Vous êtes sur la page 1sur 4

1 – A IDEOLOGIA DO BRANQUEAMENTO E O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL

A afirmação de que no Brasil não existe racismo, que somos um país multicultural no qual as

diferentes etnias vivem em harmonia é muito frequente, especialmente em certos discursos políticos.

No entanto, essa afirmação pode conduzir a uma ideia equivocada da realidade em que vivemos e

justificar a perpetuação de séculos de desigualdade étnico-racial no país.

Esse discurso fundamenta-se na teoria da democracia racial, que postula que o Brasil escapou

do racismo e da discriminação racial e que aqui os brasileiros não veem uns aos outros através da lente

da raça e não abrigam o preconceito racial em relação um ao outro. O conceito foi apresentado

inicialmente pelo sociólogo Gilberto Freyre, em Casa-Grande & Senzala, publicada em 1933.

Freyre argumentou que fatores como as relações estreitas entre senhores e escravos antes da

emancipação legal em 1888 impediram o surgimento de categorias raciais rígidas. O sociólogo também

argumentou que a miscigenação continuada entre as três raças (ameríndios, os descendentes de

escravos africanos e brancos) levaria a uma "meta-raça". A teoria se tornou uma fonte de orgulho

nacional, que se contrastou favoravelmente com outros países, como os Estados Unidos, que enfrentava

divisões raciais que levaram a significantes atos de violência. Com o tempo, a democracia racial se

tornaria amplamente aceita entre os brasileiros de todas as faixas e entre muitos acadêmicos

estrangeiros.

Ainda na década de 1930, destacou-se o trabalho de Donald Pierson, na Bahia, em 1939, que

concluiu que a sociedade brasileira é uma sociedade multirracial de classes, uma sociedade na qual a

raça não seria um princípio classificatório nativo, pois ninguém teria raça nativamente, mas sim cor. A

cor, como modo de classificação, não fecha as portas para ninguém, não pesa quase nada nas

oportunidades sociais, a sociedade seria uma sociedade de classes, uma sociedade aberta, em que

negros, brancos, índios, mestiços, pessoas de qualquer cor, podem transitar pelos diferentes grupos

sociais1. (GUIMARÃES, 2003).

1
GUIMARÃES, A.S.A. Como trabalhar com "raça" em sociologia. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.29, n.1, p. 93-
107, jan./jun. 2003.
Mas foi a “Escola Paulista de Sociologia”, núcleo composto por alunos e colaboradores do

professor Florestan Fernandes, que começou a desenvolver um tipo de argumentação diferente. Em

que pese o fato de algumas características que fundamentavam a teoria da democracia racial estarem

presentes em áreas tradicionais, como a Bahia, Pernambuco, em áreas de mais expressivo

desenvolvimento capitalista, como São Paulo à medida que aumenta a competição social, aparece o

preconceito. Buscavam, portanto, explicações estruturais, remetendo-se à estrutura social em mutação

— o capitalismo industrial, em gestação no país, que estaria também deslanchando o fenômeno do

preconceito racial. Nasceu daí a ideia do mito da democracia racial. Para Florestan Fernandes essa

democracia racial seria apenas um discurso de dominação política, usado apenas para desmobilizar a

comunidade negra. (GUIMARÃES, 2003).

A reação contra o mito da democracia racial não ficou restrita ao meio acadêmico e constituiu-

se também uma das bandeiras de luta do movimento negro, especialmente a partir da década de 1970,

quando surgiram diversas outras organizações negras voltadas para a valorização do negro e para a

conquista e defesa de sua cidadania. As pautas dessas entidades tinham em comum a luta contra a

discriminação e o preconceito e a denúncia do caráter violento do mito da democracia racial 2.

(MÜLLER, COELHO. 2013)

O discurso da democracia racial foi desenvolvido décadas antes de um intenso debate entre os

círculos políticos e intelectuais do Brasil. A passagem do século XIX para o XX foi marcada pelos

ecos de transformações trazidas pela alteração do regime de governo e a abolição do sistema escravista.

Refletia-se acerca dos rumos necessários para que o país alcançasse índices econômicos e sociais de

nações consideradas de primeiro mundo e atribuía-se os problemas do país às características de seu

povo. “A apatia, indolência e imprevidência da massa predominantemente de cor” (HASENBALG,

1979)3, foram então concebidas como responsáveis pelas características do subdesenvolvimento do

país. A solução pensada para resolver essa questão deveria, portanto, extinguir essas “más

características” do povo brasileiro e uma estratégia adotada foi o incentivo à imigração europeia. Surgia

2
MULLER, T.; COELHO, W. A Lei nº 10.639/03 e a formação de professores: trajetória e perspectivas. In: Revista da
ABPN • v. 5, n. 11 • jul.– out. 2013 • p. 29-54.
3
HASENBALG, Carlos, Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: edições Graal, 1979.
assim a ideologia do branqueamento da população brasileira como resposta aos problemas relacionados

à mudança do sistema econômico no tocante à mão de obra, quanto à constituição de uma nação, ou,

um povo capaz de alcançar a modernização. Essa ideologia foi elaborada sob forte influência e respaldo

das teorias racialistas do século XIX, propostas pelo francês Conde de Gobineau e incorporadas por

intelectuais brasileiros, como Nina Rodrigues, Silvio Romero, Oliveira Viana, etc. a elite brasileira

sustentava que havia necessidade, para que nos constituíssemos como povo, sermos uma só raça.

Nesse período, ganhou espaço nos debates de elites intelectuais teorias eugenistas, que viam a

mestiçagem como elemento degenerador. Aos mestiços eram associados males como alcoolismo e

demência. Eram considerados elementos inferiores, em uma análise fortemente influenciada pela

teoria da seleção natural de Charles Darwin4 (SCHWARCZ, 1993).

Além disso, a ideologia do branqueamento teve forte impacto cultural, especialmente entre os

negros. O modelo ideal representado pelo branco, atuou nas mais diversas esferas do comportamento

do negro, principalmente na estética. Os veículos de comunicação ditavam como o padrão de beleza o

europeu. Para ser belo, era necessário pele clara e os cabelos lisos. O mais trivial legado dessa ideologia

refere-se à autoestima do negro a partir de sua não identificação com aquele que é considerado belo. A

busca por esse “modelo ideal”, é o prelúdio de outras trágicas consequências que adviriam a essa

população. Desse discurso massificador do branco, cristão de matriz europeia como o padrão de ser

humano ideal, decorreu um expressivo afastamento de elementos que remetesse a ancestralidade

africana, gerando, segundo Hasenbalg (1979), “uma divisão interna entre o não brancos” e até mesmo

preconceito racial de mulatos ascendentes contra negros. A ideologia do branqueamento, portanto,

disseminou no tecido social brasileiro o ideário da superioridade da raça branca e incentivou de forma

incisiva o negro a resignar-se “diante de sua própria inferioridade 5” (SANTOS, 2005)

Segundo Hasenbalg (1979), a ideologia do branqueamento levou a valorização da estética

branca ao passo que se verificava o progressivo esvaziamento de sentido de um orgulho negro,

4
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. (12ª
reimpressão, 2014) São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
5
SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do “ser negro”: um percurso das idéias que naturalizaram a inferioridade
dos negros – São Paulo: Educ/Fapesp; Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
enfraquecendo movimentos de resistência. Futuramente, essa ideologia colaborou para que houvesse

uma responsabilização do negro por sua situação social. (HASENBALG, 1979 )

Nesse sentido, nem mesmo experiências de ascensão social contribuíam de maneira eficaz para

a resistência a violência dessa ideologia. Segundo Neusa Santos, processos de ascensão social de

pessoas negras vinham carregados de uma trajetória de o massacre da própria identidade. Afastado de

seus valores originais, representados fundamentalmente por sua herança religiosa, o negro tomou o

branco como modelo de identificação, como única possibilidade de tornar-se gente6.

Em que pese o fato de haver uma ampla estrutura racista da sociedade brasileira, edificada por

meio de uma dinâmica histórica na qual principalmente o negro foi objeto de desumanização, de

humilhações, de negação de identidade, verifica-se, tanto no passado quanto no presente, movimentos

articulados de resistência para a defesa de sua liberdade e dignidade. Especialmente a partir de 2002,

foram amplas as vitórias obtidas, expressas em políticas de ação afirmativas criadas para reparar os

séculos de injustiças e desigualdades, a exemplo das leis 11.645/2008 e 10.639/2003, que instituem

como obrigatória a inclusão das temáticas do ensino de História e cultura indígena, e da "História e

Cultura Afro-Brasileira, respectivamente, e principalmente, a Lei das Cotas nas Universidades (Lei nº

12.711, de 2012), responsável pela disponibilizou de mais de 200 mil vagas para estudantes de escolas

públicas autodeclarados negros, pardos e indígenas, em universidades e institutos federais públicos.

Embora seja amplamente considerado como mito, a teoria da democracia racial ainda é

difundida e compõe o discurso de segmentos da sociedade contrário as políticas de ação afirmativas.

Para Maria Elena Viana, esse mito teve, como causa principal, o medo da classe dominante em ceder

às exigências de cidadania à população negra, uma vez que aceitar democraticamente as diferenças

implica em aceitar também a igualdade de oportunidades. Como o sistema econômico e político

brasileiro não permite essa relação de igualdade, foram feitos esforços sistemáticos no sentido de

destruir a identidade, a autoestima e o reconhecimento dos valores de grupos socialmente oprimidos 7.

6
SOUZA, Neuza Santos. Tornar-se negro. Rio de Janeiro, Graal, 1982.
7
(SOUZA, Maria Elena Viana. A ideologia racial brasileira na educação escolar. In: OLIVEIRA, Iolanda. SISS, Ahyas
(orgs.). Cadernos Penesb. População negra e educação escolar. v. 7. UFF, nov. 2006.

Vous aimerez peut-être aussi