos, as tecnologias inventadas e consolidadas durante sua carreira trazem uma
bagagem diferente para a relação com a História da Arte. A história da arte e a cultura
em geral, parecem estar sempre disponíveis, porém sempre por meio de reproduções.

É um discurso em que a percepção do mundo está referida aos quadros


culturais que o artista partilha como o público. Não se trata mais do quadro da
história da arte, mas daquele mundo das mídias, a respeito do qual ele se
entende como seu observador. (BELTING, 2013, pg. 146)

A questão também da presença industrial cria assimetrias na recepção da cultura


propagada. Se anteriormente as formas culturais lidavam com a indústria em certa
escala, mas não tinha posição de destaque, o Pop trouxe a presença da indústria
massiva de consumo, que não era presente ou desenvolvida o suficiente em diversos
países, mesmo na Europa.

A arte adota em simultaneidade vários pontos de vista, de maneira geral


excludentes e que com frequência não se prestavam mais a um princípio
obrigatório ao qual todos pudessem aderir. (BELTING, 2013, pg. 91)

O que temos assim é uma fragmentação dos mais diversos pontos de vista, e
consequentemente dos olhares para a história da arte. Entendemos que Wesley opera
nessa tensão, numa tentativa de recolher esses diversos fragmentos e montar um
tempo só seu. Na sua proposta artística com esse trabalho, fica evidente uma tentativa
de organização de diversos fragmentos, ainda que os próprios fragmentos também
estejam fragmentados, num abismo recursivo entre a fonte, sua reprodução e contexto
que se insere. A fragmentação das fontes que em si já fazem parte de um contexto
maior espelha uma característica contemporânea com sua grande presença de
imagens, num fluxo grande em que somos inundados diariamente. Torna-se difícil
estabelecer uma visão em que consigamos organizar esse fluxo de uma forma coesa,
somente conseguimos apontar recortes, por partes. Sobre essa questão escreve Brea:
96

Segundo a bonita descrição heideggeriana, nos encontraríamos numa situação


da “era do fim da imagem do mundo”, na época do fim da Weltbilde [do alemão,
pode ser traduzido como concepção do mundo]: a era em que pensar uma
representação orgânica e eficaz do mundo se tornou impossível, impraticável.
Que ela coincida justamente com a era da apavorante proliferação das
imagens – o estalo autenticamente viral de uma iconosfera que satura e
recobre o mundo em quase sua totalidade, sem deixar lugar algum livre de sua
presença infinita – não deveríamos achar estranho: no fim e a cabo, essa morte
da “imagem do mundo” não poderia produzir senão por uma multiplicação, por
fragmentação – como quando um espelho se rompe numa multiplicidade de
facetas e a única imagem do mundo que nós podemos oferecer irradia de uma
infinidade de direções, numa dimensão poliédrica irredutível que põe em
quebra a ordem da própria representação100

Tendo vista o conjunto de obras que Wesley produziu, podemos ver como sua prática
artística se insere numa busca por uma representação de mundo diante de todos
esses fragmentos as quais nós somos bombardeados. A sua recusa, até certo ponto,
de não trabalhar com abstração, nos leva a crer que o seu interesse estava num
problema de representação, e a representação em seu trabalho não é uma busca pela
forma verossímil, mas sim algo que dê conta de um estado psicológico no qual nos
vemos hoje, frente essa torrente de imagens. Sua postura de utilizar-se de diversas
fontes e de manter uma curiosidade constante para com técnicas novas nos
apresentam como um artista que busca reafirmar elos, reconduzir partes do passado
para o seu presente, ao mesmo tempo que os elementos necessários para esse feito
são oriundos da tecnologia atual.

A utilização de fotos, gravuras, foto-reproduções, desenho criam uma mistura de


técnicas em que cada uma traz suas peculiaridades tanto na sua forma quanto no seu
contexto. E isso reflete nas próprias fontes utilizadas na feitura dessa série. Sendo
assim entendemos que para além dos resultados estéticos da obra em si, temos a
preocupação de um artista com sua contextualização no fluxo histórico, onde a arte
cria a armadilha para que possa no mesmo ambiente conviver a sua modelo e uma
procissão triunfal, onde o Renascimento está tão presente quanto a figura feminina
que se despe na nossa frente, evocando glórias passadas, do presente e quem sabe
do futuro.

100
No original: Según la hermosa descripción heideggeriana, nos encontraríamos sumidos en la "era del
fin de la imagen del mundo", en la época del fin de la Weltbilde: la era en que pensar una representación
orgánica y eficaz del mundo se ha vuelto imposible, impracticable. Que ella coincida justamente con la era
de la espeluznante proliferación de las imágenes -del estallido auténticamente viral de una iconosfera que
satura y recubre el mundo casi en su totalidad, sin dejar rincón alguno libre de su presencia infinita- no
debería extrañarnos: al fin y al cabo, esa muerte de la "imagen del mundo" no podía producirse sino por
multiplicación, por fragmentación -como cuando un espejo se rompe en una miríada de facetas y la única
imagen del mundo que le es ya dado ofrecer irradia en una infinidad de direcciones, en una irreductible
dimensión poliédrica que pone en quiebra el orden mismo de la representación
97
98

Figura 17: Prancha 32 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
99
100

Figura 18: Prancha 33 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
101

Figura 19: Prancha 34 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
102

Figura 20: Prancha 35 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
103

Figura 21: Prancha 36 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
104

Figura 22: Prancha 37 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
105
106

Figura 23: Prancha 38 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
107

Figura 24: Prancha 39 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
108

Figura 25: Prancha 40 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
109

Figura 26: Prancha 41 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
110

Figura 27: Prancha 42 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
111

Figura 28: Prancha 43 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
112

Figura 29: Prancha 44 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
113

Figura 30: Prancha 45 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
114

Figura 31: Prancha 46 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
115

Figura 32: Prancha 47 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
116

Figura 33: Prancha 48 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
117

Figura 34: Prancha 49 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
118

Figura 35: Prancha 50 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
119
120

Figura 36: Prancha 51 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
121

Figura 37: Prancha 52 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
122

Figura 38: Prancha 53 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
123

Figura 39: Prancha 54 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
124

Figura 40: Prancha 55 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
125

Figura 41: Prancha 56 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
126

Figura 42: Prancha 57 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
127

Figura 43: Prancha 58 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
128

Figura 44: Prancha 59 e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O Triumpho de


Maximiliano I”.
129

Figura 45: Páginas do Catálogo e a Gravura Correspondente. Fonte: Catálogo “O


Triumpho de Maximiliano I”.
130

Capítulo 3
“Os Trabalhos de Eros”

Introdução

O presente capítulo visa analisar a série “Os Trabalhos de Eros: Preparação para a
Anunciação da Era do Filho”, realizada por Wesley Duke Lee em 1991. A série
consiste em doze telas, medindo 130 cm x 147 cm, realizadas em Scannaprint, pastel
e lápis de cera sobre tela.

Pretendemos analisar o contexto em que a obra foi feita, bem como suas fontes e
modo de execução. Num segundo momento pretendemos discutir alguns conceitos
levantados pela obra, na luz da uma conceituação mitológica e de aspectos da
memória. Faremos também uma breve aproximação entre o trabalho de Wesley e as
concepções teóricas propostas por Aby Waburg.

Por fim, e não menos importante, pretendemos fazer uma análise do seu catálogo, na
busca de elucidar algumas questões que o material nos fornece e sua função dentro
da poética do artística.

O Grand Palais

Os Trabalhos de Eros tem como base fotos tiradas pelo o artista dos frisos presentes
nas bases das colunas que formam o Grand Palais des Beaux- Arts, mais conhecido
como o Grand Palais (Grande Palácio, num tradução livre). O Grand Palais foi
construído em Paris, França para abrigar a exposição universal de 1900. O início do
projeto data de 1896, e devido a magnitude do projeto, 4 arquitetos foram
encarregados de executar a obra, sendo eles: Henri-Adolphe-Auguste Deglane (1851-
1932) para a parte frontal, Albert Louvet (1860-1936) a parte central e Albert-Félix-
Théophile Thomas (1847-1907) para a parte posterior. Um quarto arquiteto, de nome
Charles-Louis Girault (1851-1932) foi encarregado como arquiteto principal e
131

supervisionou o projeto, além de ser responsável pelo o prédio vizinho, o Petit Palais.
Os frisos que depois serão fotografados por Wesley, são de autoria dos escultores
Camille Lefèvre (1853 – 1933), e Jean-Jacques Labatut (1851-1935).

Como podemos ver nas Figuras 1 a 4, os frisos se localizam na base das colunas na
entrada principal, percorrendo toda a extensão de sua base. Pertencendo a entrada e
consequentemente a primeira vista que um visitante poderá ter, faz parte da
magnitude buscada pelos arquitetos, em que logo de início buscavam deslumbrar com
diversas adereços e a própria monumentalidade da estrutura, como podemos notar
frente as figuras humanas na Figura 2.

Figura 46: Frente do Grand Palais, foto de Wesley Duke Lee. Fonte: Catalogo Os
Trabalhos de Eros.
132

Figura 47: Detalhe da Frente do Grand Palais, Still do Vídeo Grand Palais, HD. Fonte:
https://www.youtube.com/watch?v=6JLLpWcy_UQ

Figura 48: Detalhe da Planta Baixa do Grand Palais. Fonte:


http://www.domusweb.it/en/news/2014/03/04/lan_grand_palais.html
133

Figura 49: Detalhe da Planta Baixa do Grand Palais. Fonte:


http://www.domusweb.it/en/news/2014/03/04/lan_grand_palais.html

A exposição universal, a qual se destinava a criação do Grand Palais, se inscreve


numa tradição originária da Inglaterra, que em 1851 organizou “The great exhibition of
the works of industry of all nations” (Dittrich, 2013). As exposições tinham como foco,
de maneira geral demonstrar o poder técnico, intelectual e artístico da nação que a
promovia, além de ser um importante meio de troca de experiências entre as nações
que a frequentavam.

Além de uma demonstração de um conhecimento técnico-cientifíco, as exposições


universais também serviam como demonstração das artes do país que o sediava. No
caso francês não foi diferente. A própria estrutura do Grand Palais e sua decoração
denotam uma opulência, com diversos frisos e esculturas presentes no edifício, numa
mistura de diversas referências e estilos, como podemos ver na descrição do crítico
arquitetônico James P. Boyd:

Contudo ainda que alguém esteja preparado, ou tenha desejado, entrar no


Grande Palácio, e quase todos preferiram visita-lo primeiro, parecia impossível
o fazer sem repetir uma vista do seu exterior..., e o sujeito não parecia nunca
se cansar de estudar os nobres efeitos das colunas produzidos em sua
fachada, nem a elegância e força das oito figuras entre as colunas
representando os estilos Gregos, Romanos, Fenícios e outras artes nacionais.
Igualmente fascinante é o estudo repetido dos belos frisos mosaicos, que se
134

estendem do solo até o segundo andar, nos quais são reproduzidos para nosso
olho as mais brilhantes épocas na história mundial. 101

Numa descrição menos eloquente, podemos perceber que existe uma abundancia de
detalhes, cuidadosamente pensados para arrebatar o pedestre, logo em sua entrada:

A fachada era perfeitamente simétrica, em ordem para atrair a atenção para o


seu centro. Colunatas de pedra foram erguidas de cada lado da entrada
principal. Enquanto as colunatas tinham uma coluna só, colunas duplas davam
suporte para entrada principal. Na base das colunatas quatro estátuas (elas
representam as artes Gregas, Romanas, Fenícias e da Renascença) as quais
foram distribuídas de maneira igual. Na base de cada dupla de colunas se
situam estátuas bem próximas uma das outras representando a Arquitetura,
Pintura, Escultura e Música. Enquanto as balaustradas laterais foram
adornadas com alguns vasos, a porção central teve seu topo coberto com dois
elaborados grupos representando Arte e Paz. De modo geral a rica decoração
da entrada primária, quando comparada com as colunatas que a cercavam,
atraiam os visitantes para a entrada principal.102

Toda essa sorte de adereços e decorações teve sua parcela de crítica, a mais comum
seria que a fachada principal tinha muitos elementos, com uma elaboração demasiada
e de certa forma desnecessários (Iwarere, 2005). O fato de o teto ser construído com
metal e vidro também era visto com desconfiança, pois para alguns contrastava
demais com o resto do edifício construído principalmente em pedra. Um escritor, Albert
Chandler, escreve:

O que pode ser dito sobre o Grand Palais, um tipo de estação de trem onde
massas de pedra foram empilhadas para o suporte de quê? Um teto fino, alto e
de vidro. Um contraste bizarro de materiais! É como se um gigante estivesse a

101
No original: “However much one was prepared, or desired, to enter the Grand Palace, and nearly all
preferred to visit it first, it seemed impossible to do so without repeating the view of its exterior... , and one
seemed never to tire of studying the noble columnar effects produced on its fa??ade, nor the elegance and
strength of the eight figures between the columns representing the different styles of Grecian, Roman,
Phoenician and other national art. Equally fascinating was the repeated study of those exquisite mosaic
friezes, extending from ground to second story, which reproduced to the eye the most brilliant epochs in
world's history.” Sesan Iwarere Disponível em http://hdl.handle.net/1903.1/14

102
No original: “The façade was perfectly symmetrical, in order to attract attention to its center. Stone
colonnades stood on either side of the primary entrance. While the colonnades had single columns,
coupled columns supported the primary entrance. At the base of the colonnades sat four statues (they
represented Grecian, Roman, Phoenician, and Renaissance Art) which were widely spaced. At the base of
each coupled column were closely spaced statues representing Architecture, Painting, Sculpture, and
Music. While lateral balustrades were adorned with coupled vases, the central portion was topped with two
elaborate groups representing Art and Peace. Overall the rich decoration of the primary entrance, when
compared with the colonnades bordering it, attracted visitors to the main entrance.” Idem.
135

flexionar seus músculos, enrijecendo seus braços e fazendo um tremendo


esforço para levantar uma simples grinalda de laço acima de sua cabeça!103

É interessante notar o estilo que rege as decorações, estatuaria e arquitetura em geral


do Grand Palais remetem a um gosto clássico, aquilo que na época (e até hoje em dia)
é associado com um academicismo. Mesmo como demonstração de um poderio
arquitetônico e artístico, o palácio se mostra até um pouco retrógrado, se levamos em
conta que em 1889 a torre Eiffel havia sido construída, representando uma
consagração de uma engenharia moderna com o seu grande uso de metal. O escritor
Paul Morand (IWARERE, 2005) elabora esse pensamento: “Enquanto em 1889 a
arquitetura estava feliz no limite de uma era de aço e ferro, em 1900 trouxe de volta
estilos como aqueles ensinados nas Belas Artes”104.

Tal contraste se torna mais evidente se pensarmos no contexto da história da arte em


que se situa Paris no ano 1900. Nessa época já havíamos presenciado as rupturas
provocadas por Manet, pelos Impressionistas e os Fauvistas. A virada para o novo
século também provocaria na Europa todo o surgimento de diversas vanguardas nos
próximos anos, que questionariam cada vez mais e mais, os limites e considerações
que normalmente são enxergados no contexto das Belas Artes, acima apresentados.

O que torna-se importante para nós enxergarmos é a aparente contradição entre um


monumento arquitetônico tão envolvido num contexto acadêmico e por certas lentes
reacionário, frente a todas as rupturas e movimentos de vanguarda que aconteciam
em Paris. Essa suposta contradição serve para entender o funcionamento de políticas
que vão além de discussões estéticas e também para um questionamento de uma
narrativa historiográfica onde há um destaque para movimentos de vanguarda, de
ruptura, frente a movimentos conservadores, em diversos sentidos, mas aqui
pensados mais no contexto daquele que conservam a ordem vigente e buscam
aperfeiçoamentos dentro de um espectro pré-definido pela tradição.

O que pretendemos com isso é apontar que com um distanciamento histórico,


conseguimos enxergar que diversos movimentos correm em paralelo, que com uma
olhar distanciado nós conseguimos enxergar valores diferentes para coisas, situações,
movimentos que se estivéssemos presentes no contexto em que eles aconteceram,
não teríamos tal perspectiva mais alargada. Isso serve como forma de nos
aproximarmos da escolha feita por Wesley, quando resolve fotografar os frisos
presentes no Grand Palais, o contexto em que tal ação ocorre difere muito de uma
postura que seria esperada por um artista na época em que ele foi feito. A associação
de Wesley com algo de viés neoclássico não pode ser entendia somente como uma
vontade de retorno a uma tradição, de uma ação retrógrada frente aos
desenvolvimentos vanguardísticos do passado recente.

103
No original:"What can one say about the Grand Palais, a sort of railway station where masses of stone
have been piled up to support what? ??? a high, thin roof of glass. A bizarre contrast of materials! It is as if
a giant were flexing his muscles, stiffening his arms and making a tremendous effort to raise a simple
head-dress of lace above his head!" Ref. Op. Cit.
104
No original: "while in 1889 architecture was happily on the threshold of an age of iron and steel, in 1900
it had gone back to styles such as those taught at the Beaux-Arts." Ref. Op. Cit.
136

Podemos enxergar tal procedimento como uma visão de ruptura frente a grandes
narrativas históricas, e que graças a desenvolvimentos técnicos, como a fotografia,
nos gera um campo onde as imagens e contextos sofrem uma dissociação, criando
diversos fragmentos dos quais o artista toma como método, reorganizá-los para que
melhor se adéqüem ao seu projeto poético, como vimos no capítulo anterior.

Podemos pensar também a própria concepção do palácio, com seus motivos


neoclássicos. É fruto de um processo que está presente em diversos grupos, não se
restringindo a vanguardas ou a artistas contemporâneos, no qual as inspirações
partem de diversas fontes. É claro, que nesse caso, ele se inscreve numa tradição de
se referenciar o clássico de aspirações gregas e todas as reinterpretações europeias
seguintes. Mas queremos apontar como isso pode ser visto como elemento recursivo,
essa “apropriação” do passado, onde no nosso caso temos um artista contemporâneo
olhando para um edifício do começo do século passado, numa encruzilhada entre o
que entendemos por moderno e um academicismo clássico, e o próprio edifício se
pauta de referências que se situam em outro tempo que o da manufatura do mesmo.

Uma possível explicação para essa aparente contradição se deve ao contexto político
francês no final do século XIX, com a Terceira República descrita como uma crise sem
fim (BAILEY, 2013), numa busca para uma criação de identidade nacional e uma
propaganda que pudesse unir a nação, o Estado toma como política o incentivo das
artes, privilegiando um retorno a motivos visuais pré-revoluções e Império, como um
esforço para que unisse as diversas classes que constituíam a Terceira República
(BAILEY, 2013). Essa aparente contradição, já que a República é a consolidação dos
movimentos iniciados quase 100 anos antes, se deve a uma dissociação entre as
causas políticas e uma visão de uma identidade nacional, é dizer que nos tempos pré-
revolução, a nação possuía uma identidade cultural e visual única e para a
reafirmação da República em crise, era necessário buscar um elo com o passado.

Nesse contexto, vemos o Estado Francês utilizando sua tradição como mote para sua
valorização frente a outras nações, notadamente Alemanha e Inglaterra. O “bom-
gosto” francês105 e seus artigos de luxo tomam frente como elemento para exportação,
muito devido a deficiência dos seus setores industriais, que não possuíam o mesmo
alcance dos rivais Europeus106. Com isso a política governamental foi de privilegiar o
artesanato de luxo, onde estava aliada a manufatura humana com a máquina, mas
numa escala muito menor, já que se tornavam efetivamente produtos de luxo. Assim
vemos o Art Nouveau francês que teve como, podemos dizer meta essa associação

105
Taste has been uniquely salient to both national identity and to export production in France. As early as
the seventeenth century, the French understood themselves as possessing, as a nation, more refined
taste than other European nations… France competed economically through taste… French
commentators were more likely than others to declare “crises in national taste”. Citado em Bailey, 2013
(Auslander, Taste and Power: Furnishing Modern France, p25)
106
After 1870 France’s competitiveness in craft production began to decline. Exports of French jewelry,
ceramics and furniture… began to contract sharply after 1873. Between 1873 and 1889, exports of
furniture from France as a whole dropped by one-third, those from Paris by two-thirds… (In the same
period) the volume of European furniture entering the French market as a whole increased fivefold, from
one to five million pieces. (BAILEY, 2013 p. 10-11)
137

entre o artesanal e o industrial, e que apesar de suas aspirações nunca chegou a


atingir tal meta.

Nessa encruzilhada entre uma produção artística aliada a um artesanato, a produção


manual e uma crescente industrialização de processos podem perceber o Grand
Palais como um símbolo do que era o fazer artístico na virada do século XX. A
fotografia, que será usada por Wesley quase 100 anos depois, já vinha ganhando
corpo desde a metade do século XIX, e com elas trazendo mudanças que
influenciaram diversos artistas, notadamente no contexto francês os impressionistas e
os movimentos que vieram após. Com isso temos um ponto chave na história da arte e
no fazer artístico que é crescente proliferação de imagens via métodos de reprodução
em massa e um sentido cada vez maior de há uma pluralidade de histórias da arte, de
que uma narrativa única não se pode mais fazer presente.

Criação da Obra – Contexto

No contexto das obras de Wesley, os “Trabalhos de Eros” se encaixam num ciclo,


denominado por ele como a Era do Filho ou Filiarcado, que perdura até o ano 2000. Já
não sendo um moço, com quase 60 anos de idade, vemos o artista como alguém em
pleno domínio de suas capacidades, algo que podemos chamar de um estilo maduro,
onde suas pesquisas e inquietações poéticas ressoam com o contexto contemporâneo
de uma forma indireta, mas seu foco principal está num mergulho de suas próprias
questões poéticas. É dizer, de forma metafórica, que o artista está a trilhar um
caminho próprio, já avançado, que ocasionalmente cruza com estradas
contemporâneas.

Na sua atuação no contexto artístico brasileiro, um ano antes da execução do


trabalho em 1990, Wesley é convidado por Casimiro Xavier Mendonça para expor na
44° Bienal de Veneza, onde monta a instalação Fortaleza de Arkadin, uma construção
que “pode ser descrita como o enorme volume silencioso de uma cidadela,
inteiramente fechada e inacessível, construída com 104 toras de madeira bruta de 4
metros de altura” (COSTA, 2005). Na temática da obra, podemos perceber o retorno
do alter-ego de Wesley, Arkadin D’y Saint Amer, muito presente no começo de sua
carreira, com a série templários. Fazendo parte também da delegação brasileira estão
os artistas: Gilvan Samico, Franciso Brennand e Daniel Senise. Casimiro escreve
sobre a delegação brasileira na revista Atlante:

Os quatro artista selecionados para representar o Brasil na 44° Espozisione


Internacionale D’Arte têm como elo comum o fato de cada um deles construir e
elaborar sua mitologia particular...A obra de cada um deles está sendo feita
para construir um universo profundamente individual, para recuperar uma
mitologia particular: o traço comum a todos é a recuperação a memória.
(COSTA, 2005, pg. 190)

A memória e a mitologia pessoal aparecem sempre como um traço aparente na


poética de Wesley, como podemos perceber no trabalho que discutimos
138

anteriormente. As questões sobre sua mitologia pessoal e a ligação com a memória


serão adereçadas mais a frente nesse capítulo.

O interesse de Wesley em novas técnicas sempre perpassou sua carreira,


experimentando com instalações, foto, xerox, Polaroid, vídeo e outros meios. Como
vimos anteriormente, havia realizado diversos trabalhos com auxilio das foto-
reproduções em xerox, tendo a possibilidade de experimentar os limites da técnica
enquanto visitou o centro de pesquisas da marca nos EUA. A sua postura frente a
pesquisa técnica, ressoa também com sua pesquisa frente a história da arte. Sendo
ambas relacionadas entre si, já que a presença fotográfica, diversas questões sobre a
permanência das imagens e a visão que temos da história da arte foi afetada. Sobre
isso Cacilda escreve no catálogo dos Trabalhos de Eros: “A procura de meios e
materiais corresponde, portanto, à exploração de mundos e mitologias pessoais e ao
estudo vivido e sentido, em grande tensão, da História da Arte” (COSTA, 1991). Assim
vemos que a pesquisa do artista se situa em dois campos, do técnico e do histórico, e
que sua poética se potencializa na tensão em que os dois propõem.

Como anteriormente citado, os Trabalhos de Eros são compostos por fotos dos frisos
e baixos-relevos do Grand Palais, que foram manipulados digitalmente e
artesanalmente, isso é por intervenções em pastel e lápis de cera. As imagens
manipuladas digitalmente foram depois impressas numa tecnologia chamada
Scannaprint107

O uso dessa tecnologia deve-se a, anteriormente, no mesmo ano de 1991 um trabalho


comissionado pelo metrô de São Paulo, no seu projeto Arte no Metrô, onde deveria
realizar um painel para a estação Trianon-Masp. A obra realizada por Wesley de nome
“Um espelho mágico da Pintura no Brasil” é composta por 123 obras da pintura
brasileira, organizados pelo artista num padrão que segue mais características formais
do que uma historiografia rígida. Realizada em dois painéis de 2m x 40m, a obra toma
uma grande extensão da estação de Metro e no seu percurso, o artista estimula os
passantes a seguirem o percurso das obras e adentrarem ao museu, que em suas
palavras iriam: “do Hades ao Olimpo” (COSTA, 2005).

As origens dessa obra remontam a pintura flamenga do século 17 de W. Van Hecht


(1597 – 1637), intitulada Alexandre o Grande visitando o estúdio de Apeles, em que
podemos ver na imagem o estúdio do pintor Apeles108, onde diversas obras estão
penduradas dando um aspecto de galeria ao estúdio. O fato de um artista retratar
outro artista e suas supostas obras, tem reflexo na posição em que se vê Wesley,

107
De forma literal é o escaneamento de uma imagem e sua posterior impressão em grandes formatos.
De certa forma parecida com o que hoje chamamos de plotagem.
108
“Apeles de Cós (c. 352 – 308 BC) foi um famoso pintor grego helenístico em que seus trabalhos
tinham tanta admiração por Plínio, o velho e outros autores antigos, que ele continuou a ser considerado,
mesmo que nenhuma dos seus trabalhos tenha sobrevivido, como o grande pintor da antiguidade. Ele foi
escolhido como pintor da corte por Felipe II e seu filho Alexandre III da Macedônia. Seus trabalhos
inspiraram artista da Renascença Italiana a lhe emularem; e Botticelli acreditava ser a reencarnação de
Apeles, na mesma medida que a Renascença era um revival de valores do mundo antigo.” John J.
Popovic Disponível em http://www.1stmuse.com/alex3/apelles.html, acesso em 27/09/2015
139

tendo que organizar uma história da pintura brasileira, debruçando-se obras de seus
contemporâneos e antecessores, em algo que denota sua aliança e pertencimento a
uma tradição. Notamos assim também que a preocupação em ordenar obras e a
inscrição do próprio artista numa tradição se dá como questão quase que permanente
na prática artística. A disposição de quadros e obras, ou relatos de obras que não
temos acesso, como no caso de Apeles, podem servir como material para que outros
artistas elaborem suas pesquisas e trabalhos.

A criação do painel, na sua materialidade e composição, nos lembra o Atlas


Mnemosyne109, elaborado por Aby Waburg no desenvolvimento de suas teorias do
pós-vida da imagem110 e da forma patética (Pathosformel)111. A concepção do Atlas
tinha como finalidade uma exploração das imagens de uma forma inesperada,
buscando ligações que anteviam a presença nos seus respectivos contextos:

A grande proposta desse Atlas seria poder dispor e visualizar, ampla e


paralelamente, diversas imagens em um mesmo plano, o que permite uma
exploração e um desdobramento até então impensáveis para a imagem. Por
meio da fototeca e desse Atlas, Warburg permitiria um desdobramento das
possibilidades de seu pensamento por meio das imagens. Possibilidades estas
registradas pelo pesquisador com o auxílio da fotografia

A relação buscada por Waburg se assemelha a pesquisa poética de Wesley, em que o


pesquisador buscava relações que não fosse só de significado, “mas às relações
mantidas por essas figuras entre si numa disposição visual autônoma, irredutível à
ordem do discurso” (Michaud citado por Boni, P. C. & Romagnolli Peres, T, 2013, p.

109
“O projeto Mnemosyne consistia em uma síntese de seu pensamento sobre a função psico-social das
imagens, organizada visualmente em 63 pranchas contendo fotografias que ilustravam a história da
permanência de determinados valores expressivos, dotados de uma “força formadora de estilo”
(stilbildende Marcht), que seriam transmitidos em forma de imagens, como um patrimônio sujeito a leis
complexas de transformação e recepção. De acordo com a concepção de Warburg, as imagens seriam
formadas por motivações psíquicas relacionadas a uma determinada época e carregadas para dentro de
outras culturas, onde seriam remobilizadas em seus conteúdos psíquicos e reorganizadas em função do
novo contexto.” (DE MATTOS, 2002, pg. 222) Disponível em:
http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2006/DE%20MATTOS,%20Claudia%20Valladao%20-%20IIEHA.pdf

Acesso em 05/08/2015
110
Pós vida das imagens (Nachleben der Antike) é um conceito criado por Waburg em que: “Conseguiu
alterar a ideia de relevância da imagem ao propor, em seus painéis, a possibilidade de aproximação de
imagens de tempos distintos. De acordo com sua proposta, as imagens possuiriam uma capacidade de
sobrevida. Essas ideias seriam justificadas e amparadas por elementos reminiscentes encontrados em
diferentes criações imagéticas.” Boni, P. C. & Romagnolli Peres, T. (Septiembre de 2015). O lugar da
fotografia na construção da obra de Aby Warburg: uma perspectiva cultural para a compreensão da
criação imagética. Palabra Clave, 18(3), 650-675. DOI: 10.5294/pacla.2015.18.3.2 Disponível em
http://palabraclave.unisabana.edu.co/index.php/palabraclave/article/view/4744. Acesso em 27/09/2015
111
“Para Warburg, a elaboração de sua teoria de pós-vida das imagens e sua sugestão de aproximação
do (entre)tempo somente poderia ser reconhecida por intermédio de um profundo estudo antropológico e
cultural. Todo esse processo de sobrevida da imagem seria desencadeado pelo reconhecimento da
existência de forças emotivas capazes de movimentar os afetos. Esse fenômeno só seria possibilitado por
meio da aplicação do que o pesquisador chamou de “fórmula patética”” (Pathosformel). Idem.
140

293). Essas relações podem ser pensadas as relações tomadas pelo artista na
composição do painel, que para além de uma perspectiva cronológica e historiográfica
buscava uma expressão de sua poética e é nesse sentido que suas escolhas na
composição final da obra, não obedecem a ordens pré-estabelecidas. É dizer que para
além de uma composição que abarque uma história da pintura brasileira, ela também
possui a mão do artista, no sentido de que sua poética pessoal se faz presente.

A presença fotográfica é algo chave na constituição do Atlas, em que consistia em


““um pensamento por imagens. Não apenas um ‘lembrete’, mas uma memória no
trabalho. Em outras palavras, a memória como tal, a memória ‘viva’” (Didi-Huberman
citado por Boni, P. C. & Romagnolli Peres, T , 2013, p. 383). A constituição final do
Atlas, em que imagens de diversas fontes eram arranjadas e rearranjadas num painel
de tecido preto, para depois serem fotografadas, lembra o método utilizado por
Wesley, em que por meio de fotos, xerox, manipulação digital ordenava as imagens
necessárias para formar seu painel. Didi-Huberman, elabora sobre a criação do painel
e nos aponta diversas semelhanças com o processo artístico envolvido na criação do
painel pelo artista:

Fazer quadros com fotografias (sobretudo fotos de quadros)? Essa poderia ser
uma definição mínima da história da arte por seu ângulo mais prático. Que faz,
em geral, quem pratica essa disciplina? Primeiro, viaja pela diversidade mais
desnorteadora, mais contrastante: passa de uma cultura a outra, de uma época
a outra, do conhecido ao estranho, de um museu a outro, de uma igreja a uma
biblioteca, de uma miniatura a um ciclo de afrescos, ou de um rosário a uma
catedral... Seu denominador comum é a escala fotográfica. Ela lhe permite pôr
tudo isso na mesa do trabalho, depois de ordená-lo de acordo com suas
hipóteses, a fim de produzir, uma série comparativa desses objetos tão
distantes no espaço e tempo reais. (Didi-Huberman, 2013 p. 385)

Temos assim uma profunda aproximação entre o método e finalidades propostos por
Waburg na criação de seu Atlas e com Wesley na criação dos painéis. Essa tônica de
que podemos dizer de uma aproximação histórica pelo o viés imagético, muitas vezes
ajudado pela fotografia e suas derivações, é algo que vemos presente na poética de
Wesley, como discutidos no capítulo anterior, em que o artista menciona seus artifícios
para capturar os diferentes tempos em sua obra.

Tendo toda essa experiência na criação dos painéis para o Metrô de São Paulo,
vemos Wesley imerso num processo novo para ele, em que com auxílio de novas
tecnologias, mais precisamente impressoras potentes e a manipulação digital abrem
um novo caminho para a realização de seus trabalhos. Se alguns anos antes, durante
as etapas finais de finalização do “Triumpho de Maximiliano ele teve acesso e
pesquisou as potencialidades do xerox, agora parece estar envolto em outro processo
também de reprodução fotográfica, de um calibre diferente no que se trata de
fidelidade e manipulação da imagem.

De certa forma, é também um processo colaborativo. Hoje temos um acesso maior a


instrumentos de manipulação digital e impressoras potentes, mas no começo da
década 1990, esses processos necessitavam da presença de um técnico
141

especializado. E é nesse jogo entre a vontade do artista e as possibilidades que


operador da máquina consegue realizar, é que surgem tanto o painel para o Metrô de
São Paulo, quanto os “Trabalhos de Eros”, na qual foi utilizado uma técnica
semelhante.

Os Trabalhos de Eros.112

Com a técnica de manipulação digital e impressão de grandes formatos (130 cm x 147


cm) em tela, Wesley utiliza-se de fotos que havia tirado dos baixos relevos do Grand
Palais onde acompanhamos figuras diminutas realizando diversas atividades. O artista
manipula a imagem alterando seu contraste, tornando áreas iluminadas quase brancas
e sombras muito mais vivas. Altera também seu enquadramento, procurando dar
maior destaque as figuras presentes nos frisos. Depois da impressão das fotos em
telas que lembram os estandartes do trabalho anteriormente estudado, interfere nas
imagens com pastel e lápis de cera, criando linhas e escritos, nomeando as doze
telas.

Figura 50: Baixo Relevo na Base da Coluna, Grand Palais, Foto de Mark Lewis.
Fonte: http://www.ipernity.com/doc/marklewis/31632323

112
Para além das fotos aqui inseridas ver final do capítulo para as fotos da série completa e alguns dos
frisos.
142

A dimensão dos trabalhos nos remetem a própria escala monumental do Grand Palais,
em que as imagens adquirem uma força maior por estarem representadas em um
grande formato. Ao contrário das representações fotográficas que vimos Wesley
utilizar, principalmente no xerox e Polaroid, a reprodução proporcionada pelo
Scannaprint pode ser feita em formatos bem maiores, fugindo de uma escala manual
para algo quase escultural. Dizemos escultural pelo sentido de a imagem ser impressa
num grande formato, a sua própria dimensão adquire uma força no ambiente, algo,
tomado as devidas proporções, similar a vermos um outdoor de perto, a imagem
ganha força no espaço na sua materialidade além do próprio conteúdo.

Figura 51: Relevo na Base da Coluna, Grand Palais, Foto de Mark Lewis. Fonte:
http://www.ipernity.com/doc/marklewis/31632329
143

Figura 52: Relevo na Base da Coluna, Grand Palais, Foto de Mark Lewis. Fonte:
http://www.ipernity.com/doc/marklewis/31632337

Formalmente podemos ver em cada tela um enquadramento da foto que privilegia a


figura representada no friso. Composicionalmente as figuras parecem sempre se situar
quase que sempre na parte central, em alguns casos com os detalhes da própria frisa
separando a figura em duas partes. A interferência manual de Wesley nas fotos ocorre
de uma maneira sutil, evidenciando característica já presentes na imagem, com traços
no rosto ou no cabelo. A modificação das fotos aumenta o contraste entre luz e
sombra, reforçando o aspecto escultórico, porém, como no caso do Geômetra (Figura
53), esse contraste faz com que perca um aspecto tridimensional, nos remetendo a
algo gráfico, com manchas que poderiam ter sido realizadas com um pincel.
144

Figura 53: “O Geômetra” de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de
Eros”.

A presença dessa luminosidade artificial traz para a figura um aspecto de virtual,


sabemos que estamos vendo uma impressão de uma foto, mas devido suas
modificações é como se um filtro estivesse entre nós e a imagem, da mesma
sensação que temos ao ver imagens em monitores de baixa qualidade ou mesmo
vídeo. As imagens tomam uma forma verossímil, mas ainda retêm um espectro do
virtual.

Os doze trabalhos mencionados na série nos fazem lembrar os feitos de Hercules 113,
chamado de seus doze trabalhos114, porém temos ao invés de périplos cada vez mais

113
Divindade Grega conhecida por ter grande força: “Filho de Júpiter e Alcmena. Juno [mulher de
Júpiter], enciumada tentou impedir seu nascimento (...). Aos oito meses, demonstrando já a prodigiosa
força que o caracterizaria, esmagou duas serpentes enviadas por Juno para eliminá-lo.” (ANDRADE,
1973, pg. 87)
114
“Designação das façanhas executadas por Hércules, sob as ordens de Euristeu, rei da Argólida. As
razões que impeliram o herói a submeter-se ao soberano variam segundo as tradições. Na versão mais
corrente, ele o fez, a conselho da Pítia, para purificar-se pelo assassínio dos próprios filhos e merecer a
imortalidade. (...) os mitógrafos da época helenística classificaram as façanhas de Hércules em duas
séries de seis; as primeiras foram cumpridas no Peloponeso: o leão da Neméia, a hidra de Lerna, o javali
de Erimanto, a cerva Cerinita, os pássaros do lago Estinfalo, os estábulos de Augias. Os Trabalhos da
145

perigosos onde o herói coloca sua vida em risco para provar seu valor, temos aqui
uma exploração do ato criativo, apresentando diversas facetas em que podemos
enxergar a postura de um artista.

Os trabalhos são acompanhados por uma descrição das figuras representadas, como
podemos ver a seguir:

• A Memória: Mnemozyne (a Memória) gera e dá a luz às Musas. Assim, o canto das


Musas nasce da memória tanto no sentido mítico quanto psicológico. Dela
dependemos para dar continuidade à civilização.

• O Músico: A Mitologia começa com um som, diz Kerényi. A música é o segredo


mágico e sagrado de vibrar acima dos raciocínios e dos conceitos.

• O Poeta: Para o poeta, as palavras são forças divinas, pelas quais ele sintetiza uma
visão global. A poesia é a mais profunda e menos reconhecida das artes.
Curiosamente, na frisa, a cabeça do poeta está divida por um corte na pedra: o
hemisfério direito é maior que o esquerdo.

• O Cantor: Cantor é o mensageiro do poeta que transforma o ar em som. Através dele


a palavra libera toda sua força.

• O Desenhista: Encarregado de delinear as formas e dimensões, rege a construção e


as artes visuais.

• O Mago: Sua função nas artes é criar a ilusão para que o espírito se movimente e
revele a verdade mais profunda, que está despercebida.

• O Escriba: Rege a transformação das ideias e emoções em escrituras. É o Vigia das


palavras, campo por excelência do sagrado.

• O Escultor: Encarregado dos volumes e da visão espacial, sua força estabelece as


relações e a presença do tridimensional.

• O Pintor: Encarregado de todas as pinturas, desde a decorativa até a metafísica. Seu


poder instaura a verdade, encoberta pelas falsas aparências.

• O Geômetra: Rege as medições e relações matemáticas. Indispensável à filosofia e


às diferentes concepções do espaço.

• O Ferreiro: Da tradição dos shamans e dos sacerdotes que guardavam o fogo.

• O Alquimista: Encarregado dos Mistérios do Mundo.

Com isso vemos Wesley separar os 12 trabalhos em 12 personagens, cada um


encarregado de uma função. Temos um tom de fabulo, de algo mítico devido a

segunda série ocorreram pelo resto do mundo: em Creta (o touro de Creta), na Trácia (os cavalos de
Diomedes), na Cítia (o cinto de Hipólita), no Extremo Ocidente (os bois de Gerião), no país das
Hespérides (os pomos de ouro das Hespérides) e nos Infernos (o cão Cérbero)”. (ANDRADE, 1973, pg.
182)
146

configuração dos frisos, em que o infante parece estar realizando trabalhos ligados ao
seu nome. A figura do infante presente é o Eros do título. Eros 115 que já tivemos
presente de outra forma em diversos trabalhos de Wesley e no trabalho anteriormente
discutido, aqui assume uma forma diferente do que estaríamos acostumados a ver em
sua obra. Não temos mais uma figura feminina que parece sempre estar num jogo
erótico com o artista, em que sua própria concepção é a cor que dá volume aos seus
trabalhos, a paixão presente no ato criativo, numa semelhança ao ato amoroso.

As próprias concepções de Eros, no sentido estrito de sua mitologia também são


diversas, de forma geral ele é visto como alguém que paira entre os deuses, que são
descendentes do mesmo ou são suscetíveis aos seus encantos e poderes. A
concepção que Wesley parece adotar é a mesma que temos em mente quando
falamos de Cupido, uma figura infante que ao mesmo tempo em que provoca paixões,
também possui um ar brincalhão de criança. Numa espécie de versão contrária de
Eros como a figura erótica feminina aqui se vê uma criança, de sexo talvez indistinto
que tem um ar lúdico em contraposição ao erótico.

A figura do infante se insere na concepção apresentada pelo o subtítulo da obra:


“Preparação para Anunciação da Era do Filho”. Na primeira página do catálogo da
exposição vemos uma foto de Wesley com uma citação de Octávio Paz: “Ser digno del
niño que fuimos”, a frase é interessante no contexto da posição do artista. Vemos aqui
um olhar para o passado, da infância, numa busca de um momento em que as
possibilidades parecem não ter fim, e talvez muito mais num sentido lúdico, de poder
reenxergar coisas por olhos novos, num frescor da juventude. Cacilda Teixeira da
Costa alude no catálogo alude para o conceito de puer aeternus116, palavra latina que

115
Eros, em Latim, AMOR ou CUPIDO, o deus do amor. No sentido em que ele é geralmente concebido,
Eros é uma criatura dos poetas Gregos tardios; e em ordem para entenderemos os antigos propriamente
nós precisamos distinguir entre três Eros: viz o Eros das cosmogonias antigas, o Eros dos filósofos e
mistérios, aquele que possuía grande semelhança com o primeiro, e o Erro o qual nós encontramos nos
poetas epigramáticos e eróticos, (...) Primeiro, diz Hesíodo, havia o Caos, daí veio Ge, Tártaro e Eros, o
mais belo entre os deuses, aquele que comanda sobre o conselho e as mentes dos deuses e homens.
Nessa versão nós já percebemos a combinação entre as noções mais antigas e as tardias (...) O Eros dos
poetas tardios, por outro lado, é aquele que deu origem a noção do deus que é mais familiar para nós, é o
mais novo de todos os deuses (...) Eros é representado pelos poetas eróticas e epigramáticos como um
garoto impudico, de quem diversos truques e brincadeiras cruéis são relacionadas, e de quem nem os
deus e os mortais estão a salvo. SMITH, WILLIAM. Dictionary of Greek and Roman Biography and
Mythology. 1873. Disponível em:
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0104%3Aalphabetic+letter%3
DE%3Aentry+group%3D6%3Aentry%3Deros-bio-1 Acesso em 04/07/2014

116
“Puer aeternus é o nome de um deus da antiguidade. As palavras vêm de Metamorfoses de Ovídio e
são aplicadas ao deus-criança nos mistérios eleusinianos. Ovídio fala do deus- criança Iaco, dirigindo-se
a ele como puer aeternus e cultuando- o em seu papel nesses mistérios. Posteriormente, o deus-criança
foi identificado com Dionísio e com o deus Eros. Ele é o jovem divino que, de acordo com esse típico
mistério eleusiniano de culto à mãe, veio ao mundo em uma noite para ser o redentor. E o deus da
vida,da morte e da ressurreição — o deus da juventude divina, correspondente aos deuses orientais
Tamuz, Átis e Adônis.” VON FRANZ, M. L. Puer Aeternus: a luta do adulto contra o paraíso da infância. 5
ed. Paulus. São Paulo: 2005. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/103304619/livro-a-luta-do-adulto-
contra-o-paraiso-das-criancas-Puer-Aeternus-Marie-Louise-Von-Franz#scribd Acesso em 28/09/2015
147

pode ser traduzida como “o eterno jovem”, aquele permanece jovem para sempre.
Tomando esse conceito com a citação de Octávio Paz, podemos entender aqui não
um regresso a infância por problemas de ordem adulta, mas com uma renovação, do
mesmo jeito que a serpente que morde o próprio rabo que discutimos no capítulo
anterior.

A Era do Filho faz parte de uma concepção de Wesley em que ele enxerga as
mudanças históricas, artísticas, culturais como pertencentes a uma era diferente das
que nós já vivemos. Da mesma forma que definimos Eras devidos a acontecimentos
históricos, o artista divide os períodos de atividade humana em 3 distintas eras, numa
relação com os componentes de uma família heteronormativa: Mãe, Pai e Filho. Essas
mudanças de eras nós entendemos como períodos filtrados pela concepção do artista,
associando a mitologias e crenças pessoais. Uma entrevista de 1981 no Jornal da
Tarde a Leo Gibson Ribeiro nos oferece mais detalhes sobre a concepção do artista:

Ultimamente você tem-se referido frequentemente ao fato de ter chegado à


beira dos 50 anos, agora que completou 49. Essa é a sua instigação mais
tenaz atualmente, Wesley?

Wesley Duke Lee – O que me está preocupando o tempo todo e que é a


própria surpresa que eu prometi fazer a você é o que estou estudando sem
parar: uma revisão do processo do mundo em que vivemos porque eu
desconfio da veracidade do Apocalipse iminente que todos anunciam hoje. Eu
cheguei à conclusão de que o Apocalipse nada mais é do que o testamento de
um patriarca irado que, vendo o filho crescer e se preparando para assumir o
feudo, começa a perceber que o filho não vai empreender a continuação da
visão que ele, pai, tem de tudo. Então precisa assustar esse menino de uma
maneira tão violenta que ele siga o código do patriarcado.

E esse Grande Pai colérico quem é, Jeová? Ele se conceitua religiosamente?

Ele se conceitua religiosamente, politicamente, socialmente, artisticamente,


filosoficamente. Essa visão total de mundo, como eu a analiso, vai-nos levar de
volta a concepção gnóstica em que você tinha um triângulo: a Mater, o Pater e
o Filius. Então eu acho que nós chegamos a um período do começo da terceira
grande experiência da civilização que é a Idade do Filho, o Filiarcado, depois
do Matriarcado e do Patriarcado Iniciais.

E no campo artístico, o que advém com o Filiarcado?

A arte acompanha o acontecimento, ela é um produto da sociedade, ela não


dita os acontecimentos, a manifestação da arte é a de um sensível, o artista,
que pertence a um grupo.

A arte não antecede ao grupo?


148

Aí eu estou com o (compositor de música concreta) Varese, que fez uma


correção muito curiosa: “Sempre dizem que os artistas estão na frente, os
artistas não estão na frente de nada, eles estão na hora, os outros é que estão
muito atrasados”.

Como dizia Illya Ehrenburg, o artista viaja de avião e o resto viaja de ônibus?
(risos)

É isso, mas estão todos na mesma época!

Mas com isso você não dessacraliza a figura do artista?

Na Era do Filho o artista é dessacralizado, sem dúvida, mas ele vai ter uma
relação muito mais harmoniosa com a sociedade como minoria sensível nessa
coletividade.

E que função o artista terá?

A de produzir beleza, mas não mais a beleza patriarcal, que cantava o herói...

E o patriarcado pressupunha o mecenato, seja o Estado, a indústria etc?

O patriarcado pressupõe o mecenato, é lógico, eu sirvo ao patriarca. Não se


celebra a data fixa do começo do patriarcado, à medida que vou estudando as
religiões etc., chego a conclusões engraçadas. Acreditava-se antigamente que
a fertilização era o ato divino, isso desenvolveu todo o conceito matriarcal: a
mulher tem relação direta com o divino e é fertilizada por ele. Até que um dia o
homem descobre que sem ela não basta invocar o Deus porque não há
fecundação. Aí começou a passagem do poder do matriarcado para o
patriarcado, que passou a cobrar sua porcentagem na fecundidade. O que vai
caracterizar o Filiarcado? Não é mais o processo de fertilidade, é a
consciência, são os dois olhos abertos.

A fusão de anima com o animus postulada por Jung?

Jung ainda era patriarcal, mas já estava minado pela transição, tanto que ele
investigou em profundidade.

Já o Wilhelm Reich era profeta do Filiarcado?

Ah, Reich já é Filho, por isso ele foi sacrificado, porque apareceu com muita
força, fora de hora.

Ele mesmo deixou isso consignado em “The Murder of Christ” (“O assassinato
de Cristo”), mas de que modo tudo isso se reflete na sua “Cartografia anímica”
atual, como obra de arte, Wesley?

Eu digo sempre que faço histórias em quadrinhos e a minha obra inteira é uma
história em quadrinhos em capítulos. De uns tempos para cá o aprendizado, a
experiência, a idade, tudo isso me levou a começar a produzir séries mais
consistentes do que eu fazia antes. Fiz a viagem misteriosa à Grécia no
149

helicóptero de Leonardo da Vinci, então na minha fantasia esse helicóptero,


atravessando todas as etapas da iniciação, chegou às fronteiras do Olimpo e
esse parar diante do Olimpo já é característico do Filho. Não é preciso entrar:
entrar é para conquistar. (COSTA et al, 1981, p. 73 -75)

É interessante notar a pergunta do entrevistador para Wesley sobre a fusão de anima


e animus. Ambos são conceitos de Carl Jung, e representam, de forma simplificada, o
lado feminino na psique masculina e o lado masculino na psique feminina117. Notamos
que no trabalho discutido anteriormente, Wesley menciona a anima, como se a modelo
que posa para ele fosse a projeção corpórea de sua feminilidade. Nesse caso, vemos
que pretende não só externar uma manifestação, mas tê-la sintetizada na figura do
filho, contendo ambos os espectros, assim como o filho é fruto, biologicamente, de um
pai e uma mãe.

Outra fala de Wesley que podemos ressaltar é sua afirmação que suas obras podem
ser lidas como Histórias em Quadrinhos e que cada série sua narra uma história que
vai se desenvolvendo ao longo de seu trabalho. Nisso fica claro uma preocupação
narrativa do artista, que mesmo que não seja algo explícito, com começo, meio e fim,
ele busca em suas séries um desenvolvimento narrativo, algo que podemos
acompanhar na série anterior e também nessa. Nesse contexto, percebemos como os
catálogos servem com plataformas auxiliares na compressão dessa narrativa, devido a
sua construção como publicação o que privilegia a ordenação de imagens, eventos em
algo coeso, numa experiência diferente de uma exposição.

Além de ter um desenvolvimento narrativo, percebemos também em Wesley que ele


tem uma prática discursiva com a narrativa, no sentido de ser um discurso que é
protagonizado pelo artista. Sua poética, como embasou na sua frase alia tanto a
imagem quanto a palavra, da mesma forma que uma história em quadrinhos, e nesses
dois campos podemos encontrar sua prática discursiva, tendo o seu eu artístico como
protagonista ao mesmo tempo que elabora jogos narrativos envolvendo outras
personagens. No texto presente na figura do Mago, vemos que: “Sua função nas artes
é criar a ilusão para que o espírito se movimente e revele a verdade mais profunda,
que está despercebida.”, onde parece articular esses jogos que vemos em sua
poética, na criação de ilusões, isto é, ficções, e com isso nos mostrar seu discurso,
sua narrativa. Essa questão parece estar bem presente em outro trabalho, em que
está escrito: “A verdade não pode ser dita, somente revelada”. A atitude de revelação

117
“Todo homem carrega consigo a imagem eterna da mulher, não a imagem dessa ou daquela mulher
em particular, mas uma imagem feminina definitiva. A imagem é fundamentalmente inconsciente, um fator
hereditário de origem primordial gravada no sistema orgânico vivente do homem, uma impressão do
“arquétipo” de todas as experiências ancestrais do feminino, um depósito, como se fosse, de todas as
impressões causadas pela mulher, um sistema herdado de adaptação psíquica. Mesmo se nenhuma
mulher existisse, ainda sim seria possível, em qualquer hora, deduzir a imagem inconsciente exata de
como uma mulher seria constituída fisicamente. O mesmo é verdadeiro para a mulher: ela também tem
sua imagem inata do homem.” JUNG in "Marriage as a Psychological Relationship" (1925) In CW 17: The
Development of the Personality. P.338. Disponível em http://psikoloji.fisek.com.tr/jung/animus.htm acesso
em 29/09/2015
150

nos parece estar ligada com o acompanhamento dessa narrativa, do discurso, nesse
sentido temos que nos engajar com sua obra para que possamos ter a “verdade
revelada”, de uma forma análoga a acompanhar um livro, preenchemos esses
capítulos com o prosseguir da obra do artista.

Figura 54. “A verdade não pode ser dita só revelada” de Wesley Duke Lee. Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural118

Com essa entrevista podemos entender um pouco mais de como o artista conceitua
essa nova Era. Sua proposta parece se inscrever numa percepção de que

118
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee Acesso em
10/10/2015
151

fundamentalmente alguns paradigmas mudaram ou estão em mudança e de dessa


ação teremos algo que seria a síntese de paradigmas passados. No tocante de sua
poética, podemos perceber que a obra de Wesley se inscreve de modos gerais numa
tentativa de conciliar essas mudanças e disso propor um caminho em que elementos
diferentes possam adquirir um estado harmônico.

Essa poética de conciliação e crise, ganha corpo com a Era do Filho, no sentido de
propor 12 personas que são necessárias para o prosseguimento de um tempo
diferente. Elas são vistas como algo que antecede como necessário para a fundação
de um tempo vindouro. Mas ao mesmo tempo em que aponta para o futuro, com um
novo tempo são calcados em elementos de um passado, e é neste espaço entre
reconciliação, memória e ação que parece apontar o norte do presente trabalho.

Mnemozyne

Na primeira obra da série, de título “A Memória”, Wesley fala sobre Mnemozyne (ou
Mnemósine)119, a origem de tudo e mãe das musas 120. A evocação dessa figura nos
faz pensar em algumas coisas em relação a poética de Wesley. Primeiramente, uma
demonstração explícita de como vimos no trabalho anteriormente discutido, o
pensamento de Wesley frente a história como matéria ou elemento fundador de seu
trabalho, aproximando, ainda que indiretamente do trabalho de Aby Waburg, que
discutimos anteriormente. Num segundo momento também podemos ver que além de
uma pesquisa artística em que a memória serve como um pano de fundo poderoso, a
dimensão mitológica que sua obra toma, em uma atitude em que entrelaça o seu ato
criativo com mitos, criando uma mitologia própria via interpretação de outros mitos
clássicos.

Vemos na série uma condensação de várias pesquisas antes desenvolvidas pelo


artista, agora de uma forma mais explicita, num desejo real demonstrado pela sua fala
em a Era do Filho, e no subtítulo da obra, em anunciar um novo tempo, e com isso
fazer preparativos para tal feito. Desses preparativos é necessário estabelecer o seu
vínculo com a Memória, com a história que o precede:

Uma das últimas séries criadas por Wesley: Os Trabalhos de Eros funciona,
num certo sentido, como uma síntese de inúmeras questões levantadas pelo
artista ao longo de sua carreira. A busca pela origem, perseguida no contexto
de sua própria psicologia individual nos anos sessenta na série Ligas, retorna
aqui em um contexto universal e ganha uma face na figura do pequeno criador

119
“Personificação da Memória ou Lembrança. Filha do Céu e da Terra. Habitava Piéria, região da
Macedônia. Júpiter amou-a durante nove noites e, ao fim de nove meses, Mnemósine deu à luz as
Musas.” (ANDRADE, 1973, pg. 124)
120
“Filhas de Júpiter e Mnemósine. (...) Na tradição mais corrente, eram nove: Calíope, Clio, Érato,
Euterpe, Melpômene, Polímmia, Talia, Terpsícore e Urânia (..) Além da arte, presidiam ao pensamento
sob todas as suas formas: eloquência, persuasão, sabedoria, história, matemática, astronomia. Ditavam
aos reis as palavras necessárias para apaziguar as querelas e restabelecer a paz entre os homens.
(ANDRADE, 1973, pg. 126)
152

Eros. O pequeno herói é apresentado como fonte de todo poder criativo e fonte
primeira da criação artística. Significativamente, a série abre com a figura da
Memória, da qual, segundo o próprio artista, “dependemos para dar
continuidade à civilização”. Assim, as imagens coletivas que tanto interessaram
Wesley na década anterior, apresentam-se como a matéria prima para a
criação na arte, impulsionada pela relação erótica que o homem estabelece
com o mundo. Toda a série é realizada através do uso de computadores e da
técnica de scannaprint, o que atribui uma marcante contemporaneidade às
questões discutidas no trabalho. (MATTOS, 2002. pg. 227)

Assim podemos entender que essa síntese que busca na memória coletiva uma
continuidade para a civilização, tem algo de recuperação, de estabelecer um caminho
que perpasse uma aparente quebra sofrida durante esse percurso. A quebra do que
falamos pode ser múltipla, mas podemos apontar dois eventos como rupturas
importantes num processo de memória e de relação do artista com a própria história.

O primeiro e talvez o evento mais traumático do século XX, são as duas grandes
guerra e o horror provocado por elas. Frente tamanha barbárie, diversos artistas,
literatos e estudiosos questionaram como poderíamos continuar com civilização, frente
tamanha cicatriz deixada. Essa ruptura e junto com a bomba atômica que finalizou o
conflito, colocam o ser humano frente a um processo de perda de memória, no sentido
da aniquilação de pessoas e de espaços de recordação, tão vasto que gera uma crise
no modo como quais nos relacionaram com o passado.121

O segundo ponto, e creio ser de mais afinidade com a poética de Wesley, ainda que
os eventos não surjam num vácuo, portanto indissociáveis de um contexto histórico, é
a proliferação imagética ocorrida com a cultura de massa, auxiliada pela fotografia e
pela imagem em movimento (cinema e vídeo). Com isso, temos presente uma
infinidade de eras simultaneamente no presente. Resquícios do passado permanecem
tão atuais quanto os fatos acontecidos no agora. A relação que temos com imagens e
consequentemente com o passado se tornam algo do dia-a-dia, numa espécie de
presente continuo, onde para além das fronteiras materiais cronológicas, nos vemos
dialogando com o passado.

A presença de imagens de forma quase ininterrupta, nos remete uma formulação de


Nietzsche sobre a memória, como algo que não só necessita armazenamento, mas
constante presença no nosso dia-a-dia:

Nietzsche associou à memória não apenas o problema da armazenagem, mas


também o da fixação de um presente constante. O que será confiado à
memória precisa não apenas manter-se indelevelmente inesquecível, mas
também permanentemente presente. Esta exigência de uma memória efetiva
em presença permanente e ininterrupta contradiz a estrutura da recordação,
que é sempre intermitente e necessariamente inclui intervalos de não

121
Para um tratamento melhor sobre a relação da memória com eventos e locais traumáticos ver
ASSMAN, Aleida. Espaços de Recordação: Formas e transformações da memória cultural. Campinas,
Editora da Unicamp, 2011. Especialmente Segunda Parte, V, Capítulo 8.
153

presença. Não se pode recordar algo presente, o que se faz é corporificar tal
coisa. (ASSMANN, 2011, pg. 265)

A corporificação pode ser vista com a presença das imagens, principalmente a


fotográfica. Essa imagem funciona como um recorte do tempo, podemos até pensar
como um entalhe de uma matéria, algo que foi retirado de um tempo e que permanece
para nós preso na sua própria materialidade. Isso que podemos perceber com as fotos
tiradas por Wesley, ao mesmo tempo em que sua alteração busca evidenciar sua
corporeidade, dando um caráter escultórico para uma imagem bidimensional, está
vendo um recorte impresso no mundo. É nesse sentido que pensamos a própria
materialidade da imagem, aqui impressa e presente num ambiente físico.

As telas impressas de Wesley são manifestações físicas de uma memória, ao mesmo


tempo em que essa memória se submete a outros contextos não definidos pelo artista.
O caráter de imediatismo da impressão fotográfica, na qual temos um instante
preservado, é paradoxalmente algo que faz com que nós pensemos a relação da
imagem representada com a memória e o tempo que ele se distanciou pelo recorte. Ao
recortamos um pedaço no tempo, evidenciamos esse recorte o que nos propele a
pensar sobre os elementos que faltam no continuo do tempo. A ausência de
progressão numa imagem fotográfica estática (ao contrário do cinema) evidencia
justamente sua forma estática, sua inércia.

Como já mencionado, nessa obra Wesley reincorpora através das fotos impressas nas
telas, uma memória material pertence a um lugar específico e com isso age de uma
forma reconciliadora, buscando através da série oferecer um novo caminho frente a
essa quebra de tempos, a uma avalanche de imagens que não pode produzir mais um
espelho único do mundo, como citado em Brea. É nesse sentido que há uma
recuperação pela memória, e assim que parece estabelecer uma tensão no trabalho
de Wesley, nessa vontade de lidar com a memória e dela oferecer ligações possíveis
para caminhos novos. Isso é apontado por Assmann (2011) como uma característica
de artistas que lidam com a memória:

A nova arte sobre a memória age em outra área. Ela não precede, mas sim
sucede o esquecimento, pois não é uma técnica ou medida preventiva. Ela é,
no melhor caso, uma terapia para trauma, uma coleção cuidadosa de restos
espalhados, um balanço de perda. Se formos concordar com Nietzsche, que
diz que o homem é um animal que se lembra, então a arte da memória vai
ajudar a ampliar essa sua capacidade, enquanto a arte sobre a memória, por
outro lado, vai lembrá-lo de uma habilidade cultural que ele está prestes a
perder. (ASSMANN, 2011, pg 386)

É importante destacar o processo artístico como algo reativo, e não proativo. Por mais
que Wesley esteja propondo uma nova era, reativando uma memória, esse processo
se dá perante uma noção de algo que já se foi, de certa forma perdido ou esquecido.
Isso nos dá o sentido da proposição de uma nova era, para resgatar algo que não se
encontra mais.
154

A Era do Filho busca aliada a uma presença do passado, num resgate da memória,
oferecer uma nova possibilidade. O passado informa um possível futuro, numa
reconciliação entre eras:

A nova arte sobre a memória, que desenvolve o trabalho de recordação no


modo do “como se”, coloca um espelho diante da memória cultural. Essa
memória cultural se torna reflexiva por meio da arte. A arte sublinha
principalmente a materialidade, a “coisidade” à qual a memória se prende sob o
signo de uma desmaterialização ubíqua de todos os dados. Em uma cultura
que não se lembra mais do seu passado e que também já esqueceu a sua falta
de lembrança, os artistas põem atenção reforçada sobre a memória, à medida
que tornam visíveis as funções perdidas, por meio de simulações estéticas.
(ASSMANN, 2011, pg. 398)

A materialização que vemos da memória está representada tanto nas telas impressas,
no aspecto da tela em si, quanto o frisos ainda presentes no Grand Palais. Wesley faz
um caminho do material para o virtual e de novo para o material, nisso incluindo as
modificações do processo artístico. Quando o artista intervém na imagem, a retrabalha
altera suas propriedades, acaba ressaltando a condição de sua origem, isto é as
frisas. Por mais que por todos esses processos ela acaba se tornando outra coisa,
pela característica indicial122 da foto, nos remetemos a sua origem.

Sendo assim, entendemos o “Os Trabalhos de Eros” como um ponto focal na poética
de Wesley, no que diz respeito o seu tratamento da memória cultural. Na concepção
do trabalho, os seus elementos constituintes reforçam as estruturas de lembrança, ao
mesmo tempo em que buscam através dessa manifestação estética estabelecer uma
ponte entre diferentes tempos, de aliar uma perspectiva clássica a um futuro mais
abrangente, de trazer um friso neoclássico para o presente, por meio de um formato
contemporâneo de manipulação digital, assim estabelecendo parâmetros onde
diversos pontos temporais são manipulados para uma síntese, numa reconciliação de
tempos através de sua poética.

Mito

Discutiremos a seguir a presença de mitos e mitologia na concepção e fundamentação


do trabalho de Wesley, entendemos mito como algo de classificação difícil123, que
122
Aqui usamos índice no sentido proposto por Charles Pierce, em que vemos: “As fotografias, e em
particular as fotografias instantâneas, são muito instrutivas porque sabemos que, sob certos aspectos,
elas se parecem exatamente com os objetos que representam. Porém, essa semelhança deve-se na
realidade ao fato de que essas fotografias foram produzidas em tais circunstâncias que eram fisicamente
forçadas a corresponder detalhe por detalhe à natureza. Desse ponto de vista, portanto, pertencem à
nossa segunda classe de signos: os signos por conexão física [índice]” (Pierce apud Dubois, 1994, pg 49)
Disponível em: http://www.filologia.org.br/ixfelin/trabalhos/pdf/03.pdf Acesso em 30/09/2015.

123
Nos vem a mente a fala atribuída a Joseph Campbell: “Mitologia é o nome que damos a religião dos
outros”.
155

opera mais no sentido de sua aplicação perante a um contexto, do que uma entidade
estanque. Por isso partimos de uma definição oferecida por Walter Burket (2001):

O mito (...) nunca existe “puro” em si, mas tem por alvo a realidade; o mito é
simultaneamente uma metáfora ao nível da narração. A seriedade e dignidade
do mito procedem desta “aplicação”: um complexo de narrativas tradicionais
proporciona o meio primário de concatenar experiências e projeto da realidade
e de exprimi-lo em palavras, de comunicá-lo e dominar, de ligar o presente ao
passado e simultaneamente de canalizar as expectativas do futuro.

Partindo dessa definição, entendemos que na obra de Wesley a presença do mito


como forma ordenadora e que frequentemente adere a uma função de ligação entre o
passado e o presente, apontando para projeções futuros, nesse sentido temos
algumas obras que precedem os “Trabalhos de Eros”, que serão discutidas
brevemente.

As séries em questão são O/LIMPO (1971 – 1972), um projeto longo de Wesley, com
diversas pinturas e um projeto de uma instalação, teve grande parte de seus trabalhos
realizados entre 1971 e 72; e Minha Viagem à Grécia no helicóptero de Leonardo da
Vinci ((1977). Sobre a série O/LIMPO vemos que:

Wesley desenvolve uma revelação mítica de seu cotidiano (que é aplicável à


realidade de qualquer um), seguramente pela curiosidade de se ver, mas sem
abdicar da ironia e do distanciamento crítico da paródia. A questão subjacente
é sempre a busca de si mesmo e, dessa vez emprega o mito grego (COSTA,
2005, pg. 163)

Nessa série pessoas de seu convívio são reinterpretadas com figuras mitológicas,
trazendo aspectos do cotidiano para uma figura mítica, como no caso de O/LIMPO:
Pandora124 (o Anjo) de 1972 nós vemos a figura mitológica como uma dançarina, com
roupas e adereços contemporâneos. Ou o caso de O/LIMPO: Afrodite (1972), em que
a divindade ao invés de sair das espumas do mar 125, aparece saindo de uma piscina.
Essa visão irônica, paródica, poderia indicar somente uma brincadeira com mitos

124
“A primeira mulher. Foi criada sob ordem de Júpiter (Zeus), por Vulcano (Hefestos) e Minerva (Atena),
ajudados por todos os deuses. As divindades dotaram-na de beleza, graça, audácia, força, persuasão,
habilidade manual. Mercúrio entretanto, colocou-lhe no coração a falsidade. Chamaram-na Pandora, que
significa “aquela que tem todos os dons”. Júpiter entregou-lhe uma caixa fechada e enviou-a à terra para
seduzir os mortais e levá-los à perdição. Dessa forma pretendia punir a raça humana. Pandora tornou-se
esposa de Epimeteu. Este, apesar de advertido por Prometeu, seu irmão, para não aceitar qualquer
presente de Júpiter, recebeu a caixa de Pandora e abriu-a. Imediatamente todos os males espalharam-se
sobre a humanidade.” (ANDRADE, 1971, pg. 143)

125
“Afrodite (...) uma das doze divindades olímpicas (...). Na tradição mais frequente, nasceu da espuma
formada sobre o mar pelos testículos (ou pelo sêmen) do Céu, mutilado por Saturno. (...) Primitivamente,
Afrodite era a divindade do instinto natural de fecundação e geração. Personificava os elementos úmidos,
princípio da fertilidade da natureza; sua ação abrangia os deuses, os homens e todas as criaturas do
mundo vegetal e animal.” (ANDRADE, 1971, pg. 185-186)
156

antigos, mas tendo um distanciamento e uma visão mais global de sua obra vemos
como Wesley usa a mitologia como forma de interpretação do mundo. O humor e a
paródia sempre foram presentes em sua poética, e nesses casos isso não diminui a
interpretação que faz de uma vida cotidiana através de um espelho mitológico.
157

Figura 55: O/LIMPO: Afrodite (1972). Fonte: Um Salmão na Corrente Taciturna.

Figura 56: O/LIMPO: Pandora (O Anjo) (1972). Fonte: Um Salmão na Corrente


Taciturna.

A outra série mencionada constitui-se de um conjunto de 36 pranchas editadas em


serigrafia pela Práxis Editora. Nela acompanhamos o voo metafórico de Wesley num
helicóptero, baseado nos desenhos de Leonardo Da Vinci. Com isso articula
elementos da renascença e de uma antiguidade clássica, onde busca fazer uma
viagem pessoal, psicológica, onde o voo é para dentro. De novo, vemos articulando
espaços da memória, mais aqui pensados através do mito, da memória antiga,
Annateresa Fabris (in: Costa (org), 1981) articula que:

Significativamente, a viagem que Wesley Duke Lee empreende é mediada pela


memória. Uma memória não só histórica, cultural, feita de fragmentos visuais (a
Grécia que vemos, não a que conhecemos pela “imagem ideal” setecentista,
que nos foi legada por Winckelmann), mas sobretudo uma “memória das
origens”, capaz de recapturar o mito e transformá-lo numa realidade hodierna.
158

Figura 57. Prancha de Minha Viagem à Grécia no helicóptero de Leonardo da Vinci


(1977). Fonte: Foto do Autor.
159

Figura 58. Prancha de Minha Viagem à Grécia no helicóptero de Leonardo da Vinci


(1977) . Fonte: Foto do Autor.
160

É no espaço da origem que enxergamos a presença do mito, e no contexto dos


Trabalhos de Eros, é justamente no que o trabalho se insere, num resgate da memória
em que podemos partir para uma nova era, a reafirmação de mitos fundadores,
necessários para possamos prosseguir para um novo tempo.

Ainda falando sobre “Viagem a Grécia”, Fabris (in: Costa (org), 1981) elabora que
durante esse percurso, como o artista empreende uma viagem para dentro, para trazer
os mitos para uma realidade atual, articulando problemas que são vistos pertencentes
a todos e que estão desde a origem da humanidade de uma forma ainda que
inconsciente:

O fundo místico do trabalho de Wesley pode ser reportado ao “voo virado para
dentro”, claro símbolo de sua relação com o inconsciente coletivo. Um
inconsciente que assume roupagens modernas, ao ser transposto para a
linguagem plástica e para os conceitos de nossos dias. O mito é reatualizado,
mas não deixa de trazer uma nota inquietante. Ao referir-se à arte moderna,
Mircea Eliade traça um paralelo entre a “destruição da linguagem” levado a
cabo pelas vanguardas no século XX e o mito do fim do mundo, concluindo não
de forma pessimista, mas pela necessidade de construção dum novo universo
artístico.

Essa construção de um novo universo artístico é o que parece balizar a relação de


Wesley com a mitologia, que num primeiro mundo em “Viagem a Grécia”, a criação de
um novo mundo é apontada ainda como algo pessoal, no reflexo do da própria viagem
do autor. Anos depois, com os “Trabalhos de Eros”, essa vontade antes já identificada
toma uma roupagem ainda mais forte, partindo do ato criativo do autor frente a prática
artística para uma programática mais acerbada de como deve ser esse novo mundo
artístico.

Nesse sentido temos que o “mito, mediado pela memória, tem a capacidade
mobilizadora de fundir passado e presente, de atualizar “o que foi”” (Fabris in: Costa
(org), 1981) como uma prática que percorre diversas obras do artista, tendo uma
posição explícita no trabalho aqui discutido.

O mito que Wesley busca apresentar é o regimento de uma nova era pela figura do
Filho, e nele estariam sintetizados as categorias de seus predecessores, Mãe e Pai.
Nesse sentido simbólico, o Filiarcado se junta a uma enorme tradição de cosmogonia
mítica, que podemos entender como pertencentes a esse processo:

Um “gera” o outro, de um originam-se opostos, que se “misturam” como


masculino e feminino, até que alguma coisa “toma o predomínio” e daí em
diante mantém o mundo em ordem. (BURKERT, 2001, pg. 52)

Na concepção de Wesley o predomínio vindouro seria de algo que funde as duas


partes: “masculina” e feminina”, com essa fusão traria um novo ciclo para o mundo e
disso teríamos uma nova era. Vemos também como a concepção cosmogonica de
Wesley se encaixa em várias categorias míticas em que a forma regimental desejada
ou esperada, nasce de um embate com um criador ou predecessor. Anterior a época
de qual queremos chegar, tínhamos um regimento que chega ao seu limite e necessita
161

de uma renovação, tal como Cronos é desbancado por Zeus 126, temos aqui na
concepção do artista o Filho desbancando o Pai. Mas nesse caso específico, essa
alteração de paradigma não é dada e modo violento, mas sim como uma reconciliação
entre as partes que vieram antes, numa síntese.

Além das referências a mitologia grega, uma anotação em seu diário sem data, porém
circa 1992 – 1993, traz a luz uma concepção de Wesley frente as características da
arte em dois períodos diferentes, moderno e clássico. Na imagem (Figura 59)
podemos ver que escreve: “Arte Moderna é retorno ao arcaico, ao primitivo. Arte
clássica é estética. Arte moderna mítica”.

O que podemos conjecturar a respeito dessa concepção, baseado nos próprios


trabalhos de Wesley, é que arte clássica oferece uma perspectiva baseada na forma,
no apuro estético, que é uma concepção, com o perdão do trocadilho, clássica. Vemos
aqui uma definição de Henri Focillon citada por Fabris (in Ginsburg org, 2012):

O ponto da mais elevada concordância das partes entre si. É estabilidade,


segurança, depois da inquietude experimental. Confere, se assim se pode
dizer, solidez aos aspectos móveis da procura (e por isso mesmo, em certo
sentido, é renúncia). Assim a vida perpétua dos estilos alcança e abrange o
estilo como valor universal, ou seja, como uma ordem válida para sempre, que,
para além das curvas do tempo, estabelece um conformismo, pois provém, ao
contrário, de uma última experiência, da qual conserva a audácia, a qualidade
forte e germinante. [...] Breve momento de plena posse dar formas, apresenta-
se, não como uma lenta e monótona aplicação das “regras”, mas como uma
felicidade rápida, como o acme dos gregos.

126
“Cronos (...) Filho do Céu e da Terra, é o mais jovem dos Titãs. A pedido da Terra, mutilou o pai e
ocupou seu lugar no trono do universo. Esposou a titânia Cibele e teve Vesta, Ceres, Juno (Hera), Plutão
(Hades) e Júpiter (Zeus). Como um oráculo da Terra lhe tivesse predito que seria destronado por um de
seus filhos, eles os devorava à medida que nasciam. Entretanto, quando Zeus nasceu, Cibele escondeu-o
e, em seu lugar, deu ao marido uma pedra, que ele devorou. Mais tarde, Zeus ofereceu-lhe uma droga
que o fez vomitar os filhos. Auxiliado pelos outros Titãs, Cronos combateu Zeus, mas, ao fim de dez anos,
foi destronado pelo filho e preso no Tártaro.” (ANDRADE, 1971, pg. 166)
162

Figura 59. Excerto do Diário de Wesley circa 1992-1993, Foto do Autor.

A arte clássica é uma arte que busca um eterno, algo que possa dura para sempre, de
um valor universal, no fundo de sua pesquisa está a demonstração de um estilo como
fonte primária. Desse estilo provém a harmonia, aqui enxergada pelas leis da
natureza. Harmonia presente não só na aplicação do estilo, mas também na
continuação de uma tradição. Assim se encaixa com a percepção de arte clássica é
estética, no sentido que a pesquisa empreendida é de conformar com leis vista como
presentes na natureza e trazer elas para o campo artístico, numa posição de
ordenação e apuro.

De outro lado, na concepção de Wesley, arte moderna, e aqui entendemos como toda
arte vinda após um período clássico é visto como mítica. Tomando a descrição do
preeminente crítico americano Clement Greenberg (1960, pg. 1) temos:

A essência do Modernismo está, como eu vejo, no uso de métodos


característicos de uma disciplina para criticar a própria disciplina, não para
subvertê-la, mas para entrincheira-la mais firmemente na sua área de
competência.127

Tomando essa concepção como base de uma visão moderna, podemos afirmar que
da mesma forma que Wesley em diversas obras, realiza um mergulho em si mesmo,

127
No original: “The essence of Modernism lies, as I see it, in the use of characteristic methods of a
discipline to criticise the discipline itself, not in order to subvert it but in order to entrench it more firmly in its
area of competence.” Disponível em:
http://cas.uchicago.edu/workshops/wittgenstein/files/2007/10/Greenbergmodpaint.pdf acesso em
30/09/2015.
163

numa viagem as próprias questões psicológicas, articuladas em suas obras de arte,


vemos como o projeto moderno oferece um próprio mergulho nas próprias fundações,
para dali trazer a força de sua ação.

Além disso, uma das facetas do Modernismo, com suas vanguardas era a abolição de
fronteiras em arte e vida, de modo que a prática artística fosse melhor assimilada ao
cotidiano. Nesse sentido buscava a abolição de uma prática artística antiga, vista
como burguesa e propunha uma nova. Assim podemos ver que dentro do modernismo
havia também uma semente de uma nova era, da criação de um novo tempo:

[um dos maiores impulsos do modernismo] Era desmontar a autonomia


institucional da arte, apagar as fronteiras entre a cultura e sociedade política e
retornar a produção estética para seu humilde, desprivilegiado lugar dentro das
práticas sociais como um todo.128

É nesse sentido que pensamos o mítico referenciado por Wesley, uma arte que busca
voltar ao mesmo tempo em que cria um espaço novo para habitar dentro do contexto
artístico-social. Pensando o mito como algo que articula o passado e o presente, para
uma visão do futuro, a arte moderna nos seus projetos de integração da arte com a
vida, busca trazer de volta a relação da arte com a vida, que foi separada com o
passar dos anos. Essa dimensão de totalidade, de um novo projeto que regeria a vida
como um todo, está no cerne da questão moderno e nisso reside seu mito.

Catálogo e Narrativa

Como observamos no capítulo anterior, por características específicas presentes nos


catálogos de Wesley, buscamos uma análise dos mesmos para poder entender como
eles se situam dentro de sua prática artística.

O catálogo dos “Os Trabalhos de Eros” guarda semelhanças com o catálogo do


“Triumpho de Maximiliano”, a começar pela capa, também executada num padrão que
lembra papel marmorizado. Ao abrimos o mesmo, temos uma foto do artista, quando
pequeno e uma citação de Octávio Paz: “Ser digno del niño que fuimos”. Como já
discutimos anteriormente, isso dá o tom da narrativa que depois veremos no catálogo.
Assim já temos de entrada uma citação literária que dá o tom que o trabalho persegue
uma retomada como filho, como criança, assim como a Era do Filho que Wesley
propõe.

No prosseguimento do livro, temos uma introdução e discussão dos temas da série por
Cacilda Teixeira Costa e nesse preâmbulo podemos ver o artista trabalhando em sua
série e alguns elementos utilizados na sua feitura, como uma foto do Grand Palais e
os esboços iniciais em xerox.

128
No original: was to dismantle the institutional autonomy of art, erase the frontiers between culture and
political society and return aesthetic production to its humble, unprivileged place within social practices as
a whole. (Eagleton citando Bürger, Capitalism, Modernism and Postmodernism, pg 61) Disponível em
http://www.sok.bz/web/media/video/EagletonPostmodernism.pdf Acesso em 30/09/2015
164

Passado o preâmbulo, temos o inicio das pranchas, com elas vemos um


desenvolvimento que parte da Memória até o Alquimista. No espaço entre essas duas
pranchas temos o resto dos trabalhos que formam o conjunto para a preparação para
anunciação da Era do Filho, como diz o subtítulo da obra. A última página, da mesma
maneira que no catálogo anterior possui os dizeres: “E começa uma nova era...”. Com
isso percebemos o trajeto narrativo proposto por Wesley com as imagens de seus
trabalhos, elencando diversas personagens que cuidam dos aspectos de um processo
criativo.

De certa forma, podemos enxerga essas personagens como uma alusão as musas, do
mesmo jeito que alude na figura da Memória como aquela que gera e dá a luz as
mesmas. O que parece diferir nesse contexto é a presença de figuras masculinas, ao
contrário das ninfas, com exceção da inicial, a memória.

Os personagens lidos a frente da obra de Wesley, nos parecem como personificações


de diversos aspectos presentes no mesmo. É como se tomando partido da Memória,
Wesley desmembrasse diversas características artísticas e as personificassem na
figura do infante presente nos frisos. Funcionaria como uma narrativa de autoanálise,
o trabalho realizado pelo artista não são feitos mirabolantes e prodigiosos, mas sim
uma separação de diversas facetas presentes no seu eu. Ao separar essas facetas,
lhe da diferentes corpos, corpos estes de infantes que simbolizam a nova era que
pretende trazer.

É nesse processo de anunciação que o artista retira de seu próprio percurso as fontes
que devem ser seguidas para a criação de uma nova era, a partir dessa retirada, tais
características assumem uma personificação própria, alheias ao artista, ainda que
nelas se espelhem. Análogo ao processo de fotografia, em que Wesley “recorta” das
frisas e as elege como corporificação de diversos personagens, suas atribuições
pertencem a uma visão do artista, mas aqui em prol de um visão mais global, referente
a sua nova era.

Olhando para o catálogo frente a afirmação de Wesley de que suas séries podem ser
lidas como Histórias em Quadrinhos, podemos enxergar a publicação como uma
espécie concretização dessa história. Como já debatemos anteriormente, numa
exposição a ordem como que vistamos a prancha, por mais que seja definida uma
configuração do espaço expositivo, o nosso modo de deslocar entre elas não privilegia
um percurso só, tendo cada um definindo o seu próprio percurso. A própria
experiência de ter as telas num espaço nos faz vê-las num conjunto. Ao contrário da
nossa apreciação numa publicação, que por meio de sua característica própria, do
virar de páginas, na disposição de duas páginas de cada vez para o leitor/espectador
temos uma visão de leitura guiada pelo próprio artista, com a aparição de cada
trabalho numa ordem definida que culmina para a nova era apontada na última página.

Com o catálogo em mãos, é como se realizássemos os 12 trabalhos propostos para o


artista, a cada imagem acrescentando mais uma figura para que no fim da publicação
a anunciação se complete e a nova era, a Era do Filho é presente.
165

Figura 60: A Memória de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
166

Figura 61: O Músico de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte: Catálogo
“Os Trabalhos de Eros”.
167

Figura 62: O Poeta de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte: Catálogo
“Os Trabalhos de Eros”.
168

Figura 63: O Cantor de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte: Catálogo
“Os Trabalhos de Eros”.
169

Figura 64: O Desenhista de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte:


Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
170

Figura 65: O Mago de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
171

Figura 66: O Escriba de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte: Catálogo
“Os Trabalhos de Eros”.
172

Figura 67: O Escultor de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
173

Figura 68: O Pintor de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
174

Figura 69: O Geômetra de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de
Eros”.
175

Figura 69: O Geômetra de Wesley Duke Lee. Fonte: Catálogo “Os Trabalhos de
Eros”.
176

Figura 70: O Geômetra de Wesley Duke Lee e o Friso Correspondente. Fonte:


Catálogo “Os Trabalhos de Eros”.
177
178

Conclusão
Tendo passado por todo esse percurso, observado diferentes trabalhos de Wesley,
podemos tirar algumas conclusões. Notadamente, na poética do artista existe uma
preocupação com sua relação frente a história (aqui pensada em termos gerais que
compreendem tanto a artística, quanto a cultural, política,etc.). Essa preocupação
toma forma como o jeito como o artista se posiciona frente a todo contexto histórico.

Podemos identificar uma ansiedade frente a essa carga histórica, em que o artista
busca organizar diversos fragmentos históricos numa narrativa coerente para si. A
criação de uma narrativa em seu trabalho parece sempre obedecer um principio do eu.
Isso é dizer, que Wesley parte sempre do individual para atingir o coletivo. Suas
buscas estéticas almejam um contato com o mundo, mas esse contato sempre parte
primeira da investigação pessoal, para depois chegarmos numa perspectiva coletiva.

Wesley parece ser fruto de uma geração entre tempos, como ele mesmo disse uma
geração tardia. Possui uma busca por um tempo que já havia passado quando sua
formação começou. No contexto histórico, vemos como pertencente a uma geração
que toma corpo quando as grandes vanguardas já haviam tido seu ápice (ou fracasso,
dependendo do interlocutor). Assim, o vemos como alguém é deixado num campo tão
amplo de possibilidades, que disso surge a necessidade de criar seu próprio caminho.

No contexto artístico brasileiro, construiu sua obra quase solitariamente. Haviam


companheiros e amigos, é claro, mas sua pesquisa poética sempre se enveredou por
caminhos muito pessoais, que por força da fortuna, ocasionalmente cruzavam com as
tendências no circuito artístico.

O que enxergamos e podemos analisar é que em sua poética, Wesley costuma


sempre levar em conta o passado da prática, seu trabalho não se insere numa ruptura,
mas sim num lugar de reconciliação, de trazer questões antigas para a baila
contemporânea. Em seus próprios dizeres: “Porque pintura tem lei, para quem pensa
que não tem, não sabe, tem lei! E tem que obedecer a lei, senão não prestar o
quadro”129. Na fala fica claro a preocupação de Wesley na inserção de sua obra dentro
do continuo da história da arte, não rejeitando-a, mas tentando trazer sua concepção
para dentro do cânone.

129
Disponível no vídeo “Wesley Duke Lee” de Roberto Sandoval, 07’29 min. A fala de Wesley se
encontra ao redor dos quatro minutos.
179

Nos dois trabalhos aqui discutidos, “O Triumpho de Maximiliano I” e “Os Trabalhos de


Eros”, vemos como Wesley trabalha com recursos, tempos e a memória presentes
nesses artefatos que decide reinterpretar para trazer em sua poética. Busca assim,
navegar o enorme contínuo que é a história e por consequência a história da arte. Sua
posição, digamos assim, primária nesse aspecto é de um artista catalogando o
passado e disso construindo sua poética. Podemos enxergar semelhanças em seu
processo coma a introdução que Aby Waburg faz do seu Atlas Mnemosyne:

A obrigação de confrontar-se com o mundo das formas constituídas por valores


expressivos já cunhados – provenientes ou não do passado – assinala a crise decisiva
para cada artista que intenta afirmar sua própria personalidade. A ideia de que
precisamente esse processo tenha significado extraordinário, até então ignorado, para
a formação dos estilos do Renascimento europeu nos levou à hipótese que
denominamos Mnemosyne. Antes de mais nada, Mnemosyne deseja, com sua base de
material visual, ser um inventário de pré-cunhagens documentáveis que propuseram a
cada artista o problema da rejeição ou então da assimilação dessa massa compressora
de impressões (WARBURG, 2009, p. 128)

Essa problemática, nas palavras de Waburg, está presentes na obra de Wesley, como
podemos ver o jeito que escolhe as gravuras presentes no “Triumpho” ou os frisos dos
“Trabalhos”. Mas além de estar ligado a uma questão histórica, se podemos dizer
assim, existe ali uma presença de um discurso do artista, de uma narração de um eu-
poético que é o prisma por quais todas essas assimilações ou rejeições passam.

Afirmamos ser um prisma no sentido que a poética de Wesley possui uma carga muito
forte de um personagem que podemos enxergar como parte do seu ser. De fato, num
nível fundamental, todas as obras feitas por artistas partem de um eu, de um ser
único, já que de alguma forma elas perpassam e se originam de um ser, único. O
sentido que buscamos nesse caso é que durante o seu percurso artístico, Wesley cria
um discurso onde é protagonista, num sentido de ser fazedor das ações, ou de ter
ligação com os conteúdos propostos.

A figura de Wesley é um personagem dentro de seus próprios trabalhos, assumindo


diversas facetas, se mantendo oculto em outras, mas sempre presente na narrativa
que cria com suas obras. Partindo da afirmação do próprio artista, a respeito de suas
obras serem histórias em quadrinhos, percebemos o desenrolar dessa história desde
do começo de sua carreira, na figura do Templário, até os Trabalhos de Eros, que
parecem culminar diversas perspectivas trabalhadas ao longo dos anos.

Em o “Triumpho de Maximiliano” vemos essa personagem agir em dois focos, primeiro


como alguém que orquestra, que está presente na procissão triunfal. É difícil nós não
entendermos Maximiliano como um reflexo de Wesley, com um ato de soberba, ainda
que irônico. O seu triunfo é talvez ser aquele que viveu depois do Imperador e disso
poder tirar proveito da obra feita por sua vontade. O outro foco é a relação da modelo
com aquele que a desenha, o material literário que temos nos títulos alude para
algumas situações que parecem ser fruto da relação entre esses dois personagens.

Já nos “Trabalhos de Eros”, a posição desse agente narrativo é reflexiva. Os doze


trabalhos apresentados forma um conjunto de personificações de habilidades que
180

aparecem na sua poética. Para além de um catálogo de qualidades inerentes de um


artista, ali estão representados fundamentos essenciais para a criação de algo, no
caso uma nova era. Nisso percebemos uma diferença entre os dois trabalhos, em
“Triumpho” o escopo é ainda pessoal, tem relação com o imperador alemão, mas ao
mesmo tempo diz respeito a qualidade pessoal, da relação entre o artista e a modelo.
Já nos “Trabalhos”, Wesley toma como partido uma reflexão pessoal e estende para
além do discurso que só remetia a ele, principalmente. A base continua sendo suas
próprias concepções pessoais, mas agora tem um sentido de edificação comum, de
uma base para algo que vá além de sua narrativa pessoal.

Nisso podemos perceber a transformação de Eros. Em o “Triumpho”, enxergamos


Eros como a figura feminina, que torce, brinca, faz pose, usa apetrechos. É a
representação tanto da volúpia, da tensão sexual, quanto da anima, o lado feminino
presente nos estados psíquicos masculinos. Já nos “Trabalhos”, Eros assume uma
forma que sintetiza essa dualidade, ele já não é mais a relação do artista-protagonista
com seu reflexo feminino, ele assume uma forma que é a junção de ambas as partes,
na forma de um infante, da mesma forma que Eros, a divindade grega é
costumeiramente representada. Podemos assumir que as figuras ali representadas
nos frisos e nas telas de Wesley são do sexo masculino, por força das representações
históricas, mas isso seria se prender a um certo materialismo e não se atentar ao
discurso do artista. O filho que surge para a nova era é a criança, a junção do pai e da
mãe, aquele que carrega em si ambas as partes e também a promessa de
desenvolvimento e um futuro diferente.

Uma diferença interessante que pode ser percebida quando confrontamos os dois
trabalhos é como a fotografia assume um papel definitivo em “Trabalhos”, ao passo
que no “Triumpho” ela ainda é relegada a um plano mais secundário. No “Triumpho”, a
foto permeia diversas partes constituintes do todo, na própria fala de Wesley é
assinalada sua importância, dizendo do “tempo da Polaroid” e do “tempo Kodak”,
porém ambos os tempos e tipos de foto são reinterpretados pelo desenho, que é o seu
“tempo último”. Somente temos resquícios de uma foto pela adição de sua foto-
reprodução em xerox. Já em “Trabalhos”, a foto e a reprodução em grande escala
tomam a centralidade do trabalho, o artista ainda concebe intervenções na foto, mas
tudo acontece num segundo plano, a questão principal são as fotos que foram
manipuladas digitalmente.

É quase uma inversão nos processos poéticos, primeiro temos o auxílio de fotos de
diversas fontes que são reinterpretados pelo desenho do artista. Aqui a foto é um
suporte para um trabalho posterior, servindo às vezes de “anexo” na composição do
todo. Posteriormente a foto toma a centralidade do processo, relegando as alterações
manuais para um momento secundário. A transição da fotografia de “apoio” para o
“centro”, talvez reflita o processo de construção dos “Trabalhos”, sua fonte é algo
concreto, no sentido de ser uma construção material no mundo, de certo as gravuras
de Burgkamir e Dürer também existem de uma forma concreta no mundo, mas que
seu valor julgamos estar na sua possibilidade de reprodução, sua constituição pende
para um “virtual”, uma imagem que se replica através dos séculos. No caso dos frisos,
a presença é material, e assim o artista opta por usar uma técnica que reflete essa
181

materialidade, na forma de um índice fotográfico. Wesley dialoga com a materialidade


da origem das imagens, altera ao mesmo tempo em que reforça suas características.

Nisso percebemos, como foi dito anteriormente, como Wesley navega a torrente de
imagens que fazem parte do material de seu trabalho. A presença fotográfica é algo
que ajuda na reorganização desse material e podemos enxergar nela, não só na
poética do artista, mas para a história da arte do século XX como o signo essencial da
prática artística. A obra de Wesley se coordena numa realidade que a presença
fotográfica é massiva, e é nisso que floresce sua poética, num campo quase infinito de
imagens.

Podemos estabelecer uma ligação com os trabalhos, na forma como Wesley organiza
os respectivos catálogos. Ambos possuem esquemas gráficos parecidos, levando-nos
a pensar numa continuação entre os trabalhos. De certo, essas semelhanças partem
de uma poética em comum, que percorre todo o trabalho do artista, mas enxergarmos
aqui uma reinteração de princípios em comum, aplicados a diferentes trabalhos. Com
isso, quando temos a possibilidade tê-los em mãos, adentramos ao folhear um mesmo
mundo de possibilidades, uma narrativa da qual temos alguns capítulos concretizados
na forma de uma publicação.

Figura 71: Diagrama com as Capas, Contra Capas e Folhas de Rosto dos Catálogos
“O Triumpho de Maximiliano I” e “Os Trabalhos de Eros”. Fonte: Montagem do Autor.
182

Talvez o maior diferencial dessas obras, e o que de certa forma justifica nosso
interesse no conjunto, é a extensão que ele abarca e a posição, por assim dizer, que
os trabalhos assumem diante toda produção do artista. O fato de ambos serem séries
relativamente longas nos dá a oportunidade de ver Wesley trabalhar com assuntos,
motivos, temas de uma forma profunda, com grandes ligações com sua poética.
Sendo também um trabalho de seu período maduro, encontramos o artista totalmente
imerso em suas questões, de certa forma, com um refinamento maior de diversas
ações que fez durante a carreira. “Triumpho” é um trabalho que praticamente foi
concebido ao longo do desenvolvimento de sua carreira, de um estágio ainda
fervilhante, em pleno contato com o contexto artístico da época, com um vigor juvenil
(no sentido de idade e sem demérito), ele abarca diversos períodos até ser finalizado
no fim da década de 1980, acompanhando todos os embates, desenvolvimentos,
conquistas que o artista passou durante esse tempo todo.

Esse escopo é que tomamos como de suma importância para o estudo dessas obras,
porque nos permitem olhar para o restante de sua produção poética e identificar
padrões, motivos recorrentes que são tratados de diferentes formas ao longo dos anos
e em “Triumpho” recebem um grande tratamento, quase que como a culminação de
um longo processo de anos, onde as preocupações iniciados lá com sua série de
“Templários”, “Ligas” e o “Chefe”, tomam um corpo alargado na forma do Imperador,
seu cortejo e as modelos.

Essa ressonância com trabalhos antigos é presente também em “Trabalhos”, que na


nossa visão, parece se referenciar não só ao largo de sua produção, mas como uma
ação que parte diretamente de o “Triumpho”. É como se em o “Triumpho” delimitasse
todo o campo necessário para que os “Trabalhos” surgissem. Um trabalho de grandes
articulações e temas, que é campo fértil para o surgimento de outro, que mantém a
ligação, mas desenvolve outras questões.

Com isso vemos ambos os trabalhos intimamente ligados, e não pensamos numa
lógica positivista, de que após diversas interações temos como produto um trabalho
melhor, mas sim a posição de um artista já maduro que parece ter em suas
capacidades a ação de coordenar diversos pontos que para nós nos parecem
dispersos ao longo de sua obra e partindo disso condensa-os em um trabalho que
serve de um espaço denso para desenvolvimento seguinte de sua poética. Numa
analogia rasa, e peço perdão desde já por ela, é como se Wesley resumisse diversas
de suas questões em “Triumpho” e à partir desse resumo criasse novos trabalhos,
tendo essa condensação como base.

Além da preocupação que podemos dizer histórica, sua obra também nunca recuou
frente a desenvolvimentos técnicos. O uso de diversos materiais, tais como xerox,
Polaroid, vídeo, Scannaprint, servem como mais um elemento adicional no grande
panteão técnico. Como se a função do artista não fosse de recusar elementos antigos
ou novos, mas de trazer todo e qualquer desenvolvimento técnico para dentro de uma
prática que se inscreve numa história da arte. Wesley não rejeita avanços técnicos,
mas vê neles novas possibilidades que se integram as já consagradas.
183

Concluímos assim que as obras aqui analisadas apresentam questões que percorrem
toda a obra do artista, servindo como pontos focais na discussão de temas presentes
em sua poética. Wesley, em seu percurso artístico buscou criar uma mitologia própria,
na qual trouxe elementos da sua vida, reinterpretados em suas obras, num percurso
aliado a tecnologia, trouxe o passado para o presente, e disso propôs uma nova era.

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188

ANEXO I 130

130
Presente nesse anexo, uma reprodução do catálogo na sua ordem de leitura.
189
190
191
192
193
194
195
196
197
198
199

ANEXO II 131

131
Presente nesse anexo, uma reprodução do catálogo na sua ordem de leitura.
200
201
202
203
204

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