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MORRISON, Wayne – Filosofia do Direito – dos gregos ao pós-

modernismo

Capítulo 2. Origens: a Grécia clássica e a ideia do direito natural

A filosofia se desenvolveu a partir da mitologia. Platão e Aristóteles defendiam


que existia uma ordem natural inerente ao mundo. Se estes princípios fossem
conhecidos, esta ordem poderia constituir as bases da ordem social do homem.
O contexto da filosofia grega clássica foi o desenvolvimento da cidade-estado.
Na época, os gregos costumavam descrever o mundo em termos polares
(móvel/imóvel, claro/escuro, terra/céu, etc.), isso incluía a lei: legal/ilegal.

Em A República, Platão estabeleceu um regime de Estado ideal, onde o regime


jurídico produz qualidade de vida. As tensões da vida social devem ser
equilibradas, para tal, o conhecimento genuíno é oriundo de um exercício que
ultrapassa os sentidos. Mito da caverna (não escrevi porque todo mundo sabe).
Platão argumenta que só se pode ser racional na vida prática mediante o
conhecimento do “outro” domínio e que o verdadeiro conhecimento só é útil
quando puder ser aplicado à prática. Para os sofistas, o conhecimento
verdadeiro não existia, pois ele, tal como as coisas, se modificava e somente
seria adquirido através de experiências.

Platão: o Estado ideal é aquele fundado na justiça e onde todos os cidadãos


são felizes. A justiça é o que é necessário para o funcionamento do bem
comum. O problema da democracia, assim, é que, através da liberdade, todo
indivíduo é livre para agir como bem lhe aprouver. Platão, assim, não via com
bons olhos o pluralismo e a diversidade. A função do direito é garantir o bem
comum de toda a sociedade, não de somente uma ou outra classe. O que
garante a República é a educação a fim de controlar paixões e desenvolver
aptidões – não necessariamente transferência de conhecimentos. Esse sistema
é autoritário porque não tem como intenção incentivar questionamentos à
ordem social. Se uma pessoa não consegue desenvolver o papel social que
estrutura sua vida, a continuidade de tal vida perde todo e qualquer sentido. A
opinião da pessoa é irrelevante, mera subjetividade em desarmonia com a
realidade objetiva. Na República ideal, os governantes ou guerreiros são
aqueles que concluíram com êxito a educação. República ideal: (i) unidade
do Estado é suprema; (ii) esse estado de coisas não é mantido
fundamentalmente por leis e normas, mas pelo caráter dos Guardiães
(guerreiros e governantes) e pelo sistema educacional geral que produz
os Guardiães e outros; (iii) os Guardiães não hesitam em comandar e usar
os recursos de que dispõem em vista a manutenção dos interesses do
Estado. Para Platão, existem certos critérios morais absolutos que devem ser
incorporados a um código jurídico através do qual as pessoas devem viver em
total e incondicional obediência. Na República organizada, o cidadão
encontrará felicidade em cumprir suas tarefas naturais.

Aristóteles: para o autor, ao invés do idealismo puro de Platão, deve-se voltar à


atenção ao mundo e ver, numa concepção de ordem natural, como as coisas
funcionam. A existência social é natural, e não um compromisso forçado.
Está na natureza humana viver em sociedade. A cidade-Estado serve não
somente para satisfação de necessidade material, mas pela satisfação da
necessidade humana de vida conjunta. Para Aristóteles, a felicidade é sumo
fim, aquele que satisfaz todas as exigências da ação humana. A felicidade é a
concretização da função distintiva do ser humano. Chega-se a ela a partir do
momento em que se age de maneira virtuosa, a qual se caracteriza pelo
equilíbrio, ou seja, evitar qualquer extremo. Levar uma vida virtuosa não
significa negar ou rejeitar nenhuma das aptidões naturais do homem, mas
sim mantê-las sob controle. Ademais, a justiça é a principal das virtudes. A
justiça pode ser distributiva ou corretiva. A segunda é aquela que procura
corrigir transações privadas, pondo fim a disputas e punido infratores. A
primeira é o direito a uma parte dos bens sociais relativa à função que a
pessoa exerce no corpo social (princípio da igualdade proporcional). Se as
pessoas são iguais, devem ter partes iguais; se são desiguais, devem ter
partes desiguais. Para Aristóteles, o homem livre participa da criação política
das leis, sendo o direito um instrumento de ordem livre e natural, uma espécie
de subseção da política. O filósofo acreditava em leis naturais que regiam a
vida moral e política, sendo as leis positivas uma questão de convenção. Uma
lei moral, porém, deve ser tão racional em sua natureza quanto uma lei
científica.

Capítulo 4. Tomas Hobbes e as origens da teoria imperativa do direito: ou mana


transformado em poder terreno

O USURPADOR MAQUIAVEL: UMA PRIMEIRA TENTATIVA DE INFRINGIR A


CONCEPÇÃO RELIGIOSA DO DIREITO NATURAL

Maquiavel é conhecido por duas obras um tanto contrastantes: Discursos, em


que prega que uma organização republicana livre na qual um espírito unificador
dos fins era evidente e apresentado como capaz de produzir uma nova
individualidade – virtu -, uma ética livre da moral tradicional. O Príncipe, por sua
vez, recomendava que um monarca absolutista deve ser capaz de grandes
imposturas para se manter no poder e impor sua vontade. O príncipe deve
ignorar o fato de suas ações serem consideradas virtuosas ou corruptas; ao
contrário, deve fazer o que quer que for necessário à situação em que se
encontra, de modo que obtenha sucesso da maneira mais rápida e eficiente
possível. Maquiavel rejeita a teologia e filosofia aristotélica, afirmando que as
leis são buscadas em seus próprios termos, e não através de metodologias
subordinadas à religião. O príncipe precisa ter a capacidade – virtu – da
instransigência para ser bem-sucedido. Sem relação com a virtude cristã, a
virtu é aquela autoconfiança e firmeza de convicções que permite que o
príncipe domine a fortuna.

A IMAGEM ELISABETANA DO COSMO COMO UMA CADEIA ESTÁVEL DE


SER

Talvez o verdadeiro deságio colocado por Maquiavel tenha sido a necessidade


de se defrontar com o papel da força e da coerção na política. Se não existe
harmonia natural no mundo, que garantias se tem de que o bem irá sobrepujar
o mal e de que a ética na política é um procedimento correto?

A DIALÉTICA DO MEDO E DO PODER QUANDO A CONCEPÇÃO MEDIEVAL


DESESTRUTUROU-SE

Em meio à Guerra Civil Inglesa, Hobbes escreveu o texto fundamental da


filosofia política inglesa, o Leviatã, fundando ao mesmo tempo uma filosofia
política dominante para a modernidade, o liberalismo político, e uma nova ética
social, a defesa dos próprios direitos. O mundo iria tornar-se um lugar para o
indivíduo buscar a satisfação de seus desejos, elaborar seus projetos
pessoais e sociais e dar-se conta de seu poder. Hobbes concordava com
Maquiavel quanto à existência de certas regras naturais que devem ser
observadas na criação de uma sociedade política bem-sucedida, e é
mediante a obediência a tais regras que o sucesso pode ser alcançado.

A RELAÇÃO DE PODER INERENTE À RELIGIÃO NATURAL COMPARADA


COM O PODER DO CONHECIMENTO

O naturalismo aceita uma orientação religiosa como parte da psicologia


humana: para Hobbes, a religião tinha por base o conhecimento da existência
de uma causa primeira e um sentimento de assombro e temor reverencial do
poder de tal causa em gerar o universo. No entanto, não podemos conhecer a
natureza da causa primeira e, quando examinamos diferentes sociedades,
nelas encontramos diferentes convenções relativas à expressão de assombro
de temor reverencial.

O PAPEL DO PODER E DO CONHECIMENTO NA OBRA DE FRANCIS


BACON: O CONHECIMENTO CONFERE PODER, MAS O VERDADEIRO
CONHECIMENTO PROVÉM APENAS DO MÉTODO EMPÍRICO

Bacon foi o precursor da tradição empírica inglesa. Para o filósofo, o


pensamento independente e especulativo tinha sua importância minimizada em
favor da compilação de fatos por meio da observação organizada e sistemática,
que resultava na criação de teorias. A fonte do verdadeiro conhecimento é a
natureza em si, e não a mente.
A ABORDAGEM CONTRASTANTE DE DESCARTES: O TESTE DO
CETICISMO E A TAREGA DE ERIGIR UMA ESTRUTURA RACIONALISTA A
PARTIR DE VERDADES INCONTESTÁVEIS

Descartes propôs um novo começo e uma nova metodologia para a aquisição


do conhecimento seguro: deveríamos erigir estruturas de conhecimento sobre
as bases daquelas entidades que sobrevivessem ao teste do ceticismo
absoluto.

Hobbes cria a figura do “soberano” para que decida de que modo o temor
reverencial a um poder desconhecido (Deus) deve ser expresso. Ao
transferir a fonte de luz da revelação divina para a razão e a natureza,
Hobbes tenta manter a autoridade de uma única fonte ao mesmo tempo
em que muda o domínio. Não precisamos mais deixar a caverna, uma vez
que agora somos capazes de indagar as sombras e as formas, as ilusões e os
processos das formas dessa vida. E a fonte principal das formas e imagens
deste mundo é a linguagem.

NO LEVIATÃ, HOBBES PROPÕE QUE O PODER CONFERE


CONHECIMENTO E QUE O SEGREDO DA ORDEM SOCIAL CONSISTE EM
CONTROLAR A INTERPRETAÇÃO DO CORPO SOCIAL

Em Leviatã, é o soberano quem tem o poder de determinar a natureza da


crença religiosa na sociedade. Hobbes nos exorta a rejeitar todas as formas
tradicionais de direito natural; substituímos as ideias tradicionais de télos em
favor de nossa própria auto-afirmação.

No entanto, todos os homens compartilham um incansável desejo de poder. Os


poderosos usam a religião para criar imagens de “leis” às quais acrescentam
narrativas imaginárias do futuro do mundo e do destino pessoal, uma vez que
“consideram-se os melhores para governar os outros e revertem, em benefício
próprio, o uso máximo de seus poderes”. Para reverter essa história,
precisamos de um novo começo que tenha por base os fundamentos da
“condição natural da humanidade”.

O DIREITO NATURAL SECULAR DE HOBBES

A natureza fez os homens mais ou menos iguais nas faculdades de corpo e


mente; os homens são iguais em sua esperança na obtenção dos fins. Os
homens desejam as mesmas coisas, mas há uma relativa escassez de
bens. Portanto, da igualdade das aptidões e desejos do homem surge a
diferença, isto é, a competição, a guerra civil. No estado natural, o próprio
fato da igualdade relativa da humanidade, situada em um mundo de
escassos recursos, resulta em tensão contínua, uma guerra de todos
contra todos, situação que deve ser reprimida, pois em tal condição, não
há lugar para o trabalho.
Os desejos e outras paixões do homem não constituem, em si mesmos,
pecado. Tampouco o configuram as ações que decorrem dessas paixões, até
que se deparem com uma lei que as proíba, o que não pode ser feito enquanto
não forem criadas as leis; e nenhuma lei poderá ser criada antes de se chegar
a um consenso quanto à pessoa que irá cria-la. Antes do poder de governar
não havia justiça, nenhum modo de diferenciar o certo do errado, o mal
do bem. No estado natural, nada pode ser injusto.

A paz da sociedade civil civilizada tem por base nossa compreensão da


potencialidade onipresente da violência da sociedade civil. O direito natural na
verdade consiste em um direito da condição natural no sentido de exercer um
poder básico e preservar a vida e a liberdade. O direito da natureza é “a
liberdade que cada homem tem de usar seu poder, do modo que lhe parecer
melhor, para a preservação de sua própria natureza. A liberdade é a ausência
de obstáculos externos que impedem um homem de usar seu poder conforme
o que lhe for ditado por seu julgamento e razão. Mas o homem se dá conta de
que precisa abrir mão de parte de sua liberdade natural para evitar a guerra do
estado natural.

A propriedade só se torna uma possibilidade por meio das regras do


direito. Não há nenhum direito natural à propriedade, uma vez que esta é
uma função da legalidade; consequentemente, a propriedade não é uma
coisa que se coloca contra o Estado, mas é por este criada. Todas as
limitações naturais nas quais a sociedade civil se fundamenta são criadas
pela disciplina e pelo funcionamento da lei.

A SOLUÇÃO HOBBESIANA PARA OS PROBLEMAS DA CONDIÇÃO


NATURAL: A CRIAÇÃO DE UM SOBERANO, UM SER ARTIFICIAL, UM DEUS
MORTAL

Os homens podem constituir-se em um só corpo – uma instituição – capaz de


julgar. O soberano será uma instituição, mas essa unidade é artificial – uma
criação. Na verdade, o soberano é uma instituição criada pelos poderes a
ele transferidos, pelos membros individuais da sociedade, para agir de
modo como lhe permitem os poderes dos quais se abriu mão. O soberano
é criado pelo evento do contrato social. O contrato social é a metodologia
que institui um “poder comum” que pacifica o corpo social e reduz todas
as suas vontades a uma única vontade.

O poder do soberano depende: a) da operação bem-sucedida do sistema que,


uma vez constituído, precisa funcionar de maneira uniforme. O bom
funcionamento da justiça assegura que os homens não abandonem a condição
da sociedade civil e retornem à condição natural, o que eles não fazem por
reconhecerem que não é de se interesse próprio fazê-lo; b) depende do povo
compreender a base racional da existência e dos direitos do soberano.
CAPÍTULO 6 – Immanuel Kant e a promoção de uma modernidade racional
crítica

PUREZA E AUTONOMIA COMO PRINCÍPIOS DO MODERNO

A filosofia de Kant estabelece a diferença entre as concepções do certo e


do bem, e enfatiza o primado do certo sobre o bem. O liberalismo
deontológico de Kant nos pede para considerar que a humanidade é formada
por indivíduos independentes e morais, capazes de orientar-se racionalmente
ao longo das experiências da vida.

EM RESPOSTA A HUME

Contra Hume, Kant argumentou que a razão pura podia transmitir


conhecimento verdadeiro sobre o mundo, e que nossas concepções morais
corriqueiras pressupunham, racionalmente, que algumas coisas eram
puramente certas em e de si mesmas, enquanto outras eram erradas.

O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA RACIONAL SERIA O GUIA DA


MODERNIDADE

O homem moderno poderia livrar-se das amarras com o passado e descobrir


sua verdadeira “humanidade” ao desenvolver fins e atividades auto-impostos, e
não naturalmente condicionados. A dignidade e singularidade do homem
encontram-se em sua capacidade de usar a razão; esta é uma capacidade que
todos os homens compartilham enquanto seres racionais, e que lhes permite
extrapolar os limites de seus padrões locais ou comunitários de crenças
socializadas.

RECONHECER OS TIPOS DE CONHECIMENTO, CADA QUAL COM


DIFERENTES PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS

Todo conhecimento racional é de dois tipos: ou material, e preocupado com


algum objeto, ou formal e preocupado exclusivamente com a forma do próprio
entendimento e da própria razão – com as regras universais de pensamento
enquanto tais. Kant fazia distinção entre as formas a priori do entendimento e o
conteúdo sensório a posteriori da experiência.

Nosso comportamento racional não ocorre passivamente, mas é


resultado da participação ativa da mente atuando de acordo com o que
Kant chama de ideias reguladoras. Nossas interações morais são regidas
pela razão prática; na razão prática, a ligação entre vontade e razão é tal
que a vontade é a faculdade de agir de acordo com uma ideia reguladora
chamada direito. A operação da vontade em face do “direito” é o
engajamento ativo no domínio da ação prática de nossa capacidade
racional com ideias reguladoras.
O IMPERATIVO CATEGÓRICO

Podemos criar regras sobre o certo; podemos determinar o que a natureza


exige de nós. As exigências fundamentais da moralidade são concebidas de
modo que façam parte da própria estrutura da racionalidade; segue-se, então,
que as exigências morais devem, a priori, ser reconhecidas por todos os seres
racionais como obrigatórias. Kant argumenta que as únicas regras aceitáveis
são aquelas que todos poderiam adotar.

DEFININDO A ONTOLOGIA DO AGENTE RACIONAL

O homem vacila entre dois modos de ação e encontra-se realmente separado


do mundo empírico natural das aparências, ou do mundo político que lida com
os desejos materiais da humanidade. Ele pertence a dois domínios – o
empírico e o ético-moral.

A obra de Kant procura fundar a modernidade na universalidade, no sentido de


que se preocupa em destruir as limitadas concepções substantivas das
respostas morais condicionadas que provêm da socialização, por parte da força
retórica da racionalidade universal do homem.

Aquilo que está ligado às inclinações e necessidades humanas gerais – algo a


que podemos chamar de bem – tem um preço de mercado. Aquilo que, sem
pressupor nenhuma necessidade, corresponde a certo gosto, isto é, com o
prazer no mero jogo sem objetivo de nossos meios e recursos, tem um preço
efetivo. Mas aquilo que constitui a condição sob a qual somente alguma
coisa pode ser um fim em si mesmo não tem um mero valor relativo, isto
é, um preço, mas sim um valor intrínseco, isto é, dignidade. A isso
podemos dar o nome de certo. A moralidade é a única condição sob a
qual um ser racional pode constituir um fim em si mesmo.

CONTRASTE ENTRE O CERTO E O BEM: A CRÍTICA AO UTILITARISMO

O legado de Kant contém um ataque central ao utilitarismo.

A liberdade não é a falta de coerção, mas uma forma particular de


coerção. Para o homem, o verdadeiro estado de liberdade encontra-se em
sua sujeição à lei moral que ele próprio se outorga, e atinge seu ponto
mais alto quando o homem reconhece a necessidade dessa lei e sua
absoluta autoridade sobre as ações do agente racional.

O progresso do social só pode ser estruturado pelo estabelecimento de normas


éticas reguladoras – na aceitação e articulação comunitária dessas normas a
orientação racional do homem enquanto ser social se vê afetada, e a
expressão resultante dá a conhecer a concretização expressiva da dignidade
humana.
Kant postula que a sociedade avança para a constituição de uma comunidade
ética mundial em que o processo da criação de uma comunidade política
constitui o primeiro passo. Há duas áreas nas quais o progresso deve ocorrer:
a) o progresso na política e no desenvolvimento de um sistema jurídico
mundial; b) o progresso na ética e na correspondência entre a criação interna
(ética) de leis e a criação externa.

A condição jurídico-civil apresenta uma estrutura externa, criando


compromissos que demonstram, através dos instrumentos coercivos formais, o
modo como os indivíduos vão agir de maneira legítima. Kant, porém, via essa
sociedade como uma estrutura frágil, que dependia dessa lei artificial para unir
os diferentes impulsos que, de outro modo, ameaçam fragmentá-la. Nessa
etapa, o funcionamento da lei consistia em manter a coesão de um grupo de
pessoas socialmente desunidas através da moderação e do controle das
reivindicações individuais.

A comunidade ética, que com o tempo – assim espera Kant – virá substituir a
comunidade política, não pode basear-se em leis coercivas, como aquelas da
condição política, uma vez que, para a comunidade ética, o conceito mesmo
implica isenção da coerção.

Capítulo 12. A teoria pura de Hans Kelsen

A pureza da sua teoria vem de dois sentidos: (a) livre de qualquer consideração
ideológica, não emitindo juízo de valor e analisando a norma jurídica sem
qualquer concepção da natureza do direito justo; (b) o estudo sociológico da
prática do direito e o estudo das influências políticas, econômicas ou históricas
sobre o desenvolvimento do direito ficam além da esfera de ação da teoria
pura. A ideia é de o que é o direito e não o que deve ser o direito, ou seja, para
Kelsen, trata-se de ciência e não mera política.

A teoria pura é estritamente formalista. O Estado, para Kelsen, se converte


numa ordem jurídica, mas, assim como não se trata de uma ordem jurídica que
desempenha automaticamente alguma funcionalidade determinada pela ordem
natural das coisas, tampouco se pressupõe que incorpore nossos anseios e
esperanças. Desta forma, a justificativa do Estado não está no direito. Assim,
o direito é uma estrutura de coerção, um sistema hierarquizado de
normas não-morais que determinam as condições através das quais os
agentes do Estado são habilitados a impor sanções.Para o autor, a
sociedade é distinta da natureza e ele faz essa ressalva, dado que o caráter
distintivo da humanidade é a capacidade de emitir normas e viver de acordo
com elas.
Estrutura da Teoria Pura: para Kelsen, o sistema jurídico é completamente
autônomo, auto-suficiente e hierarquizado. O ponto de partido é a distinção
entre o “ser” e o “dever ser” do direito, assim, a teoria pura seria a descrição da
estrutura jurídica existente, o “ser” da concepção kelseniana da ciência
jurídica consiste numa descrição de proposições de “dever ser”
(jurídicas, não morais). A ordem jurídica consiste num sistema de
proposições de dever-ser. As regras, para o jurista, são as características
observáveis de um sistema normativo (regras de escrita, por exemplo). Assim,
as regras são as características de superfície do direito, e as normas sua
essência interior. Assim, normas jurídicas são um grupo específico de
normas, especificadas por: (i) uma norma é, em essência, uma diretriz para as
ações – pode impor um dever, mas também equivaler a uma permissão; e (ii)
enquanto as normas morais são meras proposições que descrevem nossas
preferências comportamentais subjetivas – sendo, portanto, impossível
demonstrar objetivamente a existência do direito natural -, as normas jurídicas
são institucionalizadas, o que significa que são dotadas de caráter subjetivo e
objetivo.

Natureza específica da norma jurídica: direito é uma ordem para


comportamento humano que é criado por método específico, qual seja: (i)
metodologia coercitiva que opera através do uso sistemático de sanções; e (ii)
aplicada por agentes ou funcionários autorizados pela ordem jurídica a aplicar
sanções. Assim, direito não é apenas proibitório, mas também permite que
pessoas estabeleçam relações sólidas, tal como a feitura de um testamento. O
direito é a norma básica que estipula a sanção, e essa norma não é
contestada pelo delito do sujeito que, ao contrário, constitui a condição
específica da sanção. Assim, uma boa descrição do direito exige que tudo que
identificamos como direito possa ser convertido em enunciados do tipo: “se
uma pessoa faz X, uma autoridade Y deve aplicar uma sanção Z”.

Faculdades interpretativas do direito: coletâneas de leis ou precedentes


judiciais são um esquema de interpretação, isso significa que a teoria da
validade jurídica é hierárquica de busca de origens. Uma norma é válido
porque parte de outra superiores, até se deparar com a Grudnorm, ou norma
básica, a qual confere validade a todo o ordenamento jurídico. Fala-se,
portanto, numa cadeira de autorização, uma vez que somente as normas
podem validar outras normas, a validade de uma norma é estabelecida
quando a situamos no contexto de uma hierarquia de normas. Tal circuito
acaba chegando na norma básica que dará validade às demais. Ela não é a
Constituição, “a norma básica é a de que os atos devem ser praticados nos
termos da (historicamente) primeira Constituição, e não da primeira
Constituição (documento factual)”. Não há autoridade para determina-la, ela é
pressuposta. Em resumo, este é um processo de busca da fundamentação
da juridicidade no qual: (i) a norma jurídica não é fenômeno empírico (não
é alguma coisa escrita, por exemplo); ao contrário, é um fenômeno
inteligível imputado à estrutura empírica da ordem jurídica, e dá uma
diretriz que inclui a permissão para que uma autoridade aplique uma
sanção em determinadas circunstâncias; (ii) as autoridades do sistema
constituem o sujeito principal das normas jurídicas; (iii) as atividades
empíricas dos cidadãos que fazem funcionar o sistema jurídica na
verdade não infringem as normas jurídicas; em vez disso, praticam
delitos, eventos factuais que atendem às condições que dão origem à
aplicação oficial de sanções; (iv) as normas jurídicas só podem ser
validade por outras normas, que são de abrangência mais geral. Esse
processo leva, potencialmente, ao infinito; para interrompê-lo, devemos
postular a existência de (v) uma norma básica final que não dependa de
outra norma para ser válida. Isso organiza o sistema e confere unidade à
ordem jurídica. Até 1963/67, Kelsen descrevia norma básica como um
postulado teórico. Posteriormente a define como uma regra pressuposta pelo
“cientista jurídico”. Com esta mudança, alguns críticos afirmam quem a norma
passa a ser uma ficção que corrompe a pureza da teoria, a teoria de Kelsen se
autodestrói.

“A eficácia de toda a ordem jurídica é uma condição necessária à validade de


cada norma da ordem, uma condição sinequa non, mas não uma condição per
quam. A eficácia da ordem jurídica como um todo é uma condição, e não a
razão da validade de suas normas constituintes”. Isso significa que a mera
existência de um conjunto de normas em operação numa sociedade não
assegura que haja um conjunto de leis válidas nesta sociedade, fatos de
eficácia não significam validade. Em suma: não se pode ter validade sem
eficácia, mas é possível ter eficácia sem validade. Portanto, a eficácia não
é uma condição suficiente para a validade de uma ordem jurídica, mas é
uma condição necessária.

Existem outras questões metodológicas. Algumas normas, por exemplo, dão


grande poder discricionário ao juiz (sentenciador), trazendo necessidade de
elementos além do positivismo puro.

O positivismo jurídico foi definido em três características: (i) o argumento


de que o direito é uma criação humana; (ii) a afirmação de que nossa
análise do direito acompanharia as metodologias bem-sucedidas nas
ciências naturais, isentas de valores, sendo a filosofia jurídica uma busca
da verdade “realista; (iii) o conceito de direito não implica nenhuma
afirmação moral substantiva, ou seja, empiricamente o direito pode
apresentar/representar qualquer posição ideológica ou moral. Assim, o
positivismo possui três sonhos teóricos: distância, transparência e
controle.

“A Teoria Pura só é compreensível enquanto metodologia capaz de iluminar


aspectos da ferramenta; a ferramenta que é o direito na tarefa de viver e criar
sociedades plenamente humanas. Na modernidade, não há nem resposta a
essa busca nem garantias metafísicas; todavia, o fato de não podermos chegar
a uma autoconsciência plena dessa tarefa não é motivo para abrirmos mão de
sua busca racional”.

Capítulo 13. O ponto alto do positivismo jurídico: H. L. A. Hart e a teoria do


direito como um sistema auto-referencial de regras

A obra The Conceptof Law representa o apogeu do positivismo e da


modernidade organizada. Hart substitui as imagens de poder e violência
(coerção de Kelsen) pela concepção do direito como um sistema de regras
sobre as regras, de práticas sociais informadas por seus próprios critérios de
validade e obrigação normativa. O argumento de Hart era: o positivismo
anterior compreendera mal a natureza obrigatória do direito, vendo a
legalidade como algo politicamente imposto a uma ordem social, que
assim não fosse seria caótica, a fim de estruturá-lo, enquanto a legalidade
era algo que se desenvolvia de modo evolutivo, através de um complexo
e cada vez maior sistema de diferentes tipos de regras.

Para elaborar sua teoria, Hart retorna a John Austin. Critica-o ao afirmar que
ele não foi capaz de entender complexidade da legalidade, pois o direito
austiniano é a imagem de uma pessoa ou grupo impondo sua vontade a outro.
Austin também não explica como se origina o direito, para Hart, o costume
(direito de baixo para cima) não encontra respaldo na teoria de Austin.

Hart adotava a filosofia lingüística, principalmente a de Wittgenstein. Para este


último filósofo, quando alguém emprega a palavra faca, por exemplo, tem em
mente uma imagem intuitiva de faca essencial e aplica a palavra faca a objetos
dependendo se eles se aproximam ou não desta noção de faca ideal. Ele
afirma, ainda, que a linguagem constrói a realidade social, o que leva à
compreensão de que as palavras só têm os significados exibidos porque
inseridas em uma prática social, é o que se chama de jogos de linguagem.
Assim, Hart transplanta essa ideia para o direito, ao examinarmos os modos
como usamos termos relativos ao direito (direitos, deveres, etc.) podemos intuir
seu verdadeiro significado. A afirmação de que regras (como o direito) só
podem ser entendidas mediante sua inserção na sociedade – como afirma
Hart baseado em Wittgenstein – não oferece uma resposta adequada
sobre suas origens, o que deixa lacunas na teoria de Hart.

Para Hart, a simples concordância com uma regra – independente do critério


de valoração moral – já a torna direito válido, é a chamada regra de
reconhecimento. Desta forma, sociedades diferentes podem ter diferentes
regras de reconhecimento. Para Hart, toda a vida social implica uma
regulamentação normativa, iniciando com as “normas de natureza simples” que
são (1) regras que restringem o recurso à violência; (2) regras que exigem
honestidade e veracidade; (3) regras que restringem a destruição de coisas
tangíveis; (4) regras que proíbem o assalto dos objetos alheios. As regras
secundárias, por sua vez, são aquelas que estipulam que os seres humanos
podem introduzir a fim de controlar incidências das primárias e conferir poderes
públicos (especialmente juízes) e privados (cidadãos no geral). Nem todas as
regras impõem obrigações, as que o fazem, possuem três diferentes: (i) elas
têm umas seriedade de pressão social, ou seja, tendem a ser regras em que a
exigência de conformidade é forte, e existe uma forte pressão social para se
evitar a divergência; (ii) tende-se a considerá-las como necessárias à
manutenção da normalidade da vida social; (iii) tende-se a considerá-las como
regras que implicam a exigência de algum sacrifício para obedecê-las. Assim,
segundo Hart, as regras primárias impõem obrigações e são elementos básicos
de sociedades simples. As secundárias surgem com a o desenvolver de
complexidade da sociedade e possuem três naturezas: reconhecimento (evitar
incertezas, determina o que é ou não uma regra primária. Ex.: limitações
processuais para criação de regra pelo Parlamento), alteração (de que forma
regras primárias devem ser criadas ou alteradas) ou regras de
julgamento/prestação jurisdicional.

O direito só existe na medida em que suas regras constituem um sistema;


portanto, o conceito de “direito” envolver e requer o conceito de um
“sistema jurídico” que o contenha. As condições mínimas para a
existência de um sistema jurídico são regras válidas que são obedecidas
pelos cidadãos e regras secundárias aceitas por autoridades como
padrão público. Assim, o direito “é a união das regras primárias e
secundárias”. Ademais, Hart defende um duplo aspecto do direito: interno
e externo: (i) aspecto externo: para existir, uma regras deve ter conseqüências
para o comportamento daqueles que a ela se submetem, o que implica algum
padrão de conduta regular da maioria; (ii) aspecto interno: o que distingue
regras jurídicas de costumes é o fato de implicarem uma certa atitude distintiva
ou resposta subjetiva, é o “sentido de estar obrigado” ou “ter uma obrigação”. A
validade de uma regra ocorre quando ela satisfaz aos critérios
especificados pela regra de reconhecimento. Para Hart, existe uma cadeia
de validade, “um regulamento, por exemplo, será válido se estiver de acordo
com uma ordem legal, que por sua vez extrai sua validade de uma lei”.
Podemos imaginar as regras jurídicas como instâncias formadoras de
uma hierarquia. Para Hart, como a norma depende da prática social, não há
necessidade de se teorizar sobre uma norma/hipótese superior, tal como fez
Kelsen em sua teoria.

Hart sugere que existe um núcleo de verdade inquestionável no direito natural,


remetendo a Hobbes. São eles: (1) Vulnerabilidade humana: em circunstâncias
naturais, os humanos vivem em situação de risco, eles precisam se proteger e
o sistema jurídico é um dos mecanismos aos quais eles recorrem em
busca de proteção; (2) igualdade aproximada: os seres humanos são
aproximadamente iguais; (3) recursos limitados: não há recursos
suficientes para todos, existe um número limitada de recursos e
competimos por eles, portanto precisamos de mecanismos que
assegurem que a concorrência não provoque reações que resultem em
caos; (4) altruísmo limitado: os seres humanos são de fato altruístas, mas
também se comportam de maneira irregular; (5) limite de entendimento e força
de vontade: nem sempre sabemos o que devemos fazer em atendimento
aos nossos próprios interesses. Hart usa essas ideias para entender que o
sistema jurídico deve garantir uma proteção mínima às necessidades físicas e
psicológicas dos seres humanos. As instituições sociais emergem para
preservar, proteger, conservar e defender os interesses pessoais básicos
dos indivíduos. Os elementos essenciais são a universalidade, as
implicações intencionais (que são a auto conservação e sobrevivência) e
os resultados substantivos.

O objetivo da ciência jurídica era o de criar um corpo unitário e perfeito de


regras que pudessem abranger todas as situações, eis a descrição do
formalismo jurídico para Langdell. Esse discurso posteriormente atacado pelos
realistas que desejavam trazer o elemento humano na evolução jurídica,
devendo pautar-se em filosofias sociais e analisar a realidade social do direito.
Para estar no meio termo, Hart o reduz a um problema de linguagem: os
termos da regra não podem cobrir todas as situações factuais possível,
em decorrência disso, a política deve entrar em cena na tomada de
decisões. É preciso, contudo, haver moderação.

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