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Resumo: Este ensaio aborda o caminho teórico-metodológico das teorias do Self, dos
Processos Intersubjetivos e da Cultura Emotiva, passando pelos Clássicos das Ciências
Sociais e enfatizando a virada epistemológica conhecida na Academia mundial como
segundo deslocamento da Antropologia. A partir dos anos de 1970 verifica-se uma crise
dos modelos funcionalistas, estruturalistas e estrutural-funcionalistas para a explicação
do indivíduo, da cultura e da sociedade, - tidos como universalistas, essencialistas e,
consequentemente, imperialistas e etnocêntricos. Estes modelos de apreensão da
alteridade são radicalmente combatidos e substituídos por modelos subjetivistas,
compreensivos, interacionistas e simbólico-interacionistas de análise do jogo social e de
seus processos, agora pensados como indeterminados, tensionais e criativos. Neste
contexto, despontam conceitos de análise como prática, práxis, self, processo, ação,
interação, subjetividade, cotidiano, experiência e outros, cuja síntese e aprofundamento
teórico-metodológico caminharam para o desenvolvimento da categoria analítica
emoções como momento central de estabelecimento de uma Antropologia e uma
Sociologia das Emoções. Palavras-chaves: Crise e reinvenção nas Ciências Sociais,
ruptura epistemológica dos anos 1970, Emoções, Emoções nos Clássicos das Ciências
Sociais, Antropologia e Sociologia das Emoções
Este ensaio apresenta uma época de crise epistemológica nas ciências sociais que
balizou novos quadros interpretativos e surgimento de novas áreas. Uma delas a
1
É antropólogo, professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade
Federal da Paraíba, Brasil. Coordenador do GREM – Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia
das Emoções da mesma universidade. Editor da RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção,
http://www.cchla.ufpb.br/rbse. maurokoury@gmail.com.
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antropologia e a sociologia das emoções, em que o conceito de emoções foi eleito como
uma categoria de entendimento capaz de apreender a noção de humano e de sociedade
como um todo, e com consequências metodológicas para a pesquisa nas interrelações
sempre tensas entre indivíduo, cultura e sociedade.
A antropologia e sociologia das emoções emergem e iniciam o seu processo de
consolidação como campos disciplinares específicos a partir da década de 1970.
Durante os finais dos anos de 1950 e os anos de 1960 foram sendo elaboradas críticas à
lógica linear das análises sociais de cunho mais estrutural que relegavam para o segundo
plano a ação social individual: os atores sociais e sua vida emocional (Milton & Svasek,
2006).
Estas críticas estabeleceram novas formas de olhar para o objeto. Revigoraram
também as perspectivas teóricas e metodológicas que enfatizam o processo analítico da
subjetividade como fonte e forma de expressão e construção social (Ortner, 2011).
Os processos analíticos novos, oriundos deste movimento de crítica, partem do
pressuposto da necessidade de uma atenção maior para as categorias do self com relação
à formação, consolidação e movimento das estruturas sociais (Koury & Barbosa, 2016).
Enfatizam o estabelecimento de canais entre as dimensões micro e macros sociais
(Olesen, 2006), e a necessidade de entender os fenômenos emocionais como centrais às
análises antropológicas e sociológicas no seio das ciências sociais.
Um novo campo analítico no interior das ciências sociais, nas áreas disciplinares
da sociologia e da antropologia é aberto. Este novo campo, deste então, amplia o debate
no interior das ciências sociais como um todo, e agenda contatos com Outros campos
analíticos no seu interior.
Até que ponto a cultura e a sociedade modulam a expressão e a experiência
emocional? Será que as emoções são inteiramente um constructo sociocultural? São
questões que perpassam o debate teórico-metodológico na procura de delimitar um
campo próprio no interior das ciências sociais e, aqui, particularmente, das disciplinas
antropologia e sociologia, para se pensar a antropologia e sociologia das emoções.
A preocupação teórico-metodológica que norteia os debates é conflitual, e
referencia os fatores sociais que influenciam a esfera emocional, e até onde vai esta
influência. Para alguns autores, as emoções são afirmadas como processos
eminentemente sociais, não cabendo sequer a questão teórica de que as emoções não
sejam socialmente construídas.
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Afirmam que as emoções não podem ser entendidas como um estado interno do
sujeito, nem tampouco que seja puramente um produto das suas próprias ações
individuais. Aduzem que faz parte da análise antropológica e da análise sociológica
considerar a definição da situação por parte do ator social imerso em uma cultura
emocional particular.
É na relação com os Outros que um ator constrói as suas narrativas, com o tom
de uma interpretação completamente pessoal. O conflito emocional não nasce de
estados interiores de ambivalência, mas, de contextos sociais, eles próprios,
ambivalentes e conflituais.
A compreensão de um processo cultural e social mais vasto permite demonstrar
os caminhos de formação de uma curva de vida particular e permite, também,
compreender os impasses e as conquistas vividas e sentidas como individual: como
fazendo parte do privado, particular e único. Um indivíduo, assim, pode pensar as
emoções de uma maneira própria, e essa maneira única ter sido construída e constituída
cultural e socialmente. O que a torna possuidora de significados no contexto cultural e
social em que foi por ela experimentada.
É em uma cultura emocional, em um tempo e de um espaço determinado, que os
indivíduos se provêem com conceitos simbólicos, linguísticos e comportamentais
(Koury, 2009; 2004). Conceitos estes com os quais dão sentido às próprias emoções. As
situações emocionais são inscritas dentro de modelos relativamente contínuos e
duradouros de relações sociais.
Para a antropologia e a sociologia das emoções, as emoções são sentimentos
dirigidos diretamente aos Outros e causados pela interação com os Outros, em um
contexto e situação social e cultural dados.
As relações entre pessoas, instituições, grupos e sociedades e os sentimentos
associados são, ao mesmo tempo, produtos e produtores dos processos de interação.
Processos compostos por um complexo de gestos, sinais, movimentos corporais e
simbólicos, integrantes de uma mesma ação comunicativa; Junto e concomitante a
relações, experiências e sentimentos culturais e sociais mais amplos, compartilhados.
A experiência emocional é constituída, deste modo, pelas redes de
compartilhamento e pela interligação às diversas interconexões de um mesmo ato
corporal e social sentidos como único e, ao mesmo tempo, cumulativo.
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Subjetividade
O Outro como diferença constitui a possibilidade do social e da cultura. É pelo e
através do Outro que se constitui a possibilidade de um social. Os sentidos e os
significados são constituídos e construídos no interior das relações entre indivíduos
diferentes.
As conformações societárias e culturais se formam através dos compromissos
que os indivíduos em relação tecem e moldam entre si, estabelecendo modos de vida,
sentidos, projetos.
A indeterminação social é o elemento chave para se pensar uma organização
social e cultural em processo. A compreensão, para a análise simmeliana e weberiana é
o modelo de apreensão do real. Real sempre visto como construção, e como
aproximação do objeto estudado.
Objetividade
O Outro como universal responde aos princípios de racionalidade societária
sobre os indivíduos. A sociedade e a cultura moldam os Indivíduos Sociais a partir de
uma racionalidade específica, sui-generis, como resposta às necessidades humanas.
Existem formas diferentes de estruturação do social a partir das respostas sociais
e sua adaptação ao meio, tais como: o Funcionalismo, o Estruturalismo, o Funcional-
Estruturalismo, o Marxismo, entre outras, mas todas trazem em si os significados
precisos de sua formação (especificidade) e do conjunto das sociedades em processo
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Indeterminação
A verdade científica é sempre relativa, produto de questões relevantes como
aproximação do real constituído e estudado. Nos Estados Unidos esta forma de
apreensão do real esta presente nas primeiras conformações científicas, entre os anos de
1880 a 1930, seja na Antropologia Cultural americana; seja nas análises da Escola de
Chicago (Interacionismo/Interacionismo Simbólico), seja, ainda, na
Alemanha/Inglaterra na síntese eliasiana dos anos de 1930, da sociedade como redes
instáveis e em constante conformação e reconfiguração (Elias, 1990, 1993 e 1994)2.
Determinação
A verdade científica encontra-se possível de ser estabelecida através das
instâncias da organização societária: costumes, rituais, valores, formas de classificação,
etc.
A Síntese Parsoniana comandou a análise das ciências sociais americanas na
Antropologia e na Sociologia, e mundial, dos anos de 1940 a 1970. Em sua busca de um
modelo integral para se pensar o social e a relação entre indivíduo e sociedade, a síntese
parsoniana buscou unir diversas disciplinas científicas, sob o comando da sociologia.
Essa união ou integração permitiria uma análise interdisciplinar, e integrada
entre a sociologia (a organização e a estrutura do social), a antropologia (processos
culturais), a psicologia (estrutura mental e psíquica dos indivíduos em sociedade), a
economia (as formas de consumo e disciplinamento das necessidades humanas), e a
política (as formas de organização política e do estabelecimento das relações entre
Estado e sociedade).
Esta integração permitiria a superação da dicotomia indivíduo e sociedade. A
síntese teórica parsoniana unia as análises de Durkheim, Weber e Pareto, fundando uma
forma de explicação denominada de estrutural-funcionalismo.
2
Lembrar que Norbert Elias foi um autor esquecido do grande público e da academia mundial. O autor
(Norbert Elias) e a sua obra começaram a sair desse anonimato involuntário e foram, por assim dizer,
‘redescobertos’ a partir do final dos anos de 1970.
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1984), a Teoria dos micropoderes, e uma leitura aprofundada de Foucault (Ortner, 2011;
Olesen, 2006), a redescoberta dos Interacionistas, principalmente George Mead, e das
análises de Georg Simmel e Gabriel Tarde. Abordagens que foram aplicadas,
principalmente, nos: estudos de gênero (movimento feminista; movimento
homossexual); nos estudos de etnicidade; e nos estudos anticoloniais. Mas, também, nos
estudos sobre emoções e sociabilidade.
Neste período de grande revolução epistemológica das ciências sociais e da
antropologia, houve uma ampliação do sentido da experiência e do sentido e valor
individual e coletivo da experiência como fundamento analítico, através da relação entre
pesquisador e pesquisado; da Pesquisa como troca de informação entre analista e
analisado; da análise da fragmentação do social e do cultural na modernidade das
sociedades ocidentais (Fabian, 2013); e nas discussões sobre os sentidos e significados
da análise antropológica na pós-modernidade.
A análise deconstrutivista
Cabe aqui um destaque para o movimento antiacadêmico na academia americana
conhecido pela nominação writing culture (Clifford & Marcus, 1984). Nesse
movimento se realiza uma crítica aguda à possibilidade de interpretação e da
possibilidade de entendimento dos sentidos do Outro cultural.
A discussão sobre a impossibilidade de apreensão e compreensão reflexiva da
alteridade radical foi bastante importante para o movimento Writing Culture, nos anos
1980, nos EUA. Este movimento, que contou com autores e intelectuais como Vicent
Capranzano, George Marcus, James Clifford, Renato Rosaldo, Michel Fisher, Paul
Rabinow e outros, entendia a antropologia como exercício autoral sobre o outro e sobre
as experiências de campo, de modo que seus experimentos conduziram o modo
processualista de fazer etnográfico ao extremo da criatividade e da literaridade. Neste
sentido, ver a discussão de Fabian (1983) sobre a crise epistemológica e hermenêutica
que marca o segundo deslocamento da Antropologia nos EUA.
Nele também se radicaliza de forma extremada a idéia de conhecimento do
Outro. O Outro é sentido e diagnosticado como impossível de ser identificado e
compreendido. O Outro é criticado, em sua visão capitalista, e na visão imperialista das
ciências sociais como um ser a-social.
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estado societal. Os dois primeiros estados ocupariam o campo disciplinar das ciências
fisiologia e psicologia e teria o indivíduo biológico e psíquico como objeto de análise,
na sua realidade interna de estímulos mentais ou fisiológicos. O último estado, por sua
vez, se ocuparia dos aspectos exteriores aos indivíduos e formadores dos indivíduos
sociais, e seria o objeto da sociologia.
A ciência sociológica se ocuparia, portanto, por esta realidade sui-generis, a
sociedade. O seu trabalho sobre As Representações Individuais e Representações
Coletivas (Durkheim, 1970), neste sentido, é clássico. Tanto quanto as discussões
preliminares constantes de As Regras do Método Sociológico (Durkheim, 1996a). Texto
em que institui os fatos sociais como exteriores e fundadores de sociabilidades, e de
onde discute o elemento sui-generis da sociabilidade e da criação pelo social dos
indivíduos.
Durkheim coloca as emoções como um produto da sociedade, submetida, mas
negociada por processos mentais e fisiológicos no processo de vivência de cada sujeito
particular socialmente formado. A sociabilidade neste autor não é produto da
experiência individual, porém, da experiência social. O agir e o refletir social se
realizam através da coerção que a sociedade suscita em seus membros, possibilitando
um sentido de força e unidade acumulativa que torna os sentidos possíveis.
Os procedimentos de classificação individual são sugeridos pelas classificações
sociais, as quais podem tomar formas muito variadas de uma sociedade para outra, mas
que caracterizam toda sociedade.
A tipologia solidariedade mecânica e solidariedade orgânica elaborada no livro
A Divisão do Trabalho Social (Durkheim, 1967) procura, por sua vez, refletir o impasse
vivido pela sua época, com a quebra dos laços comunitários e a emergência do
individualismo. A solidariedade orgânica implica, entre Outros significados, a perda da
importância dos laços comunitários na passagem de uma sociabilidade simples para a
complexa. O que provoca uma quebra da homogeneidade da população, e afeta o
mundo emocional do dos indivíduos nela relacionados
O agir e o refletir social se realizam através da coerção que a sociedade suscita
em seus membros, possibilitando um sentido de força e unidade acumulativa que torna
os sentidos possíveis. Os procedimentos de classificação individual são sugeridos pelas
classificações sociais, os quais podem tomar formas muito variadas de uma sociedade
para outra, mas que caracterizam toda sociedade.
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indivíduos, também, são formados por instâncias da troca societal, através das relações
de produção. São as bases econômicas, em última instância, que conformariam o estado
evolutivo de uma sociabilidade e o perfil dos indivíduos nela inserido.
O ponto de vista teórico da análise durkheimiana, exposto no livro As Formas
Elementares da Vida Religiosa (Durkheim, 1996), é sentido como um avanço ao modelo
teórico anterior. Nele, a categoria emoções aparece como um elemento fundamental do
constructo social: produzida socialmente e encarnada nas ações sociais gerais e
particulares.
As emoções são pensadas, enquanto categoria analítica, a partir de As Formas,
como um subproduto do social e de uma sociabilidade determinada. O que permite a
antropologia e a sociologia das emoções tomarem a análise de As Formas como uma
referência inicial analítica, para a realização de uma crítica aproximativa da obra
Durkheimiana, tendo a categoria emoções como pressuposto básico.
Em As Formas, Durkheim indica um novo movimento na sua construção teórica:
a descoberta do simbólico. O que o afasta do positivismo intrínseco das suas obras
anteriores e com possibilidades de um profícuo trabalho de constituição do social,
através da ação social dos homens que vivem uma sociabilidade específica.
Mesmo considerando na obra durkheimiana o aspecto central da descoberta do
simbólico, em uma análise mais acurada, Durkheim parece construir o seu objeto, a
sociedade, através da produção social de si própria e no interior de um universalismo
generalizante.
Encontra nos sentimentos religiosos uma força moral que oferece refúgio e
garantia aos sentimentos comunitários presentes em um social dado, reforçando a
constituição do social sobre os indivíduos. O que o parece impedir de seguir adiante
com as reflexões sobre o processo de constituição social do simbólico.
Alguns autores, como Louis Dumont (1978a) e Claude Lévi-Strauss (1974)
imputam o caminho para o simbólico assumido ainda com timidez em Durkheim de As
Formas como proveniente das discussões com o seu sobrinho Marcel Mauss. E ambos
indicam Marcel Mauss como o divisor de águas na pesquisa em ciências sociais
francesa.
Para Lévi-Strauss (1974) e Dumont (1978a) existiria uma ciência social na
França antes e depois de Mauss. Estes pesquisadores imputam a Marcel Mauss a
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cara a estes dois autores, é estimulante para a análise de uma ciência social das
emoções, já que, em ambos os autores, a racionalidade apresentada pelos projetos
configurados através das ações sociais são sentimentos projetados do subjetivo para
uma objetividade encontrada na relação com o Outro da troca. Os homens, assim, ao
interrelacionarem subjetividades em um processo de troca, fundam cristalizações
racionais.
Para Simmel e Weber, em suas ações os homens constroem ou fundam
racionalidades. Na análise weberiana e na análise simmeliana (de forma mais ensaística
e menos metódica do que no tratado formal weberiano), toda a ação do indivíduo é uma
ação provida de sentido, e o sentido demonstra um elemento racional no ato do sujeito,
produzindo possibilidades emotivas e sendo produto das próprias emoções.
Ação e reação presentes em um processo de troca são movidas pelo aspecto
subjetivo e emocional de sujeitos em relação. São movimentadas, também, por todos os
dispositivos cristalizados de trocas sociais anteriores, que fundamentam uma tradição e
uma racionalidade social abstrata.
A tradição e a racionalidade abstrata de uma sociabilidade qualquer, para os dois
autores, deste modo, são construções. A tradição e a racionalidade abstrata são produtos
das relações entre os indivíduos e são constituídas através das remodelagens simbólicas
entre as diversas instâncias institucionais em jogo, em um social mais amplo.
São instâncias que influenciam a prática interacional entre as partes
individualizadas da relação, e possibilitam, assim, não só a institucionalização da rede
que configura uma tradição ou uma racionalidade singular, mas, compõem um pano de
fundo organizacional onde as identidades coletivas são efetivadas e tecidas no cotidiano
das relações.
As ações e as reações da relação são assim portadoras de sentido, e se encontram
sujeitas a um tipo de racionalidade social e a um movimento subjetivo dos sujeitos em
troca. O indivíduo se manifesta socialmente através de suas ações, mesmo quando se
pensa em uma possível recusa à ação.
A recusa, ou a negação, são sentidas como ações sociais. Mesmo a recusa de agir
é provida de sentido. Um ator ao se negar a agir, muda todo processo relacional
possível. E abre ou provoca possibilidades à emergência de Outros processos sociais
através desta negação.
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O sujeito ao detalhar para si, ou junto com Outros, um plano de ação, organiza
toda uma agenda para a sua execução. Agenda esta que dependerá não só das
artimanhas organizativas, ou da pauta nela organizada por um indivíduo ou grupo, mas,
também, dos projetos dos Outros, com quem irão buscar se relacionar para realizar os
projetos agendados.
Para Simmel e Weber as possibilidades de realização desta agenda são várias
nas e entre as relações humanas, e dependem das configurações das ações dos sujeitos, e
de como esses indivíduos se colocam nas diversas possibilidades causais da própria
ação.
Uma comparação entre as ações passadas e presentes, experimentadas
individualmente, ou parte da mentalidade de uma época, permite aos sujeitos da ação
uma previsibilidade das possibilidades de configurações positivas ou negativas de cada
ato em jogo, sem garantir, contudo, uma consequência específica e final para o seu agir.
O imponderável e a incerteza se estabelecem entre os sujeitos em cena, e
configuram as práticas cotidianas de cada um, ou o jogo social e estrutural mais amplo,
ou, mesmo, as perspectivas projetivas das novas possibilidades de caminhar, coletivo ou
individual. As ações, as possibilidades criativas, deste modo, na análise simmeliana e
weberiana, são livres.
Livres, não quer dizer, que elas sejam independentes per si: elas estão
submetidas aos processos formadores dos agentes da ação. As diversas possibilidades se
satisfazem nesse panorama de liberdade das ações sociais, em um processo formador
onde a individualidade e a sociedade se encontram, se interpenetram e se
intercondicionam.
A história, para Simmel e para Weber, então, é esse processo. Ela não tem um
sentido de origem e de destino. Um passado é feito de múltiplas posições e
possibilidades de interação, não só da troca econômica, mas, e, sobretudo, das trocas
políticas, ideológicas, simbólicas e culturais, e suas interseções.
Trocas múltiplas que conformam presentes e passados e, que, - na continuidade
relacional dos processos subjetivos e objetivos que movimentam uma ação social
qualquer, - irão armar o palco para cada cena, propiciando planos de ação e perspectivas
de novos jogos para a construção prospectiva de um futuro.
Nas proposições simmelianas e weberianas, assim, - recapitulando um pouco
este filão analítico para as ciências sociais e, principalmente, para a antropologia e a
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sociologia das emoções, - são os projetos movidos subjetivamente pelos interesses dos
sujeitos relacionados, que possibilitam as relações sociais e lhes dão objetividade.
Simmel chama esse processo de cristalização dos produtos subjetivamente expressos,
resultados de alianças no decorrer de uma troca social entre indivíduos, grupos,
instituições ou sociedades.
A ação entre homens significa então relações sociais entre projetos em jogo.
Uma ação portadora de sentido é uma ação criadora. Está envolvida por vontades que se
projetam e ganham objetividade e expressão no e através do Outro, vai depender sempre
do significado de um projeto, de sua aceitação e confiabilidade no e pelo Outro. Do
encantamento deste Outro, da negação deste Outro ou das possibilidades de alianças
com Outros. Sobre as possibilidades que se erigirão das relações com Outros.
O um e o Outro serão, neste caso, nas análises simmeliana e weberiana, sempre
um conjunto de possibilidades de criações de um social. A ação do homem é, portanto,
munida de valor. O valor é uma estima subjetiva do sujeito individualizado ou coletivo,
e sempre responde a um preceito moral, dado pela tradição ou pelo suporte mental de
uma sociabilidade, em um tempo e em um espaço específico.
A ação responde sempre a uma escolha subjetiva que envolve sentimentos,
emoções e vontades, isto é, remete continuamente para as escolhas de indivíduos, de
grupos, de instituições ou de sociedades.
O subjetivo que move um sujeito social à ação é o motivo que faz com que o
olhar deste sujeito se coloque como uma interrogação frente a critérios e classificações.
Critérios e classificações estes através dos quais entende o mundo. Ou, não o
entendendo, tenta apreendê-lo e garantir um espaço social objetivo para a sua ação se
desenvolver, se estabelecer e se institucionalizar.
A experiência de um indivíduo ou de um grupo faz com que estes se tornem, ou
se sintam seres específicos, únicos, no interior de um espaço e de uma temporalidade
dados. A busca de objetivação dos interesses ou dos valores subjetivos, através dos
projetos que movimentam a ação, cria ou estabelece novos critérios, ou releituras dos
anteriores, formalizando um lugar comum e específico entre os relacionais, dentre
vários Outros projetos em jogo.
A procura de objetivação estabelece alianças que permitem uma relação dada se
desenvolver, em um processo de tensão permanente entre os parceiros da troca. Este
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Notas finais
Este ensaio procurou situar os caminhos teórico-metodológicos organizados
através da crise epistemológica dos anos de 1970 nos Estados Unidos que deu origem a
antropologia e a sociologia das emoções e colocou as emoções como uma categoria
central nas análises do social. Tentou levantar pontos importantes da releitura da
tradição das ciências sociais, - e, aqui, especificamente, da antropologia e da sociologia,
- feita pelos críticos das antigas bases epistêmicas que organizaram as ciências sociais,
para, através dela, situar novas formas de pensar o social e a cultura e as relações entre
pesquisador e pesquisado que organizou os novos campos surgidos pela e através da
crise, e aqui, especificamente a antropologia e a sociologia das emoções como novas
áreas disciplinares.
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