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Sociologia
para o Ensino Médio
Amaury C. Moraes
Erlando da Silva Rêses
Flávio Marcos Silva Sarandy
Mário Bispo dos Santos
Nelson Dacio Tomazi
Presidência da República
Ministério da Educação
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Comissões de Sociologia
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Amaury C. Moraes
Erlando da Silva Rêses
Flávio Marcos Silva Sarandy
Mário Bispo dos Santos
Nelson Dacio Tomazi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
13-07117 CDD-370.71
Caro(a) cursista,
Os autores.
Sumário
Ementa:
Bibliografia Bsica
ALBERT, Verena. Literatura e autobiografia: a questão do CATANI, Denice B.. Memória e biografia: “O Poder do
sujeito da narrativa. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. Relato e o Relato do Poder” na História da Educação. In:
4, n. 7. 1991. GONDRA, J. Gonçalves (Org.). Retratos da Educação no
Brasil. Rio de Janeiro: UERJ, s/d.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos.
São Paulo: T. A. Queiroz, 1983. LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. São Pau-
lo: Ática, 1993.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Sobre a teoria da
ação. Trad. Mariza Corrêa. Campinas, SP: Papirus, 1996. NÓVOA, A.; FINGER, Mathias (Orgs.). O método (auto)
p. 74-82. biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da Saúde,
1988.
BUENO, Belmira O. O método autobiográfico e os estu-
dos com histórias de vida de professores: a questão da POMPÉIA, Raul. O Ateneu. São Paulo: Moderna, 1983.
subjetividade. Educação e Pesquisa, SãoPaulo, v. 28/1,
jan./jun. 2002. Revista da Faculdade de Educação/USP. RAMOS, Graciliano. Infância. 35. ed. Rio de Janeiro: São
Paulo: Record, 2002.
CANETTI, Elias. A língua absolvida: história de uma ju-
ventude. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. REGO, José Lins do. Menino de Engenho. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1992.
CATANI, D. B.; BUENO, B. Oliveira; SOUSA, C. P. de.; SOU-
ZA, C. C. Docência, Memória e Gênero: estudos sobre for- SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas,
mação. São Paulo: Escrituras, 1997. culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escritu-
ras, 1998.
Objetivos:
• Elaborar um memorial de sua formação, ao mesmo tempo em que desenvolve uma reflexão a respeito dela.
• Conhecer as diversas formas do gênero memorialístico e a bibliografia pertinente.
1� aula
A entrada na escola: as mãos Assista à primeira parte do vídeo que se refere à formação
da mãe e as da professora docente. Este vídeo deve servir como incentivo para que você
inicie a escrita de seu memorial.
“Escadas majestosas conduziam minha mãe e eu para o in-
terior do colégio, enorme, limpo, imponente. Lembro-me das
recomendações incessantes de minha mãe para que eu me com- Memória e outras fontes
portasse, para que eu não chorasse..., dos funcionários de jaleco
que circulavam pelo saguão e das pessoas cordiais que faziam Lembre-se que existem várias formas de se rememorar
sua vez por entre espaços corridos. fatos vividos. Uma delas é o uso da fotografia. A maioria das
Corredor longo, frio e cinza... sou conduzida pela mão segura, pessoas possui fotos desde a infância que marcam algumas
firme, carinhosa, até o final do corredor. Escuto vozes de crianças facetas de suas vidas. Revê-las, por certo, pode trazer lem-
ao longe. Que medo... quero voltar, mas já não posso, desta vez branças, muitas vezes esquecidas, mas elas são certamente
a Para entender um pouco mais a relação entre memória Como vimos nesta aula...
e sociedade e identidade e o trabalho de professor você pode
ler os dois textos abaixo �
Por ser a primeira aula, você teve aqui seu primeiro conta-
• POLLAK, Michael. Memória e identidade to com esta discussão sobre memória, sociedade e formação.
social: Estudos Históricos. v. 5, n. 10. Assim, você pode perceber que existe uma série de conceitos
Rio de Janeiro, 1992, p. 200-212. e análises sobre o tema. Além disso, indicamos algumas das
Link: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/104.pdf fontes utilizadas para se trabalhar estas questões, como a fo-
tografia, a música, a literatura e o cinema.
Como primeira atividade de avaliação, você deve es- BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1983.
crever a primeira versão de sua Memória de formação, le-
vando em conta todas as leituras e indicações propostas. GOMES, Marcilene Popper. Voos da memória: outros caminhos para entender o pre-
Como esta disciplina compreende três aulas, você deverá sente. Capítulo 1 da Dissertação: Memórias e vida escolar: relatos de formação de pro-
revisar seu texto no final das aulas seguintes. fessoras da educação infantil. Brusque/SC. Disponível em: <http://www.tede.udesc.br/
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=761>. Acesso em: 26 jan. 2009
Utilização em sala de aula NUNES, Célia Maria F.; CUNHA, Maria Amália de A. A “escrita de si” como estratégia de
formação continuada para docentes. Disponível em: <http://www.espacoacademico.
Aproveitando essas leituras e reflexões sobre um me- com.br/050/50pc_cunhanunes.htm>. Acesso em: 26 jan. 2009.
morial e sobre memória e formação, você pode propor a
seus/suas aluno(a)s que escrevam sobre como aprenderam OLIVEIRA, Márcia Michelin de. A entrada na escola: as mãos da mãe e as da professora.
a ler e a escrever. Se você necessitar de uma ideia sobre In: CATANI, Denice B.; VICENTINI, Paula P. Formação e autoformação: saberes e práticas
como realizar essa atividade, vale a pena ler trechos do tex- nas experiências dos professores. São Paulo: Escrituras, 2006.
to de Paulo Freire, A importância do ato de ler, que pode
ser acessado em: RAMOS, Graciliano. Infância. 35. ed. Rio de Janeiro: São Paulo: Record, 2002.
Link: <http://joelteixeira.net/2008/10/paulo-freire-a-
importancia-do-ato-de-ler/>; SEVECENKO, Nicolau. Memória e esquecimento. Folha de São Paulo. São Paulo, 31 ago.
ou no livro do autor: 1987. p. A-2.
• A importância do ato de ler (em três artigos que se com-
pletam). 26. ed. São Paulo: Cortez/ Autores Associados, VASCONCELOS, Geni A. N. (Org.). Como me fiz professora. Rio de Janeiro: DP & A, 2000.
1991. 96 p. (Coleção Polêmicas do nosso tempo) 149 p.
Iniciando nossa conversa Relacionando com a aula anterior, você pode muito bem
ver a diferença entre estes tipos de relato e um memorial de
formação.
Na aula anterior vimos questões mais gerais sobre memó-
ria e formação. Nesta vamos apresentar alguns esclarecimen-
tos necessários para que não se confundam os vários tipos de Gênero memorialístico:
relatos orais ou escritos com o memorial que queremos que Memorial e Curriculum vitae
você escreva ao final desta disciplina.
O gênero “memorial”, ao contrário do que muitas vezes se
pensa, pode ser uma referência importante tanto para uma
reflexão sobre o passado – minha formação –, quanto sobre o
Propondo objetivos presente – minha prática docente.
Percebe-se que as leituras propostas e a elaboração do me-
morial não visam somente a um enriquecimento teórico, que
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: seria importante no que se refere à formação continuada, mas
também a uma intervenção do próprio professor-cursista nes-
Diferenciar os vários tipos de relatos orais e escritos, sa formação e na própria prática docente.
como biografia, autobiografia, curriculum vitae e biografia
romanceada, para que não sejam confundidos com o me-
morial de formação. Curriculum vitae
Atividade de avaliao KONDER, Leandro. Curriculum mortis e a reabilitação da autocrítica. Disponível em:
<http://www.socialismo.org.br/portal/filosofia/155-artigo/256-o-curriculum-mortis-e-
a-reabilitacao-da-autocritica> Acesso em: 1º jun. 2009.
1 Leia o texto abaixo e destaque, pelo menos, três aspectos
importantes na construção de autobiografias. Justifique MORAES, Amaury Cesar. A crítica do discurso pedagógico no romance O Ateneu: um
sua resposta. caso exemplar. Parte da tese de doutorado – Capítulo III: Uma crítica da razão pedagó-
gica. São Paulo: FE-USP, 1997.
(GILLAIN, Anne. The script of delinquency. In HAYWARD, S.; VINCENDEAU, G. French films: texts
and contexts. Tradução Sandra Lima Routledge: Nova York, 2000. p. 142).
investigação
Amaury C. Moraes • Nelson Dacio Tomazi
Iniciando nossa conversa neses poloneses na Europa e na América. Depois deles, muitos
outros passaram a utilizar o mesmo recurso.
No Brasil, Oracy Nogueira, Roger Bastide, Renato Jardim
Escrever biografias ou histórias de vida é uma tarefa que Ribeiro, Florestan Fernandes e Maria Isaura Pereira de Quei-
pode ser realizada por qualquer pessoa que saiba escrever e roz, na década de 1950, escreveram trabalhos, onde, além de
tenha paciência para ouvir ou se recordar. Mas quando esta- recorrer aos relatos, escreveram sobre a técnica e os cuidados
mos falando do ponto de vista sociológico, é necessário que necessários para utilizá-lo de modo adequado ao conheci-
olhemos a construção de histórias de vida como um método mento científico.
de investigação.
Na aula anterior já vimos as diferenças entre as várias for-
mas de expor os relatos orais. Agora vamos ver como é possí- Na Educação...
vel utilizar num processo de pesquisa que pode envolver os
seus alunos em sala de aula. Há pouco mais de duas décadas, os estudos de história da
educação e de didática abriram uma frente nova de pesquisas.
Romperam com a tendência à psicologização da didática e pas-
saram a entender a formação do professor como um processo
Propondo objetivos não exclusivamente determinado pelo individual e, portanto,
como um fenômeno psicológico. Perceberam que a formação
do professor (como de resto a de todos os profissionais) é pro-
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: duto de uma construção coletiva que envolve representações
sociais (como as que dizem respeito à carreira, por exemplo).
Reconhecer que a técnica de história de vida é uma das As biografias e autobiografias já existentes levaram à busca
possíveis formas de se fazer pesquisa, principalmente na de metodologias próprias para a pesquisa sobre a formação
área da educação. de professores. Assim, a história oral – uma metodologia de
pesquisa explorada nos estudos de História, de Sociologia e de
Poder utilizar este método/técnica no desenvolvimento Psicologia Social – contribuiu muito para o trabalho de pes-
de suas aulas na escola em que trabalha. quisadores do campo da educação. Percebeu-se, também, que
nos relatos autobiográficos os depoentes mantinham com o
passado uma relação dialética: não era uma coisa morta, ou,
por outro lado, não era uma coisa acabada, cuja narração era
Conhecendo sobre trivial. Contar o passado acabava sendo uma revisão do pre-
sente e mesmo uma tomada de posição sobre o futuro. O pas-
sado não era, no entanto, dominante de modo a determinar
História de vida: inevitavelmente o presente e o futuro: havia, na verdade, um
método de investigação diálogo entre os três tempos da vida do narrador, de modo
que a elaboração do passado se oferecia como um trabalho
A utilização de relatos orais nas ciências sociais ocorre a ser realizado (aliás, como a própria palavra originalmente
quase desde o seu início. Os primeiros a se utilizarem desse indica – elaborar/laborar/labor).
expediente podem ser chamados de precursores desta meto- Leia os textos abaixo e responda à questão apresentada em
dologia/técnica de pesquisa. Isso aconteceu já no início da dé- seguida:
cada de 1920, quando Florian Znaniecki e William I. Thomas
utilizaram relatos orais no seu famoso estudo sobre os campo-
A história oral e os relatos autobiográficos são metodologias Você pode utilizar a técnica de história de vida para en-
que possibilitam, não somente o conhecimento das histórias de sinar uma série de questões sociológicas em sala de aula.
vidas, mas um processo de subjetivação, entendido como produ- Leia o texto abaixo e faça dele uma inspiração para isso.
ção do sujeito. • MOTA, Kelly Cristine Corrêa da Silva. História de
(OLIVEIRA et al. 1998, op. cit.) vida como metodologia de ensino – Comunicação
exposta oralmente no GT 6 – Experiências de Ensino
de Sociologia: Metodologias e Materiais Didáticos,
Registros e exposição de conteúdos orais coordenado pelo Prof. Dr. Amaury Moraes (USP),
no dia 1º/06/2005, no XII Congresso Brasileiro
Há diferentes formas de se registrar os conteúdos orais que de Sociologia, UFMG, Belo Horizonte/MG.
coletamos numa pesquisa: eles podem ser escritos, gravados Link: http://praxis.ufsc.br:8080/xmlui/handle/praxis/61
por meio de aparelhos que registram apenas a voz (gravadores)
ou na forma de imagens e voz ao mesmo tempo (DVD-filme).
Há também diferentes formas de expor academicamente
esses registros. Por escrito, há três formas: 1. Escrever o que Como vimos nesta aula...
cada informante falou, da forma que falou, com os erros de
gramática e sua forma de falar. O exemplo é o livro Os peões do
grande ABC, de Luiz Flávio Rainho; 2. Escrever intercalando As técnicas de pesquisa são muitas. Aqui apontamos uma
pedaços da fala do informante no texto que escrevemos, o que delas para que você possa avaliar como elas, além de poderem
a maioria faz; 3. Reescrever as falas com sua própria lingua- ser utilizadas para desenvolver uma pesquisa propriamente
gem, procurando ser o mais fiel ao que foi dito, de forma a dar dita, podem ser utilizadas como metodologia de ensino desde
fluência à leitura, cujo exemplo é o livro Memória e sociedade- que envolvam aluno(a)s no seu fazer. As histórias de vida ser-
Lembrança de velhos, de Ecléa bosi. vem para isso também.
Se você optar por outras formas, poderá utilizar painéis,
com textos e fotografias, mas também de pequenos filmes
(curtas) ou documentários.
Atividade de avaliao
Conhecendo mais Neste momento, você chegou ao final da terceira aula sobre
Memória e Formação, e então deverá fazer a última versão
da Memória de sua formação. Ela será a sua avaliação final
• MAUÉS, Joserlina. Memória, história de vida desta disciplina. Utilize o texto abaixo para pensar o que
e subjetividade: perspectivas metodológicas você já escreveu e repensar a escrita final de sua memória
em pesquisas educacionais. de formação.
Link: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_
revistas/30.pdf
PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: VON
00Observação final: O texto final desta disciplina é a pri- SIMON, Olga de Moraes (Org.). Experimentos com história de vida (Itália-Brasil). São
meira parte de um trabalho que poderá ser a sua monografia Paulo: Vértice/Editora da Revista dos Tribunais, 1988.
no final do curso. Guarde-o com cuidado. Na segunda discipli-
na – Memória e Prática Docente –, você terá que redigir outro RAINHO, Luiz Flávio. Os peões do grande ABC. Petrópolis: Vozes, 1980.
texto de avaliação, que também poderá ser mais um elemento
para a construção de seu TCC – Trabalho de Conclusão do SILVA, Marcelo K. Uma introdução à história oral. Cadernos de Sociologia. Porto Alegre,
Curso. v. 9, p. 115-141.
Ementa:
Nesta disciplina pretende-se, a partir da descrição do(a) professor(a)/cursista de suas práticas docentes, promo-
ver reflexão sobre as opções metodológicas, bibliográficas, técnicas e recursos didáticos utilizados em sala de
aula. A bibliografia indicada visa trazer informações e incitar o pensamento sobre estas práticas que, seguidas,
apresentam um caráter memorialístico, biográfico, autobiográfico ou literário (como no caso de romances es-
critos por professores ou a respeito de professores). Por outro lado, e para além da sala de aula, também visa
enfocar a identidade profissional do professor, que tem características pessoais (individuais), e da categoria
profissional à qual ele pertence (coletivo).
Bibliografia Bsica
ASSIS, Machado de. Conto de Escola. In: _____. Várias NÓVOA, A. Vidas de professores. Porto, Portugal: Porto
histórias. São Paulo: W. M. Jackson, 1957. Ed., 1992.
BUENO, B. O.; CATANI, D. B.; SOUSA, C. P. de. (Orgs.). OLIVEIRA, Valeska Fortes de. et al. Imagens, docência
A vida e o ofício dos professores. São Paulo: Escrituras, e histórias de vida. In: II Congresso Luso-Brasileiro de
1998. História da Educação, 1998, São Paulo. Atas. São Paulo:
Faculdade de Educação da USP, 1998. p. 646-652. v. 2.
CATANI, Denice B. et al. Docência, Memória e Gênero: es-
tudos sobre formação. São Paulo: Escrituras, 1997. PASTOR, Raimundo. Alegrias, agruras e tristezas de um
professor. São Paulo: Centro do Professorado Público
CATANI, Denice B.; VICENTINI, Paula P. Formação e auto- Paulista, 1970.
formação: saberes e práticas nas experiências dos pro-
fessores. São Paulo: Escrituras, 2006. SANTOS, Máximo de Moura. O Professor Policarpo: pági-
nas de bom humor, dedicadas ao magistério. 2. ed. Rio
DEMARTINI, Zélia de Brito Fabri (Coord.). Memórias de de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1940.
velhos mestres da cidade de São Paulo e seus arredo-
res. Relatório final apresentado a FINEP. Rio de Janeiro: SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas,
CERU/Fundação Carlos Chagas, 1988. v. II. culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escritu-
ras Editora, 1998.
MORAES, Dislane Zerbinatti. Literatura, memória e ação
política: uma análise de romances escritos por professo- VAZ, Leo. O professor Jeremias. 4. ed. São Paulo: Montei-
res paulistas. São Paulo: USP, 1996. Dissertação (Mestra- ro Lobato & Cia. Editores, 1921.
do em Educação), Faculdade de Educação, Universidade
de São Paulo, 1996. VICENTINI, Paula Perin. Minha vida daria um romance:
lembranças e esquecimentos, trabalho e profissão nas
MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio; CUNHA, Maria Teresa autobiografias de professores. In: MIGNOT, Ana Chrysti-
Santos (Orgs.). Práticas de memória docente. São Paulo: na Venâncio; CUNHA, Maria Teresa Santos (Orgs.). Práti-
Cortez, 2003. cas de memória docente. São Paulo: Cortez, 2003.
Objetivo:
• Desenvolver, a partir da memória das práticas docentes do(a) cursista e da bibliografia sobre o tema, refle-
xão sobre conteúdos, metodologia, bibliografia e recursos didáticos utilizados em sala de aula.
1� aula
Todo(a) professor(a) tem uma prática escolar, mas poucas Rememorar é olhar
vezes realiza reflexões e análises sobre a mesma. Neste senti- o passado a partir do presente
do, a preocupação desta aula é possibilitar que você, a partir
dos textos apresentados, pense e analise a sua prática docente, Trata-se justamente de parar um momento e refletir: pou-
e que, ao final, possa escrever a memória dessa prática. quíssimas vezes fazemos isso, e daí decorre toda uma inse-
gurança sobre se estamos certos ou errados no que fazemos.
Mesmo aquele professor – tradicional ou construtivista, que
tem certeza do que faz, certeza advinda da rotina e da tradi-
Propondo objetivos ção ou da ciência e do método –, mesmo esse professor, ou
especialmente esse professor, deve trazer para si a obrigação
de sempre pensar e repensar a sua prática, sob pena de a fonte
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: de suas certezas ficarem “fora dele” – na tradição ou no méto-
do. Ser professor decorre de uma identidade, e essa identidade
Desenvolver reflexão sobre conteúdos, metodologia, passa pela reflexão sobre o que se faz, ou, noutras palavras,
bibliografia e recursos didáticos utilizados por ele(a) em passa pelo controle intelectual da própria ação – ciência e
sala de aula. consciência.
Nesse sentido, a construção de um memorial sobre a prá-
Analisar a sua prática em sala de aula e buscar alterna- tica docente tem um duplo sentido: por um lado, registro de
tivas para realizá-la. informações fundamentais, permitindo revisões, comparação
e percepção de um processo de evolução nas práticas, retoma-
da das experiências e transformação destas em conhecimento
– a experiência; por outro, a tomada de consciência sobre a
trajetória de uma profissão, sobre a constituição de uma iden-
tidade e sua projeção futura. Não se trata apenas de uma visão
positiva e vitoriosa do passado, onde são esquecidos os impas-
ses, as escolhas não exitosas, numa linearidade irrealista; mas
um diálogo constante entre passado, presente e futuro, como
tempos interdependentes.
Gostaria, neste relato, de trazer à memória minha experiên- Estes depoimentos são importantes para você pensar
cia enquanto professora de Sociologia. Pude ministrar o con- como tem sido a sua prática docente e, ao mesmo tempo, são
teúdo no ano de 2008, 1º, 2º e3º bimestres na Escola Estadual exemplos para você trabalhar sobre suas memórias.
“Magno Claret”, localizada na cidade de Pedro Leopoldo, Minas
Gerais, uma vez que me encontrava em Mobilidade Acadêmica
na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
Nesta escola lecionei Sociologia para duas turmas do Progra- Conhecendo mais sobre
ma Educação para Jovens e Adultos-EJA e oito turmas de 3º ano
do ensino médio regular. Esta experiência trouxe-me momentos
únicos, em que, apesar da habilidade precária diante da tarefa de • Batista, Vera Lúcia. Conta sua história, professora!
lecionar, pude colaborar com vários alunos, na difícil tarefa de Narrativas que significam a prática educativa.
professor substituto. Link: http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/
Nesta experiência, pude compreender em que medida a proesf-memoriais2005/VeraLBatista_
disciplina Sociologia poderia servir para se pensar a realidade ContasuaHistoriaProfessora.pdf
dos alunos para além das fronteiras da sala de aula. Dentre tan-
tos relatos que poderia citar, tenho especial lembrança da aula
cujo nome adotado foi “Recorte Sociológico”, quando cada alu-
no trouxe uma matéria de um jornal qualquer, matéria esta que Como vimos nesta aula...
mais lhes chamasse a atenção e a qual apresentariam para seus
colegas.
Na medida em que as apresentações se seguiam, com mui- Aqui você pode ler alguns depoimentos e reflexões sobre a
tas brincadeiras e comentários diversos, a atenção dos alunos e prática docente, depoimentos de professores do ensino básico
os seus interesses eram cada vez mais nítidos para mim. Dis- e de professores universitários reconhecidos nacionalmente,
cutimos cada matéria de jornal de forma sociológica, buscando como Antonio Candido e Maria Isaura Pereira de Queiroz.
relacionar cada efeito com sua verdadeira causa. E, a partir de
cada apresentação que se seguia, os alunos faziam comentários
e observações que relacionavam as matérias com suas próprias
[...] para ser eficiente, o professor deve ir dando aos alunos, BATISTA, Raquel Aparecida. Memória de minha formação. Disponível em <http://libdi-
com uma das mãos, uma visão estrita e absorvente da matéria, gi.unicamp.br/document/?view=18069 >. Acesso em: 3 jun. 2009.
apresentando-a como algo exclusivo e por vezes totalitário na
interpretação da sociedade, a fim de que o espírito do aluno seja BENTO, Maria Matilde. A divina comédia da minha vida profissional. In: CATANI, Denice
sacudido e fique embebido por este ponto de vista. Com a outra B.; VICENTINI, Paula P. Formação e autoformação: saberes e práticas nas experiências
mão, todavia, é preciso ir temperando esta excessiva absorção; dos professores. São Paulo: Escrituras, 2006.
mostrando, aos poucos, a relatividade do ponto de vista socio-
lógico para o conhecimento integral do homem, que é o verda- CANDIDO, Antonio. Sociologia: ensino e estudo. In: Sociologia: Revista Didática e Cien-
deiro escopo da reflexão e da pesquisa, e que será tanto melhor tífica, São Paulo, v. XI, n. 3, p. 288, set. 1949.
quanto mais completa for nossa visão de que a sociologia é ape-
nas um lado. PEREIRA DE QUEIROZ, Maria Isaura. Reminiscências. In: AGUIAR, Flávio (Org.) Antonio
(CANDIDO, Antonio. Sociologia: ensino e estudo. In: Sociologia: Revista Didática e Científica, Candido. Pensamento e militância. São Paulo: Humanitas, 1999.
São Paulo, v. XI, n. 3, p. 288, set. 1949)
Voltamos a utilizar a literatura e, agora, também filmes Autores como Rousseau e Condillac trouxeram para suas
para analisar, aqui, a prática docente. Estes, junto com depoi- obras dimensões biográficas quando se referiram a práticas
mentos, são elementos importantes para que você construa docentes que realizaram quando estavam a serviço de algum
uma reflexão sobre sua prática docente. senhor, na qualidade de preceptores de filhos da nobreza. É o
caso do Projeto para educação do Senhor de Saint-Marie e As
confissões, de Rousseau, e do Curso de estudos para a instru-
ção do Príncipe de Parma, de Condillac. Nestes textos, esses
Propondo objetivos autores, além de apresentar as propostas de cursos a serem
dados aos alunos, fazem também referência às suas práticas,
mostrando seus êxitos e seus fracassos. Também em outras
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: obras, muitas vezes dissimuladas em ficção, encontramos ex-
periências pessoais dos autores, de sua passagem pelo magis-
Reconhecer que a prática docente possui muitas facetas tério. É o caso, por exemplo, de O calvário de uma professora,
e que é importante desenvolvê-la com muita diversidade. obra de Dora Lice, pseudônimo de Violeta Leme, professora
de ensino primário durante a Primeira República, em São
Utilizar textos literários e filmes para desenvolver sua Paulo, ou de O professor Policarpo, de Máximo Moura San-
prática docente. tos, em que o autor mal disfarça elementos autobiográficos.
Nesses romances, os professores aparecem em suas relações
com “as classes” (entendendo-se aqui salas de aula), com a
comunidade escolar, mas, sobretudo, com a hierarquia e a bu-
Conhecendo sobre rocracia educacional. A permanência na carreira é fruto de
uma visão missionária que depois acabou marcando indele-
velmente as expectativas sobre a profissão: o trabalho difícil
Biografia, autobiografia, texto literário e de alfabetizar, muitas vezes sem recursos da parte do Estado,
filmes enfocando práticas docentes..... realizado com o custo do próprio salário; a profissão que se
feminizava, mas que se mantinha numa carreira predomi-
nantemente masculina; a necessidade de se adaptar às regras
Investigar a memória de professoras e professores sobre seus do jogo – passar no concurso e ir para o “fim do mundo”, le-
primeiros tempos de escola constitui uma tentativa de captar cionar para classes muitisseriadas, em escolas isoladas, em
semelhanças e diferenças nos seus modos de rememoração. A fazendas, ou cidades, sem nenhum recurso para receber um
escrita da memória escolar que, em geral, é a parte que inaugu- professor, tendo que se acomodar em pensões; suportar as in-
ra os livros memorialísticos, não é um gênero novo no campo justiças praticadas por “chefetes” locais, semianalfabetos, etc.
literário. Um rápido olhar sobre como alguns dos grandes au- Essas biografias, autobiografias ou romances vieram a lume
tores de nossa literatura descreveram suas primeiras experiên- muitas vezes inspirados por um desejo de se fazer ouvir a voz
cias escolares funciona como preâmbulo aos relatos de nossos de uma categoria profissional que, pouco a pouco, se amplia-
professores. va, identificando-se como braço do Estado, força civilizatória
(SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas, culturas escolares, profissão docen- ou mal e mal autodefinida como agente da (longínqua) de-
te. São Paulo: Escrituras, 1998). mocratização do ensino.
1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 2ª Aula: Biografia, autobiografia, texto literário e filmes enfocando práticas docentes 35
É o lugar social que é determinante para a estrutura da memória Filmes enfocando a prática docente
sobre o social [...] e para a produção das formas de memória
específica nos homens e nas mulheres. • Sociedade dos poetas mortos (Dead Poets Society).
(BERTAUX-WIAME, Isabele. Jours paisibles à Seèvres: la differenciation sociale et sexuelle de Dir.: Peter Weir. Intérpretes: Robin Williams,
la mémoire urbaine, 1985, apud SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas, Ethan Hawke e outros. Touchstone.
culturas escolares, profissão docente. São Paulo: Escrituras, 1998). Pictures, 129 min. (EUA, 1989).
A estória deste filme (vencedor do Oscar de melhor ro-
teiro original) passa-se em 1959 e mostra as relações de
Escrever sobre si é autorrevelar-se, é um recurso privilegiado um professor com seus alunos no interior de um tradicio-
de tomada de consciência de si mesmo, pois permite ‘atingir nal colégio da Nova Inglaterra, organizado em um sistema
um grau de elaboração lógica e de reflexividade’, de forma mais acadêmico rígido e autoritário, baseado nos princípios da
acabada do que na expressão oral. A autobiografia é um dos ele- tradição-honra-disciplina-excelência.
mentos que compõem um conjunto diversificado de produções O carismático professor de Literatura, John Keating
sobre si, representando uma das ‘mais nobres modalidades da (interpretado por Robin Williams), é um ex-aluno da
escritura identitária’. instituição que retorna a ela na condição de professor de
(ALBERT, 1993, apud SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas, culturas escola- Literatura. Este professor, apaixonado pela poesia e muito
res, profissão docente. São Paulo: Escrituras, 1998). liberal no trato das questões de ensino, vai transformando
a rotina de seus alunos com métodos pouco convencionais.
Sempre bem-humorado, o professor procura abrir as men-
Um mestre deve ser temido; é preciso para tanto que o aluno tes de seus alunos, incentivando-os sempre a seguirem
esteja bem convencido de que ele está no direito de puni-lo: mas seus sonhos e a viverem intensamente. Daí a frase sempre
deve sobretudo ser amado, e que meios tem um governante de repetida: Carpe diem – “Aproveitem o dia”. Assim, utilizan-
se fazer amar por uma criança a quem ele nunca tem a propor do métodos de ensino diferenciados, propunha que seus
senão ocupações contrárias ao seu gosto, se não tiver, por outro alunos aprendessem a pensar por si mesmos. Veja uma se-
lado, poder para conceder-lhe esporadicamente pequenos agra- quência do filme em:
dos que quase nada custam em despesas ou perda de tempo, e Link: <http://www.youtube.com/
que não deixam, se oportunamente proporcionados, de causar watch?v=kW__708OGRA&hl=pt-BR>.
profunda impressão numa criança, e de ligá-la bastante a seu Em pouco tempo, entretanto, os resultados começam a
mestre. aparecer e, com eles, os conflitos com as atitudes confor-
(ROUSSEAU, Jean-Jacques. Projeto para educação do Senhor de Saint-Marie. Porto Alegre: Pa- mistas e conservadoras dos pais e da ortodoxa direção do
raula, 1994. p. 15 e 17). colégio. Considerados rebeldes, na realidade eles dão seus
primeiros passos para se tornarem adultos.
Mas, ao mesmo tempo, as regras da Sociedade dos po-
Quase possuía todos os conhecimentos necessários para um etas mortos (antiga sociedade recriada pelos alunos) são
preceptor e julgava que tinha jeito para isso. Durante o ano que ainda rígidas, pois todos os seus membros, se quiserem
passei em casa de M. de Mably, tive tempo de me desenganar. A participar dela, têm que ler poemas, produzir versos, reu-
doçura de meu gênio me favoreceria o desempenho dessa mis- nir-se em horários definidos, referenciar poemas de auto-
são se os arrebatamentos não tivessem ocasionado tempestades. res reconhecidos, entre outras coisas.
Enquanto tudo ia bem e eu via a compensação de meus cuidados A situação altera-se quando um dos alunos suicida-se,
e trabalhos, não me maldizia: era um anjo; mas era um diabo pois não aguenta a pressão da família para ele ser o que
quando as coisas saíam às avessas. Quando meus alunos não me não quer. A escola é processada, sendo responsabilizada
entendiam, ficava zonzo, e se percebia que era por perversidade, pelo desvio do jovem adolescente, e o professor Keating é
tinha vontade de matá-los: o que não era o meio de torná-los considerado pela instituição como o principal responsável.
prudentes e sábios. A sequência final é muito importante para demonstrar
(ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confissões, (ano de 1741). Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio, o que um professor pode desenvolver nos alunos: a capaci-
1948. p. 244-245). dade de tomar decisões na vida. Veja a sequência final do
filme em:
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=eR_
KX5Gh4KM&featu re=related>
36 1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 2ª Aula: Biografia, autobiografia, texto literário e filmes enfocando práticas docentes
• Escritores da liberdade (Freedom Writers). sam a gostar de ir à escola. E, obviamente, isso também
Dir.: Richard LaGravenese. Intérpretes: vai incomodando os diretores da instituição, que invejam a
Hilary Swank, Patrick Dempsey, Scott Glenn, maneira como Erin conduz a sua turma, ou sentem medo
Imelda Staunton, Kristin Herrera. Paramount de educar aquelas pessoas, com medo de que elas possam
Pictures. 123 min. (EUA, 2007). se tornar vozes de protestos.
Esta estória, que passa-se em 1994, aborda a atuação Com o passar do tempo, os alunos vão se engajando em
de uma jovem, Erin (interpretada por Hilary Swank), que seus escritos nos diários e, trocando experiências de vida,
resolve ser professora e que acredita que a educação pode passam a conviver de forma mais tolerante, superando en-
mudar a sociedade em que vive. Mas a realidade que ela traves em suas próprias rotinas. Erin Gruwell não fica sem
encontra em seu primeiro emprego, numa instituição de problemas, pois, para dar certo, ela se envolve em outro
Ensino Médio, é completamente diferente do que ela acre- trabalho, para poder fazer frente aos gastos existentes, e
ditava, principalmente porque o caos é uma constante. As- isso acaba refletindo em seu casamento, o que por fim leva
sim, vai lecionar Língua Inglesa e Literatura para uma tur- ao rompimento. Veja esse diálogo:
ma de adolescentes considerados “turbulentos”, inclusive Link: <http://www.youtube.com/watch?v=Dwq-Mz81eTE>
envolvidos com gangues. Os estudantes da instituição não Como se pode perceber, a vida da professora não é um
têm oportunidades, e a grande maioria que ali está veio “mar de rosas”. Mesmo assim ela prossegue e, ao final, con-
de um programa de inserção criado pelo governo ameri- segue que a maioria dos alunos possa perceber que, apesar
cano na época, onde muitos jovens que iriam para refor- de todos os embates cotidianos, é possível viver outra vida
matórios, no caso, eram “jogados” em escolas públicas em com mais tolerância.
convívio com outras pessoas sem nenhuma perspectiva de Esses alunos reuniram seus diários em um livro, que
vida. foi publicado nos Estados Unidos em 1999. Posteriormen-
Os estudantes parecem viver em situações muito con- te foi criada a Fundação Escritores da Liberdade, que você
flituosas e, por isso, vivem sempre enturmados em peque- pode conhecer em:
nos grupos e gangues, dependendo de suas relações e do Link: <http://www.freedomwritersfoundation.org/>.
espaço onde vivem. As disputas para marcar território ou
para marcar posições pessoais são constantes. É a guerra
pessoal de cada um: tentar se afirmar ou ser popular. • Entre os muros da escola (Entre les murs).
Ao perceber os problemas enfrentados pelos estudan- Dir.: Laurent Cantet. Intérpretes: François
tes, a professora Erin resolve transformar o espaço da sala Bégaudeau, Nassim Amrabt, Laura Baquela,
de aula em um lugar em que aquele(a)s jovens possam se Cherif Bounaïdja Rachedi, Juliette Demaille, Dalla
sentir bem, como uma segunda casa. Por isso ela propõe Doucoure, Wei Huang, Franck Keïta, Justine Wu,
para que cada um comece a escrever um diário, em um Rachel Régulier, Esméralda Ouertani, Boubacar
caderno que ela entregou a ele(a), relatando a vida, as an- Touré. Canal + e outros. 128 min. (França, 2008).
gústias, os sonhos, os medos, o que esperavam da vida e
do futuro.
O roteiro é inspirado nos diários que esses adolescentes 00Observação inicial: todos os atores são professores, alu-
escreveram, pois o filme é baseado em fatos reais, o que au- nos e pais também na vida real, muito embora não interpre-
menta a autenticidade daquilo que é narrado. Assim, como tem a si mesmos. São atores amadores.
esse novo método de ensino, ainda que sem a concordân-
cia da diretora do colégio, ela vai desenvolvendo suas aulas.
Numa das primeiras aulas, a professora teve um en- O filme (Vencedor da Palma de Ouro do Festival de
frentamento com seus alunos, e aí ela percebe que deve Cannes, 2008) é baseado no livro homônimo de François
mudar a maneira de trabalhar com ele(a)s. Veja como Bégaudeau (também intérprete do professor protagonis-
foi o enfrentamento em: <http://www.youtube.com/ ta), que retrata a experiência de um professor do ensino
watch?v=GzEwgMuM6SM>. médio francês, num colégio nos arredores de Paris, às vol-
Ao perceber que a questão da intolerância era mútua tas com uma turma que, à primeira vista, não parece muito
entre os diversos grupos existentes, a professora indicou a a fim de cooperar. O personagem central da história tem
leitura do livro “O Diário de Anne Frank”, com o objetivo de lidar não só com a falta de interesse dos alunos em sua
de que os alunos percebessem a necessidade de tolerância disciplina, mas com as diferenças sociais e o choque entre
mútua. culturas africana, árabe, asiática e, claro, europeia, dentro
A nova prática dá certo, e desperta em seus aluno(a) das quatro paredes da sala de aula. É um filme mais focado
s uma nova maneira de paixão de ver a vida, e assim pas- na geografia de uma sala de aula, isto é, nas relações entre
1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 2ª Aula: Biografia, autobiografia, texto literário e filmes enfocando práticas docentes 37
as pessoas que ali convivem, alunos e professor, alunos e • SALCIDES, Arlete M. Feijó; FABRIS, Elí T. Henn.
alunos, professor e professores, professor e pais e, por fim, Representações de espaço e tempo escolares
alunos e pais, onde o espectador fica como observador no filme “Sociedade dos poetas mortos”.
invisível e onipresente da rotina “entre os muros” durante Link: http://ww.eca.usp.br/alaic/Congreso1999/11gt/
um ano letivo. Arlete%20M.rtf
O personagem do professor François fascina, é um ser
humano que, às vezes, pode aparecer como “herói” que • Uma análise crítica de vários filmes
tenta salvar aquela turma do caos, mas que também falha sobre escola pode ser lida em MORAES,
e pode aparecer como “vilão” ao romper a linha de condu- Amaury C. A escola vista pelo cinema.
ta com os alunos em pelo menos dois momentos em que Link: http://www.hottopos.com/videtur21/amaury.htm
procura estimular o conhecimento do aluno e não apenas
passar a lição de casa, dar ou tirar notas e esperar o sinal
tocar. Por outro lado, a atitude agressiva de alguns alunos
pode ser entendida como um mecanismo de defesa e pode Como vimos nesta aula...
parecer falta de autoestima para se valorizarem.
Neste contexto aparecem os problemas sociais trazidos
para dentro da escola, as questões de limites e disciplina/ Literatura e cinema são expressões que podem nos ajudar
indisciplina e a relação difícil entre alunos e alunos e entre a compreender a prática docente. Aqui eles foram utilizados
estes e o professor. para uma reflexão sobre este tema e também como suporte
O que este filme nos faz pensar é que os jovens chegam para a escrita de seu memorial.
à escola com seus próprios problemas, sua própria cultura,
e se deve lidar com isso. É um debate bem antigo sobre a
escola: é um lugar onde se deve aprender Gramático e Ma-
temática, ou a escola deve dar não só o conhecimento mas Atividades de avaliao
também as ferramentas para que os alunos encontrem seu
lugar na sociedade? Ou ambos?
O trailer do filme pode ser visto no endereço: Como você já escreveu uma primeira versão (no final
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=9EAdkrVbzjU> da primeira aula desta disciplina) da Memória de sua prá-
tica docente, chegou o momento de reescrevê-la acrescen-
tando novas informações oriundas da reflexão que esta
disciplina lhe ofereceu.
Conhecendo mais sobre
Em sala de aula você poderá passar um dos filmes indi-
cados nos textos e comentar com seus alunos o que viram,
Biografia, autobiografia, textos literários ou mesmo pedir para eles falarem ou escreverem sobre os
e filmes enfocando práticas docentes professores que tiveram.
b Dois artigos que analisam criticamente o filme “Socie- MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Moraes Ed., 1970.
dade dos poetas mortos” são �
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confissões. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora, 1948.
• ROCHA, Demerval Florêncio. Análise do
filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. _____. Projeto para a educação do Senhor de Saint Marie. Porto Alegre: Paraula, 1994.
Link: http://www.filosofiabarata.com.br/blog/artigos.
php?p=7&more=1&c=1&tb=1&pb=1 TURNER, G. Cinema como prática social. São Paulo: Summus, 1997.
38 1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 2ª Aula: Biografia, autobiografia, texto literário e filmes enfocando práticas docentes
Identidade profissional:
3� aula
1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 3ª Aula: Identidade profissional: dimensões pessoais e coletivas 39
Em uma pesquisa desenvolvida por professoras da Unesp foram os meus bons professores? Que tipo de experiência mar-
de Marília, com uma amostragem de 50% do universo total cou mais a minha vida de aluno em sala de aula? Como tem se
dos egressos atuantes na rede pública de ensino, entre outras constituído o convívio com os meus alunos? Quais os momentos
observações elas apontam que, no processo de integração mais difíceis em minha trajetória como professora? Estas e ou-
entre a universidade e a escola básica, existem as seguintes tras questões compõem um material fértil de promoção e auto-
questões que devem ser levadas em conta quando se analisa a formação, a partir do qual a profissão docente pode ser enten-
prática dos professores: dida numa dinâmica mais ampla e consciente. A diversidade de
relatos produzidos pelas alunas-professoras também contribuiu
conteúdos extremamente teóricos dos cursos, o que di- para a percepção de que a escola e a docência são construídas
ficulta, na prática pedagógica, a socialização desses con- numa dupla perspectiva, tanto individual quanto coletiva.
teúdos, a fim de propiciar aos alunos a compreensão das
disciplinas ministradas na educação básica; (VICENTINI, Paula P.; SILVA, Vivian B. da; GILIOLI, Renato S. P. Memórias de sala de aula e da
profissão: algumas questões. In: CATANI, Denice B.; VICENTINI, Paula P. Formação e autoforma-
desarticulação dos saberes pedagógicos com os de con- ção: saberes e práticas nas experiências dos professores. São Paulo: Escrituras, 2006.)
teúdos específicos, prejudicando o efetivo exercício da do-
cência. Esse fato explicita a necessidade de reformulação
da licenciatura na sua concepção e organização;
Os tabus com relação
desconhecimento ou visão distorcida do cotidiano es- aos professores
colar e de seus agentes (alunos, professores, funcionários,
comunidade local), indicando ausência de relação siste- Theodor Adorno, num texto, Tabus a respeito do Professor,
mática entre universidade e escola básica, gerando defa- analisa os tabus e a aversão contra a profissão de professor(a),
sagem entre o conhecimento da realidade escolar e sua partindo da observação “que é justamente entre os melhores
abordagem teórico-prática na licenciatura; estudantes, após a aprovação nos exames oficiais, que se encon-
tra a maior aversão contra a profissão para a qual esses exames
esgotamento do modelo tradicional de estágio supervi- qualificam e que fica à disposição deles.” E isso, para ele, está
sionado, pois o estágio restrito às atividades de observação inserido num processo de não reconhecimento pelas pessoas,
de sala de aula em situação de constatação de problemá- mesmo sabendo que o professor da educação básica fez um
ticas apenas, sem a possibilidade de atuação articulada na curso superior.
escola, é modelo corrente. Este modelo de estágio, ao não Antonio A.S. Zuin, em um artigo intitulado Sobre a atua-
proporcionar ao licenciando a compreensão científica de lidade dos tabus com relação aos professores, comentando o
tais problemas, gera sentimento de impotência e desâni- texto de Adorno argumenta:
mo para o futuro profissional e, muitas vezes, afasta-o da
opção pelo exercício da docência. “que as atuais representações aversivas dos alunos com relação
aos seus mestres, os chamados tabus, são decorrentes da violên-
(BARBOSA, Maria Valéria; MENDONÇA, Sueli Guadelupe de Lima; SILVA, Vandeí Pinto da. For- cia simbólica que o professor exerce sobre o aluno, com ênfase
mação de professores e prática pedagógica: Sociologia e Filosofia no ensino médio na escola na universidade. E se a atitude violenta causa inicialmente uma
atual. p. 10-11. Disponível em: <http://www6.ufrgs.br/ensinosociologia/textos.htm>) sensação de mal-estar, logo é identificada como algo “ineren-
te” ao processo de ensino-aprendizagem. Tal violência torna-se
valorizada tanto pelos professores quanto pelos alunos que se
40 1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 3ª Aula: Identidade profissional: dimensões pessoais e coletivas
00Obs.: Depois de ler este artigo, procure analisar no próxi- como disse, o caminho e os objetivos profissionais de quem se
mo Fórum de debates a sua situação e os tabus e os preconcei- dedica à vida acadêmica estão traçados, em suas grandes linhas,
tos existentes em relação à sua situação como professor(a) da muito antes da pessoa pensar tornar-se acadêmico. São esco-
educação básica. lhas, sem dúvida, mas feitas dentro de contextos limitados. Mas
o fato de pisar numa sala de aula ter sido um grande divisor
O depoimento abaixo é importante para perceber que a de águas em minha vida não foi o de simplesmente resolver o
trajetória de um professor normalmente não é linear e sem- problema de minha sobrevivência, porque, como costumo dizer
pre existem obstáculos pessoais, sociais ou institucionais para sempre, ao me tornar professor tropecei em meu problema de
desenvolver esta profissão. pesquisa. De fato, quando deixei as aulas de Filosofia e passei a
trabalhar com Sociologia descobri (à época e apesar da licen-
ciatura, para mim foi uma descoberta) que não tinha nenhuma
base sobre a qual me apoiar para iniciar minha vida docente.
Professor porque nada mais sei fazer A escola em que comecei como professor de Sociologia, uma
nesta vida escola privada, exigiu como meio de seleção, além de currículo
e aula-teste, a elaboração de um projeto para a disciplina. Sem
Nunca soube exatamente para quê eu serviria. Este senti- nunca ter ensinado Sociologia me vi obrigado a pensar a disci-
mento me atormentou por muitos anos e foram muitas as ten- plina desde sua justificativa, suas bases, seu sentido de existir
tativas de adequação profissional que fiz. De instalador de alar- numa escola média. Daí que ao mesmo tempo, por vezes con-
mes eletrônicos a contabilista, passando por apicultor e feirante, vivência difícil, mas sempre positiva, minha vida profissional,
todas as experiências que vivi foram extremamente frustrantes. intelectual e acadêmica teve um duplo início: como professor
É que nos sonhos do movimento estudantil secundarista a ideia de Sociologia no ensino médio e como pesquisador em início
de me empregar e viver a vida adulta normal era algo distante; de caminho, um graduando escrevendo sua monografia sobre o
e urgente mesmo, a revolução. Curioso, deixei o movimento e ensino de Sociologia. Tudo isso se desdobra até hoje de múlti-
a escola, sem nada em que me apoiar, e nestas circunstâncias plas formas e com uma continuidade e uma persistência que me
atirar a esmo faz todo o sentido. Pensando nisso parece até que espantam. Porque me espanta perceber que ainda me empolga
estou falando de outra pessoa. E creio que esteja mesmo. Penso pensar sobre isso. Volto ao ensino médio sempre e de várias for-
como um verdadeiro divisor de águas o dia em que pisei pela mas (e espero voltar à sala de aula também), e dou sequência à
primeira vez numa sala de aula como professor. Não que tenha pesquisa na chegada ao doutorado, como foi no mestrado. Mais
sido fácil, muito ao contrário. Foi na escola pública Vasco Couti- que isso, me dou conta, me tornei professor; agora sei pra que
nho que assumi a disciplina de Filosofia. O primeiro ano foi um sirvo ou devo servir. Sempre odiei a ideia de não ter tanto con-
ano de choro na sala da coordenação: tinha certeza de que sim- trole sobre a construção de minha própria identidade, e acabo
plesmente aquelas pessoas que tinha por alunos não gostavam grato por minha identidade ter sido construída em torno desta
de mim. Mas a experiência docente realmente produziu eco trajetória. Continua não sendo fácil, mas que fazer?, tornei-me
em mim. E quando já dava como certo que se tratava de mais um professor de Sociologia.
uma experiência frustrante, comecei a pensar que nem todos os
meus alunos pareciam sofrer com as minhas aulas. E apesar de (Flávio Sarandy – Professor de Sociologia no Ensino Médio e de Ciências Sociais em Cursos de
não haver muita opção profissional para quem se dedica à vida Graduação em Direito, Vitória, Espírito Santo. Mestre em Sociologia pela UFRJ, com disserta-
acadêmica, senão a docência, confesso que contei com alguma ção sobre a Sociologia no Ensino Médio no Brasil. Em 4 de junho de 2009).
sorte. Conheci pessoas que me ajudaram, e como! Pessoas que
me deram grandes lições sobre ser professor, que me ajudaram
a superar as incertezas do que fazer. Trabalhei em algumas es-
colas e, em todas elas (mas também em ambiente extraescolar, Conhecendo mais sobre
como em oficinas, cursos e encontros acadêmicos), conheci
colegas professores, coordenadores pedagógicos e pesquisado-
res do ensino com os quais pude aprender muito e continuo a Identidade profissional
aprender, até que a necessidade e a própria trajetória acadêmica
me levaram ao ensino superior, mas isso seria outra história. Os textos abaixo procuram apresentar aspectos da prática
Com o tempo, inclusive, consegui me dedicar exclusivamente e da profissão docente de diversas formas para que você possa
ao ensino das ciências sociais, área de formação. Às vezes olho perceber quais são as possíveis visões/representações sobre
para trás e percebo que ainda estou perseguindo objetivos que esta profissão. São elementos importantes para você escrever
de forma não muito consciente tracei quando ingressei na gra- suas memórias. Nos textos, você vai encontrar elementos que
duação em ciências sociais, ou aos quais me comprometi, pois,
1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 3ª Aula: Identidade profissional: dimensões pessoais e coletivas 41
tratam desta aula e alguns outros que fazem ponte com assun- Atividades de avaliao
tos anteriormente vistos. Fique à vontade!!!! �
• MOTA, Kelly Cristine Corrêa da Silva. Os lugares Esta é a última aula da 2ª disciplina, e como você já fez
da sociologia na formação de estudantes do duas redações sobre a memória de sua prática docente é
ensino médio: as perspectivas de professores. o momento de concluí-las e, assim, ter a sua redação fi-
Link: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n29/n29a08.pdf nal. Junto com a escrita da Memória de sua Formação, que
você apresentou no final da primeira disciplina, agora você
• SILVA SOBRINHO, Helson Flávio da. deve escrever a Memória de sua prática docente, que será a
Eu odeio/adoro Sociologia: sentidos que avaliação desta disciplina. Assim, você poderá reconhecer
principiam uma prática de ensino. o que foi feito neste período e também a sua trajetória de
Link: http://www6.ufrgs.br/ensinosociologia/textos.htm formação e prática docente. Esperamos que isso sirva para
uma autoanálise e uma reflexão para caminhar com maior
• BATISTA, Vera Lúcia. Conta sua história, professora autonomia na trajetória da profissão que escolheu.
– Narrativas que significam a prática educativa.
Link: http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/
proesf-memoriais2005/VeraLBatista_
ContasuaHistoriaProfessora.pdf Referncias
OLIVEIRA, Valeska Fortes de. et al. Imagens, docência e histórias de vida. In: II Congres-
so Luso-Brasileiro de História da Educação, 1998, São Paulo. Atas. São Paulo: Faculdade
Como vimos nesta aula... de Educação da USP, 1998. p. 646-652. v. 2.
SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B. Práticas educativas, culturas escolares, profissão
Nesta aula se encerra a 2ª disciplina e a preocupação com docente. São Paulo: Escrituras, 1998.
a memória da formação e da prática docente. Nela você pode
ler algumas análises e depoimentos que permitirão que você ZUIN, Antônio A. S. Sobre a atualidade dos tabus com relação aos professores. Educa-
escreva com mais tranquilidade a parte final de sua memória ção & Sociedade. Campinas,SP, v. 24, n. 83, p. 417-427, agosto 2003.
da prática docente, incluindo aí aspectos de sua profissão e
identidade como professor(a).
42 1º Módulo Disciplina 2: Memória e prática docente 3ª Aula: Identidade profissional: dimensões pessoais e coletivas
Disciplina 3 Ensino de Sociologia: história,
metodologia e conteúdos
Ementa:
Bibliografia Bsica
CARVALHO, Lejeune Mato Grosso (Org.). Sociologia e en- TOMAZI, Nélson Dácio. Sociologia para o ensino médio.
sino em debate: experiências e discussão de Sociologia São Paulo: Atual, 2007.
no Ensino Médio. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2004. 392 p.
HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luis Fernandes de (Orgs.) A
MEDIAÇÕES. Revista de Ciências Sociais. Dossiê Ensino sociologia vai à escola. História, ensino e docência. Rio
de Sociologia. Departamento de Ciências Sociais da de Janeiro: Quartet/FAPERJ, 2009.
Universidade Estadual de Londrina. Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, v. 12, n. 1, jan./jun. 2007. PLANCHAREL, Alice Anabuki; OLIVEIRA, Evelina Antunes
Londrina: Midiograf, 2007. F. de (Orgs.). Leituras sobre sociologia no ensino médio.
Maceió: EDUFAL, 2007.
Objetivo:
• Desenvolver reflexão sobre o ensino de Sociologia no nível médio, considerando seus aspectos históricos,
normativos e metodológicos.
Iniciando nossa conversa pectos relativos aos seus conteúdos e metodologias, bem
como seus manuais.
Caro(a) cursista,
Provavelmente você já se deparou com questionamentos
do tipo: então professor, o que é mesmo Sociologia? O que eu Propondo um caminho
vou estudar nessa matéria? Cai no vestibular? E, talvez, um
aluno, em um tom mais desafiador, já tenha indagado: eu sou
obrigado mesmo a cursar essa disciplina? Todo o conhecimento reflexivo da realidade infinita realizado
Soma-se a esses questionamentos aqueles que já fazem pelo espírito humano finito baseia-se na premissa tácita de que
parte do seu trabalho docente: por que, o que e como ensinar apenas um fragmento limitado dessa realidade poderá constituir
Sociologia? de cada vez o objeto da compreensão científica, e de que só ele será
Neste curso, você verá que tais indagações, provocações e essencial no sentido de digno de ser conhecido.
dúvidas são esperadas em relação a uma disciplina que tem Max Weber
uma história de muitas idas e vindas com pelo menos um sé-
culo de ensino nas escolas brasileiras de nível médio. Nesse pe- Nesta unidade, a história da Sociologia no Ensino Médio
ríodo, questões como o por quê, o que e como ensinar Sociologia brasileiro está dividida em 5 momentos:
foram abordadas e trabalhadas de diferentes maneiras.
Por isso, como afirmado anteriormente, a proposta nesta • 1996-2009: Começando a contar a história
primeira unidade é contribuir para que você possa conhecer pelo seu “final”. Agora é Lei, mas...
mais sobre a história do ensino da Sociologia e continuar fa- • 1891-1925: Uma sutil lembrança.
zendo uma autocrítica sobre sua prática docente, seja em ter- • 1925-1942: Presente e debatida!
mos de conteúdos e de recursos didáticos. Assim, o caminho • 1942-1982: 40 anos de solidão.
está aberto para você realizar, nas próximas duas unidades, • 1982-1996: Retorno tímido.
uma discussão mais dinâmica sobre as possibilidades dos te-
mas, teorias e conceitos que podem ser abordados em sala de Cabe ressaltar que a periodização e os próprios títulos aci-
aula, bem como dos recursos metodológicos e didáticos que ma são escolhas e, assim, refletem princípios e valores que de-
se encontram à sua disposição hoje. vem ser explicitados. Em primeiro lugar, pressupõe-se, como
lembra Max Weber, que a realidade é infinita e que somente
um fragmento dela pode ser objeto de estudo. Nessa perspec-
tiva, a história é a história contada, recortada, reconstruída a
Propondo objetivos partir de cores e cortes.
Durante muito tempo, nos cursos e nos livros sobre a His-
tória das Ciências Sociais no Brasil não havia praticamente
O que se pretende então nesta etapa do curso é: nenhuma citação sobre a História do ensino de Sociologia nas
escolas médias. Interessante que a história da Sociologia no
Possibilitar reflexão sobre o ensino de Sociologia no ní- Brasil, enquanto componente curricular, inicia-se no ensino
vel médio, considerando seus aspectos históricos. secundário. Este fato recebeu pouca atenção dos pesquisa-
dores da história das Ciências Sociais, tornando-se segundo
Problematizar a história da Sociologia no Ensino Mé- Adriano Giglio “uma nota de rodapé”1.
dio e, a partir desse conhecimento realizar uma autocríti- Os títulos foram escolhidos para chamar a atenção para
ca à prática docente, tanto em termos de conteúdos como essa história em parte esquecida, tornada uma nota de roda-
de recursos didáticos. pé; chamar a atenção para a ausência, a solidão, lembrando o
poeta quando nos diz:
Descrever e comparar os momentos da história da So-
ciologia no Ensino Médio, considerando seuss aspectos
legais, políticos, sociais, pedagógicos, epistemológicos e
ideológicos.
Identificar continuidades e descontinuidades na his- 1 GIGLIO, Adriano. A Sociologia na Escola Secundária: uma questão das Ciências Sociais no Brasil
– Anos 40 e 50. (Dissertação). Rio de Janeiro: IUEPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do
tória da Sociologia no Ensino Médio, tendo em vista as- Estado do Rio de Janeiro, 1999. (Introdução)
Me chama, me chama, me chama
Nem sempre se vê
Lágrimas no escuro, lágrimas no escuro
Nem sempre se vê
Mágica no absurdo, mágica no absurdo, mágica... cadê você...
Lobão
2 Sobretudo as dissertações de Rêses e Santos, nas quais buscou-se inspiração para os títulos das
aulas a o organização e dinâmica das aulas. Nesse sentido, cabe ressaltar ainda os trabalhos de
Meucci e Sarandy. Idem nota 1.
Unidade 1 – Histria do ensino de Sociologia no Ensino Mdio no Brasil
Caro(a) cursista,
Diferente de outras disciplinas, você verá que o ensino da
Sociologia, desde o início do século XX, permeia situações que
vão desde a sua obrigatoriedade até sua completa ausência no
ensino médio. Esta intermitência gerou uma série de proble-
mas para o desenvolvimento de uma discussão sobre o ensino
da Sociologia nesse nível.
Com a aprovação da Lei nº 11.684, as atenções puderam se
concentrar prioritariamente no encaminhamento desses pro-
blemas. Por exemplo, no processo de construção das OCNs,
Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio,
seus autores se defrontaram com a seguinte situação:
O Presidente da República em exercício, José Alencar, assina Lei que inclui a Filosofia e a Sociologia
em todas as séries do Ensino Médio. (2 de junho de 2008) Diferentemente das outras disciplinas escolares, a Sociologia
não chegou a um conjunto mínimo de conteúdos sobre os quais
haja unanimidade, pois sequer há consenso sobre alguns tópicos
No dia 2 de junho de 2008, o Presidente da República em ou perspectivas.3
exercício, José Alencar, sancionando a Lei nº 11.684 que in-
cluiu a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias Tal situação estaria relacionada com a “instabilidade” da
em todas as séries do Ensino Médio. Se não há uma lei com disciplina, conforme citado acima. Isso dificultou a constitui-
mesmo teor e clareza em relação à Biologia, Química, Física, ção, o surgimento de uma comunidade de professores, com
Geografia, História, por que uma Lei para a Sociologia? encontros, debates, seminários, locais, regionais, nacionais,
que teria possibilitado a construção de consensos em torno de
conteúdos e metodologias de ensino.
Por essas razões, professor/professora de Sociologia, a
Propondo objetivos aprovação da obrigatoriedade da disciplina se tornou um
marco simbólico, a partir do qual queremos discutir a presen-
ça da Sociologia no ensino médio.
Descrever, analisar e compreender a História da Socio- Inicialmente, vimos que a própria história da disciplina
logia no Ensino Médio entre os anos de 1996 a 2009. no Ensino Médio foi esquecida. Essa é uma das razões que
dificultam a reconstituição do próprio processo de institucio-
Analisar o contexto histórico e epistemológico do refe- nalização da disciplina que culminou na Lei nº 11.684, mas
rido período. que – é importante frisar – a ela não se reduz.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 1ª Aula: 1996-2009: Começando a contar a história pelo seu “final”... 47
Nos anos 80 e 90, em diversas unidades da Federação, de- Em 1998, em 1º de junho de 1998, foi aprovado o Pare-
senvolveram-se lutas com o objetivo de incluir a Sociologia no cer 15/98 – Conselho Nacional de Educação com as Diretri-
Ensino Médio. Sobre algumas dessas lutas existem artigos, re- zes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM).
gistros, documentos, enquanto sobre outras, não. E você sabe Ressalta-se que as diretrizes estabelecidas no Parecer são con-
como se deu esse processo no seu Estado? firmadas pela Resolução 03/98, iniciando-se uma Reforma do
Ensino Médio.
De acordo com as DCNEM, os estudos de Filosofia e So-
ciologia estarão presentes na área de Ciências Humanas e suas
tecnologias para cumprimento da determinação expressa no
Atividade no ambiente virtual artigo 36. Todavia, o Parecer não cita a Filosofia e a Sociologia
como disciplinas, como a bem da verdade, não o faz em rela-
Elabore um pequeno relato sobre a situação da Sociolo- ção a nenhum outro caso.
gia em seu Estado até 2008. Antes da Lei, qual era o status da Conforme esclarecimento posterior da conselheira Guio-
disciplina Sociologia: obrigatória ou optativa, em quais séries, mar Namo de Mello, a doutrina curricular que presidiu a re-
com qual carga horária? Houve movimentos para sua inclusão forma do ensino médio não teria os conteúdos da disciplina
no currículo? Foi criada alguma legislação sobre o assunto: escolar clássica, referia-se, como afirmou, às competências
portaria, decreto, lei estadual? que cada uma das disciplinas poderia possibilitar na forma-
ção do aluno.5
Para as disciplinas tradicionais, sem histórico de intermi-
tência nos currículos escolares, essa interpretação não teve
maiores consequências. No caso da Sociologia gerou, porém,
Caro(a) cursista, no ambiente virtual, você terá oportuni- uma quebra de expectativas em relação ao seu processo de
dade de conhecer a história de movimentos pelo Brasil: uns institucionalização. Apesar das DCNs, algumas unidades da
mais recentes e outros que remontam ao início da década de Federação, como Distrito Federal, Mato Grosso e Ceará op-
90, quando os debates eram localizados. taram por incluir a Sociologia e a Filosofia como disciplinas
Contudo, a partir de meados dessa década, as reivindica- obrigatórias nos currículos escolares, a partir da Reforma do
ções em torno do ensino de Sociologia começaram a ser pos- Ensino Médio.
tas no âmbito do Congresso Nacional, em função do início da No caso do Distrito Federal, por exemplo, interpretou-se
tramitação do projeto da nova Lei de Diretrizes e Bases da que, a partir das DCNs, todas as áreas deveriam ter o mesmo
Educação. Em decorrência dessas reivindicações, foi aprova- tratamento em termos de carga horária e status. Como conse-
do um projeto na Câmara Federal, em 1993, contendo uma quência, em 2000, a Sociologia, anteriormente presente ape-
emenda do Deputado Renildo Calheiros, do PC do B de Per- nas na parte diversificada, passou a constar da base comum
nambuco, que tornava o ensino de Sociologia obrigatório no do currículo, com duas horas em todas as séries do Ensino
2º grau.4 Médio, antecipando em quase uma década as determinações
Porém, no Senado Federal, o substitutivo Darcy Ribeiro previstas para a Sociologia na Lei nº 11.684. Razão pela qual,
derrubou essa proposta. De volta à Câmara, o projeto passou o status da disciplina no DF serviu de referência no contexto
por inúmeras negociações, das quais resultou o Artigo 36, § 1º, da luta nacional em favor da obrigatoriedade. Luta que tam-
Inciso III, da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Artigo bém se transformou, usando os termos de Pierre Bourdieu6,
no qual se estabelece que “ao fim do ensino médio, o educan- no mapa comum orientador das ações dos professores de So-
do deve apresentar domínio de conhecimentos de Filosofia e ciologia, dos professores dos cursos de Ciências Sociais, das
Sociologia necessários ao exercício da cidadania”. entidades sindicais e das entidades científicas.
Finalmente a Sociologia passou a configurar uma disci- Compartilhando desse ideal, as diferentes visões sobre
plina obrigatória, marcando cada vez mais sua presença nos a Sociologia no Ensino Médio, e seus atores desenvolveram
currículos do ensino médio, público e privado. ações que contribuíram para que o Congresso Nacional apro-
vasse, em 8/10/2001, o projeto de lei do deputado estadual
5 MELLO, Guiomar. As novas diretrizes para o ensino médio. In: Coleção CIEE nº 17. São Paulo:
Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), 1998. p. 17.
6 DOISE, Willem, CLÉMENCE, Alain e LORENZI-CIOLDI, Fabio. Représentations Sociales et analy-
ses des données. Grenoble, Presses Universitaires de Grenoble, 1992. p. 7 – Préface de Pierre
4 CARVALHO, Lejeune. Mercado de trabalho e Lei 6.888: ampliação e reformulação. Porto Alegre, Bourdieu. Doise com base nas ideias de Bourdieu e Moscovici usa o termo campo comum das
X Congresso Nacional de Sociólogos, 1996. mimeo. p. 9. representações sociais.
48 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 1ª Aula: 1996-2009: Começando a contar a história pelo seu “final”...
Padre Roque que tornava obrigatória em todas as escolas de junho de 2004, um requerimento encabeçado por 51 deputa-
Ensino Médio, públicas e privadas, a oferta de Sociologia e Fi- dos impediu a sua ida para o senado.
losofia em forma de disciplinas. A luta contra a não obrigatoriedade continuou e culminou
O Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou o projeto com a vitória, no âmbito do Conselho Nacional de Educação,
seguindo a orientação do Ministério da Educação. “Sei que o em 2006, quando se aprovou uma mudança na DCNEM, 1998.
senhor é sociólogo e que isso parece uma contradição, mas é A Resolução nº 4, de 2006, da CNE, ofereceu aos sistemas duas
preciso vetar. O projeto aprovado no Senado é uma volta ao alternativas de inclusão: nas escolas que adotam organização
passado”.7 Estas teriam sido as palavras ditas ao Presidente curricular flexível, não estruturada por disciplinas, os conteú-
da República pelo Ministro da Educação, Paulo Renato. Em dos devem ser tratados de forma interdisciplinar e contextu-
declarações à imprensa, após a aprovação do projeto no Con- alizada; já para as escolas que adotam currículo estruturado
gresso, o Ministro reiterou os argumentos contidos nas DC- por disciplina, devem ser incluídas Sociologia e Filosofia.
NEM. Para ele “aquela decisão vai na direção oposta ao que é a A edição da referida Resolução aconteceu no contexto da
evolução do Ensino Médio”. Segundo o ministro, as disciplinas elaboração das OCNs de Sociologia, a partir de trabalho en-
deveriam ser ministradas de maneira “interdisciplinar”, como volvendo os elaboradores das OCNs, o MEC e CNE.
implementadas no currículo regular do Ensino Médio.8 Apesar da determinação legal, escolas particulares e alguns
Ressalta-se ter sido o projeto motivo de debates no Con- Estados colocaram obstáculos para implementar a inclusão
gresso Nacional, especialmente no Senado Federal. De um da Sociologia em seus currículos que gerou, novamente, uma
lado, as lideranças do governo reafirmavam que a Sociologia quebra de expectativas, angústias e revolta, especialmente en-
e a Filosofia já estavam contempladas na reforma educacio- tre os profissionais afetados.
nal. Conforme o Senador Romero Jucá, do Partido da Social Todavia, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei
Democracia Brasileira (PSDB/RR), a definição de como elas do deputado Ribamar Alves (PSB-MA), e ocorreu a posterior
seriam tratadas, se como disciplinas ou temas transversais, sanção presidencial à Lei nº 11.684, citada no início desta aula.
caberia às escolas e aos Estados, e não à União. Para o Senador, A Lei em apenas 3 artigos dirimiu todas as dúvidas quanto à
caberia lembrar a dificuldade de muitas escolas no interior obrigatoriedade, aplicabilidade e séries envolvidas.
disporem de professores habilitados, para ofertar as discipli-
nas. Nesse caso, não deixariam de trabalhar os conteúdos de
Sociologia e Filosofia, contudo fariam isso por meios de pro-
jetos e outras movimentações pedagógicas.9 Art. 1º O art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
Por outro lado, senadores não só da oposição, como da base passa a vigorar com as seguintes alterações:
governista, defendiam a necessidade da lei. Para o Senador “Art. 36 ......................................................................
Lúcio Alcântara (PSDB/Ceará), a inclusão das duas disciplinas IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas
no ensino médio brasileiro estaria vindo tarde, visto que hoje, obrigatórias em todas as séries do ensino médio.
em alguns países, a discussão gira em torno de Filosofia para § 1º ..............................................................................
crianças. Estas disciplinas ajudariam o aluno tratar de forma III – (revogado).
crítica temas que seriam objeto de projeto de lei, como a edu- ...................................................................................” (NR)
cação para o trânsito. Para o parlamentar, havia a necessidade Art. 2º Fica revogado o inciso III do § 1º do art. 36 da Lei nº
de se provar que os conhecimentos dessas disciplinas estavam 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
sendo de fato tratados nas escolas. Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Dois anos após o veto presidencial à aprovação do projeto Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.6.2008.
de lei do deputado Padre Roque, do Partido dos Trabalhado-
res (PT-PR), pelo Congresso Nacional, o deputado Ribamar
Alves, do PSB/MA, apresentou o PL 1.641/03, propondo a alte- Caro(a) cursista, a Sociologia no Ensino Médio parece uma
ração do Art. 36 da LDB – Lei de Diretrizes e Bases – para tor- novidade, mas você sabia que na primeira reforma educacio-
nar obrigatórias as disciplinas Filosofia e Sociologia no ensino nal da República, a Reforma Benjamin Constant, a Sociologia
médio. O projeto recebeu voto favorável do relator, mas, em foi inserida como uma disciplina da educação secundária?
7 SAFADE, Vladimir. Quem tem medo da Filosofia e da Sociologia? Brasília, Correio Braziliense,
21/10/2001. Caderno Livre Pensar.
8 Ver <http://www.epoca.com.br> – 21/09/2001.
9 BRASIL, SENADO FEDERAL. Sessão do Senado Federal tendo como item de pauta o Projeto de Lei
da Câmara nº 9, de 2000 (nº 3.178/97, na Casa de origem), que altera o art. 36 da Lei nº 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília,
Subsecretaria de Taquigrafia do Senado Federal, 12/07/2001.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 1ª Aula: 1996-2009: Começando a contar a história pelo seu “final”... 49
Como vimos nesta aula... Atividade de avaliao
O percurso histórico e social que culminou com a aprova- Você vê como necessária a criação desta lei de obriga-
ção da Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008, que incluiu a Filo- toriedade para o ensino da Sociologia? Discuta com outros
sofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as colegas professores de Sociologia do seu Município ou Es-
séries do Ensino Médio. tado e apresente as conclusões no ambiente virtual.
50 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 1ª Aula: 1996-2009: Começando a contar a história pelo seu “final”...
Unidade 1 – Histria do ensino de Sociologia no Ensino Mdio no Brasil
2� aula
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 2ª Aula: 1891-1925: Uma sutil lembrança... 51
O compositor Noel Rosa retratou os princípios do Positi- les Darwin. Na teoria darwiniana, os animais e as plantas que
vismo na canção: são mais bem adaptados ao seu meio ambiente sobrevivem,
enquanto aqueles que são menos adaptados perecem. Essas
ideias utilizadas para a análise da sociedade deram base ao
Positivismo que se chamou de darwinismo social. O mais proeminente
darwinista social foi o filósofo social inglês Herbert Spencer,
A verdade, meu amor, mora num poço que sugeriu uma doutrina evolucionista que estendia o prin-
É Pilatos lá na Bíblia quem nos diz cípio de seleção natural ao domínio humano. Deste modo, os
E também faleceu por seu pescoço cientistas sociais conservadores, inspirados na concepção de
O autor da guilhotina de Paris Darwin, entendiam que as sociedades tradicionais da África,
Ásia, América e Oceania não eram senão “fósseis vivos”, isto
Vai, orgulhosa, querida é, exemplos de estágios anteriores ou “primitivos” da huma-
Mas aceita esta lição: nidade. O modelo de evolução era o da “sociedade industrial
No câmbio incerto da vida europeia”, ou seja, as sociedades mais simples e de tecnologias
A libra sempre é o coração menos avançada deveriam evoluir no sentido da maior com-
plexidade e de progresso na evolução social.
O amor vem por princípio, a ordem por base Cabe registrar que o Brasil se transformou numa segun-
O progresso é que deve vir por fim da pátria do Positivismo. O pensamento positivista chegou
Desprezastes esta lei de Augusto Comte ao Brasil em torno de 1850, por brasileiros que estudaram
E fostes ser feliz longe de mim na França, alguns tinham até mesmo sido alunos de Comte.
A atuação do Positivismo no Brasil foi uma reação filosófica
Vai, coração que não vibra contra a doutrina confessional católica, até então única refle-
Com teu juro exorbitante xão intelectual existente no país. No campo das ideias figura-
Transformar mais outra libra ram também o Naturalismo e o Evolucionismo.
Em dívida flutuante A atuação doutrinária levada a cabo por Benjamin Cons-
tant Botelho de Magalhães (1833-1891), professor da Escola Militar
A intriga nasce num café pequeno e defensor do princípio positivista da valorização do ensino
Que se toma pra ver quem vai pagar para alcançar o estado sociocrático, ganha destaque nesse
Para não sentir mais o teu veneno contexto. Contudo, se para Comte o ensino, no continente eu-
Foi que eu já resolvi me envenenar ropeu, deveria ser destinado às camadas pobres, no Brasil essa
meta foi impossível, devido ao baixíssimo nível de instrução
Composição: Noel Rosa / Orestes Barbosa. do proletariado nacional. Assim, a transmissão dos ensina-
mentos positivistas acabou se restringindo aos poucos que
estudavam nas escolas militares.
00Dica: Ouça a canção em: <http://www.mp3tube.net/br/ No período imperial (1808-1889), as autoridades provinciais
musics/Noel-Rosa-Positivismo/171154/>. não reclamavam somente da escassez de recursos financeiros
e do número reduzido de professores, mas também da insu-
ficiência de alunos nas escolas existentes e da frequência ir-
O Positivismo é fruto da consolidação econômica da re- regular. A consequência era um grande número de crianças
volução pela burguesia, expressa nas Revoluções Inglesa, do sem instrução no Brasil, o que se devia à pequena quantidade
século XVIII, e Francesa, de 1789. As ciências empíricas pas- de escolas públicas e ao fato de os pais não enviarem os fi-
saram a tomar frente às especulações filosóficas meramente lhos à escola, ou porque consideravam o ensino dispensável,
idealistas, e Comte buscou a síntese do conhecimento positivo ou porque se julgavam encarregados de ministrá-lo. O analfa-
da primeira metade do século XIX, especialmente da física, betismo era a síntese dessa precariedade. No recenseamento
da química e da biologia. A evolução dos conhecimentos das geral do Brasil, de 1872, a taxa de analfabetismo da população
ciências naturais, o sucesso das descobertas e o controle das acima de 5 anos era de 84,25%. No segundo recenseamento,
forças da natureza atraíram cientistas sociais, de tal modo que em 1890, essa taxa permaneceu quase inalterável, 82,63% de
Comte deu o nome de “física social” às suas análises da socie- iletrados, e no censo de 1900 chegou a 69,20% de iletrados em
dade. todo o país. No antigo Distrito Federal, coração do país e cen-
O mundo natural serve de modelo para compor o discurso tro mais culto, o recenseamento realizado em 20 de setembro
sociológico por meio dos conceitos de “evolução”, “seleção na- de 1906 concluiu que, em cada 100 habitantes da cidade, 48
tural” e “sobrevivência do mais forte”, do cientista inglês Char- eram analfabetos.
52 Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 2ª Aula: 1891-1925: Uma sutil lembrança...
1º Módulo
A década de 20 foi marcada por diversos fatos relevantes Assim, surgiram as primeiras preocupações com o ensi-
no processo de mudança das características políticas brasilei- no de Sociologia no Brasil, no contexto do ideal positivista.
ras. Foi nela que ocorreram o Movimento dos 18 do Forte (1922), Um ensino entendido como questão “moral do cidadão” e de
a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comu- cumprimento de direitos e deveres constitucionais pelos indi-
nista (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927). víduos para a construção do Estado-Nação. Benjamin Cons-
Além da reforma educacional proposta por Benjamin tant veio a falecer um ano após a promulgação de sua reforma,
Constant, foram numerosas as influências do Positivismo sendo essa uma das explicações possíveis para que tal reforma
na organização formal da República brasileira. O desenvol- não fosse integralmente levada a cabo. Nesse sentido, a So-
vimento industrial gerava novos conflitos sociais, porque os ciologia saiu do currículo em 1901, com a Reforma Epitácio
camponeses e operários se organizavam para exigir mudan- Pessoa, sem que tivesse sido, pelo menos, ofertada.
ças econômicas e políticas. As respostas dos positivistas fo-
ram com as ideias de Ordem e Progresso. A Ordem seria o
princípio que regeria as transformações sociais, o que seria
necessário para o progresso ou a evolução social. Este modelo Como vimos nesta aula...
implicaria a conformação, o ajustamento e a integração dos
indivíduos à sociedade. É desta síntese que advém a inserção
do dístico “Ordem e Progresso” na bandeira do Brasil. A “sutil lembrança” da Sociologia no Brasil ocorreu em fins
do século XIX e início do século XX, no contexto do apare-
cimento do Positivismo no Brasil, defendido pelo Diretor da
Instrução Pública dos primeiros anos da República, Benjamin
Constant.
Atividade de avaliao
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 2ª Aula: 1891-1925: Uma sutil lembrança... 53
Unidade 1 – Histria do ensino de Sociologia no Ensino Mdio no Brasil
3� aula
Iniciando nossa conversa de formação complementar. Essa reforma foi imposta a todo
o território nacional, e não mais circunscrita ao sistema de
ensino do Distrito Federal, como as reformas anteriores.
Caro(a) cursista, Essa estruturação do currículo, com um ciclo fundamen-
A década de 30 é um momento muito auspicioso para as tal, de formação básica geral, e com um ciclo complementar,
Ciências Sociais no Brasil. Nesse período, a Sociologia é insti- transformava a educação em privilégio para uma elite. Num
tucionalizada nos currículos da escola média. Diversos fatores contexto social que começava a despertar para os problemas
confluíram para este fato. do desenvolvimento e da educação, numa sociedade cuja
maioria vivia na zona rural e era analfabeta, numa época em
que a população urbana mal alcançava a educação primária,
pode-se imaginar a camada social para a qual havia sido ela-
Propondo objetivos borado um currículo tão vasto.
Foi uma reforma que se estabeleceu pela alta seletivida-
de. O ensino enciclopédico estava aliado a um rígido sistema
Descrever, analisar e compreender o 2º momento da de avaliação, controlado, exigente e exagerado. Existia uma
história da Sociologia no Ensino Médio no Brasil. média de 102 disciplinas anuais, e para cada uma delas era
previsto, como avaliação: uma arguição mensal, uma prova
Analisar o contexto histórico e epistemológico do refe- parcial a cada dois meses e um exame final. Ao todo, o aluno
rido momento. fazia 130 provas e exames durante o ano letivo, o que equivalia
a, pelo menos, uma prova a cada dois dias de aula. Conclui-se,
Analisar a proposta para a Sociologia contida nas refor- portanto, que não se tratava de um sistema de ensino, mas
mas desse momento histórico. de um sistema de provas e exames. Evidentemente, o aluno
que conseguisse êxito nos 5 ou 7 anos de duração era de fato
privilegiado.
A disciplina voltou a ser formalmente excluída do currí-
Conhecendo sobre culo na Reforma de Gustavo Capanema, em 1942, em plena
vigência do regime autoritário de Getúlio Vargas, o Estado
Novo. O objetivo dessa reforma era desvincular o ensino se-
A História da Sociologia no Ensino Médio cundário do ensino superior, e a Sociologia tinha mais um
caráter preparatório do que formativo. Essa reforma retoma
Em 1925, com a Reforma do ministro Rocha Vaz, a Socio- o caráter da formação humanística, moral e religiosa, perdi-
logia passa a ser ministrada na 6ª série do curso ginasial, e os da na Reforma de Francisco Campos, que havia efetivado um
seus conhecimentos circunscritos às elites de bacharéis. Essa currículo de caráter científico.
série escolar não era obrigatória para a conclusão do ensino A Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei nº
secundário e inscrição em exames vestibulares. 4.244) estabelecia em seu artigo 1º as finalidades do ensino
A Reforma de 1931, de Francisco Campos, Ministro da secundário:
Educação do governo Getúlio Vargas, manteve o caráter de
preparatória para o ensino superior. O adolescente recebia 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino pri-
por uma formação básica de cinco anos e outra complemen- mário, a personalidade integral dos adolescentes.
tar de dois anos. Esses dois anos se destinavam à preparação
para o ingresso nas faculdades de Direito, Ciências Médicas, 2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a
Engenharia e Arquitetura. A Sociologia compunha esse ciclo consciência patriótica e a consciência humanística.
56 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 3ª Aula: 1925-1942: Presente e debatida!
Atividade de avaliao
4� aula
60 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 4ª Aula: 1942-1983: 40 anos de solidão...
Unidade 1 – Histria do ensino de Sociologia no Ensino Mdio no Brasil
5� aula
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida... 61
realizarem concurso para ingresso de professores de Sociolo- cação (LDB). A sua promulgação (Lei nº 9.394/96) acontece
gia na rede pública de ensino, em abril de 1986. em 20 de dezembro de 1996. Nela aparece um ambíguo artigo
Com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, sobre o ensino de Sociologia. O artigo 36, § 1º, inciso III, esta-
em 1986, criaram-se expectativas para que, com a nova Carta belece o domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia
Constitucional de 1988, acontecesse a elaboração de uma nova como necessário ao exercício da cidadania. Essa redação do
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Já que nas texto da lei não garantiu que os Estados incluíssem as duas
duas LDBs anteriores (Lei nº 4.024/1961 e Lei nº 5.692/1971) disciplinas em seus sistemas de educação, apesar de alguns
não houve o retorno da Sociologia, as esperanças retornavam deles terem realizado a inclusão delas nas três séries do ensino
a partir dessa possibilidade, pois o contexto político, histórico médio, como foi o caso do Distrito Federal. Essa inserção das
e social era mais favorável. Cientistas sociais se organizaram componentes curriculares fez com que o PAS (Programa de
em associações, como a APSERJ (Associação Profissional dos Avaliação Seriada) da Universidade de Brasília aceitasse dis-
Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro), a APSESP (Associa- cutir a participação delas no seu processo seletivo.
ção Profissional dos Sociólogos do Estado de São Paulo), a As- A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) incluiu a
sociação dos Sociólogos do Distrito Federal; e em sindicatos, Sociologia, assim como a Filosofia e a Literatura, como dis-
como é o caso em Minas Gerais, em São Paulo, em Pernam- ciplinas constantes do vestibular, e também do PAIES (Pro-
buco e no Paraná. grama Alternativo de Ingresso no Ensino Superior), a partir
Em 1989 é criada a Federação Nacional dos Sociólogos de 1997. Segundo a professora Elizabeth Magalhães (UFU), a
(FNS), quando surgem os primeiros Sindicatos Estaduais de participação de profissionais das áreas de ciências humanas
Sociólogos. Existe ainda a Sociedade Brasileira de Sociologia no fórum avaliativo do vestibular, em 1994, foi decisiva. Nesse
(SBS), que é uma entidade de caráter acadêmico, fundada em fórum foi elaborado um novo modelo avaliativo que supe-
1935, que se firma pela realização de congressos científicos rasse o treinamento do aluno para as habituais “pegadinhas”
de âmbito nacional. E ainda existe a Associação Nacional de (domínio da técnica de responder às questões com pouco
Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs), que congrega a conhecimento e muita “maldade” para decifrar as respostas).
Antropologia e a Ciência Política, além da Sociologia. Esses profissionais procuraram estabelecer um novo signifi-
Conforme assinalado anteriormente, ocorreram mobiliza- cado para o vestibular e concluíram que se requeria um aluno
ções pela volta da Sociologia ao projeto educacional em vários conhecedor dos problemas da sociedade em que vive, capaz
Estados da Federação. Em Minas Gerais, profissionais de Ci- de refletir com racionalidade e coerência e de se posicionar
ências Sociais e Filosofia conseguiram incluir um artigo na criticamente perante à realidade de seu tempo. Portanto, seria
Constituição Estadual, em 1989, tornando obrigatório o ensi- fundamental que o aluno tivesse uma formação ética, social e
no de Sociologia e Filosofia no 2º grau. Em 1990 elas voltaram reflexiva relacionada à área de humanidades.
às salas de aula.
Também em 1989 o Rio de Janeiro garante o retorno da
Sociologia por meio de sua Constituição Estadual. Também
foi resultado de uma ampla participação popular, principal- Atividade de avaliao
mente de entidades como a FASE (Federação de Órgãos para
Assistência Social e Educacional), o IBASE (Instituto Brasilei-
ro de Análises Sociais e Econômicas), o CEPEBA (Centro de • Chico Buarque – Vai Passar (YouTube)
Estudos e Pesquisas da Baixada Fluminense), além de 3.060 Link: http://www.youtube.com/watch?v=9A_JrsJF6mM>.
assinaturas, na maioria de estudantes e professores, para a
Emenda Popular ao projeto de Constituição. A canção de Francis Hime e Chico Buarque pode ser
Através desses atores sociais organizados que se conseguiu vista como uma alegoria sobre o fim do Regime Militar.
incluir, até 1990, a Sociologia no ensino médio em outros Es- Composta em 1984, ela chama a atenção para a necessida-
tados, como foi o caso do Pará, do Pernambuco, do Rio Gran- de de uma consciência social sobre nossa história: Dormia
de do Sul e do Paraná, onde havia muita mobilização. / A nossa pátria mãe tão distraída / Sem perceber que era
No caso do Distrito Federal, a Sociologia foi incluída como subtraída / Em tenebrosas transações / Passagem desbotada
disciplina do 2º grau em 1985. A partir de então ela passou na memória / Das nossas novas gerações...
a integrar como disciplina obrigatória da parte diversificada Nesse contexto político, em 1983, a Associação de So-
do curso acadêmico, com carga de duas horas semanais no 3º ciólogos de São Paulo promove uma mobilização em tor-
ano, e também como disciplina obrigatória da parte profissio- no do “Dia estadual de luta pela volta da Sociologia no 2º
nalizante do curso normal, com carga de duas horas no 1º ano. Grau”, em 27 de outubro.
No início dos anos 90 começou a tramitar no Congresso Assim, a volta, ainda que tímida, da Sociologia acon-
Nacional o projeto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Edu- tece em um determinado contexto que influenciou a con-
62 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida...
cepção sobre seu papel no ensino médio. Quais eram os (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação,
elementos centrais dessa concepção, e como eles estavam Universidade do Vale do Rio dos Sinos-Unisinos, 2003.
relacionados com o contexto da transição democrática?
Para enriquecer sua resposta, cite fatos do período. • PACHECO FILHO, Clovis. Diálogo de surdos: as
dificuldades para a construção da Sociologia e de seu
ensino no Brasil. São Paulo: USP, 1994. Dissertação
(Mestrado em Educação), São Paulo, Faculdade
Como vimos nesta aula... de Educação, Universidade de São Paulo, 1994.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida... 63
• FAUSTO, Boris. História do Brasil. Link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
Link: http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/search =S1517-45222005000200014
64 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida...
• A Sociologia no Ensino Médio: condições e perspectivas
epistemológicas – de Mário Bispo dos Santos.
Link: http://www.sociologos.org.br/textos/sociol/ensinmed.
htm
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida... 65
Referncias
BRASIL. Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Sociologia. Brasília: Guimarães, Elisabeth da Fonseca. História recente da Sociologia no Ensino Médio no
MEC, 2006. Brasil. Revista Sociologia, Ciência & Vida, ano II, edição n. 15, 2008.
BRASIL. SENADO FEDERAL. Sessão do Senado Federal tendo como item de pauta o MELLO, Guiomar. As novas diretrizes para o ensino médio. In: Coleção CIEE nº 17. São
Projeto de Lei da Câmara nº 9, de 2000 (nº 3.178/97, na Casa de origem), que altera Paulo: Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), 1998. p. 17.
o art. 36 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Brasília, Subsecretaria de Taquigrafia do Senado Federal, RÊSES, Erlando da Silva. E com a palavra: os alunos – Estudo das Representações Sociais
12/07/2001. dos alunos da Rede Pública do Distrito Federal sobre a Sociologia no Ensino Médio. Bra-
sília: UnB, 2002. [Dissertação (Mestrado em Sociologia), Departamento de Sociologia,
CARVALHO, Lejeune. Mercado de trabalho e Lei 6.888: ampliação e reformulação. X Universidade de Brasília, 2004].
Congresso Nacional de Sociólogos. Porto Alegre, 1996.
SAFADE, Vladimir. Quem tem medo da Filosofia e da Sociologia? Correio Braziliense.
DOISE, Willem; CLÉMENCE, Alain; LORENZI-CIOLDI, Fábio. Représentations sociales et Brasília, 21 out. 2001. [Caderno Livre Pensar].
analyses des données. Grenoble, France: Presses Universitaires de Grenoble, 1992. p. 7.
[Préface de Pierre Bourdieu. Doise, com base nas ideias de Bourdieu e Moscovici, usa o SANTOS, Mário Bispo dos. A Sociologia no Ensino Médio – o que pensam os professores
termo campo comum das representações sociais]. da Rede Pública. Brasília: UnB, 2002. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Instituto
de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia, Universidade de Brasília, 2002.
66 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 1 5ª Aula: 1983-1996: Uma volta tímida...
Unidade 2 – Fundamentos terico-metodolgicos e finalidades do ensino de Sociologia no Nvel Mdio
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 1ª Aula: O caráter político, científico e educacional da disciplina Sociologia 67
De fato, a Sociologia pode oferecer uma contribuição no presença. Assista, de preferência, aos vídeos em que pro-
que tange à “compreensão das práticas sociais”, à “preparação fessores, ou mesmo sociólogos que não se dedicam à do-
básica para o trabalho” e ao “exercício da cidadania”. Ocorre cência, explicam porque, na visão deles, a Sociologia deve
que tais objetivos são gerais para o conjunto das disciplinas ser ensinada na escola. Elabore uma lista com “razões”
do ensino médio e não nos permitem uma base sólida, ou não para o ensino da disciplina, socialize com colegas e veri-
são suficientes, para justificar a inclusão da Sociologia nesta fique se algumas, dentre as razões encontradas, não são
etapa da educação básica. Vejamos o que diz a LDB: também compartilhadas por você.
Possivelmente, na atividade solicitada anteriormente, você
Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na deve ter encontrado algo como: “a Sociologia desenvolve o pen-
Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: samento crítico”, e “a Sociologia contribui para o desenvolvimen-
I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do to da cidadania”. Sem dúvida os dois argumentos mais frequen-
significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico temente apresentados para justificar a importância da presença
de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa da disciplina. Vamos pensar um pouco mais sobre eles?
como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e Que a Sociologia pode contribuir para ambas as metas,
exercício da cidadania; quais sejam, desenvolver uma consciência crítica e cidadã,
II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimu- não se deve ter dúvida. Mas a pergunta que se pode fazer aqui
lem a iniciativa dos estudantes; é se isso é suficiente para justificar a disciplina. Afinal, educar
III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como dis- para uma consciência crítica e para a cidadania não é objeti-
ciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma vo da escola (portanto, de todas as disciplinas)? Voltamos ao
segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da ponto de partida.
instituição. Então, propomos a você que acompanhe com atenção a
IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas discussão que se fará no decorrer desta aula para elaborar-
obrigatórias em todas as séries do ensino médio. mos, em melhores bases, nossa compreensão acerca da im-
portância da Sociologia e sua especificidade como disciplina
Verificamos, a partir da leitura do artigo reproduzido que do ensino médio. Para compreender o que torna a Sociologia
não há nenhuma afirmação de princípio ou que nenhum fun- uma disciplina única, deveremos compreender os fundamen-
damento é apresentado para se justificar a presença da disci- tos teórico-metodológicos que orientam a produção do co-
plina, nada mais que simplesmente a determinação normati- nhecimento a partir de sua prática pedagógica e o seu caráter
va de sua obrigatoriedade. científico, educacional e político.
Sabemos que a disciplina é obrigatória, mas por que ela é
relevante?
Antes de tentar responder a esta pergunta, vejamos como
normalmente se justifica a inclusão da Sociologia como dis- Conhecendo mais sobre
ciplina obrigatória do ensino médio pela atividade proposta
a seguir.
Como vimos, é comum encontrarmos nas justificativas da
presença da Sociologia como disciplina do ensino médio, no
1 Atividade Brasil, a afirmação de sua relevância para “a construção da ci-
dadania” em nosso país. Ao que parece, levando-se em conta
tal argumento, a disciplina teria um caráter político incontes-
Objetivo � tável. E, de fato, para uma parcela dos professores de Socio-
logia no Ensino Médio ensinar a disciplina se confunde com
Identificar as justificativas que normalmente são ofereci- formar uma consciência política, com vistas à emancipação.
das para a presença da Sociologia como disciplina do ensino Entretanto, conforme nos indica Bispo (2002), para outros pro-
médio. fessores do ensino médio o ensino da Sociologia atenderia à
necessidade de formação científica, portanto o ensino da dis-
Proposta � ciplina é associado ao ensino de uma ciência, com seu objeto,
seus métodos, suas teorias.
Pesquise, no Youtube, por “ensino de Sociologia” ou Qual, afinal, o caráter do ensino de Sociologia no ensino
“Sociologia no ensino médio” e descubra algumas justi- médio? O que significa dizer que o ensino de Sociologia, na
ficativas que vêm sendo utilizadas para fundamentar sua escola média, contribuiria para a cidadania?
68 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 1ª Aula: O caráter político, científico e educacional da disciplina Sociologia
Para responder a estas questões, convidamos você a pen- estamos sugerindo que Bourdieu nos sugere uma aula buro-
sar sobre o que o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) em Li- crática, por assim dizer.
ções da Aula (1994, p. 13), nos diz: O que está sendo sugerido aqui é que o caráter político do
ensino de Sociologia está justamente em permitir que o aluno
Sem dúvida, o sociólogo não é mais o árbitro imparcial ou o es- compreenda sua inserção no meio social, desenvolva o pensar
pectador divino, o único a dizer onde está a verdade – ou, para sociológico, pelo qual desvele a si próprio como ser social, su-
falar nos termos do senso comum, que tem razão –, e isso leva jeito reprodutor e transformador de sua própria sociedade. E
a identificar a objetividade a uma distribuição ostensivamente se pretendemos que o ensino da Sociologia contribua para a
equitativa dos erros e das razões. Mas o sociólogo é aquele que se emancipação humana, comecemos por incluir o aluno como
esforça por dizer a verdade das lutas que têm como objeto – en- sujeito participante e crítico dos processos de produção da
tre outras coisas – a verdade. [...] Cabe-lhe construir um modelo verdade, o que significa que uma aula de Sociologia não pode
verdadeiro das lutas pela imposição da representação verdadeira se permitir ser uma explanação de dogmas.
da realidade [...]. Naturalmente diversos conteúdos da disciplina sobre par-
ticipação política e Estado, mesmo na dimensão da informa-
Para o autor, uma aula de Sociologia deveria ser a expres- ção, também são importantes para a (possível) contribuição
são da condição do sociólogo como intelectual; condição defi- da disciplina à formação de cidadãos. Além desses conteúdos
nida pelo status de cientista. Isto significa dizer que uma aula mais diretamente relacionados à formação para a cidadania,
de Sociologia deveria permitir – e mesmo estimular – uma re- lembremos conteúdos que permitem refletir sobre a questão
flexão sobre a própria aula de Sociologia, pois que o que legiti- de gênero, compreender a diversidade cultural e a questão do
maria o conhecimento sociológico estudado seria justamente etnocentrismo ou analisar a desigualdade também têm rele-
a liberdade que ele nos permite em relação à nossa adesão a vância política. E ainda no nível da informação deveríamos
sistemas de valores e a instituições. incluir conhecimentos sobre os direitos fundamentais, pre-
Segundo Bourdieu, o conhecimento científico dispõe, por- sentes em nossa Constituição, tanto quanto sobre a efetivida-
tanto, do poder de libertar os dominados dos dispositivos da de desses direitos na sociedade brasileira. No entanto, mais
dominação, ou o que autor definiu como o poder de se dizer a uma vez lembremos Bourdieu quando sugere que o sociólogo
verdade, ou, ainda, o monopólio sobre a determinação das re- – professor de Sociologia – não pode falar a não ser a partir
presentações da realidade, que ele define como sendo violên- da perspectiva da ciência; não para afirmar verdades inques-
cia simbólica. Neste sentido, o conhecimento sociológico em tionáveis, mas para revelar posições, relações, interesses e dis-
sua dimensão científica também comportaria uma dimensão positivos de dominação. Este caráter político da disciplina se
política, pois que permitiria ao indivíduo a compreensão do manifesta mais fortemente numa mudança de consciência e
sistema de dispositivos que define uma tendência para a sua de atitude cognitiva por parte do aluno do que na informação
conduta, pela delimitação de seus próprios horizontes, valo- pura e simples.
res, representações acerca da vida social. Além do exposto, observe que o ensino da Sociologia tem
A aula de Sociologia seria um espaço de investigação, estu- um caráter científico e que participa da alfabetização científi-
do e reflexão sobre as condições de produção do próprio co- ca dos jovens educandos do ensino médio, o que está relacio-
nhecimento e das práticas discursivas, compreendidas como nado à Sociologia por sua condição de ciência, pois afinal ela
definidoras do real. Um espaço no qual o aluno seria tido por possui objeto, teorias e métodos que permitem desvendar a re-
sujeito inserido, tanto quanto o professor de Sociologia, no alidade e ir além das aparências dos fenômenos. E como ela
que Bourdieu definiu como um campo, isto é, um conjunto propõe analisar a vida em sociedade de modo científico, daí a
coerente de princípios estruturantes das posições sociais. A importância da pesquisa como uma das estratégias didáticas.
partir da reflexão das próprias relações estabelecidas na situ- Se se ensina como a água é formada de oxigênio e hidrogênio
ação de aprendizagem se construiria o conhecimento socio- e os alunos aceitam (e haja algo mais abstrato, pois que não
lógico do social, e aí estariam dadas as condições políticas da se vê), por que os alunos do Ensino Médio não teriam o direi-
emancipação. E, neste sentido, falar numa ciência crítica seria to a aprender sobre o que se vê todos os dias? E a disciplina
redundância, como falar num ensino de Sociologia crítica. Sociologia teria assim a responsabilidade de lançar luz sobre
Da forma como está o texto parece que estamos sugerindo os fatos cotidianos e demonstrar cientificamente as explica-
uma perspectiva reducionista e simplificadora do ensino de ções construídas sobre os mesmos. E, como vimos, este caráter
Sociologia. Nada mais distante do que pretendemos. A inten- científico da disciplina está relacionado ao seu caráter político.
ção, neste momento, é tão somente instigar o pensamento so- Mas o caráter político da disciplina não deva fazer som-
bre aspectos do ensino da disciplina Sociologia que superem bra ao fato de que o conhecimento científico oferecido pela
os clichês amplamente disponíveis, por meio de um retorno disciplina é importante, pois ele integra o saber produzido no
aos textos de importantes autores das Ciências Sociais. Nem processo civilizador das sociedades modernas e deve estar
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 1ª Aula: O caráter político, científico e educacional da disciplina Sociologia 69
acessível a todos os seus membros, permitindo que o aluno Atividade de avaliao
compreenda fenômenos sociais, dos quais participa direta-
mente ou que têm relevância para sua vida individual ou fa-
miliar, em muitos casos, fenômenos de seu próprio cotidiano. Objetivo �
Este caráter educacional da Sociologia é um dos elemen-
tos essenciais para se conhecer a realidade em que vivemos, Compreender os aspectos científico, político e educacional
pois, afinal, pra que serve a educação escolar? Conforme The- do ensino da Sociologia.
odor Adorno (1903-1969), para a adaptação ao mundo e também
para a mudança. Ou seja, há sempre uma tensão neste proces- Proposta �
so educativo. Às vezes tende para um lado, outras para outro.
A Sociologia tem, portanto, um conjunto de conhecimen- Organize-se em grupo;
tos e de práticas científicas que devem fazer parte do cabedal
de todos os indivíduos para que possam pensar a sua vida e a Escolham um plano de aula de um dos colegas do grupo
sociedade em que vivem. Educar é transmitir conhecimentos ou mesmo um capítulo de um livro didático da disciplina;
e valores de uma sociedade. E se é importante para a Física
demonstrar que a luz tem uma velocidade tal que jamais em Escrevam um texto entre 1 e 2 páginas no qual o grupo
nossa vida iremos chegar perto, mas que é importante para se explicita, a partir da leitura e da análise do plano de aula
conhecer outros tantos fenômenos no mundo (como os es- ou capítulo escolhido, a existência de seus aspectos cientí-
tudos de Einstein e a Teoria da Relatividade), se a Química ficos, políticos e educacionais e como o plano ou texto em
demonstra que se você colocar a mão no fogo vai se queimar, foco aborda esses diferentes aspectos;
e dependendo da temperatura você pode ser consumido, por
que os alunos do Ensino Médio não teriam o direito à explica- Reelaborem a aula de Sociologia planejada ou o texto
ção dos fatos cotidianos das pessoas de tal forma que elas te- do capítulo escolhido de modo a que estes aspectos sejam
nham isso como elementos fundamentais para as suas vidas? trabalhados de forma integrada, ressaltando, por escrito e
Isso é educação. E, este, o caráter educacional da disciplina. justificadamente, o caráter político, o caráter científico e
Compreender estes três aspectos ou dimensões (científico, o caráter educacional da nova aula planejada ou do novo
político, educacional) do ensino da Sociologia e a tensão que texto proposto;
existe entre eles é importante para que a disciplina não seja
transformada em algo extremamente científico (quase técni- Socializem com os colegas e promovam um debate.
co, logo num ensino academicista), ou em aulas de politização
(nos mais diferentes matizes, logo num ensino orientado ide-
ologicamente), ou em aulas de educação genérica (como uma
discussão moral e cívica, por exemplo). Referncias
70 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 1ª Aula: O caráter político, científico e educacional da disciplina Sociologia
Unidade 2 – Fundamentos terico-metodolgicos e finalidades do ensino de Sociologia no Nvel Mdio
2� aula
Estranhamento e desnaturalização
Iniciando nossa conversa não se conformar com alguma coisa ou com a situação em que
se vive; não se acomodar; rejeitar.
Estranhar, portanto é espantar-se, é não achar normal, não
As OCN-Sociologia indicam uma disposição necessária se conformar, ter uma sensação de insatisfação perante fatos
– dois fundamentos, perspectivas, ou princípios epistemoló- novos ou do desconhecimento de situações e de explicações
gicos – para o desenvolvimento do ensino da Sociologia no que não se conhecia. Estranhamento é espanto, relutância, re-
Ensino Médio: estranhamento e desnaturalização. Como é sistência. Estranhamento é uma sensação de incômodo, mas
possível que haja ainda muita dúvida e controvérsia, vamos agradável incômodo – vontade de saber mais e entender tudo
ampliar um pouco a discussão nesta aula levando em conta –, sendo, pois, uma forma superior de duvidar. Ferramenta es-
sugestões e a contribuição de outros que escreveram sobre a sencial do ceticismo.
questão, visando articular um pouco mais o que já foi escrito A ideia de estranhamento pode ser analisada do ponto de
nas OCNs. vista filosófico, estendendo-se às ciências como um todo. As-
sim, podemos partir do que está no livro I da Metafísica de
Aristóteles. Numa tradução tradicional da palavra “thâuma-
tos”, espanto, admiração, maravilhamento – pode-se encon-
Propondo objetivos trar a expressão no parágrafo em que Aristóteles fala do sur-
gimento da Filosofia, retomando Platão, no Teeteto, quando
Sócrates adverte Teeteto sobre uma impressão de vertigem que
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: se tem quando se percebe que houve conhecimento de algo.
Entender mais detalhadamente o que é estranhamento – Sócrates – É a sensação que dizes ser a ciência?
e desnaturalização. – Teeteto – Sim.
– Sócrates – Na verdade, corres o perigo de teres dito algo
Saber como utilizar estes princípios para o desenvolvi- nada banal sobre a ciência; ao contrário, é o mesmo que diz Pro-
mento do ensino da Sociologia no ensino médio. tágoras. A fórmula dele é um pouco diferente, mas ele diz a mesma
coisa. Afirma, com efeito, mais ou menos isto: ‘o homem é a me-
dida de todas as coisas; para aquelas que são, medida do seu ser;
para aquelas que não são, medida de seu não-ser’. Provavelmente
Conhecendo sobre leste isto?
– Teeteto – Li, e muitas vezes.
– Sócrates – Ele não quer dizer algo do tipo: tais como me
Estranhamento aparecem sucessivamente as coisas, tais são para mim; tais como
te aparecem, tais são para ti? Ora, tu és homem e eu também.
A palavra estranhamento vem do verbo estranhar que, PLATÃO. Teeteto. (Trad. Carlos Alberto Nunes). Belém: UFPA, 1973.
conforme vários dicionários, significa o ato de estranhar no
sentido de admiração, de espanto diante de algo que não se
conhece ou não se espera; por achar estranho ao perceber di- Foi, com efeito, pelo espanto que os homens, assim hoje
ferente do que se conhece ou do que seria de se esperar que como no começo, foram levados a filosofar, sendo primeiramen-
acontecesse daquela forma; por surpreender-se, assombrar- te abalados pelas dificuldades mais óbvias, e progredindo em
-se em função do desconhecimento de algo que acontecia há seguida pouco a pouco até resolverem problemas maiores: por
muito tempo; por sentir-se incomodado e ter sensação de in- exemplo, as mudanças da Lua, as do Sol e dos astros e a gênese
cômodo diante de um fato novo ou de uma nova realidade; por do Universo. Ora, quem duvida e se espanta julga ignorar: por
3 Como posso trabalhar com isso na sala de aula? VELHO, Gilberto. Observando o familiar. In: NUNES, Edson de Oliveira. A aventura so-
ciológica. Objetividade, paixão, improviso e métodos na pesquisa social. Rio de Janeiro:
Você deve desenvolver este modo de olhar e observar esta Zahar, 1978. p. 36-46.
disposição mental, isto é, estranhar e desnaturalizar fenôme-
nos sociais. Se isso é um princípio das ciências, e da Socio-
logia em particular, ele deve ser ensinado e trabalhado com
o(a)s aluno(a)s. É como uma disposição, um modus vivendi.
Ele(a)s não nasceram sabendo isso, talvez alguns tenham uma
curiosidade maior do que outros. Analise com ele(a)s as várias
situações onde dizem “Isto é natural”. Aproveite para analisar
o poema de Bertold Brecht, abaixo, pois é um recurso muito
bom para se utilizar em sala de aula ao discutir esta questão.
A imaginação e a
3� aula
apercepção sociológicas
Flávio M. S. Sarandy
os que tem algo a ver com a ordem estabelecida, seja lá o que for, Depois de eleger qual aspecto da vida será refletido,
não gostam nem um pouco da Sociologia, é porque ela introduz tente identificar de que modo sua experiência individual
uma liberdade em relação à adesão primária que faz com que neste aspecto está relacionada à organização da sociedade
a própria conformidade assuma um ar de heresia ou de ironia. e à história, isto é, de que modo e em que sentido a estru-
tura social e o contexto histórico atuariam como condi-
O professor de Sociologia não seria, neste sentido, nem cionantes ou limites à experiência individual, ao mesmo
um árbitro imparcial da realidade humana, nem alguém que tempo em que a experiência do vivido se constitui como
fala senão a partir de uma posição que permite conhecer. Sua significados que atribuímos e articulamos às nossas in-
fala se dá a partir da posição da ciência, e é a partir dela que serção e participação na vida social.
ele realiza a crítica ao estabelecido como verdade dada, como
conhecimento construído, posição que ao revelar-se aos seus Para a boa realização desta atividade, recorra a pelo
próprios alunos, permite-lhes que assumam, eles próprios, a menos um autor relevante da área, articulando as ideias
condição de sujeitos do conhecimento e históricos. Trata-se, deste às suas próprias reflexões.
78 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 3ª Aula: Imaginação e apercepção sociológicas
Apresente o resultado de sua reflexão por escrito. desenvolve devido à aprendizagem de algum tipo especial de
conteúdo. Como o autor bem expressou, a Sociologia tem a con-
00Obs.: A atividade pode ser realizada em grupo. tribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico, ao lado
de outras disciplinas, pois promove o contato do aluno com sua
A imaginação sociológica é exatamente o tipo de aprendi- realidade, e podemos acrescentar, bem como o confronto com
zagem que pretendemos desenvolver em nossos alunos com realidades distantes e culturalmente diferentes. É justamen-
o ensino de Sociologia. Vamos aprofundar um pouco mais a te nesse movimento de distanciamento do olhar sobre nossa
discussão. Antes de estabelecermos os objetivos para a disci- própria realidade e de aproximação sobre realidades outras que
plina, deveremos dimensionar a importância da Sociologia desenvolvemos uma compreensão de outro nível e crítica.
como disciplina do nível médio, o que significa perguntar A cientista política Marta Zorzal e Silva (Gazeta Mercantil, 11/12/2000),
sobre seu sentido, o que poderia nos ajudar a compreender numa interessante reflexão sobre as mudanças no mundo
o que ela tem de específico que não encontramos nas discipli- contemporâneo – no campo das tecnologias, nas relações de
nas de História, Geografia ou Filosofia; enfim, perguntar qual trabalho e nas relações culturais –, afirma que a informação
sua especificidade em relação às demais disciplinas. tornou-se elemento estratégico para o mundo globalizado de-
Essa pergunta não é de fácil resposta, e todo pesquisador vido “aos impactos dos processos que têm sido denominados
da área de Ciências Humanas sabe que as fronteiras entre as de globalização”. E ainda observa que
suas diversas áreas são bastante tênues. E acrescenta-se a isso
o fato de que transformar os saberes científicos em saberes A informação em si é um dado bruto. [...] o ato de transformar
escolares implica em um grau de diferenciação e criação de a informação em conhecimento não é uma tarefa simples. Exige
identidades entre as diversas disciplinas. capacidade de processamento da mesma. Significa [...] saber o
A História e a Geografia, provavelmente devido à longa que pode ser feito com os “tijolos de saberes” que o sistema de
tradição no meio escolar, estão bem estabelecidas, possuem ensino fornece. [...] isto implica em capacidade de raciocínio,
um discurso construído sobre a realidade, aceito e ampla- de questionamento, do confronto de outras fontes e experiên-
mente disponível para todos os professores. A Sociologia cias, enfim, habilidades que se adquire ao ser treinado a ver os
conta com este desafio, qual seja, construir um saber organi- mesmos panoramas a partir de diferentes perspectivas. Essa é a
zado de modo a ser viável sua introdução no ensino médio. habilidade que se adquire por excelência com o estudo das ciên-
É importante ressaltar que as ciências possuem fronteiras cias humanas e, em especial, com a Filosofia e a Sociologia. É da
criadas, antes de tudo por divisões políticas internas e, em se essência destes campos de conhecimento a tarefa de desenvol-
tratando de ensino médio, é preciso recriar essas diferenças ver o pensamento, sem nenhuma utilidade ou objetivo prático.
e afirmar uma identidade para a Sociologia se desejamos sua A preocupação maior está em educar o olhar e processar tanto
presença neste segmento de ensino. informações como saberes já produzidos.
Mas isto não responde à questão proposta: o que marca a
especificidade da Sociologia e torna importante sua introdu- Diante dos desafios de nosso tempo ela questiona a nos-
ção nos meios escolares? Algumas tentativas de resposta têm sa capacidade de desenvolvermos o gerenciamento da infor-
sido formuladas. O filósofo e sociólogo Gilson Teixeira Leite mação para que possamos ter competitividade no mercado
(Jornal A Gazeta, em 11/12/2000) afirmou que: global. Mas lembra que a maioria dos países do leste asiático
superaram suas condições e tornaram-se competitivos. Entre
Se é imprescindível dominar a informática e todas as novas os vários fatores que permitiram esse avanço, Marta Zorzal
tecnologias para uma colocação qualificada no mercado de afirma que se destaca a educação: “Todos construíram sólidos
trabalho, também se faz necessário, no universo educacional, alicerces fundados na boa educação pública estendida à maio-
problematizar a vida do próprio aluno, sua existência real num ria da população”. Mas a educação deve conter esse aspecto de
mundo real, com suas implicações nos diversos campos da vida: permitir o confronto de diferentes perspectivas, e que é, por
ético-moral, sociopolítico, religioso, cultural e econômico. [...] excelência, o que faz a Sociologia.
Desmistificando ideologias e apurando o pensamento crítico das Mais uma vez se faz sentir aqui o eco do pensamento de
novas gerações, poderemos continuar sonhando, e construindo, Wright Mills, quando afirma que o homem moderno corre o
um país, não de iguais, mas justo para mulheres e homens que risco de perder o controle de seu próprio destino. Num mundo
apenas querem viver. de excesso de informação e carência de discernimento, como
já observado por outros, a Sociologia permitiria ao aluno do-
Isto nos remete à contribuição que a Sociologia pode dar tar de sentido sua experiência à medida que compreende sua
para o desenvolvimento do pensamento crítico, não porque inserção na teia das relações sociais.
teria um conteúdo imprescindível – não devemos pensar de O conhecimento sociológico certamente beneficiará nosso
modo messiânico na Sociologia. Nem o pensamento crítico se educando na medida em que lhe permitirá uma análise mais
80 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 3ª Aula: Imaginação e apercepção sociológicas
no texto O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever (1998), hegemônica, fornecendo a base para as representações ainda
no qual afirma que o olhar, o ouvir e o escrever são atos cog- vigentes sobre o indivíduo, as relações ou interações humanas
nitivos, mas que se revestem de um caráter especial enquanto ou a política. Somente com o devido distanciamento de nossa
constitutivos do conhecimento antropológico e sociológico. O própria sociedade, e por meio de um olhar comparativo, po-
autor nos lembra que o olhar e o ouvir são disciplinados pela demos perceber que nossa visão de mundo é mais uma entre
teoria e possuem uma intencionalidade, isto é, são dirigidos tantas outras igualmente legítimas, resultantes do fato de que
pela nossa formação em ciências sociais e, portanto, são sele- outros homens, de distintos lugares e tempos, organizam-se
tivos. Nas palavras do autor, “esse esquema conceitual [nossa e vivem de maneiras diferentes da nossa. Tanto quanto essa
teoria social] – disciplinadamente aprendido durante o nosso apercepção nos permite, num duplo movimento, compre-
itinerário acadêmico, daí o termo disciplina para as matérias ender nossa própria realidade pela descoberta inusitada de
que estudamos –, funciona como um prisma por meio do qual aspectos e relações antes insuspeitas. E assim chegamos à
a realidade observada sofre um processo de refração”. compreensão do quanto há de dependência onde vemos li-
Ora, se ocorre esta domesticação do nosso olhar, do nos- berdade, do quanto há de diferença onde pensamos homo-
so ouvir e do nosso escrever pela formação disciplinada em geneidade, e do quanto há de hierarquia quando insistimos
ciências sociais, podemos afirmar que o contato dos jovens em ver igualdade. Talvez aí esteja a grandeza do estudo e en-
educandos com essas teorias, ainda que formatadas pela di- sino da Sociologia: rasgar os véus das representações sociais e
dática necessária ao nível médio de ensino, irá produzir neles compreendê-las sob uma nova ótica, elas próprias como pro-
uma percepção, uma compreensão e um modo de raciocínio dutos sociais.
que nenhuma outra disciplina poderá produzir. É exatamente Compreendemos que as reflexões de Dumont sobre o in-
essa compreensão ou essa percepção específica que indica a dividualismo no mundo moderno guardam muitas conexões
identidade da Sociologia e que fornece seu sentido no ensino com as reflexões de Mills sobre as inquietações que nos afli-
médio, não conteúdos em si mesmos. gem. Mas, observe-se, para Dumont existem muitas impreci-
O antropólogo Louis Dumont (1911-1998), na obra Homo Hie- sões e dificuldades nos usos do termo indivíduo. Segundo ele,
rarchicus (1997), relata um acontecimento que ele acredita de- um indivíduo poderia ser tomado em dois sentidos, como “o
monstrar a importância desse tipo de conhecimento. Diz Du- agente empírico, presente em toda sociedade, que é, nesse par-
mont: ticular, a matéria-prima principal de toda Sociologia, ou o ser
de razão, o sujeito normativo das instituições; isto é próprio
Permitam-me aqui uma anedota que apresenta um exemplo sur- de nós, como testemunham os valores de igualdade e de liber-
preendente de apercepção sociológica. Mais ou menos no final dade, é uma representação ideacional e ideal que possuímos”.
da preparação para o Certificado de Etnologia, um condiscípulo Para o antropólogo, o individualismo, em sentido sociológico,
que não se destinava à Etnologia contou-me que lhe sucedera impede que percebamos como nosso destino está irremedia-
uma coisa estranha. Ele me disse mais ou menos o seguinte: ou- velmente ligado a um destino comum. Como se nossa socie-
tro dia, num ônibus, percebi de repente que não olhava para os dade – como todas as sociedades de herança moderna e oci-
meus companheiros de viagem como de costume; alguma coisa dental – pusesse o acento no indivíduo e não na sociedade; de
havia mudado em minha relação com eles, em minha maneira fato, para ele, nós pensamos a partir da categoria “indivíduo”,
de me situar com relação a eles. Não havia mais “eu e os outros”; e a própria dicotomia indivíduo-sociedade seria falsa, já que
eu era um deles. Durante um longo momento me perguntei pela os termos, são inseparáveis.
razão dessa transformação curiosa e repentina. De repente ela Note que, conforme explica Dumont, se pesamos a partir
me surgiu: era o ensinamento de Mauss”. Conclui Dumont: O in- da categoria indivíduo e mobilizamos noções profundamente
divíduo de ontem sentia-se social, percebera sua personalidade individualistas, como “projeto de vida”, “direitos e garantias in-
como ligada à linguagem, às atitudes, aos gestos, cuja imagem dividuais”,“personalidade” etc., isso não quer dizer que agimos
era devolvida pelos vizinhos. Eis o aspecto humano essencial de desconectados da sociedade global na qual nos inserimos. Por
um ensino de Etnologia. isso que para Dumont o individualismo é uma ideologia, um
sistema de ideias-valor, como ele denomina, mas ainda assim
Podemos acrescentar: eis o sentido do ensino de Sociolo- uma visão invertida da realidade. Porque mesmo em socieda-
gia. Mais que desvelar os chamados “problemas sociais”, ou de des igualitárias (ou que se pautem pelas ideias-valor “igual-
ensinar um elenco sem fim de conceitos, o desenvolvimento dade” e “liberdade”), ainda não deixamos de ser seres sociais
da apercepção sociológica a que se refere Dumont é de funda- e profundamente dependentes da estrutura social, da história
mental importância. Para este autor, a Sociologia atua contra e da cultura. E é exatamente isto que o ensino de Ciências So-
a mentalidade individualista do homem moderno. Foi com o ciais deve permitir compreender.
advento da modernidade e a formação das sociedades capita- A apercepção sociológica de que trata Dumont não é uma
listas que a ideologia individualista se constituiu em ideologia habilidade inata, porém desenvolvida quando estimulamos
82 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 3ª Aula: Imaginação e apercepção sociológicas
ria, exclusão social, mudança social, sexualidade, democracia, Atividade de avaliao
consumismo, representação política, família, direitos huma-
nos, sindicato, gênero, violência, etc. – e o desenvolvimento de
modos de pensar. Assista ao documentário “Justiça”, de Maria Augusta Ra-
Seria impossível, no entanto, codificar as reações de es- mos, e elabore um simples esquema de aula na qual o filme
panto e curiosidade ou as mudanças sutis de percepção e lin- seria ponto de partida para a construção, por parte dos alunos
guagem produzidas nos jovens que já tiveram o privilégio do do ensino médio, do que nesta aula apresentamos como sendo
contato com a ciência social. Menos no trato com as teorias a imaginação e apercepção sociológicas. Observe que o docu-
sociais e mais na postura dos alunos diante da vida em socie- mentário nos permite uma grave reflexão sobre como a iden-
dade; menos no discurso informado por conceitos sociológi- tidade “criminoso” pode ser discursivamente construída por
cos – às vezes bem complexos –, mais nos olhares de quem valores, crenças e procedimentos institucionalizados e como
se encontra em face de um enigma é que se pode aferir quão o processo jurídico elabora a verdade acerca dos fatos de um
importante se torna para os alunos a descoberta sobre como delito – no documentário em questão, esta construção pode
nossa vida é perpassada por forças nem sempre visíveis – por ser acompanhada à medida que as audiências de um acusado
nossa simples pertença a um grupo social. E não a um grupo se desenrolam. A questão que você deve responder é: como
social qualquer, mas a esse grupo, com sua identidade, posi- um documentário como este pode ser utilizado em aulas, na
ção na estrutura social, símbolos e recursos de poder. Quan- escola média, de modo a produzir nos alunos apercepção de
do o aluno compreende que os cheiros, os gestos, as gírias, mecanismos socialmente construídos? E, como resultado,
as tensões e conflitos, as lágrimas e alegrias, enfim, o drama deve apresentar um esquema simples para uma ou mais aulas
concreto dos seus pares é, em grande medida, resultante de que resolve(m) o problema apresentado.
uma configuração específica de seu mundo, então a Sociolo-
gia cumpriu sua finalidade pedagógica. No fim das contas, é a • Justiça.
cidadania e a democracia de nosso país que saem ganhando. Dir.: Maria Augusta Ramos. 107 min. (Brasil, 2004).
Justiça, documentário da cineasta Maria Augusta Ra-
mos, pousa a câmera onde muitos brasileiros jamais pu-
seram os pés – um Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro,
Como vimos nesta aula... acompanhando o cotidiano de alguns personagens, na
linha do “cinema reflexivo”. Há os que trabalham ali dia-
riamente (defensores públicos, juízes, promotores) e os
O ensino de Sociologia no ensino médio tem por objeti- que estão de passagem (réus). A câmera é utilizada como
vo fazer com que o aluno consiga organizar o pensamento e um instrumento que enxerga o teatro social, as estruturas
mudar seu olhar sobre as questões cotidianas ou gerais. Espe- de poder – ou seja, aquilo que, em geral, nos é invisível.
ramos, com esses pensamentos, contribuir para a construção O desenho da sala, os corredores do fórum, a disposição
da compreensão acerca da importância e das finalidades de das pessoas, o discurso, os códigos, as posturas – todos os
nossa disciplina no ensino médio. O sentido e a especificidade detalhes visuais e sonoros ganham relevância. Em geral,
do ensino sociológico é o de desenvolver uma nova atitude nosso olhar é formado pela visão do cinema americano, os
cognitiva em nossos alunos. ‘filmes de tribunal’. ‘Justiça’, sob esse aspecto, é um choque
Os objetivos do ensino de Sociologia no ensino médio se- de realidade. Sinopse completa em:
riam justamente desenvolver a imaginação sociológica, que Link: http://www.justicaofilme.com.br/synopsis.php
permite que nossos alunos compreendam o processo histórico
em suas relações com a biografia individual, e a percepção so-
ciológica, que permite que o aluno perceba-se como integrante
de um processo histórico e parte de um destino comum.
BOURDIEU, Pierre. Lições da Aula. São Paulo: Ática, 1994. COSTA, Cristina. Sociologia – introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna,
1997.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro
de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996. DUMONT, Louis. Homo hierarchicus – o sistema das castas e suas implicações. São
Paulo: EdUSP, 1997.
BRASIL. Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008. Altera a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional, Lei nº 9394 de 1996. Brasília, DF, 2008. MILLS, Charles W. A imaginação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curricula- OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever.
res Nacionais. Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília, DF, Ministério da Educa- In: _____. O trabalho do antropólogo. Brasília: Paralelo 15; São Paulo: Editora Unesp,
ção, Secretaria de Educação Básica, 2008. 1998. p. 17-35.
84 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 3ª Aula: Imaginação e apercepção sociológicas
Unidade 2 – Fundamentos terico-metodolgicos e finalidades do ensino de Sociologia no Nvel Mdio
Iniciando nossa conversa e Ensino, uma delegação expressiva da CNTE, além do Sindicato
dos Sociólogos de SP”.
Disponível em: <http://filosofia.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=81>.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania 85
Propondo objetivos Responda:
86 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania
Em 2003, realizou-se, na Universidade de Brasília (UnB), o Anteriormente, vimos que pelo menos duas condições
Ciclo de Palestras sobre a visibilidade da Filosofia e da Socio- contribuíram para a consecução das experiências apontadas:
logia no Programa de Avaliação Seriada (PAS) e no Vestibular a presença da Sociologia nos currículos das escolas da região
da UnB. Durante o evento, os professores de escolas publicas e a provocação do debate no interior das próprias universida-
e privadas (algumas ofereciam as disciplinas) demonstraram des sobre seus processos seletivos. Condições que ainda não
que nos processos da instituição era clara a preocupação dos estavam dadas na maioria dos Estados.
elaboradores das provas em provocar a reflexão do candidato
sobre sua condição de cidadão, sobre os fundamentos existen-
ciais, culturais, sociais, políticos que orientam suas decisões e
condutas.
Conforme o relatório desse encontro, em diversas questões Atividade no ambiente virtual
o candidato se defrontava com a necessidade de avaliar itens
relativos a temas sociais contemporâneos, utilizando para Cabe salientar que, talvez, a inclusão da disciplina nos
tanto não rara vezes, o aporte da Antropologia, da Ciência Po- vestibulares ainda não seja consenso entre os próprios pro-
lítica, da Sociologia e da Filosofia. Sendo assim, por que não fessores de Sociologia. Caro professor, qual seu posiciona-
oficializar tais temáticas e cobrar Filosofia e Ciências Sociais mento? No ambiente virtual, debata sobre essa questão com
nos processos seletivos da Universidade?10 seus colegas.
Depois de vários debates, em 2006 a Filosofia e a Sociolo-
gia passaram a fazer parte dos objetos de avaliação do PAS.
E, em 2009 elas começaram a ser cobradas no vestibular
tradicional.
Como consequência, de modo semelhante ao processo Mas será que a contribuição da Sociologia na preparação
de Uberlândia, as escolas particulares incluiram nos seus para os vestibulares, somente ocorre quando ela consta en-
currículos as referidas disciplinas, a maioria nas três séries quanto disciplina nesses processos seletivos?
– antes, portanto, da determinação contida na Resolução Talvez se você analisar as provas de Geografia, História,
CNE/CEB nº 4/2006, de 16 de agosto de 2006, citada em aula Literatura dos vestibulares de algumas universidades, consta-
anterior. tará pelos menos duas tendências, como verificaram os pro-
Cabe ressaltar um fato interessante sobre o vestibular da fessores do Distrito Federal em relação aos exames da UnB:
UnB: conforme o edital do vestibular 2009, os conteúdos de
Sociologia e das demais disciplinas são aqueles relacionados As provas das disciplinas História e Geografia utilizan-
com as Orientações Educacionais Complementares aos PCNs, do conceitos originalmente sistematizados no âmbito das
conhecidas como PCN+ e com as OCNs – Orientações Curri- Ciências Sociais, tais como: classes sociais, poder, cultura,
culares Nacionais, que você estudou numa anterior. grupo social, mobilidade, status e prestígio social.
Caro(a) cursista, você saberia informar se nos processos
seletivos das universidades federais, estaduais, públicas ou As provas de disciplinas como Literatura, Artes, Histó-
particulares de seu Estado, em algum grau, há cobrança de ria, dentre outras, tratando de temáticas contemporâneas
conhecimentos relacionados às Ciências Sociais? como diversidade cultural, diferenças de gênero, de cor,
Provavelmente a sua resposta seja negativa. Não obstante participação política e movimentos sociais. Temáticas in-
as experiências relatadas, ainda é reduzido o número de ins- clusive que ganharam uma maior reflexividade social com
tituições que exigem conhecimentos de Sociologia em seus a difusão dos estudos da Sociologia, da Antropologia e da
vestibulares. Ciência Política.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania 87
Ela contribuiria no desenvolvimento de habilidades cada
vez mais exigidas nesses exames, como, por exemplo, inter-
pretar e produzir textos. Essa prova foi feita para Comunicação;;;;;
Cultura de Massa, Indústria Cultural, Adorno, Fotografia, Pro-
Uma proposta seria integrar a Sociologia com a Filosofia, His- pagandaa....
tória, mas também com Português. Aí você bota o aluno para Sabia q a ia ser útil um dia.....kkkkkkkkkkkkkkk
ler, entender um texto. A Sociologia seria também para o aluno
aprender a ler, concentrar. E, indiretamente, estaria ajudando o Não foi dessa vez, mas, de agora em diante o jeito é ler mais, as-
aluno em outras matérias e no vestibular.11 sistir peça teatral, filme cult e ainda discutir o que assistir com
a namorada, com mãe, com os vizinhos, com quem aparecer no
Conforme os professores, a Sociologia também auxilia o pedaço.
aluno na compreensão de conceitos utilizados nas outras dis- Acho q a do Platão é errada, pq ele diz que o mundo das ideias
ciplinas da área de Ciências Humanas. tem q ser real, e o mundo em q vivemos é copia imperfeita,
sendo o cinema reprodução do mundo em q vivemos, então o
Ela explica, de uma forma simples, a diferença entre capitalismo, cinema seria a copia da copia, então como ele pode dar acesso
socialismo e comunismo, que os alunos não sabem. A Sociolo- direto ao mundo das ideias... Dai pus errado..nem sei se viajei
gia é muito útil para detalhar questões.12
Marquei errado também. Acho que o cinema representa muito
Cabe notar a tendência dos vestibulares em abordarem mais o mundo sensível do que o da ideia.E a prova falou isso o
temáticas interdisciplinares, como aquelas relacionadas a di- tempo... “o cinema é usado como forma de difundir uma ideo-
ferenças de gênero, uso indevido de drogas, diversidade cultu- logia bla bla... o cinema traz um falsa realidade”
ral, questão ambiental, dentre outras. Geralmente, as discipli-
nas tradicionais focam os aspectos específicos, disciplinares Aquela do canto gregoriano tava certa???
dessas questões, por exemplo a dimensão histórica, geográfi-
ca, biológica da questão ambiental. hauhuauha..q povo sem noção..isso q dá falta de leitura hein
No caso das Ciências Sociais, por estarem mais preocupa-
das com o humano em sociedade, elas se propõem construir O tema não poderia ser mais lindo *-*
relações. Nessa perspectiva, seriam analisados os mitos e as
concepções concernentes à relação humano-natureza, bem Concordo. Quando li Charlie Chaplin no gabarito eu abri um
como a ação humana no contexto da industrialização e todos sorriso enorme e o fiscal ficou olhando com cara de “WTF?” pra
os seus efeitos perversos e perniciosos, sejam eles físicos, quí- mim
micos, biológicos, tecnológicos. Assim, os estudos de Sociolo- Eles falaram do Pedro Almodóvar, John Williams, Woody Allen
gia promovem a capacidade do aluno articular diversos temas *-*
que abarcam várias disciplinas.
Cabe salientar que essa característica da Sociologia, tam-
bém presente na Filosofia e nas Artes, requer outro tipo de 00Obs.: Comentários retirados da rede social Orkut. Comu-
preparação para os vestibulares daquelas instituições nas nidade: Vestibulandos/Vestibular UnB. Disponível em:
quais essas disciplinas são cobradas. Link: <http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs.aspx?cmm
O vestibular da UnB é reconhecido pela sua ênfase inter- =576202&tid=5346818719673651048>.
disciplinar. Porém, com a inclusão da Filosofia, Sociologia,
Artes Cênicas, Música e Artes Visuais, essa ênfase foi posta
em outro patamar, para além da justaposição de disciplinas
em torno de um tema. O que está modificando a percepção
sobre o perfil do candidato com mais chances de ingressar na Sociologia e a preparação
universidade. A seguir, comentários de candidatos sobre o 2º para o mercado de trabalho
vestibular 2009, no qual a prova de ciências exatas, bem como
a prova de ciências humanas, tiveram o Cinema como tema Caro(a) cursista,
central. Talvez uma das contribuições mais importantes nas aulas
de Sociologia, em termos de preparação para o mercado de
trabalho, seja propiciar aos alunos uma discussão sobre as
11 SANTOS, Mário. A Sociologia do Ensino Médio: o que pensam os professores da rede pública de
ensino do Distrito Federal. Brasília, UnB, 2002. [Dissertação de Mestrado].
mudanças pelas quais passa hoje o mundo do trabalho.
12 Idem nota 2.
88 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania
Tais mudanças pautaram, inclusive, as reformas educa-
cionais nos anos 90. Em função de tais reformas, houve um Essa política educacional, para alguns estudiosos, funda-
separação radical entre Ensino Médio e Ensino Técnico em menta-se em pressupostos equivocados.
1997, que mesmo flexibilizada em 2004, ainda hoje repercute Primeiro equívoco: as referidas mudanças na forma
e molda essas modalidades de ensino. de organização e gestão do trabalho no sistema capitalista não
Na época, o Ministério da Educação, em favor da reforma são fenômenos sociais únicos. Ao contrário, desde sua gênese
argumentava que visava atender aos novos contextos gerados essa forma de produção é marcada por constantes transfor-
pelas mudanças decorrentes da chamada terceira revolução mações em sua base técnica. Elas constituem tentativas de
técnico-industrial, na qual o conhecimento tem um lugar cen- soluções para a contradição estrutural do capitalismo entre o
tral nos processos de desenvolvimento econômico, organiza- caráter coletivo da produção e o caráter privado da apropria-
ção do trabalho e das relações sociais. ção. Essa situação provoca a tendência decrescente da taxa de
Análises dos documentos referentes à reforma mostram lucro e as crises de acumulação. Por isso, para Antunes16, a de-
o discurso oficial girando em torno de palavras-chave como: nominada crise do fordismo nada mais é do que a expressão
relacionar, aplicar, pontes, aplicações, contextualização, expe- fenomênica dessa contradição.
riência, tecnologias, práticas.13 O atual processo de mudança seria então uma resposta à
Nessa perspectiva, as disciplinas são organizadas em 3 crise de acumulação de capital iniciada na década de 70 e que
áreas de conhecimentos enfaticamente relacionadas às tec- teve seu apogeu no início da década de 80. Conforme Frigot-
nologias: linguagens, códigos e suas tecnologias; ciências da to17, a forma fordista de organização do trabalho com base
natureza e matemática e ciências humanas e suas tecnologias, mecânica e eletromagnética, caracterizada por um conjunto
área na qual estaria inserida a Sociologia. de máquinas fixas, com rigidez de programação de sequencia
Nesse sentido, caberia à Sociologia contribuir para a com- e movimentos padronizados e em grande escala, tornou-se
preensão das transformações no mundo do trabalho e o novo um entrave para a ampliação do processo de reprodução do
perfil de qualificação exigido, gerados por mudanças na ordem capital. As mudanças sob essa base técnica teriam custos altos
econômica. devido a sua natureza um tanto inflexível, por isso, faz-se ne-
A orientação é de que os conteúdos sejam abordados no cessária a sua superação.
contexto do trabalho. Assim, “estudos sobre a sociedade e o Segundo equívoco: na verdade essa transformação as-
indivíduo podem ser contextualizados nas questões que di- sumiu diferentes feições no primeiro mundo, de tal forma que,
zem respeito: conforme Antunes18, em alguns países como Itália, Alemanha,
Estados Unidos e Suécia, o fordismo ainda convive com outros
à organização, à gestão, ao trabalho em equipe, à lide- processos produtivos (neofordismo, neotaylorismo, fordismo)
rança, e e em alguns casos, como no Japão, ele foi substituído pelo
toyotismo. No Brasil, onde, conforme Silva, o próprio fordis-
ao contexto de produção de serviços tais como relações mo teve um desenvolvimento limitado, a nova base técnica
públicas, administração, publicidade.”14 de produção encontra dificuldades em se estabelecer.19 Alguns
estudos mostram que, mesmo nas empresas de tecnologia de
A Sociologia então é vista exercendo um papel analítico ponta, há somente a introdução de algumas técnicas diferen-
importante dentro do quadro das mudanças profundas ocor- ciadas, contudo sem integração e ainda com base numa rígida
ridas nas relações sociais e nos valores. Os conhecimentos divisão do trabalho.20
derivados das pesquisas dessa ciência possibilitam ao edu- Enfim, a mudança produtiva ainda seria incipiente no Bra-
cando se situar nesse novo quadro social, como também sil, contudo, em torno dela, formou-se um discurso no que se
refere à organização de empresas, gestão de pessoal, educação
“permitem que outros profissionais procurem alternativas de
intervenção frente aos problemas sociais oriundos desta nova
ordem política, econômica e social. Enfim, a Sociologia, ao mes- 16 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.
São Paulo: Boitempo, 2000. p. 30-31.
mo tempo em que realiza um esforço para entender a realidade 17 FRIGOTTO, Guadêncio. Educação e formação humana: ajuste neoconservador e alternativa de-
social, também subsidia outros agentes sociais na solução dos mocrática. In: Neoliberalismo, qualidade total e educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 61.
18 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do
problemas.”15 mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 1995. p. 15-16.
19 SILVA, Elizabeth. Refazendo a fábrica fordista? Tecnologia e relações industriais no Brasil no
final da década de 1980. In: HIRATA, Helena (Org.). Sobre o modelo japonês. São Paulo: EdUSP,
p. 219.
13 Idem nota 2. 20 Ver dois estudos publicados também em: HIRATA, Helena (Org.). Sobre o modelo japonês. São
14 BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Bases legais. Brasília, Ministé- Paulo: EdUSP. FLEURY, Afonso. Novas tecnologias, capacitação tecnológica e processo de tra-
rio da Educação, 2000. p. 80. balho: comparações entre o modelo japonês e o brasileiro. SALERNO, Mário. Modelo japonês,
15 Idem nota 5, p. 37. trabalho brasileiro.
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania 89
básica e profissional. Esse discurso criou ou ressignificou con- so contraditório, pois que propõe uma educação que forme
ceitos como: qualidade total, formação flexível e polivalente, trabalhadores criativos, críticos, participativos ao mesmo
empregabilidade, policognição, competitividade, competên- tempo adaptados, dóceis e submissos à lógica da empresa.
cia, habilidade, sociedade do conhecimento, dentre outros. Caro(a) professor(a), provavelmente muitos de seus alu-
De acordo com Frigotto21, tais conceitos se concretizam nos já vivenciem nos estágios, empregos e subempregos fe-
em programas e métodos que visam otimizar tempo, energia nômenos como: terceirização, precarização, automatização de
e espaço, isto é, visam aumentar a produtividade: programas rotinas, informatização, contratação temporária.
de reengenharia, descentralização produtiva, terceirização; Nesse sentido, assinale, abaixo quais conteúdos você abor-
e propostas educacionais que objetivam a formação de um da ou já abordou em sala de aula relacionados à Sociologia do
novo trabalhador com capacidade de abstração, criatividade Trabalho:
e responsabilidade.
Para os críticos, trata-se de um discurso que assume um ( ) Novos modelos de gestão do trabalho
caráter ideológico ao individualizar as soluções para os pro- ( ) Taylorismo-fordismo e modelo japonês (toyotismo)
blemas sociais. Sob sua ótica, o desemprego é um problema ( ) Mudanças no perfil do trabalhador
do trabalhador que não se adaptou ao perfil exigido pela nova ( ) A precarização das relações de trabalho: fim de
forma de organização do trabalho, isto é, um trabalhador que direitos trabalhistas, contrato temporário
não possui criatividade, visão de conjunto, capacidade de li- ( ) Terceirização, trabalho em casa, desemprego
derança, de abstração, domínio de conhecimentos científicos estrutural
que fundamentam a produção. ( ) Enfraquecimento das organizações sindicais
Sob essa lógica, caberia ao trabalhador, individualmente, ( ) Solidariedade versus Competitividade entre
buscar uma melhoria da sua qualificação e, assim, aumentar trabalhadores
sua capacidade de encontrar empregos, isto é, sua empregabi- ( ) Profissões e mercado de trabalho
lidade, visto que, hoje, não há mais postos fixos e definitivos
no mercado de trabalho.22
Ademais, conforme Dejours, nos mais diversos países di-
funde-se a ideia de que vivemos em plena guerra econômica.
Uma guerra por mercados, onde a principal arma é a compe- Atividade no ambiente virtual
titividade. Uma guerra que justifica a utilização no mundo do
trabalho de métodos que ampliam a exclusão. Caro(a) cursista, a desnaturalização apontada pelos conte-
údos indicados, parece fazer com que a Sociologia assuma um
[...] Métodos cruéis contra nossos concidadãos, a fim de excluir caráter mais político. O que você pensa sobre essa questão?
os que não estão aptos a combater nessa guerra (os velhos que Antes de responder, seria importante uma nova retomada
perderam a agilidade, os jovens mal preparados, os vacilantes...): das aulas dessa unidade. Procure articular uma relação entre
estes são demitidos da empresa, ao passo que dos outros, dos o caráter da Sociologia, pedagógico, político, técnico, e a pre-
que estão aptos para o combate, exigem-se desempenhos sempre paração para o mercado de trabalho. Após, poste no ambiente
superiores em termos de produtividade, de disponibilidade, de virtual sua posição frente às visões sobre a preparação para o
disciplina e de abnegação. Somente sobreviveremos, dizem-nos, mercado de trabalho.
se nos superarmos e nos tornarmos ainda mais eficazes que nos-
sos concorrentes.23
90 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania
Ademais, como mencionado, a Sociologia auxilia o aluno óticas e lugares que influenciam e modelam diferentes con-
a compreender melhor os conteúdos das outras disciplinas cepções de ensino da disciplina.
da área de Ciências Humanas, como ao contextualizá-los e Para Pierre Bourdieu, nos processos de tomada de deci-
relacioná-los com o todo. Nessa perspectiva, por exemplo, as são os sujeitos usam uma espécie de mapa mental, a partir do
noções de tempo e de espaço são compreendidas para além do qual, como numa cidade, eles podem se dirigir a um mesmo
campo disciplinar da Geografia e da História. ponto, porém utilizando caminhos diferenciados em razão de
Ler, interpretar e produzir textos, tratar dados presentes suas inserções sociais: classe, cor, idade, sexo, local de mora-
em gráficos e tabelas, fazer relações entre diferentes áreas do dia, tipo de trabalho, dentre outras variáveis.
conhecimento são capacidades que a Sociologia possibilita a
de desenvolver e que preparam o aluno para diferentes setores As tomadas de posição diferentes, mesmo antagônicas, somen-
do mercado de trabalho, especialmente o setor de comércio e te se constituem como tais com relação aos objetos de disputa
serviços. comuns.26
Para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-
cio Exterior, o setor representa aproximadamente 60% do PIB Os dados da pesquisa27 revelaram dois tipos de posiciona-
brasileiro, com mais de 945 mil empresas e 15,8 milhões de mento relacionados com variáveis como formação e local de
empregos. Entre as vinte maiores empresas do Brasil, doze são trabalho.
empresas do setor terciário. E em relação às micro e pequenas, Para um grupo, a Sociologia contribui para formar o ci-
mais de 97% do total são prestadoras de serviços.24 dadão consciente na medida em que possibilita ao educando
compreender as relações sociais.
Sociologia e a preparação para a A Sociologia ajuda o aluno a fazer várias leituras. Ela seria um
cidadania instrumento de reflexão para ele. Para ele, ela seria um instru-
mental de análise, de observação das várias relações sociais Per-
Liberdade – essa palavra, ceber a realidade social que eles vivem. Compreender melhor as
Que o sonho humano alimenta: relações sociais.
Que não há ninguém que explique,
E ninguém que não entenda! Portanto, para esse grupo, a Sociologia é instrumento
Cecília Meireles de compreensão. Ela não prediz, organiza, direciona este ou
aquele projeto relativo à realidade social do educando. Ela
Caro(a) cursista, fornece o instrumental para a reflexão sistematizada acerca
Cidadania – provavelmente uma das palavras mais difun- dessa realidade.
didas no âmbito do ensino de Sociologia. Uma pesquisa cons-
tatou que os professores da disciplina compartilham sempre Eu dou os instrumentos para que você identifique, por exemplo,
uma mesma ideia do seu papel no Ensino Médio: formar ci- quais os tipos de governo, de lideranças, na visão de Weber. O
dadãos conscientes.25 que seria um governo entre aspas tipicamente carismático? Você
Todavia, ao contrário do que a poetisa nos diz acerca da acha que isso é correto? Então, beleza! Opte por ele. Se você não
liberdade, há diversas concepções e explicações sobre o con- acha, faça outras opções. A Sociologia ajuda você poder optar.
ceito de cidadania e sobre a função da Sociologia no processo
de seu desenvolvimento. Por sua vez, constatou-se que, para outro grupo, a Socio-
O debate sistemático a respeito do conceito de cidadania logia ajuda na formação do cidadão na medida em que pos-
nós faremos no próximo módulo, na disciplina Participação sibilita a conscientização do aluno acerca da necessidade de
política e cidadania. Agora, queremos conversar com você sua intervenção na realidade, tendo em vista a melhoria das
sobre a possível contribuição da Sociologia, no processo de relações sociais.
formação.
Saiba que a pesquisa em questão, observou que a ideia de A Sociologia além de observar e explicar os fenômenos, ela con-
formação para a cidadania é eixo central do que Willem Doise segue também dar solução. Ela é uma teoria, é um embasamento,
denomina campo comum das representações sociais. Todavia, é uma análise crítica para melhorar suas relações sociais.
os professores compartilham essa ideia a partir de diferentes
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania 91
Para esse grupo, a Sociologia seria então um instrumento Caro(a) professor(a), ainda que pese sua posição diante
de ação. das visões acima, os sujeitos citam a presença das mesmas
capacidades desenvolvidas com o apoio da Sociologia que
A Sociologia permite a consciência crítica, que permite a cora- também ajudam no sentido de preparar o jovem para o vesti-
gem para atuar. A gente se sente com maior poder de argumen- bular, para sua inserção no mercado de trabalho. A Sociologia
tação para resolver as coisas, para barganhar, para negociar, para contribui em diferentes aspectos de um mesmo processo: a
tentar encontrar soluções humanas. formação plena do educando.
Quando você tem uma teoria, você não tem uma teoria realizada • Universidade Estadual de Londrina
por alguém sozinho. Ele vai levar o nome, talvez. Karl Marx, em Link: http://www.cops.uel.br/
minha opinião, só compilou, organizou, tomou pra si algo que
era muito maior, que devia ser de muito mais pessoas naquela
época. Mercado de trabalho
A Sociologia, além de observar e explicar os fenômenos, con- Na aula foram citadas as mudanças no mundo do trabalho,
segue também dar solução. Olha você vive isso por isso. Na sua a 3ª revolução técnico-industrial, novo modo de produção do
rua há um buraco, falta esgoto, porque você está desorganizado conhecimento. Anthony Giddens tem dedicado obras sobre
socialmente. Que tal fazer uma associação de moradores? as consequências dessas mudanças no nosso cotidiano, no tra-
balho, nas relações afetivas e na própria Sociologia, como �
Quando existiu um movimento gay no século XIX, ou um movi-
mento ecológico? Marx, quando escreveu O capital, não existia • Consequências da modernidade. (Editora da Unesp)
Carrefour, rede de bancos, etc.
• A transformação da intimidade: sexualidade, amor e
erotismo nas sociedades modernas. (Editora da Unesp)
92 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania
Como vimos nesta aula...
Essa ambiciosa trilogia de Castells foi comparada, por An-
thony Giddens, à obra de Max Weber.
Os estudos de Sociologia ajudam o jovem a desenvolver a
capacidade de ler, interpretar e escrever textos diversos, como
Preparação para a cidadania também na articulação de diversas áreas de conhecimento e
disciplinas.
O conceito de cidadania será trabalhado no próximo mó- Tais capacidades são fundamentais na preparação para o
dulo. Para tanto, é importante a leitura de análises de experi- vestibular, na inserção no mercado de trabalho e na formação
ências envolvendo a Sociologia e cidadania � do cidadão, aspectos, na realidade, de um mesmo processo.
• RÊSES, Erlando. E com a palavra: os alunos – Estudo A preparação para o vestibular, o mercado de trabalho,
das representações sociais dos alunos da rede pública do a cidadania constituem a concretização das possibilidades
Distrito Federal sobre a Sociologia no Ensino Médio. Bra- e processos que a Sociologia realiza: como estranhamento e
sília: UnB, 2004. Dissertação de Mestrado. desnaturalização, imaginação e apercepção sociológicas. E es-
tão relacionados com o caráter político, científico e pedagógi-
• RODRIGUES, Shirley. Cidadania e espaço público a co da Sociologia.
partir da escola: resgate, recriação ou abandono? Brasília: Vimos também possíveis conteúdos sociológicos envolvi-
UnB, 2007. Dissertação de Mestrado. dos nestes processos.
Sugestão de conteúdos
Acadêmico
Político
Pedagógico
1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania 93
• Se você quiser ler toda a letra de “Tempo Perdido” pode
Debate no ambiente virtual encontrá-la em:
Link: http://letras.terra.com.br/legiao-urbana/22489/>, e
Na leitura das OCNs vimos que também não foi possível se quiser ouvi-la, acesse <http://www.youtube.com/
ainda construir consenso em torno dos próprios conteúdos watch?v=ee6rDLESe1c
de Sociologia. Porém, a intenção do Ministério da Educação
é que no novo ENEM, com sua proposta de um vestibular • Se você quiser ler toda a letra de “Educação sentimental
unificado para as universidades federais, a Sociologia esteja II” pode encontrar em:
presente, a partir de 2010. E então, quais conteúdos, para você, Link: http://vagalume.uol.com.br/kid-abelha/educacao-
deveriam ser exigidos nessa avaliação? Com base no quadro sentimental-ii.html>, e se quiser ouvi-la, acesse <http://
debata com os colegas os conteúdos que julgam deveriam www.youtube.com/watch?v=qJFKtNWVNJE
constar do ENEM.
2° Após o debate, peça a cada aluno(a) que escreva, numa
frase, um conteúdo que ele considere de Sociologia que
possa ajudar os jovens das duas músicas na compreen-
são e, talvez, superação de suas angústias. Fixe as frases
2 Em nossa sociedade, a adolescência, como fase de transi- em mural. Com a colaboração dos alunos, identifique os
ção, é marcada por crises, angústias, incertezas. Será que conteúdos repetidos e selecione os 10 mais importantes.
a Sociologia poderia ajudar os jovens a compreender me-
lhor essa fase de suas vidas? Que tal pensarmos sobre isso?
Assim o faremos em dois momentos.
Atividade no ambiente virtual
1° Debatendo letras de músicas do nosso pop rock:
Relate essa experiência no ambiente virtual.
Tempo Perdido
DEJOURS, Christophe. A banalização da injustiça social. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 14.
Educação Sentimental II DOISE, Willem; CLÉMENCE, Alain; LORENZI-CIOLDI, Fábio. Représentations sociales et
analyses des données. Grenoble, France: Presses Universitaires de Grenoble, 1992. p. 7.
A vida que me ensinaram como uma vida normal [Préface de Pierre Bourdieu].
Tinha trabalho, dinheiro, família, filhos e tal
Era tudo tão perfeito se tudo fosse só isso SILVA, Elizabeth. Refazendo a fábrica fordista? Tecnologia e relações industriais no Bra-
Mas isso é menos do que tudo, sil no final da década de 1980. In: HIRATA, Helena (Org.) Sobre o modelo japonês. São
É menos do que eu preciso... Paulo: EdUSP, 1993. p. 219.
[...]
Agora você vai embora Senado Federal: <http://www.senado.gov.br/Agencia/verNoticia.
E eu não sei o que fazer aspx?codNoticia=74618&>. Acesso em: 18 ago. 2010.
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior: <http://w3.ufsm.br/
Composição: Leoni / Paula Toller / Herbert Vianna revistacontabeis/anterior/artigos/vIIIn02/o_simples_nacional_e_sua_relacao_com_
as_prestadoras_de_servicos.pdf>
94 1º Módulo Disciplina 3: Ensino de Sociologia: ... Unidade 2 4ª Aula: Vestibular X Mercado de Trabalho X Preparação para a Cidadania
Unidade 2 – Fundamentos terico-metodolgicos e finalidades do ensino de Sociologia no Nvel Mdio
5� aula
Livros didáticos
Flávio M. S. Sarandy
Os cientistas nunca aprendem conceitos, leis e teorias de uma Repertório, naturalmente, legitimado por uma série de ri-
forma abstrata e isoladamente. Em lugar disso, esses instru- tos e processos típicos da formação acadêmica, tanto quanto
mentos intelectuais são, desde o início, encontrados numa uni- pelos manuais que orientarão os professores em sua carreira
dade histórica e pedagogicamente anterior, onde são apresenta- docente, ou no início de sua carreira docente; é razoável ad-
dos juntamente com suas aplicações e através delas. Uma nova mitirmos que essa dinâmica vale igualmente para a docên-
teoria é sempre anunciada juntamente com suas aplicações a cia superior como para a docência no ensino médio, onde os
uma determinada gama concreta de fenômenos naturais; sem manuais produzem, se não um consenso específico em tor-
elas não poderia nem mesmo candidatar-se à aceitação cien- no de questões teóricas, ao menos um sentido de integração
tífica. Depois de aceita, essas aplicações (ou mesmo outras) disciplinar e um “discurso exemplar”, assimilável ao professor
acompanharão a teoria nos manuais onde os futuros cientistas iniciante. A “jurisdição bibliográfica”, isto é, o controle do que
aprenderão seu ofício. As aplicações não estão lá simplesmente é aceito como leitura autorizada, como sugere Melo (1999), tam-
como um adorno ou mesmo como documentação. Ao contrá- bém se reproduz nos livros didáticos, nos quais professores da
rio, o processo de aprendizado de uma teoria depende do es- educação básica baseiam-se para orientarem seus programas,
tudo das aplicações, incluindo-se aí a prática na resolução de talvez não como orientação positiva, limitando suas aulas ao
problemas, seja com lápis e papel, seja com instrumentos num livro, porém como referência de um corpo de conhecimentos
laboratório. Se, por exemplo, o estudioso da dinâmica newto- e leituras com os quais dialogar.
niana descobrir o significado de termos como “força”, “massa”, Neste sentido, espera-se que cursos de Licenciaturas em
“espaço” e “tempo”, será menos porque utilizou as definições in- Ciências Sociais reservem, mais do que encontramos hoje, um
completas (embora algumas vezes úteis) do seu manual, do que espaço específico para se refletir sobre a produção e o uso de
por ter observado e participado da aplicação desses conceitos à livros, materiais e recursos didáticos como atividade crucial
resolução de problemas. para a formação dos futuros professores.
BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Um objeto variável e instável: textos, impressos e MEUCCI, Simone. A institucionalização da Sociologia no Brasil: os primeiros manuais e
livros didáticos. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura. Campi- cursos. Campinas, SP: IFCH-Unicamp, março 2000. [Dissertação – Orientador: Otávio
nas, SP: ALB: Fapesp: Mercado de Letras, 2000. p. 529-575. Ianni].
GIGLIO, Adriano. A Sociologia na Escola Secundária: uma questão das Ciências Sociais SANTOS, Mário Bispo dos. A Sociologia no Ensino Médio – o que pensam os professo-
no Brasil – Anos 40 e 50. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999. [Dissertação – Orientador: Luiz res da Rede Pública. Brasília: ICS-UnB, junho 2002. [Dissertação – Orientador: Carlos
Werneck Vianna]. Benedito Martins].
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. SARANDY, Flávio M. S. A Sociologia volta à escola: um estudo dos manuais de Sociologia
para o ensino médio no Brasil. Rio de Janeiro: IFCH-UFRJ, outubro 2004. [Dissertação –
LAGO, Benjamin Marcos. Curso de Sociologia e Política. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. Orientadora: Gláucia Villas Bôas].
MEKSENAS, Paulo. Sociologia. 2. ed. 5. reimp. São Paulo: Editora Cortez, 1999. TAKAGI, Cassiana T. Tedesco. Ensinar Sociologia: análise dos recursos de ensino na esco-
la média. São Paulo: IFCH-USP, 2007. [Dissertação – Orientador: Amaury César Moraes].
MELO, Manuel Palácios. Quem explica o Brasil. Juiz de Fora, MG: Editora UFJF, 1999.
TOMAZI, Nelson Dácio. Sociologia para o ensino médio. São Paulo: Atual, 2007.
6� aula
Recursos didáticos
Flávio M. S. Sarandy
1 Atividade
Escolha 3 (três) passagens de livros didáticos ou recor-
tes de textos dos clássicos normalmente utilizados em sala
Objetivo � de aula, na disciplina no Ensino Médio;
refletir sobre a linguagem apropriada ao ensino de Socio- Escreva um pequeno texto, entre 1 e 2 páginas, no qual
logia no Ensino Médio, em especial a linguagem escrita utili- você exercita a reescrita dos trechos selecionados, tendo
zada em diferentes materiais impressos tomados como recur- em vista um único objetivo: a inteligibilidade das explica-
sos didáticos. ções para alunos do Ensino Médio. Cuidado, naturalmen-
te, para não distorcer, cometer incorreções, nem simplifi-
Proposta � car excessivamente os textos originais.
Nesta aula aprendemos que o ensino de Sociologia na es- MILLS, Charles W. A imaginação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
cola média – como deveria ser em qualquer etapa educacio-
nal – deve ser pautado não somente pela definição de con-
teúdos a serem aprendidos pelos alunos, mas também pela
construção sistemática das estratégias e dos recursos didáti-
cos necessários ao alcance dos objetivos propostos para cada
aula. Recursos didáticos, tanto como os próprios conteúdos
conceituais, devem ser compreendidos como meios para o de-
senvolvimento das atitudes cognitivas almejadas pelo ensino
de Sociologia no Ensino Médio, consubstanciadas nos termos
estranhamento, desnaturalização, apercepção sociológica e
imaginação sociológica.
Atividade de avaliao
Caro(a) cursista,
5 Como você utiliza em sua prática docente estes três pres-
supostos teóricos? Você utiliza pesquisa em sua prática
docente? Se sim ou se não, por quê? Que limites e possibi-
lidades a pesquisa poderia ter para o desenvolvimento do
ensino de Sociologia na escola média?
Os autores.
Curso de Especializao em Ensino de
Sociologia
para o Ensino Médio
Ministério da Educação
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Comissões de Sociologia
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8060-024-7
13-07118 CDD-370.71
Caro(a) cursista,
Os autores.
Sumário
Ementa:
Bibliografia geral
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. GERTZ, René E. (Org.). Max Weber & Karl Marx. 2. ed. São
2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1987. Paulo: Hucitec, 1997.
BIRBAUM, P.; CHAZEL, F. (Orgs.) Teoria sociológica. São GIDDENS, Anthony. Política, sociologia e teoria social.
Paulo: Hucitec/EDUSP: 1977. Encontros com o pensamento social clássico e contem-
porâneo. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
BOTTOMORE, T.; NISBET, R. (Orgs.). História da análise
sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. _____. Capitalismo e moderna teoria social. Uma aná-
lise das obras de Marx, Durkheim, Max Weber. Lisboa:
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo F. Introdução ao Presença, 1976.
pensamento sociológico: Durkheim/Weber/Marx/Par-
sons. 15. ed. Rio de Janeiro: Centauro, 2001. GIDDENS, A.; TURNER J. (Orgs.). Teoria social hoje. São
Paulo: Unesp, 2000.
COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas.
Petrópolis,RJ: Vozes, 2009. HAWTHORN, Geoffrey. Iluminismo e desespero. Uma his-
tória da sociologia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
COHN, Gabriel (Org.). Sociologia. Para ler os clássicos.
Rio de Janeiro: Azougue, 2005. LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas –V.I.
Das Origens a Max Weber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
COMISSÃO GULBENKIAN. Para abrir as ciências sociais.
São Paulo: Cortez, 1996. _____. História das ideias sociológicas –V.II – De Parsons
aos contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
CUIN, Charles-Henry; GRESLE, François. História da socio-
logia. Lisboa: Dom Quixote, 1995. LEVINE, Donald N. Visões da tradição sociológica. Rio de
Janeiro: Zahar, 1997.
DOMINGUES, José Maurício. Teorias sociológicas no sé-
culo XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. MOYA, Carlos. Teoria sociológica. Una introducción críti-
ca. Madrid: Taurus, 1971.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da expli-
cação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos, 1978.
QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de O.; SKIDMORE, William. Pensamento teórico em sociologia.
OLIVEIRA, Maria Gardência de. Um toque de clássicos. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: EdUFMG,
1995. TIMASHEFF, Nicholas S. Teoria sociológica. 4. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1973.
REX, John. Problemas fundamentais da teoria sociológi-
ca. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. ZEITLIN, Irving M. Ideologia y teoria sociológica. Buenos
Aires: Amorrortu, 1973.
SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica. 4. ed. Itajaí-SC:
Ed.Univali/Edifurb, 2006 00 Obs.: A bibliografia da 7ª aula estará na pró-
pria aula.
Introdução:
A Sociologia, como toda ciência, nasceu e se desenvolveu em diferentes lugares e épocas determinadas. Por
essa razão, faz-se necessário retornar um pouco no tempo e analisar o contexto de cada caso. Para tanto, é
fundamental conhecer as transformações que ocorreram a partir do século XV, quando se iniciou uma grande
transformação: a passagem da sociedade feudal para a sociedade capitalista.
A História sempre registrou as explicações que os homens encontraram para os acontecimentos presencia-
dos, mas é somente no século XIX que vamos ver o surgimento de uma ciência – a Sociologia – tendo essa
preocupação como objeto de estudo. Para compreender como isso ocorre é necessário conhecer alguns dos
antecedentes que permitiram que apenas no século XIX emergisse uma ciência da sociedade.
É comum pensar a trajetória da constituição da Sociologia do ponto de vista das ciências sociais, ou seja,
pensar a constituição da Sociologia sociologicamente, historicamente. Pensar a sociedade em que vivemos,
dessa forma, significa pensá-la em movimento, não estaticamente.
Neste processo aparecem pensadores que sobressaem mais que outros e, por essa razão, ao analisar alguns
nomes estaremos fazendo isso em função de dois critérios: o espaço desta disciplina para analisar a história da
Sociologia e a influência de autores na constituição da Sociologia no Brasil.
O que enfatizamos é que para se entender as ideias de um autor ou de uma determinada época, o funda-
mental é contextualizá-las historicamente, para serem compreendidas como parte de um período. Pode-se
afirmar que os indivíduos e grupos pensam a sociedade em que vivem mediante categorias do pensamento
que emergem das tradições, do universo religioso, das raízes filosóficas e do conhecimento científico existente
até então.
A Sociologia surgiu e se desenvolveu em vários países para chegar a determinadas características que nos
permitem pensar uma sociologia mundial que hoje se apresenta como uma ciência que, embora não se prenda
a características deste ou daquele país (que em alguns casos certamente permanecem), privilegia caracterís-
ticas mais globais. A opção presente de analisar a Sociologia na França, na Alemanha e nos Estados Unidos da
América ocorre em virtude de que é nestes países que ela se desenvolveu no final do século XIX e início do XX
com mais vigor, influenciando o desenvolvimento da Sociologia em outros países e, principalmente, no Brasil.
Franco Ferrarotti, sociólogo italiano, assim se expressa quando escreve sobre a opção de analisar a história
da Sociologia por países:
[...] Isto quer dizer que as características e as orientações de fundo da Sociologia nos vários países não
remetem apenas para o plano cultural, nem se explicam totalmente apenas nesse plano, não são um fato
puramente científico, não podem ser explicadas tendo em conta só os aspectos internos da disciplina.
Essas características e orientações põem em jogo a sociedade no seu conjunto, o conceito e a prática do
poder que nela predominam, as suas instituições formalmente edificadas e juridicamente reconhecidas e
os comportamentos típicos que caracterizam o seu real funcionamento quotidiano, o seu grau de maturi-
dade como sociedade moderna, isto é, dinâmica e funcional, e, portanto, a sua história, os seus «valores»,
comuns e compartilhados, se como tal se manifestarem relevantes, e os seus costumes. Reduzido ao
essencial e expresso numa forma só aparentemente paradoxal, o problema da Sociologia é que não pode
haver Sociologia sem sociedade. (FERRAROTTI, Franco. Sociologia. Lisboa: Teorema, 1986. p. 27).
Algumas observações:
• Estas aulas constituem apenas um panorama da história da sociologia. Tratam-se de uma pequena introdu-
ção para que você se sinta motivado a ler os textos indicados e outros que entender sejam convenientes para
o desenvolvimento da sua formação.
• Além dos livros indicados na bibliografia geral (acima exposta), as aulas contemplam outras indicações de
textos e livros que devem ser lidos ou consultados para se ter um bom desenvolvimento neste curso. Mas, veja
bem, são todos textos de comentaristas, com apenas algumas citações de autores.
• A leitura dos livros e textos indicados não exclui a necessidade da leitura dos textos dos próprios autores
(não comentaristas). Assim, por exemplo, os comentaristas de Comte, Marx, Durkheim, Tarde, Weber e Simmel
são importantes, mas é fundamental – para quem deseja uma boa e sólida formação – ler os livros, ensaios e
artigos originais para poder formar um universo de juízo próprio, ou seja, ter autonomia e assim poder elabo-
rar suas próprias ideias sobre aqueles e outros autores contemporâneos.
1� aula
Vale considerar que a obra desses pensadores não ficou 00 Curiosidade: a sociologia na América latina
vinculada estritamente aos movimentos sociais dos traba- Em 1877 foi criado, na cidade de Caracas, Venezuela, um
lhadores. Ela foi sendo introduzida nas universidades em Instituto de Ciências Sociais e, anos mais tarde, em 1882, a
diferentes áreas do conhecimento. A Filosofia, a Sociologia, a Universidade de Bogotá, na Colômbia, abriu o primeiro curso
Ciência Política, a Economia, a História, a Geografia, entre ou- de Sociologia no mundo, antecipando-se assim em dez anos
tras, contam com trabalhos acadêmicos de autores influencia- ao inaugurado em Chicago em 1892. Daí em diante, esse pro-
dos pelos dois autores alemães. Na Sociologia, afirma Irving cesso se expandiu: 1898, em Buenos Aires; 1900, em Assun-
M. Zeitlin em seu livro Ideologia y teoria sociológica, tanto ção; 1906, em Caracas, La Plata e Quito; 1907, em Córdoba,
Max Weber quanto Emile Durkheim fizeram em suas obras Guadalajara e Cidade do México. Até os anos de 1920, o ensino
um debate com o fantasma de Karl Marx. de Sociologia já estava estabelecido em quase todos os países
Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo, e pela da América Latina, em várias universidades. No Brasil, como
repercussão que a obra dos dois alemães teve em todo o mun- veremos na 6ª Aula, o primeiro curso superior de Ciências So-
do, principalmente no século XX, seja nos movimentos sociais ciais somente surgiu na década de 1930.
• POLANYI, Karl. A grande transformação. As origens 2 Auguste Comte e Karl Marx foram pensadores que tinham
de nossa época. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000. projetos de reformulação da sociedade em que viviam. Há
pontos de contato e de diferenciação entre ambos? Leia os
b Para uma compreensão mais precisa sobre Auguste Comte dois textos abaixo e responda a esta questão. �
e Karl Marx é importante ler as coletâneas abaixo, que apre-
sentam uma introdução e textos dos autores citados � • SOUZA, Ricardo Luiz de. A ordem e a síntese:
aspectos da sociologia de Auguste Comte.
• MORAES FILHO, Evaristo de. (Org.). Link: <http://www.cchla.ufrn.br/cronos/pdf/9.1/a1.pdf>.
Auguste Comte. São Paulo: Ática,1989. Este artigo trata de alguns aspectos básicos do pen-
samento de Auguste Comte, a partir dos quais é possível
• COMTE, Auguste. Comte. Seleção de textos e com compreender a contribuição desse autor para o processo
introdução de José Arthur Giannotti. São Paulo: de construção do conhecimento sociológico do qual ele foi
Abril Cultural, 1978. (Coleção Os pensadores) precursor (e criador do termo).
• IANNI, Octavio (Org.). Marx. São Paulo: Ática, 1989. • NICOLAUS, Martin. O Marx desconhecido.
Link: <http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/outros/
• NETTO, José Paulo (Org.). Engels. nicolaus.htm>.
São Paulo: Ática, 1981. Este é um texto pouco conhecido do público brasileiro,
escrito por um sociólogo norte-americano que traz uma
c Um livro oferece uma análise contemporânea de Karl visão importante da obra de Marx.
Marx e é importante ser lido para a compreensão de seu pen-
samento � 3 Se você for utilizar esta aula para desenvolver alguma ati-
vidade junto a seus alunos no Ensino Médio, fazemos estas
• BENSAID, Daniel. Marx, o intempestivo. sugestões �
Grandezas e misérias de uma aventura crítica.
Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1999. • Elabore uma revisão histórica com os alunos,
procurando saber o que eles conhecem desse
grande período, ou seja, do século XV até o
século XIX. Destaque os elementos essenciais
que são os pressupostos para o surgimento
da Sociologia no final do século XIX.
Nos livros abaixo relacionados, que integram a Bibliogra- GIDDENS, Anthony. Política, sociologia e teoria social. Encontros com o pensamento
fia geral, constam análises dos pressupostos históricos e social clássico e contemporâneo. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
intelectuais que fundamentam o surgimento da Sociologia,
bem como uma análise de importantes aspectos do pensa- _____. Capitalismo e moderna teoria social. Uma análise das obras de Marx, Durkheim,
mento dos autores aqui abordados. Max Weber. Lisboa: Presença, 1976.
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 2. ed. São Paulo: Martins Fon- GIDDENS, A.; TURNER J. (Orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: Unesp, 2000.
tes, 1987.
HAWTHORN, Geoffrey. Iluminismo e desespero. Uma história da sociologia. Rio de Ja-
BIRBAUM, P.; CHAZEL, F. (Orgs.) Teoria sociológica. São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1977. neiro: Paz e Terra, 1982.
BOTTOMORE, T.; NISBET, R. (Orgs.). História da análise sociológica. Rio de Janeiro: LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas – V.I. Das Origens a Max Weber.
Zahar, 1980. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo F. Introdução ao pensamento sociológico: _____. História das ideias sociológicas – V.II. – De Parsons aos contemporâneos. Petró-
Durkheim/Weber/Marx/Parsons. 15. ed. Rio de Janeiro: Centauro, 2001. polis, RJ: Vozes, 2004.
COHN, Gabriel (Org.). Sociologia. Para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Azougue, 2005. LEVINE, Donald N. Visões da tradição sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. MOYA, Carlos. Teoria sociológica. Una introducción crítica. Madrid: Taurus, 1971.
COMISSÃO GULBENKIAN. Para abrir as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1996. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Lígia de O.; OLIVEIRA, Maria Gardência de. Um
toque de clássicos. Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: EdUFMG, 1995.
CUIN, Charles-Henry; GRESLE, François. História da sociologia. Lisboa: Dom Quixote,
1995. REX, John. Problemas fundamentais da teoria sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
DOMINGUES, José Maurício. Teorias sociológicas no século XX. Rio de Janeiro: Civiliza- SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica. 4. ed. Itajaí-SC: Ed.Univali/Edifurb, 2006
ção Brasileira, 2001.
SKIDMORE, William. Pensamento teórico em sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
FERNANDES, Florestan. Fundamentos empíricos da explicação sociológica. 3. ed. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1978. TIMASHEFF, Nicholas S. Teoria sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
GERTZ, René E. (Org.). Max Weber & Karl Marx. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1997. ZEITLIN, Irving M. Ideologia y teoria sociológica. Buenos Aires: Amorrortu, 1973.
A Sociologia na França
a Este texto permitirá ter uma visão geral do surgimento e d Para conhecer mais sobre Emile Durkheim leia �
desenvolvimento da Sociologia acadêmica na França. �
• GIANNOTTI, José Arthur. A sociedade como
• MUCCHIELLI, Laurent. O nascimento da sociologia técnica da razão. Um ensaio sobre Durkheim.
na universidade francesa (1880-1914). Link: <http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/a_
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid sociedade_como_tecnica.pdf>.
=S0102-01882001000200003>.
• ORTIZ, Renato. Durkheim: arquiteto e herói fundador.
b Para conhecer mais sobre Le Play e Worms, leia os textos � Link: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/
rbcs_00_11/rbcs11_01.htm>.
• BARBERIS, Daniela S. O organicismo como modelo
para a sociedade: a emergência e a queda da • PINHEIRO FILHO, Fernando. A noção
sociologia organicista na França no fin-de-siècle. de representação em Durkheim.
Link: <http://ghtc.ifi.unicamp.br/AFHIC3/Trabalhos/17- Link: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a08n61.pdf>.
Daniela-Barberis.pdf>.
• SOUZA, Railton N. A Sociologia em Émile Durkheim.
• BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. A família Link: <http://blogln.ning.com/profile/
na obra de Frédéric Le Play. RailtonNascimentoSouza>.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0011-52582002000300007>. • VASCONCELLOS, Maria Drosila. A sociologia da
educação na França: um percurso produtivo.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0101-73302003000200013&lang=pt>.
Atividades de avaliação
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 2. ed. São Paulo: Martins Fon-
tes, 1987. [Ler o capítulo Émile Durkheim – p. 296-373].
LALLEMENT, Michel. História das ideias sociológicas –V.I. Das Origens a Max Weber.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. [Ler o capítulo – Émile Durkheim e a escola francesa de
Sociologia – p. 197-254].
A Sociologia na Alemanha
TERRA
00 Dica: O artigo de Antônio de Vasconcelos Nogueira,
Teoria da relatividade Werner Sombart (1863-1941): apontamento biobibliográfico – cons-
tante da bibliografia, oferece uma visão precisa de quem foi
Sombart: um pensador polêmico em suas análises e posições
Apesar de estar sempre envolvido nas polêmicas de seu políticas.
tempo, do ponto de vista político e social nunca foi filiado ou
teve participação político-partidária.
Suas obras sociológicas mais importantes são: � Maximillian Carl Emil Weber (1864-1920)
Das obras citadas na Bibliografia geral indicamos as se- COHN, Gabriel. Crítica e resignação. Fundamentos da Sociologia de Max Weber. São
guintes leituras, entre outras, para melhor compreender Paulo: T. A. Queiroz, 1979.
a Sociologia na Alemanha:
FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 2. ed. São Paulo: Martins Fon- 2006.
tes, 1987. [Ler o capítulo Max Weber – p. 461-540].
SOUZA, Jessé (Org.). A atualidade de Max Weber. Brasília: Ed. da UnB, 2000.
GIDDENS, Anthony. Política, sociologia e teoria social. Encontros com o pensamento
social clássico e contemporâneo. São Paulo: Ed. Unesp, 1998. [Ler o capítulo 1 – Política Obras de M. Weber e de G. Simmel publicadas no Brasil:
e sociologia no pensamento de Max Weber – p. 25-71].
MORAES FILHO, Evaristo (Org.). Simmel. São Paulo: Ática, 1983. [Coleção Grandes Cien-
HAWTHORN, Geoffrey. Iluminismo e desespero. Uma história da Sociologia. Rio de tistas Sociais. Livro com introdução do organizador e uma série de textos do próprio
Janeiro: Paz e Terra, 1982. [Ler o capítulo 7 – A história resolvida pela vontade – p. Simmel].
141-165].
SIMMEL. Georg. Questões fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
Livros sobre sociólogos alemães publicados no Brasil:
_____. Filosofia do amor. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MIRANDA, Orlando (Org.). Para ler Ferdinand Tönnies. São Paulo: EDUSP, 1995. [Este
é o principal e único livro, no Brasil, que discute através de vários autores a obra de SOUZA, Jessé; OELZE, Berthold (Orgs.). Simmel e a modernidade. Brasília: Ed. da UnB,
Ferdinand Tönnies. Como não há tradução de nenhum livro dele, pode-se encontrar, na 1998. [Livro com uma introdução dos organizadores e uma coletânea de artigos de
Parte III desta coletânea, excertos do livro Comunidade e Sociedade]. Simmel].
WAIZBORT, Leopoldo. As aventuras de Georg Simmel. São Paulo: Ed.34, 2000. [Este livro WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Cia. das Letras,
é o mais completo sobre G. Simmel, no Brasil. A sua leitura é fundamental para quem 2004.
deseja conhecer melhor este pensador].
_____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970.
Deste mesmo autor – WAISBORT, Leopoldo. Simmel no Brasil. Disponível em: <http://
redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/218/21850102.pdf>. [Este texto é fundamental para se _____. Economia e sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Ed.
entender como Simmel foi utilizado no Brasil, pelo menos até a década de 1960]. da UnB, 1996 (2 v.)
Para um conhecimento maior de Max Weber, os livros abai- _____. História geral da economia. São Paulo: Mestre Jou, 1968.
xo são uma referência importante:
_____. Metodologia das Ciências Sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993. (2 v.). [Textos
COELHO, Maria Francisca Pinheiro; BANDEIRA, Lourdes; MENEZES, Marilda Loiola de. metodológicos organizados e com introdução de Maurício Tragtenberg].
(Orgs.). Política, ciência e cultura em Max Weber. Brasília: Ed. da UnB, 2000.
_____. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. [Coletânea de textos de Max
Weber selecionados e com uma introdução de H. H. Gerth e C. Wright Mills].
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/sala_de_aula/
imagens/eua_guerra_secessao_gettysb.jpg
Iniciando nossa conversa
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/95/American_Civil_War_Montage_2.jpg
Propondo objetivos
Conhecendo sobre
A Sociologia nos Estados Unidos da América surgiu no nomia do sul, onde foram destruídas fábricas, estabelecimen-
contexto de dois grandes eventos que marcaram profunda- tos comerciais e residências, além das propriedades rurais
mente a história dos Estados Unidos da América. A Guerra produtoras de algodão que foram queimadas, prejudicando
de Secessão, também conhecida como Guerra Civil Ameri- seriamente a exportação de algodão para a Inglaterra. Esta si-
cana, ocorrida entre 1861 e 1865, e a imigração estrangeira tuação gerou grandes ressentimentos e atritos entre a popula-
em massa. ção do sul e do norte dos Estados Unidos, que perduraram por
A guerra civil drenou os recursos financeiros do norte dos várias gerações e, em alguns Estados, perdura até hoje, consi-
Estados Unidos da América e arruinou completamente a eco- derando que nenhum programa governamental previu a inte-
2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA 43
gração profissional e econômica do sul aos Estados Unidos da Assim, ao findar o século XIX, os Estados Unidos da Amé-
América. O sul perdeu toda sua influência política, econômica rica estavam em franco desenvolvimento Industrial com um
e cultural nos Estados Unidos, e seus ideais tradicionais pas- crescimento econômico e urbano significativos. As principais
saram a não ter muita influência no governo federal. cidades passaram a ser espaços de conflito e de preocupações.
Como reação positiva à guerra civil houve a urbanização Por essa razão, temas como imigração, aculturação ou con-
das terras do oeste e das áreas centrais norte-americanas, flitos étnicos, comportamentos desviantes, políticas públicas,
contribuindo ainda mais para o crescimento da economia, a entre outros, marcaram a Sociologia que se desenvolveu ini-
expansão industrial e o desenvolvimento do capitalismo dos cialmente no país.
Estados Unidos. No norte, graças ao esforço de guerra, hou- As tendências intelectuais, culturais e ideológicas eram
ve um crescimento surpreendente, principalmente na meta- muitas, e as ciências sociais nascentes as refletiam nos cons-
lurgia, transporte ferroviário, armamentos e naval. Além do tantes confrontos de suas temáticas e concepções. Mas um
desenvolvimento tecnológico, houve o desenvolvimento de fato interessante, apontado por Geoffrey Hawthorn (conferir
escolas e instituições de ensino superior. O comércio cresceu bibliografia geral e no final desta aula), deve ser levado em
de maneira exponencial, espalhando-se para todo o terri- conta. Ele afirma que, pelo fato de a sociedade americana não
tório americano. O padrão de cultura dos Estados Unidos ter vivido um período feudal, a sua revolução ocorreu rela-
passou a ser o ideal nortista de “trabalho duro, educação e li- cionada a sua independência, não havendo necessidade de
berdade econômica a todos”, e que, eventualmente, faria dos criticar nenhuma estrutura política e pensamento anteriores.
Estados Unidos da América a maior potência econômica do Ela pôde assim tomar os pensadores iluministas com todas
mundo. as suas possibilidades e pensar a construção de uma nova so-
Um fato interessante de se notar é que os principais funda- ciedade sem os entraves feudais remanescentes, apesar dos
dores da Sociologia nos Estados Unidos da América nasceram grandes problemas que ainda subsistiam decorrentes do fim
antes ou durante a Guerra Civil Americana, e portanto experi- da escravidão em 1863, principalmente nos estados do sul.
mentaram o impacto desse acontecimento: Principais influências no desenvolvimento do pensamento
sociológico americano foram a tradição religiosa protestante,
• William Graham Sumner (1840-1910); disseminada em quase todo o território com suas diversas
• Lester F. Ward (1843-1914); igrejas, o liberalismo econômico clássico, do tipo laissez-faire
• Albion Small (1854-1926); entre os grandes empresários, de cunho conservador, e o evo-
• Franklin Giddings (1855-1931); lucionismo de Darwin, e sua decorrência, o darwinismo social
• Thorstein B. Veblen (1857-1929); de Herbert Spencer. Acrescente-se a esse cadinho de concep-
• William I. Thomas (1863-1947); ções de mundo e ciência o pragmatismo do filósofo e psicólo-
• Robert E. Park (1864-1944); go William James (1842-1910) e do filósofo Charles Pierce (1839-1914).
• Charles H. Cooley (1864-1929); Conforme Mário A. Eufrásio (ver bibliografia):
• George Herbert Mead (1863-1932).
O desenvolvimento da Sociologia nos Estados Unidos, na se-
O segundo acontecimento, a imigração estrangeira em gunda metade do século XIX e inícios do século XX, pode ser
massa, pode ser dimensionado pelos seguintes dados: entre traçado a partir de diversas origens, que se combinam com uma
1860 e 1900, os Estados Unidos da América passaram de um desigual influência da Sociologia que se desenvolvia no decorrer
país agrícola, com pequena população, em torno de 4 milhões do século XIX, na Europa, associada às transformações políticas,
de habitantes, para um país industrial, com uma das maiores econômicas, sociais e culturais que caracterizavam o surgimento
economias do mundo composta de 75 milhões de habitantes. da sociedade moderna. Certos aspectos da formação da Sociolo-
Esta transformação populacional, junto com a industriali- gia assumiram, nos Estados Unidos, formas originais: uma mo-
zação, redundou num processo de urbanização sem prece- tivação inicial filantrópica e favorável à reforma social, de feição
dentes, que continuou até a década de 1930. Para se ter uma progressista, e sua disputa contra os argumentos conservadores
ideia, Chicago, em 1860, tinha 102.260 habitantes; em 1900, tirados da economia política clássica e do evolucionismo e do
1.698.575; e em 1930, 3.375.329 habitantes. darwinismo social; o uso pioneiro de materiais sociográficos; a
A sociedade norte-americana mudou com a consolidação influência do evolucionismo de Spencer e do darwinismo social
de uma burguesia industrial, comercial e financeira significa- no desdobramento da discussão intelectual de um conjunto de
tiva. Paralelamente houve a formação de uma enorme classe ideias da época (entre 1850 e 1900) e os inícios do ensino universitário
trabalhadora, formada na maioria por imigrantes e de uma da Sociologia em diversas instituições de ensino e pesquisa uni-
classe média em ascensão, nas principais cidades do país. versitárias que foram criadas nas últimas décadas do século XIX.
(EUFRASIO, 1999, p. 21).
44 2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA
Assim, é possível perceber que os fundadores da Sociologia • William I. Thomas (1863-1947) e Florian Znaniecki (1882-
nos Estados Unidos da América tiveram heranças diversas, e –
1958 – nascido na Polônia, chegou aos Estados Unidos da América em 1914)
acrescente-se a isso que muitos deles estudaram por alguns desenvolveram e publicaram uma pesquisa intitulada
períodos na Alemanha. O camponês polonês na Europa e na América
Essas heranças permitem-nos compreender como a So- durante os anos de 1918 a 1921 – conforme: http://
ciologia se desenvolveu e se firmou nos anos seguintes com wikipedia.qwika.com/en2pt/Florian_Znaniecki
duas grandes características, diferentes das características da • Robert E. Park (1864-1944) e Ernest W. Burgess (1886-1966),
Sociologia da França e da Alemanha: que escreveram Introdução à ciência da Sociologia,
em 1921. Os dois, juntamente com R. Mackenzie,
Por uma multiplicidade de temas, problemas e propos- escreveram o clássico livro A cidade, em 1925.
tas e uma diversidade teórica e metodológica, num per- • Louis Wirth (1897-1952) Nascido na Alemanha, chegou
curso que abrange desde a macro até a microssociologia. aos Estados Unidos da América em 1911, e
Diferentemente da Sociologia europeia, apresenta muito publicou O gueto, em 1928, além de um famoso
pouco interesse, em seu período inicial, por grandes dis- artigo, em 1938: Urbanismo como modo de vida
cussões teóricas, e conformou uma Sociologia que se pre- (claramente influenciado por George Simmel,
tende prática, isto é, interessada em resolver os problemas que também havia escrito outro importante
existentes na sociedade mediante pesquisas aplicadas; artigo: A metrópole e a vida mental).
Por ter se desenvolvido desde o início no interior das Outros autores desenvolveram pesquisas sobre temas
universidades, com presença, nas atividades universitá- que evidenciavam a preocupação existente em Chicago e nas
rias, de doações e financiamento privados (Fundação Ro- grandes cidades dos Estados Unidos da América (a desorga-
ckfeller, Comitês e Associações normalmente religiosas) nização social nas cidades, marginalidade social, alcoolismo,
que, paralelamente ao Estado, estimularam a pesquisa. drogas, segregação racial, delinquência) que evidenciam a
relação entre a pesquisa sociológica e a intervenção dos orga-
Por estas características, escolhemos analisar o desenvol- nismos públicos. Houve, em alguns deles, a preocupação com
vimento da Sociologia norte-americana, em três grandes uni- o que eles chamavam de ecologia humana em oposição à eco-
versidades: Chicago, Harvard e Columbia. logia animal e vegetal.
A Universidade de Chicago foi fundada em 1890 e recebeu Entretanto, pouco a pouco foi também se firmando, em
seus primeiros alunos em 1892, graças a uma grande doação Chicago, uma outra perspectiva congregando sociólogos e
feita por John D. Rockefeller, e foi nela que surgiu o primeiro antropólogos relacionados à Psicologia social que, posterior-
departamento de Sociologia, sob a direção de Albion Small mente, veio a se chamar de interacionismo simbólico. A princi-
(1854-1926). A sua presença na Sociologia americana se deu fun- pal figura dessa vertente foi George Herbert Mead (1863-1932), que
damentalmente por ter sido grande professor e organizador. trabalhou com John Dewey e desenvolveu uma visão pragmá-
Em 1895 criou o American Journal of Sociology e, em 1907, tica e com uma forte tendência que, hoje, chamaríamos psi-
participou ativamente da criação da Sociedade Americana de cossociológica.
Sociologia. Ele publicou, junto com Georges Vincent em 1894, G. H. Mead, filósofo e psicólogo social, trabalhou em vá-
talvez o primeiro manual de Sociologia para estudantes, inti- rias áreas, sobretudo como psicólogo social, e foi professor de
tulado Introdução ao estudo da Sociedade. Small será o prin- várias gerações de antropólogos e sociólogos. Não chegou a
cipal divulgador do pensamento de George Simmel nos Esta- sistematizar suas propostas em vida, o que foi realizado postu-
dos Unidos da América (havia estudado na Alemanha, como mamente, quando seus alunos e discípulos compilaram uma
quase todos os que trabalhavam nesse momento em Chicago). série de anotações de suas aulas (taquigrafadas, em sua maior
A Universidade de Chicago, no início de seus trabalhos parte), do curso de Psicologia Social que ministrava, de pales-
sociológicos, deu primazia à pesquisa de campo, isto é, à pes- tras e de alguns de seus artigos, editando a obra Self, mind and
quisa empírica, procurando conhecer, através da observação society (1934). Ele se dedicou a refletir sobre a consciência, para
direta, a dinâmica das relações sociais. Assim, nela se desen- ele uma característica distintiva da espécie humana. Afirmou
volveu uma forte tendência pragmática e microssociológica a necessidade de se pensar a responsabilidade individual no
que viria a ser conhecida com a Escola de Chicago. Um de contexto de uma coletividade de indivíduos que se orienta-
seus expoentes, nesse momento, William F. Ogburn (1886-1959), vam uns pelos outros, mas também para si próprios.
desenvolveu instrumentos estatísticos com finalidades bem Além da tradição intelectual presente nos Estados Unidos
práticas para análise da realidade social. da América, houve a influência de Gabriel Tarde, mais do que
Vários autores participaram desse movimento. Entre os Durkheim, aliada à de Georg Simmel. Seus continuadores fo-
mais conhecidos no Brasil, podem ser citados: ram Herbert Blumer (1900-1987) e Everett C. Hughes (1897- 1983). Mais
2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA 45
conhecidos no Brasil, e ainda presentes hoje na Sociologia Seu livro mais conhecido, Os problemas humanos de uma civi-
brasileira, são Erving Goffman (1922-1982) e Howard Becker (1928- ). lização industrial, foi escrito em 1933. Como consequência, foi
criada, em Harvard, a Divisão de Pesquisas Industriais. Após
este primeiro ensaio de “sociologia industrial”, mesmo sem
um departamento específico, a Sociologia nesta universidade
Charles H. Cooley – Companheiro de foi marcada por uma preocupação teórica.
George Herbert Mead Pitirim A. Sorokin (1889-1968) foi quem começou essa trajetó-
ria. Oriundo de uma família de camponeses pobres, nasceu no
Esta vertente da sociologia, mais uma psicossociologia norte da Rússia, ele se tornou sociólogo e historiador depois
(conhecida posteriormente como interacionismo simbólico), de estudar na Universidade de São Petersburgo, onde recebeu
nos Estados Unidos da América, é representada também por o título de doutor em Sociologia, em 1922. Exilou-se da Rússia
Charles H. Cooley (1864-1929), que escreveu A natureza humana em 1923, após criticar a revolução de 1917, e depois de breve
e a ordem social (1902), Organização social (1909) e O processo so- estada em Praga partiu para os Estados Unidos da América,
cial (1918). Ele passou 37 anos como professor da Universidade onde lhe foi oferecido um lugar de professor na Universida-
de Michigan. Recusou-se a ir para a Universidade de Colum- de de Minnesota. Quando assumiu a cidadania americana,
bia, pois preferiu ficar na calma de Michigan. Mesmo assim, mudou-se para a Universidade de Harvard, onde se tornou
em 1918, foi presidente da Sociedade Sociológica Americana. professor da primeira cátedra de Sociologia desta instituição.
Complementando o pensamento de G. H. Mead, preocupava- Organizou o Departamento de Sociologia em 1930, sendo seu
se com os vínculos entre indivíduo e sociedade, destacando a chefe até 1944, quando foi substituído por Talcott Parsons.
liberdade individual, a ordem social negociada e a mudança Diferentemente da trajetória de Chicago, Sorokin impri-
social. Para ele, não há prevalência nem do indivíduo, nem miu a Harvard uma preocupação teórica, baseado em autores
do grupo na análise sociológica, há sempre um processo europeus, não levando em conta a tradição norte-americana e
interativo de influência mútua entre ambos. A distinção e desenvolvendo seus estudos sobre as teorias da dinâmica so-
complementaridade entre os grupos primários e secundá- cial e dos processos de mobilidade e mudança sociais. Ficou
rios é a marca que distingue sua contribuição com ênfase em Harvard até sua morte, em 1968.
nas relações afetivas. Em seus livros, Cooley defende a apro- Suas principais obras: Sociologia da revolução; Mobilidade
ximação sociopsicológica para a compreensão da sociedade. social; Dinâmica social e cultural; Sociedade, cultura e perso-
Preocupa-se principalmente com a determinação social do nalidade; Novas teorias sociológicas; A crise de nosso tempo (as
caráter. Daí surge sua teoria fundamental: a mente é social e três últimas publicadas no Brasil).
a sociedade, mental. Procura demonstrar que o ideal de uni- Mas o principal representante da Sociologia de Harvard
dade moral, envolvendo qualidades como lealdade, justiça e foi Talcott Parsons (1902-1979). Filho de pai pastor, graduou-se em
liberdade, é derivado da participação em grupos primários Biologia e Filosofia no Amherst College (1924), pois pretendia
onde estreitas relações são mantidas como na família, etc. se formar em Medicina. Ao se graduar, decidiu-se pelo cam-
Daí sua criação da classificação dos grupos em primários e po das Ciências Sociais, fez sua pós-graduação na Escola de
secundários. Na ausência de tal experiência moral, é provável Economia em Londres e doutorou-se na Universidade de Hei-
a ocorrência de fenômenos de desorganização social. delberg, Alemanha (1925-1927). Voltando aos Estados Unidos da
América ensinou Economia e Sociologia na Universidade de
Harvard durante 45 anos (1928-1973). Em 1944 substituiu Sorokin,
A Universidade de Harvard (localizada na cidade de Cam- no Departamento de Sociologia, em Harvard, e em 1946 trans-
bridge, no estado de Massachusetts) foi fundada em 1636, formou esse departamento num Departamento Interdiscipli-
como Harvard College, em homenagem a John Harvard, seu nar de Relações Sociais, onde procurou, como o próprio nome
principal mecenas. Só a partir de 1780 passou a se chamar indicava, uma visão mais ampla, relacionando a Sociologia a
Harvard University. outras ciências sociais.
Antes de ter um Departamento de Sociologia, em Harvard Ele buscou dar um encaminhamento mais teórico para a
desenvolveu-se uma preocupação com a industrialização Sociologia norte-americana, no mesmo sentido em que So-
crescente nos Estados Unidos da América. Esta preocupação rokin, e voltou-se para a Sociologia europeia, buscando em
foi protagonizada por Georges Elton Mayo (1880-1949 – Nascido na Aus- Max Weber, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim, além do eco-
trália), que trabalhou sobre o que poderíamos chamar de germe nomista inglês Marshall, os fundamentos para produzir a sua
de uma Sociologia industrial. Mayo iniciou esta caminhada grande obra teórica, que dominará a Sociologia norte-ameri-
com uma grande pesquisa, entre 1927 e 1932, com os operá- cana desde então e que pode ser resumida nos seus dois livros
rios da empresa Western Eletric, e procurou entender a influ- mais expressivos: A estrutura da ação social (1937) e O sistema
ência das relações sociais na produtividade dos trabalhadores. social (1951). Neles desenvolveu a sua teoria da ação social, con-
46 2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA
tribuindo para o fortalecimento da teoria da escolha racional O trabalho de Talcott Parsons foi influente entre as déca-
e da articulação de sistemas em termos amplos onde as uni- das de 1950 e 1970, principalmente nos Estados Unidos, e foi
dades se relacionam e interagem formando um sistema social perdendo vigor no decorrer dos anos seguintes. Mais recen-
que se mantêm e desenvolve no tempo, com tendência à sua temente sua obra começou a ser (re)valorizada a partir dos
manutenção. trabalhos de Niklas Luhmann (teoria dos sistemas), na Alema-
Talcott Parsons tornou-se seguramente o sociólogo norte- nha, e pelo trabalho de Jeffrey Alexander, da Universidade de
americano mais conhecido em todo o mundo. Seus críticos, Yale – Estados Unidos da América, conhecido como neofun-
em geral, entenderam-no como um pensador conservador, cionalista.
preocupado basicamente com o bom ordenamento da socie- A Universidade Columbia, situada na ilha de Manhattan,
dade, sem ter muita tolerância com a desconformidade ou em Nova York, foi fundada no ano 1754 como King’s College, e
a dissidência dos que podiam manifestar-se contra ela. Sua enquanto a recém-nascida nação declarava-se independente
obsessão foi determinar a função que os indivíduos desem- da Grã-Bretanha, a instituição passou a se chamar Columbia
penhavam na estrutura social visando à excelência das coi- University.
sas. Foi um estudioso da estratificação, e não da mudança ou Ali, a Sociologia teve como destaque inicial as pesquisas de
transformação sociais. comunidade (community social surveys) de Franklin Giddings
Desinteressando-se dos aspectos da transformação social, (1855-1931), que seguia o que se fazia em Chicago, uma vez que a
sua inclinação deu-se em favor do equilíbrio e do consenso. situação urbana das duas cidades era muito parecida. Giddin-
Naturalmente que isso o faz entender o indivíduo como ex- gs foi pioneiro no uso de métodos quantitativos e experimen-
pressão das estruturas, as quais ele devia manter e preservar. tais no estudo dos fenômenos sociais, e seu trabalho foi forte-
Caso isso não ocorresse, entravam em ação os mecanismos mente marcado pelo evolucionismo e pelo pragmatismo. Ele
de controle social (moral, ética, sistema jurídico e penal, etc.), escreveu uma importante obra sociológica, onde ressaltam os
como um instrumento preventivo ou corretivo. O objetivo de seguintes títulos: �
qualquer sociedade seria alcançar a homeostasis, a manuten-
ção da estabilidade, do equilíbrio permanente, fazendo com • The theory of Sociology (1894);
que só pudéssemos entender uma parte qualquer a ser estu- • Principles of Sociology (1896);
dada em função do todo. • The theory of socialization (1897);
Conceitos como “adaptação”, “integração” e “ manutenção”, • Elements of Sociology (1898);
muito utilizados por Parsons, podem classificá-lo no campo • Inductive Sociology (1901);
conservador do pensamento sociológico, pois analisou a po- • Descriptive and historical Sociology (1906).
lítica apenas como instrumento de garantia do bom andar do
sistema, jamais como instrumento de transformação. A sua Depois de Giddings, a principal expressão da Sociologia
teoria passou a ser conhecida como funcionalismo estrutural na Columbia University foi Robert K. Merton (1910-2003 – Seu nome
ou estruturo-funcionalismo. verdadeiro era Meyer R. Schkolnick). Filho de imigrantes da Europa Orien-
Por essas características, o seu trabalho teve influência em tal, Merton viveu precariamente nos bairros novaiorquinos.
diversos países e ambientes acadêmicos, inclusive na então Quando adolescente, havia adotado o nome de Robert Merlin,
União Soviética, onde, em 1964, ministrou aulas sobre a So- porque fazia truques de mágica em festinhas de aniversário.
ciologia americana a convite da Academia de Ciências Sovi- Voltou a ser Robert K. Merton quando recebeu uma bolsa de
éticas. estudos para a Temple University, pois o nome era mais norte-
Parsons se aposentou em 1973, vindo a falecer em 1979, na americano. Após graduar-se foi fazer sua pós-graduação em
Alemanha, quando participava de um evento homenageando Harvard, onde trabalhou com P. Sorokin e T. Parsons até de-
a sua obra. Seus principais trabalhos foram: � fender seu doutorado, em 1936.
Em palestra para o American Council of Learned Societies,
• A estrutura da ação social (1937); em 1994, Merton declarou que, graças às bibliotecas, escolas
• O Sistema social (1951); e orquestras a que tinha tido acesso, e até mesmo à gangue
• Economia e sociedade – com N. Smelser (1956); de jovens a que havia aderido, sua juventude o tinha prepa-
• Estrutura e processo nas sociedades modernas (1960); rado bem para o que denominava uma vida de estudo: “Meus
• Sociedades: perspectivas evolucionárias colegas sociólogos devem ter notado” – disse – “como aquele
e comparativas (1966); cortiço aparentemente carente em South Philadelphia pro-
• Teoria sociológica e sociedade moderna (1968); porcionou a um jovem todo tipo de capital – capital social,
• Política e estrutura social (1969); cultural, humano e, acima de tudo, o que podemos chamar de
• Sistemas sociais e a evolução da teoria da ação (1977); capital público – isso é, todo tipo de capital, exceto o financei-
• Teoria da ação e a condição humana (1978). ro pessoal”.
2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA 47
Em 1941 Merton transferiu-se para a Universidade de Co- adventures of serendipity (“As viagens e aventuras da serendi-
lumbia, onde ficou por 38 anos, até aposentar-se. Nela procu- pidade”).
rou integrar teoria à prática sociológica. Estudou o comporta- Além de suas propostas teóricas, Merton criou, na Uni-
mento desviante e os processos de adaptação social tendo por versidade de Columbia, o Departamento de Pesquisa Social
base suas pesquisas qualitativas e quantitativas das profissões Aplicada, quando tiveram origem os primeiros grupos focais.
em ambiente de solidariedade e de conflito. Mas foi Paul Lazarsfeld o responsável pelo desenvolvimento
Teve seu nome vinculado à proposta de criação de teorias desse setor.
de alcance médio. Dizia ele que os sociólogos deveriam deixar Paul Lazarsfeld (1901-1976) nasceu em Viena, filho de um ad-
de lado as grandes teorias (criticando Parsons) e criar outras vogado socialista atuante, e cresceu em um ambiente onde
de menor alcance, pois assim estariam sendo muito mais úteis circulavam intelectuais de diferentes formações políticas e ex-
para a sociedade. Essas teorias, de médio alcance, estariam si- poentes ligados às ciências, à literatura e à música, ao teatro e
tuadas entre as hipóteses de trabalho rotineiras na pesquisa à psicanálise. Estudou na Universidade de Viena, onde defen-
e as amplas especulações abarcando um sistema conceitual deu sua tese de doutorado, em 1925, em Matemática, e após
dominante. Assim, elas estariam mediando as abstrações e ge- seu doutoramento fundou, em 1929, um instituto de pesquisa
neralizações e os fundamentos empíricos da pesquisa. para psicologia social aplicada na capital austríaca.
Merton criou uma série de conceitos utilizados pela maio- Em 1933 emigrou para os Estados Unidos da América,
ria dos sociólogos no mundo e aplicáveis nas mais diferentes onde foi diretor do Gabinete de Pesquisa Radiofônica na
áreas das ciências humanas, entre os quais podemos destacar: Universidade de Princeton, depois de receber um fundo da
função manifesta e função latente, disfunções, profecia autor- Fundação Rockfeller para pesquisar sociologia e psicologia
realizável, homofilia, heterofilia, estruturas de oportunidades, associadas à comunicação. Em 1940, o seu projeto “mudou-
socialização emancipatória, teorias de médio alcance, ambiva- se” para a Universidade Columbia, onde exerceu docência no
lência sociológica, comportamento de grupo de referência, etc. seu departamento de Sociologia até 1970. Lazarsfeld desen-
Como sociólogo da ciência, Merton, que até hoje é conside- volveu um arsenal de metodologias quantitativas, utilizando
rado como um de seus principais teóricos, desenvolve os qua- todo um instrumental estatístico que incluía índices, análises
tro imperativos institucionais de todo o cientista, como ideais multivariadas, escalas, painéis, testes, correlações, etc., voltado
que devem fundamentar os objetivos e os métodos da ciência: para o estudo do comportamento dos habitantes dos Estados
Unidos da América, envolvendo desde os meios de comuni-
Comunalismo – a propriedade comum das descobertas cação de massa, as escolhas eleitorais, as atitudes políticas até
científicas (Merton, de fato, usou o termo “comunismo”, to- os padrões de consumo. Pare ele e os seus colaboradores, tudo
davia sem ligação com o marxismo); poderia ser quantificável. Teve seus críticos dentro dos Esta-
dos Unidos da América, entre os quais Pitirim Sorokin, que
Universalismo – critérios universais de verdade (não ba- denunciou aquela época como a época da quantofrenia e da
seados em raça, classe, gênero, religião ou nacionalidade); numerologia, e também Charles Wright Mills, no capítulo O
empirismo abstrato, que integra seu livro A imaginação socio-
Desinteresse – a ação do cientista não deve ser movida lógica.
por interesse próprio; Estas três universidades – Chicago, Harvard e Columbia
– embora não tenham sido as únicas, foram as que tiveram
Ceticismo organizado – todas as ideias devem ser testa- primazia no desenvolvimento da Sociologia nos Estados Uni-
das e submetidas ao rigoroso escrutínio da comunidade. dos da América.
48 2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA
• Em Harvard – “Modos de alívio cultural em sistemas so- era o mais poderoso, o mais ativo, o mais incansável dos mo-
ciais ocidentais”. tores da própria vida econômica.
• Em Columbia – “Funções latentes do uso de álcool em Para as classes dominantes, tratava-se de mostrar de ma-
uma amostra nacional”. neira ostensiva que tinha conseguido alcançar o sucesso; já
• Em Chicago – “Interação social no Jimmy’s: um bar na para as outras classes, tratava-se de ascensão na hierarquia so-
Rua 55”. cial. Veblen viu, nessa escalada, a profunda causa da dinâmica
produtiva.
A sua originalidade não foi criticar o universo da merca-
“Outsiders”. Visão crítica e militante doria, mas mostrar que esse universo gerava uma demanda
sem fim, que também era a fonte de um crescimento sem fim.
Dois sociólogos, de duas gerações diferentes, podem ser Segundo ele, o capitalismo era um aprendiz de feiticeiro, que
considerados outsiders na Sociologia dos Estados Unidos da abria as válvulas da produção sem limites, dado que ela era da
América: Thorstein B. Weblen (1857-1929) e Charles Wright Mills ordem do desejo e não da ordem da necessidade.
(1916-1962). Em seus escritos criticou os capitães de indústria, o siste-
Thorstein B. Veblen nasceu em 1857, em Manitowoc (Wis- ma de sabotagem, ou seja, a prática de diminuir a produção
consin), e morreu em 1929, em Menio Park (Califórnia). Filho para se obter maiores preços, considerando-se o poder mono-
de imigrantes noruegueses, teve uma infância de muita penú- polista das grandes corporações.
ria, até seus pais se estabelecerem como produtores rurais. As- Termos como “consumo conspícuo”, “ócio vicário”, “desper-
sim, puderam levar uma vida financeiramente mais tranquila, dício conspícuo” se transformaram em conceitos que, na sua
o que permitiu que Veblen pudesse frequentar bons colégios. época, foram tomados como termos de luta por seus alunos e
No ensino pré-universitário foi aluno brilhante, impressio- ex-alunos.
nando sempre seus professores. Graduou-se em Filosofia pela Crítico implacável do capitalismo e cético quanto às virtu-
Universidade Johns Hopkins, onde conheceu o pensamento des do socialismo, seus conceitos são ainda muito usados na
de Herbert Spencer, que muito o influenciou. Concluiu seu reflexão sobre a sociedade de consumo. Ele foi um pária aca-
doutorado na Universidade de Yale, e conheceu Charles San- dêmico na maior parte do tempo, migrando de universidade
ders Pierce (1839-1914) e William Graham Sumner. Sem trabalho para universidade, sempre acolhido com honras pelos colegas
como professor matriculou-se de novo, na Universidade de economistas – o que não se refletia na sua remuneração. Em
Cornell, e conseguiu entrar para o Departamento de Econo- pouco tempo tornou-se o inimigo número um dos adminis-
mia da Universidade de Chicago. Também se tornou professor tradores acadêmicos puritanos no final do século XIX e início
nas universidades de Stanford e do Missouri e fundou a New do século XX.
School for Social Research, de Nova York. Mesmo com prêmios Charles Wright Mills (1916-1962) nasceu em Waco, no Texas.
e uma vida acadêmica reconhecida e elogiada, por onde pas- Mestre em Artes, Filosofia e Sociologia pela Universidade do
sou, Veblen tinha fama de excêntrico e pouco respeitador dos Texas, concluiu seu doutorado em Sociologia e Antropologia
costumes pudicos da época. Assim, foi sendo exonerado de to- na Universidade de Wisconsin. Foi professor de Sociologia
das as universidades onde havia lecionado, e não conseguindo das Universidades de Maryland e Columbia e tornou-se ou-
ao final de sua vida nenhum lugar para ministrar aulas, termi- tro outsider que representa uma tendência quase marginal
nou sendo ajudado por seus alunos. na Sociologia nos Estados Unidos da América. Uma Sociolo-
Quanto a Thorstein Veblen, seu trabalho foi insistir na gia que apresenta uma visão crítica e militante da sociedade
questão da acumulação como modo de vida e não como su- norte-americana da própria Sociologia. Foi um dos sociólo-
porte à dinâmica do capitalismo, que entendia como sendo gos norte-americanos de maior presença no Brasil, em espe-
uma máquina de produzir. Assim, a acumulação à qual se cial nos anos 60 e 70, quando os movimentos políticos pen-
refere não é a do capital, mas a dos objetos ou dos serviços diam para um olhar mais crítico do sistema e numa época
de consumo, pois enquanto nas sociedades tradicionais essa em que Parsons era lido e criticado por seu “americanismo”
dinâmica mostra seu poder, nas sociedades capitalistas ela exagerado.
trata de mostrar seu sucesso. Veblen, vindo de uma corrente Tendo influência de Karl Marx e de Max Weber, Wright
de análise muito mais dinâmica, a corrente institucionalista, Mills procurou conciliar o conceito de classe social com o de
insistiu que o consumo servia para afirmar a sua vinculação status, visando esclarecer os processos e os mecanismos de
a um grupo social ao mesmo tempo em que traduzia o desejo conflitos e mudança sociais. Através de suas pesquisas procu-
de cada um dos membros do grupo de se agregar a um grupo rou esclarecer a complexidade das estruturas de poder, parti-
social superior. Segundo esse autor, qualquer classe era movi- cularmente das elites (em lugar do conceito de classes domi-
da pelo desejo, e rivalizava com a classe que lhe era imediata- nantes) e de seu papel na mudança social, fugindo da ideia de
mente superior na escala social, e essa tendência à emulação revolução como única via para a transformação social.
2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA 49
Mills transferiu-se, em 1941, para a Universidade de Ma- Ao longo do livro A imaginação sociológica, Mills buscou
ryland (College Park), onde ministrou aulas de Sociologia. fazer a defesa da “tradição clássica” das ciências sociais, ins-
Nos três anos seguintes colaborou com Hans H. Gerth em dois pirado nas maiores influências intelectuais de sua vida: os
livros: uma coletânea de textos de Max Weber, From Max We- alemães Karl Marx, Max Weber e Karl Mannheim, além dos
ber: essays in Sociology, publicado em 1946 (e que no Brasil norte-americanos William James, Thorstein Veblen e John
apareceu com o título Ensaios de Sociologia), sendo reimpres- Dewey.
so mais de 60 anos após sua publicação, e a obra Character Este livro fez com que Mills passasse a ser um autor mal-
and social structure, publicada em 1953. dito na Sociologia dos Estados Unidos da América, conside-
Em 1945, Mills mudou-se para Nova York, indo trabalhar rando seus ataques a todo o conjunto da Sociologia de seu
no Bureau of Applied Social Research, a convite de seu funda- país. Fez críticas à grande teoria de Parsons, aos empiricis-
dor e diretor, Paul Lazarsfeld. Ali, teve acesso a farto material tas, principalmente Paul Lazarsfeld, e ao pensamento buro-
empírico, trabalhou coordenando equipes de investigadores e cratizado no interior das universidades, causando escândalo
pôde adquirir habilidades em métodos e técnicas de pesquisa nos círculos acadêmicos pelo ataque contundente que fez a
quantitativa. No entanto, apesar da admiração que inicialmen- seus pares.
te sentia por Lazarsfeld, aos poucos as relações entre os dois Wright Mills sempre realizou uma apaixonada defesa da
se deterioraram, até serem rompidas, por completo, em 1952. ciência social inseparável da vida pessoal do cientista. Propôs
Paralelamente, começou a lecionar na Universidade de Co- que a intuição, a imaginação, o comprometimento com o tem-
lumbia, em 1947, nela permanecendo até sua morte, em 1962. po que se vive eram fundamentais para compreender cientifi-
Ao longo desses 15 anos, Mills foi uma figura relativamente camente a realidade social. Procurou incitar os sociólogos de
marginal no ambiente da Universidade de Columbia. As rela- seu tempo e também seus alunos a assumirem responsabili-
ções pessoais com alguns colegas foram difíceis. Como conse- dade social como agentes ativos na sociedade, desenvolvendo
quência não ministrava aulas na pós-graduação, uma situação assim suas capacidades criticas perante a sociedade em que
que lhe dava a vantagem de ter mais tempo para dedicar-se à viviam.
pesquisa e à escrita. Em dezembro de 1960 Mills sofreu um sério infarto do
À medida que aumentava o afastamento de seus pares miocárdio. Sobreviveu mais 15 meses e, em 20 de março de
acadêmicos norte-americanos, Mills buscava escrever mais e 1962, morreu em sua casa, de outro ataque cardíaco, aos 45
mais para o grande público. Além de artigos em revistas como anos de idade.
New Leader, Politics, New York Times Magazine e Dissent, es- Sua obra foi publicada em vários idiomas. No Brasil, entre
creveu “livros-panfletos” que lhe deram grande exposição na outras, podemos destacar: �
mídia americana, principalmente As causas da Terceira Guer-
ra Mundial (1958), onde discutiu a corrida nuclear, e A Revolu- • Caráter e estrutura social (1973);
ção em Cuba (1960), analisando a fase inicial da revolução cuba- • Ensaios de Sociologia (1963);
na. Este livro foi um enorme sucesso de vendas. Entretanto, ao • A nova classe média (1969);
mesmo tempo, se viu cada vez mais em “maus lençóis” com • A elite do poder (1962);
os conservadores e as autoridades americanas, chegando a re- • A imaginação sociológica (1969);
ceber ameaças de morte pela defesa que fizera da revolução • Os marxistas (1968);
cubana. • As causas da próxima guerra mundial (1961);
Conhecido principalmente por seu livro A imaginação • A verdade sobre Cuba (1961);
sociológica, publicado originalmente nos Estados Unidos da • Poder e política (1965);
América em 1959, nele Mills faz um apelo para que sociólogos • Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios (2009).
não deixem a imaginação e a criatividade de lado, ao exerce-
rem sua profissão, em favor de uma pretensa objetividade e
neutralidade do trabalho científico. Para ele, as grandes obras 00 Obs.: As datas são das publicações no Brasil
e os grandes intelectuais da História nunca abriram mão de
sua reflexividade e criatividade, além de uma postura críti-
ca perante a realidade. Uma das críticas de Mills à Sociologia Outros sociólogos dos Estados Unidos da América que bus-
era de que esta deveria ser acessível à compreensão do grande caram uma postura crítica, continuadores ou não de Wright
público. Esta sua crítica fazia parte de seu argumento maior Mills, foram: Irving L. Horowitz (1929-); Martin Nicolaus (1928-);
de que o intelectual deveria manter uma postura crítica e re- Andrew Gunder Frank (1929-) e Alvin Gouldner (1920-1980).
flexiva diante da realidade, e assim tomar parte nos debates
públicos de sua época.
50 2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA
Conhecendo mais sobre senvolvimento de uma grande teoria, a partir dos trabalhos
de Parsons, e também de uma teoria de médio alcance com
Merton. Mas sua contribuição mais original à teoria sociológi-
A Sociologia nos ca, na visão de Parsons, foi a vertente psicossociológica, mais
Estados Unidos da América conhecida como interacionismo simbólico.
2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA 51
Referências
Das obras citadas na Bibliografia geral, indicamos as se- Sobre a Escola de Chicago:
guintes leituras, entre outras, para uma melhor compreen-
são da Sociologia nos Estados Unidos da América: EUFRASIO, Mário A. Estrutura urbana e ecologia humana. A escola sociológica de Chi-
cago (1915-1940). São Paulo: EDUSP/Ed. 34, 1999.
CASTRO, Ana Maria de; DIAS, Edmundo F. Introdução ao pensamento sociológico:
Durkheim/Weber/Marx/Parsons. 15. ed. Rio de Janeiro: Centauro, 2001. [Ler “Parsons”, WIRTH, Louis. O Urbanismo como Modo de Vida. In: VELHO, Otávio G. (Org.) O fenôme-
p. 205-252]. no urbano. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
COLLINS, Randall. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. [Ler o ca- Textos e livros de T. Parsons e sobre o autor:
pítulo 4 – A tradição microinteracionista, p. 205-243].
DOMINGUES, José Maurício. A sociologia de Talcott Parsons. São Paulo: Annablume,
CUIN, Charles-Henry; GRESLE, François. História da sociologia. Lisboa: Dom Quixote, 2004.
1995. [Ler Parte A – IV. 2 – O reformismo americano; Parte B – I. 3. – A sociologia
atravessou o Atlântico; e Parte B – II. 1. – A “idade de ouro” da sociologia americana]. PARSONS, Talcott. O conceito de sistema social. In: CARDOSO, Fernando H.; IANNI,
Octávio (Orgs.). Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo:
HAWTHORN, Geoffrey. Iluminismo e desespero. Uma história da sociologia. Rio de Ja- Companhia Editora Nacional, 1973. p. 47-55.
neiro: Paz e Terra, 1982. [Ler o Cap. 9 – A história ignorada, p. 191-214].
_____. Os componentes do sistema social. In: CARDOSO, Fernando H.; IANNI, Octávio
TIMASHEFF, Nicholas S. Teoria sociológica. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973. [Vários (Orgs.). Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo: Compa-
capítulos deste livro tratam da Sociologia nos Estados Unidos da América]. nhia Editora Nacional, 1973. p. 56-59.
Sobre Thorstein B. Veblen. Seu principal livro, e bem conhe- _____. O sistema das sociedades modernas. São Paulo: Pioneira, 1974.
cido no Brasil, é A teoria da classe ociosa. Possui duas edi-
ções: _____. Sociologia americana: perspectivas, problemas, métodos. São Paulo: Cultrix,
1970.
CAVALIERI, Marco Antônio Ribas. O surgimento do institucionalismo norte-americano:
um ensaio sobre o pensamento e o tempo de Thorstein Veblen. Tese de Doutorado _____. Sociedades: perspectivas evolutivas e comparativas. São Paulo: Pioneira, 1969.
em Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculda-
de de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, _____. Sociologia política. Rio de janeiro: Zahar, 1970.
MG. UFMG/Cedeplar. 2009. Disponível em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/economia/
teses/2009/Marco_Antonio_Ribas_Cavalieri.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2010. [Nesta tese ROCHER, Guy. Talcott Parsons e a sociologia americana. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
há uma biografia muito detalhada de Veblen]. 1976.
SILVA, Vagner Luís da. Arqueologia da sociologia econômica: a contribuição de Thors- Livros de Robert K. Merton:
tein Veblen. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/index.php/estudos/article/
viewFile/1149/935>. Acesso em: 17 ago. 2010. MERTON, Robert K. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
VEBLEN, Thorstein B. “A Teoria da Classe Ociosa”. Tradução de Olívia Krähenbühl. São _____. A ambivalência sociológica e outros ensaios. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
Paulo: Pioneira, 1965. [1ª edição]
Sobre C. Wright Mills
_____. CIVITA, Victor (editor). Veblen. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1985. [Os Pen-
sadores – 2ª edição] FERNANDES, Heloísa R. Wright Mills. São Paulo: Ática, 1985. Esta coletânea possui uma
introdução muito interessante e uma série de textos de Mills.
MILLS, C. Wright. Sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro: Zahar,
2009. [Há uma introdução de Celso Castro que traz informações muito interessantes e
também alguns textos inéditos de C. Wright Mills].
52 2º Módulo Disciplina 1: História da Sociologia 4ª Aula: A Sociologia nos Estados Unidos da América – EUA
5� aula
A Sociologia contemporânea
Iniciando nossa conversa As questões sociais que até então podiam estar mais lo-
calizadas em países ou blocos de países, a partir de então se
tornaram mundializadas, fazendo com que houvesse uma
A Sociologia chegou até a década de 1970 marcada por preocupação também com os novos fenômenos decorrentes
análiuses e discussões sobre temas nacionais ainda que pen- dessa nova configuração. Vários pensadores passaram a refle-
sadores já circulassem, com suas obras, ou pessoalmente, por tir sobre temas chamados de pós-modernos, hiper-modernos
vários países e continentes. ou simplesmente contemporâneos, que afetam um país, uma
O que vamos demonstrar aqui é que as últimas décadas região ou a totalidade deles.
do século XX e esta primeira década do século XXI estão Nesse sentido, pode-se dizer que há hoje uma Sociologia
marcadas por uma Sociologia internacionalizada e, com mundial com variações de matizes, dependendo do que se
poucas exceções, por posições ecléticas. Isto é, a base dessa está pesquisando, formando um conjunto de pensadores cuja
Sociologia, que chamamos de contemporânea, está confi- proposição é pensar a sociedade dos indivíduos.
gurada pelas mais variadas vertentes das ciências humanas, Mas essa Sociologia contemporânea possui ainda uma re-
não esquecendo a presença constante dos autores clássicos lação significativa com as grandes vertentes do pensamento
em todas elas. sociológico tradicional:
Analisar os novos pressupostos da emergência de uma a weberiana ou compreensiva, com o desenvolvimento
Sociologia internacionalizada. da fenomenologia.
Reconhecer a diversidade das vertentes sociológicas e a a teórica e pragmática norte-americana em suas varia-
diversidade de autores contemporâneos. das ramificações.
• LOPES, Felipe Tavares Paes. Bourdieu e 1 Escolha um dos autores (J. Habermas, P. Bourdieu, Z. Bau-
Goffman: um ensaio sobre os pontos comuns man, E. Goffman ou N. Elias) acima indicados e, após ler
e as fissuras que unem e separam ambos os os artigos ou entrevistas que elucidam o que pensam, pro-
autores a partir da perspectiva do primeiro. cure dissertar como as ideias deles poderiam ser utilizadas
em suas aulas de Sociologia no Ensino Médio.
Das obras citadas na Bibliografia geral, indicamos as se- PINTO, Louis. Pierre Bourdieu e a teoria do mundo social. Rio de Janeiro: Editora FGV,
guintes leituras, entre outras, para melhor compreender a 2000.
Sociologia contemporânea:
WACQUANT, Loic. O mistério do ministério. Pierre Bourdieu e a política democrática.
CUIN, Charles-Henry; GRESLE, François. História da sociologia. Lisboa: Dom Quixote, Rio de Janeiro: Revan, 2005.
1995. [Ler as partes B II – O tempo das ambições (1945-1968) e B –III – Uma explosão de
paradigmas (1968-1990)]. Livros sobre Norbert Elias:
DOMINGUES, José Maurício. Teorias sociológicas no século XX. Rio de Janeiro: Civiliza- BRANDÃO, Carlos da Fonseca. Norbert Elias: formação, educação e emoções no proces-
ção Brasileira, 2001. [Este livro traz pequenas análises de várias vertentes do pensa- so de civilização. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
mento sociológico contemporâneo].
GARRIGOU, Alain; LACROIX, Bernard. Norbert Elias: a política e a história. São Paulo:
GIDDENS, A.; TURNER J. (Orgs.). Teoria social hoje. São Paulo: Ed. Unesp, 2000. [A Perspectiva, 2001.
maioria dos artigos deste livro trata de vertentes da Sociologia norte-americana. Além
disso, há dois textos importantes: um que é fundamental para entendermos a razão de HEINICH, Nathalie. A sociologia de Norbert Elias. São Paulo: EDUSC, 2001.
estudarmos os clássicos: A centralidade dos clássicos, de Jeffrey C. Alexander, e outro
sobre Teoria crítica, escrito por Axel Honneth]. WAIZBORT, Leopoldo (Org.). Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. da Universidade de
São Paulo, 1999.
Livros sobre Pierre Bourdieu:
Livros sobre E. Goffman:
BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Rio de Janeiro:
Petrópolis, 2003. GASTALDO, Édison (Org.). Erving Goffman. Desbravador do cotidiano. Porto Alegre:
Tomo Ed, 2004.
A Sociologia no Brasil
Iniciando nossa conversa 1925 é que a disciplina retornou ao Ensino Médio através da
Reforma de Rocha Vaz, com os mesmos objetivos da Reforma
de Benjamin Constant. Em decorrência desta, o Colégio Pe-
A Sociologia no Brasil desenvolveu-se, desde seus primór- dro II, em 1925, implantou o ensino regular da Sociologia em
dios, influenciada por diversos pensadores aqui relacionados seu currículo. Em 1928 ela foi introduzida nos Estados de São
e analisados, sendo que, dependendo de cada período, alguns Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.
estiveram mais presentes que outros. Com o tempo nossos Em 1931, outra reforma, agora a de Francisco Campos, já
pensadores foram realizando análises que poderíamos dizer no contexto do governo de Getúlio Vargas, introduziu a Socio-
que passaram a ter um caráter propriamente nacional. logia nos cursos preparatórios e cursos superiores nas facul-
Nos limites desta aula vamos considerar o desenvolvimen- dades de Direito, Ciências Médicas e Engenharia e Arquitetu-
to da Sociologia no Brasil a partir da década de 1920. ra, além de mantê-la nos Cursos Normais (que eram os cursos
de formação de professores).
Desde 1925, podem-se destacar alguns intelectuais que de-
ram sua contribuição, lecionando e escrevendo livros (manu-
Propondo objetivos ais) de Sociologia: Fernando de Azevedo, Gilberto Freyre, Car-
neiro Leão e Delgado de Carvalho. Eram manuais que tinham
por objetivo preparar intelectualmente os jovens das elites
Ao final desta aula o(a) cursista deverá: dirigentes, aprimorando o conhecimento dos que chegavam
às escolas médias. Estes autores, em sua maioria, tinham uma
Analisar e distinguir os pressupostos históricos e inte- forte influência da Sociologia que se fazia na Europa e nos Es-
lectuais presentes no desenvolvimento da Sociologia no tados Unidos da América.
Brasil em seus diferentes momentos. Esse processo envolvendo a presença da Sociologia no En-
sino Médio cessou quando a disciplina foi retirada dos cur-
Reconhecer os diversos pensadores e suas divergências. rículos oficiais no início da década de 1940, decorrente da
Reforma Capanema, no contexto do Estado Novo. Depois, sua
presença passou a ser episódica e intermitente, e a partir da
década de 1980 apareceu em vários estados brasileiros, sendo
Conhecendo sobre que nacionalmente e mais consistente isso só veio a ocorrer
mais recentemente, no início do século XXI.
Ao largo desse movimento no Ensino Médio, no ensino
A Sociologia no Brasil superior foram criados os cursos de Ciências Sociais. Em
1933 surgiu a Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP),
Como na França de Émile Durkheim, os primeiros passos em São Paulo, com o objetivo de formar técnicos, assessores
da Sociologia no Brasil, em termos institucionais, foram da- e consultores capazes de produzir conhecimento científico
dos visando à presença da disciplina no Ensino Médio. A pri- sobre a realidade brasileira. Havia a necessidade de aliar o co-
meira tentativa começou com a reforma educacional de 1891, nhecimento sociológico à tomada de decisões no interior do
de Benjamin Constant, que teve lugar após a proclamação da aparato estatal/governamental federal, estadual e municipal.
República e que defendia o ensino laico em todos os níveis, Posteriormente, em 1939, com a presença de Donald Pierson,
e cujo objetivo era a formação intelectual dos jovens fora do sociólogo norte-americano, é que se deu ênfase à pesquisa
contexto religioso até então predominante. Sem nunca ter empírica.
sido incluída nos currículos escolares, a Sociologia foi elimi- A seguir, com a criação da Universidade de São Paulo (USP)
nada pela Reforma Epitácio Pessoa, em 1901, e somente em e da Universidade do Distrito Federal (UDF), no Rio de Janei-
Gilberto Freyre nasceu na cidade do Recife, em 1900, onde Um cartão postal italiano forneceu o modelo para a construção da casa grande da Fazenda Santa
veio a falecer em 1987. Filho de Alfredo Freyre, juiz e catedrá- Maria, em São Carlos (SP). Construída entre 1886 e 1888, essa casa custou 80 contos de réis. A
tico de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife, riqueza da terra levou ao campo requintes antes reservados à Corte: pára-raios, campainha elétrica,
concluiu em 1917 o curso de Bacharel em Ciências e Letras, banheiros internos e água corrente nos dormitórios. (foto de 1905).
e em Waco, no Texas, em 1920, obteve o grau de Bacharel em
Artes. Na Universidade Columbia (Nova York), onde esteve
por influência de Franz Boas, concluiu seu mestrado em ciên-
cias sociais em 1922, com a dissertação Social live in Brazil in o país passasse a encarar com mais confiança seu papel no
the middle of 19th century (A vida social no Brasil em meados mundo moderno. É vasta, e dela selecionamos alguns títulos
do século XIX). para que você possa formar uma ideia de sua produção: �
Retornou ao Recife em 1924, partindo depois para o exí-
lio, após a Revolução de 1930. Depois de lecionar nos Estados • Casa-grande & senzala: formação da família brasileira
Unidos, na Universidade de Stanford, em 1931, viajou para a sob o regime de economia patriarcal (1933);
Europa, e voltando ao Rio de Janeiro em 1932 para escrever • Sobrados e mocambos: decadência do patriarcado
“Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob rural e desenvolvimento do urbano (1936);
o regime de economia patriarcal”, publicado em 1933. Nesta • Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a
obra, Freire imprimiu sua poderosa e original visão sobre os vida e a paisagem do nordeste do Brasil (1937);
fundamentos da sociedade brasileira, descrevendo com obje- • Sociologia: introdução ao estudo dos
tividade a contribuição do negro e o fenômeno da miscigena- seus princípios (1945) (2 v.);
ção na formação social do Brasil. • Interpretação do Brasil: aspectos da
Deputado federal constituinte pela UDN (União Demo- formação social brasileira como processo de
crática Nacional) em 1946, sua vida política foi marcada pela amalgamento de raças e culturas (1947);
ação contra o racismo. Em 1942 foi preso no Recife por ter • Ingleses no Brasil: aspectos da influência britânica
denunciado nazistas e racistas no Brasil. Ele e seu pai, o edu- sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil (1948);
cador e juiz de Direito, Alfredo Freyre, reagiram à prisão e • Um brasileiro em terras portuguesas: introdução
foram soltos, no dia seguinte, por interferência do general a uma possível luso-tropicologia acompanhada
Góes Monteiro. Em 1954 apresentou propostas para elimi- de conferências e discursos proferidos em
nar as tensões raciais na Assembleia Geral das Nações Uni- Portugal e em terras lusitanas e ex-lusitanas
das e, em 1964, apoiou o golpe militar que derrubou Jango da Ásia, da África e do Atlântico (1953);
Goulart. • Ordem e progresso: aborda o processo de
Freyre recebeu diversas homenagens. Entre elas, em 1962, desintegração das sociedades patriarcal e
o título de doutor honoris causa pelas Universidades de Paris semipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho
(Sorbonne), Columbia (Estados Unidos da América), Coim- livre, aspectos de um quase meio século de
bra (Portugal), Sussex (Inglaterra) e Münster (Alemanha). A transição do trabalho escravo para o trabalho livre
Rainha Elizabeth, em 1971, lhe conferiu o título de Sir (Cava- e da monarquia para a república (1959) (2 v.);
leiro do Império Britânico). • A propósito de frades: sugestões em torno da
Sua obra representa um divisor de águas na evolução cul- influência de religiosos de São Francisco e de
tural do Brasil, contribuindo de forma significativa para que outras ordens sobre o desenvolvimento de
Os artigos abaixo apresentam aspectos da obra de Gilberto • MAIO, Marcos Chor. O projeto Unesco e a agenda
Freyre: das ciências sociais no Brasil dos anos 40 e 50.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
69091999000300009&script=sci_arttext>.
Diversificação da Sociologia b Nos textos seguintes você poderá conhecer os primeiros
no Brasil – Últimos 20 anos momentos do desenvolvimento da Sociologia no Brasil. Como
um complementa o outro, ambos devem ser lidos: �
Mais recentemente outras preocupações passaram a ser
foco de interesse de muitos estudiosos, inclusive com a reali- • CÂNDIDO, Antônio. A Sociologia no Brasil.
zação de encontros e congressos específicos, envolvendo temas Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
como violência, gênero e sexualidade, corpo, religião, saúde, co- arttext&pid=S0103-20702006000100015&lang=pt>.
tidiano, comunicação, informação e indústria cultural, repre-
sentações sociais, arte, consumo, cidadania, questão ambiental, • CÂNDIDO, Antônio. Radicalismos.
lazer, globalização, ciência e tecnologia, sem esquecer os temas Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid
anteriormente apontados que seguiram seu curso, agora sob =S0103-40141990000100002>.
novos enfoques, como urbanização, ruralidades, juventude, fa-
mília, trabalho, classes e mobilidade social, cultura, questões c Duas entrevistas com Antônio Cândido permitem entrar
étnicas e raciais, relação estado/sociedade, entre outros. em contato com o pensamento do autor bem como da consti-
Uma nova geração de sociólogos, como Sérgio Miceli, José tuição da Sociologia em São Paulo. �
Vicente Tavares dos Santos, Renato Ortiz, Gláucia K. Villas
Bôas, Ricardo Antunes, Elisa Reis, Brasílio Sallum Júnior, • Entrevista – Entrevista com Antonio Candido –
Laymert Garcia dos Santos, entre tantos outros, encontra-se concedida a Gilberto Velho e Yonne Leite (Museu
atuando agora nas universidades brasileiras, participando de Nacional, UFRJ), publicada em junho de 1993.
congressos e encontros, debatendo e tornando público suas Link: <http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.
pesquisas e reflexões. php?id=15>.
Um dos momentos importantes foi quando a Unesco es- • Ainda sobre a presença do marxismo no
colheu o Brasil para desenvolver um projeto sobre a questão Brasil indicamos consulta à Biblioteca Virtual
racial. Isso pode ser conhecido com mais propriedade através de História do Marxismo no Brasil.
da bibliografia referenciada a seguir: Link: <http://www.fafich.ufmg.br/marxismo/inicio.htm>.
[site em construção]
A sociologia no Brasil que teve um começo profundamen- 2 Leia os dois textos abaixo, envolvendo a polêmica entre
te marcada pelas influências européias, fundamentalmente Florestan Fernandes e A. Guerreiro Ramos, e analise como
francesas e alemãs, pouco a pouco foi integrando também a deve ser a posição do professor de Sociologia no Ensino
influência da sociologia desenvolvida nos EUA. Deste modo Médio levando em conta as duas posições assumidas en-
foi mesclando diferentes tradições e inventando seu próprio tão, mas que ainda estão presentes no imaginário dos pro-
caminho. Pode se afirmar que a partir das décadas de 1940- fessores. �
1950 a sociologia no Brasil começa a dar seus primeiros pas-
sos na construção de uma sociologia com temas e debates • MALTA, Márcio; KRONEMBERGER, Thaís
nacionais baseada em análises e autores que procuraram res- Soares. Nem melhor nem pior, apenas
ponder às questões que a própria sociedade brasileira exigia. divergentes: uma contribuição acerca da
Ainda que muitas vezes dialogando com interpretações de sociologia brasileira e da polêmica entre
autores estrangeiros desenvolveu-se uma sociologia vigorosa Florestan Fernandes e Guerreiro Ramos.
e com uma diversidade de temas e enfoques significativa. Link: <http://www.achegas.net/numero/42/marcio_thais_42.
pdf>.
JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida. Estudo sobre a sociologia de Antônio Cân-
dido. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
69092001000300008&lang=pt>. Acesso em: 17 ago. 2010.
Juventude e Sociologia
Iniciando nossa conversa lhadores, em 1866, fez uma classificação etária em relação ao
trabalho e à educação de crianças e jovens.
Este livro tem por objetivo analisar os vários fenômenos sociais • Os reflexos da contracultura no Brasil: debates
conhecidos como grupos etários, movimentos juvenis etc., e ave- sobre produção musical (1967-1972).
riguar se é possível especificar as condições sociais sob as quais Link: <http://www.artigonal.com/musica-artigos/os-reflexos-
surgem, ou os tipos de sociedades nas quais ocorrem. A tese da-contracultura-no-brasil-debates-sobre-producao-
principal deste livro é que a existência destes grupos não é for- musical-1967-1972-896244.html>.
tuita nem casual e que surgem e existem somente sob condições
sociais muito específicas. Tentamos também demonstrar que a A vasta bibliografia produzida até então tratou a juventude
análise destas condições não tem apenas um interesse etnoló- como uma força nova que poderia mudar a sociedade. As re-
gico ou de antiquário, mas que pode possibilitar a compreensão voltas estudantis de 1968 (mais conhecidas como de Maio de
das condições de estabilidade e continuidade dos sistemas so- 1968) e o grande evento musical realizado em Woodstock, nos
ciais. Estados Unidos da América, em 1969, podem ser considera-
(EISENSTADT, S.N. De geração a geração. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. XI) dos representativos desse momento, e até hoje são emblemáti-
cos, sempre citados e rediscutidos.
Assim, a partir da década de 1960, com a emergência de Dois filmes que retratam alguns aspectos desse momen-
vários movimentos de jovens, em várias partes do mundo, to: �
pode-se perceber uma guinada nos estudos sobre juventude,
quando a questão passa a exprimir nas noções de contracultu- • Sem Destino (Easy Rider).
ra, movimento hippie e revoltas estudantis, num contexto em Dir.: Dennis Hopper. Columbia Pictures (EUA, 1969).
que a cultura de massas, em especial a chamada música jovem Trata-se de um retrato bem realizado da contracultura
traduzida pelo rock e mais recente pela cultura do funk e pelo dos anos 60, do movimento beat (uma lembrança e refe-
hip-hop, desempenha papel de destaque. rência do seu herói Jack Kerouac e seu livro On the road)
Sobre o movimento de contracultura, é importante enten- e do papel das drogas naquele momento. O filme conta a
der o contexto em que ela aconteceu nos Estados Unidos da história de dois motociclistas que saem pelas estradas para
América e também no Brasil. No Brasil, a versão da contracul- encontrar a liberdade pessoal. A música “Born to be Wild”
tura veio vestida com as roupas coloridas do Tropicalismo, um virou um hino daquela geração. Uma pequena resenha do
movimento de caráter cultural que participou dessa “onda in- filme pode ser encontrada em
ternacional” que nasceu nos Estados Unidos da América e que Link: <http://www.editoras.com/rocco/022282.htm>.
entre nós recuperou discussões antropofágicas propostas pelo
poeta Oswald de Andrade e pelo movimento modernista de • Hair (Hair).
1922. Com expressões que envolviam o cinema, em especial o Dir. Miles Forman. Fox Films (EUA, 1979).
cinema de Glauber Rocha, o teatro, em especial o Teatro Ofici- Musical que retrata um momento da vida de Claude
na de José Celso Martinez Corrêa, a artes plásticas, traduzidas (John Savage), um jovem do Oklahoma que foi recrutado
na obra de Hélio Oiticica, e especialmente a produção musical para a guerra do Vietnã. Indo para Nova York, ele foi “ado-
envolvendo muitos nomes e que teve sua expressão mais po- tado” por um grupo de hippies comandados por Berger
pular nas vozes e canções de Caetano Veloso e Gilbert Gil, o (Treat Williams), que tenta convencê-lo dos absurdos da
Tropicalismo assumiu os canais de comunicação de massas e atual sociedade, e que manifestam conceitos nada conven-
traduziu com vigor esse momento especial da contracultura cionais sobre o comportamento social. Claude também se
brasileira, contrariando tanto os interesses e a moral conser- apaixona por Sheila (Beverly D’Angelo), uma jovem pro-
vadora do militares e das famílias brasileiras de classe média veniente de uma rica família, o que engrossa o conflito da
quanto os ideais da tradicional cultura da esquerda brasileira história. O filme foi feito quando a guerra do Vietnã já ha-
que ainda respirava os valores nacionalistas dos centros po- via acabado e os hippies já estavam segregados em vários
pulares de cultura (os CPCs). Seus líderes foram perseguidos, grupelhos ao redor do mundo. Mesmo assim é um belo
tendo que se exilar, mas a verdade é que o panorama da cultu- retrato cinematográfico e musical da geração do final dos
ra no Brasil nunca mais foi o mesmo.
O sr. não considera que as crianças de hoje estariam agindo como os Por exemplo?
adolescentes de ontem? Acredita que os adolescentes percebam isso? Fiquei impressionado com o aumento do número de casos de
Percebem, inconscientemente. É por isso que, ainda que incons- anorexia na Europa. Meninas, crianças que, obcecadas pela ideia
cientemente, eles buscam dar à sua cultura um caráter perma- de ficarem magras como as modelos, deixam de comer numa
nente. Os adolescentes querem ser desassociados da ideia de que fase importante do crescimento. É um exemplo de como as trans-
estão numa fase passageira e indefinida. formações sociológicas interferem nas fisiológicas e vice-versa.
O sr. não concorda que os adolescentes estejam mais integrados O sr. acha que a mudança na postura e no papel do adolescente
à ordem capitalista por serem mais flexíveis e voláteis, como é a nestes tempos está propiciando transformações nas outras fases da
própria sociedade capitalista? vida humana também?
Não. Acho que a adolescência busca uma identidade sólida den- Sim, a natureza do crescimento humano está mudando e o que
tro das transformações ocasionadas pelo processo de globaliza- temos é a liberalização dos dogmas que regram cada fase do
ção. As transformações que aconteciam com um indivíduo na crescimento humano. Acho que a transformação da velhice terá
adolescência foram transferidas para a infância. A exposição à grandes consequências na forma como a sociedade se estrutura.
mídia, as mudanças físicas, as primeiras questões sobre sexo, Antes, a doença e a morte vinham mais cedo. Hoje se faz mui-
o desenvolvimento da relação com o corpo acontecem hoje na to mais coisas na última fase da vida. Temos idosos entrando e
infância. Assim, quando adolescente, o indivíduo já não tem o saindo de relacionamentos, dirigindo, indo a bares. Enfim, temos
mesmo tipo de dúvida que tinha no passado. mais idosos – e idosos ainda mais idosos do que antes – ativos.
A indústria do entretenimento, que hoje focaliza o adolescente,
Com que o sr. acha que eles estão preocupados hoje? deve descobrir isso em breve, pois o potencial consumidor desse
É um fato curioso, mas os adolescentes de hoje, diferentemente grupo está crescendo.
dos gerados pela contracultura, estão menos preocupados com
política e luta de classes e mais interessados em questões como (Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs0201200028.htm>).
Livros: Artigos:
ALMEIDA, Maria isabel M. de; TRACY, Kátia Maria de Almeida. Noites Nômades. Espaço CRUZ, Vieira da; SILVA, José Maria de Oliveira da. Juventude e modernidade: conceitos,
e subjetividade nas culturas jovens contemporâneas. Rio de janeiro: Rocco, 2003. representações e debates. Disponível em: <http://hpopnet.sites.uol.com.br/juventu-
de_modernidade.pdf>. Acesso em: 18 nov. 2009.
BRANDÃO, Antônio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais e juventu-
de. 3. ed. São Paulo: Moderna, 1990. DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juve-
nil. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2228100.pdf>. Acesso em:
BRITTO, Sulamita de (Org.). Sociologia da juventude I. Da Europa de Marx à América 5 dez. 2009.
Latina de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
FORQUIN, J.-C. Relações entre gerações e processos educativos: transmissões e trans-
_____. Sociologia da juventude II. Para uma sociologia diferencial. Rio de Janeiro: formações. Comunicação apresentada no Congresso Internacional Co-Educação de Ge-
Zahar, 1968. rações. São Paulo, SESC, outubro de 2003. Disponível em: <http://www.sescsp.org.br/
sesc/images/upload/conferencias/83.rtf>. Acesso em: 23 nov. 2009.
_____. Sociologia da juventude III. A vida coletiva juvenil. Rio de Janeiro: Zahar, 1968.
GONÇALVES, Hebe Signorini. Juventude brasileira, entre a tradição e a modernidade.
_____. Sociologia da juventude IV. Os movimentos juvenis. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702005000200009&
script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 23 nov. 2009.
EISENSTADT, S.N. De geração a geração. São Paulo: Perspectiva, 1976.
JESUS, Altair Reis de. A imagem da recriação da juventude: televisão e propaganda. Dis-
FORACCHI, Marialice M. A juventude na sociedade moderna. São Paulo: Pioneira, 1972. ponível em: <http://starline.dnsalias.com:8080/sbs/arquivos/23_6_2009_21_41_37.
pdf>. Acesso em: 23 nov. 2009.
_____. O estudante e a transformação da sociedade brasileira. 2. ed. São Paulo: Cia.
Editora Nacional, 1977. MANNHEIM, Karl. El problema de las generaciones. Disponível em: <http://dialnet.uni-
rioja.es/servlet/articulo?codigo=766796>. Acesso em: 24 nov. 2009.
FURTER, Pierre. Juventude e tempo presente. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
MELUCCI, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Disponível em: <http://
GARCIA, Marco Aurélio; VIEIRA, Maria Alice (Orgs.). Rebeldes e contestadores. 1968 – www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE05_6/RBDE05_6_03_ALBERTO_MELUCCI.
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JEOLÁS, Leila S. Risco e prazer. Os jovens e o imaginário da AIDS. Londrina, PR: EDUEL,
2007. PEREIRA, Cláudia da Silva. O conceito de “juventude” na publicidade: modernidade,
felicidade, sociabilidade, amizade e liberdade. Disponível em: <http://www.intercom.
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Moderna. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
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LEVI, Giovanni; SCHMITT, Jean-Claude (Orgs.). História dos jovens: a época contemporâ- um processo secular. Disponível em: <http://www.nejuc.ufsc.br/artigos/juventudemo-
nea. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996. dernidadebrasileira.pdf>. Acesso em: 23 nov. 2009.
MAGNANI, Jose Guilherme Cantor (Org.). Jovens na metrópole: etnografias de circuitos Dossiês:
de lazer, encontro e sociabilidade. São Paulo: Terceiro Nome, 2007.
a) Revista Política & Sociedade – Dossiê Juventude, movimentos e contestações. v. 5,
POERNER, Arthur José. O poder jovem. História da participação política dos estudantes n. 8, 2006. O texto integral deste dossiê está disponível em: <http://www.periodicos.
brasileiros. 2. ed. rev. il. e ampl. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1979. ufsc.br/index.php/politica/issue/view/971/showToc>. Acesso em: 18 ago. 2010.
CASTRO, Mary Garcia (Coord.). Juventude, juventudes – O que une e o que separa.
Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=64654>. [Pesquisa mais ampla que se conhece sobre a
juventude brasileira com apoio da Unesco].
Ementa:
Objetivos gerais:
Bibliografia básica
KUPER, Adam. A visão dos antropólogos. Bauru, SP: CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias
EDUSC, 2002. para entrar e sair da Modernidade. 4. ed. São Paulo: Edi-
tora da Universidade de São Paulo, 2006
MATHEWS, Gordon. Cultura global e identidade individu-
al. Bauru, SP: EDUSC, 2000. SANTOS, Rafael. Antropologia para quem não vai ser an-
tropólogo. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2005.
DAUSTER, Tânia (Org.) Antropologia e Educação. Rio de
Janeiro: Forma e Ação, 2007.
MONTAGNARI, Eduardo Fernando. Indústria cultural e RODRIGUES, Shirlei. Cidadania e espaço público a partir
cultura de massa. (mimeo) da escola: resgate, recriação ou abandono? Brasília: UnB,
2007. (Dissertação de Mestrado).
1� aula
No Módulo 1, nós vimos, ao estudar as Orientações Curri- Ao final desta aula o(a) cursista deverá:
culares Nacionais para o Ensino Médio, que “diferentemente
das outras disciplinas escolares, a Sociologia não chegou a um Entender os pressupostos históricos-políticos, sociais e
conjunto mínimo de conteúdos sobre os quais haja unanimi- econômicos e culturais – que fundamentam o surgimento
dade, pois sequer há consenso sobre alguns tópicos ou pers- da Sociologia. Demonstrar como o pensamento social foi
pectivas” (MEC, 2006). se estruturando e sendo estruturado historicamente até o
Contudo, a observação e análise das práticas pedagógicas início do século XIX, quando as circunstâncias históricas
e dos currículos escolares já apontam a recorrência de alguns criaram as condições para que a Sociologia surgisse como
conceitos, temas e teorias, como, por exemplo, os conceitos de uma nova forma de ver, pensar e agir, isto é, como uma
identidade e cultura. Inclusive, em algumas propostas curri- nova configuração do saber sobre a sociedade humana.
culares e programas de vestibulares, eles constituem os pri-
meiros conteúdos a serem desenvolvidos. Conhecer os principais pensadores que fundamenta-
Mas, e você, caro professor ou professora, trabalha esses ram a emergência da Sociologia.
conceitos? Em quais séries, com quais objetivos e estratégias?
É comum, nas aulas de Sociologia no Ensino Médio, os profes-
sores iniciarem a discussão sobre os conceitos de identidade
e cultura propondo uma questão bem básica para os alunos: Conhecendo sobre
Vocês têm cultura?
Conforme os estudos de Roberto DaMatta (2005), geralmen-
te as respostas e os debates em torno dessa questão apontam Cultura e seu sentido antropológico
para dois sentidos: a ideia de cultura como sofisticação (“Fu-
lana é a mais culta da sala, pois vai muito ao cinema, ao teatro Caro(a) cursista, tendo em vista os objetivos deste curso,
e gosta de ler”), ou como instrumento de classificação de pes- sistematicamente iniciaremos nossas aulas propondo uma
soas e grupos (“É um povo sem cultura”). atividade para a sua aula, como o exercício a seguir inspirado
Tais posições, não raramente marcadas por preconceitos, no texto de DaMatta.
ideologias, argumentos naturalizadores, reificações, podem
ser confrontadas pelas questões propostas pela Antropologia:
O que nos fundamenta como grupo? O que nos identifica e o 1 Sugestão de atividade para sala de aula 1
que nos diferencia? E como são as relações que mantemos com
outros grupos e suas diferentes características culturais? Proponha a seguinte questão para seus alunos:
Nesta aula abordaremos essas questões, tendo como pon- Nesta sala, quem tem cultura? No quadro que se segue,
to de partida os conceitos-chave de cultura e identidade. Eles informe a quantidade de respostas relativas a cada uma das re-
possibilitam e suscitam também o tratamento de outros con- presentações.
ceitos, noções, temáticas, como: estranhamento, relativismo,
etnocentrismo, humanidade.
A partir de quais atributos as pessoas identificam você? Questões para serem abordadas
Para você, o que mais pesa na construção da sua identi- 1. Qual é o nome mais popular em sua família? Por que
dade: família, cor, sexo, religião, idade, profissão, preferên- você pensa assim? Qual é em sua escola o nome mais usa-
cias musicais, etc.? do em meninos e meninas? E em seu país? Se você pudesse
escolher o seu nome, qual escolheria?
Você ainda poderá lembrá-los de que nas comunidades
antigas, a família era um dos principais fatores de identi- 2. Alguns apelidos são apenas uma forma de encurtar
ficação social, por isso a importância do sobrenome. Ele os nomes, e outros são inventados. Você tem um apelido?
expressava a profissão de um ancestral ou seu lugar de ori- Por que as pessoas usam apelidos?
gem.
3. Você sabe o significado do seu nome? Você conhece o
3 Sugestão de atividade para sala de aula significado dos nomes das pessoas da sua família?
Outra sugestão interessante é o projeto denominado 4. Se a criança tem um nome muito grande ou compli-
“Quem sou eu – meu nome é”. 3 cado fica mais difícil para ela aprender a escrever o nome.
Você saberia mencionar algum nome desse tipo?
Bem-vindo ao projeto “Quem sou eu?”
5. Você acha importante chamar as pessoas pelo seu
Nossa primeira aula é sobre você e quem você é. Que nome e pronunciá-lo corretamente? O que você sente
tipo de música você gosta, qual a sua comida favorita, qual quando alguém não escreve direito o seu nome, principal-
esporte que gosta mais, se tem algum tipo de hobby, filmes mente quando digitado?
e livros prediletos, enfim tudo que você pode contar para
que os outros conheçam você melhor. Você sabe como é 6. Você sabe como o nome de alguém pode nos infor-
importante o seu nome? Se você não tivesse um nome, mar muita coisa da etnia, nacionalidade e origem dessa
como poderia ser identificado? Quem você seria sem um pessoa?
nome?
O nome é o que identifica você. É a maneira como os 7. Cultura, línguas e religiões de diferentes partes do
outros o identificam. mundo dão e usam formas diferentes de nomear as pes-
Os nomes nos dão uma força única para a vida. Os soas. No Brasil, como isso é feito? Os membros da sua fa-
nomes das pessoas podem influenciar nossas impressões mília todos possuem o mesmo sobrenome? Seu pai, mãe
sobre elas. Costumamos associar certas características a e filhos?
certos nomes. Desenvolvemos essas associações com as
experiências que tivemos com nomes de pessoas famo- 8. Você tem algum bichinho de estimação? Qual é o
sas da história, literatura, mitologia, televisão e do folclore nome dele? Tem algum significado? Por que você escolheu
também. E é por isso que certos nomes são mais populares esse nome? Você acha que existem nomes especiais para
num país do que em outro. O sobrenome sempre revela cada tipo de bicho? Existem nomes mais usados para ca-
uma profissão de um ancestral ou seu lugar de origem e chorros, gatos, pássaros ou cavalos?
possui também conotações diferentes em cada país. Em
muitos países, as crianças recebem os sobrenomes dos 9. Qual é o seu cantor predileto? Por quê? Você acha que
o nome dele(a) tem alguma ligação com a fama?
3 Disponível em: <http://wwwusers.rdc.puc-rio.br/kids/kidlink/projetos.html>. Esse projeto foi 10. Qual é o seu grupo musical preferido? Você sabe o
pensado para jovens a partir de 15 anos. Por isso, o roteiro acima é uma adaptação para tur-
mas de 1º ano, Sociologia, numa escola pública do Distrito Federal. No caso do DF, a proposta
significado do nome deles? Você acha o nome do grupo
curricular para o ensino de Sociologia no referido ano tem um eixo de caráter antropológico bem escolhido? Por quê? Se você fosse o diretor do grupo,
denominado: indivíduo, cultura e identidade. Para saber mais sobre essa proposta, consulte:
CARVALHO, Lejeune Mato Grosso (Org.). Sociologia e ensino em debate: experiências e discus-
que outro nome daria a eles? Por quê?
são de Sociologia no Ensino Médio. Ijuí, RS: Unijuí, 2004. Anexo VI – p. 339-350.
1.
1.
2.
2.
3.
3.
4.
4.
5.
5.
Após listar as ações, possivelmente você chegou à mesma
conclusão que o informante japonês de Gordon Mathews: Shi- Caro(a) cursista, será que as suas opções acima são tão li-
kata ga nai, ou seja, “não há como evitar”, “não há nada que eu vres assim? Aparentemente haveria um leque diversificado, um
possa fazer a respeito”. cardápio amplo, um supermercado, no qual escolhemos e troca-
Para o autor, esse é o segundo e intermediário nível de mos, livremente, bens culturais. Mas, de fato, como nos mostrou
consciência da formação cultural da identidade individu- Bourdieu, tais escolhas também estão ancoradas na condição de
al, nível shikata ga nai. Ele nos lembra que, como membros classe, nas relações de gênero, étnicas, religiosas, dentre outras.
de nossa sociedade, primeiro “temos de ir à escola, depois Ademais, para Mathews, escolhemos os referidos bens no
trabalhar, pagar impostos, agir como “homens e mulheres e que ele definiu como supermercado cultural, que estudare-
aposentar-nos na devida idade, entre muitas e muitas outras mos melhor na próxima aula, mas sobre o qual é importante
coisas” (2002, p. 40). ressaltar que é regido por uma intensa propaganda de algu-
Diferente do nível anterior,profundo e aceito sem questiona- mas escolhas e supressão de outras.
mento, este está mais explícito, pois os sujeitos estão mais cons- Portanto, mesmo nesse nível de consciência cultural, as es-
cientes regras culturais e sociais que regem suas vidas, em rela- colhas não são livres. Porém, o reconhecimento desses limites
ção às quais inclusive podem resistir, embora sob um alto custo. não causa estranhamento como lá no primeiro nível. Provavel-
mente porque aqui não se toca no inquestionável, naquilo que
Para avançar mais na reflexão sobre as possibilidades en- • DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução
sejadas pelos estudos antropológicos, especialmente em re- à Antropologia social. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
lação às capacidades de estranhar, desnaturalizar, relativizar,
respeitar a diversidade cultural, nada mais interessante do que • GEERTZ, Clifford. Anti anti-relativismo e “Os
voltarmos aos clássicos da Antropologia, como Franz Boas e usos da diversidade”. In: _____. Nova luz sobre a
Branislaw Malinowksi que, com suas experiências de campo, Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
sabiamente nos ensinaram: �
• _____. A transição para a humanidade. In: GEERTZ,
C.; ENGELS, F.; BAUMAN, Z.; LEONTIEV, A.;
Frequentemente me pergunto que vantagens nossa “boa socieda- MARCARIAN, E. O papel da cultura nas Ciências
de” possui sobre aquela dos “selvagens” e descubro, quanto mais Sociais. Porto Alegre: Editorial Villa Martha, 1980
vejo de seus costumes, que não temos o direito de olhá-los de Link: <http://www.arq.ufsc.br/urbanismoV/artigos/artigos_
cima para baixo. Onde, nosso povo, poder-se-ia encontrar hospi- gc.pdf>.
talidade tão verdadeira quanto aqui (referia-se aos esquimós)...
Nós, “pessoas altamente educadas”, somos muito piores, relativa- • LARAIA, Roque. Cultura: um conceito antropológico.
mente falando...Creio que, se esta viagem tem para mim (como Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1993.
ser pensante) uma influência valiosa, ela reside no fortalecimen-
to do ponto de vista da relatividade de toda a formação e que a • LAPLANTINE, François. Aprender
maldade, bem como o valor de uma pessoa, residem na formação Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2005.
do coração, que eu encontro, ou não, tanto aqui quanto entre nós.
BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 09. • LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História.
In: _____. Antropologia Estrutural Dois.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1976.
A ideia geral que se faz é que os nativos vivem no seio da natureza,
fazendo mais ou menos aquilo que podem e querem, mas presos • VELHO, Otávio. Relativizando o relativismo. São
a crenças e apreensões irregulares e fantasmagóricas. A ciência Paulo: Novos Estudos CEBRAP, nº 29, 1991.
moderna, porém, nos mostra que as sociedades nativas têm uma
organização bem definida, são governadas por leis, autoridades e • VIEIRA, Ricardo. Ser igual, ser diferente.
ordem em suas relações públicas e particulares e que estão, além Porto: Profedições, 2000.
de tudo, sob o controle de laços extremamente complexos de raça
e parentesco [...] As suas crenças e costumes são coerentes, e o Vídeos:
conhecimento que os nativos têm do mundo exterior lhes é su-
ficiente para guiá-los em suas diversas atividades e empreendi- • Humanos, quem somos nós. Nascimento da
mentos. Suas produções artísticas são cheias de sentido e beleza. mente humana. Vídeo da TVEscola que trata da
MALINOWKSI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico ocidental. São Paulo: Abril, 1978. p. 23. evolução dos seres humanos na Terra, explicando
Atividade de avaliação BERGMAN, P. I.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1985.
Iniciando nossa conversa instrumental teórico que poderão ser aplicados em sua sala de
aula. Porém, salientamos que estamos entrando em um campo
de estudo que carrega polêmicas, ambiguidades e várias pers-
Caro(a) cursista, de algum modo a aula anterior serviu pectivas. Por isso, é oportuno lembrar que existem outras pos-
como uma revisão dos estudos da graduação, nos quais, clas- sibilidades, outros contornos para tratar da referida temática.
sicamente, a cultura pode ser concebida, nas palavras de Da- Aliás, cabe observar que as preocupações e os questiona-
Matta, como: mentos propostos por Canclini e Mathews não se constituem
exatamente em novidades no campo. De acordo com Hannerz
Um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas (1997), as interconexões culturais no espaço e a diversidade cul-
de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam tural possivelmente não tenham recebido atenção por parte
o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de da corrente antropológica majoritária que tenderia a descre-
parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto ver as culturas como estáveis ou limitadas. Porém, para ele, é
de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mes- possível argumentar que tais fatos nunca estiveram totalmen-
mo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos te ausentes das preocupações dos antropólogos, embora pos-
sentindo-se parte de uma mesma totalidade. (1981, p. 2) sam ter aparecido sob os mais diversos disfarces conceituais.
Ao analisar a questão dos fluxos culturais, o autor cita o es-
Naquela perspectiva, o conceito de cultura contribuiu para tudo clássico de Ralph Linton, de 1936, o qual acompanha a
o entendimento do processo de construção das identidades, rotina matinal de “um americano cem por cento”. Conclui que
sejam locais, regionais ou nacionais. Mas, será que esse con- poucos dos objetos que utiliza são de fato originalmente ame-
ceito seria suficiente para entendermos a questão da identida- ricanos, enquanto invenção cultural. São provenientes da Índia,
de no contexto atual de interdependência dos mercados e de da Alemanha, da China, etc. Contudo, ao ler sobre os problemas
emergência de novas tecnologias da informação? estrangeiros em seu jornal matutino, o sujeito em questão dá
Nessa conjuntura, conforme Hannerz (1997), temas como flu- graças “a uma divindade hebraica, num idioma indo-europeu,
xo, mobilidade, recombinação e emergência tornam-se cada pelo fato de ser cem por cento americano”. (HANNERZ, 1997, p. 6)
vez mais presentes na reflexão sobre cultura. Por outro lado,
conforme o autor, há antropólogos que retomaram, de certo
modo, o tema da difusão cultural, ao voltarem sua atenção
para as questões da cultura material e da tecnologia, em fun- Propondo objetivos
ção de um interesse na globalização.
Nesse contexto, há também aqueles estudiosos que ques-
tionam e buscam ressignificar, ampliar, o conceito clássico de Na primeira aula, as atenções estiveram voltadas para
cultura. Gordon Mathwes, por exemplo, nos indaga se seria a sala de aula. Nesse sentido, o estudo sobre os conceitos de
possível raciocinar ainda em termos de culturas nacionais, cultura e identidade esteve centrado nas contribuições que
locais, no momento em que diversas pessoas e grupos, coti- eles poderiam oferecer para que o ensino de Sociologia rea-
dianamente, escolhem e consomem produtos no que ele de- lize suas duas funções precípuas estudadas no Módulo 1: o
nominou supermercado cultural global. estranhamento e a desnaturalização dos fenômenos sociais.
Outro pesquisador, Nestor Canclini, traz a questão de, se Por isso tivemos, como ponto de partida, a concepção clássica
no mundo fluidamente interconectado que vivemos, não se- de cultura: o modo de vida de um povo.
ria interessante deslocar o centro de interesse dos estudos da Não obstante continuarmos tendo como referência a sala de
identidade para a heterogeneidade e a hibridação intercultural. aula, neste momento da disciplina pretende-se aprofundar essa
Caro(a) cursista, a seguir estudaremos as proposições desses discussão com aporte de diversos estudiosos da teoria social.
autores que acreditamos possuem um potencial didático e um
2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global 97
Falando de modo mais objetivo, o que se pretende nesta De imediato, talvez a resposta seja cultura americana,
aula é: em função dos cenários iniciais (Califórnia, Louisiana), do
ritmo (soul music) ou da letra em língua inglesa. Mas você
Problematizar a relação entre cultura, identidade e na- poderá repassar o clipe e indagá-los sobre o significado da
cionalidade. presença de artistas de outras nacionalidades, em outros
cenários e fazendo uso de instrumentos diversos, ligados
Refletir sobre o lugar e a importância desses conceitos a culturas diferentes da americana, como as congas do es-
no ensino de Sociologia. panhol Django “Bambolino”, o violoncelo do russo Dimitri
Dolgonov, o coral sul-africano Sinamuva e o cavaquinho
brasileiro, tocado por César Pope, tendo como cenário os
Arcos da Lapa no Rio de Janeiro.
Conhecendo sobre De fato, o clipe faz parte de um projeto chamado Playing
for Change, um movimento multimídia criado para inspi-
rar, conectar e trazer uma mensagem de paz por meio da
Cultura, identidade e nacionalidade música. Por seu intermédio, vemos takes de artistas em
vários lugares do mundo interpretando a mesma canção.
Caro(a) cursista, como na aula anterior, de início nós va- Conforme seus idealizadores, o projeto pressupõe que
mos lhe propor um exercício para ser realizado com seus alu- a música tem o poder de quebrar limites e superar as dis-
nos. Que tal, juntos, assistirem ao clipe da música Stand By tâncias entre os povos, de superar barreiras geográficas,
Me, composição de Ben E. King, Jerry Leiber e Mike Stoller. O políticas, econômicas, espirituais, ideológicas e culturais,
clipe foi produzido pelo projeto Playing for Change, dentro do de transcender e nos unir como raça humana.5
projeto musical Song Around the World.4 Nesse sentido, a canção apresentada ao mesmo tempo
pertenceria a todas e a nenhuma das culturas citadas. Ela
não é americana, brasileira, italiana, africana ou indígena.
1 Sugestão de atividade para sala de aula Mas poderíamos nos arriscar e supor, com base nos estu-
dos de Canclini e Mathews, que os diversos cenários, ins-
Peça para seus alunos responderem à seguinte questão: trumentos, arranjos, artistas e a mensagem fazem dela um
produto híbrido e disponível mundialmente no supermer-
Vocês lembram que ao estudarmos cultura, nós a defi- cado cultural.
nimos como o modo de vida de um determinado povo que Convidamos você, caro(a) cursista, a estudar então os
lhe confere uma identidade cultural, por isso podemos falar conceitos dos autores acima e, ao final, informar se tal su-
em cultura brasileira, cultura americana, cultura indígena, posição se sustenta ou não.
francesa, etc. Então, respondam: o clipe que acabaram de
assistir representa qual cultura?
Culturas híbridas:
( ) Americana Identidade e heterogeneidade cultural
( ) Holandesa
( ) Indígena Na perspectiva de Canclini (2008), o projeto Playing for
( ) Francesa Change, seria um exemplo de processo de hibridação cultural.
( ) Brasileira Da mesma forma são as misturas de ritmos andinos e caribe-
( ) Russa nhos, de melodias étnicas com música clássica ou contempo-
( ) Venezuelana rânea, a reinterpretação jazzística de Mozart, promovida pelo
( ) Congolense grupo afrocubano Irakere, e reelaborações inglesas e hindus
( ) Sul-africana efetuadas pelos Beatles e Peter Gabriel.
( ) Espanhola Conforme o autor, se você procurar em sua casa, provavel-
( ) Italiana mente encontrará discos em que se “combinam música clássica
( ) Todas as culturas acima e jazz, folclore, tango e salsa, incluindo compositores como Pia-
( ) Nenhuma das alternativas acima zzola,CaetanoVeloso Rubén Blades,que fundiram esses gêneros
cruzando em suas obras tradições cultas e populares”. (2008, p. 18)
98 2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global
O caso Caetano Veloso, no que se refere particularmente
ao tropicalismo, pode oferecer um elemento muito rico para Hibridação cultural: Processos socioculturais nos
essa reflexão. A “mistura tropicalista” teve como inspiração o quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma
antropofagismo do Oswald de Andrade, que rompia com a di- separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos
cotomia internacional/nacional numa proposta estética que e práticas.
era assumidamente ideológica e política.
Cite abaixo, se possível, quatro exemplos de hibridação no
campo musical (músicas ou artistas ou movimentos musicais) Conforme Canclini, os processos incessantes e variados de
que você aprecia: hibridação colaboram para relativizar ou pôr em evidência as
contradições de postulados, conceitos e distinções dicotômi-
Hibridação musical: cas como:
2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global 99
Mas seria necessário também ampliar, acrescentar à tipo- – que é uma questão
logia de hibridações tradicionais (mestiçagem, sincretismo e de vida ou morte –
crioulização), as operações de construção híbrida entre ato- será arte?
res modernos, em processos avançados de globalização. Em
tais processos se acentuariam a interculturalidade, a partir de
mercados mundiais de bens materiais e dinheiro, mensagens Supermercado cultural e identidades
e migrantes. Os fluxos e as interações que ocorrem nesses
processos diminuiriam fronteiras e alfândegas. Contudo, eles Caro(a) cursista, na perspectiva de Gordon Mathews (2002),
não só integrariam e gerariam mestiçagens, como também o projeto Playing for Change, citado inicialmente, se desen-
segregariam, produzindo novas desigualdades e estimulando volve no contexto de um mundo afluente e ligado pelas novas
reações diferenciadoras. tecnologias da informação e da comunicação. Nesse mundo,
Ademais, numa visão crítica, temos que considerar o que aspectos de nossas vidas são selecionados no que ele deno-
autor denomina hibridação restrita. Assim, a fluidez propicia- mina supermercado cultural global, no qual pode-se: “Comer
da pelas novas tecnologias da informação e comunicação faci- uma uva passa moída com o café da manhã, curry no almoço
lita a apropriação de elementos de outras culturas, porém isto e sashimi no jantar; pode-se ouvir ópera, jazz, reggae ou juju;
não implica em aceitação indiscriminada, como dizia Gustavo pode-se tornar cristão, ateu, budista ou sufi”. (2002, p. 9)
Lins Ribeiro, citado por Canclini, quando se refere à fascina- Cite, abaixo, se possível, quatro exemplos de bens culturais
ção branca pelo afroamericano, processo no qual, alguns pen- que você consome, ou gostaria de consumir, selecionáveis no
sam: “Incorporo sua música, mas que não se case com minha referido supermercado:
filha”. (2008, p. XXXIII)
Conforme Canclini, porém, não obstante as contradições, Bens culturais:
a intensificação da interculturalidade favorece intercâmbio,
misturas maiores e mais diversificadas do que em outros tem-
pos. É necessário buscar meios para nos ajudar a tornar este 1.
mundo mais traduzível, ou seja, convível em meio a suas di-
ferenças, e aceitar o que cada um ganha e está perdendo ao
hibridar-se. Para ele (2008, p. XXXIX), um poema de Ferreira Gullar,
musicado por Fagner em um disco no qual canta algumas 2.
canções em português e outras em espanhol, e no qual alterna
sua voz e sua língua de origem com as de Mercedes Sosa e
Joan Manoel Serrat, é uma maneira de expressar tais dilemas:
Traduzir-se6 3.
100 2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global
Caro(a) cursista, nesse contexto, Mathews nos questio- fundamenta-se na ideia de um “determinado povo pertencen-
na sobre a pertinência do conceito clássico de cultura como do a um determinado lugar”. A identidade de mercado, por
modo de vida de um povo, que é basicamente o conceito utili- outro lado, está fundamentada em outro principio: “em não
zado nas aulas de Sociologia no Ensino Médio. pertencer a nenhum lugar determinado, mas sim ao mercado
Nesse sentido, como podemos no referir ainda a uma cultu- tanto em suas formas materiais como culturais; na identidade
ra americana ou cultura japonesa ou cultura brasileira? Exis- baseada em mercado, o lar de um indivíduo é o mundo intei-
tiria algo em comum nelas que definiria todos os americanos, ro”. (2002, p. 32)
japoneses e brasileiros em contraposição a não-americanos, Haveria duas formas de mercado: “o supermercado mate-
não-japoneses, não brasileiros? Enfim, como podemos falar rial condutor de uma enxurrada de produtos do mundo intei-
em identidade se ela é relacional, como nos ensina Kathryn ro para cada canto do mundo, e o supermercado cultural, que
Woodward? A autora nos lembra que a diferença é demarcada conduz uma enxurrada de informações e identidades poten-
em relação a outras identidades, onde temos pelos menos dois ciais para cada canto do mundo”. (2002, p. 32) O autor salienta que
grupos em oposição: “nós e eles” (2007, p. 14). a identidade cultural produzida pelo Estado na sua moldagem
Na visão de Mathews, os conceitos clássicos ainda são sig- do “modo de vida de um povo” parece ser um produto dos
nificativos se utilizados em conjunto com um conceito con- dois últimos séculos, mas a identidade cultural intermediada
temporâneo de cultura, compreendida como informações pelo mercado seria um produto das últimas décadas, no con-
e identidades disponíveis no supermercado cultural global. texto de emergência das novas tecnologias da informação e
Mas, para o autor, nenhum dos dois conceitos, o clássico e o da comunicação.
contemporâneo, daria conta cada um por si só de possibilitar Em síntese, hoje, as pessoas de todo o mundo, afluente e
uma compreensão ampla da cultura no mundo atual. Eles re- ligado por essas novas tecnologias, podem ser moldadas tanto
presentariam forças opostas que modelam a cultura hoje: o pelos supermercados materiais e culturais como pelo Estado.
Estado e o mercado.
Sobre a relação entre Estado e identidade cultural, a mode-
Conceito Clássico Contemporâneo
lagem do cidadão hoje seria onipresente e praticamente sem
questionamento. “A ideia de um homem sem uma nação pare- Informações e iden-
ce colocar uma tensão na imaginação moderna. Um homem Modo de vida de um tidades disponíveis
Cultura
deve ter uma nacionalidade, assim como deve ter um nariz determinado povo. no supermercado
e duas orelhas”, escreve Ernest Gellener, citado pelo Mathews cultural global.
(2002, p. 31). Força O Estado O mercado
Ele lembra que ter uma nacionalidade não é um atributo
inerente à humanidade, mas, agora, parece ser. Para o autor,
os Estados buscam moldar culturalmente seus cidadãos, obje-
tivando que acreditem que o Estado e o cidadão seriam uma Supermercado cultural, hibridação
coisa só dentro do “modo de vida de um povo”. Os indivíduos, e novas tecnologias da informação
na sua maior parte, acabam por acreditar nisso sem questio-
nar, pelo menos em um primeiro nível da consciência cultu- Caro(a) cursista, você pode observar que os processos des-
ral. Como vimos na aula anterior, este é o nível onde não nos critos anteriormente se desenvolveram no contexto de surgi-
perguntamos por que vivemos de certo modo e não de outro. mento das novas tecnologias da informação e comunicação
Ressalta-se que essa modelagem estatal, visando a um (TICs). Em diversos momentos, nossos autores fazem refe-
“modo de vida” comum, em muitos lugares já é questionada. rências a tais tecnologias. Para Canclini, vivemos em mundo
Esta contestação aconteceria, em parte, em função do ressur- fluidamente interconectados, no qual as marcas identitárias
gimento do etnicismo e da identidade étnica. “Pelo mundo organizadas em conjuntos mais ou menos estáveis (etnias,
todo, dos aimus aos zulus, dos hutus aos quebequenses, vemos nações, classes) estão se reestruturando em meio a conjuntos
o ressurgimento da identidade étnica separada do Estado na interétnicos, transclassistas e transnacionais. E para Mathews,
medida em que as pessoas tentam afirmar identidades não nesse mundo afluente e ligado pelas referidas tecnologias,
inteiramente classificadas pelo Estado”. (2002, p. 31) muitos aspectos de nossas vidas são selecionados no que ele
Contudo, para Mathews, não seria identidade étnica, mas denomina supermercado cultural global.
a identidade tal como ofertada pelo mercado que seria, de- É nesse contexto que o conceito clássico de cultura mos-
cisivamente, a força maior que corrói a identidade nacional, trou-se limitado e se faz necessário deslocar o centro de dis-
atualmente. Para ele, a identidade étnica pode até estar em cussão da identidade para a heterogeneidade e a hibridação
oposição ao Estado existente, porém é fundamentalmente da intercultural, assim como repensar distinções entre local, na-
mesma ordem conceitual que o Estado, pois frequentemente cional e global. Dado a importância das TICs nesse processo,
2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global 101
é importante compreender melhor seu surgimento e sua rela- práticas dos chamados profissionais, a especialização objeti-
ção com a cultura. vada em máquinas e mecanismos monetários, etc.) possibi-
Conforme Castells (1999), o desenvolvimento dessas tecno- lita que os sujeitos estejam constantemente examinando suas
logias está relacionado a uma mudança na base técnica da práticas sociais.
produção capitalista de um modelo industrial para um mo- O autor cita a reflexividade sobre o próprio corpo, acele-
delo informacional de desenvolvimento.O autor esclarece que rada pela invenção da dieta que está ligada a uma ciência: a
a centralidade dessa mudança não reside no conhecimento, Nutrição. Ela situa a responsabilidade pelo desenvolvimento e
mas sim na aplicação do conhecimento para a geração de a aparência diretamente nas mãos do seu proprietário. O que
novos conhecimentos e dispositivos de processamento e co- o indivíduo come, mesmo entre os mais carentes, torna-se
municação de informações, em um ciclo de realimentação uma questão reflexivamente impregnada de seleção dietética.
cumulativo entre inovação e seu uso que se tornou o elemento O que se come é uma escolha do estilo de vida, influenciado
dinamizador da produtividade do modo de produção capita- e construído por um número imenso de livros de culinária,
lista. Dessa forma, a informação tornou-se o produto princi- tratados médicos populares, guias nutricionais (1993, p. 42).
pal do processo produtivo. Todavia, é importante ponderar que esta questão é muito
As informações são aplicadas na produção de dispositivos relativa ao grupo que analisamos. Por exemplo, no caso da Ín-
de processamento e comunicação de informações, isto é, são dia a alimentação ainda é muito tradicional e impregnada de
aplicadas na produção de tecnologias de informação consti- valores religiosos, mais que os da moderna Nutrição.
tuídas por um conjunto de tecnologias em microeletrônica, Outro exemplo desse processo é relativo às práticas se-
computação (hardwares e softwares), telecomunicações, ra- xuais. Giddens cita relatórios de pesquisas, como o relatório
diodifusão, optoeletrônica e engenharia genética. Tais tecno- Kinsey, que, quando foram divulgados, provocaram debates,
logias são modificadas na medida em que os usuários (con- novas investigações e mais debates que se tornaram parte de
sumidores, técnicos e trabalhadores) aprendem a utilizá-las, um domínio público amplo e que serviram para modificar
aprendem a aperfeiçoá-las e, por meio delas, aprendem a co- opiniões de leigos sobre as próprias práticas, envolvimentos e
municar suas experiências relativas a esse processo de apren- preferências sexuais. Assim, tais pesquisas contribuíram para
dizagem. As informações geradas nesse processo de aprendi- acelerar a reflexividade das práticas sexuais habituais e coti-
zagem são utilizadas na produção de novas tecnologias. dianas (1993, p. 39).
Na visão de Castells, as tecnologias da informação não são Nesse sentido, podemos afirmar que tanto as dietas quanto
simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a as reinvenções das práticas sexuais são produtos disponíveis
serem desenvolvidos. Usuários e criadores tornam-se a mes- no supermercado cultural e, não raras vezes, bem marcados
ma pessoa. Segue-se uma relação muito próxima entre os pro- por hibridações. Assim, enquanto Castells ressalta o processo
cessos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura reflexivo de produção do conhecimento, Giddens ressalta a
e a sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens sociedade reflexiva, na qual o conhecimento tem papel fun-
e serviços (as forças produtivas). Tais mudanças trazem uma damental.
nova relação entre o homem, máquinas, pensamento e produ- Pode-se inferir que são dois lados de uma mesma situa-
ção cultural (material e simbólica) visto que ção. De um lado, nós temos sujeitos (trabalhadores, técnicos,
pesquisadores, usuários) que, ao utilizarem as tecnologias de
[...] Pela primeira vez na história, a mente humana é uma informação, produzem e renovam informações que contri-
força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no buem para modificar essas tecnologias, e, do outro lado, infor-
sistema produtivo [...] Assim, os computadores, sistemas de co- mações constantemente renovadas e veiculadas por também
municação, decodificação e programação genética, são todos renovadas tecnologias que alcançam e transformam indivídu-
amplificadores e extensões da mente humana. O que pensamos e os nos mais diversos lugares e grupos sociais.Em síntese, tais
como pensamos é expresso em bens, serviços, produção material transformações criaram a base para a formação da demanda
e intelectual, sejam alimentos, moradia, sistemas de transporte, (consumidores) e da oferta (produtos culturais, por vezes hí-
saúde e educação. (CASTELLS, 1999, p. 51) bridos) constitutivas do supermercado cultural global.
Não obstante as aproximações entre os dois pontos de vis-
Castells, pensando sobre a questão da informação na so- ta, para Castells a sociedade reflexiva é limitada em termos
ciedade contemporânea, se aproxima de Giddens, ainda que de inclusão. Numa crítica a Giddens, ele pondera que só para
o primeiro autor enfatize as dimensões materiais e organiza- elites o planejamento reflexivo da vida é possível, por estarem
cionais da produção do conhecimento, Giddens, a dimensão no “espaço atemporal de fluxos de redes globais e seus locais
sociológica de sua apropriação. subsidiários” (2000, p. 27). Para a maioria dos indivíduos e grupos
Para Giddens (1991), nas sociedades modernas o conheci- sociais não há interação de qualquer tipo entre global e local.
mento científico consolidado em sistemas especializados (as
102 2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global
Conhecendo mais sobre A partir da análise de imagens do filme Diários de mo-
tocicleta, de Walter Salles, são discutidos os sentidos da
travessia do rio Amazonas pelo estudante Ernesto Guevara
Cultura, identidade e nacionalidade de La Serna quando dialoga com as travessias da obra de
Guimarães Rosa e, em especial, com o conto “Orientação”,
Caro(a) cursista, buscou-se aprofundar a discussão sobre da coletânea Tutaméia. Um dos temas centrais de Guima-
os conceitos de cultura e identidade iniciada na primeira aula, rães Rosa, a travessia, serve de motivo para a discussão
mas tendo ainda como referência sua possível apropriação di- de papéis do intelectual e da integração latino-america-
dática no Ensino Médio. Por isso, lançou-se mão de conceitos- na, globalização e comunitarismos. O autor nos chama a
chave que se julgou de grande aplicabilidade naquele nível de atenção desde o início para o tema das fronteiras, citando
ensino. Contudo, diante da riqueza do tema, tais conceitos são Guimarães Rosa: “Eu atravesso as coisas – e no meio da
limitados e passíveis de críticas em função das opções teóricas travessia eu não vejo – só estava era entretido na ideia dos
dos autores. O próprio Canclini nos fala de algumas objeções, lugares de saída e de chegada”.
dentre as quais o tom às vezes celebrativo quando o assunto é
a hibridação como harmonização de mundos fragmentados e Outros textos:
em conflito, a integração e fusão aparentemente fácil de cul-
turas, sem se ponderar o peso das contradições e do que não • BAUMAN, Zygmunt. Identidade –
se deixa hibridar, a ideia de cosmopolismo subjacente que, ao entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de
nos hibridar, nos transformaria em “gourmets multiculturais”. Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
Esta última objeção caberia também em relação ao conceito
de supermercado cultural. Para conhecer mais sobre pontos • BURITY, Joanildo. Globalização e identidade:
de vista distintos, destacamos as contribuições de autores desafios do multiculturalismo
como Ulf Hannerz e Benjamin Abdala Júnior. � Link: <http://www.fundaj.gov.br/tpd/107.html>.
• HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: cultura • CASTELLS, Manuel. Entrevista concedida
no contexto transnacional pode ser analisada em ao Roda Viva / TV Cultura
palavras-chave da antropologia transnacional Link: <http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid pgm0663>.
=S0104-93131997000100001>.
Para pensar a cultura nesse contexto e transcender as • HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-
noções de limites e enraizamentos, Hannerz se fundamen- modernidade. Rio de Janeiro: DPA, 2003.
ta nas ideias de fluxo, hibridismos e fronteiras. Para ele,
os fluxos culturais estão além das demarcações espaciais • _____. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz
e temporais, podendo acontecer à distância. Já na zona de Tadeu (Org). Identidade e diferença: a perspectiva
fronteira é possível pensar as ambiguidades e incertezas, dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
ou seja, a cultura é algo em contínua construção, demar-
cada tanto pela “homogeneização global” quanto pelas dis- • MARTINS, José de Souza. Fronteira:
putas e confrontos locais. a degradação do outro nos confins do
humano. São Paulo: Contexto, 2009.
• ABDDALA JÚNIOR, B. Fronteiras múltiplas,
identidades plurais. São Paulo: Senac, 2002. • SAHUQUILLO, I. La identidade como
O livro contribui para mostrar que na discussão da problema social y sociológico. ARBOR, CLXXXI,
temática das identidades o problema das fronteiras se 722, noviembre-diciembre [2006]
apresenta como crucial. Pensar a multiplicidade das iden- Link: <http://arbor.revistas.csic.es/index.php/arbor/article/
tidades, ou mesmo o seu caráter híbrido, sem acentuar a view/69/69>.
fronteira, pode ser um impedimento para a compreensão
mais ampla. A fronteira é o lugar do conflito, da marcação Sobre o desenvolvimento das novas tecnologias, cabe res-
das diferenças e, por este motivo, essencial para o aflora- saltar que o mesmo acontece no contexto de uma revolução
mento das diferentes identidades. científico-tecnológica que, como nos lembra Maria Lúcia
Maciel, operou mudanças não só nas formas de produção do
• ABDDALA JÚNIOR, B. No fluxo das águas: conhecimento como também nas relações sociais que a acom-
jangadas, margens e travessias. panham. Para a autora, na tentativa de se compreender essa
2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global 103
revolução, diversos especialistas têm construído conceitos e debate, no ambiente virtual, onde você possa se posicionar
modelos de análise. Tripla Hélice, Sistemas de Inovação, Dia- em relação às seguintes questões:
mante de Porter, Ambientes de Inovação, Arenas Transepistê-
micas, Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, Será que o conceito clássico de cultura (o modo de vida
Sociedade em Rede ou Modo 2 de Produção do Conhecimento de um povo) é de fato limitado para entendermos as ques-
são alguns exemplos entre os mais difundidos. Para entender tões atuais relativas à nacionalidade, identidade e globa-
melhor esses conceitos, termos e modelos, sugerimos o texto lização?
da referida autora, dentre outros: �
• MACIEL, Maria Lúcia. Hélices, sistemas, Até que ponto a noção de escolha dentro do supermer-
ambientes e modelos: os desafios Sociologia cado cultural não é ilusória, uma vez que remete a uma
da Inovação. In: Revista Sociologias. Ano 3, nº visão ocidental, mercadológica, americana?
6. Porto Alegre: jul./dez. 2001. p. 18-29
Link: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n6/a02n6.pdf>. Não haveria um tom às vezes celebrativo quando se fala
da hibridação como harmonização de mundos fragmen-
• SOBRAL, Fernanda. Desafios das Ciências tados e em conflito, da integração e fusão aparentemente
Sociais no desenvolvimento científico e fácil de culturas, sem se ponderar o peso das contradições
tecnológico contemporâneo. In: Revista e do que não se deixa hibridar?
Sociologias. nº 11. Porto Alegre: jan./jun. 2004
Link: <http://www.scielo.br/pdf/soc/n11/n11a10.pdf>. Quando se fala em hibridação cultural, não haveria
subjacente uma ideia de cosmopolismo, a partir da qual
• SOBRAL, Fernanda. Educação para a os indivíduos são pensados e idealizados como gourmets
competitividade ou para a cidadania social multiculturais?
Link: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v14n1/9797.pdf>.
104 2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global
Referncias MATHEWS, Gordon. Cultura global e identidade individual. Bauru, SP: EDUSC, 2000.
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2º Módulo Disciplina 2: História da Sociologia 2ª Aula: Cultura, identidade e nacionalidade: local = e ≠ nacional = e ≠ global 105
Cultura brasileira
3� aula
e identidade nacional
Mário Bispo dos Santos • Shirlei Daudt Rodrigues Leal
Iniciando nossa conversa Nessa direção, eis os principais objetivos desta aula:
Idealização
primeira metade do século XIX
Ainda não havia se constituído um sistema intelectual autô- saudosismo nativista. Neste contexto, não se discute efetivamen-
nomo e crítico. Os discursos eram voltados à exaltação do Brasil te nem passado nem futuro coletivo, apenas se vive um presente
enquanto paraíso natural, sem conflitos e belo. Esta vocação pa- protegido das impurezas da realidade brasileira. Assim, não se
triótica-sentimental empenhada nas campanhas nacionais ga- buscava compreender profundamente a nação ou a identidade
nhava o beneplácito imperial. O negro não aparece como parte brasileira, nem produzir teorias que estimulassem as possibili-
da história e o índio é tratado de maneira exótica e irreal, em um dades de ampliação da cidadania.
Biologização
primeira metade do século XIX
Tendências europeias como o Evolucionismo, o Naturalismo, gem coletiva, inicia-se um sentimento de nacionalidade. O pas-
o Cientificismo e o Positivismo entram com vigor nos discursos sado, mesmo não sendo sistematicamente estudado, começa a
produzido sobre POVO e NAÇÃO, sempre associados a uma re- ser timidamente considerado em suas marcas no presente (em
flexão acerca de MEIO GEOGRÁFICO e RAÇA. O negro começa uma perspectiva evolucionista e biológica, não histórica). O fu-
a aparecer no quadro de formação do Brasil, mas como raça infe- turo começa a ser pensado para a nação: propõe-se o “branque-
rior. A escravidão é tida como um entrave para a evolução da na- amento” da população, por meio da migração preferencial de
ção, seja pela condição de inferioridade do negro que foi trazido, italianos e germânicos, para o melhoramento da raça e conse-
seja pela relação de parasita-parasitado que debilita os grupos de quentemente da pátria (Silvio Romero, 1901); Manoel Bomfim (1905) su-
indivíduos envolvidos. O povo brasileiro passa a ser reconhecido gere, como solução, educação para toda a população que possibi-
como mestiço, mas, na maioria dos discursos, aparece associado litaria um “associativismo”, acabando com o “parasitismo”, entre
a um sentimento de inferioridade devido a esta condição, já que a elite e o restante dos brasileiros, permitindo o crescimento da
o valor dado à “raça pura”, importado da Europa, estava em voga. nação. Suas ideias eram bastante revolucionárias e dissonantes
A despeito das crises surgidas a partir da percepção de con- para o contexto extremamente racista em que vivia, mas inspi-
tradições e os padrões europeus determinando nossa autoima- rou jovens de outras gerações.
Culturalização
primeira metade do século XX
O conceito antropológico de cultura e o culturalismo entram dições). Procura-se conhecer os diversos elementos e manifesta-
como ferramentas teórico-metodológicas na construção de no- ções culturais para compreender a formação estrutural da cultura
vos discursos sobre o Brasil. Surge um movimento de busca da brasileira, mas sem fórmulas pré-estabelecidas de “fora”. É claro
nação enquanto uma unidade (com suas diversidades e contra- que os novos recursos conceituais e o próprio movimento mo-
Politização
segunda metade do século XX
Neste contexto, a produção dos discursos sobre o Brasil não Por volta da década de 70, diferentes grupos e categorias co-
se dá mais por meio de intelectuais isolados, mas associados às meçam a falar por conta própria e ter expressão social de suas
instituições. Dentre as instituições mais importantes, nas déca- visões sobre o mundo: as mulheres, os negros, os prisioneiros, os
das de 50 e 60, estavam: a USP (Universidade de São Paulo), o soldados, os doentes nos hospitais, os homossexuais, os ecologis-
ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e a ESG (Escola tas começam a construir discursos, se afirmarem politicamente,
Superior de Guerra). Apesar das diferenças, os discursos con- combatendo os controles e coerções que reproduzem o mesmo
vergiam hegemonicamente em alguns elementos: havia uma poder em todos os lugares.
reflexão sociológica-científica que recebia forte influência norte- A partir da década de 90, os diferentes movimentos foram
americana; o nacionalismo vigente não era associado à noção se articulando entre si, tornaram-se mais institucionalizados:
de identidade, mas às categorias de industrialização, progresso, formaram-se Fóruns que estabeleceram prática de encontros
desenvolvimento, estabilidade e autonomia; surge a ideia de ter- nacionais em larga escala, gerando grandes diagnósticos dos
ceiro mundo e a preocupação em superar o subdesenvolvimen- problemas sociais, definindo metas e objetivos estratégicos. As
to; discutia-se o papel da burguesia nacional para o crescimento, ONGs (organizações não-governamentais), que nos anos 80
modernização e independência econômica e política da nação. atuavam totalmente ligadas aos movimentos populares, passam
Formam-se intelectuais que não querem mais falar pelo a ser inscritas no universo do Terceiro Setor, atuando em áreas
povo, mas sim estar ao lado dele: iniciativas como as do teatro em que a prestação de serviços sociais é carente ou ausente. Esta
do oprimido (Augusto Boal), a pedagogia do oprimido (Paulo infinidade de linhas de atuação política e produção de discursos
Freire), pesquisas participantes são alternativas que começam a sobre a realidade brasileira, apesar de heterogênea em temáticas
ser experimentadas. Outros setores da população também co- e demandas, é, em vários momentos, unificada devido às ca-
meçam a se organizar politicamente: surgem ligas camponesas; rências socioeconômicas ampliadas a cada dia, e por um mote
a juventude entra no cenário político, tendo sua representação antiglobalização. À beira do século XXI tecem-se redes de movi-
mais organizada com a UNE (União Nacional dos Estudantes) e mentos internacionais contra um sistema opressor, excludente e
as juventudes católicas. massificador que transcende as fronteiras brasileiras.
ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: BERRIEL, Carlos Eduardo (Org.).
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MATHEWS, Gordon. Cultura global e identidade individual. Bauru, SP: EDUSC, 2000.
e o universo jovem
Mário Bispo dos Santos • Shirlei Daudt Rodrigues Leal
Caro(a) cursista, no dia a dia escolar, observa-se como os Diante da problemática posta, revisaremos alguns autores que
estilos de vida, as preferências, as posturas culturais apontam trabalharam os dilemas da juventude em um mundo repleto de
para quem são, o que querem ou não ser os jovens. Mesmo informações, símbolos, valores difusos e globalizados, buscando:
que muitos não tenham escolhido claramente o que querem
ser, apresentam estilos expressivos que os identificam social- Problematizar a relação entre juventude, cultura, iden-
mente. Cabe indagar: Até que ponto tais escolhas e expressões tidade e mercado.
são marcadas pela indústria cultural? Qual o grau de autono-
mia da juventude? Refletir sobre o lugar e a importância da criticidade his-
Vimos nas aulas anteriores que existe uma infinidade de tórica e a Imaginação Sociológica.
fatores que influenciam o que somos em nossas ações e rela-
ções sociais. As hibridizações feitas ao longo de nossa história Desenvolver uma reflexão sobre os dilemas dos jovens
nacional, até a atualidade de um mercado global potenciali- no mundo contemporâneo e as possíveis contribuições do
zador da pluralidade cultural, amplia o leque de possibilida- ensino de Sociologia no Ensino Médio.
des do que podemos vir a ser. No entanto, essas possibilida-
des na maioria das vezes não estão postas como alternativas
a serem conscientemente escolhidas por nossos jovens, já
que são percebidas de forma difusa, misturadas, naturali- Conhecendo sobre
zadas, desenraizadas. Muitas vezes esses jovens não passam
de meros consumidores de uma indústria cultural global, à
mercê do que outros decidem ressaltar como bom, belo e co- Indústria cultural e cultura de massa
merciável. Sua participação crítica e criativa fica embotada
em um mundo de muitos estímulos e pouca memória. Não Caro(a) cursista, para incentivarmos maior relação entre a
compreendendo sua localização social, perdem o domínio de teoria sociológica aqui aprofundada e suas aulas, iniciaremos
sua identidade. a discussão dos conceitos propondo um problematização a ser
Quanto mais consciência temos das matrizes histórico- levada aos seus alunos:
culturais que influenciaram nossas escolhas, mais alternativas
podemos vislumbrar e, portanto, maior o grau de autonomia
perante a diversidade de posições. Mas será que nossos alunos 1 Sugestão de atividade para sala de aula
valorizam o conhecimento da história e compreendem sua
relação com as suas identidades? Em um mundo onde tudo Peça aos estudantes para trazerem algum produto ou sím-
acontece tão rápido, com mudanças que tornam as coisas bolo cultural de que gostam e esteja na moda: músicas, filmes,
imediatamente obsoletas, os símbolos culturais são comerci- livros, gírias, trejeitos, roupas, imagens, comidas, entre outros.
áveis e saem de moda, será que há espaço para a memória? Então discuta, a partir das questões: O que faz cada um de-
Podemos falar de identidades, ou será que são tão transitórias les gostar desses produtos ou símbolos? Por que eles estão na
e manipuláveis que este conceito se torna irrelevante para o moda, e quem a define? Existem muitas coisas de que eles gos-
posicionamento do jovem hoje? É possível ampliar a consci- tam e nunca estiveram ou saíram de moda?
ência crítica de nossos alunos, a partir da discussão sobre suas Depois desta conversa inicial, peça para os jovens lerem
identidades e seus dilemas no mundo contemporâneo domi- em voz alta o seguinte trecho do poema de Carlos Drummond
nado pela indústria cultural global? de Andrade:
11 A designação Escola de Frankfurt não diz respeito a uma construção, um lugar, mas a um grupo
10 Este texto não foi publicado, mas está disponível aos cursistas na biblioteca virtual oferecida de intelectuais que nos anos 30 do século passado pensaram e produziram uma teoria crítica
por este programa de pós-graduação a distância. da sociedade capitalista.
ANDRADE, Carlos Drummond. O corpo. Rio de Janeiro: Record, 1994. LIMA, Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
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Iniciando nossa conversa temporal as denominadas aulas. Elas têm horários definidos.
Ao final de cada uma delas, toca uma campainha e nesse mo-
mento, “a criança tem de parar de pensar o que estava pen-
Caro(a) cursista, queremos iniciar esta conversa solicitan- sando e passar a pensar o que o programa diz que deve ser
do que cite cinco termos ou expressões que lhe vêm à mente pensado naquele tempo. O pensamento obedece às ordens
quando pensa em educação: das campainhas? Por que é necessário que todas as crianças
pensem as mesmas coisas, na mesma hora, no mesmo ritmo?”
(2003, p. 1).
1. O autor também nos fala sobre outro fundamento da nossa
prática pedagógica, a estrutura espacial da escola. Nela, nos
deparamos cotidianamente com corredores, pátios e salas de
aula. Estes espaços servem para organizar os alunos em gru-
2. pos, separando-os uns dos outros. Mas, qual a finalidade dessa
organização? Haveria outros modos de estruturar o espaço es-
colar, ou mesmo outras estruturas que poderiam possibilitar a
formação, a socialização, o desenvolvimento pleno das crian-
3. ças e adolescentes, tendo em vista a inserção em um determi-
nado modo de vida, ou seja, numa cultura?
Para Rubem Alves, nós nos esquecemos dessas e de outras
questões fundamentais. Com base na perspectiva de Mathews,
4. talvez seja assim porque tais questões nos levariam a colocar
em xeque a nossa própria condição de professor, nosso espaço
de trabalho, as relações hierárquicas entre os sujeitos nesse es-
paço, a linguagem utilizada para interpretamos essa realidade
5. na qual os termos educação e escola são sinônimos.
Conforme Carlos Rodrigues Brandão (1995), a Antropologia
nos mostra que, de fato, não há um modelo único de esco-
la, muito menos de educação. A escola, por nós naturalizada,
Na sua lista apareceu: Sala de aula, escola, aula, professor? com suas salas, corredores, pátios, campainhas marcando o
E museus, viagens, rituais de passagem e de iniciação? início e fim do que denominamos aula, não é o único lugar no
As primeiras palavras parecem que já fazem parte de uma qual a educação se desenvolve e o professor não é o seu único
linguagem predominante entre os professores. Ela constitui- responsável.
ria aquele primeiro nível de consciência cultural proposto por Ele nos fala que quando os antropólogos, no início do sé-
Gordon Mathews, estudado na primeira aula. A base sólida, culo passado, aprenderam a descrever rigorosamente as so-
mais profunda, difícil de ser alcançada, tocada, questionada, ciedades tribais das Américas, da Ásia, da Oceania, eles quase
sobre a qual se apoiam as relações pedagógicas no interior da não usavam a palavra educação, embora quase todos descre-
escola. vessem as relações cotidianas, as viagens, os rituais de passa-
Rubem Alves lembra-nos que, raramente, se estranha, gem e iniciação em que crianças e jovens aprendiam desde a
se indaga sobre o sentido de certos conceitos, organizações, fabricação do arco à recitação das rezas sagradas. Nessas situ-
procedimentos relativos à educação das crianças e adolescen- ações, “a sabedoria acumulada do grupo social não ‘dá aulas’ e
tes. Por exemplo, não se questiona por que os currículos, os os alunos, que são todos que aprendem, não aprendem numa
programas de ensino são organizados tendo como referencial escola”. (1995, p. 17) (grifos nossos)
Refletir sobre o lugar e a importância dos estudos an- A vida que me ensinaram
tropológicos, os usos da Antropologia na educação. Como uma vida normal
Tinha trabalho, dinheiro,
Família, filhos e tal
Desenvolver uma reflexão sobre a educação como um Era tudo tão perfeito
fenômeno cultural mais amplo que o processo de escola- Se tudo fosse só isso
rização. Mas isso é menos do que tudo
É menos do que eu preciso
Compreender a relação entre a formação da identidade, Agora você vai embora
idades de socialização e os rituais de iniciação e passagem. E eu não sei o que fazer
Ninguém me explicou na escola
Ninguém vai me responder
[...]
Conhecendo sobre Leoni / Paula Toller / Herbert Vianna — Trecho da letra da música “Educação sentimental II”
A proposta é de um debate ou júri simulado, no qual Ainda me lembro aos três anos de idade
a escola é denunciada por atrapalhar, restringir ou pouco O meu primeiro contato com as grades
contribuir na educação das crianças, jovens e adultos. O meu primeiro dia na escola
O professor apresentará a denúncia por meio dos mais Como eu senti vontade de ir embora
variados recursos: depoimentos, músicas e filmes. Os gru- Fazia tudo que eles quisessem
Acreditava em tudo que eles me dissessem
pos favoráveis e contrários, promotoria e defesa (caso seja
Me pediram para ter paciência
um júri simulado), farão uma pesquisa sobre as possibili-
Falhei
dades e experiências que fundamentem a posição do gru- Então gritaram: – Cresça e apareça!
po sobre a escola, durante os debates. Eis a denúncia: Cresci e apareci e não vi nada
Aprendi o que era certo com a pessoa errada
[...]
12 Atividade proposta pelos professores da rede pública do Distrito Federal, Edivaldo Monte dos
Santos, Mário Bispo dos Santos e Pedro de Oliveira Lacerda. Atividade retirada do Caderno de Marcelo Bonfá / Renato Russo — Trecho da letra da música “O reggae”
Sociologia – 2º ano – organizado pelos referidos professores. Brasília, 2008. (mimeo)
Incorporar ao currículo a leitura da cidade, do campo e A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem
do mundo, realizada pelos educandos e educandas, a par- na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas insti-
tir de suas identidades culturais. tuições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organiza-
ções da sociedade civil e nas manifestações culturais. (grifos nossos)
A diretora da Rede Latino-Americana de Cidades Educa-
doras, Alicia Cabezudo (2004), em relação à cidade educadora Ressalta-se que, com este artigo, os legisladores certamente
propõe a seguinte definição: não tiveram o objetivo de minimizar a função educativa da
instituição escolar. “Antes, lembraram a todos os agentes so-
ciais – pais, professores, gestores, especialistas – que o proces-
so educacional não está restrito àquela instituição” (MEC, 2004, p. 12).
Nas sociedades modernas, a educação das novas gerações
tem como referência a escola. Contudo, mesmo nessas socie-
dades, ela vai além dos muros escolares. Em todos os lugares,
ela envolve em grau maior ou menor, as demais instituições
15 Para saber quem são os municípios brasileiros participantes do referido projeto, consulte o site
14 Documento completo disponível em: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/ da AICE: Associação Internacional das Cidades Educadoras: <http://w10.bcn.es/APPS/edupor-
html/715/71560107/71560107.html>. tal/pubPortadaAc.do?idxar=13692>.
Quando Z dança diferente das formigas, o que ele quer Nós vimos que, no início do século XX, a educação era
demonstrar? Nós também temos comportamentos sociais um dos temas presentes nos estudos antropológicos. De
padronizados. Quais são esses comportamentos? acordo com Gusmão, a Antropologia buscava entender
uma possível cultura da infância e adolescência. “Eram te-
mas de suas pesquisas e de seus debates os processos inter-
3. Individualismo x coletividade � culturais infantis e sistemas educativos informais, dentro
de uma concepção alargada de educação”. (1997, p. 3).
Os personagens enfatizam que o indivíduo não é im- Dentre os pioneiros desses estudos, encontram-se
portante. O importante é a colônia, a coletividade, a equi- Franz Boas, Branislaw, Malinowski, Ruth Benedict, Marga-
pe. O indivíduo é simplesmente uma peça do todo. Você ret Mead. Escolha um, dentre esses clássicos, e faça uma
concorda com esses posicionamentos? Por quê? análise de sua concepção sobre educação mostrando uma
possível aplicabilidade nos dias atuais. Gusmão nos lem-
O general gosta de usar a expressão “para o bem da co- bra que “são nomes que certamente, não soam estranhos
lônia”. Por trás dessa frase se esconde a defesa de seus inte- aos ouvidos do estudante de Antropologia, porém que cer-
resses egoístas, mesquinhos e relacionados à manutenção tamente nunca são pronunciados nos corredores de uma
do poder. Tente ilustrar esse tipo de comportamento com Faculdade de Educação”(1997, p. 3).
exemplos de nossa realidade.
ALVES, Rubem. Não esqueça as perguntas fundamentais. In: Jornal Folha de São Paulo,
Caderno Sinapse, 25/02/03.
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Entrevista concedida a Adriana Küchler. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.
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DAUSTER, Tânia (Org.). Antropologia e educação. Rio de Janeiro: Forma e Ação, 2007.
1 Sugestão de atividade para sala de aula Desta forma, para a autora, a condição humana só se reali-
za por intermédio da comunicação entre as pessoas, já que ela
Forme um círculo com os estudantes, deixando um é fundamental para a constituição do social, do público. Esta,
grande espaço vazio ao centro. Explique para formarem por sua vez, só é possível devido à pluralidade humana (ba-
grupos de acordo com o critério que você for estipulando. seada na igualdade e na diferença): se os homens não fossem
A cada nova categoria que você estipular, novos agrupa- iguais, não poderiam entender-se; no entanto, se não fossem
mentos devem ser feitos, de acordo, por exemplo, com: diferentes não precisariam nem da palavra nem da ação para
se fazerem entender.
O gosto de cada um por modalidades desportivas, ma- A escola incrementa a comunicação entre as pessoas e o
térias escolares, estilos musicais, religiões, times de fute- mundo, trazendo mais símbolos, categorias, paradigmas para
bol, pela Sociologia; se perceber e se relacionar com a realidade, além de colocar
em um mesmo espaço diversos indivíduos oriundos de locali-
A localização social de cada um segundo o bairro em zações sociais distintas.
que mora, a naturalidade dos pais, o nível de escolaridade
do responsável, o acesso a computadores, se oriundos de
escola pública ou privada, se repetentes ou não, etc.
Reflita com seus alunos
Características como altura, tamanho do pé, idade, sig-
no do zodíaco, cor do cabelo, etc. Que mecanismos comunicativos a escola lhe propor-
cionou?
Dados totalmente aleatórios, como a cor da roupa. Você ainda pode potencializar a reflexão fazendo a se-
guinte dinâmica: Cada participante da aula dá um exemplo
utilizando apenas uma palavra. Depois, com as palavras re-
00 Obs.: esta brincadeira, além de permitir maior conhe- sultantes, cada grupo escolheria 10 termos e apresentaria,
cimento da diversidade e interação entre os alunos, fornece com estilos expressivos diferentes (dissertação, carta, narra-
uma base concreta para a seguinte problematização: O que tiva, teatro, música, poesia, painel), suas representações sobre
nos faz participantes ou não dos grupos? O que nos diferencia ESCOLA E COMUNICAÇÃO.
e o que nos iguala é fixo ou muda de acordo com o contexto
e categoria estipulados? Os critérios para nos agruparmos são
naturais ou construídos? Aleatórios ou sociais? Vocês foram Sendo a comunicação um elemento cultural fundamental,
colocados na mesma turma, por quê? Quem define o padrão está sujeita aos processos de padronização social. Toda cultu-
para os agrupamentos e relacionamentos aqui na escola? Por ra estabelece regras de produção de sentidos e de discursos
que escolhi estas categorias para agrupar vocês? Que interes- sobre a realidade. Qualquer sociedade controla, seleciona, or-
ses e valores estão por traz dos critérios e padrões? ganiza e redistribui esses discursos através de procedimentos,
visando dominar o que é aleatório e delimitar seus poderes de
Reflita com seus alunos Por isso, genocídios como o ocorrido no Holocausto foram
recorrentes na época moderna: baseados em um discurso do
O que é uma boa escola? Existe escola perfeita? E me- planejamento e do progresso, os agentes especialistas (políticos
lhor? e intelectuais), responsáveis em construir o futuro da humani-
Você ainda pode continuar problematizando: dade, “saneavam” cidades e continentes, já que o presente era
O que falam sobre a sua escola? Existe um discurso pre- infame para as utopias de perfeição de racionalidade universal.
dominante ou existem divergências poderosas? Quais as O Estado moderno, no papel de jardineiro, retirava as “ervas
consequências pedagógicas de cada discurso? daninhas” que atrapalhavam a ordem de prosperar, respaldado
por uma filosofia legislativa e pelo cientificismo estabelecido.
Na linha deste questionamento quanto às políticas ho-
mogenizadoras, João Batista Freire (1994) discute a reprodução
Com o intuito de “melhorar”, ou “consertar”, a realidade e social, analisando o sistema escolar em comparação aos cam-
dar-lhe previsibilidade (buscando-se segurança-controle), pos de concentração e sistema penitenciário idealizado por
surgem discursos e decorrentes políticas públicas racionais, Bentham (o Pan-óptico), fazendo analogias com o sistema de
padronizadoras que, em diversas vezes, desumanizam valores confinamento de animais. Demonstra que é “prendendo” os
e relações. Para Bauman (1999), este é um traço constitutivo da corpos, restringindo seus movimentos, seu espaço de atuação
modernidade: a luta contra a ambiva-
22 A problemática apresentada resumidamente neste parágrafo foi discutida na Mesa Redonda 23 A problemática apresentada resumidamente neste parágrafo foi discutida na Mesa Redonda
“Cidade, Patrimônio Cultural e Espaço Público” do Congresso da Sociedade Brasileira de Socio- “Cidade, Patrimônio Cultural e Espaço Público” do Congresso da Sociedade Brasileira de Socio-
logia, em junho de 2005. Eram debatedoras oficiais na mesa: Ana Clara Ribeiro (UFRJ); Mariza logia, em junho de 2005. Eram debatedoras oficiais na mesa: Ana Clara Ribeiro (UFRJ); Mariza
Veloso (UnB); Paola Berestein Jacques (UFBA); Carmem Beatriz Silveira (UFRJ); Lúcia Lippi de Veloso (UnB); Paola Berestein Jacques (UFBA); Carmem Beatriz Silveira (UFRJ); Lúcia Lippi de
Oliveira (FGV- RJ). O coordenador desta mesa foi o professor doutor Brasilmar Ferreira Nunes Oliveira (FGV- RJ). O coordenador desta mesa foi o professor doutor Brasilmar Ferreira Nunes
(UnB). (UnB).
A direção da escola se apoiava em resultados de anos “Colham enquanto podem seus botões de rosa a velhice
anteriores para determinar o comportamento acadêmi- vem voando, e esta flor hoje viçosa, amanhã estará mur-
co (referente aos estudos) e disciplinar dos seus alunos e chando”
para que pudessem observar com rigor os princípios ali
ensinados. É possível, pela educação, prever, determinar, O poema acima e a expressão “Carpe Diem” (aproveite o
condicionar o comportamento do ser humano? dia) são usados pelo professor para estimular os alunos a
valorizar sua juventude em benefício da luta pela realiza-
Neil, como a maioria dos alunos da escola, se vê forçado ção dos seus próprios ideais de vida. Em que isso contraria
pela família a acatar passivamente as normas da escola e, a perspectiva da escola e das famílias dos alunos?
ainda, seu futuro é como que determinado. Sua realização
profissional e pessoal não depende dos seus próprios in- A juventude de hoje encontra espaço, a partir da educa-
teresses. Como você analisa as afirmações do pai de Neil: ção, para acreditar na luta pela realização dos seus proje-
“Depois de se formar em medicina faça o que quiser. Até lá tos, seus sonhos? Como? Dê exemplos.
fará o que eu quiser. Significa muito para sua mãe.”?
Que práticas de ensino, a seu ver, poderiam estimular os
A aquisição de conhecimento na Academia Welton pa- alunos para o exercício de sua autonomia?
recia ser uma tarefa desagradável, uma vez que o processo
de ensino-aprendizagem se articulava na mera reprodu- Que juízo você faz da atitude de Keating em propor aos
ção de conhecimento, que em muito não parecia contem- alunos que rasguem páginas do livro?
plar os sonhos e ideais de vida de seus alunos. Como o
professor Keating propõe uma ruptura (mudança) nesse O que significa a expressão do professor: Vocês apren-
processo? derão a pensar por si próprios...”?
• ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: A partir disto, troque opiniões com outros colegas e es-
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A partir da análise dos conceitos de estrutura e de estratificação social, serão trabalhadas questões presen-
tes na sociedade contemporânea que possibilitem compreender as diferenças e as desigualdades sociais. As
mudanças sociais, como objeto de análise dos clássicos, também serão estudadas, uma vez que elas ajudam a
compreender questões que afetam diretamente a sociedade em que vivemos. Será analisada a relação entre
educação e mudança social no mundo contemporâneo. Fazem parte do conteúdo da disciplina a análise dos
processos de institucionalização e de socialização e as relações de poder no interior das instituições. Nesse
aspecto, a instituição escolar apresenta-se como referência concreta para a disciplina tratar as questões pro-
postas.
Ementa:
Caro professor cursista, Ao final desta aula o(a) professor(a) cursista deverá:
As palavras e as imagens trazem consigo visões de mundo
e, quase sempre, depois de internalizadas em nossas práticas Conhecer quais os elementos fundamentais que estru-
cotidianas, colaboram para naturalizar uma dada interpreta- turam a sociedade moderna a partir de diferentes visões
ção sobre nós mesmos, os outros e a realidade em que vive- teóricas.
mos. Embora não saibam disso, as crianças são mestres no
ofício do “estranhamento” da vida diária ao nos indagar sobre Analisar as várias formas de estratificação social e sua
os significados aparentemente cristalizados das diferenças a ocorrência nas sociedades contemporâneas.
nossa volta: “Por que eu sou pobre e ele não? Como é que se
faz dinheiro? Quem é o pai e a mãe de Deus? Eu também vou
morrer?”. Algumas perguntas nos deixam visivelmente em-
baraçados. Não só porque talvez não tenhamos uma resposta Conhecendo sobre
convincente, mas devido ao fato de que, provavelmente, exis-
tam muitas e para cada uma delas poderá haver um novo ‘Por
quê?”, “Por quê?”, “Por quê?”. Estrutura social
Ora, bem sabemos que alguns de nós, os adultos, diante de
tantos porquês, às vezes somos tentados a encerrar os questio- Diante da pergunta: “Professor, o que é uma estrutura so-
namentos com uma daquelas velhas respostas que nos foram cial”?, é possível que, para facilitar a aprendizagem, uma das
dadas: “É assim porque o mundo é assim”, “É assim porque primeiras respostas a nos ocorrer seja a de uma “imagem –
Deus quis assim”, “É assim porque tem que ser assim”. Desta comparação” que faça parte do cotidiano do nosso aluno. Di-
forma, não só reproduzimos as estruturas sociais em que vi- gamos que seja algo assim bem concreto, como nos exemplos
vemos como damos aos nossos ouvintes a impressão de que, comumente utilizados da visão de conjunto que se deve ter
além de imutável, a realidade social não é uma construção das partes diferentes que compõem um edifício, os órgãos de
dos indivíduos e grupos que fazem parte dela. Ou seja, a ideia um corpo humano, as peças de um relógio. Porém, sabemos
determinista de que as estruturas sociais nas quais estamos que essas imagens sistêmicas podem nos remeter a uma inter-
inseridos não dependem minimamente de nós. pretação muito simplificada da vida social e, ao contrário do
É uma pena que, ao longo do curso de vida, nós, os adultos, que esperávamos, em nada facilitar a compreensão dos nossos
vamos perdendo a atitude saudável de, sempre que possível, ouvintes/coenunciadores. Neste caso, talvez seja interessante
desnaturalizar as desigualdades observadas à nossa volta, pois ir em busca de uma explicação etimológica, e ao consultar um
se agíssemos dessa maneira colocaríamos em cheque os pa- dicionário da língua portuguesa verificaremos ser “estrutura”
drões que orientam os nossos comportamentos no dia a dia. uma palavra que também nos remete à ideia de disposição, ou
Se você reparar bem poderá perceber que todas as nossas seja, ao modo como as partes estão distribuídas dentro de um
ações ocorrem dentro de estruturas sociais – como a exemplo todo. Vejamos a definição a seguir:
desse projeto de especialização do qual estamos participando.
es.tru.tu.ra sf (lat structura) 1 Organização das partes ou dos
elementos que formam um todo. 2 Arranjo de partículas ou par-
tes em uma substância ou corpo; textura. 3 Arquit Esqueleto ou
armação de um edifício. 4 Disposição e distribuição das partes
de uma obra literária. 5 Composição, encadeamento, urdidura. 6
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação 153
Anat Disposição das diversas partes de um organismo em rela- b No caso daquelas correntes que ressaltam o conflito e a
ção umas às outras [...]. luta, a exemplos de Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920)
MICHAELIS. Dicionário da Língua Portuguesa. In: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/por- (ainda que por caminhos diversos), o foco repousa sobre as
tugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=estrutura.> desigualdades e as contradições que geram as tensões sociais.
Vejamos alguns aspectos das duas concepções:
A concepção de estruturas sociais como uma organização, “Não é a consciência que determina a vida, mas sim a
um sistema reificado, em que as suas partes estão inter-rela- vida que determina a consciência”.
cionadas de forma padronizada, separadas por limites, é uma Na perspectiva marxista, existe uma verdade primária so-
representação recorrente nas definições que encontramos bre o homem: para fazer história, ele precisa estar vivo. E para
nos manuais de Sociologia. Contudo, devemos estar atentos estar vivo precisa comer, beber, ter um lugar para morar, roupas
ao fato de que – diferentemente do que sugerem as imagens para vestir e outros recursos para a satisfação das suas neces-
reificadas de edifícios, corpos e objetos – as estruturas sociais sidades básicas. Portanto, independentemente de sua vontade
são dinâmicas e podem ser interpretadas das mais variadas ou preferência, o homem precisa estabelecer relações determi-
maneiras. Não existe apenas uma visão sobre quais seriam os nadas com outros homens, de forma a subtrair do meio natu-
aspectos mais relevantes para caracterizar e explicar os pa- ral os recursos que garantam a sua sobrevivência. Desta forma,
drões de uma dada realidade social. Grosso modo, ao se levar a estrutura de uma sociedade pode ser pensada em função da
em consideração algumas das perspectivas teóricas clássicas infraestrutura e da superestrutura que a compõem. A primei-
de nossa área, veremos que cada uma delas destaca aquilo que ra é uma dimensão que diz respeito às forças produtivas e as
lhe parecem os pontos mais importantes para a compreensão relações de produção num certo estágio de desenvolvimento
das estruturas sociais. histórico (escravismo, feudalismo, capitalismo). Ela serve de
base para a segunda, que, por sua vez, se refere às instituições
a Representatadas por autores com esquemas analíticos e jurídicas, políticas e as formas de consciência social.
contextos históricos diferentes como Émile Durkheim (1858-1917) São muitas as formas específicas de organização das socie-
e Talcott Parsons (1902-1979) – as teorias funcionalistas enfatizam dades ao longo da História. Nestes termos, ainda que existam
o papel que as partes constitutivas assumem, tendo em vista a diferenças contextuais, vale destacar que a Marx interessava o
integração, o equilíbrio e a estabilidade do sistema. Estes enfo- processo pelo qual os não produtores se apoderaram de parte
ques foram bastante criticados por negligenciarem a dimen- do produto socialmente produzido, concorrendo assim para
são conflituosa da realidade, de reduzi-la a questões patológi- o estabelecimento da propriedade privada, da desigualdade
cas, de disfunção e regulação. Contudo, devemos considerar e do surgimento das classes. Preste atenção no fato de que a
que, embora a sua dimensão crítica possa ser questionada, desigualdade social não surgiu de uma vontade de Deus, de
elas contribuíram para a construção e treinamento do olhar diferenças de atributos naturais e nem tampouco por uma fa-
sociológico no que diz respeito à perspectiva de conjunto dos talidade do destino – é uma construção dos homens, a partir
processos analisados. da apropriação do excedente e da divisão do trabalho social
decorrente dela.
Nestes termos, conforme a afirmação de Sztompka (1985),
para os funcionalistas a ideia de sistema pode ser aplicada a
várias escalas da realidade social. Observe que a sociedade é A compreensão interpretativa da ação social
concebida como constituída de vários subsistemas integrado-
res (estruturas) relativamente estáveis, nos quais a unidade Alguma vez, situado em uma janela de um prédio, você já
social básica é o papel que o indivíduo deve desempenhar. parou para observar e procurar entender a imagem aparen-
Este papel é exercido a partir da posição que ele ocupa num temente “caótica” do conjunto de pessoas passando pela rua
conjunto de inter-relações. Disso decorre que num sistema lá embaixo? Por acaso, teve a curiosidade de querer descobrir
micro como a família, ou meso como o Estado Nacional, ou a razão intrínseca responsável pela existência e continuidade
macro como a realidade ambiental planetária, podemos apli- da vida social? Pois bem, na abordagem weberiana há a indi-
car a lógica funcional que norteia a estruturação da abor- cação de alguns caminhos que podem ser percorridos para
dagem sistêmica. Desta forma, identificaremos neles os ele- investigar e problematizar estas questões. São eles: a impor-
mentos constitutivos, as inter-relações, as suas funções para o tância das ações dos indivíduos para a compreensão da rea-
todo, os subsistemas, os padrões estabelecidos e as condições lidade social e o papel da dominação como fundamento da
naturais. continuidade desta última.
154 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação
O primeiro passo a ser considerado é que os fenômenos d Enfim, para os utilitaristas, com base no pensamento dos
sociais só são passíveis de apreensão a partir do sentido que teóricos liberais clássicos, a explicação sobre o funcionamento
o indivíduo atribui as suas ações sociais, tendo por referên- do mundo social deve levar em consideração que os indivídu-
cia o comportamento dos outros indivíduos. Neste sentido, os, a partir de escolhas racionais, buscam minimizar as perdas
a realidade vivenciada pelo agente está constituída de várias e maximizar os ganhos, ou seja, realizar trocas orientadas pela
dimensões (política, econômica, social, cultural), sendo que relação existente entre os custos e os benefícios de suas ações.
cada uma delas possui a sua própria lógica e, embora este- Neste sentido, a estruturação do bem-estar coletivo está dire-
jam inter-relacionadas, nenhuma se encontra submetida à tamente vinculada à busca de cada indivíduo, o homo econo-
outra de forma determinística. Por sua vez, o segundo passo micus, pela sua própria felicidade.
é compreender a luta agonística que os homens e os grupos
travam entre si para exercer o poder em todas as esferas da Ora, sabendo que não existe um consenso a respeito de
vida social, ou seja, impor a sua própria vontade dentro de que abordagem teórica assumir para discorrer sobre um tema
uma relação social. Ora, quem de nós pode estar fora de algum como estrutura social, sugerimos algumas ideias que conside-
esquema de dominação e obediência? ramos importantes na estruturação dessa aula:
Assim, a ordem específica que irá resultar da luta social
servirá de referência para a orientação do comportamento dos As contradições, as tensões e os conflitos resultantes
indivíduos. Estes, por sua vez, acreditarão que se trata de uma das desigualdades socioeconômicas têm um peso signifi-
ordem legítima. Mas, veja bem, o sentido de que se revestem cativo para a compreensão da dinâmica de uma configu-
os conteúdos das relações sociais é aquele estabelecido pela ração a ser analisada.
vontade dominante – seja na família, na igreja, na escola, no
casamento, no Estado, etc. Entretanto, em termos analíticos, Qualquer estrutura tem caráter histórico, e, embora
não devemos tratar essas instâncias como categorias coletivas as forças de resistência às mudanças sejam poderosas, as
reificadas (coisificadas), mas sim entendê-las pelo prisma das transformações são parte dos processos sociais.
relações sociais que as compõem, pois, no momento em que
cessarem as ações sociais com sentido de onde estas relações As chamadas estruturas sociais tanto constrangem
se desdobram, todas as instâncias citadas perdem o seu sig- quanto capacitam os indivíduos para a ação, ou seja, so-
nificado sociológico e coesão. Em última instância, o que é a mos seres que se orientam pela memória da aprendizagem
realidade social se não um complexo de estruturas de domi- (reprodução) e pela liberdade “condicional” de modificar o
nação em movimento? aprendido (recriação).
c Por sua vez, para os interacionistas, a exemplos de Her- O recorte da vida cotidiana é também uma escala privi-
bert Blumer (1900-1987) e Erving Goffman (1922-1982), percorrendo legiada e um recurso pedagógico fundamental para o de-
o caminho aberto pelos pressupostos da sociologia de Georg senvolvimento da imaginação sociológica. Donde decorre
Simmel (1858-1918), o estudo sobre a vida social deve levar em que as dimensões macro e micro da realidade social estão
consideração a experiência individual decorrente das intera- inter-relacionadas.
ções simbólicas na realidade cotidiana, pois é no face a face
que interpretamos a nós mesmos, aos outros e aos processos Há uma mudança sensível na abordagem quando dei-
nos quais estamos imersos. Assim, quando nos referimos a xamos de considerar a sociedade como uma estrutura rei-
assuntos que comumente estão relacionados à dimensão ma- ficada e passamos a considerá-la como processos de estru-
crossocial devemos nos lembrar que é no dia a dia, na esfe- turação em constante movimento.
ra dos microeventos, que sentimos os seus efeitos imediatos.
Com razão, se adotamos uma visão de estrutura como proces- Enfim,
so em que a interação simbólica tem um importante papel,
tendemos a considerar pertinentes muitas das ideias defendi- Existem conjuntos específicos, feixes de relacionamentos sociais
das nas concepções dos “pragmáticos” sociólogos americanos. que aprendemos a destacar como significativamente importan-
Um exemplo pode ser dado no clássico trabalho de Becker tes para a nossa vida e que tendemos a tratar com linguagem
(2008) sobre o desvio, tendo em vista que, mais importante do reificada: são aqueles que chamamos de grupos, comunidades,
que classificar este ou aquele comportamento como desviante, organizações, instituições, estados-nação. A sua existência como
ele investiga as interações que constroem tais representações, objeto é ilusória. Muito mais do que entidades estáveis que cha-
revelando assim quem fala, de onde fala, para quem fala, por mamos grupos, o que de fato existem são processos constantes
que fala e quais são os diferenciais de poder que percorrem de agrupamento e reagrupamento, existem processos de organi-
esses discursos. zação e reorganização, e não organizações estáveis, existem pro-
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação 155
cessos de estruturação, e não estruturas, formações e não formas, Olhares sobre a estratificação
configurações flutuantes e não modelos rígidos. (SZTOMPKA, 2005, p. 36)
Definir quais são os elementos diferenciadores prepon-
derantes, e como combinam entre si para produzirem a desi-
gualdade, dependerá do conhecimento sobre a estrutura so-
Estratificação Social cial em questão e da interpretação científica/ política que dele
fizermos. O tema da estratificação tem sido um dos principais
É provável que, mesmo no ambiente virtual, muitas das objetos de reflexão da Sociologia desde os seus primórdios.
relações de nossos alunos estejam marcadas por algum tipo Ao estudar a sociedade capitalista moderna, dentre outros
de diferença sistematizada – seja de natureza econômica, etá- objetivos, os autores clássicos construíram teorias e fixaram
ria, sexual, étnica, estética, status, etc. Não raro, ao chegar à conceitos que, de alguma forma, condicionaram a “conversão”
escola, o adolescente traz consigo uma visão naturalizada das do nosso olhar sobre as distinções sociais. De maneira geral,
desigualdades vivenciadas no dia a dia. Há realmente os que embora todos os fatores concorram para tal, o econômico tem
acreditam que os homens nasceram para ser servidos pelas grande peso na realidade de um mercado capitalista global.
mulheres, que a pobreza é vontade de Deus, que os brancos
são superiores aos negros, que a velhice é inferior às outras
etapas da vida, que os gays são aberrações, que os gordos não As classes sociais
podem ser felizes, entre outras.
O conceito de estratificação é utilizado para se referir à Operar com certas terminologias requer, antes de tudo,
desigualdade decorrente de uma distribuição diferenciada de entender de que esquemas interpretativos elas emergem. Um
riquezas, poder, honras e privilégios dentro de uma sociedade, conceito nunca está sozinho, é relacional, designa um aspecto
a partir de uma combinação variada de elementos diferencia- do processo que só pode ser compreendido a partir de sua
dores, ainda que haja a predominância de um ou alguns deles. conexão com os outros conceitos/aspectos que compõem a
Dependendo da forma como a sociedade se ordena/organiza teoria em questão. Assim, não há um consenso sobre o sig-
ao longo da História, podemos perceber os tipos de discrimi- nificado/natureza do conceito de classes sociais, pois as suas
nações produzidas e em que justificativas estão baseadas. Ao variadas definições estão filiadas a visões teóricas e de mundo
apanhar, como exemplo, a estrutura social do Brasil escravis- diferenciadas. A título de exemplo, discorreremos sobre aque-
ta colonial, verifica-se que vários elementos diferenciadores las consideradas definições clássicas mais presentes em nos-
combinados entre si concorriam para produzir as desigual- sas salas de aula:
dades, tais como: o acesso à terra e ao mercado; as prerroga-
tivas de ser homem ou mulher; o fato de ser branco, negro ou a Para o materialismo histórico, a desigualdade está pro-
mestiço; as condições de livre ou de escravo; a assimilação ou fundamente vinculada à estrutura material/de produção de
não do credo cristão; entre outros. A posição de um indivíduo uma época. Nem Marx e nem Engels (1820-1895) deixaram uma
na estrutura dependia desses qualitativos e das suas diversas definição teórica sistematizada de classe social. Contudo, não
relações com os demais dentro de um contexto marcado pela é difícil inferi-la a partir de várias passagens de seus escritos e
existência da arbitrariedade colonialista do Estado português, também da estrutura geral de suas argumentações. Nestes ter-
da concentração fundiária, do escravismo, do modelo moral mos, partindo da análise do capitalismo, mas estendendo suas
de família patriarcal, da segregação étnica, da condição civil e reflexões sobre outras épocas, devemos considerar que, como
da imposição religiosa. propõe Karl Marx, é sempre a relação entre os proprietários
dos meios de produção e os produtores diretos que revela o
fundamento da realidade social. Portanto, a estratificação está
Para lembrar expressa na estrutura de uma sociedade dividida em classes.
Estas não podem ser definidas isoladamente, pois estabele-
A posição de um indivíduo ou de um grupo na estrutura cem entre si uma relação de complemento e contradição. De
social não pode jamais ser definida apenas de um ponto de vis- um lado estão os proprietários, detentores dos meios de pro-
ta estritamente estático, isto é, como posição relativa (superior, dução e do capital, e, do outro, os expropriados, aqueles que só
média, inferior) numa dada estrutura e num dado momento. O têm a força de seu trabalho para vender. A exploração e con-
ponto da trajetória, que um corte sincrônico apreende, contém trole dos primeiros sobre os segundos, respeitando os devidos
sempre o sentido do trajeto social. contextos históricos, vêm sendo uma constante na história
(BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982. p. 7). das sociedades humanas.
156 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação
b Sabemos que o termo liberalismo diz respeito a um Então, nesta concepção, os agentes orientam as suas ações
conjunto de ideias que – defendidas por diferentes auto- a partir de uma posição ocupada por eles dentro de um mer-
res como John Locke (1632-1704), Adam Smith (1723-1790), David cado específico. Nestes termos, é bom ressaltar que a pro-
Ricardo (1772-1823) – propõem a organização da sociedade a priedade não é a única referência para o estabelecimento de
partir de certos princípios filosóficos, morais, políticos, eco- diferenças entre as classes, pois os tipos de serviços que os
nômicos, dentre os quais podemos destacar: a crença na indivíduos podem oferecer no mercado também concorrem
racionalidade do homem; a defesa da propriedade privada para esse processo. Ao apanharmos o exemplo dos trabalha-
como um direito natural decorrente do trabalho; a liberda- dores com níveis desiguais de conhecimento socialmente va-
de de ação dos indivíduos e o seu progresso pelo mérito; a lorizado, poderemos perceber a diferença de situação que eles
igualdade jurídica entre os homens e a eterna vigilância ocupam dentro do mercado. O domínio dos saberes conside-
sobre o poder do Estado; a livre concorrência no mercado rados fundamentais pela ordem econômica estabelecida é um
como mecanismo eficiente para a satisfação das necessida- importante fator no condicionamento do tipo de emprego a
des humanas; a proteção às liberdades civis; entre outras. ser obtido pelo indivíduo, do quanto ele vai ganhar e no estilo
Assim, se o professor opta por fazer uma clivagem da estra- de vida que levará.
tificação a partir da perspectiva liberal, é provável que adote Enfim, assumir uma (ou mais) das concepções (marxista,
a visão atomista (individualista) da realidade contrapondo- weberiana, liberal) como base de sua análise em sala de aula
a à totalidade da vida coletiva, defendendo a ideia de que as requer estar atento às implicações de tais escolhas, tanto no
classes sociais são um resultado das diferenças decorrentes da que diz respeito à relevância pedagógica do que está sendo
divisão do trabalho (produzida pelas trocas entre os homens), discutido com os alunos, quanto às limitações teóricas e às
dos atributos naturais e das disposições apreendidas pelos implicações políticas de cada uma das abordagens. Lembre-se
indivíduos ao longo de sua formação. Desse ponto de vista, de que, se o objetivo do Projeto Pedagógico de nossa comuni-
se for garantida a liberdade para que cada indivíduo utilize o dade escolar for o de ajudar o aluno a desnaturalizar a ideia
seu potencial, certamente ele contribuirá para que a sociedade de estratificação e aguçar a sua percepção crítica sobre a vida
também se beneficie, já que, a partir da livre iniciativa e da de- social precisamos ter como base teorias que ofereçam essas
dicação ao trabalho, ao buscar o melhor para si (a realização possibilidades.
de seus sonhos pessoais) de alguma forma contribuirá para a
um bom desempenho do todo.
Status
c Na perspectiva weberiana, sabendo que o conceito de clas-
se social está relacionado à emergência do capitalismo mo- É possível que em nossas práticas profissionais, sob a in-
derno e à existência de um mercado onde se pode comprar e fluência da perspectiva funcionalista normativa, o conceito de
vender de tudo, um dos critérios fundamentais para distinção status apareça definido como o lugar que ocupamos dentro das
de situação/posição de classe é dada principalmente pelo tipo estruturas sociais a partir de um sistema de valores comparti-
de propriedade utilizável para lucro que o indivíduo possui. lhados. Esta consciência coletiva é considerada a responsável
Contudo, fazer parte de uma classe não significa estar inserido pela coesão da sociedade, tendo em vista que, como propunha
numa comunidade de identidade, mas sim estar numa dada Durkheim (1999), a divisão social do trabalho se apresenta como
situação/posição de mercado que permite uma ação coletiva o fator fundamental para a compreensão da solidariedade or-
de sentido compartilhado. Lembre-se de que, para Weber, a gânica do mundo moderno. Neste sentido, quando observada
classe não é o elemento fundamental para compreensão do a hierarquia de posições nas estruturas sociais deve-se consi-
sistema econômico em questão, mas sim a lógica da empresa derá-la como resultado de uma determinação inata de todos
racional capitalista, pois é a partir desta que os indivíduos re- os sistemas sociais em busca do equilíbrio. Note que este olhar
ferendam os seus interesses. Vejamos a definição: tende a naturalizar as desigualdades e a sublimar o conflito,
pois parte do princípio que a cada indivíduo cabe uma função
Podemos falar de uma classe quando: 1) certo número de pes- específica para a integração social. Assim, no topo, onde se en-
soas tem em comum um componente causal específico em suas contram as profissões mais valorizadas, devem estar os mais
oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente qualificados para isso, e assim sucessivamente.
é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da O conceito weberiano de “grupo de status” também é mui-
posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob to recorrente nos trabalhos sociológicos que abordam a es-
as condições de mercado de produtos ou mercado de trabalho. tratificação do mundo social. Ele pressupõe a expectativa de
(WEBER, 1982) um estilo de vida para aqueles que desejam gozar de certa
estima social. Esta se encontra relacionada com dadas quali-
dades, não necessariamente econômicas, partilhadas por um
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação 157
conjunto de indivíduos, tais como: ocupações e profissões, como um meio de impor fronteiras bem visíveis e reconhecidas
origem familiar e étnica, filiação religiosa, posição etária e de publicamente entre grupos.
gênero. Aqueles que dos grupos específicos fazem parte, ge- (OLLIVIER, 2009, p. 66)
ralmente possuem um forte sentimento de pertencimento aos
mesmos e estabelecem distinções em relação aos que estão
fora, podendo mesmo tratá-los como pessoas de valor huma- As Castas
no inferior. Observe que, nesta perspectiva, a dimensão confli-
tuosa está colocada, pois os grupos disputam para fazer valer Leia o texto abaixo sobre a violência contra os dalits na
a ideia de sua superioridade assim como de tentar garanti-la Índia:
pelo costume ou pela lei. Um exemplo histórico clássico é o da
ordem feudal, em que os indivíduos de origem nobre gozavam
de privilégios e lutaram pela manutenção dos mesmos até as
portas das Revoluções Liberais dos séculos XVII e XVIII. Preconceito – Dalits ainda discriminados na Índia
Uma abordagem original que versa sobre situação de sta-
tus, e consegue tocar em pontos cruciais das anteriores, foi a [...] Na noite de 16 de junho de 2008, Sahebrao Jondhale vol-
desenvolvida por Norbert Elias e John Scotson (2000) a respeito tava para casa com sua caminhonete Tata Sumo quando foi obri-
das relações de poder nas configurações sociais denominadas gado a parar por um grupo de homens que jogaram querosene
de estabelecidos-outsiders. Partindo de um pequeno povoado e atearam fogo no veículo. Jondhale – que vivia no vilarejo de
inglês em que os habitantes não possuíam diferenças substan- Karanjala, no estado de Maharashtra – tinha comprado a cami-
ciais entre si, a não ser o fato de que algumas famílias estavam nhonete com o dinheiro que havia economizado em 15 anos de
ali estabelecidas há mais tempo, os autores discorrem sobre a trabalho na maior metrópole da Índia, Mumbai. Segundo seus
estratificação tendo em vista critérios extraeconômicos como familiares, o crime foi encomendado por pessoas de castas altas
a antiguidade da associação entre as famílias, a intimidade do vilarejo, que se sentiam ofendidas ao verem um dalit ganhan-
emocional e o grau de coesão de grupo. Nestes termos, a es- do mais dinheiro do que eles.
tigmatização dos moradores novos foi construída a partir de Disponívem em: <http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=852951
várias estratégias dos moradores antigos para a manutenção &tit=Dalitstadmidia-src219764-ainda-discriminados-na-ndia>. Acesso: 26 ago. 2010.
do seu poder, entre as quais foi possível observar: o monopó-
lio exercido pelos “estabelecidos” dos cargos de importância Na sociedade moderna ocidental, aprendemos desde mui-
comunitária; a divulgação de representações em que os “outsi- to cedo a valorizar as ideias de liberdade e igualdade como
ders” são tidos como anômicos e imundos (desonra grupal) e garantias fundamentais de nossa existência. Partimos do
eles ordenados e puros (carisma grupal); a fofoca depreciativa princípio de que somos indivíduos emancipados, portadores
sobre aqueles antigos moradores que tentavam romper as re- de direitos, e de que é legítima a busca da própria felicidade.
gras estabelecidas e a valorização daqueles que as obedeciam. Essas ideias nos soam como uma verdade praticamente na-
Então, a partir da análise empreendida nesta pequena comu- tural, incontestável, e que deveria ter valor universal. E é com
nidade, eles fazem inferências sobre as relações de poder entre esse olhar que estranhamos a situação vivida pelos dalits in-
“estabelecidos-outsiders” em configurações maiores. dianos descrita acima, pois nos remete a princípios diferentes
Como é possível de perceber, não diferente do que aconte- de organização/ordenamento social.
ce com o conceito de classe social, devemos estar atentos ao
fato de que o conceito de status também sofrerá alterações de Onde as suas consequências se realizaram em toda extensão, o
acordo com as filiações teóricas nas quais nos situarmos. Des- estamento evolui para uma casta “fechada”. As distinções esta-
ta forma, destacamos aqui as palavras do professor Michèlle mentais são, então, asseguradas não simplesmente pelas conven-
Ollivier sobre a problemática que envolve o uso desse conceito ções e leis, mas também pelos rituais. [...] Em geral, porém os
na atualidade. estamentos só chegam a tais consequências extremas quando há
diferenças subjacentes consideradas como étnicas.
Assim, a sociologia precisa de conceitos de status que sejam, ao (WEBER; MAX. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1982. p. 127)
mesmo tempo, menos e mais ambiciosos que os conceitos clás-
sicos desenvolvidos por Durkheim e Weber. Menos ambiciosos O relato inicial do tópico nos remete à lógica hierárquica
porque o status precisa ser conceitualizado não como um qua- de funcionamento das castas. Ao caracterizar as sociedades
dro integrativo de abrangência total, mas como um mosaico de que assim se organizam e as suas respectivas instituições, é
hierarquias e estratégias múltiplas. E mais ambiciosos porque é preciso também estar atento ao entrelaçamento das coorde-
mais difícil entender como o status opera abaixo da superfície nadas que norteiam as suas rígidas estratificações. Na Anti-
das relações sociais entre indivíduos formalmente iguais do que guidade Clássica encontramos divisões fechadas que se pau-
158 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação
taram principalmente pela lógica da hereditariedade, pois a • Leia sobre “O retrato das desigualdades” (3ª. edição
origem de nascimento determinava a profissão e posição que – 2008) no site do Instituo de Pesquisa Econômica
o indivíduo futuramente viria ocupar na estrutura social – do Aplicada, a partir de dados fornecidos pela Pesquisa
escravo analfabeto ao sacerdote letrado. E, no entanto, como Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
acontece na realidade, alguns critérios de distinção – gênero, Trata-se de uma pesquisa sobre as desigualdades
etnia, religião – vinham inter-relacionados com aquele consi- sociais com recortes em gênero e raça/cor.
derado preponderante. Link: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/081216_
No caso da Índia moderna, a discriminação por casta, ain- retrato_3_edicao.p>.
da que banida desde a Constituição de 1950, mostrou gran-
de flexibilidade e, principalmente no mundo rural, persistiu • É possível encontrar muitos livros de Karl Marx
como uma prática arraigada. Isso significa dizer que se trata disponibilizados para o público virtual. Aqui você
de um processo bem complexo, pois com a urbanização e in- encontrará obras como “A ideologia alemã”, “O
dustrialização as desigualdades respaldadas por base religiosa Manifesto Comunista”, “Uma contribuição para a
misturaram-se com as diferenças sociais de ordem econômi- crítica da Economia Política”, e muitas outras.
ca. Nestes termos, uma posição superior de casta não significa Link: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/
uma posição superior de classe, donde decorre que o dinhei- PesquisaObraForm.jsp>
ro não dilui necessariamente o preconceito – vide o exemplo
do “intocável” agredido na reportagem citada anteriormente. Alguns autores contemporâneos desenvolvem suas pró-
Contudo, desde meados do século passado, a Índia adotou o prias teorias e reflexões sobre a sociedade a partir das aborda-
sistema de cotas, reservando para os dalits cerca de 22,5% de gens clássicas de Durkheim, Weber e Marx. Caso você dispo-
vagas na administração pública e nas universidades federais nha de algum tempo, e tiver acesso às obras, recomendamos
como forma de corrigir uma dívida histórica. E, segundo a as leituras de: �
mídia internacional, milhares destes indianos, classificados
e tratados como párias, estavam convertendo-se ao budismo • BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico.
e ao cristianismo na tentativa de fugirem das estratificações Trad. de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro:
promovidas por certas interpretações do Vedas, o livro sagra- Bertrand Brasil, 2002. Leia o texto “Espaço
do do hinduísmo. social e gênese de classe”, p. 133-161.
Contudo, nunca é demais lembrar que, para o antropólogo
Louis Dumont (1985), o olhar que lançamos sobre o sistema de • BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo – a
casta tem um efeito de mão dupla, pois não revela apenas a transformação da pessoa em mercadoria. Trad. de
lógica ideológica em que se estrutura a organização de uma Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
sociedade tradicional – pautada no princípio da hierarquia Editor, 2007. Leia o texto: “O segredo mais bem
–, revela também os aspectos ideológicos de nossa sociedade guardado da sociedade de consumidores”, p. 7-35.
ocidental moderna baseada no valor do individualismo/igua-
litário. Portanto, são configurações construídas pelos homens Sobre grupos de status: �
e nada possuem de natural. Segundo este autor, ao analisar-
mos o sistema de castas da Índia, reduzindo-a à mera estrati- • Uma análise sobre a pertinência do conceito de
ficação, perdemos de vista o princípio mais importante para status na realidade atual pode ser encontrado
compreensão daquela sociedade: a hierarquia pautada na no artigo “Status em sociedades pós-modernas:
ideologia da pureza/impureza, condicionada por uma ordem a renovação de um conceito”. Michèlle Ollivier.
cósmica transcendente. Onde enxergamos apenas desigualda- Revista Lua Nova, nº 77. São Paulo, 2009.
des, as castas veem o respeito ao princípio da totalidade. Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
64452009000200002&script=sci_arttext>.
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação 159
• Um tom mais claro – Clarear a pele virou obsessão Classe Renda Mensal Renda Mensal
na Índia, um reflexo da antiga divisão em castas. Social (Salário Mínimos) em R$
Link: <http://veja.abril.com.br/180106/p_087.html>. A + de 15 SM + de R$ 6.225,00
B + de 5 SM até 15 SM de R$ 2.075,00 a R$ 6.225,00
C + de 3 SM até 5 SM de R$ 1.245,00 a R$ 2.075,00
Como vimos nesta aula...
D + de 1 SM até 3 SM de R$ 415,00 a R$ 2.075,00
E até 1 SM até R$ 415,00
A escolha de quais abordagens a serem trabalhadas pelo Fonte: Adaptado de PNAD 2008, ABEP 2009 e Fundação Getúlio Vargas.
professor para discutir Estrutura e estratificação social não é Considera salário mínimo vigente em 2008 de R$ 415,00
Atividades de avaliação DUMOND, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moder-
na. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
1 Como vimos, dependendo das escolhas teóricas de um DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
estudioso, as mais diversas explicações podem ser dadas Martins Fontes, 1999.
para um dado fenômeno social. Nestes temos, no que diz
respeito a você, responda à seguinte questão: qual a sua ELIAS, Norbet; SCOTSON, John. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações
classe social? Faça uma pesquisa sobre a sua família e ve- de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
rifique as variáveis de nível de instrução, moradia e renda.
Há muitas diferenças entre vocês? Quantos conseguem se GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
diferenciar da média? Analise os resultados encontrados
e apresente ao monitor as suas conclusões acerca do seu OLLIVIER, Michele. Status em sociedades pós-moderna a renovação de um conceito.
pertencimento a uma determinada classe social. Lua Nova. n. 77. São Paulo, 2009.
160 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 1ª Aula: Estrutura social e estratificação
2� aula
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização 161
das normas e regras impostas a eles. Nestes termos, vários
princípios concorrem para a eficiência dessa conformação, Pense sobre:
tais como: a força da socialização primária da criança, a
partir da educação familiar; a importância da socialização “Para compreender alguém, é preciso conhecer os
secundária, nas instituições que serão frequentadas fora de anseios primordiais que este deseja satisfazer. A vida faz
casa; o peso maior das relações de longa duração e os exem- sentido, ou não, para as pessoas, dependendo da medida
plos daqueles que são considerados afetivamente mais pró- em que elas conseguem realizar tais aspirações. Mas os
ximos, entre outros. Por conseguinte é possível afirmar que anseios não estão definidos antes de todas as experi-
sem a socialização institucional a adaptação dos invidíduos ências. Desde os primeiros anos de vida, os desejos vão
à sociedade seria, senão impossível, muito difícil de ser rea- evoluindo, através do convívio com outras pessoas, e vão
lizada. sendo definidos, gradualmente, ao longo dos anos, na
Entretanto, para autores adeptos da abordagem do intera- forma determinada pelo curso de vida” (ELIAS, NORBERT, 1995).
cionismo simbólico, o uso desta concepção funcional periga
induzir a um sentido limitado da realidade em questão, uma
vez que em tal abordagem a ideia de socialização parece apre-
sentar os seguintes problemas: privilegia a dimensão normati- Seguindo este raciocínio, podemos citar as contribuições
va institucional, dando margem para leituras estigmatizantes de diferentes autores para o desenvolvimento de uma aborda-
dos comportamentos que fogem aos padrões estabelecidos; gem interacionista dos processos de socialização: do pragma-
dificulta a compreensão de que a socialização é fruto de pro- tista William Thomas (1863-1947), ao elaborar o termo definição
cessos amplos, contínuos, não lineares e nem restritos ao perí- de situação (apud Becker, 1996), entendendo-a como a avaliação das
odo da infância; hipostasia a ação do adulto nessa empreitada, possibilidades feita pelo indivíduo antes da ação; G.H. Mead
assim como minimiza a possibilidade de alguma autonomia (1934), ao operar com os conceitos de “mente’, “self ” e “outro” ge-
por parte da criança; e tende a perceber a relação indivíduo- neralizado na análise do ato social; Erving Goffman (1985), ao
sociedade de forma dicotômica e, às vezes, coisificada. Desta fazer analogia entre as interações humanas e o teatro com
maneira, o professor que adota tal perspectiva corre o risco seus bastidores, fachadas e molduras; Herbert Blumer (1984), ao
de construir com o aluno uma ideia de socialização seguindo cunhar o conceito de interacionismo e dar continuidade aos
uma via de mão única, em que se fortalece o papel da ordem estudos de Mead; apenas para citar alguns. Observe que esses
constituída e se negligencia a margem de liberdade dos indi- autores, cada um à sua maneira, ao adotarem a perspectiva
víduos acerca de suas experiências. interacionista abriram espaço para a socialização ser pensada
Ora, se o uso da terminologia socialização parece limita- em seus mais variados processos (em todos os momentos de
do pelo caráter normativo do funcionalismo, o mesmo não nossas vidas), numa via de mão dupla, considerando o equilí-
acontece com a concepção de “processos de socialização”, que brio entre as pressões normativas das chamadas instituições
se encontra ancorada na abordagem formalista do sociólogo sociais e a relativa liberdade de que gozam os indivíduos dian-
Georg Simmel (2006) de que, nessa entidade chamada socieda- te de tais condicionamentos.
de, os indivíduos estão inter-relacionados, exercendo influ-
ências múltiplas entre si. Desta forma, não é possível operar
com a ideia de uma sociedade cristalizada, pronta, que se
coloca acima do indivíduo, mas sim com a ideia de processo Para não esquecer:
de sociação expressando a dinâmica das interações e levan-
do em consideração os tamanhos dos grupos, as relações de “A sociedade não é algo estático, acabado; pelo contrá-
dominação e subordinação, os conflitos, os conhecimentos e rio, é algo que acontece, que está acontecendo. O objeto
segredos que possuímos uns sobre os outros. (FILHO, 1983) da sociologia são esses processos sociais, num constante
fazer, desfazer e refazer, e assim sucessivamente. É
através de múltiplas interações de uns-com-os-outros,
contra-os-outros e pelos-outros que se constitui a socie-
dade, como realidade inter-humana” (FILHO, 1983).
162 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização
digital stock
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uma tarefa fácil. Como vimos na nossa primeira aula, pode-
mos esquematicamente relacionar algumas correntes teóricas
que, cada qual à sua maneira, proporciona abordagens espe-
cíficas da realidade social. Portanto, em relação às instituições
sociais não será muito diferente, também selecionaremos três
daquelas interpretações – o funcionalismo, o materialismo
histórico dialético e a sociologia compreensiva – e inferire-
mos sobre as suas implicações. Vejamos, então.
Para o funcionalismo, as instituições são essenciais para
o desempenho harmônico da sociedade, ou seja, elas nascem
das necessidades de controle e satisfação da ordem social. Por
isso representam a consolidação das normas, das regras e/ou
leis que formam uma consciência coletiva, possibilitando as-
sim a integração entre os diversos membros da sociedade. Sob A polícia enquanto braço armado da ordem. Centro de Convenções de 26 de junho de 2010 em
a ótica de Durkheim, podemos observar que as instituições, Toronto, Canadá.
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização 163
seja desempenhando um papel ativo na reprodução social ou, Os indivíduos e grupos lutam em todas as esferas da vida
pelo contrário, quando conscientes da exploração e organi- social para impor aos outros os conteúdos e sentidos que es-
zados politicamente, lutando pela transformação. Nestes ter- tejam mais consonantes com os seus interesses, de forma que
mos, basta lembrarmos da importância dada por um teórico e para os que vão obedecer pareça legítimo orientar as suas
ativista político marxista como Gramsci à dimensão transfor- ações por aquelas determinações. Nestes termos, o que cha-
madora da escola no seu projeto de revolução cultural, ou seja, mamos de instituições sociais nada mais são do que organi-
zações que só têm sentido a partir das ações e relações sociais
[...] Assim, a escola criadora não significa escola de inventores e que as constituem na luta. Como disse Weber (2002, p. 46), “um
descobridores; ela indica uma fase e um método de investigação Estado perde seu significado sociológico tão logo se torne pro-
e de conhecimento, e não um programa pré-determinado que vável que cesse de manifestar qualquer espécie de ação social
obrigue à inovação e à originalidade a todo custo. Indica que a com sentido”. Essa ideia também é aplicável à família, à escola,
aprendizagem ocorre notadamente graças a um esforço espontâ- ao mercado e a tantas outras instituições.
neo e autônomo do discente, e no qual o professor exerce apenas Enfim, podemos afirmar que as instituições sociais, para
a função de guia amigável, como ocorre ou deveria ocorrer nas a sua correta compreensão, devem ser pensadas como rela-
universidades. (GRAMSCI, 1991, p. 125) cionais. Elas são interdependentes. Em nosso cotidiano fica
visível a conexão entre elas, basta observarmos como a famí-
Por sua vez, na perspectiva weberiana temos que levar em lia, a escola, a igreja, o mercado e o Estado mantêm entre si
consideração que as instituições não são instâncias reificadas relações de convergência e divergência. Em outras palavras, a
e, para compreendê-las, dependeremos das relações sociais transformação numa instituição gera reações e mudanças nas
que lhes servem de base. Já reparou como no dia a dia, em demais. Utilizemos para isso dois exemplos. O primeiro diz
muitas situações, nutrimos expectativas a respeito do com- respeito a um processo histórico de grande amplitude: a pas-
portamento das outras pessoas, e vice-versa? Para Weber, o sagem do sistema feudal de produção para o capitalista não
conceito de relações sociais abarca essa situação em que vá- implicou somente numa transformação das relações econô-
rios indivíduos estão envolvidos e cada um espera que o outro micas, mas também marcou o surgimento dos trabalhadores
se comporte de acordo com aqueles conteúdos de sentidos livres, as transformações nas relações familiares e a criação
compartilhados dentro de uma dimensão da realidade. Mas de novos aparatos jurídicos para garantir a igualdade de to-
o que garante que os indivíduos obedecerão a uma dada or- dos perante a lei. Ao estudarmos o período, descobrimos que
dem, mantendo a regularidade dos conteúdos de suas ações não foram poucos os homens e as instituições que reagiram às
e relações sociais? Isso só será possível a partir do esquema mudanças, pois as entendiam como nefastas para a sociedade
dominação – obediência. como um todo.
O segundo exemplo pode ser apanhado na atualidade, o
problema sobre quem deve e por que deve ser responsabili-
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164 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização
00 Sugestão: O Estatuto do Idoso propõe que a discussão sobre Conhecendo mais sobre
o envelhecimento seja incluída nos currículos da Educação Básica
no Brasil. Depois de ler a reportagem, reflita sobre como essa temá-
tica poderia ser trabalhada em aulas de Sociologia do Ensino Médio. Bem sabemos que uma discussão como instituições e so-
cialização possui vários aspectos que, por questões curricula-
res e de duração do tempo de aula, nem sempre temos como
abordá-los. De qualquer forma, ficam aqui algumas dicas de
Pesquisadores analisam violência leitura de livros e artigos que poderão ajudá-lo a ampliar e
contra idosos no Brasil aprofundar a discussão que estabelecemos nessa aula: �
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização 165
Maria Torraca de. Fonte: Psicol. Soc. 17(1): 48-55, Como vimos nesta aula...
ND. 2005 Apr. SciELO Brasil Idioma(s): Português.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-71822005000100007&lang=pt>. Pela perspectiva funcionalista, a socialização pode ser de-
finida como o processo de internalizar nos indivíduos valores
• Uma reflexão sobre o processo de socialização e e padrões comportamentais aceitos. Nestes termos, as insti-
construção de identidades a partir da interação entre tuições têm o papel de acomodá-los às regras e aos costumes
a família, a escola e a mídia pode ser encontrada vigentes na sociedade, dificultando o surgimento de condutas
em: Família, escola e mídia: um campo com novas consideradas desajustadas ou supostamente desviantes. En-
configurações. Autor(es): SETTON, Maria da Graça tretanto, na concepção do interacionismo simbólico, devemos
Jacintho. Fonte: Educ. Pesqui. 28(1): 107-116, ND. tratar a “socialização” como processos de socialização, tendo
2002 Jun. SciELO Brasil Idioma(s): Português. em vista que o sujeito socializado não é passivo e interage em
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ várias instâncias de sua vida, podendo fazer escolhas com cer-
arttext&pid=S1517-97022002000100008&lang=pt>. ta margem de liberdade.
Vimos também que, dependendo da abordagem teórica
• Em sua obra clássica “Manicômio, prisões e a ser adotada, as instituições sociais receberão diferentes in-
conventos”, o sociólogo Ervin Goffman discorre sobre terpretações acerca da sua natureza e papel: no caso do fun-
as características das instituições totais/fechadas, cionalismo, elas são consideradas vitais para o equilíbrio do
mostrando como os indivíduos são segregados em sistema; no materialismo histórico e dialético, expressam as
seu interior, discorrendo também sobre a carreira contradições e desigualdades de classes; na sociologia com-
moral do doente mental, o modelo médico e a preensiva, não podem ser reificadas, pois expressam sentidos
hospitalização psiquiátrica. Caso seja possível ter que resultam das lutas, que, por sua vez, têm como base as
acesso ao livro: GOFFMAN, Erving. Manicômios, ações sociais dos indivíduos.
prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2008,
não deixe de ler o capítulo “As características
das Instituições Totais”, da página 13 a 108.
Atividades de avaliação
• Para ter uma visão panorâmica da violência
cometida contra idosos no Brasil, leia o texto
Idosos vítimas de maus-tratos domésticos: estudos 1 Avalie o uso das abordagens funcionalista e interacionis-
exploratórios das informações levantadas nos ta da “socialização” em termos de sua contribuição para a
serviços de denúncia. Autoras: Maria Tereza construção de uma nova postura cognitiva de nosso aluno
Pasinato; Ana Amélia Camarano; Laura e para o exercício crítico dos seus direitos de cidadão. Será
Machado. Rio de Janeiro, julho de 2006. que as duas contribuem para isso? Discorra sobre a sua
Link: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/ conclusão e compare-a com a dos outros colegas profes-
td_1200.pdf>. sores.
• Caso queira ter acesso a textos diversos para pensar 2 Muitos importantes autores já discorreram sobre o pro-
uma forma de incluir e organizar a discussão do envelhe- cesso de socialização analisando minuciosamente as fases
cimento no currículo da sua escola, consulte o material percorridas pelo indivíduo em seu desenvolvimento so-
disponível no site da Universidade Aberta da Terceira Ida- ciocognitivo ao longo da vida. Faça uma pesquisa e com-
de, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro pare, sinteticamente, o que propõem George. H. Mead, em
Link: <http://www.unati.uerj.br/>. sua teoria dos três estágios, Sigmund Freud, em sua teoria
da psicanálise, e Jean Piaget com as etapas do desenvolvi-
mento cognitivo.
166 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização
Referências MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1999.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Cou- WEBER, MAX. Conceitos básicos de Sociologia. Trad. de Rubens Eduardo Ferreira Frias e
tinho. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. Gerard Georges Delaunay. São Paulo: Centauro, 2002.
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 2ª Aula: Instituições sociais e socialização 167
Relações de poder
3� aula
As famílias
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições 169
políticas a mesma atenção que dão ao comportamento sexual dos idosos; a extensão aos homens do direito de recebimen-
e à família” (1975, p. 175). Esta inter-relação fica ainda mais percep- to de pensão alimentícia em relações estáveis. Muitas dessas
tível na defesa exaustiva que as instituições religiosas fazem empreitadas foram consubstanciadas em algumas legislações,
do que entendem ser o comportamento sexual adequado para como no próprio Código Civil de 2004, nos casos do Estatuto
o casal e o modelo de família aceitável aos “olhos de Deus”. da Criança e do Adolescente, A Lei Maria da Penha para coi-
Note que na definição dos tipos de família, no parágrafo bir a violência contra a mulher, o Estatuto do Idoso, com um
anterior, utilizamos como base a relação sexual e afetiva en- conjunto de direitos para os cidadãos acima de 60 anos, as
tre homens e mulheres para estruturar o conceito em ques- propostas dos projetos de união civil entre pessoas do mesmo
tão. Contudo, essa referência vem se mostrando cada vez mais sexo, e a criminalização da homofobia, só para citar algumas.
limitada quando a utilizamos para analisar a variedade de Por outro lado, como não poderia deixar de ser, a mudança
arranjos familiares que encontramos na atualidade. Quem de do modelo tradicional de família para os arranjos atuais tam-
nós não conhece ou assistiu a uma telerreportagem tratan- bém trouxe alguns desafios que acabarão exigindo uma nova
do de famílias homoparentais (em que o casal é formado por resposta da sociedade. Vejamos o caso das famílias nucleares
pessoas do mesmo sexo), monoparentais (em que são forma- marcadas por um forte processo de individualização. Nelas, os
das apenas por um dos pais) ou anaparentais (em que não direitos dos membros e os seus projetos individuais assumem
existe casal ou presença de ascendentes)? Muitas jurispru- grande importância; por outro lado, as funções protetoras de
dências, decisões de tribunais de justiça acerca de matérias outrora tendem a declinar, em especial os cuidados com os
semelhantes, vêm sendo produzidas a partir das demandas idosos dependentes, com os adultos doentes, com os porta-
que emergem dessas configurações e que encontram respaldo dores de deficiência física e, de certa forma, com as crianças.
na Constituição de 1988, na medida em que esta se pauta pelo Afinal, as pessoas precisam sobreviver, e o tempo urge para
princípio da dignidade da pessoa humana. que elas corram atrás de seus sonhos. E há de se levar em
Como sugere Giddens (1993), as mudanças que se operam consideração que, no modelo tradicional de família, a trans-
em nossa intimidade são a maior revolução em curso na atua- ferência de apoio aos membros necessitados recaía preferen-
lidade. De um modelo de família tradicional – predominante cialmente sobre os ombros das mulheres – como se fosse uma
em boa parte do século XX, de caráter econômico (a proprie- responsabilidade natural (e em muitos casos ainda é assim,
dade como base do casamento), extensa (grande número de em vários lugares do Brasil). Entretanto, com o aumento da
membros), baseada na assimetria de poder (as ordens ema- participação delas no mercado de trabalho – a legitimação
nando do pai e a escassez de direitos para os demais mem- dos seus desejos de realização –, é inegável a necessidade de
bros), dominada pela lógica do sexo para a reprodução (com se rediscutir a solidariedade entre os membros da família, as-
foco na virilidade masculina e na virtude feminina da mater- sim como a responsabilidade do Estado na oferta de creches,
nidade) – caminhamos para uma variedade de configurações escolas, postos de saúdes, abrigos, etc. De outra forma, os mais
que, guardando as devidas diferenças, estão orientadas pelo penalizados serão os mais pobres, uma vez que, não dispondo
que Giddens entende ser o tipo ideal de uma democracia das de rendimentos para contratar os serviços especializados no
emoções. Ou seja, as relações atuais dos diversos modelos de mercado, enfrentarão o seguinte dilema: ou bem cuidam da
família tendem a ser orientadas pela ideia de igualdade de di- sobrevivência material e de seus projetos pessoais, ou bem se
reitos e obrigações, que se estrutura no diálogo e na confiança dedicam a cuidar dos familiares necessitados. Muito embora
decorrente da intimidade construída entre os envolvidos. possam existir alternativas entre esses polos.
Baseados no último Código Civil (2004), não devemos nos re-
ferir a um pátrio poder, mas sim ao poder familiar. A mudan-
ça de terminologia nos remete ao fato de não mais ser possível A escola
operar com a ideia de um poder autoritário da figura mas-
culina paterna, impondo regras e normas aos outros mem- Quando pensamos em educação, pensamos na escola. Essa
bros da família. Nas últimas décadas do século XX, sensíveis associação imediata não é errada. Não obstante, deve-se res-
mudanças vieram sendo operadas na realidade social, dentre saltar que a educação é mais abrangente que a escola. Ela pode
elas: a desvinculação entre a prática sexual e a reprodução, acontecer dentro ou fora do espaço escolar, de maneira siste-
legitimando a ideia de prazer e de diversidade de gêneros; a mática ou assistemática. Se, nesse tópico, iremos privilegiar a
proliferação das práticas anticoncepcionais, possibilitando à escola como uma instituição social é principalmente pelo fato
mulher o controle sobre o seu corpo e a procriação; a luta de de que, hoje, a educação se tornou uma atividade de especia-
minorias sexuais, como gays e lésbicas, em busca do reconhe- listas. Basta olharmos à nossa volta para identificar o grande
cimento dos seus direitos civis; a aprovação da lei do divór- número de peritos que se encontram envolvidos com o tema.
cio; a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes; o Ou como você pensa que foi estruturada essa especialização e
movimento a favor do reconhecimento da dignidade humana elaborada a apostila?
170 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
Pensar e analisar a escola enquanto instituição é entendê- mente a di inGLÊS”, “ tem meus amigos”, “ pq estudar é uma
la como um espaço de regras, normas, costumes, entrecruza- droga mas as pessoas que a frequentam que me viciam”.
mento de culturas específicas e, evidentemente, marcado por Enfim, na maioria das mensagens fica patente a importân-
tensões nas relações sociais ali estabelecidas. Por tudo isto, cia da escola para o encontro com os amigos, fazer as “zoações”
a escola pode ser pensada também como um lugar de dis- e realizar as paqueras. Se entrevistássemos os pais, professo-
puta de poder. Essa disputa se mostra em vários momentos: res, pedagogos, especialistas, certamente obteríamos outros
na eleição da direção, na duração do intervalo entre as aulas, padrões de respostas, em que as expectativas acerca das ra-
na escolha dos horários e das turmas, nas relações com os zões da escola existir poderiam passar por caminhos como
dirigentes e os alunos, na escolha dos currículos, entre ou- “ensinar a ciência”, “para ajudar o aluno a ser alguém na vida”,
tros. Sim, nos currículos! Afinal, quando escolhemos o que “para levar o pobre a conseguir um bom emprego”, “para fazer
ensinar, escolhemos da mesma maneira o que ensinar e para o aluno passar no vestibular”, “para desenvolver o potencial
quem ensinar. A aparente simplicidade destas questões ocul- das pessoas”, “para civilizar”, “preparar o aluno para a socie-
ta relações de poder que acabam privilegiando, de alguma dade tecnológica”, entre outras respostas possíveis. Diante da
forma, este ou aquele conteúdo, este ou aquele público, esta diversidade de expectativas dos sujeitos que travam relações
ou aquela visão de mundo. “Selecionar é uma operação de dentro e fora do ambiente educacional formal, é importante
poder. Privilegiar um tipo de conhecimento é uma operação desnaturalizar nossa percepção ao perguntar:
de poder”, ou seja, o tipo de currículo escolhido implica no
tipo de conhecimento que se deseja passar, o tipo de ser hu- “A escola serve para quê, afinal?”
mano ideal para uma determinada sociedade. Em outras pa-
lavras, não existem currículos neutros, eles sempre são frutos Os três grandes autores clássicos da Sociologia, cada qual
de disputas sobre o conhecimento ideal para formatar o ser à sua maneira, empreenderam estudos sobre a Educação.
humano ideal para agir idealmente em determinada socie- Durkheim e Weber tiveram uma preocupação mais sistemá-
dade. (SILVA, 2001) tica e escreveram diretamente sobre o tema; por outro lado,
Ao navegar pela INTERNET, mais especificamente pelo nos escritos de Marx a preocupação com a educação se insere
ORKUT, encontramos uma comunidade nomeada com aque- em seus trabalhos numa clara percepção da mesma enquan-
la velha pergunta “Mas... você vai ser professor?”, destinada to difusora da ideologia dominante. Todavia, assim como no
àquelas pessoas que decidiram pelo magistério, com mais de que concerne ao Estado, não encontramos em Marx uma te-
vinte mil membros, num tópico em que se pergunta o que oria sobre a educação, ou mais precisamente um tratamento
mais elas escutam dos conhecidos ao saberem de sua opção. da educação como tema específico como a encontramos em
As respostas recorrentes foram: “Caramba, você é louca?”, “Ca- Durkheim e, um pouco menos, em Weber. Note que podere-
raca, nasceu para ser pobre, hein?”, “Que desperdício!”, “Nossa, mos inferir sobre o papel da escola a partir da interpretação
mas você podia ter feito medicina, tão inteligente!”, “Ah, você é que cada um faz sobre o significado da educação numa dada
novo, depois faça alguma coisa que dê dinheiro”, “Já que você realidade social.
teve a oportunidade de estudar, deveria ter escolhido algo que Para Durkheim (2001, p. 52), a educação é “a ação exercida pe-
desse futuro, veja o exemplo do seu primo”. E por aí em diante. las gerações mais antigas sobre os que ainda não estão prontos
Como é possível perceber, ao contrário do que ocorria nos pri- para a vida social. Seu objetivo é despertar e desenvolver na
mórdios da República, o magistério parece ser uma profissão criança os estados físicos, intelectuais e morais exigidos dela
bastante desvalorizada e de baixo status social. pela sua sociedade, de modo geral, e pelo meio ao qual está es-
Por outro lado, também encontramos muitas comunida- pecificamente destinada”. É sabido que o autor compreende a
des referentes à relação das crianças e adolescentes com a es- passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna
cola. Numa delas, com mais de cinquenta mil membros, num industrial como o momento do aparecimento do indivíduo.
tópico em que se pergunta “Por que você ama a escola e odeia A sua definição de educação reflete a preocupação com esse
estudar?” lemos muitas respostas similares e nada surpreen- processo de individualização propiciado pela divisão do tra-
dentes para quem trabalha na Educação Básica, “ pq os bro- balho. Afinal, com o enfraquecimento da consciência coletiva
thers ta lá pa nois zuá”, “orshii pra bagunçar, resenhar, deishar e, por conseguinte da moral social, é possível a continuidade
os professores doiidoo, hehehe”, “pq tem os gatinho, rs rs “, “pra da sociedade? Esse enfraquecimento não representaria a ano-
zuuar, pegar as minas, etc”, “na escola é muito masssssa! joga mia? Como evitar o “esfacelamento” da sociedade? A resposta
futebol com os amigos, exer os nerds de porrada! Zuaaaaaa- de Durkheim está em sua percepção quanto ao papel da edu-
aaaaaaarrrrrrrrrrrrrr, cabular aula”, “por q é o único lugar em cação.
que os pais naum mandam na gente temos liberdade”, “eu amo A sociedade não pode existir sem certa homogeneidade.
a escola pq lá em smp mi encontro com mentes perturbadas Nesse sentido, é necessária uma educação básica comum a to-
com a minha e tbm pq eu amo perturbar os prof, principal- dos os membros da sociedade, pois, a despeito da diferencia-
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições 171
ção promovida pela divisão social do trabalho, é preciso com- Esse tipo de educação forja um novo homem, um homem
preender que sempre existirão crenças e valores comuns que obediente à dominação racional-legal.
devem ser transmitidos para todos. Donde se depreende que a Weber claramente se coloca de forma resignada em rela-
educação possui dois momentos essenciais: no primeiro, uma ção a esse novo mundo, um mundo altamente burocratizado
educação básica comum a todos, com a finalidade transmitir e desencantado. Para ele, a educação deveria preparar o ho-
valores e crenças comuns; no segundo momento, tendo em mem para uma conduta de vida. Isso implica na pedagogia
vista a diferenciação, a educação deve ser vista como o meio do cultivo. Esta se caracteriza pela formação do homem culto,
para adequar as crianças a seu meio social. do homem integral, preparado para a reflexão e para o com-
Assim, espera-se que o indivíduo aprenda a diversidade portamento social, enfim uma educação que possibilitasse o
de profissões, que fortaleça o espírito nacionalista e, mais, desenvolvimento pleno do ser humano. Todavia, esse tipo de
aprenda e compartilhe com a moral própria do seu grupo de educação foi suplantado pela racionalidade e pela burocrati-
origem. Por tudo isto, é fácil inferir o papel que cabe à escola: zação que tornaram crescente a importância dos especialistas.
o de concorrer para o processo de socialização a partir da re- Da constatação da irreversibilidade da burocratização e, por
produção dos padrões estabelecidos. Se bem que, para evitar consequência, da prevalência da pedagogia do treinamento
anacronismos, não devemos negligenciar o fato de tal visão em relação à pedagogia do cultivo, podemos compreender
ter representado um avanço em relação às concepções peda- que a educação, em Weber, extrapola a ideia de que ela seja a
gógicas de cunho teológicos do final do século XIX e início do preparação do indivíduo para a manutenção da ordem social.
século XX. Karl Marx não tem a educação como seu objeto de pesqui-
Na perspectiva weberiana, a educação pode ser vista como sa, e sim a sociedade capitalista. Para ele, como já foi possível
um meio de distinção, de obtenção de poder, dinheiro, honras ver na aula número 1 deste módulo, as classes fundamentais
e status. Para entender essa percepção deve-se levar em conta do capitalismo são: os proprietários dos meios de produção
o processo de racionalização, seleção social e burocratização (a burguesia) e o proletariado. Essas classes fundamentais se
que consagram o mundo moderno. Assim, segundo Weber, caracterizam pelo antagonismo, pela oposição e pela comple-
agir em sociedade é orientar-se pela expectativa de como os mentaridade, onde uma é a exploradora (burguesia) e a outra
outros irão se comportar tendo como base os regulamentos a explorada (proletariado). Essa dominação se constituiu por
sociais vigentes. Dessa maneira, a vida em sociedade deve nos um duplo processo de expropriação, pois a burguesia retirou
permitir que as ações das outras pessoas sejam inteligíveis, e, do trabalhador duas coisas: os meios de produção e o saber
para que isso aconteça, é necessário que as pessoas estejam fazer. Sem os meios de produção para a vida material, e ex-
convencidas de que a obediência às normas será boa para to- propriado do saber fazer, não restou outra coisa senão vender
dos. Introjetar e obedecer à norma é agir racionalmente. É de a sua força de trabalho ao capitalista. Doravante o trabalho,
outra forma desencantar o mundo, abandonar o mágico e as sob o domínio do capital, assume caráter alienado, posto que
suas concepções para justificar a dominação e a administra- passa a ser percebido como uma atividade fora do controle do
ção pessoal. O que Weber expõe é que a sociedade caminha trabalhador. A esse processo de alienação se junta à fetichiza-
inexoravelmente para o aumento da racionalização e da buro- ção. Esta última, simplificando bastante, implica no não reco-
cratização. Isto posto, o Estado Moderno aparece sob o domí- nhecimento do trabalhador individual da mercadoria como
nio cada vez mais especializado do que Weber denomina de parte do seu trabalho na divisão social do trabalho. Assim, as
dominação racional-legal. relações entre os homens são compreendidas como coisa.
Se o Estado Moderno prescinde de especialistas, isso signi- O que tudo isso tem a ver com a educação? Para Marx, não
fica que o Estado necessita de um quadro burocrático, ou seja, existe uma educação neutra. A educação escolar sistemática
de profissionais especializados para administração impesso- é compreendida como uma forma utilizada pelos domina-
al e legal da instituição. Desses pressupostos é que podemos dores para perpetuar a exploração de classe, disseminado a
pensar o significado ou o sentido da educação para Weber, ideologia dominante para tornar natural entre os operários o
em especial sua distinção entre pedagogia do treinamento e modo burguês de viver. Por outro lado, por contradição, essa
pedagogia do cultivo. Para o Estado Moderno faz-se urgente mesma escola foi pensada como um importante instrumento
uma educação baseada na pedagogia do treinamento. O que para realização da emancipação humana. Marx via, na escola,
é, afinal, a pedagogia do treinamento? É a forma de preparar a possibilidade de romper com a divisão entre trabalho ma-
as pessoas para tornarem-se especialistas habilitados a de- nual e intelectual. Por isso julgava contraproducente a escola
sempenhar certas tarefas. A educação baseada na pedagogia em tempo integral, bem como se colocava contra a escola pú-
do treinamento é uma maneira de restringir e monopolizar blica patrocinada pelo Estado. Em relação à escola em tempo
alguns postos de trabalho àqueles que possuem títulos educa- integral, sua crítica se baseava no pouco rendimento escolar e
cionais, numa clara expansão dos especialistas em detrimen- porque o estudo em tempo integral impedia a combinação ne-
to do antigo homem culto – com formação mais abrangente. cessária entre trabalho manual e intelectual. Já em referência
172 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
à escola pública ofertada pelo Estado, por entender que este é Ao longo da história do pensamento político, diversos
um Estado da classe dominante, enquanto tal o ensino oferta- autores discorreram sobre a natureza geral dessa instituição
do pelo Estado só poderia “inculcar” os valores dominantes e chamada Estado. Pelo perfil deste trabalho, é inviável fazer
perpetuar a exploração. uma comparação entre todos eles demonstrando seus respec-
Para romper com a separação entre trabalho manual e in- tivos contextos históricos, as visões de mundo a que se filia-
telectual, Marx defendia – o que hoje pode nos parecer um vam, suas convergências e divergências teóricas em tão curto
completo absurdo – a justaposição entre o trabalho e a escola. espaço de tempo. Assim, não desconhecendo a existência de
Essa conjunção, em conformidade com seu pensamento, po- várias possibilidades de recortes para a análise do Estado, aqui
deria levar aos filhos dos operários a retomada da totalidade abordaremos aquelas concepções sobre a sua natureza que
do saber fazer, rompendo com o trabalho parcializado. Essa são mais recorrentes nos nossos livros didáticos, nos textos
educação era mais eficiente do que qualquer conteúdo doutri- midiáticos e nos discursos da comunidade escolar. Vejamos
nário que ensinasse ao filho do operário que ele era explorado. algumas delas.
Era mais eficiente porque, conjugando trabalho e educação, Uma matriz muito difundida entre nós é a que defende a
ela formaria um novo homem, capaz de livrar a nova geração ideia de que o Estado resulta de um contrato social feito pelos
do caráter unilateral imposto pela divisão do trabalho. indivíduos que, percebendo os perigos reais e virtuais do esta-
Enfim, do de natureza – considerado como domínio desregrado das
Não temos uma resposta fechada para a pergunta que fize- paixões, dos instintos, dos desejos desenfreados e da ausência
mos, pois a escola será aquilo que os homens quiserem que ela de leis –, teriam aberto mão da liberdade de que estavam re-
seja, a partir do reconhecimento de sua interdependência com vestidos em nome da suposta segurança que usufruiriam no
as outras instituições e com o paradigma predominante numa “estado de direito” – considerado domínio da razão, do contro-
época. Mais importante do que procurar definir uma natureza le das paixões e império das leis. Note que no centro dessa con-
a-priori para a escola, devemos antes buscar entender as inter- cepção se encontra instalada a sensação de profundo medo.
pretações que os agentes dão para essa experiência, tendo em
vista as relações de poder conflituosas estabelecidas ao longo [...] existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o
do processo histórico. Em cada contexto, a escola foi domina- medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos
da por uma dada concepção: religiosa, humanista, civilizató- soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, [...] cantaremos
ria, tecnológica, libertadora, etc. Muitas pessoas acreditavam o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morre-
nessas diretivas e lutaram por elas. Muitos não acreditavam e remos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amare-
lutavam contra elas. E você? Tem uma concepção sobre para las e medrosas. (ANDRADE, Carlos Drummond de. Congresso Internacional do medo.
que serve a escola? Você luta por ela? Consegue perceber a Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema015.htm. Consultado em
concepção de educação que prevalece na sua escola? 20/04/2010)
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições 173
mãos dos proprietários dos meios de produção, tendo em vis- Então, quando voltamos à pergunta inicial sobre o que
ta que os seus aparelhos – como a polícia, a justiça, a burocra- ocorreria a uma pessoa que rasgasse os seus próprios docu-
cia – funcionassem a favor dos seus interesses. Nesta lógica, mentos, não pagasse os impostos e desobedecesse às leis, cer-
podemos perceber o Estado em suas variadas formas histó- tamente muitos de nós enfatizaríamos as imensas dificulda-
ricas e de comandos: absolutista, liberal, liberal-democrático, des que este indivíduo encontraria para operar com questões
socialista, de bem-estar social. Note que, por sua vez, no cen- básicas do cotidiano, sem falar nas sanções e punições de que
tro dessa concepção marxista da política se encontra o senti- seria vítima, pois, como o personagem de Kafka, nós também
mento de indignação com a exploração do homem realizada somos prisioneiros na jaula de ferro da burocracia moderna.
pelo próprio homem. Note que, ao darmos continuidade à nossa argumentação,
poderíamos ter por referência qualquer uma das três concep-
[...] Quando os dominadores falarem, falarão também os do- ções discutidas acima, acentuando este ou aquele aspecto que
minados. Quem se atreve a dizer: jamais? De quem depende a nos parecesse mais pertinente para análise: a quebra de um
continuação desse domínio? De quem depende a sua destrui- contrato social; a rebeldia diante de uma opressão de classe;
ção? Igualmente de nós. Os caídos que se levantem! Os que es- o não reconhecimento da legitimidade de uma dada ordem.
tão perdidos que lutem! Quem reconhece a situação como pode
calar-se? Os vencidos de agora serão os vencedores de amanhã.
E o “hoje” nascerá do “jamais”.1
Conhecendo mais sobre
Por sua vez, para Weber (1982), independente da base em
que se sustenta, o poder é a oportunidade existente de, numa
relação social, você impor a sua própria vontade aos demais. • Uma análise instigante sobre as relações de poder nas
Isso é passível de ocorrer em todas as esferas de nossas vidas. instituições sociais pode ser encontrada no trabalho
Contudo, quando há a probabilidade de encontrar obediência de Michel Foucault a respeito do caráter disciplinar
de um grupo a um determinado mandato, estamos numa si- das instituições de sequestros do mundo moderno,
tuação de dominação que, sendo legítima, pode ter por base como a fábrica, a escola, os hospitais psiquiátricos, os
diferentes fontes de autoridade. No caso do Estado Moderno, conventos e os presídios. Segundo o autor, norteada
trata-se de dominação legal, de tal forma que pretende o uso pela concepção do panoptismo (a lógica de um espaço
legítimo e o monopólio da força física dentro de um determi- vigiado), estas organizações controlam o tempo, o
nado território. Nesse sentido, é uma estrutura política direti- corpo, o saber e a existência do indivíduo que imerge
va de controle social tendo por base a racionalização da buro- em seus domínios, de forma a fixá-lo no sistema.
cracia, da justiça e, em última instância, do uso da força física. Caso tenha acesso ao livro: FOUCAULT, Michel.
Portanto, a violência é parte constitutiva dessa dominação do Vigiar e Punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987, não deixe
homem sobre o homem, da luta que os indivíduos e os grupos de ler o capítulo “Panoptismo”, da p. 162 a 192.
estabelecem para impor as suas vontades dentro de uma dada
relação social. Contudo, devemos reforçar a ideia de que a au- • Se quiser um filme divertido e instrutivo para tratar da
toridade legítima depende sempre da validação daqueles que velhice e das relações de uma família extensa, assista
a ela estão submetidos, seja pela força da tradição, do vínculo ao “Parente é serpente”, filme italiano, de 1992, direção
emocional, da fé e/ou da lei. de Mario Monicelli, roteiro de Carmine Amoroso, Suso
Cecchi D’amico, Piero de Bernadi, Mario Monicell.
[...] Alguém devia ter caluniado a Josef K., pois sem que ele ti- Trata-se da história de uma família funcionalmente
vesse feito qualquer mal foi detido certa manhã. A cozinheira harmônica, até o momento em que, na festa de natal,
da senhora Grubach, sua hospedeira, que todos os dias às oito os pais idosos anunciam que pretendem morar com
horas lhe trazia o desjejum, não se apresentou no quarto de K. um dos seus filhos. Então, começa o jogo de empurra-
nessa manhã. [...] Que espécie de homens eram estes? De que empurra e vem à tona uma série de segredos e
estavam falando? A que departamento oficial pertenciam? En- revelações acerca da vida particular de todos da casa.
tretanto, K. vivia em um Estado Constitucional no qual reinava a Link: <http://www.filmesparadownloads.com/parente-e-
paz, no qual todas as leis estavam em vigor, de modo que quem serpente-parenti-serpenti-dublado/>.
eram aqueles que se atreviam a invadir a sua casa? (KAFKA, 2006, p. 39)
• A gravidez na adolescência tem se constituído num
tema recorrente dentro da realidade escolar. Leia
1 Antologia poética, de Brecht. Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantolo-
o seguinte artigo, que dá margem para discussão
gia.htm#Os%20que%20lutam>. fora dos parâmetros do senso comum, “Ser
174 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
alguém na vida: uma análise socio-antropológica • A utopia social na Constituição
da gravidez/ maternidade na adolescência, em Federal, de Bruno Garschagen.
Belém do Pará, Brasil. PANTOJA, Ana Lídia Nauar. Link: <http://www.ordemlivre.org/node/886>.
Caderno de Saúde Pública. v. 19. RJ, 2003.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ • Balanço do Neoliberalismo, de Perry Anderson.≤
arttext&pid=S0102-311X2003000800015&lang=pt>. Link: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/
balanconeolib.html>.
• Uma discussão interessante sobre a variedade com
que as famílias eram retratadas nos clássicos da
literatura social brasileira pode ser encontrada no
artigo “Modelos nacionais e regionais de família Como vimos nesta aula...
no pensamento social brasileiro”, de Candice Vidal
e Tarcísio Rodrigues Botelho. Revista Estudos
Femininos. v. 9, nº 2. Florianópolis, 2001. O poder não está localizado em um lugar privilegiado de
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ onde emanam ordens, normas, leis e restrições através do uso
arttext&pid=S0104-026X2001000200006&lang=pt>. legítimo da força ou do consenso. Ao contrário, o poder está
presente em todas as instituições sociais e faz parte do nosso
Nas últimas décadas do século XX foi travada uma grande cotidiano, mesmo que não consigamos percebê-lo como tal.
discussão entre os adeptos de um Estado mínimo e os seus As relações sociais que estabelecemos ao longo da vida são
críticos. No caso da América Latina, mais especificamente permeadas por concepções e práticas de poder e estas têm
no Brasil, tivemos e ainda temos muitos embates em torno importância crucial na estruturação do perfil das instituições
da experiência que ficou conhecida como “neoliberal”. Nos das quais participamos.
artigos que se seguem, você encontrará autores defendendo
posições ideologicamente diferentes acerca das atribuições do
Estado: �
Atividades de avaliação
• Assalto ao Estado e ao mercado, neoliberalismo
e teoria econômica. Luís Carlos Bresser-Pereira.
Estudos Avançados. V. 23, nº 66. São Paulo, 2009. 1 Liste as instituições das quais você participa ao longo de
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ sua semana. Discorra sobre as relações de poder existente
arttext&pid=S0103-40142009000200002&lang=pt>. nelas e os papéis que você desempenha nessas interações.
Elabore uma atividade que possa motivar um aluno de En-
• Institutos liberais, neoliberalismo e políticas públicas sino Médio a pensar a diversidade de papéis que ele tam-
na Nova República. Denise B. Gros. Revista Brasileira bém assume ao participar de diferentes instituições.
de Ciências Sociais. V. 19. nº 54. São Paulo, 2004.
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ 2 No tópico referente ao Estado, a ideia resumida de cada
arttext&pid=S0102-69092004000100009&lang=pt>. autor veio acompanhada de um texto literário. Relacione
esses textos com as argumentações que foram desenvol-
• As origens imperiais do desenvolvimento vidas acerca das abordagens, mostrando como cada uma
estatista, de William Easterly. delas tem implicações diferentes para a construção e exer-
Link: <http://www.ordemlivre.org/textos/717/>. cício da cidadania.
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições 175
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176 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 3ª Aula: Relações de poder no interior das instituições
Teorias sociológicas
4� aula
da mudança social
Carlos Eugênio Lemos • José Henrique Organista
Iniciando nossa conversa zadas dentro do lar. Do exposto, podemos verificar as relações
entre grandes e pequenas transformações. Cabe ressaltar mais
uma vez que nem todas as modificações são rapidamente per-
Caros Professores Cursistas, cebidas, e devemos ter o cuidado de não interpretar qualquer
Certamente, algumas vezes em sua vida, você deve ter mudança como sinônimo de “bom”, de “avanços”, pois igno-
pensado algo assim: “Caramba! Que monótono, nada muda, é rar a importância das permanências, das tradições, seria um
tudo sempre a mesma coisa!”. Muitas vezes temos a impressão equívoco perigoso.
ou a certeza de que vivemos num círculo: acordamos, levanta-
mos, tomamos café da manhã, saímos para trabalhar ou estu-
dar, almoçamos, retornamos das nossas atividade, chegamos
em casa, tomamos banho, jantamos, assistimos à televisão, e Propondo objetivos
dormimos. Dia após dia tudo indica que nada muda. É como
se o tempo passasse e nada mudasse. Mas será que realmente
vivemos num mundo sem mudanças e de “prisões” de longa Ao final desta aula o(a) professor(a) cursista deverá:
duração? Será que, no caso de haver mudanças, todas são re-
almente perceptíveis? Entender que as mudanças sociais podem ser pensadas
De imediato, embora nem sempre percebamos, podemos a partir de teorias diversas e que cada opção encerra vi-
afirmar que não existem sociedades sem mudanças. Elas po- sões de mundo diferenciadas.
dem ocorrer por meio de transformações abrangentes, como
por exemplo as revoluções, ou de forma menos acentuada, que Refletir sobre a ideia de que a sociedade pode ser pen-
afeta rapidamente o cotidiano, como por exemplo as transfor- sada enquanto processo.
mações no mundo do trabalho ou mesmo aquelas que dizem
respeito aos costumes, valores, hábitos, etc. A primeira é de
mais fácil percepção, posto que é mais abrangente, enquanto a
segunda, por vezes, nem a notamos em virtude de nossa pre- Conhecendo sobre
ocupação cotidiana assim como também pela falta de tempo
para refletirmos sobre ela. Isso mostra a nossa crescente capa-
cidade de adaptação. Em tempo, é bom ressaltar que não exis- As mudanças sociais
tindo sociedades sem mudanças, de uma forma ou de outra
somos afetados por elas, tanto pelas grandes transformações As mudanças sociais, como dissemos acima, acontecem
quanto pelas de menor envergadura, e, em geral, os dois tipos em todas as sociedades e em todos os tempos. Não obstan-
se relacionam. te, duas revoluções modernas marcaram e impulsionaram os
Para termos uma ideia da relação entre os dois tipos de estudos sobre elas na contemporaneidade e, até mesmo, con-
mudanças, pensemos nos meios de comunicação. Vivemos tribuíram para o surgimento da sociologia: são a Revolução
numa época de compressão do tempo e do espaço. Hoje, te- Francesa (1789) e a Revolução Industrial (1780). A primeira rom-
mos celulares, videoconferências, aulas a distância, enfim, co- peu definitivamente com aquela configuração em que o Rei,
municação instantânea. Essa revolução microeletrônica afe- enquanto representante do divino na Terra, concentrava em
tou sobremaneira nosso cotidiano e nossas relações sociais, suas mãos o poder absoluto. A queda da realeza simbolizou
econômicas e políticas. São comuns campanhas políticas pela a radical transformação na busca por igualdade política e so-
internet, abaixo-assinados, informações trocadas, ou seja, es- cial. Por outro lado, a Revolução Industrial condicionou em
paços virtuais de cidadania. As relações de trabalho também novas bases as instituições sociais, principalmente a partir
foram modificadas, e, hoje, muitas ocupações podem ser reali- da importância de que se revestirá a relação entre o capital,
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social 177
o trabalho e o mercado. Ambas as Revoluções “sacudiram” o que em seu modelo sistêmico conseguiu refinar e generalizar
mundo ocidental, enfraqueceram a hegemonia das tradições e as proposições organicistas, de tal forma que ainda hoje muito
deram maior visibilidade às questões sociais como resultantes do escopo conceitual utilizado na análise da mudança social é
das ações voluntárias dos seres humanos. “refém” dessa visão. (SZTOMPKA, 2005)
Diante de tamanhas transformações, muitos estudiosos De maneira geral, a concepção de mudança social que po-
desenvolveram teorias para tentar entendê-las, obviamente demos inferir da análise do funcionalismo tradicional é de
que priorizando aspectos e questões diferentes do processo natureza evolutiva, de ênfase na cumulação demográfica e no
em questão. Não se esqueça de que esses homens respondiam progresso de direção unilinear. Durkheim (1999) retrata os pro-
aos problemas colocados por sua época e que, dialeticamente, blemas decorrentes da passagem de uma sociedade “simples”
sofriam as influências dos condicionamentos do tempo histó- para “complexa”, da solidariedade mecânica para a solidarie-
rico em que viviam. De modo que, conforme propõe Certeau dade orgânica, da heterogeneidade e individualização do ho-
(1988), as elaborações precisam ser pensadas a partir do lugar mem na vida coletiva. A preocupação dele orientar-se-á para
social do autor, tais como vínculos políticos, institucionais, de questões como integração social e as diversas estratégias de
estratificação, etc. Nestes termos, ideias tão caras ao mundo manutenção do equilíbrio sistêmico. Dito isso, não significa
oitocentista como evolução, organismo, progresso, função, en- afirmar que ele negasse as mudanças sociais, mas sim que a
tre outras, poderão constar, de maneira direta ou sublinhar, sua percepção se dava na perspectiva do equilíbrio funcional
em maior ou menor grau, nos discursos de alguns deles. Veja- das instituições em relação ao todo. Do mesmo modo, o es-
mos aspectos de suas interpretações para a natureza da mu- trutural funcionalismo parsoniano, que dá prosseguimento
dança social. a essas ideias, mantém a separação entre estática e dinâmica
social.
A pluralidade de abordagens Neste contexto, considera-se como mudança social aquela que
ocorre dentro do sistema e que o abrange. Mais precisamente,
a Augusto Comte (1798-1857) foi um dos grandes sistematizado- ela corresponde à diferença entre os vários estados sucessivos de
res do pensamento social positivista no século XIX. Em sua um mesmo sistema. [...] A razão da ênfase na mudança estrutu-
concepção teórica havia duas dimensões imprescindíveis na ral talvez seja a maior frequência com que ela leva a mudanças
sociologia: a dinâmica social e a estática social. A primeira era da, e vez de na sociedade. A estrutura social é uma espécie de
constituída pelos elementos que concorriam para o progresso esqueleto sobre o qual a sociedade e suas operações estão fun-
societal, pois se tratava das condições de existência do mudo dadas. Quando o esqueleto muda, todo o resto também tende a
coletivo. Quanto à segunda, seria a responsável pelo estabe- mudar. (SZTOMPKA, 2005, p. 27 e 30)
lecimento dos limites, da coesão e da manutenção da ordem
– donde se destacava a importância das instituições sociais. A b Por outro lado, teremos algumas análises que se afastarão
relação entre as duas dimensões era vital, de forma que sem da ideia de uma natureza direcional linear das mudanças so-
a ordem não seria possível haver o progresso. Assim, todos os ciais. São as chamadas teorias cíclicas. De forma muito resu-
movimentos que pudessem colocar em xeque a ordem justifi- mida, podemos caracterizá-las pela defesa de abordagens que
cariam uma intervenção social que buscasse a integração dos concebem determinados processos sociais como recorrentes
elementos desajustados a um objetivo comum. Sem dúvida, no tempo e no espaço, de que a vida coletiva realiza um movi-
a lei dos três estados do espírito humano, desenvolvida por mento cíclico e não está necessariamente conduzida por um a
Comte, pressupõe que a mudança possui uma direção unila- priori evolucionista e progressista, e de que as mudanças po-
teral. dem ocorrer tendo em vista um padrão cultural que se repete
em épocas diferenciadas, numa espécie de “eterno retorno”. A
Na esteira de tal visão, posteriormente, Herbert Spencer esta perspectiva estão filiados autores de diferentes matizes
(1820-1903),
ao fazer uma analogia entre sociedade e organismo ideológicos e que guardam muitas diferenças teóricas e analí-
biológico, cunhou uma diferenciação que se tornou recorren- ticas entre si. Podemos citar o trabalho de Vilfredo Pareto (1848-
te no campo das Ciências Sociais, o de estrutura significando 1923) sobre o caráter recorrente da dominação das elites; Töyn-
configuração da totalidade social e o de função significando bee (1889-1975) com a análise sobre o nascimento, crescimento e
transformação. Note que estas proposições se desdobraram no desaparecimento das civilizações; Piritim Sorokin (1889-1968) e o
uso corrente das ideias de sincronia (permanência) e diacro- seu modelo histórico, tendo por centro a dimensão cultural
nia (mudança), nas quais a sociedade é vista como entidade compreendida em três fases (ideacional, sensorial e mista);
reificada e se apresenta distinta do seu próprio funcionamen- para citar alguns exemplos.
to. Estas concepções foram levadas à frente por uma influente
escola sociológica do século XX, o estrutural funcionalismo,
178 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
c Weber, outro de nossos autores clássicos, em sua sociolo- As mudanças sociais promovidas pela burguesia foram con-
gia compreensiva estudou as mudanças sociais a partir das sideradas importantes, mas limitadas. A sociedade ainda era
crenças e valores individuais, procurando relacioná-las com o dividida por classes, e os antigos privilégios estamentais fo-
advento e consolidação do capitalismo. Em sua análise sobre a ram, tão somente, substituídos por outros. Era necessária a
ética protestante, interessava-lhe demonstrar que as condutas, emancipação humana, e esta só seria possível com o fim do
normas e crenças individuais constituíram-se como “facilita- capitalismo. Mas, como chegar ao fim do sistema capitalista?
dores” para a existência do novo sistema que emergia. A valo- Através da luta de classe, especialmente pela conquista do Es-
rização do trabalho, a desconstrução do lucro como pecado, a tado. Quem faria a revolução? A classe operária. Somente ela,
contenção de gastos, um modo de vida racional e disciplinado por não ter nada a perder, tinha condições de pôr fim ao sis-
sustentaram no ocidente a criação de um novo homem. Esse tema capitalista e, por consequência, a emancipação de toda
novo homem baseava suas ações em valores racionais e legais a sociedade.
que implicaram no desenvolvimento do capitalismo.
A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias
Nesse mundo de transformações valorativas, o surgimento tem sido a história da luta de classes. Homem livre e escravo,
do aparato burocrático-legal ou especialista constituía uma li- patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e com-
mitação para a mudança social. Isso explica a resignação pes- panheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante
simista de Weber com a burocracia e sua visão ao denominá-la oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora
como “jaula-de-ferro” do mundo moderno. Entretanto, há um disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma trans-
espaço para a mudança nessa prisão da racionalização instru- formação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição
mental. E o sujeito responsável por isso é o líder carismático. das duas classes em luta. (MARX; ENGELS, 2001, p. 01)
Dominação carismática em virtude de devoção afetiva à
pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais (carisma) e, Ou, como propõe BRECHT (1898-1956),
particularmente: faculdades mágicas, revelações ou heroísmo,
poder intelectual ou de oratória. O sempre novo, o extracoti-
diano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam Nada é impossível de mudar
constituem aqui a fonte da devoção pessoal. Seus tipos mais
puros são a dominação do profeta, do herói guerreiro e do Desconfiai do mais trivial,
grande demagogo. (WEBER, 1986, p. 134-135) na aparência singelo.
Porém, não podemos esquecer que a obediência que os E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
“apóstolos” dedicam ao líder carismático existe enquanto ele Suplicamos expressamente:
portar os atributos que o tornam um sujeito especial. E mais, não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
mesmo com toda a força da renovação, da emoção, da nature- pois em tempo de desordem sangrenta,
za irracional, o carisma acaba por ser enquadrado na ordem de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,
estabelecida e cumprindo o destino fatídico de enquadramen- de humanidade desumanizada,
to na disciplina da ordem instituída. nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de
mudar.
d Por sua vez, Marx é outra referência quando a discussão Disponível em: <http://www.culturabrasil.pro.br/brechtantologia.htm#Os%20que%20
se trata de mudanças sociais. Em primeiro lugar, ele não esta- lutam>. Acesso em 26 ago. 2010.
va interessado na manutenção da ordem, da harmonia ou da
coesão social. Ao contrário, lhe interessaram os mecanismos
que tornavam a ordem possível num mundo de conflitos, de Enfim, apresentamos sinteticamente algumas abordagens
interesses divergentes e contraditórios. Sua preocupação foi sobre as mudanças sociais sem a ilusão de ter feito referência
explicar a dominação e a exploração burguesa. Dito de outra à maioria dos seus autores e às suas respectivas interpreta-
forma, ele se preocupou em desnaturalizar a ordem estabe- ções. De sorte que, embora não haja consenso sobre a natu-
lecida, indo para além das aparências, demonstrando o que reza das mudanças sociais, concordamos com algumas das
entendia ser a essência das contradições sociais. considerações de Sztompka (2005), na medida em que tal com-
preensão sobre o tema da mudança social tem relação dire-
Marx não ignorou os avanços e a positividade de alguns ta com as práticas sociais dos agentes. Assim, devemos estar
processos da sociedade burguesa, mas não se contentou com atentos aos seguintes fatos: as teorias são construídas e desen-
os mesmos. Não se contentou, por exemplo, com os avanços volvidas dentro de certos contextos históricos e institucionais;
políticos promovidos pela Declaração dos Direitos do Homem na atualidade, a ênfase dos teóricos da mudança social recai
que, em sua análise, separou o homem em burguês e cidadão. mais sobre as práticas interdependentes dos sujeitos do que
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social 179
sobre esquemas evolutivos prescritivos da realidade humana; Há filmes que retratam dramas individuais e sociais decor-
a sociedade deve ser entendida como processo e não como rentes dos processos históricos que mudaram o perfil de uma
uma entidade reificada e/ou hipostasiada; a esfera macrosso- época. Destacamos aqui: �
cial interfere na micro, e vice-versa; num sistema existe uma
pluralidade de mudanças que podem estar inter-relacionadas,
evidenciando desta forma a complexidade do mundo social • Adeus Lênin (Good Bye, Lenin! ).
em que vivemos. Dir.: Wolfganger Becker. Roteiro: Bernd
Lichtenberg e Wolfgang Becker. X-Films
Creative Poll (Alemanha, 2003)
Aborda a história de uma família em que a mãe, mili-
Conhecendo mais sobre tante comunista, acorda de um coma depois da queda do
Muro de Berlim. Ela terá que se defrontar com um mundo
bem diferente daquele a que estava acostumada. Por sua
No decorrer de nossa exposição, pela natureza deste tra- vez, o filho tentará maquiar a realidade para que a mãe não
balho, fizemos a opção por certas abordagens teóricas. Porém, tenha um choque e volte a ficar debilitada.
entendemos ser importante que o professor conheça as de-
mais para formular as suas considerações, e também tenha • Quase Dois Irmãos.
referências sobre outros ângulos da discussão. Assim, indica- Dir.: Lúcia Murat. Roteiro de Lúcia Murat e
mos a leitura dos textos, artigos científicos e capítulo de livros Paulo Lins. Taiga Filmes (Brasil, 2004)
que se seguem: � Aborda o encontro, na década de 70 – período da dita-
dura militar, de dois universos distintos dentro da peniten-
• Capítulo I: “Conceitos fundamentais no estudo ciária de Ilha Grande: os prisioneiros políticos e os prisio-
da mudança”. In: SZTOMPKA, P. A sociologia neiros comuns. Esse encontro é de particular importância
da mudança social. Trad. Pedro Joergensen Jr. para, posteriormente, se compreender o crime organizado
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. no Brasil.
Link: <http://books.google.com.br/books?id=647aoer-6Mo
C&pg=PA30&lpg=PA30&dq=Sztompka,+estrutura
r+o+livro&source=bl&ots=dDNanTdQbF&sig=gqH
BCFoXr7BUOvULELp3G2pP2tg&hl=pt-BR&ei=fgCVS- Como vimos nesta aula...
57CLYiXtge7nfTUCg&sa=X&oi=book_result&ct=result&re
snum=1&ved=0CAYQ6AEwAA#v=onepage&q=&f=false>
Existem diversas teorias que abordam o tema das mudan-
• “Teorias da mudança social: as perspectivas ças sociais. Elas devem ser pensadas como uma resposta que
lineares e as cíclicas”. REZENDE, Maria os agentes, de acordo com o seu lugar social e os dilemas de
José de. In: Revista de Ciências Humanas. sua época, dão para a clássica questão acerca da dinâmica do
Florianópolis, EDUFSC, n. 32, out 2002. mundo social. As nossas escolhas teóricas em sala de aula não
Link: <http://www.cfh.ufsc.br/~revista/edicoes_revista32. são aleatórias e nem tampouco podem ser arbitrárias, preci-
htm>. sam estar relacionadas ao Projeto Pedagógico de nossa escola,
entendendo este como resultado do diálogo e das lutas trava-
• “Mobilidade de classe no Brasil em perspectiva das nas escalas macro e micro de nossa realidade. Lembre-
comparada”. RIBEIRO, Carlos Antônio Costa; SCALON, se sempre daquela máxima do Sztompka (2005, p. 16): “O que as
Maria Celi. DADOS. v. 44. Rio de Janeiro, 2001. pessoas pensam sobre mudança social é fundamental para
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ que elas passem à ação, e, por conseguinte, influencia decisi-
arttext&pid=S0011-52582001000100004&lang=pt> vamente o próprio curso e as perspectivas da mudança”.
180 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
Atividades de avaliação
2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social 181
Referências
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
CERTEAU, Michel de. A operação histórica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. História:
novos problemas. Trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
SZTOMPKA, P. A sociologia da mudança social. Trad. Pedro Joergensen Jr. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 2005.
WEBER, Max. Sociologia. (Org. Gabriel Cohn). São Paulo: Ática, 1986.
182 2º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 4ª Aula: Teorias sociológicas da mudança social
Educação e mudança social
5� aula
no mundo contemporâneo
Carlos Eugênio Lemos • José Henrique Organista
Ao final desta aula o(a) aluno(a) deverá: É fato, também, que, com a interdependência globalizada dos lu-
gares e a planetarização dos sistemas técnicos dominantes, estes
Entender que as transformações sociais percebidas no parecem se impor como invasores, servindo como parâmetro na
cotidiano estão relacionadas a mudanças na reestrutura- avaliação da eficácia de outros lugares e de outros sistemas téc-
ção da produção e do trabalho em âmbito mundial. nicos. É nesse sentido que o sistema técnico hegemônico aparece
como algo absolutamente indispensável e a velocidade resultan-
Refletir sobre o significado da educação na cena atual, te como um dado desejável a todos que pretendem participar, de
levando em consideração a perspectiva dos “Sete saberes pleno o direito, da modernidade atual.
necessários para o futuro”, de Edgar Morin, focada na reli- (SANTOS, 2000, p. 124)
gação dos saberes.
A reestruturação do capitalismo a partir da década de 70
do século XX, na passagem do seu modelo fordista para o de
acumulação flexível, teve por base a implantação de novas for-
mas de organização, de tecnologias da produção e de concep-
ções de trabalho. O princípio do “just-in-time”, o tempo hábil,
22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo 183
se tornou a palavra chave da logística empresarial dominante, A generalização da depressão deve ser levada em conta não das
na tentativa de vencer o dito “pesado” passado fordista. De fato, vicissitudes psicológicas de cada um ou das ‘dificuldades’ da vida
o aumento na velocidade do tempo de giro do capital mantém atual, mas, sim, da deserção da res publica que foi limpando o
relação com a intensificação do campo da troca e do consumo terreno até o advento do indivíduo puro, do Narciso em busca de
(HARVEY, 1989). E como somos uma sociedade de consumidores, si mesmo, obcecado por si mesmo e, assim sendo, suscetível de
incorporamos esse sentido de urgência em nossas buscas de enfraquecer ou desmoronar a qualquer momento diante da di-
satisfações estimuladas e oportunizadas pelo mercado. Nestes versidade que enfrenta desarmado, sem força exterior. [...] Enve-
termos, fica fácil imaginar a importância adquirida pelos cai- lhecer, engordar, enfear, dormir, educar os filhos, sair de férias....
xas eletrônicos, os cartões de crédito, os comércios eletrônicos, tudo se transforma em problema. As atividades elementares se
as terceirizações, o self-service e outras modalidades facilita- tornam impossíveis.
doras que exemplificam a expansão da ideia de que a veloci- (LIPOVETSKY, 2005, p. 28 e 29)
dade é a marca constitutiva dos agentes vitoriosos.
Não é interesse dessa aula discutir as diversas interpreta-
A sociedade de consumidores, em outras palavras, representa o ções que existem para o que se denomina globalização. Aqui,
tipo de sociedade que promove, encoraja ou reforça a escolha como propõe Hobsbawm (2000), estamos definindo-a como um
de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas, e conjunto de atividades ligadas ao desenvolvimento do capita-
rejeita todas as opções culturais alternativas. Uma sociedade em lismo, mas que não se limitam aos seus aspectos econômicos,
que se adaptar aos preceitos da cultura de consumo e segui-los tendo em vista que dependem da supressão dos empecilhos
estreitamente é, para todos os fins e propósitos práticos, a única técnicos, assim como de vencerem os limites impostos pe-
escolha aprovada de maneira incondicional. Uma escolha variá- las resistências do tempo e do espaço. Desta forma, interessa
vel e, portanto, plausível – e uma condição de afiliação. entender que, se vivemos em redes de interações e concebe-
(BAUMAN, 2008, p. 71) mos as estruturas das quais participamos como processos, as
transformações ora em curso, ainda que se inscrevam na esca-
Ora, dentro desta lógica, a aceleração traz consequências la macro, afetam a todos nós, mesmo naqueles aspectos mais
para a nossa realidade, dentre elas podemos destacar a prima- comezinhos de nossa vida cotidiana.
zia do efêmero em diversas esferas da vida social, conduzida Assim, se, nesta fase do capitalismo, as trocas de infor-
principalmente pela lógica da moda aplicada aos mercados mações com outros lugares do mundo, a intensificação dos
de massa. Devemos nos lembrar que, já nos primórdios do sé- fluxos comerciais entre as regiões, a formação de organismos
culo XX, Simmel (1988) discorria sobre a importância da moda internacionais para assuntos diversos, a crença generalizada
nos processos de individuação e uniformização dos agentes de que vivemos na era do conhecimento e do multicultura-
sociais, destacando o fato de que a imitação poderia ser en- lismo, o uso das tecnologias em várias áreas das atividades
tendida como a continuidade da vida do grupo no indivíduo. humanas podem ser vistos como aspectos positivos dessa glo-
Nesta linha, segundo Harvey (1989), podemos considerar que a balização, por outro lado problemas como o aumento do fosso
volatividade se espraia não só pelo campo da produção e da da desigualdade entre os ricos e os pobres, a violência urbana,
circulação, mas também do consumo de mercadorias e servi- a exclusão digital, a homogeneização cultural, a lógica con-
ços, donde se destacam os papéis da publicidade e das ima- sumista, a intolerância, entre outras, podem ser considerados
gens midiáticas enquanto fatores de integração das práticas os aspectos negativos enfrentados pelo indivíduo comum, que
culturais no atual estágio do capitalismo. mesmo não fazendo parte de uma aldeia global homogênea é,
Vivemos num mundo globalizado e sobre o império das muitas vezes, persuadido a acreditar que sim.
imagens. As empresas, os governos, os políticos, as celebri-
dades, os indivíduos, os grupos agem com a consciência de Podem ser identificadas quatro consequências da globalização
que a imagem se transformou numa mercadoria tão ou mais para a educação, todas elas eivadas de tensões e contradições: a)
valorizada do que o seu equivalente real. Para Bauman (2008), a crescente centralidade da educação na discussão acerca do de-
remodelar-se a si mesmo, assumir concomitantemente o pa- senvolvimento e da preparação para o trabalho, decorrente das
pel de produtor e do produto que se quer vender, é um dos mudanças em curso na base técnica e no processo produtivo; b)
imperativos categóricos da sociedade dos consumidores. Por a crescente introdução de tecnologias no processo educativo, por
outro lado, não é possível ignorar que a experiência das ima- meio de softwares educativos e pelo recurso à educação a distân-
gens mediadas pelas tecnologias de comunicação tem nos cia; c) a implementação de reformas educativas muito similares
transformados em testemunhas de vários processos histó- entre si na grande maioria dos países do mundo; d) a transfor-
ricos, ainda que em muitos casos como meros espectadores mação da educação em objeto do interesse do grande capital,
passivos da política e voltados apenas para os nossos próprios ocasionando uma crescente comercialização do setor.
problemas. (OLIVEIRA, 2009, p. 740)
184 22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
E é justamente neste contexto que, desde então, muitos of an OECD education ministers’ meeting in the coastal Athens
educadores estão a se perguntar: afinal, qual o papel da edu- resort of Lagonissi. Education is not an exception, it (too) is being
cação em meio às transformações sociais que vivenciamos na globalized, he said.2
atualidade?
Obviamente que muitos estudiosos discordam do diagnós-
tico proferido pelo secretário da OCDE (Organização para Co-
A Educação Formal: operação e Desenvolvimento Econômico), Angel Gurria. Afinal,
bem público ou serviço negociável? existem interpretações as mais variadas sobre o tema e uma
pluralidade de experiências pelo mundo. De qualquer forma,
No dia 7 de junho de 2005, a Comissão de Educação e todos aqueles que se posicionam na arena pública deixam
Cultura da Câmara dos Deputados realizou uma audiência sempre uma pista para inferirmos sobre a sua visão política, as
pública para debater o polêmico tema da possibilidade de práticas pedagógicas, as concepções didáticas e outras questões
inclusão da Educação no Acordo Geral de Serviços da Orga- referentes ao campo da educação. Vejamos algumas posições:
nização Mundial do Comércio (OMC), ficando assim alguns
aspectos do setor sujeitos às regulações desta instituição. “Lidamos com uma concepção educacional envolvendo ideias
Note que se trata de uma discussão que veio na esteira das de competência, habilidades, certificações, muito voltadas para
transformações citadas anteriormente. Na ocasião, estu- o posto do trabalho. O raciocínio lógico é que, para esse capi-
diosos e representantes de diversas instituições se posicio- talismo estar seguro, começa seu movimento preparando o tra-
naram. Muitos foram contrários por considerarem que tal balhador nos conjuntos de competências que o mercado quer.
inclusão transformaria a Educação em mercadoria, e isso A sociedade flexibiliza as leis de trabalho de sorte que ele não
traria graves implicações para a autonomia da sociedade fosse mais protegido por um contrato coletivo, mas fizesse um
brasileira e a sua soberania nacional. Por outro lado, houve contrato individual a partir de educação por competência, con-
quem fosse favorável por entender que tal medida injetaria tratação por competência e remuneração por competência. [...]
um sopro de modernização na Educação Superior, tendo em A educação deixa de ser um direito para tornar-se um serviço
vista a importância dos financiamentos para a pesquisa e a como qualquer outro. O Estado vai garantir este serviço a uma
necessidade de se produzir novas tecnologias. Houve ainda determinada faixa, no caso prioriza a educação fundamental, da
quem entendesse que tal discussão não fazia muito sentido, primeira a oitava série, podendo prorrogar até o nível médio, e
levando em consideração que, mais cedo ou mais tarde, o mesmo assim sob o ponto de vista dos interesses privados. Pela
país não teria como suportar a pressão internacional para primeira vez o Estado faz a política unidimensional do mercado.
abertura de seu mercado, sem falar no fato do pudor em tra- A pessoa excluída do mercado é tornada um cidadão mínimo,
tar a educação como mercadoria ser despropositado, já que a com diz Milton Santos, um deficiente cívico”. (Galdêncio Frigotto, en-
Educação Superior desde muito vinha sendo oferecida como trevista, Revista Mais Humana – Nº 4 – Outubro 2002. In: <http://www.uff.br/maishumana/
serviço negociável. gaudenciofrigotto.htm>)
Não vamos entrar nos pormenores das posições que re-
latamos acima, pois fugiria um pouco ao propósito imediato
de nossa aula. A discussão sobre a natureza pública da edu- “Estes novos abismos criados dentro de uma mesma sociedade
cação não foi travada apenas no Brasil, mas em vários países exigem uma reformulação do sistema educativo e de todas as
que, de alguma forma, vinham e vêm enfrentando pressões formas de difusão da cultura. Na América Latina há uma gran-
por parte dos agentes sociais dessa nova ordem global para de resistência nas escolas para incorporar as novas tecnologias e
mudança de suas regras internas. Em junho de 2006, a Or- também a indústria cultural de forma geral. Ainda existem edu-
ganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico cadores pensando que a televisão é a grande inimiga da escola.
(OCDE), uma instituição que agrupa dezenas de países in- E durante décadas esse pensamento tem produzido uma nova
dustrializados de economia de mercado, também realizou geração que se socializa de uma forma na escola e de outra em
um encontro com os seus Ministros do Ensino para uma casa, com os amigos. As novas tecnologias passaram por várias
análise das políticas educacionais com enfoque no Ensino etapas. A primeira delas foi levar computadores para todas as es-
Superior e na liberação dos mercados. Ao final da reunião,
o secretário-geral da OECD, o senhor Angel Gurria, pronun-
ciou-se a respeito:
2 “A educação é hoje uma commodity negociável. Ela tornou-se exportável, portável e negoci-
ável”, disse o secretário geral da OCDE, Angel Gurría, em entrevista no dia de encerramento
Education is now an internationally traded commodity. It has da conferência do ministros da educação da OCDE, reunidos no litoral de Atenas, no resort
de Lagonissi. “A educação não é uma exceção. Ela (também) está sendo globalizada”, ele dis-
become exportable, portable and tradeable, the OECD secretary- se..” (tradução livre) Disponível em: <http://findarticles.com/p/articles/mi_kmafp/is_200606/
general, Angel Gurria, told a news conference on the closing day ai_n16553287/>.
22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo 185
colas, e não deu certo; em função disso, a etapa seguinte foi for- elaboração que busca se aproximar ao máximo da realida-
mar os educadores para as novas tecnologias. Muitos jovens se de, mas não deve ser confundido como se fosse ela própria.
acostumaram a ler e escrever nos monitores dos computadores e Portanto, qualquer diagnóstico acerca das mudanças sociais
quando não encontravam computadores disponíveis nas biblio- na atualidade deve ser pensando também em termos do que
tecas, estabelecia-se um distanciamento dos jovens. Não se trata comporta de erro e ilusão. Veja que muito do que se apren-
de dizer que hoje não se lê mais, mas é que se lê de outra forma. de na educação formal, por estar descontextualizado e re-
É por isso que as escolas devem reformular suas estratégias”. (En- talhado pelas disciplinas, acaba caindo no buraco negro do
trevista com Néstor García Canclini, 2007. Fonte: Educared Argentina <http://www.educarede. esquecimento. Não se trata de subestimar a importância que
org.br/educa/index.cfm?pg=internet_e_cia.informatica_principal&id_inf_escola=661>) os conhecimentos disciplinares produziram ao longo do tem-
po, mas de entender que eles devem ser pensados a partir da
“Porque, embora seja uma aspiração profunda de toda a huma- perspectiva do contexto em que se situam. (MORIN, 2000)
nidade, a atual sociedade – tal como está configurada – desen- Outra dificuldade muito recorrente deve-se ao fato de
volve em todos nós uma dinâmica de agressividade, de ver o que a nossa identidade humana é ignorada pelos currículos
outro como inimigo, como competidor. O diferente é sempre o e pelas práticas escolares. Somos indivíduos, somos sociedade
inimigo e você deve proteger-se dele. Para isso precisa atacá-lo, e somos da espécie dos homo sapiens – ludens-economicus-
discriminá-lo e se valer de atos violentos. A paz questiona esta mitologicus, ou seja, “homo-diversos”. Isso significa dizer que
lógica de olhar o outro como inimigo. Questiona a lógica da so- temos uma dimensão biológica, cultural, social e cósmica.
ciedade atual, a sua dinâmica cotidiana, onde todas as pessoas Portanto, a nossa formação depende de contribuições que não
estão diariamente guerreando para sobreviver, e a lógica das podem estar limitadas às ciências formais. Por isso, a litera-
relações internacionais, centrada no poder bélico e econômico, tura, o teatro, a música, a dança, as telenovelas, a poesia são
que passa por cima de todas as regras de convivência e de ne- imprescindíveis para que possamos lidar com a complexida-
gociação. (Entrevista com Vera Candau – Jornal e Educação. In: <http://www.anj.org.br/ de de nossa existência. Neste sentido, é crucial uma educação
jornaleeducacao/biblioteca/entrevistas/em-defesa-da-educacao-para-a-paz/>) voltada para a compreensão humana, entendendo que vive-
mos uma realidade de mercado que nos impulsiona para o
“Os problemas da educação brasileira são difíceis e com- individualismo, à competição exacerbada, à indiferença e à
plexos. É preciso realizar um trabalho constante e sistemático falta de compaixão para com aqueles que são grosseira e pejo-
de diagnóstico para resolvê-los, além de um estudo da litera- rativamente chamados de “perdedores”. (MORIN, 2000)
tura especializada e das experiências de outros países. Outros Vivemos no mundo como se fosse um lugar muito previ-
fatores fundamentais são a melhoria dos centros de pesqui- sível. O princípio da incerteza é, talvez, um dos mais ignora-
sa, estudos e formação, e o envolvimento de profissionais de dos nos processos educacionais. Ainda que as ciências tenham
outras áreas – economistas, juristas, sociólogos – com essas avançado, em termos de produzir conhecimentos para dissi-
questões. A meu ver, é a educação fundamental que mais pre- parem nossos medos dos perigos que nos cercam, a ideia que
cisa de um investimento maior, mais forte e cuidadoso. (Entrevista temos do controle do presente vem sendo cada vez mais des-
com Simon Schwartzman. Jornal O Globo, 17/06/2005. Disponível em: <http://www.iets.org.br/ tituída pelas incertezas que assolam não só nosso futuro, mas
article.php3?id_article=747&var_recherche=schwartzman>) todos os processos naturais e culturais. É por isto que a preocu-
pação com a nossa condição planetária é de uma legitimidade
Verificamos nos trechos das entrevistas dos estudiosos estonteante, tendo em vista que as condições na Terra é nosso
citados que são vários os desafios a serem enfrentados para destino comum. Questões como destruição do meio-ambiente,
que a educação pública possa cumprir minimamente alguns guerras nucleares, conflitos étnico-religiosos, violência urba-
daqueles princípios que estão delineados na Constituição de na, onde quer que ocorram têm repercussão na vida de cada
1988, tais como universalização do ensino, apoio para os alu- um de nós. Então, também por isso, a educação precisa ajudar
nos permanecerem na escola, garantia dos padrões de qua- a construir uma “antropo-ética”, na qual deverão estar inclusas
lidade, valorização dos profissionais da educação, promoção a autonomia pessoal, a responsabilidade social e a nossa par-
do conhecimento científico, humanístico e tecnológico. Ora, ticipação no gênero humano. E devemos nos lembrar que a
como não é possível, neste curto espaço de exposição, discutir democracia, a solidariedade, o respeito à diversidade são prin-
todos os aspectos das colocações feitas pelos autores anterio- cípios fundamentais para essa estruturação. (MORIN, 2000)
res, poderemos, ao menos, inspirados na reflexão de Morin Enfim, fizemos um apanhado muitíssimo sintético do que
(2000) sobre os setes saberes necessários à educação do futuro, foi proposto por Morin (2000) para a educação do futuro. Mas
problematizar sobre os não-ditos, “os buracos negros”, que es- como ele mesmo diz que não temos futuro e nem a certeza de
tão presentes em todos os níveis de ensino. vir a tê-lo, mais do que nunca é necessário colocarmos algu-
Neste mundo de transformações, precisamos estar atento, mas dessas ideias em prática. Como? Bem, não há uma fór-
ao fato de que todo conhecimento é uma reconstrução, uma mula pronta para isso.
186 22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
Conhecendo mais sobre Como vimos nesta aula...
• Para se aprofundar na proposta de Edgar Morin A reestruturação das sociedades capitalistas a partir das
é imprescindível a leitura do livro que serve de últimas décadas do século XX, somadas às transformações
base para essa aula: MORIN, Edgar (1921). Os sete decorrentes da compressão do tempo e do espaço no uso das
saberes necessários à educação do futuro. Trad. novas tecnologias, alteraram sensivelmente o ritmo das mu-
Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. 2. danças à nossa volta. Desde então, adaptar-se à aceleração e à
ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2000. volatividade tornou-se condição imperativa para aqueles que
Link: <http://www.juliotorres.ws/textos/textosdiversos/ desejam ser considerados vencedores. Neste contexto é que
SeteSaberes-EdgarMorin.pdf>. emerge mais uma vez no cenário público a discussão sobre o
significado da educação em meio a tantas transformações. Ou
• Uma análise muito informativa sobre a penetração acompanhar a mudança se tornando um serviço negociável
dos fundos financeiros na Educação Superior no Brasil ou resistir nas trincheiras daqueles que a consideram um bem
e a presença de ações das instituições educacionais público, não redutível à condição de mercadoria.
na bolsa de valores pode ser encontrada no artigo: “A
transformação da educação em mercadoria no Brasil”,
de Romualdo Portela de Oliveira. Revista Educação
e Sociedade. v. 30, nº 108. Campinas, SP: out. 2009. Atividades de avaliação
Link: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
73302009000300006&script=sci_arttext>.
1 Nestor Canclini chama a atenção para a resistência das es-
• Para uma análise sobre a relação entre o processo colas em aderirem ao uso de novas tecnologias e à indústria
de globalização e duas proposições distintas cultural. Ele destaca o preconceito que muitos professores
para a educação no mundo, leia: “Globalização ainda possuem em relação à televisão. Numa pesquisa re-
e Educação: demonstrando a existência de uma alizada no ano de 2004, pela professora Vânia Carneiro da
“cultura educacional comum “ou localizando uma UNB (Universidade nacional de Brasília), foi possível ve-
“agenda globalmente estruturada para a educação”, rificar que os nossos jovens e crianças estão entre os que
de Roger Dale. Revista Educação e Sociedade. v. 25, mais a assistem no mundo, passam cerca de 4 horas diante
nº 87. Campinas, SP: maio/ago. 2004. p. 423-460. do aparelho de televisão. Os seus programas prediletos são
Link: <http://www. cedes. unicamp.br>. os filmes, desenhos, novelas, programas informativos, en-
tre outros. A partir do tema “O não dito, as ideologias e as
• Se você quiser saber um pouco mais sobre a juventude amnésias sociais nas narrativas televisivas”, escolha alguns
na América Latina veja uma entrevista esclarecedora programas de um canal da TV aberta e demonstre como
com o antropólogo latino-americano Nestor Garcia você problematizaria os seus conteúdos para desenvolver
Canclini, tendo por tema “La juventud extraviada”. uma aula que tenha como foco: “Os meios de comunicação
Link: <http://www.nuso.org/upload/articulos/3304_1.pdf>. e a construção das identidades no Brasil”.
• Um retrato da situação de alunos pobres 2 O sociólogo Simon Schwartzman, ao destacar a complexi-
e ricos nas escolas públicas e privadas do dade da realidade brasileira, chama a atenção para a ne-
Brasil você poderá encontrar no prestigiado cessidade de uma análise sistemática de nossas políticas
documentário “Pro dia nascer feliz”, de João educacionais, de fazer pesquisas e estudar as bibliografias
Jardim, 2007. Um trecho pode ser assistido existentes. No caso das Ciências Sociais, excluindo os pro-
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=uxEQhcZNHfM>. fissionais dogmáticos, desde cedo aprendemos a lidar com
uma diversidade de interpretações acerca da realidade
• Ao longo da aula citamos alguns trechos de social, de forma a perceber as pertinências e as lacunas
entrevistas com autores como Vera Candau, de cada uma das abordagens existentes. Assim, se você ti-
Nestor Canclini, Simon Schwartzman e Galdêncio vesse que trabalhar com um tema como “Globalização e
Frigotto. Caso disponha de acesso à Internet, educação na atualidade”, que abordagens utilizaria e como
entre nos endereços disponibilizados ao fim organizaria essa aula?
das citações e leia as entrevistas na íntegra.
22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo 187
Referências
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[Revisão Técnica: Edgard de Assis Carvalho].
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188 22º Módulo Disciplina 3: Estrutura social e mudanças sociais 5ª Aula: Educação e mudança social no mundo contemporâneo
Disciplina 4 Participação política
e cidadania
Ementa:
A participação política na História. Movimentos sociais. Greve. Representação política e voto. Juventude e
poder político. A presença política das minorias no Brasil. Canais de participação e construção da cidadania.
Especificidade da política e o pensamento político brasileiro.
Bibliografia geral
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Universidade de Brasília. V. 21, n. 1. Brasília: 2006.
Objetivos:
o significado do poder
Erlando da Silva Rêses
Sem letra e sem istrução; Compreender a relação entre Política e Poder e as cate-
O meu verso tem o chêro gorias associadas a estes dois conceitos.
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna. Conhecendo sobre
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna. A política em nossa vida
Cearense, Patativa do Assaré
Iniciamos a nossa conversa situando a dimensão da Polí-
tica em nossa vida. Para isso, utilizamos autores desse campo
do conhecimento que, em maior ou em menor grau, expressa-
Iniciando nossa conversa ram conhecimentos sobre a Política no cotidiano, tal é o caso
do pensador francês Michel Foucault e do escritor brasileiro
João Ubaldo Ribeiro. A seguir apresentamos uma síntese das
Caro cursista, idéias desses autores.
Você já deve ter ouvido falar que futebol, religião e política A Política consiste no conjunto das relações de poder vi-
não se discutem, não é mesmo? Pois é, várias áreas do conhe- vidas na sociedade. Ela está em toda parte, está presente em
cimento já comprovaram que tal ditado popular não se sus- todas as relações sociais. Na família, somos geralmente orien-
tenta. Na Sociologia mesmo existe um ramo específico para tados pela afetividade e autoridade dos pais; na escola, pela
cada um desses setores: Sociologia do Esporte, Sociologia da dedicação e autoridade dos professores, que ensinam e deci-
Religião e Sociologia Política. dem sobre o nosso saber por meio de avaliações; no trabalho,
O foco desta aula é a discussão em torno da Política e das os empregados se submetem à disciplina, horários e técnicas
suas variáveis e categorias. Como se dá a Política? Somos su- para manter ou aumentar a produtividade; no hospital, os
jeitos políticos, da política? Ou ela acontece distante de nós, médicos decidem sobre o que é melhor para a nossa saúde;
nos parlamentos, palácios, assembleias, câmaras e locais sun- nas igrejas, padres e pastores orientam a vida dos fiéis. Enfim,
tuosos, onde dificilmente temos acesso? todas as situações que vivemos envolvem relações de poder
que engendram e mantêm a ordem social. Portanto, a Política
não se restringe à atividade de desenvolvimento no âmbito do
Estado (FOUCAULT, 2005).
Propondo objetivos A palavra “Política” vem do grego polis, que significa “cida-
de”. Na polis grega os cidadãos participavam ativamente das
decisões e definiam os destinos da cidade. Nesse sentido, o
Desenvolver uma reflexão sobre o significado da Políti- termo Política está relacionado à sociedade como um todo,
ca e suas dimensões na sociedade Brasileira. ao elemento de interesse público ou da coletividade. Um caso
particular pode ou não caracterizar-se como um fato político,
Compreender a disseminação do Poder nas relações dependerá da dimensão tomada por esse caso. Se uma mulher
micro e macrossociais no campo das Ciências Sociais clás- agredida pelo marido, ao invés de ameaçá-lo pessoalmente re-
sicas e contemporâneas. solve reunir outras mulheres na mesma situação, para juntas,
buscarem a modificação desse comportamento social, essa
mulher estará exercendo uma atividade política (RIBEIRO, 1996).
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder 191
O processo decisório rapidamente identificado com a Polí- uma situação política indesejável e inaceitável. Se fizermos
tica são as eleições. Acontece que, anterior à votação, já houve alguma coisa para melhorar a situação, também estamos sen-
a definição dos candidatos, as disputas internas nos partidos, do políticos, pois a única via de ação possível, neste caso, é a
a propaganda político-eleitoral, as práticas com objetivos elei- Política, nos alerta João Ubaldo Ribeiro (1996). A condição de
torais, as representações e julgamentos dos eleitores (RIBEIRO, 1996). indiferença, apatia e acomodação do indivíduo nos remete ao
Então quer dizer que Política não envolve apenas discur- conhecimento do texto do filósofo marxista António Gramsci,
sos, promessas, eleições ou, como se diz, “muita sujeira”. Ela apresentado a seguir:
diz respeito à condução de nossa própria existência coletiva,
com extensão sobre nossa existência individual: prosperidade
ou pobreza, educação ou falta de educação, felicidade ou infe- “Os indiferentes”
licidade. Os indivíduos, membros da sociedade civil, têm sua
vida afetada por decisões políticas tomadas pelo poder insti- Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que
tucional, que elabora as leis que regulam a sociedade. Daí a “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas ho-
importância de conhecermos o processo político e dele parti- mens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode
ciparmos, pois todas as decisões de nossos representantes no deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasi-
Parlamento nos atingem direta ou indiretamente (RIBEIRO, 1996). tismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes.
É comum que se considere a Política como uma ocupação A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo
insuportável, só exercida por gente de mau-caráter, mentiro- para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam frequen-
sa ou enganadora. Devemos lembrar que, se achamos que a temente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que cir-
Política está entregue a gente ruim, um pouco de culpa, ou cunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas
grande parte dela, cabe a nós, “pessoas boas”, que não quere- muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque
mos envolver-nos com essa “atividade suja e incompreensível”. engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e
Os políticos (no sentido estreito da palavra, porque no sentido desencoraja, e às vezes, os leva a desistir de gesta heroica.
mais amplo, os políticos somos todos nós, cidadãos, mesmo A indiferença atua poderosamente na História. Atua passiva-
que não queiramos ou não saibamos) são gente como nós. Se mente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode
achamos que eles não são dignos de confiança, corrompidos contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os pla-
ou incompetentes, devemos verificar se essa opinião não se nos, mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se
estende também a outras categorias da coletividade, tais como revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal
banqueiros, motoristas de táxi, médicos, mecânicos, professo- que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heroico (de
res, estudantes, açougueiros, advogados, comerciantes, e assim valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciati-
por diante. De certa forma, pouca coisa pode haver de mais va dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo
nobre do que a dedicação à coletividade, quando essa dedica- dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tan-
ção não é ditada por interesses pessoais ou mesquinhos. Assim to porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa
como há os que se dedicam à defesa dos direitos, ao respeito à dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os
coisa pública, agindo com dedicação e transparência, há tam- nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis
bém os que se dedicam aos favorecimentos e confundem o que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens
espaço público com o privado, ao utilizar o poder que lhes foi que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade,
delegado para beneficiar grupos particulares (RIBEIRO, 1996). que parece dominar a História, não é mais do que a aparência
Por exemplo, se o processo político resulta em que não há ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que ama-
oportunidades de educação para pessoas como nós, é evidente durecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer contro-
que esse processo nos prejudica e, paralelamente, beneficia e le a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe,
privilegia outros. Quando alguém diz que “não liga para a Po- porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são
lítica”, está, naturalmente, exercendo um direito que lhe é fa- manipulados de acordo com visões limitadas e com fins ime-
cultado pelo sistema político em que vive. Ou seja, em última diatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos
análise, está sendo político conservador, não vê necessidade grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.
de mudanças. Então, essa pessoa não é “apolítica” (palavra que Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito
indica “ausência de Política”). Portanto, apolítico não existe, na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a
existe sim a indiferença, a apatia e a acomodação. No máximo, arrastar tudo e todos, parece que a História não é mais do que
falta-lhe a consciência de seu significado e papel político. Se um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto,
não gostamos do comportamento dos políticos e do funciona- de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sa-
mento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos bia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indife-
sendo políticos. Estamos contribuindo para a perpetuação de rente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às consequên-
192 2º Módulo
Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder
cias, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não comportamento está sendo influenciado e, por consequência,
são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros está sendo submetido a algum poder. Portanto, o preconceito
blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta racial, por exemplo, tem origem e funcionalidade políticas, ou
questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse seja, tem servido para justificar formas de exploração e do-
procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria su- minação, assumindo muitas faces de acordo com as circuns-
cedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua tâncias.
indiferença, ao seu ceticismo, ao fato de não ter dado o seu braço Outra dimensão de Poder que pode ser citada é o Poder
e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente local. Este poder não pode ser analisado de forma isolada ou
para evitarem esse mal, combatiam (com o propósito) de procu- mesmo ser considerado um espaço “menor” do poder público,
rar o tal bem (que) pretendiam. mas como relação de forças na qual se manifestam interesses
A maior parte deles, porém, perante fatos consumados, prefere diversos e que poderá ser a expressão mais geral de manifesta-
falar de insucessos ideais, de programas definitivamente des- ções presentes nas estruturas globais da sociedade. Portanto,
moronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam ele é considerado como espaço socialmente construído.
assim a falta de qualquer responsabilidade. E não por não verem No Brasil, os estudos sobre o Poder em âmbito local re-
claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de pers- montam à caracterização da sociedade rural. O estudo de Vic-
pectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, tor Leal Nunes, “Coronelismo, enxada e voto” (1975), mostra o
ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação fenômeno do “coronelismo” como um compromisso entre o
e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções Poder Público e o Poder Privado dos chefes políticos locais
são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida da República Velha. Para o autor, esta relação é o resultado
coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da de uma superposição de formas desenvolvidas do regime re-
curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma res- presentativo numa estrutura econômica e social inadequada.
ponsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, Neste sentido, o “coronelismo” caracteriza um enfraquecimen-
que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero. to das velhas bases patrimonialistas e, de certa forma, dá iní-
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as cio a uma forma representativa de governo com base em uma
suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela relação de compromisso, na qual o voto passou a ser levado
maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e im- em conta. O trabalho de Nunes Leal mostra não uma “feudali-
põe cotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fize- dade rural”, mas a existência de uma perfeita articulação entre
ram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar o rural e o urbano, entre o local e o nacional.
a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas Alexis de Tocqueville, em sua obra “Democracia na Améri-
lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris ca” (1987), afirmava que o processo de consolidação da democra-
dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que cia começa pelo fortalecimento do exercício do poder local,
estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará e é com a participação neste poder que o cidadão melhor se
sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela prepara e amadurece para exercer a cidadania, o poder de es-
não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos colha, de decisão e de controle nos planos estadual e nacional.
cidadãos. Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno Na vertente marxista, é possível citar o exemplo de Ma-
grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem es- nuel Castells (1990), que, seguindo orientações de Poulantzas e
teja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem Althusser, procurava mostrar que o Poder local, enquanto es-
que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a paço de expressão da estrutura social, teria a sua necessidade
sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu de ter seu funcionamento analisado pelos elementos do sis-
o seu intento. Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma tema econômico, do sistema político e do sistema ideológico,
partido, odeio os indiferentes. assim como pelas suas combinações e práticas sociais delas
GRAMSCI, Antonio. La cittá futura. Turim, 11 de fevereiro de 1917. decorrentes.
Castells (1990) assegura que a participação nas instituições
representativas do Estado em todos os níveis significa pos-
Para João Ubaldo Ribeiro (1986), definir Política como algo sibilidade concreta de mudar qualitativamente a política e a
relacionado ao poder não é satisfatório. Poder é algo que se estrutura desse Estado, articulando-o cada vez mais com as
exerce, que se efetua, que funciona, ou seja, é em ação que se organizações populares e a um novo tipo de disputa pelo ex-
analisa o poder. Nada está isento de poder. Ele está sempre cedente social.
presente e se exerce como uma multiplicidade de relações de Na mesma linha de raciocínio, Lojkine (1997) formula o con-
forças. É o que se dá quando mantemos preconceitos contra o ceito de “sistema de hegemonia local”, no qual o município é
nosso semelhante. O ser humano não nasce com preconceitos, visto como um espaço político onde as demandas de classes
ele os aprende socialmente. Ao aprendê-los, é claro que seu podem ser claramente explicitadas e, em consequência, os
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder 193
“eleitos locais” não são simples suportes do Poder central, mas as diferenças de classe. É o instrumento de que a classe domi-
atores que se inscrevem nas contradições do sistema econô- nante se serve para explorar; constitui, com efeito, instrumen-
mico global. to de violência e controle, franqueado somente a esta (MARX, 1990).
Um outro nível de análise identifica o Poder local do ponto Marx traz na obra “O Manifesto do Partido Comunista” a
de vista da “modernização da gestão”, em que a noção de desen- preciosidade da análise histórica: a burguesia desempenhou na
volvimento local se realiza sem a participação dos diferentes História um papel extremamente revolucionário nos modos
atores sociais nos processos administrativos. No entendimento de produção. Ele ainda vai mais longe ao afirmar que a con-
da modernização é preciso instrumentalizar tecnicamente as dição para a sobrevivência da burguesia é revolucionar conti-
coletividades locais, de modo a assumirem noções atualizadas nuamente os instrumentos de produção e, por conseguinte, as
de prestação de serviços que levem em conta a mudança da relações de produção; portanto, todo o conjunto das relações
qualidade de vida e a necessidade de racionalizar o consumo sociais. A burguesia implantou, no lugar das relações feudais
de bens e serviços ofertados pelos setores público e privado. O de propriedade, a livre concorrência, estabelecendo o seu do-
sociólogo francês Edmond Preteceille argumenta que ganha mínio econômico e político. Marx assegura que o período ca-
corpo a tendência que relaciona descentralização administra- pitalista veio simplificar os antagonismos de classe (MARX, 1990).
tiva com privatização de serviços públicos. No entendimento Marx, na obra “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte”, su-
do autor, o discurso da modernização, da eficiência, da Quali- gere que a melhor forma de dominação política da burguesia,
dade Total, e da eficácia podem também ser utilizados como a mais eficaz, é “a república parlamentar”. Para este teórico,
estratégia para desativar serviços públicos prestados às cama- república parlamentar não é sinônimo de democracia, como
das menos favorecidas da população (PRETECEILLE, 1994). pretende a filosofia política do liberalismo. Este tipo de repú-
blica não garante “a liberdade”, mas sim constitui uma forma
de dominação. Ao contrário da monarquia ou da ditadura mi-
litar, na república parlamentar é a burguesia, no seu conjunto,
Conhecendo mais sobre que exerce o domínio através do Estado e das suas instituições
“representativas” (MARX, 1986).
Outro clássico da Sociologia, Max Weber definiu o poder
“O mundo da política não leva ao céu, como a possibilidade de impor a própria vontade ao compor-
mas sua ausência é o pior dos infernos”. tamento alheio. Weber parte do modelo teleológico da ação:
Maquiavel um sujeito individual (ou um grupo que pode ser considera-
do como um indivíduo) se propõe um objetivo e escolhe os
Como outros cientistas sociais, clássicos e contemporâne- meios apropriados para realizá-lo. O sucesso da ação consiste
os, pensaram a relação entre Estado, Política e Poder? em provocar no mundo um estado de coisas que corresponda
Numa seara de discussão encontra-se Marx. Este teórico ao objetivo proposto. Na medida em que tal sucesso depen-
do Socialismo concebeu, a partir da análise do materialismo de do comportamento de outro sujeito, deve o ator ter à sua
histórico, das relações sociais de produção e da luta de classes, disposição meios que induzam no outro o comportamento
a sua concepção sobre a política e o poder. Para ele, a “divisão desejado. É essa capacidade de disposição sobre meios que
do trabalho” e a propriedade privada são expressões sinôni- permite influenciar a vontade de outrem que Weber chama de
mas. Na primeira enuncia-se a atividade, enquanto que, na Poder. Então, para ele, o Poder significa aquela probabilidade
segunda, o produto desta atividade. Esta divisão implica na de realizar a própria vontade, dentro de uma relação social,
contradição entre o interesse particular e o interesse coletivo, mesmo em face de resistência (WEBER, 1994).
que faz com que este último adquira, na qualidade de Esta- Contemporâneo de Marx, Althusser assegura que “nenhu-
do, uma forma independente, além dos interesses das classes. ma classe pode duravelmente deter o poder de Estado sem
Disto depreende-se que todas as lutas no seio do Estado, a luta exercer simultaneamente a sua hegemonia sobre e nos Apare-
entre a democracia, a aristocracia, a monarquia, a luta pelo lhos Ideológicos do Estado” (ALTHUSSER, 1980, p. 49). Mas, o que são os
voto, etc., são apenas formas ilusórias que encobrem as lutas Aparelhos Ideológicos do Estado? Ele exemplifica estes com a
de classes. Como afirma Marx, a história de toda sociedade até família, a escola, a igreja, o judiciário, os partidos políticos, os
hoje é a história de luta de classes (MARX, 1990, p. 10). sindicatos, dentre outros. Mas, e a ideologia, como ele a enten-
Para Marx, as classes refletem o direito de propriedade. Os de? Ah, essa ele define como a “representação” imaginária dos
que possuem propriedade na sociedade passam a constituir a indivíduos com suas condições reais de existência. Por isso
classe dominante ou governante, ao passo que os que não são que se diz comumente que a ideologia religiosa, moral, jurí-
proprietários formam a classe dominada ou explorada. Estado dica, política, etc., são “concepções de mundo”. Perceba, então,
e propriedade encontram-se ligados entre si. Segundo o autor, que para Althusser a ideologia tem uma existência material,
o Estado reflete as relações de propriedade e, por conseguinte, pois ela é criada e difundida por instituições, que possuem
194 2º Módulo
Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder
uma constituição física. Ele mesmo define aparelho ideológico para o entendimento recíproco. O Poder, comunicativamente
religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, cultural e produzido, das convicções comuns origina-se do fato de que
de informação (ALTHUSSER, 1980). os participantes orientam-se para o entendimento recíproco e
Na outra ponta de sua análise está o Aparelho Repressivo não para o seu próprio sucesso.
de Estado. A função deste é assegurar, por meio da força, as Se o Pder não é mais concebido como um potencial para
condições políticas para a reprodução das relações de produ- a realização de fins – como ele se manifesta e para que serve?
ção capitalista; além disso, ele condiciona o funcionamento Arendt considera o Poder um fim em si mesmo. Ele serve
do Aparelho Ideológico de Estado, que, por sua vez, garante para preservar a práxis, da qual se originou. Consolida-se em
a dominação da ideologia capitalista em todas as partes do poder político, através de instituições que asseguram formas
sistema (ALTHUSSER, 1980). de vida baseadas na fala recíproca. O Poder manifesta-se em:
Outro autor da linha marxista que discute o Poder é o filó- a) ordenamentos que garantem a liberdade política; b) na re-
sofo italiano Antonio Gramsci. Este autor foi preso pelo Fas- sistência contra as forças que ameaçam a liberdade política,
cismo por 20 anos, apesar de ser Deputado e gozar de imuni- tanto exterior como interiormente; c) naqueles atos revolucio-
dade parlamentar. Por conta disso, produziu toda a sua obra nários que fundam as novas instituições da liberdade:
na prisão, sob os títulos “Cadernos do Cárcere” e “Cartas do
Cárcere”. O principal objeto de reflexão dele, desde a juventu- o que investe de poder as instituições e as leis de um país, é o
de até a maturidade, foi a questão do poder. Gramsci, quatro apoio do povo, que por sua vez é a continuação daquele consenso
décadas antes de Foucault, chega a uma conclusão análoga a original que produziu as instituições e as leis. Todas as institui-
ele: o Poder não reside no aparelho de Estado, mas sim nas ções políticas são manifestações e materializações do poder; elas
relações sociais. se petrificam e desagregam no momento em que a força viva do
Gramsci desacreditava de uma tomada do poder que não povo deixa de apoia-las (ARENDT, 1994, p. 37).
fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os
agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais, e A hipótese central de Arendt é que nenhuma liderança po-
um dos seus instrumentos mais importantes, para a conquista lítica pode substituir impunemente o poder pela violência. Ela
da cidadania, seria a escola. Gramsci uniu as ideias de Marx concorda que essa esfera é o espaço de legitimação do Poder,
com as de Maquiavel, considerando o Partido Comunista o mas que só pode ser assim enquanto exprimir as estruturas de
novo “Príncipe”. Utilizava, para tanto, a máxima da leitura uma comunicação não-deformada:
da obra que seria o pensador florentino renascentista dando
conselhos aos comunistas para tomar e permanecer no poder. O que provoca um agrupamento político é o seu potencial de
Indo além de Maquiavel, Gramsci considerava que os fins jus- poder, e o que provoca a extinção das comunidades políticas é a
tificam os meios, e qualquer ato só pode ser julgado a partir de perda de poder e finalmente a impotência. O processo como tal é
sua utilidade para a revolução comunista (GRAMSCI, 1995). dificilmente concretizável, porque o potencial de poder, ao con-
O sociólogo norte-americano Wright Mills afirma que trário dos meios da violência, que podem ser armazenados para
“toda política é uma luta pelo poder; a forma básica do poder serem mobilizados, intatos, em casos de emergência, somente
é a violência” (MILLS, 1999, p. 171). Ele faz coro com Weber quando existe na medida em que se realiza. Onde o poder não se realiza,
este define o Estado: “domínio do homem pelo homem basea- mas é tratado como algo a que se pode recorrer em momentos de
do nos meios da violência legítima, quer dizer, supostamente necessidade, ele sucumbe, e a História está cheia de exemplos que
legítima” (WEBER, 2004, p. 56). demonstram que nenhuma riqueza do mundo, materialmente
Já a Filósofa judia alemã, Hannah Arendt, atribui ao con- tangível, pode compensar essa perda de poder (ARENDT, 1981, p. 31).
ceito de Weber sobre Poder o conceito de Violência. Ela, ao
contrário dele, concebe o Poder como a faculdade de alcançar Hannah Arendt se interessa pela compreensão dos mo-
um acordo quanto à ação comum, no contexto da comunica- vimentos emancipatórios. Neles ela destaca o poder da con-
ção livre de violência. Ambos veem no poder um potencial vicção comum: a desobediência em relação a instituições que
que se atualiza em ações, mas cada um se baseia num modelo perderam sua força legitimadora; a confrontação do poder,
de ação distinto. Arendt parte de outro modelo de ação – o gerado pela livre união dos indivíduos, com os instrumentos
comunicativo: “o poder resulta da capacidade humana, não coercitivos de um aparelho estatal violento, mas impotente; o
somente de agir ou de fazer algo, como de unir-se a outros e surgimento de uma nova ordem política e a tentativa de es-
atuar em concordância com eles” (ARENDT, 1994). tabilizar o novo começo, a situação revolucionária original, e
Ainda, na contramão de Weber, ela assevera que o fenôme- de perpetuar institucionalmente a gestação comunicativa do
no fundamental do Poder não consiste na instrumentalização poder (ARENDT, 1981).
de uma vontade alheia para os próprios fins, mas na forma- A autora analisa o mesmo fenômeno em diferentes ocasi-
ção de uma vontade comum, numa comunicação orientada ões. Quando os revolucionários se aproximam do poder que
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder 195
está nas ruas; quando a população que optou pela resistência Como vimos nesta aula...
passiva enfrenta tanques estrangeiros, com mãos desarmadas;
quando minorias convictas disputam a legitimidade das leis
existentes e organizam a resistência civil; quando, no movi- A Política é parte constitutiva de nossa vida e se insere em
mento de protesto dos estudantes, “o puro desejo de ação” se todas as relações sociais, sejam micro ou macrossociais. O Po-
manifesta – em todos esses momentos parece confirmar-se der é também característico das relações sociais, ainda que
a tese de que “ninguém possui verdadeiramente o Poder; ele mantenha diferenças nas concepções de diferentes cientistas
surge entre os homens que atuam em conjunto, e desaparece sociais.
quando eles novamente se dispersam” (ARENDT, 1981). Nessa susten-
tação arendtiana há uma aproximação com a práxis marxista,
que ele denominava de “atividade crítico-revolucionária”.
Outra hipótese de Arendt é que o Poder só pode surgir nas Atividades de avaliação
estruturas da comunicação não-coercitiva; não pode ser “ge-
rado de cima”. Aqui a distinção entre poder e violência torna-
se nítida. A autora torna visível o fato de que o sistema político Origem da desigualdade... e poderes diluídos...
não pode dispor arbitrariamente sobre o Poder. O Poder é um
bem disputado pelos grupos políticos e graças ao qual uma 1 Leia o texto de Rousseau, “Discurso sobre a origem da de-
liderança política administra; mas, nos dois casos, este Poder sigualdade entre os Homens”,
preexiste, e não é produzido por tais grupos e lideranças. Eles Link: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/
precisam derivar seu Poder dos produtores do poder (ARENDT, cv000053.pdf>
1981; 2000). e anote argumentos necessários que deem conta de enten-
A socióloga Bárbara Freitag e o sociólogo Sérgio Rouanet der a origem da desigualdade entre os homens e associe às
sustentam que a História oferece provas suficientes de que a ideias do texto com a construção do Poder político local
dominação política funcionou diferentemente do que é afir- em seu Estado e/ou município, ou seja, em que medida a
mado por H. Arendt. A favor de sua tese, há o argumento de desigualdade social se relaciona com as forças políticas lo-
que a dominação política só é duradoura quando é reconheci- cais incrustadas no seu município ou Estado?
da como legítima; contra ela testemunha a experiência de que
as relações sociais estabilizadas através da dominação política 2 Leia sobre as ideias da “Microfísica do Poder”, de Michel
somente em casos muito raros fundam-se numa opinião “em Foucault,
torno da qual muitos se puseram publicamente de acordo” (FREI- Link: <http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/
TAG e ROUANET, 1980). microfisica.pdf>
e, também à luz da leitura acima, analise os poderes dis-
sipados no ambiente escolar do qual você é parte. Anote
Outras indicações para conhecer mais sobre e Reflexão e discute com os seus alunos e depois partilhe no fórum
com seus alunos: � de discussão ou no polo sobre a forma de constituição das
relações de poder neste espaço e como se estabelecem os
• CANCIAN, Renato. “Hegemonia – Forma vínculos entre os atores sociais desde a concepção macro
de exercício do poder altera relações sociais”. (Secretaria de Educação, Diretoria Regional, Direção da
In: Página 3 Pedagogia & comunicação Escola, Conselhos, Coordenações, Supervisões, Professo-
Link: http://educacao.uol.com.br/sociologia/hegemonia.jhtm res) até a concepção micro (sala de aula, relação professor-
aluno, relação aluno-aluno).
• STIGAR, Robson. “Conceitos de
Poder”. In: WebArtigos.com
Link: http://www.webartigos.com/articles/6107/1/Conceitos-
De-Poder/pagina1.html
196 2º Módulo
Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder
Referências
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mará, 1994. Vozes, 1990.
CASTELLS, Manuel. Cidade, Democracia e Socialismo. São Paulo: Paz e Terra, 1990. MILLS, Wright, The Power Elite. New York: Oxford, 1999.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2005. PRETECEILLE, Edmond. “Cidades Globais e Segmentação Social”. In. RIBEIRO & JUNIOR
(Orgs.) Globalização, fragmentação e reforma urbana – O futuro das cidades brasileiras
FREITAG, Bárbara; ROUANET, Sérgio (Orgs.). Habermas. São Paulo: Ática, 1980. [Coleção na crise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994.
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RIBEIRO, João Ubaldo. Política. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Cou-
tinho. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. 4. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 2. ed. São Paulo: Alfa-ômega, 1975. WEBER, Max. Ciência e Política – duas vocações. São Paulo: Cultrix, 2004.
LOJKINE, Jean. O Estado capitalista e a questão urbana. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, WEBER, M. Economia e sociedade – fundamentos da Sociologia Compreensiva. Trad.
1997. Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. 2 v. Brasília: Editora da Universidade de
Brasília, 1994.
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 1ª Aula: Mundo da política e o significado do poder 197
2� aula
Como entender a cidadania no contexto do espaço escolar? Contudo, essa cidadania propugnada por Marshall aparece
Que cidadania é essa que serve de referência para a Educação? como uma concessão ou doação dos proprietários aos não-
A formação para o exercício da cidadania como finalidade proprietários. É uma visão harmoniosa da história da cidada-
da educação, ou como fundamento do ensino de Sociologia, nia sob o capitalismo, onde não aparecem as lutas. Os conflitos
prescinde de definições precisas e garantias de certas condi- são encarados como ameaça e as conquistas são percebidas
ções de operatividade. De que cidadania se fala? Os documen- como simples doação que sugere uma lógica de correspon-
tos oficiais para o Ensino Médio ressaltam uma cidadania em dência necessária entre a ampliação da cidadania e a redução
termos de mercado, em que o agente político se transforma das desigualdades sociais.
em agente econômico e os cidadãos em consumidores. Nas O cidadão é um ser abstrato criado pelo direito, expres-
orientações do Banco Mundial para a educação pública brasi- so na norma quando diz: “todos são iguais perante a lei”. Essa
leira encontra-se o direcionamento do fluxo escolar segundo expressão pressupõe que exista uma igualdade jurídica na
necessidades do mercado. A ideia fundamental é a de que os sociedade, o que não se confirma quando analisamos a estra-
serviços de ensino deveriam ser comercializados livremente, tificação social (objeto de estudo neste módulo), ou seja, os in-
com redução de barreiras e melhoria de acesso aos mercados. divíduos são desiguais perante a sociedade. O indivíduo do es-
A palavra cidadania, muito mais que o seu conceito, faz trato social mais elevado pode usufruir mais de seu direito de
parte da maioria dos discursos contemporâneos que circulam pensamento, de liberdade, de expressão, pelo simples fato de
em torno da questão política, econômica e social. Mas a sua possuir condições materiais para isso. Numa provável disputa
presença ubíqua não significa clareza. Fala-se em cidadania, jurídica com o indivíduo do estrato social mais baixo, aquele
muitas vezes, de forma adjetiva, ilustrativa, ou, no máximo, conta com o poder do dinheiro que pode gerar a contratação
prospectiva, como algo a ser alcançado. Mas como acontece do melhor advogado, as melhores provas, etc. (VIANA, 2003).2
com todas as noções amplas demais, a de cidadania acabou
servindo para tudo, o que é o mesmo que não ter serventia
alguma. Portanto, é algo de que muito se fala e pouco se sabe. 2 Para um maior aprofundamento sobre disputa jurídica em camadas sociais diferentes, no que
Quando se fala em cidadania, faz-se recorrência imediata diz respeito ao tipo de julgamento e o tempo de duração, consultar as seguintes obras: 1)
RINALDI, Alessandra Andrade. Marginais, delinquentes e vítimas: um estudo sobre a repre-
a Marshall, maior referência quando se trata desse conceito sentação da categoria favelado no tribunal do júri da cidade do Rio de Janeiro, p. 299-322. In:
em sua forma tripartite: como conquista de direitos civis, po- ZALUAR, Alba; ALVITO, Marcos (Orgs.). Um século de favela. 3. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003; 2)
Outras indicações para conhecer mais sobre e Reflexão O psicólogo norte-americano e precursor da psicologia
com seus alunos: � existencial humanista, Carl Rogers, afirmou em uma en-
trevista ao Jornal Le Monde, em 1979:
• CARVALHO, José Murilo de. Brasileiro: Cidadão?
Link: http://www.almg.gov.br/revistalegis/Revista23/ “Poucas pessoas compreendem que o que eu falo significa trans-
carvalho23.pdf [texto de José Murilo de Carvalho] formação completa da maioria das instituições atuais. Se levar-
mos verdadeiramente a sério a ideia de que cada indivíduo pode
• Cidadania ou Emancipação Humana ter um papel na tomada de decisões, isso transformaria com-
Link: http://web51.hosting.xpg.com.br/xpg2.0/0/i/v/ivotonet/ pletamente os conceitos de educação, de negócios, de governo.
arquivos/CIDADANIA_OU_EMANCIPACAO_HUMANA.pdf Veja, por exemplo, as escolas tradicionais atuais: elas são com-
pletamente autoritárias. As decisões são tomadas na cúpula pelo
• STIGAR, Robson. Conceitos de Poder. diretor e pelos professores. Os alunos não têm nada a dizer. Se
In: WebArtigos.com – é essa a ideia que defendemos – os alunos participassem das
Link: http://www.webartigos.com/articles/6107/1/Conceitos- decisões, junto com os professores e a administração, cada um
De-Poder/pagina1.html detendo seu próprio poder, e não sendo governados, isso criaria
um tipo de instituição educativa completamente diferente”. (LE
• Livros: O que é Cidadania de Maria de Lourdes MONDE DIPLOMATIQUE. Fredéric Gaussen entrevista Carl Rogers. Paris, 23 dez. 1979).
Manzini Covre, coleç; Educação, Cidadania e
Emancipação Humana de Ivo Tonet, editora Unijuí. 1 Tendo em conta a análise de Carl Rogers sobre o processo
de participação na escola, detalhe em um texto reflexivo,
informando como funciona a gestão escolar na unidade de
ensino em que você atua. Leve em consideração a existên-
Como vimos nesta aula... cia dos diferentes atores sociais presentes na escola. Existe
Grêmio Estudantil na escola em que você trabalha? Como
funciona este espaço de organização dos alunos: de forma
As relações sociais nas sociedades complexas tornam-se atrelada e subordinada à direção da escola ou de forma au-
cada vez mais competitivas e se refletem em diferentes espa- tônoma e independente? Disponha sua reflexão no Fórum
ços sociais, como a escola. A cidadania liberal, como um dos de discussão ou no Polo.
fundamentos da Educação, não dá conta de superar ou inibir
essa competitividade, pois o seu pressuposto básico alia-se à 2 Leve em consideração o texto de Bertold Brecht, a seguir, e
concepção mercadológica. discorra num texto de 10 linhas se acontece o exercício da
cidadania no ambiente escolar onde você trabalha. Se exis-
te este exercício, aponte-o, e, se há dificuldades, apresente
fatos que as comprovem. É possível fazer analogias entre a
Atividades de avaliação escola dos peixinhos e a escola atual? Discuta essa situação
no Fórum de discussão ou no polo.
BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução – elementos para uma teoria do sistema de MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967.
ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
MARX, Karl. A questão judaica. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2005.
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ed. São Paulo: Cortez, 2003. VIANNA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania – a dinâmica da política institucional
no capitalismo. Rio de Janeiro: Achiamé, 2003.
e espaços de representação
Erlando da Silva Rêses
Caro cursista,
Você já deve ter percebido que os conceitos, os temas, as te-
orias e as categorias desta disciplina estão fortemente imbri- Conhecendo sobre
cadas: Política, Poder, Participação Política, Voto, Democracia,
Representatividade Política, Cidadania e Movimentos Sociais.
Portanto, em vários momentos, independentemente da aula, Democracia e Tipologia
eles aparecerão relacionados e estão em forte vinculação com de Participação Política...
os conhecimentos da Ciência Política.
Ora, uma das possibilidades de entendimento das questões
relacionadas acima está na concepção moderna de Política. A Segundo o verbete “Participação Política” do Dicionário de
forma de governo dos Estados modernos é a Democracia Re- Ciência Política, de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gian-
presentativa. Este modelo de Democracia se caracteriza pela franco Pasquino, a Participação Política é terminologia corren-
existência de poderes autônomos entre si (Executivo, Legisla- te na Ciência Política e é geralmente usada para designar uma
tivo e Judiciário), organizados numa ordem jurídica instituída série de atividades: o ato do voto, a militância num partido
(Constituição, leis, etc.), pelo exercício do voto secreto e uni- político, a participação em manifestações, a contribuição para
versal e pela atuação de partidos políticos. uma agremiação política, a discussão de acontecimentos polí-
Veja que falamos de partidos políticos, no plural. A De- ticos, a participação num comício ou numa reunião de seção,
mocracia Representativa pressupõe a existência deles para a o apoio a um determinado candidato no decorrer da campa-
realização do processo político e social de gestão do poder nha eleitoral, a pressão exercida sobre um dirigente político,
instituído. Neste sentido, é possível afirmar que o desenvolvi- a difusão de informações políticas e assim por diante. Sendo
mento dos partidos está vinculado à questão da participação assim, a definição de atividade política não é unívoca. O ato
ou ao progressivo aumento da demanda por participação no de votar, por exemplo, respeita a outras atividades, principal-
processo de formação das decisões políticas. mente da esfera religiosa, econômica e cultural. O problema
Sendo assim, a participação política parece reduzir-se à não é simples e depende da posição ideológica dos próprios
escolha dos representantes para os cargos eletivos entre os participantes, assim como o termo participação se acomoda
candidatos de vários partidos. Assim, o ato político exerce-se a diferentes interpretações. Pode-se participar ou tomar parte
num patamar stricto sensu que se concentra no Estado e na nalguma coisa de modo bem diferente, desde a condição de
ação dos políticos eleitos. simples espectador à de protagonista (GIACOMO SANI apud BOBBIO, 1993).
Uma das primeiras pensadoras a defender a democracia
participativa foi Hannah Arendt (1994). Em sua compreensão de
democracia, ela afirma que o poder precisa do apoio e da or-
Propondo objetivos ganização popular para se manter. É do consentimento da opi-
nião pública que vem a legitimidade do governo democrático.
Para Arendt, a democracia participativa surge como um
Conhecer os fundamentos e a dimensão da Participa- “novo exemplo” diante de um cenário de desintegração, em
ção Política. que se instala o declínio de serviços públicos, como escolas,
polícia, coleta de lixo, transporte e outros. Para a autora, isso
Discutir sobre Democracia e sua tipologia para a socie- é resultado do descontrole das necessidades das sociedades
dade brasileira. de massa, acompanhado pelo declínio simultâneo dos vários
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação 207
sistemas de partidos que deveriam ser destinados a servir às Conhecendo mais sobre
necessidades políticas da população
Suylan de Almeida Midlej e Silva, pesquisadora da área de
Sociologia Política, apresenta em sua tese de doutorado uma Democracia Participativa,
análise sobre a Democracia. Ela destaca a reflexão que a filóso- Poder Popular e Voto
fa e pensadora política Chantal Mouffe apresenta sobre demo-
cracia participativa. Na concepção desta autora, a democracia A Constituição Federal de 1988 garante a participação di-
participativa é uma democracia radical, capaz de promover o reta do cidadão e da cidadã para propor leis. Em seu artigo
resgate do político (MOUFFE, 1996), que se dá pelo estabelecimen- 61, parágrafo 2º, a CF apresenta textualmente: “A iniciativa
to de novas instituições abertas ao pluralismo. A política da popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
democracia radical representa o aprofundamento do projeto Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por
democrático da modernidade, em que é necessário um novo cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco
tipo de articulação entre o universal e o particular (SILVA, 2008). Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleito-
Chantal Mouffe mostra que a luta pela democracia no es- res de cada um deles”. (grifo nosso)
paço estatal é insuficiente e que, portanto, ela precisa ser exer- A sociedade civil organizada já empreendeu ações neste
citada para além da esfera estatal. Sendo assim, novas formas sentido. Sociedade civil aqui não se define apenas por sua dis-
de participação política devem ser implantadas, levando em tinção em relação ao Estado (GRAMSCI, 1995), mas trata-se de uma
conta as amplitudes e especificidades das lutas democráticas instância social caracterizada por ações individuais e coletivas
atuais, em torno do gênero, da raça, da classe, do sexo, do am- que se articulam em segmentos organizados em função de li-
biente e de outros fatores. Significa “o reconhecimento da exis- nhas de ação. O seu sentido refere-se ao locus de produção de
tência do político em toda a sua complexidade: a dimensão do pensamentos e ações que surgem da articulação e dinâmica
“nós”, a construção do campo do amigo, bem como a dimensão de manifestações organizadas, espontâneas, esporádicas ou
do “eles”, o aspecto construtivo do antagonismo” (MOUFFE, 1996, p. 19). mais regulares de sujeitos isolados e coletivos da sociedade,
Essa concepção de democracia radical e plural reconhece cuja referencialidade esteja na política e na participação, e
a existência permanente do conflito e do antagonismo, e a res- não, no utilitarismo e oportunismo das forças econômicas e
tauração do valor da participação política é o que vai garantir o comerciais (SILVA, 2008).
ressurgimento do espaço público (SILVA, 2008). Este modelo de de- Uma iniciativa neste sentido foi promovida por mais de
mocracia não deve ser confundido com uma manifestação do cinco dezenas de organizações e entidades dessa sociedade,
desdobramento da história das lutas de classe ou das lutas pela entre sindicatos, associações, pastorais, ONGs, movimentos
formação de classes. Ela não acarreta necessariamente dester- sociais, religiosos, dentre outros, para um Projeto de Combate
ritorialização, mas a construção de decisões a partir de baixo. à Corrupção Eleitoral. Após dois anos e meio de muita mobi-
A extensão do termo “baixo” inclui comunidades geografica- lização popular e coleta de mais de 1 milhão de assinaturas, a
mente definidas, como fábricas, escritórios e bairros, ou comu- Lei nº 9.840 foi aprovada pelo Congresso Nacional e sanciona-
nidades não agrupadas por um critério. O espaço desta política da pelo Presidente da República, tornando-se o primeiro pro-
poderia situar-se nas comunidades intencionais ensaiadas por jeto de Iniciativa Popular aprovado pelo Congresso Nacional
várias contraculturas, defende Aronowitz (1992, p. 160-161). desde que esse instrumento foi criado pela Constituição de
Para Stanley Aronowitz, o termo “radical” implica uma 1988. Confira a história de criação desta Lei e a do Movimento
concepção de democracia que ultrapassa as formas parla- de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que tem como slogan
mentares, ainda que inclua também a noção de governo re- “Voto não tem preço, tem consequências!”, no site:
presentativo. Em sua análise, o socialismo deve ser entendido Link: www.mcce.org.br.
como uma extensão da revolução democrática e, para os de-
mocratas radicais, a propriedade social, o Estado e o sistema O MCCE, que é composto por 43 organizações da socie-
legislativo já não são vistos como formas transitórias para dade civil organizada, lançou outra proposta de iniciativa po-
uma ordem superior especificada pela História, e sim como pular, intitulada “Campanha Ficha Limpa”. Desta vez, em um
elementos importantes de uma formação social plural na qual ano e cinco meses o MCCE coletou 1 milhão e 600 mil assina-
os movimentos sociais têm papel crucial e independente (ARO- turas para o novo Projeto de Lei (PLP) de Iniciativa Popular,
NOWITZ 1992, p. 170-172). que pretende criar novos casos de inelegibilidade baseados
Na mesma linha de pensamento, Laclau e Mouffe (2006) afir- na vida pregressa do(a) candidato(a). Este projeto objetiva
mam que a democracia radical supõe uma dimensão socialis- aumentar as situações que impeçam o registro de uma can-
ta. Mas, para os autores, não se pode abandonar os objetivos didatura que inclua:
do socialismo, que devem ser concebidos como uma das di-
mensões da luta pelo aprofundamento da democracia (SILVA, 2008).
208 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação
pessoas condenadas em primeira ou única instância anos, em alguns canais de participação política e social, o re-
ou com denúncia recebida por tribunal em virtude de cri- sultado foi o seguinte:
mes graves como: racismo, homicídio, estupro, tráfico de
drogas e desvio de verbas públicas. Pela proposta do PLP Tabela 01 – Participação de jovens em canais
518/09 estas pessoas devem ser preventivamente afasta- de participação política e social
das das eleições até que se resolvam os seus problemas Total
Canais de participação
com a Justiça Criminal; política social
N %
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=Irs8X_h6REg>.
Pela leitura da tabela percebe-se que a maior participação
do(a) jovem foi registrada em Igreja ou Grupo religioso. Con-
1 Sugestão de atividade para sala de aula tudo, essa indicação não se refere à participação em pastorais
ou movimentos juvenis no seio da Igreja, mas tão somente à
Reflexão com aluno: O exercício do voto presença em cultos e missas. Registra-se também um alto ín-
dice de não participação em nenhum dos canais apresentados
Assista a um conjunto de 8 vídeos (cada um com 2 mi- na pesquisa. Sugerimos que este mesmo exercício seja feito
nutos em média) sobre a História do Voto no Brasil. com os seus alunos e apresentado no Fórum em forma de ta-
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=hgjxKF-cRHw>. bela, ou no polo em forma de cartaz.
especialmente o vídeo “História do Voto 6” Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)5, de
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=2aljxwkT9n4&featu 2006 para cá o número de jovens de 16 anos que tiraram o
re=channel> título diminuiu cerca de 45%. Neste ano, mais de 2,2 milhões
apresenta, sinteticamente, a história do voto aos 16 anos. de jovens de 16 e 17 anos estão aptos a votar, o que representa
32,3% da população nesta faixa etária. O que leva os(as) jo-
A União Nacional dos Estudantes (UNE) – entidade que vens a sentirem tanta apatia e indiferença pela política e pelo
representa os estudantes universitários do Brasil – lançou voto no Brasil? Pedimos que você desenvolva com seus alunos
neste ano a campanha “Se liga 16”, inspirada no movimen- a atividade abaixo para refletirem sobre essa realidade.
to que pedia, em 1988, o voto facultativo para jovens de 16 Outras indicações para conhecer mais sobre e reflexão
e 17 anos.4 Confira o lançamento da Campanha “Se liga 16”, com os seus alunos: �
Link: <http://www.youtube.com/watch?v=92nNjbiAq9c>.
• CANCIAN, Renato. “Participação política e
Num levantamento de dados feito por Rêses (2004) sobre a cidadania”. In: Página 3 Pedagogia & comunicação
atuação de jovens de Brasília-DF, na faixa etária de 16 a 18 Link: http://educacao.uol.com.br/sociologia/ult4264u32.jhtm
4 A Constituição da República Federativa do Brasil (CF-88) dispõe em seu artigo 14, parágrafo 1º, inci-
so II, alínea c, que o voto é facultativo para os “maiores de dezesseis e menores de dezoito anos”. 5 Disponível em: <http://www.tse.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2010.
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação 209
• Livros da coleção Primeiros Passos: 1. A relação indivíduo-sociedade, a partir dos conceitos
O que é Participação Política, de Dalmo de Abreu de fato social (Durkheim), ação social (Weber) e da con-
Dallari; O que é Democracia, de Denis Rosenfield; cepção marxista de sociedade;
O que é participação, de Juan E. Díaz Bordenave.
2. Estudo do capítulo I (A promessa) do livro “A imagi-
Sobre possibilidade de criação de Grêmio Estudantil nação sociológica”, de Wright Mills, no qual a questão da
consultar: � relação entre indivíduo e sociedade está mais presente e se
coloca a preocupação com o modo de pensar sociologica-
• Organize um grêmio estudantil na sua escola mente a sociedade em que vivemos;
Link: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/portal/
gremio/atividades.php 3. Projetar filmes como apoio. Inclusive, películas que
ou apresentem a atuação de um Tribunal do Júri. Exemplos:
“Filadélfia”, “Falsa Moral”, “Sacco e Vanzetti”, etc. Guarda-
• Saiba como criar um grêmio estudantil das as devidas diferenças entre a realização de um Tribu-
Link: http://www.une.org.br/home3/ubes_on-line/m_11232.html nal do Júri norte-americano e um brasileiro.
2ª etapa – Fundamentação
Como vimos nesta aula...
1. Nesta fase acontece, em sala de aula, estudo dos con-
ceitos relacionados ao tema. No exemplo do voto aos 16
A participação política assume formas variadas em nossa anos, poderá ser utilizado todo o arsenal de conceitos dis-
sociedade e fortalece a Democracia Participativa. postos nesta disciplina. Estudo sobre métodos e técnicas
de pesquisa – a observação, o questionário, a entrevista,
a amostragem, o censo e a história de vida; a organização
prática dos instrumentos e procedimentos de pesquisa,
Atividade de avaliação para que seja realizada pelos alunos uma pesquisa sobre
os assuntos que direta ou indiretamente estejam ligados
ao assunto/tema central.
O Poder Juvenil e Voto aos 16 anos
2. Organizar um debate preliminar (pré-júri) ou ensaio
1 Propomos a você a realização de um “Júri Simulado”, em sala de aula. Após estes procedimentos teórico-práticos
com os seus alunos do Ensino Médio, sobre o “Voto aos acontecerá a preparação de uma equipe de alunos que será
16 anos”. A melhor sugestão para esta atividade é que seja formada a partir da escolha de 3 a 4 alunos por turma, com-
extraclasse, com uma turma para a defesa do voto aos 16 pondo um número de aproximadamente 25 pessoas para a
anos e outra para a acusação. Abaixo, apresentamos o mo- realização do Júri extraclasse sobre o assunto/tema central.
delo de organização de um Júri Simulado. Os alunos que não terão participação direta no Júri es-
tarão desenvolvendo, de forma indireta, em sala de aula ou
Júri Simulado é uma técnica de ensino que se asseme- fora dela, atividades em diferentes aulas que contribuirão
lha ao júri de um Fórum, onde é julgada uma pessoa acu- para o conhecimento da equipe. A preparação da equipe
sada de um crime. Na sala de aula, não é uma pessoa que é consiste em encontros com o professor-coordenador do
julgada, mas um assunto ou um fato que é escolhido como projeto e outros de outras áreas do conhecimento que,
réu. A preparação, organização e apresentação do júri po- dentre outras coisas, abordará noções de Direito, dinâmica
derão acontecer ao longo da realização deste curso. de grupo, expressão corporal e oralidade, leitura, produção
e interpretação de textos, estudo e aprofundamento dos as-
suntos e análise dos dados tabulados, se houver.
1ª etapa – Sensibilização
210 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação
3ª etapa – Realização do júri B. Participação das demais disciplinas:
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação 211
Referências
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Trad. André Duarte. Rio de Janeiro: Relume Du- LACLAU, Ernesto; MOUFFE, Chantal. Hegemonía y estrategia socialista hacia una radi-
mará, 1994. calización de la democracia. Londres e Nova York: Routlegde, 2006.
ARONOWITZ, Stanley. Pós-modernismo e política. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de MOUFFE, Chantal. O regresso do político. Lisboa: Gradiva, 1996.
(Org.). Pós-modernismo e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
PORTA, Donatella Della. O Movimento por uma nova globalização. São Paulo: Edições
BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Var- Loyola, 2007.
riale (et al.). v 1 e 2. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
RÊSES, Erlando da Silva. E com a palavra: os alunos – Estudo das Representações Sociais
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF). SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO. Con- dos alunos da Rede Pública do Distrito Federal sobre a Sociologia no Ensino Médio.
vivência – Sugestões metodológicas para o Ensino Médio. Brasília: Subsecretaria de Brasília: UnB, 2004. [Dissertação de Mestrado].
Educação Pública, 2001, p. 168-170.
SILVA, Suylan de Almeida Midlej e. Ganhamos a batalha, mas não a guerra – a visão da
Campanha Nacional contra a Alca sobre a não assinatura do acordo. Brasília: Departa-
mento de Sociologia, 2008. [Tese de doutorado].
212 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 3ª Aula: Participação política e espaços de representação
Ação coletiva
4� aula
e movimentos sociais
Erlando da Silva Rêses
Iniciando nossa conversa Câmara Legislativa do DF, tomada por manifestantes con-
trários aos atos de corrupção, e a proibição da entrada naquele
prédio por “toda e qualquer pessoa estranha aos serviços da
Caro cursista, casa”. Em tese, a decisão judicial da 1ª Vara da Fazenda Pú-
Depois de estudarmos sobre Política, Poder, Democracia blica do DF que determinou a desocupação imediata das in-
e Participação Política, discutiremos nesta aula sobre canais stalações da Câmara Legislativa, nenhum cidadão poderia ter
efetivos para que esta participação ocorra. Quais são os canais acesso a Casa (considerada A casa do povo!).
legítimos de participação política? Como esta participação se Episódios dessa natureza podem gerar consequências de-
caracteriza no âmbito de atuação dos movimentos sociais? sastrosas para o processo democrático, como o desencanto
Como entender os movimentos sociais? com a política, o ceticismo com a democracia e a política como
Inicialmente, solicitamos que você assista à reportagem forma de reivindicação. Os atos de protesto acima demons-
do Jornal Nacional, de 9 de dezembro de 2009, no youtube, tram uma crença nítida na política e no voto, porque a maior
intitulada “Cavalaria ataca estudantes em Brasília”, disponível intenção era obter o apoio popular para a legítima pauta de
em: <http://www.youtube.com/watch?v=GF2omM4WvUY&f reivindicações apontada acima, e todas elas têm previsão legal
eature=related>. e constitucional.
O caso em epígrafe ocorreu por conta da deflagração da
Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal no dia 27 de
novembro de 2009, por causa de indícios de corrupção eleito-
ral no governo do Distrito Federal. Propondo objetivos
O fato ocorrido na Capital Federal demonstra um dos
tratamentos dados por governos, em plena vigência de um
regime democrático, quando existem ações de contestação a Analisar conceitualmente os movimentos sociais a par-
condução do poder político. Uma passeata, coordenada pelo tir de uma interpretação sociológica.
Movimento Contra a Corrupção no DF, e com presença massi-
va de estudantes, resultou numa ação desproporcional, violen- Conhecer canais de participação e ação coletiva na so-
ta e arbitrária da Polícia Militar, com prisões e agressões aos ciedade brasileira.
participantes da manifestação. Um direito civil básico inerente
à qualquer democracia foi violado: o direito de protestar.
Arbitrariedades de toda ordem ocorreram após protestos
que solicitavam o impeachment6 do governador José Roberto Conhecendo sobre
Arruda7, a renúncia coletiva de integrantes do governo e da
Câmara Legislativa, a abertura de processos e perda de man-
dato. Mais uma dessas arbitrariedades foi a desocupação da Movimentos Sociais
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais 213
cultivado; na multidão, é um bárbaro – ou seja, uma criatura de gênero, o movimento estudantil, a questão ambiental, os
que age por instinto” (Le Bon apud COHN, 1973. p. 20). temas étnicos, a luta pela democracia, dentre outros, compu-
Em outro ponto de análise encontra-se Durkheim, Weber seram a pauta de reivindicações e bandeiras de luta de vários
e Marx, com alcance e implicações diferentes, mas todos veem movimentos no mundo afora.
nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social. Adotou-se o adjetivo “novo” ao entendimento da existên-
Em Durkheim, o exemplo pode ser encontrado na transição cia de inovações ao movimento social clássico. Ilse Scherer-
para formas de solidariedade mais complexas (da Solidarie- Warren define o que seria movimentos sociais tradicionais:
dade Mecânica para a Solidariedade Orgânica); em Weber, a
transição do tradicionalismo para o tipo legal-burocrático; já Surgem enquanto expressão típica da sociedade industrial (e
em Marx, o exemplo está na ação revolucionária. de sua consciência), dividida em classes sociais, das quais uma
Resguardadas as devidas diferenças quanto aos compo- delas – o proletariado – encontrava quase a totalidade de seu
nentes psicológicos em relação aos sociológicos, quanto aos cotidiano submetido ao mundo da produção e da exploração de
aspectos microssociais em relação aos macrossociais, e ao pa- sua força de trabalho. Os movimentos sociais expressavam essa
pel dos agentes em relação à dinâmica do sistema, há nestes contradição fundamental e o desejo de sua superação (SCHERER-
autores pontos em comum na análise dos movimentos so- WARREN, 1984, p. 36).
ciais: existência de tensões na sociedade, identificação de uma
mudança, comprovação da passagem de um estágio de inte- O movimento operário, no âmbito do marxismo, surgiu no
gração a outro por meio de transformações de algum modo século XIX para representar a organização da classe trabalha-
induzidas por componentes coletivos. dora em sindicatos e partidos, empenhados na transformação
Sendo assim, movimentos sociais “constituem tentativas, das relações capitalistas de produção. A categoria Movimento
fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a de- Social adquiriu a capacidade de referir-se a uma multiplicida-
finir as formas de ação social e a influir nos seus resultados” de de novas formas de participação, igualmente pensadas em
(PASQUINO apud BOBBIO, 1993, p. 787). função da alteração de lógica capitalista, só que, agora, organi-
O sociólogo francês Alan Touraine identifica três princí- zadas espontaneamente na esfera da cultura enquanto “novos
pios para a análise dos movimentos sociais: movimentos sociais”.
Marx atribui à classe operária não só o interesse, mas tam-
Identidade – é a definição do ator por ele mesmo. A bém a capacidade de transformar a sociedade capitalista por
organização do movimento precede a consciência desta meio da ação revolucionária. Para ele, as classes e as lutas de
definição: “É o conflito que constitui e organiza o ator” (TOU- classes teriam não só a primazia explicativa da sociedade ca-
RAINE apud FORACCHI e MARTINS, 1977). Quem define este ator político e pitalista, como a primazia da transformação desta.
histórico e a sua consciência de identidade são as relações Na análise de Boaventura de Sousa Santos (2003), a divisão
sociais e, portanto, a definição de uma classe social. da sociedade em classes com interesses antagônicos constitui
um dos patrimônios da sociologia contemporânea, marxista
Oposição – o conflito também faz surgir o adversário e ou não-marxista. No entanto, ele reconhece que os termos
forma a consciência dos agentes que se defrontam. A di- dessa formulação são hoje um dos pontos mais problemáticos
mensão do conflito é fundamental no movimento social. da tradição marxista.
A evolução das classes nas sociedades capitalistas fugiu
Totalidade – é o sistema de ação histórica, cujos ad- da previsão de Marx. Nos países centrais, os camponeses não
versários, situados na dupla dialética das classes sociais, desapareceram tão rapidamente, a classe operária tornou-se
disputam entre si a dominação. Ele não é necessariamente mais heterogênea, e surgiram significativas classes médias e
global. A importância de um movimento social define a outras formas de opressão não apenas em função das posições
força do princípio da totalidade. de classe. Nos países periféricos, o campesinato permaneceu,
mesmo com a existência dos centros urbanos, e as formas de
Touraine (apud FORACCHI e MARTINS, 1977) assevera que um movi- opressão e dominação baseadas na raça, etnia, religião e sexo
mento social não pode ser analisado fora do campo da histo- foram tão importantes quanto as baseadas na classe (SANTOS,
ricidade na qual ele se forma. Neste caso, o objeto da análise 2003).
sociológica não pode ser o próprio movimento social; deve A democracia representativa é insuficiente para garantir
ser o campo de ação histórica, do qual o movimento social é transparência e efetiva participação dos cidadãos, garante a
um dos atores. socióloga italiana Donatella Della Porta (2007). Neste caso, a
A partir de 1960 evidenciou-se no mundo um conjunto de autora credita espaço e força à democracia participativa re-
movimentos sociais que não necessariamente estavam cen- presentada pelos movimentos sociais, e o movimento mais
trados nas contradições do mundo do trabalho. As relações expressivo hoje é representado pelo Fórum Social Mundial.
214 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais
O Fórum Social Mundial nasceu em Porto Alegre no ano Gohn não considera os NMSs como algo realmente novo,
de 2001. Sua origem é marcada pelo surgimento dos movi- mas uma resconstrução baseada em orientações teóricas já
mentos antiglobalização, depois das manifestações de Seat- existentes, “uma revitalização na teoria da ação social a par-
tle, nos Estados Unidos. Em 30 de novembro de 1999 houve tir de suas matrizes básicas, como as clássicas weberiana e
manifestações em dezenas de países e em dezenas de cidades durkheimiana, e a parsoniana contemporânea, e também ins-
dos Estados Unidos da América. Esse dia ficou marcado pelas pirada em elaborações de alguns neomarxistas” (GOHN, 2002, p. 132-
manifestações que atingiram proporções tais que impediram 133). Ela explica que a reação ao estrutural-funcionalismo, por
a chegada de muitos delegados ao local da reunião da Organi- parte dos NMSs, levou tanto à retomada da vertente de Marx
zação Mundial do Comércio (OMC). Foi um dia que ficou na e do pensamento de Weber, em um desenvolvimento da teoria
história pela repercussão que foi dada às cenas de violência e a histórico-estrutural, como à microssociologia do interacionis-
mudanças nos discursos oficiais acerca da globalização. A ba- mo simbólico e da etnometodologia.
talha de Seattle, como ficou conhecida essa manifestação, deu
origem ao Movimento Antiglobalização e ao 1º Fórum Social
Mundial de Porto Alegre, em 2002, que objetivou debater pro-
blemas sociais, econômicos, educacionais e propor saídas que Para refletir com os alunos
atendam às expectativas e necessidades dos trabalhadores do
mundo. Assistir ao documentário “Amazônia: uma região de pou-
Em 2002, o movimento antiglobalização foi fortalecido cos” (12 min.). Disponível em: <http://www.youtube.com/
com o Fórum Social Mundial (FSM), que consolidou uma watch?v=q9esNX7bzHY>. Sinopse: Fazendeiros e políticos
tendência de se passar de uma lógica antiglobalização para de Juína (MT) impedem visita de ativistas do Greenpeace,
proposições de “uma globalização alternativa”. da OPAN (Operação Amazônia Nativa) e de jornalistas eu-
ropeus à Terra Indígena Enawene Nawe. O vídeo mostra as
Nós, forças sociais provenientes de todas as partes do mundo, cenas de truculência e intimidação vividas pela equipe em 20
reunimo-nos aqui, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre. de agosto de 2007.
Somos sindicatos e ONGs, movimentos e organizações, intelec-
tuais e artistas. Juntos queremos construir uma grande aliança,
para criar uma nova sociedade, livre da lógica atual, que utiliza o
mercado e o dinheiro como a única unidade de medida... Somos
mulheres e homens: camponeses e camponesas, trabalhadores Conhecendo mais sobre
e trabalhadoras, profissionais, estudantes, desempregados e de-
sempregadas, populações indígenas e negros, somos provenien-
tes do Sul e do Norte, estamos empenhados em lutar pelos di- Ação coletiva e greve
reitos dos povos, por liberdade, segurança, trabalho e educação
(PORTA, 2007, p. 34-35). O poeta Carlos Drummond de Andrade expressou o seu
sentimento e a sua concepção sobre o movimento grevista das
Para Boaventura, os Novos Movimentos Sociais (NMSs) professoras mineiras no ano de 1979, quando eclodia no país
não podem ser explicados por uma teoria unitária. Um exem- a efervescência de movimento sindical e social.
plo são as diferenças em termos de objetivos, de ideologia e de
base social entre os NMSs dos países centrais e os da América Uma greve não é um acontecimento comum no Brasil. Se a greve
Latina. No caso da América Latina, segundo ele, não há movi- é de professores, trata-se de caso ainda mais raro. E se os pro-
mentos sociais puros ou claramente definidos, dada a multi- fessores são mineiros, o caso assume proporções de fenômeno
dimensionalidade das relações sociais e dos próprios sentidos único. O que teria levado as pacatas, dóceis e modestíssimas
da ação coletiva (SANTOS, 2003). professoras da capital e do interior de Minas Gerais a assumir
Para a professora Maria da Glória Gohn, o paradigma dos esta atitude, senão uma razão também única, fora de qualquer
NMSs parte de explicações conjunturais, localizadas em âm- motivação secundária e circunstancial? Uma razão de sobrevi-
bito político, ou dos microprocessos da vida cotidiana, com vência? É o que toda gente sente e pensa diante de centenas de
recortes na realidade para observar a política dos novos atores municípios onde as mestras cruzaram os braços e aguardam a
sociais. Segundo a autora, as categorias básicas deste paradig- palavra do governador do Estado (Carlos Drummond de Andrade, Jornal do
ma são: cultura, identidade, autonomia, subjetividade, atores Brasil, 16/06/79).
sociais, cotidiano, representação e interação política das cate- A greve é uma interrupção provisória do trabalho, que se
gorias básicas deste paradigma (GOHN, 2002). manifesta pela decisão de um grupo de trabalhadores com o
objetivo de almejarem o atendimento de suas reivindicações
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais 215
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específicas no âmbito da empresa, ou ainda, de forma geral,
envolvendo interesses da população. Na visão do sociólogo
Antônio David Cattani e da socióloga Lorena Holzman, a
greve é uma ação coletiva distinta das ações ou protestos in-
dividuais, dos atos de sabotagem ou do absenteísmo, mesmo
quando envolvem grupos de trabalhadores. Ela pode ser de-
flagrada de modo espontâneo ou ser decorrente de estratégias
organizadas previamente por sindicatos em seus planos de
ação (CATTANI & HOLZMAN, 2006).
Marx faz referências às greves de forma episódica. A litera-
tura explícita sobre o assunto foi limitada às paralisações que
objetivavam reduzir o tempo de trabalho. Postura análoga é a
apresentada por Lênin, na obra “Sobre as greves” (1899), quando Trabalhadores da fábrica H. Cegielski e estaleiros em manifestação por melhores salários, desem-
considerou a greve “como um momento privilegiado do des- prego e recessão em 23 de outubro de 2009, em Poznan, Polónia
pertar da consciência da exploração, mas, em seguida, clas-
sifica como limitado o alcance das lutas econômicas levadas Nesta greve, os professores reivindicam reajuste salarial
pelo sindicalismo, diferenciando-as das lutas políticas, estas imediato de 34,3%; incorporação de todas as gratificações, ex-
sim verdadeiramente revolucionárias” (CATTANI & HOLZMAN, 2006, p. 151). tensiva aos aposentados; plano de carreira justo; garantia de
Existe um esgotamento da greve como estratégia de resis- emprego; concurso público de caráter classificatório; contra
tência e reivindicação? a municipalização do ensino; contra qualquer reforma que
Os autores acima alegam que esta ação coletiva tem dura- prejudique a educação, em todos os níveis, dentre outras rei-
ção e desdobramentos imprevisíveis e que, historicamente, “o vindicações.
movimento paredista não evolui de forma linear e cumulati- Outro exemplo recente de greve de professores ocorreu na
va [...] O recrudescimento das explosões grevistas, abalando Inglaterra, em 2008, contra o reduzido aumento salarial im-
o aparente marasmo social e a letargia sindical, surpreende posto pelo governo. Depois de 20 anos sem experimentar essa
pela sua imprevisibilidade, tal como em maio de 1968” (CATTANI estratégia de luta, a União Nacional dos Professores (NUT) do
& HOLZMAN, 2006, p. 153). Reino Unido apostou neste tipo de protesto para garantir as
No momento em que produzíamos este texto, soubemos reivindicações. Confira a reportagem no site:
da existência de algumas greves nacionais e internacionais. Link: <http://www.esquerda.net/content/view/6557/122/>.
É o caso da Grécia que, após medidas de austeridade do go-
verno, trabalhadores gregos dos setores público e privado en- Esses exemplos demonstram que a greve tem importância
traram em greve pela manutenção dos direitos trabalhistas. sociológica e também política, não somente no entendimento
Confira na reportagem: da ação coletiva enquanto tal, mas também como uma ação
Link: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ que perdura no tempo e no espaço como estratégia de resis-
reuters/2010/03/11/gregos-fazem-nova-greve-contra- tência e reivindicação. Historicamente, ela foi utilizada tanto
pacote-de-austeridade.jhtm>. nos períodos pré-capitalistas como no capitalismo contempo-
râneo pelas categorias mais organizadas dos trabalhadores, e
No mesmo período, registramos também a greve por ma- não pelos setores proletarizados mais pobres (SINAY apud CATTANI &
nutenção de salários dos professores da Universidade de Bra- HOLZMAN, 2006).
sília (UnB), que a deflagraram em 9/3/2010. Confira a notícia No Brasil, a greve, como forma elementar e sistemática
em: de luta da classe trabalhadora, eclodiu pela primeira vez em
Link: <http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia. 1858. Foi quando os tipógrafos do Rio de Janeiro se rebeleram
php?id=3024> contra ações patronais que consideravam injustas, sobretudo
a baixa remuneração. O movimento dos tipógrafos, conside-
Também na área da Educação, a greve, simultânea as ante- rado o primeiro no Rio de Janeiro, e talvez no Brasil, obteve
riores, dos professores estaduais de SP, como você pode confe- êxito e estimulou o desenvolvimento de outras manifestações
rir nos registros da APEOESP – Sindicato dos Professores do grevistas (LINHARES, 1977; ALEM, 1991).
Ensino Oficial do Estado de São Paulo: Em 1906 ocorreu a grande greve dos sapateiros, que con-
Link: <http://apeoespsub.org.br/fax_urgente_2009/frame09. tou com a solidariedade da maioria dos sindicatos do Rio de
html> Janeiro. Os sapateiros estiveram entre os setores mais mobi-
lizados da classe trabalhadora, em sua maioria empregados
em oficinas de pequeno e médio porte, que lutaram contra a
216 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais
desqualificação e a ampliação da exploração, promovidas pela • CANCIAN, Renato. “A greve política e a greve dos
expansão das grandes fábricas no setor (MATTOS, 2004). direitos”. In: Página 3 Pedagogia & comunicação
Greve é utilizada como um instrumento de mediação, Link: http://educacao.uol.com.br/sociologia/greve-1.jhtm
como bem analisa a professora e pesquisadora Maria Apare-
cida Ciavatta: • ARAÚJO, Francisca Socorro. “Greve”.
Link: http://www.infoescola.com/sociologia/greve/
A mediação não é um instrumento analítico de medição quan-
titativa do comportamento de um fenômeno, nem a busca da Link: http://www.dhnet.org.br
relação de causa e efeito, mas, sim, é a especificidade histórica do
fenômeno. A mediação situa-se no campo dos objetos problema- • MELUCCI, Alberto. “Juventude, tempo e movimentos
tizados nas suas múltiplas relações no tempo e no espaço, sob a sociais”. Trad. Angelina Teixeira Peralva. In:Revista
ação de sujeitos sociais (CIAVATTA, 2001, p. 132). Brasileira de Educação. Nº 5, 1997, p. 5-14.
Link: http://189.1.169.50/rbe/rbedigital/RBDE05_6/
Sendo assim, segundo a autora, “o conceito de mediação RBDE05_6_03_ALBERTO_MELUCCI.pdf
não se aplica apenas aos processos materiais, mas também aos
fenômenos culturais e políticos. Sua especificidade não está
no conteúdo da mediação, mas no processo articulado de um
conjunto de relações que se estabelecem nos diversos níveis Como vimos nesta aula...
da vida humana” (CIAVATTA, 2001, p. 133).
Carlos Cury, ao trabalhar o conceito de mediação, diz que
este é um elemento rico para entender a essência do fenôme- A abrangência e dimensões dos Movimentos Sociais e a
no, para sair da aparência, a pseudoconcreticidade, e chegar greve como uma ação coletiva e mediação nas reivindicações
ao concreto. Para o autor, a categoria mediação se justifica no dos trabalhadores
momento em que o real é percebido numa reciprocidade em
que os contrários se inter-relacionam dialeticamente e con- Sugestão de filmes para esta aula: �
traditoriamente, e não como uma divisão de processos em que
cada parte guarda em si mesma o dinamismo de sua existên- • Vida de Inseto (A Bug’s Life).
cia. Para o autor, a categoria da mediação “expressa as relações Dir.: John Lasseter. 102 min. (EUA, 1997).
concretas e vincula mútua e dialeticamente momentos dife- Flik é uma formiga cheia de ideias que, em nome dos
rentes de um todo. Neste todo, os fenômenos ou o conjunto “insetos oprimidos de todo o mundo”, precisa contratar
de fenômenos que o constituem não são blocos irredutíveis guerreiros para defender sua colônia de um faminto ban-
que se oponham absolutamente, em cuja descontinuidade a do de gafanhotos liderado por Hopper. Mas quando des-
passagem de um ao outro se faça através de saltos mecânicos. cobrem que o exército de insetos é, na verdade, um fracas-
Pelo contrário, em todo esse conjunto de fenômenos se trava sado grupo de atores de um circo de pulgas, o cenário está
uma teia de relações contraditórias que se imbricam mutua- armado para divertidas confusões com estes improváveis
mente (CURY 1987, p. 43). heróis.
A percepção da greve como instrumento de mediação da
luta se alia a outras concepções, dentre elas o entendimento • FormiguinhaZ (AntZ).
sobre o mundo do trabalho e a relação com a educação. Dir.: Eric Darnell e Tim Johnson. 82 min. (EUA,1998).
Na década de 80, o movimento sindical no Brasil cresceu Este é um interessante desenho animado em que o per-
e se fortaleceu, tendo registrado muitas conquistas, a despeito sonagem principal é uma formiga, chamada “Z”, que não se
da legislação limitadora da atuação sindical. Contudo, a re- conforma com a sua condição de simples indivíduo entre
estruturação produtiva do capital e sua influência no meio uma colônia de formigas. “Z” contesta as autoridades e in-
educacional foram responsáveis por mudanças na postura da fluencia todo formigueiro com suas ideias revolucionárias.
atuação sindical. Assim, as características inerentes a este pro- A princesa Bala, a heroína do filme, também é questiona-
cesso de transformação nas formas de trabalho atuaram de dora e busca algo mais que ser uma rainha da colônia. Os
forma decisiva. insetos, que são os personagens deste filme, são apresenta-
dos com características humanas: no diálogo encontramos
Outras indicações para conhecer mais sobre e reflexão questões filosóficas, entre elas existenciais, sociais, econô-
com os seus alunos: 0 micas, políticas, entre outras.
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais 217
• V de Vingança (V for Vendetta). • Eles Não Usam Black Tie.
Dir.: James McTeigue. 132 min. Dir.: Leon Hirszman. (Brasil, 1981).
(Alemanha/EUA, 2006). O filme retrata as dificuldades de organização dos tra-
Em uma Inglaterra do futuro, onde está em vigor um balhadores na época da ditadura, tendo como foco uma
regime totalitário, vive Evey Hammond (Natalie Port- família de operários e seus dilemas.
man). Ela é salva de uma situação de vida ou morte por
um homem mascarado, conhecido apenas pelo codinome • Germinal.
V (Hugo Weaving), que é extremamente carismático e ha- Dir.: Claude Berri. 158 min.
bilidoso na arte do combate e da destruição. Ao convocar (Bélgica/França/Itália, 1993)
seus compatriotas a se rebelar contra a tirania e a opressão Adaptação do romance homônimo do escritor francês
do governo inglês, V provoca uma verdadeira revolução. Émile Zola, publicado em 1885. Retrata as condições de
Enquanto Evey tenta saber mais sobre o passado de V, ela trabalho e vida dos trabalhadores das minas de carvão na
termina por descobrir a sua identidade e seu papel no pla- segunda metade do século XIX, bem como a emergência
no de seu salvador para trazer liberdade e justiça ao país. dos movimentos, greves e revoltas operárias. Desenvolve o
conflito de classes e suas consequências.
• Na Natureza Selvagem (Into the Wild).
Dir.: Sean Penn. 140 min. (EUA , 2007). • A Greve (Statchka).
Início da década de 90. Christopher McCandless (Emile Dir.: Sergei Eiseinstein. 82 min. (Rússia, 1924).
Hirsch) é um jovem recém-formado que decide viajar sem A ação desenrola-se numa das maiores fábricas da Rús-
rumo pelos Estados Unidos em busca da liberdade. Du- sia czarista. Tudo parece calmo, os operários trabalham, a
rante sua jornada por Dakota do Sul, Arizona e Califórnia, burguesia goza de uma vida rica em prazeres; mas essa se-
ele conhece pessoas que mudam sua vida, assim como sua renidade é só aparente: os contra-mestres percebem que,
presença também modifica as delas. Até que, após 2 anos entre os operários, há uma agitação dissimulada e comu-
na estrada, Christopher decide fazer a maior das viagens e nicam à direção da fábrica. A direção por sua vez avisa à
partir rumo ao Alasca. polícia. Os espiões infiltram-se na fábrica e na vila ope-
rária. Apelos à luta são lançados pelo comitê. O suicídio
• A Revolução Não Será Televisionada (The revolution de um operário, injustamente acusado pela direção de ter
will not be televised). roubado documentos, marca o início da greve. Os operá-
Dir.: Kim Bartley e Donnacha O’Brien. rios deixam as fábricas, as máquinas param. Organiza-se
75 min. (Irlanda, 2002). uma concentração na floresta. Uma ofensiva da guarda
Os cineastas irlandeses Kim Bartley e Donnacha montada fracassa. Ao saber da recusa da administração
O’Briain estavam na Venezuela, em abril de 2002, traba- em satisfazer as reivindicações dos operários, o comitê de-
lhando em um documentário sobre o governo bolivariano, cide continuar a greve. A polícia incendeia o depósito de
quando foram surpreendidos no interior do Palácio Mi- vinhos, certa de que os operários esfomeados irão saqueá-
raflores. Não filmaram entrevistas ou imagens ensaiadas, lo, o que serviria de pretexto para represálias; entretanto, o
mas o primeiro golpe de estado midiático da História. O plano não funciona.
resultado foi um filme brilhante, que revela como a mí-
dia venezuelana, em conluio com o empresariado e sob as • Gandhi.
graças de Washington, preparou e executou o golpe fra- Dir.: Richard Attenborough.
cassado. Numa cena incrível, Hugo Chávez sai preso pelos 188 min. (Inglaterra, 1982).
golpistas para, logo depois, voltar pelas mãos de militares A vida e a luta do líder político-espiritual que condu-
leais e do povo na rua. O empresário Pedro Carmona, um ziu o processo de libertação política da Índia do domínio
dos líderes do golpe, tomando posse como presidente e inglês. Um filme sensível, dedicado e grandioso ao mesmo
jurando defender a democracia é uma farsa mostrada ao tempo, que expõe a prática da não violência desenvolvida
vivo. Os empresários da mídia comemorando o golpe num por Gandhi. É um filme que nos ajuda a pensar sobre a
programa de TV é outra mostra da arrogância da elite ve- coerência e a relação entre os meios e fins.
nezuelana.
• Narradores de Javé.
Dir.: Eliane Caffé. 109 min. (Brasil, 2003).
Moradores de Javé, povoado ameaçado de extinção –
pois será encoberto pelas águas de nova hidrelétrica – se
unem para reconstruir, com testemunhos da memória
218 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais
oral, sua história. O fazem com muito humor e picardia, • A Onda (The Wave).
ora com grandeza épica, ora com deboche. O presepeiro Dir.: Alex Grasshoff. 46 min. (EUA, 1981).
Antônio Biá faz as vezes de um Homero sertanejo. Este filme é um relato divertido do que poderia ser o
surgimento de um novo movimento fascista debaixo do
• Amistad. nariz de qualquer um. Em uma de suas aulas sobre a se-
Dir. Steven Spielberg. 154 min. (EUA, 1998). gunda guerra mundial, o professor, “Sr. Ross”, é questiona-
Este filme conta a incrível viagem de escravos africa- do por seus alunos sobre como foi possível que nazistas
nos que se apoderam do navio onde estavam aprisionados matassem e manipulassem milhões de pessoas antes e du-
e tentam retornar à sua terra natal. Quando o navio, La rante o conflito mundial. À procura da resposta, começa a
Amistad, é capturado, os cativos são levados aos Estados estudar profundamente o nazismo, e, a partir daí, começa
Unidos, acusados de assassinato, e aguardam sua sentença a aplicar com seus alunos métodos de comportamento e
na prisão. Inicia-se então uma contundente batalha, que disciplina, criando um “movimento” conhecido como “A
chama a atenção de todo o país, questionando a própria Onda”. A “onda” vai tomando maiores proporções, chegan-
finalidade do sistema judicial americano. Mas para aqueles do a outros lugares e contagiando toda a escola, até um fi-
homens e mulheres sob julgamento, é uma luta pelo direi- nal surpreendente, onde ninguém mais já é o mesmo. Uma
to maior do ser humano... a liberdade. irônica e inteligente história baseada em fatos reais.
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais 219
• Onde Sonham as Formigas Verdes (Where the Green • Elefante (Elephant).
Ants Dream). Dir.: Gus Van Sant. 81 min. (EUA, 2003).
Dir.: Werner Herzog. 100 min. Elefante nos leva para dentro de uma escola secunda-
(Alemanha/Austrália, 1984). rista Americana em um dia comum, que rapidamente se
Grupo de aborígenes defende território selvagem na torna trágico. A história se desdobra, cheia de tarefas em
Austrália que está sendo tomado por uma companhia de classe, futebol, fofocas e socialização. Observa as idas e vin-
mineração. É um espaço sagrado, o lugar onde as formigas das de seus personagens a uma distância segura, nos per-
verdes sonham. Retrato do confronto de uma cultura mi- mitindo vê-los como eles são. Com cada estudante vemos
lenar com o avanço da sociedade industrial. a escola através de uma experiência diferente, uma nova
lente. Estas experiências mudam de amigáveis e inocentes
• Lula, o Filho do Brasil. a traumáticas e muito perturbadoras. Elefante demonstra
Dir.: Fábio Barreto. 128 min. (Brasil, 2010). que a vida nas escolas é uma complexa paisagem onde a
1945, sertão de Pernambuco. Menos de um mês após vitalidade e a beleza de vidas jovens pode mudar da luz
Aristides (Milhem Cortaz) partir para São Paulo com uma para a escuridão com velocidade surreal.
mulher bem mais nova, dona Lindu (Glória Pires) dá à luz
ao seu sétimo filho: Luiz Inácio da Silva, que logo ganha o • O Sonho de Rose – 10 anos depois.
apelido de Lula. Sem ter a quem recorrer, Lindu cuida da Dir.: Tetê de Moraes. 92 min. (Brasil, 2001).
família sozinha. Três anos depois Aristides retorna, acom- Seguindo os passos dos personagens do filme Terra
panhado de Sebastiana, sua filha. Uma semana depois ele para Rose, primeiro documentário da diretora Tetê Mo-
parte mais uma vez, deixando o bebê e levando consigo raes, O Sonho de Rose mostra como vivem hoje algumas
Jaime (Maicon Gouveia), o segundo filho mais velho. Du- das 1.500 famílias que participaram da invasão do MST
rante a seca de 1952, a família recebe uma carta de Aristi- à Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul. Após anos de
des, chamando-a para viver com ele em São Paulo. Lindu luta vivendo acampados em barracas de lona, enfrentan-
vende tudo o que tem e viaja para São Paulo, junto com os do a polícia e negociando com o governo, eles conseguem
filhos. Ao chegar, descobre que a carta era falsa. Quem a es- transformar seus sonhos em realidade, trabalhando como
creveu foi Jaime, que já não aguentava mais os maus-tratos pequenos agricultores em cooperativas ou associações.
do pai. A família passa a viver em Santos, onde Aristides
vivia com outra mulher e trabalhava como estivador. Vi- • Essa é a Cara da Democracia
vendo em condições precárias, a família ainda precisa lidar (This is What Democracy Looks Like).
com a crescente violência de Aristides. Dir.: Jill Friedberg/Rick Rowley. 55 min. (2000).
Material coletado com mais de 100 ativistas. Documen-
• Peões. tário que marca a fundação do Centro de Mídia Indepen-
Dir.: Eduardo Coutinho. 85 min. (Brasil, 2004). dente, feito por 100 ativistas durante os protestos contra a
Em seu oitavo longa-metragem, o mais influente docu- OMC em Seattle, e como os grupos se organizaram com
mentarista brasileiro da atualidade narra a história pessoal base na democracia direta. Mais de 100 mil pessoas rea-
de metalúrgicos do ABC paulista que tomaram parte no lizavam protestos diariamente, com passeatas, comícios e
movimento grevista de 1979 e 1980, mas permaneceram bloqueios, resistindo à repressão da polícia e às calúnias da
em relativo anonimato. Eles falam de suas origens, de sua mídia. Nesse movimento, os ativistas dão depoimentos do
participação no movimento e dos caminhos que suas vi- que fizeram, pensaram e sentiram ao mostrar com otimis-
das trilharam desde então. Exibem souvenirs das greves, mo a possibilidade real de uma nova organização social
recordam os sofrimentos e recompensas do trabalho nas baseada na ação direta e na participação popular. Um mo-
fábricas, comentam o efeito da militância política no âm- mento histórico para os movimentos sociais anticapitalis-
bito familiar, dão sua visão pessoal de Luíz Inácio Lula da tas que, através da juventude, se levantaram contra o poder
Silva e dos rumos do país. Foi lançado nos cinemas junto econômico do capital e de suas consequências.
com Entreatos, documentário de João Moreira Salles que,
através de material exclusivo, revela os bastidores da cam- • Nenhum a Menos (Not One Less).
panha de Lula à presidência da República. Os dois filmes se Dir.: Zhang Yimou. 100 min. (China, 1999).
enriquecem mutuamente e formam um desenho inédito As dificuldades encontradas por uma menina de 13
da história brasileira contemporânea. anos quando tem de substituir seu professor, que viaja
para ajudar a mãe doente. Antes de partir, ele recomenda
220 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais
à garota que não deixe nenhum aluno abandonar a escola Atividades de avaliação
durante sua ausência. Quando um garoto desaparece da
escola, a jovem professora descobre que ele deixou o vila-
rejo em direção à cidade em busca de emprego, para ajudar Dia Internacional da Mulher...
no sustento da família. Seguindo os conselhos de seu pro-
fessor, ela vai atrás do aluno. 1 Você sabe como surgiu o Dia Internacional da Mulher,
comemorado no dia 8 de março? Veja essa história na
• Vem Dançar (Take the Lead). animação apresentada no site do youtube <http://www.
Dir.: Liz Friedlander. 108 min. (EUA, 2006). youtube.com/watch?v=-BuOPiTH-0U> e apresente-a aos
Pierre Dulaine é um dançarino profissional que resolve seus alunos. Se não for possível a visualização do vídeo
trabalhar voluntariamente numa escola de dança do sistema pelo computador, encontre essa história para ser impressa
de ensino público nova-iorquino. Enquanto sua formação e utilize-a como uma aula, com o objetivo de conhecer e
bate de frente com os desejos de seus alunos, juntos eles discutir sobre as condições de trabalho da mulher.
criam um novo estilo de dança. Baseado em história real.
2 Realize uma pesquisa histórica sobre os fatos que marca-
ram a origem desta data. Posteriormente, peça para os alu-
nos realizarem uma pesquisa etnográfica na comunidade
em que moram, e que observem ou entrevistem alguma
mulher no seu ambiente de trabalho para investigar: jor-
nada de trabalho, grau de intensidade do trabalho, poliva-
lência, comparação salarial com grupo masculino de mes-
ma função e posto de chefia/gerência. Em seguida, poste o
resultado dessa pesquisa na rede virtual do curso.
2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais 221
Referências
ALEM, Sílvio Frank. História do sindicalismo brasileiro: uma periodização. Brasília: Re- GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e con-
vista Universidade e Sociedade, ano I, n. 1. 1991. p. 56-65. temporâneos. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
BOBBIO, Norberto; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Var- LE BON, Gustave. Psicologia das multidões. Lisboa: Publicações Europa-América, s.d.
riale (et al.). v. 1 e 2. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1993.
LINHARES, Hermínio. Contribuição à história das lutas operárias no Brasil. 2. ed. São
CATTANI, Antônio David; HOLZMANN, Lorena (Orgs.). Dicionário de Trabalho e Tecnolo- Paulo: Alfa-Ômega, 1977.
gia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
COHN, Gabriel. Sociologia da Comunicação. São Paulo, Pioneira, 1973. PORTA, Donatella Della. O movimento por uma nova globalização. São Paulo: Edições
Loyola, 2007.
CURY, Carlos R. J. Educação e contradição: elementos metodológicos para uma teoria
crítica do fenômeno educativo. 3. ed. São Paulo: Cortez/Editores Associados, 1987. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-moderni-
dade. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
FORACCHI, Marialice Mencarini; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade – lei-
turas de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977. SHERER-WARREN, Ilse. Movimentos sociais – um ensaio de interpretação sociológica.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1984.
222 2º Módulo Disciplina 4: Participação política e cidadania 4ª Aula: Ação coletiva e movimentos sociais
Disciplina 5 Metodologia
e recursos didáticos
Esta disciplina visa promover a compreensão dos fundamentos metodológicos do ensino de Sociologia para
a escola média brasileira, a partir da análise de estratégias de ensino e formas de mediação do conhecimento;
reflexões sobre o planejamento e a avaliação curricular e de aula; o estudo dos livros e recursos didáticos e
suas possibilidades de usos. Os professores-cursistas serão estimulados a considerar suas experiências em sala
de aula, favorecendo a integração entre teoria e prática.
Ementa:
Objetivos gerais:
os fundamentos metodológicos
Flávio Marcos Silva Sarandy
As aulas que compõem esta disciplina constituem uma Metodologia e recursos didáticos
sequência lógica das aulas da Unidade 2, “Fundamentos te-
óricos e metodológicos e finalidades do ensino de Sociologia Os conteúdos necessários ao estudo dos fundamentos me-
no nível médio”, da Disciplina 3 do Módulo I. É fundamental todológicos do ensino de Sociologia
rever essas aulas para que você, cursista, melhor aproveite os No Módulo I você foi convidado a realizar uma autoanálise
estudos nesta etapa final de sua formação e para que realize de sua formação e de sua prática docente, compreender a (e
com sucesso o TCC. Uma das alternativas para a confecção do sua inserção na) história da disciplina no Ensino Médio, bem
TCC é escrever a memória de sua formação e prática docentes; como analisar os fundamentos metodológicos e possibilida-
também há a opção de elaborar um projeto para a disciplina, des para a prática didática. O principal objetivo das primeiras
opções que serão discutidas no próximo módulo. Em qual- aulas foi assim descrito: fazer uma ponte entre a sua experi-
quer desses casos, o presente estudo será de grande auxílio. ência concreta e alguns elementos necessários para avaliar o
A partir deste ponto, acompanharemos de perto aulas já seu cotidiano, sua formação e sua trajetória. Naquele momen-
estudadas no Módulo I, com o fim de complementar seus to, discutiu-se sobre memória, sociedade e formação. Vimos
estudos ou aprofundar alguns aspectos. Como já explicado que existe uma série de conceitos e análises sobre o tema, para
naquele Módulo, não trataremos estratégias metodológicas, os quais inúmeras fontes podem ser utilizadas para se traba-
técnicas didáticas e recursos didáticos separadamente. Alguns lhar essas questões, como a fotografia, a música, a literatura e
exemplos e sugestões serão fornecidos ao longo das próximas o cinema. Estudamos formas de se narrar as memórias e as
aulas, mas em nenhuma hipótese devem ser vistos como fór- histórias de formação, bem como a diferença entre memorial,
mulas de ensino ou substitutos da experiência do professor; curriculum vitae, biografia, biografia romanceada e um me-
antes, a presente disciplina é um convite à reflexão e ao debate morial de formação.
sobre como ensinar Sociologia no nível médio de escolariza- Também foi analisado o percurso histórico e social que
ção. culminou com a aprovação da Lei nº 11.684, de 2 de junho de
2008, que incluiu a Filosofa e a Sociologia como disciplinas
obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio. Conhecer
a história da disciplina é fundamental, tanto para que você
Propondo objetivos possa refletir sobre sua formação e inserção como docente do
Ensino Médio quanto para que as justificativas para a inclusão
da disciplina se estabeleçam em bases mais sólidas.
O que se pretende nesta etapa do curso é: Observamos, a partir de alguns estudos que abrangeram a
história da disciplina – e mesmo de outros que não a tinham
resgatar os conteúdos estudados no Módulo I; por foco –, que o ensino da Sociologia deixou de ser obrigató-
rio de 1942, quando da Reforma Capanema, até 2008, com a
rever alguns fundamentos teóricos e metodológicos es- alteração da Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Um longo pe-
tudados; ríodo de “intermitências”, como se tem observado, e, em todo
o caso, de ausência, dispersão e quase invisibilidade nos sis-
refletir sobre a relevância e a urgência em se desenvol- temas de ensino. Esta tem sido a história de nossa disciplina.
ver pesquisas e aprofundar o conhecimento sobre a meto- Portanto, sua ausência relativa persiste desde antes do golpe
dologia de ensino da Sociologia. de 1964 e mesmo após a redemocratização; verdadeiro para-
doxo, sua presença se deu durante parte de um período dita-
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 1ª Aula: Introdução: relembrando os fundamentos metodológicos 225
torial, no Estado Novo, e enfrentou a enorme resistência go- bilidade de abordagem do problema é especularmos sobre as
vernamental durante um período formalmente democrático, condições para a permanência da Sociologia como disciplina
durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, apesar do Ensino Médio brasileiro – como disciplina legítima e não
de que os governos militares aprofundaram o abismo entre somente legal.
a disciplina e as escolas, pois que a relacionaram aos movi- Propomos que a legitimidade da disciplina advirá do sen-
mentos revolucionários e de resistência ao regime. Estudamos tido que lograrmos construir para ela. Quanto a isto, a comu-
ainda que sua intermitência foi relativa, pois, mesmo durante nidade dos cientistas sociais, ou sua parte interessada, tem
o regime ditatorial militar, a disciplina sobreviveu nos cursos um papel singular a desempenhar, a dedicação às investiga-
secundários para o magistério, como Sociologia da Educação, ções metodológicas que envolvem seu ensino, num esforço
e a maior perda, no plano legal, no período, somente veio com de elaborar teoricamente suas potencialidades educacionais;
a Lei nº 5.692, de 1971, por meio da qual se aprofundou o ca- o que, vale dizer, significará construir a justificativa para sua
ráter tecnicizante do ensino, como é sabido. presença no Ensino Médio, afirmar argumentativamente sua
Alguns equívocos têm sido alimentados pelas narrativas relevância, estabelecer seus fins, seus desdobramentos, seus
sobre a história da disciplina. Tem-se afirmado que o retorno fundamentos, sua metodologia própria. O projeto político de
da disciplina aos quadros de conteúdos próprios do Ensino construção da disciplina e de seu retorno aos currículos esco-
Médio é um resgate histórico em face do período ditatorial lares não é decorrente duma necessidade inerente ou essen-
militar recente da história de nosso país, que a havia excluído. cial à escola ou à própria disciplina. Muito menos pelo “natu-
No primeiro módulo, estudamos que tal narrativa serve a uma ral” interesse da comunidade acadêmica dos cientistas sociais,
visão de tipo missionária e se, por um lado, instiga os ânimos como se pela presença das Ciências Sociais nos cursos univer-
em sua defesa, por outro, distorce em algum grau sua história sitários decorresse a obrigação de sua transposição à escola. A
e obsta o aprofundamento de sua necessária investigação. legitimidade social da Sociologia como disciplina obrigatória
De fato, houve intermitência no plano das políticas go- do Ensino Médio brasileiro, única via para garantir sua per-
vernamentais, ou seja, em diferentes reformas educacionais manência, é projeto político e intelectual; uma construção que
ora a disciplina encontrou acolhida, ora foi excluída – e nem depende essencialmente de nossa capacidade de construí-lo,
sempre sob a nomenclatura de “Sociologia”. Relembremos: teórica e politicamente.
em 1882 a disciplina foi proposta num projeto de reforma, No primeiro módulo, afirmamos que o ensino da Sociolo-
por Rui Barbosa; em 1891, ela foi apresentada no projeto de gia no Ensino Médio tem por objetivo fazer com que o aluno
Benjamin Constant, tendo sido criada a cátedra “Sociologia e consiga organizar o pensamento e mudar seu olhar sobre as
Moral”, no ensino secundário; na Reforma Epitácio Pessoa, de questões cotidianas ou gerais. Que o sentido (e a especifici-
1901, deixou de ser obrigatória no currículo da escola média, dade) do ensino sociológico é o de desenvolver uma nova
mas até este momento não chegou a ser efetivamente ofere- atitude cognitiva em nossos alunos. Em outros termos, seria
cida em todo o sistema; em 1925, com a reforma do ministro promover a imaginação sociológica, que permite aos nossos
Rocha Vaz, ela retornou ao ensino secundário e foi ratificada alunos compreender o processo histórico em suas relações
pela Reforma Francisco Campos, de 1931; em 1942, com a Re- com a biografia individual, ou ainda, que permite que o aluno
forma Capanema, ela deixou de ser obrigatória novamente, e perceba-se como integrante de um processo histórico e parte
deste período até a Lei 11.684, de 2 de junho de 2008, que a de um destino comum. E, para isso, você deve ter aprendido,
tornou obrigatória, parece ter ocorrido algum movimento em os conceitos e técnicas investigativas da memória podem ser
torno de seu ensino e de seu retorno oficial, nas décadas de bastante úteis no trabalho docente. Vimos também que o es-
1940 e 1950 e, principalmente, com os movimentos pela (re) tudo da Sociologia ajuda o jovem a desenvolver a capacidade
inclusão da disciplina, a partir de 1982, notadamente em São de ler, interpretar e escrever textos diversos – ferramentas bá-
Paulo e no Rio de Janeiro. Vemos, portanto, que no plano legal sicas do trabalho intelectual, como também o ajuda a fazer
a disciplina de fato foi intermitente, mas sempre existiu, ainda relações entre as diversas áreas de conhecimento. Tais capaci-
que timidamente e de modo acentuadamente dispersivo, nos dades são fundamentais na preparação para o vestibular, para
sistemas de ensino, seja como disciplina da formação em nível a inserção no mercado de trabalho e na formação do cidadão;
médio para o magistério, seja no ensino superior, notadamen- aspectos de um mesmo processo.
te nos bacharelados em Direito. Estudamos que os livros didáticos integram um sistema
A julgar pela história da disciplina e pela frequente suspei- bem estruturado de produção e reprodução do campo cien-
ção a que tem sido submetida, vivemos um momento de cau- tífico e têm sido importantes tanto para a formação do futuro
tela. Não há garantia de que a obrigatoriedade se mantenha. A pesquisador quanto para a formação dos professores, ainda
permanência da disciplina no quadro das disciplinas acolhi- que pouco utilizados como fonte direta em seus planos de en-
das na matriz disciplinar do Ensino Médio ainda demandará sino. Esse papel formativo deve-se, entre outras razões, porque
intervenções da comunidade científica e docente Uma possi- os didáticos permitem a apreensão e a reprodução dos mode-
226 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 1ª Aula: Introdução: relembrando os fundamentos metodológicos
los, valores, atitudes, códigos e linguagem do campo científico. Segundo a autora, no momento passa por novas
É essa “imagem da ciência”, essa ideologia da prática científica, revisões para ser encaminhado para publicação.
que os manuais didáticos carregam, compreendidos a um só
tempo enquanto instrumentos pedagógicos e produção cien- • SANTOS, Mário Bispo dos. A Sociologia no ensino
tífica. Para a maioria dos casos, do ponto de vista pedagógico, médio: condições e perspectivas epistemológicas.
os manuais didáticos de Sociologia existentes expressam a fal- Link: <http://www.sociologos.org.br>.
ta de tradição, nas Ciências Sociais, em pesquisas e reflexões
sobre o ensino da própria disciplina, e, do ponto de vista do • MORAES, Amaury Cesar. Desafios para a implantação
conteúdo, a Sociologia que é apresentada pelos manuais do do ensino de Sociologia na escola média brasileira. In:
Ensino Médio não difere tanto dos currículos universitários e HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luiz Fernandes (Orgs.). A
da agenda acadêmica. Sociologia vai à escola. História, Ensino e Docência, Rio de
O ensino de Sociologia na escola média deve ser pautado Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2009.
não somente pela definição de conteúdos a serem aprendidos
pelos alunos, mas também pela construção sistemática das Você também deve assistir às discussões travadas entre
estratégias e recortes metodológicos e dos recursos didáti- Amaury Cesar Moraes e Nélson Dácio Tomazi na coleção de
cos necessários ao alcance dos objetivos propostos para cada DVDs Sociologia no ensino médio, produzidos pela Atta Mídia
aula. Recursos didáticos, tanto como os próprios conteúdos e Educação (2008), em especial os DVDs 3, “Temas sociológicos”,
conceituais, devem ser compreendidos como meios para o de- e 4, “Questões práticas”.
senvolvimento das atitudes cognitivas almejadas pelo ensino
da disciplina, consubstanciadas nos termos estranhamento,
desnaturalização, apercepção sociológica e imaginação so-
ciológica. Estes princípios são importantes para que se possa Como vimos nesta aula...
desenvolver uma atitude crítica e analítica dos fenômenos so-
ciais, uma disposição intelectual importante para desenvolver
com os seus alunos. No Módulo I, você estudou sobre as finalidades do ensi-
no da disciplina, os seus fundamentos metodológicos, alguns
recursos didáticos e sobre as possibilidades de uso de livros
didáticos em aulas de Sociologia. Na 6ª Aula da Unidade 2,
Conhecendo mais sobre da Disciplina 3, do Módulo I, você iniciou uma reflexão sobre
possíveis recortes metodológicos e abordagens para o ensino
de nossa disciplina. A partir de agora você está convidado a
Para seguir com os debates propostos nesta aula, estude as prosseguir com aqueles estudos e reflexões, e, para isso, esta
seguintes publicações: � disciplina atuará como um complemento ao Módulo I no que
diz respeito estritamente às questões de ensino e ao planeja-
• SILVA, Ileizi F. A Sociologia no ensino médio: os mento curricular e de aula.
desafios institucionais e epistemológicos para a
consolidação da disciplina. In: GOMES, Ana Laudelina;
SILVA, Tânia Elias Magno da. Ensino da sociologia no
Brasil. Revista Cronos (Natal), v. 8, n. 2, (jul-dez) 2007. Atividade de avaliação
• SILVA, Ileizi F. Fundamentos e metodologias
do ensino de Sociologia na educação básica. In: Organizem-se em grupos.
HANDFAS, Anita; OLIVEIRA, Luiz Fernandes
(Orgs.). A Sociologia vai à escola. História, Ensino e Releiam os textos das aulas de 1 a 6 (1º Módulo, Disci-
Docência. Rio de Janeiro: Quartet; FAPERJ, 2009. plina 3, Unidade 2), com atenção especial à aula 6, “Recur-
sos didáticos”, que tem início na página 67.
• SILVA, Ileizi F. Os estudos sobre o ensino de Sociologia
no Brasil: as possibilidades de (re)construção de Após a releitura, escrevam um texto, entre duas e cinco
uma temática legítima para o campo científico. páginas, que responda à seguinte questão: na opinião do
Apresentado como parte do relatório do exame de grupo, quais os meios (opções metodológicas, recortes de
qualificação para o doutorado, em 19 de março de conteúdos, técnicas didáticas, recursos didáticos, lingua-
2004, na FFLCH da USP (texto integral mimeo). gem, etc.) são mais adequados para que uma aula de So-
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 1ª Aula: Introdução: relembrando os fundamentos metodológicos 227
ciologia logre êxito no desenvolvimento do estranhamento, Referências
da desnaturalização e da imaginação sociológica, que são
os fins que almejamos para a disciplina no Ensino Médio?
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curricula-
Estabeleçam, necessariamente, uma relação textual res Nacionais. Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília, DF: 2008.
com as aulas do Módulo I.
MORAES, Amaury C.; RÊSES, Erlando da S.; SARANDY, Flávio M. S.; SANTOS, Mário B.;
Após a conclusão, socializem com os demais grupos e TOMAZI, Nelson D. Curso de especialização em ensino de Sociologia. v. 1. Cuiabá: Cen-
promovam um debate. tral de Texto/UFMT, 2010.
228 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 1ª Aula: Introdução: relembrando os fundamentos metodológicos
2� aula
A despeito do fato de que esses três livros não mais corres- cia de uma perspectiva de classe e as opções por determinadas
pondem à maioria dos manuais didáticos disponíveis3, ainda categorias sociológicas, como o trabalho, caracterizam quase
é grande sua utilização por parte dos professores do Ensino todos os manuais, à exceção do livro de Pérsio Santos de Oli-
Médio, ao menos a considerar o levantamento realizado no veira, considerado por alguns professores do Ensino Médio
Grupo de Discussão “Livros e materiais didáticos”, do I Encon- como alinhado à Sociologia sistemática, porém imagem que
tro Nacional sobre o Ensino de Sociologia na Educação Básica, deve ser relativizada, pois se o livro se distingue bastante dos
realizado no IFCS/UFRJ, entre os dias 26 e 27 de julho de 2009, demais, por um lado, por outro oferece basicamente os mes-
sob os auspícios da SBS. Além disso, o livro de Paulo Mekse- mos conceitos, a mesma perspectiva histórica da elaboração
nas não é propriamente ou não pretendeu ser exclusivamente das ideias sociológicas, além da predominância da discussão
um manual didático (ainda que assim venha sendo utilizado), sobre o trabalho e a produção da riqueza social com aborda-
dado que dirigido a refletir a construção de um programa dis- gens que não estão muito distantes dos outros dois. A diferen-
ciplinar, como se pode observar em seu índice, no quadro an- ça entre eles não é substancial. No caso do manual de Pérsio
terior; porém aqui serão considerados também os conteúdos pode-se perceber o uso menos rigoroso do conceito de modo
presentes nesta obra. de produção que em outros manuais, que, por sua vez, tam-
Do ponto de vista da estrutura e da lógica de organização bém procedem a uma leitura “weberiana” do conceito marxis-
dos índices destes livros e do conteúdo de seus textos, pode- ta. Porém, do ponto de vista estrutural, quanto aos conceitos
mos fazer os seguintes apontamentos breves: as análises rela- ensinados, às abordagens teóricas mobilizadas, à organização
tivas à transição do feudalismo ao capitalismo, a predominân- dos capítulos ou unidades e ao tratamento didático-pedagógi-
co, os manuais se aproximam em grau significativo.
Parece correto afirmar, portanto, que no caso desses livros
3 Nelson Dacio Tomazi publicou um novo manual didático, porém como autor e não em coautoria didáticos há uma visão bem semelhante sobre o que ensinar
como o considerado aqui, que difere substancialmente deste (Ver TOMAZI, 2007). Informações
recentes dão conta de que o livro de Pérsio S. de Oliveira está em revisão e atualização pela
em Sociologia no Ensino Médio, isto é, quais são os conteúdos
editora Ática. O mercado editorial brasileiro tem investido em vários novos livros didáticos de que importam para a aprendizagem do aluno. Percebemos
Sociologia voltados ao Ensino Médio. Como exemplo, temos a excelente coleção organizada
por Heloísa Buarque Almeida e José Eduardo Szwako (2009), apesar de que antigas tendências
uma convergência sobre conceitos, temas, instituições e cate-
permanecem, como livros dirigidos “ao Ensino Médio e aos primeiros anos do ensino superior”. gorias consideradas fundamentais ou relevantes para a disci-
Nas Ciências Humanas, e mesmo nas ciências naturais, a Escolha um plano de aula para a disciplina Sociologia
“reconstrução” do conhecimento científico deve atender aos – ou elabore um novo – sobre conteúdo de livre escolha;
objetivos didáticos específicos do nível de ensino em que está
inserido e Verifique se ele contempla de modo integrado os re-
cortes sugeridos para o ensino da Sociologia. No caso do
teorias, temas e conceitos devem estar articulados previamente plano escolhido abordar exclusivamente uma teoria, um
no discurso do professor, de modo que fique claro que há uma conceito ou um tema, complete-o até que ele referencie as
necessidade de integração entre a teoria e os temas abordados, três opções metodológicas de forma integrada, prevendo
não aparecendo esses como exemplos arbitrários. Do mesmo conteúdos e abordagens dos mesmos por meio da relação
modo, há uma coerência entre a teoria e o uso de determinados às teorias, aos conceitos e aos temas pertinentes (que os
conceitos, o que garante que o discurso de uma teoria sociológi- conceitos visam explicar ou compreender). No caso de ne-
ca tenha sentido e possa ser reconhecido como válido quando se cessitar completar o plano de aula, cuide para que os con-
refere ao mundo empírico. (OCNs, 2008, p. 124) teúdos a serem ensinados possam ser trabalhados numa
única aula, bem como do planejamento das técnicas e dos
recursos didáticos necessários;
COSTA, Cristina. Sociologia – introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, TAKAGI, Cassiana T. Tedesco. Ensinar Sociologia: análise dos recursos de ensino na es-
1997. cola média. Dissertação de mestrado. São Paulo: USP, 2007. [Orientador: Amaury César
Moraes].
DUMONT, Louis. Homo hierarchicus – o sistema das castas e suas implicações. São Pau-
lo: EDUSP, 1997. TOMAZI, Nélson; LOPES JÚNIOR, Edmilson. Uma angústia e duas reflexões. In: Socio-
logia e Ensino em debate. Experiências e discussão de Sociologia no ensino médio.
GIGLIO, Adriano. A Sociologia na Escola Secundária: uma questão das Ciências no Brasil CARVALHO, Lejeune M. G. (Org.). Ijuí, RS: Unijuí, 2004.
– anos 40 e 50. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1999. [Orientador:
Luiz Werneck Vianna]. TOMAZI, Nélson Dácio (Org.). Iniciação à Sociologia. São Paulo: Atual, 1999.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. _____. Sociologia para o ensino médio. São Paulo: Atual, 2007.
LAGO, Benjamin Marcos. Curso de Sociologia e Política. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, VILLAS BÔAS, Gláucia (Org.). A importância de dizer não e outros ensaios sobre a recep-
2002. ção da Sociologia em escolas cariocas. Série Iniciação Científica, n. 8, 1998. [Pesquisa
desenvolvida como parte das atividades do Núcleo de Pesquisas de Sociologia da Cul-
MEKSENAS, Paulo. Sociologia. 2. ed. 5ª reimpressão. São Paulo: Editora Cortez, 1999. tura – Laboratório de Pesquisa Social/IFCS/UFRJ].
Iniciando nossa conversa didática do professor em seu cotidiano escolar. Como alerta
Ghiraldelli Jr. (2005, p. 2), em curioso artigo,
Nesta aula sistematizaremos certas noções relativas ao Jamais acredite que há técnicas universais capazes de servirem
trabalho didático rotineiro, em especial sobre o planejamento para todo e qualquer conteúdo a ser ensinado. Mas jamais acre-
das aulas para a disciplina. Estas noções serão tratadas nesta dite que não há um ponto comum entre os vários conteúdos,
aula a partir de um ponto de vista formal. Mas não constituem capaz de fazer todas as matérias serem ensinadas de modo se-
fórmulas para o ensino, tão somente definições que podem vir melhante. Um deles é o livro – o livro que você deve escrever! O
a ser úteis. livro que você vai fazer, registrando as técnicas que você acredita
que podem funcionar e melhorar o aprendizado da matéria em
questão, é a chave de seu ensino na parte didática. Testar técni-
cas é uma obrigação, mas nunca parar de testar é transformar
Propondo objetivos seus alunos em cobaias. Você não pode ser professora se quer ter
cobaias e não alunos. Além disso, lembre-se de que cada técnica
não tem razão de ser em si mesma. Cada técnica é uma forma de
O que se pretende nesta etapa do curso é: articular algum meio para atingir determinados fins. Fora disso,
você estaria cultuando sua profissão não como professora, mas
Fornecer noções formais de elementos da atividade di- como uma reduzida criadora de “didatiquices”.
dática cotidiana;
Refletir sobre a prática de sala de aula de forma abstrata é 2. Programa que regula previamente uma série de ope-
motivo de temor. O risco aumenta se nos damos a imaginar rações que se devem realizar, apontando erros evitáveis,
técnicas e atividades sem antes conhecer o contexto sobre o em vista de um resultado determinado.
qual pensamos utilizar os métodos e as técnicas pensados.
Sem qualquer conhecimento do aluno com o qual estaremos 3. Processo ou técnica de ensino.
lidando ou o contexto institucional da escola. Discutir sobre
a prática de ensino voltada a um aluno abstrato numa escola 4. Modo de proceder; maneira de agir. Prudência, cir-
imaginária é improfícuo, senão absurdo. Entretanto, é possí- cunspecção, modo judicioso de proceder.
vel que algumas noções sistemáticas, tomadas com extremo
cuidado, possam ser úteis como ponto de partida à atividade O método de ensino pode ser definido como um conjunto
de procedimentos intelectuais e técnicos que organizam a si-
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 243
tuação de ensino e visam à produção de aprendizagem. Neste termo “político” parece estar sendo preterido), é que a LDB
sentido, a noção de método de ensino, em geral, implica um determina que este projeto seja realizado pela própria escola e
conjunto mais amplo que a expressão técnica de ensino, ape- que os professores participem ativamente de sua construção.
sar de que para fins deste curso prescindimos desses detalhes. Isso é importante, sem dúvida, ainda que nem sempre possível
Se por método de ensino nos referimos ao caminho geral perante a necessidade do professor de empregar-se em duas
que entendemos necessário para alcançar um objetivo peda- ou mais escolas, condição que dificilmente permite que a do-
gógico, a metodologia de ensino pode ser compreendida num cência seja uma experiência “imersiva”.
duplo sentido, num uso corriqueiro, como conjunto de mé- E o que pretendemos dizer quando falamos em plano de
todos, como no termo “metodologias”; e num sentido mais aula ou plano de curso? O que é, afinal, um planejamento? Pla-
estrito, e utilizado neste curso, como área de investigação – o nejar é reagir com curiosidade e esforço de inteligência dian-
estudo dos métodos (em dicionário também é possível encon- te de um problema. O planejamento é um processo mental
trar “arte de dirigir o espírito na investigação da verdade”). É no qual partimos da definição de objetivos (onde desejamos
evidente o componente normativo da área, como de resto em chegar) e prevemos todos os passos, recursos e dificuldades
todo o conhecimento relativo à educação. Não escapa a este necessárias para o alcance destes objetivos. O plano é o re-
tipo de investigação um julgamento valorativo sobre métodos sultado do planejamento. Planejamento é processo, o ato de
bons e ruins. Entretanto, como possibilidade de pesquisa cien- planejar em execução; já o plano é o planejamento elaborado,
tífica e acadêmica, cabem os mesmos cuidados para tornar escrito ou não. Diante de um problema procuramos refletir
dogmático o que ainda pouco se conhece. para decidir quais as melhores alternativas de ação possíveis
para alcançar determinados objetivos, isto é, qual o método
que adotaremos, mas sempre a partir de certo contexto e con-
siderando as circunstâncias determinadas. No processo de
Definição de planejamento planejamento procuramos responder a perguntas como: Qual
o objetivo que pretendo atingir? Em quanto tempo pretendo
No dia a dia escolar o professor convive com um cipoal de alcançar este objetivo? Como posso e por que meios alcançar
vocábulos de sentido nem sempre claro – ou porque estes po- o que pretendo? Quais os recursos de que necessito para al-
dem variar e de fato variam – e cujo emprego pode ser alguma cançar meu objetivo? Como analisar a situação, por que crité-
utilidade na organização do trabalho docente. Um desses ter- rios, a fim de verificar se o que pretendo foi alcançado?
mos é projeto. E a dúvida aumenta quando palavras próximas, Disso decorre que podemos sistematizar algumas etapas
ou aparentemente próximas, convivem num mesmo espaço, do planejamento de uma aula, ainda que a título ilustrativo.
como projeto, planejamento, método, técnica, plano, progra- A primeira se pode definir como sendo o conhecimento da
ma, etc. É importante sistematizarmos algumas noções e co- realidade, isto é, identificar para quem se vai planejar: as as-
nhecermos certas definições (meramente formais). pirações, as frustrações, as necessidades e as possibilidades
Afinal, o que queremos dizer quando usamos o termo do aluno. Essa sondagem poderá ser feita através de um ba-
projeto? O vocábulo projetar tem origem no termo latino te-papo ou de um questionário. É uma boa forma para não
projectu, sendo que projetar significa “arremessar, lançar para correr o risco de propor o que é impossível alcançar ou o que
diante, atirar longe” (Dicionário Aurélio, citado). O projeto pe- não interessa ou, ainda, o que já foi alcançado. A segunda diz
dagógico de uma escola não é o mesmo que um simples plano respeito à elaboração do plano. A partir da sondagem faz-se
de trabalho que detalha passo a passo o que se pretende seja um diagnóstico das necessidades e possibilidades de traba-
feito. Em suas dimensões pedagógica e político-administrati- lho com a turma. Elabora-se um plano de atividades que deve
va, o projeto é, ou deveria ser, em consonância com seu senti- seguir alguns passos para a organização do trabalho didático.
do etimológico, similar a um mapa, indicando rotas possíveis, Neste, deve-se prever objetivos, conteúdos, procedimentos, re-
caminhos mais adequados, porém não fixando cada passo que cursos e formas de avaliação. A isto chamamos plano de aula.
se deve dar. Ele fornece a estratégia geral por meio da qual a Os objetivos constituem a descrição clara do que se pretende
escola se projeta para diante, o que implica que o projeto é alcançar como resultado da atividade de ensino – observe que
dinâmico, nunca uma camisa de força. Mas o rigor nesse jogo os objetivos são objetivos dos alunos ou para eles. O conteú-
de palavras deve ser evitado, dado que os termos linguísticos do deve ser compreendido como instrumento básico para os
não carregam em si essências universais. O mais importante é objetivos de ensino estabelecidos, devendo estar relacionado
compreendermos que é possível um mínimo de organização aos mesmos, e não necessariamente precisam ser elencados
do trabalho docente sem perdermos de vista sua inserção so- em detalhes, sendo mais importante o professor definir a ideia
ciológica e sua dinâmica política. central de cada conteúdo. Procedimentos de ensino são ações,
Aspecto importante quanto ao projeto político-pedagógi- atividades, processos ou comportamentos planejados pelo
co da escola (ou projeto pedagógico, dado que atualmente o professor para colocar o aluno em contato direto com os con-
244 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
teúdos, sejam estes teorias, conceitos ou temas, em função dos Talvez se pense que o dito anteriormente expresse a opi-
objetivos delimitados. Dentro de procedimentos podemos nião de que o planejamento é necessário para se evitar a im-
destacar a escolha das técnicas de ensino e a seleção dos re- provisação, o que, em si mesma, não constitui um erro, mas
cursos de ensino. Na sequência, temos a etapa da execução de um risco. No entanto, creio que o maior benefício do plane-
nosso plano de aula e que pode sempre esbarrar em elementos jamento fica com o professor, já que evita a rotina, contribui
não previstos no plano, que por isso mesmo deve prever uma para a realização dos objetivos de ensino, lhe fornece um norte
margem de flexibilidade, ser alterável conforme a necessidade para seu trabalho e, principalmente, lhe poupa tempo. Como
indique. Por fim, a última etapa, porém não menos importan- crítica, devemos apenas ter cuidado com o excesso de buro-
te, é avaliação do plano. Ela é importante para que possamos cracia nos planejamentos escolares, algo muito comum, que
saber se estamos, de fato, alcançando o que esperamos alcan- mais engessa o ensino e desgasta o professor – e produzindo
çar. Consiste em avaliar os resultados obtidos e avaliar a efici- o efeito contrário do que se deseja: tomando-lhe um tempo
ência de nosso trabalho. precioso para a pesquisa.
Um plano não deve descuidar de sua coerência e unidade, Ainda num registro meramente formal, o planejamento
isto é, da necessária conexão entre meios e fins, entre os obje- escolar diz respeito ao processo de tomada de decisão quanto
tivos e os procedimentos, recursos e avaliação previstos. Tam- aos objetivos a serem atingidos e à previsão das ações, tanto
bém deve prover continuidade e sequencia de estudos para pedagógicas como administrativas, e que devem ser executa-
que o trabalho seja sistemático e integrado em uma sequencia das pela equipe de agentes educativos da escola, calcadas nas
gradual, didática e lógica de estudos. Mas também deve ser condições objetivas do sistema de ensino, bem como nos inte-
flexível para permitir reajustes às situações contingentes. Um resses da comunidade e do projeto pedagógico da instituição
plano no qual não se conta com o imprevisível não é um bom escolar. Já o planejamento curricular diz respeito à relação en-
plano, pois não permite a inclusão de novas situações dentro tre os princípios epistemológicos e os conteúdos teóricos de
do conteúdo a ser aprendido, que poderão ser aproveitadas uma área de conhecimento e as teorias educacionais adotadas
enquanto situações de aprendizagem para alunos e professor. pelo sistema de ensino e pela escola, tanto quanto à relação
Sempre podemos esperar uma pergunta que nunca nos destes com os objetivos gerais definidos para cada série e seus
ocorreu, uma leitura distinta, porém plausível, um movimento conteúdos programáticos.
inesperado da classe, a expressão de uma necessidade que não Por planejamento didático podemos compreender a ope-
consideramos. Tanto quanto devemos (e não somente porque racionalização do plano curricular, isto é, a organização dos
professores da disciplina Sociologia) abrir a aula à experiên- processos e situações de ensino, o que envolve a elaboração
cia do vivido, ao que circunda a escola e a sala de aula e mais de aulas, o planejamento de atividades e experiências discen-
que as circunda, as invade de um modo ou de outro. Alunos tes, a definição quanto ao tempo e ao espaço, a previsão dos
não são seres abstratos e sua presença em sala carrega com recursos e o planejamento da avaliação. Em outros termos, é
eles parte da vida social que nos interessa compreender – e a organização e a otimização das relações de ensino. A partir
que nos interessa que eles próprios compreendam. A escola e do planejamento didático há um desdobramento no qual são
também a aula não subsistem suspensas num vácuo em meio seguidos os mesmos passos e pensados os mesmos elementos
a um universo ideal. Uma aula de Sociologia que não se faz (condições socioeconômicas, cultura local e institucional, am-
em íntima conexão com o fluxo de experiências em meio à biente, espaço, tempo, objetivos, conteúdo, métodos, procedi-
vida social é um desperdício. Também devemos evitar a ideia mentos, recursos, atividades, avaliação):
de que não se deve “fugir” do conteúdo previsto, a exemplo do
que pensa Dermeval Saviani (1986), pois a definição dos conteú- 1. O planejamento de curso é a previsão dos conteúdos
dos e de sua relevância é sempre arbitrária. Mas com isso não programáticos, das atividades e da avaliação a serem re-
se elimina a necessidade de um plano e de uma direção a uma alizadas em uma determinada classe de alunos para um
meta a alcançar. determinado período letivo, levando-se em conta a reali-
Além disso, um plano deve ter objetividade e funcionalida- dade desses alunos, sua condição, suas necessidades e seus
de, deve atender às condições reais sobre as quais se trabalha, interesses, bem como expectativas sociais e pressupostos
os interesses e a demandas dos alunos e da comunidade, e os políticos do processo de ensino. O plano de curso pode ou
recursos disponíveis, de modo a responder a questões práti- não refletir a totalidade do currículo previsto;
cas que emergem da atividade de organização do ensino. Ade-
mais, o plano deve ser preciso e expresso com clareza para que 2. O planejamento de unidade é o planejamento de um
seja inteligível a todos seus eventuais leitores e interessados determinado campo significativo do plano de curso;
– a começar pela linguagem utilizada. Deve se permitir ser
compreendido e aplicado por outro professor. 3. O planejamento de aula é a operacionalização do pla-
no de curso e do plano de unidade, onde se devem prever
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 245
minimamente objetivos, conteúdo, métodos, procedimen- do processo de ensino e devem ser formulados em termos do
tos, recursos, atividades e avaliação para a realização de comportamento observável no aluno em relação à sua com-
uma aula diária. preensão da realidade social que se espera desenvolver e aos
conteúdos que se espera ele passe a conhecer.
O professor deve prever as dificuldades que podem surgir Os objetivos específicos têm por função – o que já expressa
durante a ação docente ou durante uma aula, para poder su- sua utilidade para o professor – estabelecer, de modo suficien-
perá-las com economia de tempo; evitar a repetição rotineira temente claro, preciso e objetivo, os fins a serem alcançados ao
e mecânica de cursos e aulas, porém igualmente evitar modis- longo e ao fim do processo de ensino; visam orientar as ativida-
mos e inovações tidas por válidas em si mesmas; adequar o des, o uso dos recursos e a definição dos procedimentos mais
trabalho didático aos recursos disponíveis e às reais condições adequados para a sua obtenção; e detalhar os procedimentos e
dos alunos e da escola – e também à sua própria condição, instrumentos de avaliação da aprendizagem e do trabalho do-
pois espera-se tudo do professor, ainda que pouco se lhe ofe- cente. Trata-se de tornar claro os propósitos da atividade edu-
reça; adequar os conteúdos, as atividades e os procedimentos cativa, de modo a permitir seu desenvolvimento a contento.
de avaliação aos objetivos propostos; garantir a distribuição Mas há que se refletir seriamente sobre objetivos de en-
adequada do trabalho em relação ao tempo disponível. sino, e a despeito das definições formalmente estabelecidas.
A literatura pedagógica tem sido farta em sistematizar a Porque objetivos devem ser compreendidos como reais, parte
atividade didática e, como dito antes, não nos interessa uma do que se quer ou do que se deve fazer como ofício docente.
visão procedimental em excesso nem a sugerir que o ensino Não devem ser “objetivos de faz de conta”, colocados em pla-
torne-se atividade burocratizada. Mais adiante refletiremos nos de aula “feitos apenas por fazer”. Neste sentido, é de pou-
mais detidamente sobre isso. No Módulo III, na disciplina de ca utilidade escrever em seu plano de aula que se pretende
orientação ao TCC, você analisará um modelo para um plano desenvolver um “aluno crítico, reflexivo, participativo social
de ensino. e politicamente”, porque não se pode esperar alcançar isso
Passemos agora a detalhar algumas definições e noções numa aula e porque os objetivos que você pode fixar devem
relativas ao nosso trabalho docente cotidiano. ser objetivos mesmo: metas definidas com objetividade e, de
algum modo, avaliáveis e até mensuráveis quando for o caso.
É preciso que o professor e a professora se perguntem so-
bre metas mais factíveis. Em arremedo a Ghiraldelli Jr. (site do
Objetivos educacionais autor), podem perguntar se um aluno deve saber poder enten-
der um conceito do tipo “ideologia”, para utilizarmo-nos de
Os objetivos educacionais referem-se a aprendizagens de um exemplo das OCNs, ao final de quanto tempo? Deve saber
conteúdos cognitivos, procedimentais ou atitudinais ou, ain- relacioná-lo à ideia de Cultura? Assim sendo, que tipo de rela-
da, conceituais e factuais, conforme linguagem em voga e que ção você espera que ele faça? Seu aluno deverá compreender
uso, porém não sem algum desconforto, dado que seus pres- classe social apenas conceitualmente ou você espera que ele
supostos são antes objetos de pesquisa que espelhos da reali- utilize o conceito em descrições significativas da vida social?
dade. Os objetivos são definidos como aqueles significativos Como você avalia ou mesmo “mensura” isso? Como você vai
para uma determinada etapa de ensino. A educação neces- preparar seu aluno para determinados filmes, por exemplo,
sariamente visa a uma mudança de comportamento, seja em para que não sejam apenas um “cineminha” na aula? Ele vai
consequência de uma mudança nos valores, no modo de pen- suportar a “desestabilização” provocada pelo contato com de-
sar, nos conhecimentos e crenças ou nos sentimentos. O obje- terminado conteúdo, e como você vai saber sua reação e saber
tivo educacional, desse modo, é a explicitação em linguagem do seu sucesso? Como sugere o autor citado,
verbal, de preferência com clareza e precisão, da mudança que
se deseja no aluno ao longo do processo de ensino. como vê, no limite, sua profissão não é complexa, é simples. Você
Os objetivos gerais são os objetivos a longo prazo e expres- pode complicá-la à toa. Muitos são os pedagogos e pedagogas
sam os fins últimos da educação, referentes a uma determina- que as complicam à toa. Nada é mais simples do que uma pro-
da área de estudos, um sistema de ensino, uma escola ou um fissão de professora se você a toma da seguinte maneira: fixa os
grau/etapa/nível do ensino. Em verdade, os objetivos gerais objetivos e, então, trabalha para que eles possam ser alcançados.
expressam e estão em sintonia com a concepção de sociedade Se os objetivos são modestos, você pode saber se está atingindo
e de homem que propugna, ainda que de modo não conscien- alguns deles e, assim, pode ter feedback imediato a respeito da
te, bem como expressam os princípios filosóficos, valores so- sua profissão. Agora, se você começa a refletir sobre o que teses
ciais e teorias educacionais adotados. Já os objetivos específi- e mais teses de pós-graduação em educação, vindas da “cultura
cos referem-se a uma unidade de ensino, uma disciplina, uma da pedagogia”, vão lhe dizer para fazer, cuidado, você pode es-
aula. São as mudanças comportamentais esperadas ao longo tar desviando sua atenção. Pois cada vez mais as teses servem
246 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
apenas para alimentar a carreira do ensino superior, e não para capacidade intelectual de compreender e explicar fenômenos
resolver os problemas reais que você, professora, enfrentará nos da vida em sociedade. Isso não contradiz a visão de que os
momentos da aprendizagem. conteúdos são importantes. Apenas que eles são importantes
justamente pelo que deles se espera em termos de desenvolvi-
Não sugerimos aqui que se negligencie o conhecimento mento dos alunos.
pedagógico e os resultados de pesquisas acerca da metodolo- Mas até mesmo os conteúdos necessitam de uma razão que
gia do ensino – o que seria um contrassenso nesta disciplina os justifique, subsumidos que devem ser a finalidades mais
–, porém que você, professor e professora, pense com autono- amplas de desenvolvimento. Recordemos o que foi estudado
mia sobre quais são os seus objetivos educacionais e de que no Módulo I: à disciplina Sociologia cabe provocar no aluno o
forma você pode concretizá-los. estranhamento perante fatos, fenômenos, eventos e compor-
tamentos, construir nele a dúvida e a atitude crítica que não
aceita o dado como dado, senão o problematiza e o apreende
no esforço explicativo e compreensivo, desnaturalizando as
Conteúdos de ensino explicações dos fenômenos sociais, que se apresentam como
afirmação de uma realidade imutável, sem história e sem su-
De fato, a educação tem por função uma mudança qua- jeito. Da disciplina Sociologia espera-se que possa imbuir no
litativa no modo de ser, pensar, sentir, agir e perceber de um aluno a percepção de que os fenômenos sociais – assim como
indivíduo ou grupo. Sendo assim, os conteúdos seriam toda as crenças, imagens, valores e normas que compartilhamos
mudança verificada – proporcionada por e, ao mesmo tempo, na vida em sociedade – têm origem nas contradições sociais
expressa em conhecimentos, valores, crenças, comportamen- de períodos históricos determinados e nas lutas travadas
tos e modos de pensar aprendidos. Podemos definir os conte- cotidianamente por agentes que criam, pensam, imaginam,
údos, como o fez Haidt (2000), em “conhecimento sistematizado perseguem interesses, pois sujeitos de sua própria vida e da
e organizado de modo dinâmico, sob a forma de experiências História, ainda que constrangidos por condições objetivas e
educativas”. No entanto, outros autores definem e classificam estruturais. À disciplina solicita-se que provoque nos alunos
os conteúdos de diferentes modos: a imaginação sociológica, um impulso criativo que o leve à
produção de inteligibilidade sobre sua própria experiência in-
Conhecimentos sistematizados e experiências educati- dividual em articulação com a História. Não foi outra a forte
vas; sugestão de Wright Mills, e é a este fim que os conteúdos de-
vem servir.
Conteúdos conceituais, factuais e procedimentais; Existem aspectos “técnicos” a respeito do assunto que
por sua condição questionável e seu acento normativo não
Conhecimentos, valores, procedimentos, competências nos interessa aprofundar. Exemplo disso é a classificação de
e habilidades; etc. Haidt (2000) dos critérios que devem ser considerados para a
definição dos conteúdos, como validade: relação clara entre
Creio que, mais importante que uma classificação, é a de- os objetivos definidos e os conteúdos trabalhados; utilidade:
finição do que se espera em termos de mudança qualitativa, os conteúdos curriculares são considerados úteis quando es-
seja no comportamento observável, seja em operações cogni- tão adequados às exigências e condições do meio em que os
tivas ou outras. E se de fato pudermos dizer que a educação é alunos vivem, satisfazendo suas necessidades e expectativas,
uma narração sobre o mundo (social) e sobre a experiência tendo valor prático e aplicabilidade concreta; significação: re-
de vida (individual e social), tanto quanto uma redescrição lação com experiências anteriores e próximas, tendo sentido
a partir da criação de novas narrativas e outras fabulações, para o aluno; adequação ao nível de desenvolvimento do aluno:
os conteúdos sempre terão um componente afetivo ao lado o conteúdo deve ser adequado ao nível de desenvolvimento
de um componente cognitivo. Afetivo, aqui, compreendido de psíquico, social e cognitivo do aluno, conforme as conhecidas
modo lato, relacionado à valoração e ao julgamento da expe- etapas de maturidade de suas estruturas cognitivas ou men-
riência, própria e alheia. Neste sentido, o conteúdo é propria- tais, na linha das teorias desenvolvidas desde Piaget; flexibili-
mente a mudança desejada (ou verificada) que o componente dade: possibilidade de realização de alterações nos conteúdos
da mudança em si mesmo. O que, logicamente, torna indivisí- previstos sem perda dos objetivos definidos.
vel conteúdo e objetivo. Organizar os conteúdos é importante, pois é preciso se-
Como vimos nas OCNs, os conteúdos em Sociologia po- lecionar o que pode e deve ser trabalhado num momento e
dem ser teorias, conceitos e temas, integrados na aula. Tais o que será trabalhado mais adiante. Organizar os conteúdos
conteúdos devem ser função de seu objetivo de ensino, que, é essencialmente estabelecer uma ordem, uma sequencia e
no limite e igualmente para todas as aulas, é prover o aluno da uma relação entre esses conteúdos para que o trabalho ga-
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 247
nhe eficácia. Ou seja, além de estabelecermos o quê ensinar Avaliação
e como ensinar, também precisamos decidir em que ordem.
Pode-se estabelecer uma organização interna do conteúdo – O que significa avaliar? Que quem avalia faz uma aprecia-
sua sistematização para apresentação ao aluno – a partir de ção, um julgamento a partir de certos critérios, sobre o ob-
um critério lógico, próprio do sistema conceitual da área de jeto da avaliação. A partir de um ponto de vista etimológico,
saber em questão, isto é, como o conteúdo seria visto por um avaliar é determinar o valor, a valia, o merecimento, a mensu-
especialista. Ou pode-se organizar o conteúdo a partir de um ração. Avaliamos quando estimamos um valor. Ora, é funda-
critério didático, que expressa a condição do aluno de apre- mental que se estabelecemos um objetivo possamos saber se
endê-lo ou, nos dizeres de Haidt (2000), citando Ralph W. Tyler, o alcançamos ou não. A avaliação pode e deve ser feita, pois
indicando relações tais como podem aparecer ao aluno. Sem que, ao avaliar o aluno, o professor avalia seu próprio trabalho,
dúvida, é preciso um planejamento da organização dos con- condição para superar parte da frustração com que docentes
teúdos visando à sua apresentação de modo que este favoreça têm de lidar constantemente, já que a ausência de retorno so-
sua aprendizagem significativa, condição que o conteúdo en- bre seu trabalho também é fator de geração da sensação de
sinado faça sentido ao aluno. “inutilidade”.
A avaliação implica a interpretação de dados quantitativos
e qualitativos da situação e do processo de ensino, e outras
1 Atividade informações, para se obter um parecer ou julgamento de valor
que contribua para a percepção do próprio trabalho realizado.
Elabore um plano de aula em que objetivos, conteúdos, Mas avaliar não se confunde com testes e medições, se bem
estratégias de ensino e métodos avaliativos estejam bem que estes possam integrar uma avaliação. Testar significa veri-
definidos e articulados. ficar um desempenho através de situações previamente orga-
A atividade pode ser realizada em grupo. nizadas, que são os testes. Medir é descrever um fenômeno do
ponto de vista quantitativo.
Uma observação importante é que somente se pode avaliar
Na literatura pedagógica podemos encontrar diversas su- a partir dos objetivos propostos, que é o que deve ser avalia-
gestões de encaminhamento da aula, em geral consubstan- do. Avaliamos a partir de objetivos. Os instrumentos podem
ciadas em “passos” ou “fases”, como as seguintes: a primeira ser os mais variados, de medição e aferição de desempenho,
é a “exploração” ou “sondagem”, que consiste numa sonda- como pode ser qualitativa e mesmo subjetiva e se utilizar de
gem que o professor realiza para saber o conhecimento do instrumentos de observação e entrevistas, sempre com o in-
aluno sobre a unidade a ser trabalhada e na motivação para tuito de se conhecer a habilidade do aluno com determinada
despertar o interesse sobre essa unidade; após a sondagem, disciplina. Como avaliador, o professor de Sociologia pode in-
passar-se-ia à apresentação geral da unidade, isto é, a expo- clusive lançar mão dos instrumentos de pesquisa de seu cam-
sição do professor acerca dos aspectos e ideias essenciais da po científico. Há a denominada avaliação processual na qual o
unidade, dando uma visão de conjunto e as relações entre professor avalia o aluno no transcurso do processo de ensino
os diversos conteúdos que compõem a unidade; a assimi- e procura manter esse aluno engajado nos estudos, e há a ava-
lação, que é a fase de estudo propriamente dita, quando os liação em fim de período, com base em provas dissertativas e
alunos estudam toda a unidade de modo lógico e ordenado, testes objetivos.
por meio de suas subunidades, lendo, observando, fazendo É certo que a avaliação implica sempre, em alguma medi-
experiências, manipulando materiais, coletando dados, rea- da, uma classificação arbitrária, para além de seu sentido eti-
lizando entrevistas, etc.; a organização, em que o aluno siste- mológico. Avaliar, neste sentido, é um processo que Bourdieu
matiza os dados e informações adquiridos ou construídos e, denominou por violência simbólica. Mas a avaliação, ainda
analisando o resultado de sua pesquisa, anotando conclusões sendo sempre em parte punitiva e operando uma classifica-
anteriores e elaborando relatórios de forma clara, objetiva e ção, pode – e deve – servir ao trabalho docente, pois que se
precisa – nesta fase, o aluno integra os conhecimentos re- constitui em meio para que o professor e a professora acom-
alizando resumos, quadros sinóticos, sínteses, relatórios de panhem o desenvolvimento de seus alunos e de seu próprio
pesquisa, etc.; e, por fim, concluindo-se com a fase de expres- trabalho, tanto quanto não se pode esquecer que os alunos en-
são, na qual o aluno apresenta oralmente e/ou por escrito a frentarão outras situações de avaliação fora da escola. Há uma
unidade, ou melhor, seu aprendizado do conteúdo da uni- conhecida polêmica em torno da avaliação governamental,
dade estudada, expondo o conhecimento adquirido e suas que produz um ranking das escolas ou instituições de ensino e
reflexões acerca do assunto. que mensura o desempenho por instrumentos de alcance re-
lativamente limitados. Mas sem este tipo de avaliação é difícil
imaginar uma política governamental para a educação.
248 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
Em parte, a atividade docente significa levar os alunos a Para concluir a presente discussão, vejam exemplos de ins-
obterem bons desempenhos com novos conhecimentos – e trumentos de avaliação para termos uma imagem de formas
em habilidades com esses conhecimentos –, de modo que se como o professor pode organizar o seu trabalho. O primei-
o aluno deve ser capaz de identificar e compreender aspectos ro diz respeito ao trabalho de leitura e análise do livro Flor
do discurso próprio das ciências sociais, apresentar condição do Deserto (DIRIE, Warnes; MILLER, Cathleen. São Paulo: Hedra, 2001), descrito no
de por si mesmo ler um texto e buscar nele informações e co- Quadro 1, do Anexo 2. A discussão girava sobre o relativis-
nhecimentos – tanto quanto com ele dialogar; se este mesmo mo cultural e as dificuldades éticas e políticas com relação ao
aluno deve ser capaz de “ler” imagens e por outras linguagens assunto. Diante da percepção de que os alunos não estavam
não verbais (re)construir sentidos e perceber suas conexões motivados a pensar sobre o conteúdo por considerar que a
sociais; se deve ser capaz de compreender um determinado postura relativista seria “óbvia”, foi sugerido que realizassem
conceito, operar mentalmente com ele para obter explicação a atividade em foco. O trabalho serviu de motivador para os
de um fenômeno social, realizando raciocínios típicos de alunos – porque adoraram o livro –, mas, principalmente,
nossas ciências, conhecer parte de uma teoria, sua história e permitiu que o professor avaliasse os resultados. Os resulta-
como, nesta, a teoria foi forjada nos embates teóricos em arti- dos foram considerados em termos do empenho dos alunos
culação com mudanças na estrutura social e no conflito entre sobre o tema, em conexão com o livro, que parece tê-los pro-
interesses; e se, ainda, o aluno deve ser capaz de inteligência vocado de forma muito positiva. Na sequência, apresentamos
e sensibilidade para manifestar criativamente seu próprio um formulário utilizado para avaliar seminários (Quadro 2) e um
pensamento em articulação ao conhecimento das Ciências formulário para acompanhamento e avaliação contínua de
Sociais, se deve poder imaginar alternativas ao que está posto alunos, cuja principal atividade estaria voltada à produção de
e ser capaz de perceber os mecanismos de construção e ma- pequenas dissertações sobre os conteúdos estudados (Quadro 3).
nutenção de papéis, grupos e instituições, além de perceber
o funcionamento dos processos de socialização e dominação
em ação; e se a partir disso ele deve ser capaz de poder decidir,
com autonomia, intervir sobre um domínio da realidade na
qual está inserido, então teremos definido objetivos de ensino Atividade no ambiente virtual
para os quais somente poderemos dizer estarmos alcançando
se avaliarmos a performance (ou desempenho ou atuação ou
aprendizagem ou expressão – todos os termos são problemá- Realize um debate no ambiente virtual do curso sobre o
ticos) de nossos alunos. papel da Avaliação e suas melhores estratégias para a dis-
Entendemos que o planejamento do ensino não deve feito ciplina Sociologia.
de um ponto de vista tecnicista, porém, ao contrário, benefi-
cia-se muito quando se tem em mente investigações concretas
sobre a prática de ensino de docentes da escola média. Neste
sentido, a atividade proposta a seguir visa estimular entre os
professores cursistas exatamente a análise de sua prática e das
condições em que ela tem se dado. A aula de Sociologia
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 249
nenhuma utilidade em suas vidas. O velho modelo de socializa- obsessivo com relação à “motivação” dos alunos e ao uso de
ção não se expressa apenas nessa inadequação de conteúdo (ou tecnologias – ou pirotecnias –, porém mais atento ao diálogo
“currículo”), mas na forma mesma de relacionar-se com jovens com os alunos reais e à vida para além do espaço escolar.
e adolescentes. Gerações de educadores, preparados para “traba- Como sugere o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., num post pu-
lhar conteúdos”, se desesperam na busca de formulas atrativas de blicado em seu site, de título “Dez sugestões para que você seja
“envolver os alunos”. Nos melhores casos, ansiosos em bem cum- uma boa professora” (2005),
prir a sua “missão”, são incapazes de ouvir o/a outro/a: meninos
e meninas que estão em suas salas. Quando muito, jovens e ado- antes que querer dizer o que é “a criança” ou “o aluno”, antes
lescentes são “convidados” a intervir apenas para complementar mesmo de ler qualquer livro sobre infância e juventude, procu-
ou “ilustrar” as narrativas dos professores. re lembrar do aluno que você foi. O que lhe agradava? O que não
lhe agradava na escola e em relação aos seus mestres? Se você
Uma aula deve ser algo mais que o cumprimento ritual de não sabe responder a tais questões, tudo que você aprendeu
um planejamento. Isso é possível, desejável e até mesmo ur- para trabalhar no magistério, pouco lhe servirá [...] Faça um
gente. No texto citado, de Tomazi e Lopes Júnior, os autores inventário daquilo que você não gostava e do que gostava en-
se põem a relatar e refletir sobre a aula, e sobre as aulas de quanto você era aluno do ensino fundamental e médio. Procure
estágio que assistiram como formadores de novos professores. lembrar, especialmente, do seguinte: o que, em específico, seus
O que nos sugerem? Que as noções que compartilhamos sobre pais ou responsáveis cobravam de você como aluno, e o que a
“ser professor” precisam ser repensadas. Que nossa ideia de professora cobrava. Com esse inventário na mão, você já tem
“aula” precisa ser repensada. Que o lugar da formação docente, condições de começar a procurar as razões dos ódios e amores
a licenciatura, necessita revisão. O que os autores sugerem é do seu futuro aluno ou do seu aluno atual. Faça isso agora. Faça
que uma aula deve ser algo diferente de práticas rotinizadas, isso sempre. Este é sempre seu primeiro passo. Como profes-
em que o professor ou a professora se disponha a ver e ouvir as sora, você vai avaliar se o que gostava vale a pena repetir e se o
pessoas com as quais se defronta na atividade docente, a fim que não gostava, de fato, vale a pena, agora, descartar [...] Você
de realmente entrar em diálogo com seus alunos, mas não com tem, antes de tudo, a sua memória – use-a, pois ela é que vai
os alunos ideais, porém com aquela maioria de nossos alunos lhe garantir dados para uma melhor avaliação de como lidar
pertencentes às classes populares, daí que perguntam (2004, p. 72) com seus alunos atuais. Não descuide deste detalhe: entre todas
as profissões, a sua é, talvez, a que menos requeira o “estágio”,
Por que não temos um discurso, uma linguagem para atingir pois você já “estagiou” – ninguém ficou tanto tempo no local de
esta maioria? Por que ficamos ensimesmados em nossos discur- trabalho quanto você. Nenhum médico ficou no hospital desde
sos acadêmicos rígidos e sem nenhuma capacidade de atingir criança. Nenhum engenheiro ficou em uma obra desde crian-
os jovens que estão em nossas salas de aulas? Penso que é por- ça. Mas você ficou na escola durante muito tempo, e ainda está
que estamos interessados mais nos jovens que correspondem ao nela, portanto, um bom material de reflexão que viria de um
nosso ideal de aluno, que é o modelo de quem é privilegiado em estágio, já está em suas mãos. Não jogue fora tal experiência.
nossa sociedade. Ora, o que nos torna professores é a capacida- Não a avalie de modo cego.
de de ensinarmos conteúdos mas principalmente uma maneira
de pensar, e de pensar autonomamente. Ou seja, fazer com que Professores nem sempre são hábeis em responder às si-
nossos alunos se tornem independentes, se tornem autônomos, tuações escolares com a sensibilidade e perspicácia sugerida
principalmente de nós, para que possam voar em liberdade de pelos autores citados nos parágrafos anteriores. Talvez isso
pensamento e não ficar atrelados como “eternos alunos”. E isso tenha algo a ver com as pressões degradantes a que todos nós
pode dar mais trabalho do que pensamos quando trabalhamos estamos submetidos no trabalho docente; talvez seja mesmo
com jovens que não são privilegiados em nossa sociedade. Eles impossível estar por inteiro nas situações escolares dadas as
não sabem manejar as tecnologias do trabalho intelectual que condições em que precisamos desempenhar nossas respon-
gostaríamos que eles soubessem. Quando as conhecem, poucos sabilidades, como a necessidade de enorme carga horária,
são os que as dominam. baixos salários, etc. – não vale repetir aqui o que todos co-
nhecemos e “sentimos na pele”. Entretanto, é razoável supor
No Módulo I vimos que a forma mais conhecida e pratica- que a prática rotinizada e ritualizada da sala de aula tenha
da de ensino é a aula expositiva. É possível que uma aula expo- algo a ver com a dificuldade docente em abrir a sala de aula
sitiva possa ser significativa, para alunos e professor, se houver à experiência do vivido, à dinâmica da vida social em curso,
real disposição para o diálogo, o que envolve não somente a às relações reais entre indivíduos reais que corre ao largo da
enunciação desta disposição, pois que o diálogo em si precisa aula. Como foi proposto no início deste curso (Módulo I), o
ter sentido para os seus participantes. É neste sentido que os primeiro passo é voltarmos a nossa atenção à nossa própria
autores referenciados advogam nossa libertação de um ensino condição e trajetória.
250 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
Conhecendo mais sobre... dessa atitude. Primeiramente, ela supõe que o sociólogo vincule
sua biografia à história, as experiências pessoais aos processos
sociais mais amplos. Isto porque é no contraponto entre a tra-
• BRIDI, Maria A.; ARAÚJO, Sílvia M. de; MOTIM, jetória do indivíduo e as condicionantes mais gerais da vida
Benilde L. Ensinar e aprender Sociologia. São social que residem as chaves, os momentos heurísticos, para a
Paulo: Contexto, 2009. (A partir da página 127). problematização e compreensão da realidade. Em segundo lu-
gar, esse tipo de prática sociológica carrega consigo uma reivin-
dicação: a de manutenção, na sociologia contemporânea – ele
escreve na década de 50, mas não parece inadequada a defesa
Como vimos nesta aula... do mesmo ponto de vista hoje – de uma tradição herdada da
sociologia clássica. Segundo Mills, um traço característico dos
autores clássicos (Marx, Engels, Weber, Durkheim, mas também
Certas noções relativas ao trabalho didático rotineiro, em Veblen, Mosca, Schumpeter, Lippman, Spencer, Mannheim,
especial sobre o planejamento das aulas para a disciplina, são Simmel, Thomas e Znanieck) era seu modo de fazer perguntas
importantes, especialmente para a organização do trabalho e de respondê-las. As perguntas, sempre amplas, concernem à
docente, mas não devem tornar a atividade de ensino algo bu- totalidade da vida social, às suas transformações e à variedade
rocrático, pois que não constituem fórmulas para o ensino, tão de indivíduos, homens e mulheres, que a povoam. As respos-
somente definições que podem vir a ser úteis. Refletir sobre tas permitem articular concepções sobre a sociedade, sobre a
a prática de sala de aula de forma abstrata é algo a se evitar, biografia e, também, sobre a história, vistas como dimensões
dado o risco de se imaginar técnicas e atividades sem antes de uma mesma realidade. Além disso, os temas e problemas
conhecer o contexto sobre o qual pensamos utilizar os mé- levantados pelos clássicos revestiam-se de interesse público,
todos e as técnicas elaborados. Sem qualquer conhecimento versavam sobre questões públicas, sobre impasses e dramas
do aluno com o qual estaremos lidando ou o contexto insti- experimentados por homens e mulheres. Não é à toa que nas
tucional da escola, não temos reais condições de planejarmos obras clássicas as vigorosas interpretações de situações concre-
o trabalho docente. Discutir sobre a prática de ensino voltada tas convertem-se em orientações para pensar outras realidades.
a um aluno abstrato numa escola imaginária é improfícuo, As perguntas nelas propostas e as explicações apresentadas re-
senão absurdo. Entretanto, é possível que algumas noções sis- sultam, de um lado, em conhecimento crítico sobre estruturas,
temáticas, tomadas com extremo cuidado, possam ser úteis processos e relações sociais concretas e, de outro, em magnífi-
como ponto de partida à atividade didática do professor em cas imagens do Homem, em seus dilemas, conflitos, caminhos e
seu cotidiano escolar. descaminhos (SERÁFICO, 2004, p. 2-3).
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 251
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252 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
Anexo 1 – Modelo/exemplo de Plano de Aula
Disciplina:
Carga horária:
Período:
Ano:
Série:
Aula:
Prof.(a):
Objetivos Conteúdos Procedimentos de ensino Recursos didáticos Tempo Avaliação
Referências bibliográficas:
Anexo 2
Quadro 1
Orientações para o trabalho sobre o livro Flor do Deserto. DIRIE, Waris.; MILLER, Cathleen. São Paulo: Hedra, 2001.
Os grupos deverão redigir o trabalho segundo os seguintes critérios:
1. Mínimo de 5 e máximo de 10 páginas;
2. Estrutura do trabalho: capa, contracapa, sumário, corpo do trabalho (contendo “apresentação”, “desenvolvimento” e “conclusão”),
bibliografia de referência – observem que apresentação, desenvolvimento e conclusão não devem constituir tópicos do trabalho, nem preci-
sam ser indicados no texto;
3. Na “apresentação” o grupo deverá recuperar, de forma sucinta, a história do próprio livro e o problema tratado por ele, incluindo dados
de outras fontes sobre o tema;
4. No “desenvolvimento” o grupo deverá apresentar um resumo do livro, e descrever a posição da autora sobre a prática da mutilação
genital feminina;
5. Na “conclusão” o grupo deverá sintetizar o que aprendeu com o livro, respondendo à seguinte questão: é justificável intervir-se numa
cultura diferente a partir da adoção de valores universais, como os direitos humanos, ou deve-se respeitar a outra cultura, mesmo que nela
se realizem práticas condenadas por nós?;
6. Padrão: fonte Arial, corpo 12; entrelinha com espaçamento de 1,5 linhas, e 2,5 cm de margens, esquerda e direita;
7. Grupos de no mínimo 3 e no máximo 5 alunos;
8. Nome completo dos alunos integrantes do grupo, turma, série, turno, instituição;
9. Data de entrega: dia, mês;
10. O trabalho valerá 3 pontos relativos ao segundo bimestre.
Bom trabalho!
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 253
Quadro 2
Ficha de Avaliação de Seminário
254 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro
Quadro 3
Aluno: ________________________________________________________________________________________________
Avaliação da última Participação nas ativi- Pontualidade na Articulação teoria/ Pontos obtidos
versão do texto dades em sala entrega do texto conceitos/tema
Texto
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 3ª Aula: Elementos formais do trabalho didático rotineiro 255
4� aula
Iniciando nossa conversa gem reflexiva dos conceitos, categorias e modos discursivos
das Ciências Sociais tanto quanto pela problematização das
questões sociais com base numa reflexão que dê conta de suas
Como vimos na aula 2 desta disciplina, alguns programas múltiplas dimensões e determinações. Os conceitos são mais
desenvolvem-se em torno de temas referentes a problemas importantes para os que se dedicarem à atividade científica.
sociais concretos, que pretendem ser bastante atuais para Mais importante que os conceitos, neste caso, é a habilidade7
“dar conta” do contexto sócio-histórico e político do país e do de produção de sentido e de compreensão da experiência vi-
mundo de hoje, tanto como da condição vivida pelos alunos, vida8, e, dentre essas habilidades, a que o antropólogo Louis
sendo que por vezes esses temas são escolhidas de acordo com Dumont (1997, p. 55) chama de “a apercepção sociológica”, ou seja,
a demanda dos mesmos alunos e, por outras, do trabalho in- a compreensão do social pelo social. Se a disciplina Sociologia
terdisciplinar na escola (e de seu projeto político-pedagógico) for capaz, como cremos que seja, de promover esta apercep-
e das mudanças no contexto social. Partir de temas para o en- ção sociológica e, desse modo, permitir aos alunos o desen-
sino da disciplina é boa oportunidade para inserir a pesquisa volvimento de uma compreensão ampla e contextualizada das
como técnica de ensino e romper com o modelo de um ensino realidades que os cercam, sejam naturais, comportamentais,
puramente conceitual5. políticas, profissionais, educacionais, religiosas ou de outras
A sugestão apresentada aqui é privilegiarem-se os conte- categorizações possíveis, então ela terá cumprido o seu obje-
údos que permitam desenvolver a compreensão do real por tivo.
meio do raciocínio sociológico (ou da imaginação sociológica, A despeito de legítimas dúvidas sobre as possibilidades
como visto no Módulo I); um ensino fundamentado na apren- da pesquisa como ferramenta no ensino da Sociologia – ou
dizagem de determinados raciocínios e “modos de aborda- método de ensino –, acreditamos ser esta um excelente meio
gem do real”, antes que na aprendizagem conceitual de teorias para alcançarmos os objetivos da disciplina, como visto no
acabadas. Módulo I.
As Ciências Sociais são extremamente dinâmicas e seu de-
senvolvimento tem acompanhado as transformações ocorri-
das nas sociedades. Isso implica num ensino que não feche a
compreensão da vida social em conceitos acabados, tomando- Propondo objetivos
os em substituição ao objeto que pretendem explicar. O ensi-
no das Ciências Sociais deve permitir aos alunos a constru-
ção de uma percepção e modo de raciocínio que interprete O que se pretende nesta etapa do curso é:
os fenômenos sociais de modo adequado e facilite a leitura
e a compreensão crítica dos textos produzidos pelos cientis-
tas sociais (CHAUÍ, 1997)6. Esta compreensão passa pela aprendiza-
der à crítica de seus fundamentos e verificar sua validade é fundamental para o desenvolvi-
mento de um pensamento autônomo.
5 Entenda-se, a expressão “ensino conceitual” ou “puramente conceitual”, neste curso, não ex- 7 Não confundir o termo habilidade ou capacidade, utilizado ao longo das aulas desta disciplina,
pressa oposição ao ensino dos conceitos, como se tem discutido aqui. Por ensino conceitual com o discurso psicopedagógico hegemônico sobre competências e habilidades. Os termos
nos referimos ao ensino que tem na memorização ou, quando muito, na compreensão linguís- utilizados aqui devem ser compreendidos em sentido lato, por falta de melhor opção, como
tica dos conceitos o seu fim, em oposição ao ensino que pretende desenvolver a capacidade referentes a modos de raciocínio e ao desenvolvimento intelectual.
do aluno pensar com os conceitos e a partir deles num movimento de efetiva compreensão da 8 Para Raymond Wiliams (1969, 1979) a consciência se constitui por um processo de socialização
vida social. específico, pela participação dos indivíduos em grupos culturais, dando origem ao que ele
6 Para Marilena Chauí, “a tarefa da crítica é fazer falar o silêncio”, ou seja, explicitar o que está denominou por estrutura de sentimentos, isto é, os sentidos que consignamos à experiência do
implícito no texto, compreender o não dito no dito. Compreender os modos discursivos pró- vivido e que se constituem como resistência e oposição à ideologia e à prática hegemônicas, e
prios das Ciências Sociais e relacioná-los a outros discursos, científicos, filosóficos, artísticos, que não são simples reflexos ou espelhos da estrutura social. Mudanças nas estruturas de sen-
etc., para realizar a reconstrução de seus argumentos e princípios lógicos, epistemológicos e timentos são fundamentais para que alterações na estrutura social tenham vez, e o trabalho
metodológicos, tanto quanto reconstruir seu sentido socialmente construído, a fim de proce- educativo ganha ainda maior relevância sob este ponto de vista.
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 267
Analisar as possibilidades da pesquisa como estratégia a cronologia, os problemas encontrados e algumas conclusões
metodológica. (TOMAZI, 2007, p. 57).
268 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
pesquisador, ciência e ideologia e ética na pesquisa científica Temas que são estudados numa perspectiva histórica
devem ser discutidas com os alunos, assim como questões ló- poderiam ser abordados em conjunto com a disciplina de
gicas (tautologia, contradição, princípio da identidade, argu- História. Aliás, as Ciências sociais e a História mantém en-
mento de autoridade, etc.). É possível conversar com os alunos tre si muita afinidade – vários de seus temas e objetos de
sobre termos como esses, levá-los a entender os dilemas que estudo podem ser trabalhados em conjunto.
os acompanham e encantá-los para o ofício da ciência. Argu-
mento apoiado em nossa própria experiência. Muitas palavras As questões referentes à política também podem ser
ou expressões – que indicam questões lógicas delicadas – po- trabalhadas em conjunto com professores de Português e
dem ser “traduzidos” e muitas questões podem ser “recorta- Produção de Texto a partir da leitura de jornais e revistas
das” em sua amplitude e profundidade para que os alunos do de circulação diária ou semanal.
Ensino Médio as entendam. É possível orientá-los com indi-
cações simples, pois que os detalhes e aspectos complexos e O acompanhamento dos noticiários escritos ou televi-
profundos devem ser deixados aos especialistas, dado que o sionados, no que se refere, por exemplo, às relações inter-
objetivo do Ensino Médio não é formar novos sociólogos. No nacionais, podem ser excelentes para um encontro fecun-
entanto, discussões como as propostas aqui constituem parte do com a Geografia.
do que pensamos como “educação científica”.
A utilização da pesquisa como ferramenta didática impli- Questões referentes à cultura, como a diversidade e o re-
ca planejamento que deverá ser adaptado e reformulado, se lativismo, ou à indústria cultural, à cultura popular, etc., po-
necessário, visando a um trabalho conjunto com as demais dem ser trabalhados em conjunto com Artes e com Música.
disciplinas afins. Trabalho em conjunto com outras áreas
também poderia ser feito pela adaptação de seus conteúdos e O fato é que muitos temas constituem fenômenos que
temáticas da disciplina Sociologia aos das demais disciplinas. permitem várias “entradas” de pesquisa como, por exemplo,
Por tratar-se de fenômenos abordados por campos distintos a questão da fome, por meio de distintas ciências; fenômeno
do conhecimento científico, algumas temáticas são bem pro- a ser estudado numa perspectiva multidisciplinar, portanto.
pícias para um trabalho interdisciplinar, a exemplo de: Uma pesquisa sobre esta questão poderia permitir a discussão
sobre diversos problemas de nossa sociedade: o desemprego, a
Questões referentes à Economia, bem como às que degradação social e moral imposta pelas condições objetivas
envolvam levantamento de dados estatísticos, podem ser de existência, a reforma agrária, o meio ambiente, a atuação
trabalhadas em conjunto com os professores da área de dos organismos internacionais e dos blocos econômicos, a
Matemática. violência urbana, a evasão escolar, etc.; além de manter um
diálogo significativo com outras disciplinas na medida em
O conceito de cultura poderia ser confrontado com as que estudasse os efeitos da fome sobre o corpo humano, a nu-
teorias que oferecem explicações de fenômenos culturais trição ou como causa de doenças. Um estudo desse tipo pode-
a partir de recortes específicos, como teorias da Biologia ria envolver profissionais das áreas de Sociologia, Português,
e da Geografia. A crítica ao evolucionismo social pode ser Música, Biologia, Matemática, Química, História e Geografia.
uma excelente oportunidade para confronto de teorias E toda a pesquisa seria permeada por uma discussão mais
surgidas em disciplinas diferentes. Sabe-se que o evolu- ampla, sobre o que é a cidadania e como a sociedade brasileira
cionismo social é anterior ao evolucionismo darwinista e se coloca diante dela. Essa não é outra senão a ideia dos “te-
que com ele guarda muitas relações. Entretanto, estes são mas geradores” de Paulo Freire, adaptada para este caso.
exemplos de teorias que se popularizaram, se banalizaram Claro que esses são apenas alguns exemplos superficiais
e, hoje, contribuem para uma visão de senso comum, miti- ainda, e que muitos outros e melhores poderiam ser detalha-
ficada, da realidade social. É desse modo que muitos fenô- dos, assim como muitos outros poderiam surgir dos colegas
menos são naturalizados e compreendidos como evolução de outras áreas, e, vale ressaltar, ainda não constituem, pro-
ou progresso e, portanto, inevitáveis e irreversíveis. Assim, priamente falando, um trabalho interdisciplinar, mas voltare-
um confronto com a Biologia pode ser bastante interes- mos a esta questão mais adiante.
sante para a compreensão adequada de algumas questões. Todo o trabalho poderia ser organizado de modo a permi-
tir o desenvolvimento de pesquisas por parte dos alunos num
A discussão sobre a cultura como discurso e da relação processo de autodescoberta. A dificuldade de um programa
entre linguagem e ideologia ou do papel da informação orientado à pesquisa é fazer coincidir o andamento da própria
nos dias atuais, por exemplo, pode ser feita em conjunto pesquisa e os conteúdos previstos pelo currículo. Ora, mesmo
com os profissionais da área de Línguas e Literatura, o que com a indicação de um trabalho por unidades divididas pe-
certamente seria muito produtivo. los períodos (bimestres ou trimestres) de um ano letivo, será
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 269
impossível garantir que as pesquisas acompanhem o estudo condição de ideologia moderna porque deixou de ser insti-
dos conteúdos propostos e, principalmente, na ordem como tuinte, ou seja, tornou-se um discurso do conhecimento e não
foram propostos. Por isso, um programa orientado à pesqui- mais um saber, trabalho científico. A ideologia nega o não-
sa deverá assumir uma organização didática que sirva como saber, portanto a própria possibilidade do saber, a produção
bússola no desenvolvimento dos trabalhos ao que se refere do conhecimento. Ora, o discurso competente, para Marilena
à parte teórica. Porém, é provável que uma pesquisa exija o Chauí, é o discurso oficial, instituído, um discurso do conheci-
estudo de um conceito que, na organização proposta, esteja mento; sua condição de prestígio está diretamente relaciona-
numa unidade posterior. da à afirmação implícita e à aceitação tácita da incompetência
Esta visão converge à do ensino-pesquisa de que nos fala dos homens enquanto sujeitos sociais, políticos e produtores
Paulo Freire (1996, p. 32). Para ele, é impossível pensar o ensino de saber. E não é outra senão esta a prática de nós, educado-
e a pesquisa separadamente, pois são instâncias relacionadas res: a repetição do discurso do conhecimento e a castração
dialeticamente na produção do conhecimento. São atos cogni- das pessoas enquanto sujeitos sociais e políticos e enquanto
tivos que se encontram um no corpo do outro. Os conceitos, produtores de saber. E isso nada tem a ver com a veracida-
distantes e separados das condições e estratégias que permiti- de ou validade do conhecimento em si. Pois, o que importa
ram sua construção e validade e não relacionados à realidade é que sem a dimensão da pesquisa nosso ensino estará a ser-
concreta que pretendem explicar ou interpretar, tornam-se in- viço da produção de pessoas sem autonomia, obedientes ao
formações inúteis e perdem em significado. Pior que isso, obs- discurso competente, já construído, sem nunca questioná-lo.
tam o desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo. E, pior ainda, com uma quantidade enorme de informações
O que se propõe aqui é uma educação voltada para o desen- memorizadas, mas sem nenhuma utilidade para quem não foi
volvimento das potencialidades do educando, incluindo nesta treinado a pensar.
categoria o próprio educador, e não o ensino de conhecimentos Na pesquisa como ferramenta didática, os conceitos devem
estáticos sobre uma realidade compreendida também como ser desenvolvidos a partir das temáticas investigadas e apenas
estática. Isto é o que Paulo Freire (1983) denominou de “educação considerados importantes na medida em que fornecerem a
bancária”, o simples “depositar de conhecimentos” sobre o es- explicação ou a compreensão dos fenômenos estudados, sem
tudante, ou, nos dizeres de Carl Rogers (1978), uma educação “do nunca perder-se a visão da abertura desses mesmos conceitos,
pescoço para cima”, ainda que não seja necessário encontrar que podem ser transformados, alterados ou alargados com o
nos autores referenciados a base teórica e metodológica para a desenvolvimento da própria pesquisa científica – o que difi-
realização de pesquisa com classes do Ensino Médio. cilmente ocorrerá, dado que a pesquisa, no Ensino Médio, tem
Ao contrário de ciência, o que se ensina na escola média caráter pedagógico e não necessariamente a de produção de
com este título é um discurso sobre o mundo natural e huma- conhecimentos novos.
no que poderíamos chamar de ideológico, seguindo o raciocí- Para a definição das temáticas e organização das pesquisas
nio de Marilena Chauí. Conforme a filósofa (1997, p. 3), podem ser utilizadas as seguintes estratégias:
o discurso ideológico é aquele que pretende coincidir com as Uma aula inicial – ou sequencia de aulas – para desper-
coisas, anular a diferença entre o pensar, o dizer e o ser e, des- tar o interesse sobre as questões sociais e prestar esclare-
tarte, engendrar uma lógica da identificação que unifique pen- cimento sobre o projeto. Será realizado um brainstorming
samento, linguagem e realidade para, através dessa lógica, obter (“tempestade de ideias”) para a definição das pesquisas
a identificação de todos os sujeitos sociais com uma imagem organizadas por turma, sendo, cada grupo de alunos, um
particular universalizada. Grupo Temático. As pesquisas serão melhor desenvolvidas
se executadas em grupo, além de que será uma excelente
Aqui é pertinente observarmos a reflexão de Marilena oportunidade para a aprendizagem do trabalho em equi-
Chauí sobre o saber. Para a autora (1997, p. 4-5), pe, porém não descartamos a possibilidade de se organiza-
rem os Grupos Temáticos de modo mais flexível, até mes-
o saber é um trabalho. Por ser trabalho, é uma negação reflexio- mo com componentes de turmas diferentes. O problema
nante, isto é, uma negação que, por sua própria força interna, aqui estará na orientação dos alunos, já que será feita em
transforma algo que lhe é externo, resistente e opaco. O saber é sala, numa de suas aulas semanais;
o trabalho para eleger à dimensão do conceito uma situação de
não-saber, isto é, a experiência imediata cuja obscuridade pede o Desse modo, será feito um levantamento (brainstor-
trabalho da clarificação. ming ou, talvez, por meio de uma enquete) de questões ou
problemas sociais de interesse dos alunos para a organi-
A autora resgata a dimensão política presente nos conhe- zação dos Grupos Temáticos. Estes deverão ser organiza-
cimentos científicos e demonstra que a ciência foi elevada à dos pelos próprios alunos, sob a orientação do professor,
270 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
e deverão contar com um secretário (escolhido entre os 59, sobre como programar com os alunos uma pesquisa
alunos) para um melhor contato com o professor e demais empírica. Para isso, escolham outro tema que o desenvol-
grupos. Necessariamente cada Grupo Temático desenvol- vido no livro;
verá uma só pesquisa, conforme o cronograma que será
estabelecido; Façam uma análise a adequação da atividade aos alu-
nos do Ensino Médio, em especial quanto: aos conheci-
A organização dos Grupos Temáticos para a pesquisa mentos prévios necessários para a consecução da pesqui-
dos problemas levantados será feita agrupando-se proble- sa, ao acesso aos recursos disponíveis, ao tempo exigido
mas semelhantes num mesmo Grupo Temático. Assim, se para sua conclusão e às situações a que estarão sujeitos
um aluno quer estudar a fome no município, alguns outros seus alunos para a realização da atividade;
se interessam em conhecer os bairros da periferia e seus
problemas, alguém está preocupado com o aumento dos Por fim, analisem que tipo de contribuição a atividade
índices de violência urbana e ainda um outro está preo- planejada pode oferecer ao ensino da Sociologia, e se ou-
cupado com o desemprego, pode-se pensar em agrupá-los tros meios poderiam substituí-la de forma mais eficaz e
num mesmo grupo (que será sempre e necessariamen- maior economia de tempo.
te arbitrário) de pesquisa sob o título “Exclusão social e
classes populares no município X”, ou sob qualquer outro
título. Ora, mas cada Grupo Temático não desenvolverá
apenas uma pesquisa? Sim, mas a despeito da elaboração
de um único projeto, cada aluno ou grupo de alunos de- Atividade no ambiente virtual
senvolverá um aspecto do problema, de sorte que cada um
estará envolvido diretamente com seus interesses. Cada Promova um debate no Fórum virtual e socialize com
projeto poderá desenvolver uma ou mais perspectivas ou os colegas as respostas de seu grupo para a Atividade 1.
recortes. Essa organização facilitará a compreensão e o tra-
balho dos alunos como também a possibilidade de orien-
tação do professor. Num segundo momento, é possível em
um trabalho conjunto com outras áreas, uma orientação Ainda no manual citado (TOMAZI, 2007, p. 59-63), observamos uma
distribuída por professores das áreas envolvidas; série de orientações e sugestões sobre tipos de pesquisa que
podem ser utilizadas na escola (adaptadas, naturalmente) e
Está claro que os passos acima são meras sugestões. Entre- etapas a serem cumpridas para sua realização. Em resumo, são
tanto, indicam que a utilização da pesquisa como ferramenta indicadas a pesquisa empírica e a pesquisa de opinião. Quanto
didática é algo bastante trabalhoso para professores e alunos. à primeira, o autor sugere a utilização de duas técnicas: entre-
Exige tempo de dedicação do professor, o que nem sempre é vista e questionário. A entrevista é apontada como “a forma
possível. mais rápida e tranquila de obter informação sobre determi-
A propósito de analisar como orientar alunos na realização nado assunto”, para a qual se definem alguns critérios para a
da atividade, Tomazi (2007, p. 58-59) se utiliza de um exemplo para escolha dos entrevistados, um roteiro para dirigir a entrevista
uma pesquisa sobre o tema desigualdade e elenca uma série e os meios de se registrá-la (por notas, gravação de áudio ou
de ações e cuidados que o professor deve tomar, isto é, um pla- filmagem). O autor alerta (a ser reproduzido aos alunos) que
no para que os alunos comecem a investigar o tema proposto. este tipo de entrevista visa conhecer um determinado assunto
(o tema da pesquisa) e não as ideias de um indivíduo, o que a
torna diferente de entrevistas jornalísticas.
1 Atividade O questionário é apontado como outra técnica para a ob-
tenção dos dados, “uma forma de entrevista limitada a uma
Em grupo, leiam e analisem as orientações sugeridas série de questões escritas que devem ser respondidas numa
em sete subitens no Anexo do Manual do Professor, do determinada sequência”, com questões abertas, em que obte-
livro didático de Tomazi (2007), nas páginas 58 e 59. Certifi- mos os dados por meio de livre resposta, ou fechadas, pelas
quem-se de tê-las compreendido bem; quais o entrevistado escolhe entre alternativas. Mas a ativida-
de não se encerra com o levantamento dos dados, que devem
Escrevam um plano para uma atividade de pesquisa si- ser organizados para que se possa inferir conclusões a partir
milar à sugerida pelo autor, porém complementando em deles. Nos quadros 1 e 2, do Anexo 1, pode-se ver exemplo
mais detalhes as indicações feitas – e aqui será de grande de material produzido pelo autor desta aula para ser utilizado
ajuda analisar as orientações fornecidas a partir da página por seus alunos do Ensino Médio. A finalidade do material
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 271
foi servir de apoio às aulas em que se orientava uma pesquisa Produção de textos sobre o problema estudado – sendo
(que envolveu entrevista e observação). A experiência foi po- obrigatória para todos os Grupos Temáticos a apresenta-
sitiva, as orientações foram lidas em estudo dirigido e debati- ção de um relatório final de pesquisa;
das por duas aulas, e os alunos não apresentaram dificuldades
na compreensão dos textos de orientação. Realização concreta de alguma atividade, que poderá
O outro tipo de pesquisa sugerida por Tomazi (2007, p. 60) é a ser uma dramatização, um festival de música ou uma co-
chamada pesquisa de opinião, como a pesquisa eleitoral, sen- letânea de crônicas e contos (aqui será imprescindível a
do a diferença entre esses tipos de pesquisa “que a empírica participação de outros profissionais);
nos permite obter informações sobre determinada realidade
ou situação específica. A de opinião nos permite apenas saber Elaboração de uma proposta de política pública – in-
a opinião das pessoas sobre um assunto”. Por fim, discute tam- clusive para apresentação aos órgãos públicos competen-
bém sobre amostragem – e alguns critérios para se obter uma tes (pense numa pesquisa sobre o orçamento participativo
amostra – e sobre a comunicação dos resultados da pesqui- de seu município). Esta seria uma forma de introduzir os
sa, o relatório da pesquisa – com referência à sua construção alunos à participação efetiva e responsável na vida pública;
textual, bem como sobre como proceder à análise dos dados
e que tipo de orientação deve ser dada ao aluno. Em parte, as Projeto de intervenção social. Pode uma proposta de
orientações contidas no manual podem servir bem à leitura ação para um determinado órgão executivo governamen-
dos próprios alunos do Ensino Médio. tal, um movimento de bairro ou mesmo para a escola. Pode
Existem outras possibilidades de emprego da ferramenta, ser também uma campanha na Internet, por exemplo;
além dos discutidos por Tomazi:
Produção de um vídeo etnográfico, um vídeo documen-
Observação participante – os alunos ou grupos de alu- tário ou ensaio fotográfico, para apresentação na escola ou
nos serão orientados sobre como observar fenômenos so- até mesmo para um público exterior.
ciais e cada aluno, individualmente, manterá um caderno
de anotações, à semelhança de um diário de campo, para A utilização da pesquisa no ensino da disciplina não deve
inscreverem ali suas observações, dados e reflexões sobre ser confundida com “ensino por projetos” nem justificar a “di-
a temática estudada; luição” da Sociologia noutras disciplinas. Entretanto, traba-
lhar com pesquisa na escola quase inevitavelmente nos coloca
Entrevistas qualitativas (abertas, semiabertas ou fecha- a necessidade de considerarmos um trabalho conjunto (dito
das); interdisciplinar) com outros professores. A dificuldade surge
quando percebemos que a interdisciplinaridade, se questão
Pesquisa bibliográfica e/ou documental; em aberto nos campos científicos – com relação à sua possi-
bilidade, mas também à sua validade –, ainda menos efetiva
“Expedições” para pesquisa de campo (observação par- parece ser quando o que está em jogo é o planejamento curri-
ticipante e aplicação de entrevistas), se possível, e sempre cular e o ensino escolar. Disso decorre que projetos de pesqui-
com a orientação e acompanhamento do professor, visan- sa a serem realizados com os alunos devem ter o cuidado de
do ao contato direto dos alunos com os fenômenos sociais não apresentarem promessas impossíveis de cumprir. Porque
estudados; relações entre saberes não existem naturalmente, aguardan-
do somente sua descoberta. E porque a interdisciplinarida-
Utilização de técnicas de vídeo e fotografia na pesquisa de teria de ser do objeto do conhecimento e não dos saberes
social; constituídos. Mas em geral, nas escolas, professores buscam
na associação entre seus conteúdos o que somente poderia ser
Outras técnicas de pesquisa poderão ser utilizadas, construído pela pesquisa empírica.
como, por exemplo, técnicas quantitativas, que podem ser
realizadas em conjunto com professores de Matemática,
para ensino de noções estatísticas básicas. 2 Atividade
Já para a apresentação dos resultados, o professor pode su- Leia o trecho do texto “Análise crítica das DCN e PCNs”,
gerir que os alunos adotem uma das opções a seguir, que de- de Moraes et al., 2004, que discute a interdisciplinaridade,
penderão essencialmente do tempo disponível (do professor e em sua página 348, e faça um resumo de todos os argu-
de seus alunos) e dos recursos que a escola oferecer:
272 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
mentos apresentados. Ao final, apresente sua própria visão vista da política educacional leva ao risco da ideia de “diluição
sobre a questão num texto de, no máximo, 5 páginas. de conteúdos”, como foi no caso da Sociologia e da Filosofia,
e do ponto de vista da atividade rotineira na escola é bastan-
A atividade será realizada individualmente. te difícil, para não dizer quase impossível. Isso porque toca
diretamente os interesses pessoais e de grupos, pois que os
conflitos epistemológicos são sempre conflitos políticos. É um
O trabalho interdisciplinar, por definição, deve ser objeto grande desafio pensar em fronteiras fluidas entre os campos
de um esforço coletivo de toda a equipe de profissionais da científicos. Em geral, as disciplinas esperam fazer reconhecer
escola e que deve abranger várias disciplinas, num processo a sua “soberania territorial”, em que o discurso da interdisci-
cada vez mais amplo, a partir de propostas da equipe peda- plinaridade serve apenas para confirmar os limites estabeleci-
gógica da escola, bem como da demanda do corpo discente. A dos. De certa forma, a interdisciplinaridade atualiza identida-
disciplina Sociologia pode contribuir para um trabalho inter- des, ao invés de dissolvê-las.
disciplinar, através de atividades e projetos em conjunto com Evitar as compartimentações e fragmentações do co-
professores de outras áreas, porque é uma ciência essencial- nhecimento é importante na medida em que corresponde a
mente interdisciplinar; pois que dialoga todo o tempo com as uma compreensão mais coerente sobre a realidade social. No
teorias produzidas no âmbito de outras áreas de conhecimen- contexto dessa discussão muitas palavras surgiram e pouco
to, entendidas como saberes socialmente produzidos, objetos esclarecimento se alcançou: pluri, multi, trans ou interdis-
de pesquisa e reflexão sociológicas. Como afirma Elisa Reis ciplinaridade. O fato é que a ciência não prescinde do “rigor
(1991, p. 245), a Sociologia possui um caráter transdisciplinar, pois disciplinar”, conforme alerta Elisa Reis (1991, p. 245), para quem
“as ciências histórico-culturais permanecem muito menos di- “a própria natureza racionalizante da ciência implica uma
ferenciadas frente à religião, à estética, à filosofia”, sendo essa percepção da postura metódica e disciplinar como recurso
pouca diferenciação que lhe confere esse caráter. Em todo o analítico”, ou seja, a análise implica necessariamente em es-
caso, a ciência social pode ser incorporada de modo signifi- pecialização e fragmentação. Claro, a prática interdisciplinar
cativo à proposta pedagógica da escola, em consonância com também não prescinde de rigor científico e pedagógico, tanto
os princípios e objetivos da educação estabelecidos na LDBN quanto a especialização não é a única via de produção do sa-
(1996) a partir do diálogo com os profissionais das demais áreas ber. Entretanto, sabemos que as fronteiras entre as Ciências
de conhecimento. Sociais são muito frágeis e sutis, mesmo entre as Ciências Hu-
A “flexibilidade” dos currículos e projetos pedagógicos, manas em geral. E cada vez mais fica claro o quanto de redu-
como se entendeu que deveria ser a orientação educacional, ção existe neste modo de abordar o real, por disciplinas espe-
pressupõe um trabalho interdisciplinar. Não é outra a inten- cializadas, como se fosse possível simplificar o que é complexo
ção da Resolução n.º 3/98, em seu artigo 8º: por natureza. As Ciências Sociais, desta forma, possuem um
caráter de transdisciplinaridade, segundo Elisa Reis (1991, p. 245),
I – a Interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas, parti- exatamente por sua pouca distinção entre elas mesmas e entre
rá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo elas e as demais áreas de conhecimento, científico ou não.
permanente com outros conhecimentos, que pode ser de ques- Como afirma o antropólogo Alejandro Frigerio, a expres-
tionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de são “integração cultural” é sempre utilizada para denotar uma
iluminação de aspectos não distinguidos; “integração” entre traços comuns, que de fato a realizam, ou
IV – a aprendizagem é decisiva para o desenvolvimento dos seja, para aqueles traços que já não são expressões de uma
alunos, e por esta razão as disciplinas devem ser didaticamen- identidade singular. Ainda segundo Frigerio (1999), se há inte-
te solidárias para atingir esse objetivo, de modo que disciplinas gração e o câmbio de traços culturais, estes deixam de denotar
diferentes estimulem competências comuns, e cada disciplina uma identidade-nacionalidade. Esse raciocínio aplica-se ao
contribua para a constituição de diferentes capacidades, sendo caso de “integração” entre disciplinas, isto é, uma integração
indispensável buscar a complementaridade entre as disciplinas significaria a dissolução de suas identidades e, no entanto,
a fim de facilitar aos alunos um desenvolvimento intelectual, so- com a dissolução das identidades não haveria uma integra-
cial e afetivo mais completo e integrado; ção, mas a criação de uma nova identidade. De fato, um para-
doxo. Parece mesmo que essa discussão está longe de chegar
A orientação decidida de um trabalho interdisciplinar ne- a um consenso. Mas também parece correta a ideia de que,
cessita de um programa flexível, porém uma proposta assim para haver realmente uma interdisciplinaridade, é preciso que
somente é possível se os professores se dispuserem a traba- se construa pontes entre as ciências, como, por exemplo, uma
lhar interdisciplinarmente, ou seja, se dispuserem a superar as metodologia de pesquisa específica para um determinado
fronteiras de seus campos de conhecimento para a construção problema abordado por disciplinas diferentes e que seja ela-
de um campo comum, mais abrangente – o que do ponto de borada na interseção entre essas disciplinas. Existem algumas
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 273
experiências nesse sentido que se definem como de multidis- rando-se que a maioria dos alunos do ensino superior travam
ciplinaridade e que parecem ser bem-sucedidas.9 contato com a CF durante sua formação). Opcionalmente, o
Assim, se transpormos a discussão para o âmbito da educa- professor pode orientar os alunos a pesquisarem proposições
ção, penso que um trabalho interdisciplinar não se define ape- e dados de diferentes fontes, como o DIEESE (o que pode ser
nas por uma cooperação entre professores, ou pela adequação feito pela internet, na maioria dos casos). Com estes dados em
entre unidades programáticas, e nem mesmo pelos exemplos mãos é possível produzir uma série de discussões e análises
dados neste projeto sobre possibilidades de trabalho da So- com os alunos.
ciologia com as demais disciplinas. Claro, essas, como outras, Outra possibilidade é planejar uma pesquisa sobre o coti-
são iniciativas interessantes e importantes na medida em que diano, porém bem mais complexa que a do exemplo anterior.
configuram um primeiro passo em busca de um trabalho in- Por exemplo, a pesquisa poderia se dirigir à análise e discus-
terdisciplinar. No entanto, só haverá um trabalho realmente são sobre a existência de normas sociais e em que sentido
interdisciplinar ou multidisciplinar ou mesmo transdiscipli- podemos compreender a ideia de fato social de Durkheim.
nar se os profissionais das diferentes áreas se dispuserem a O professor poderia sugerir aos alunos que, por meio de uma
elaborar, juntos, metodologias, currículos e programas que pesquisa empírica, utilizando-se da observação participante e
sejam efetivamente compostos e informados por disciplinas de entrevistas, respondessem algo similar à questão “Existem
distintas. Trabalho em equipe não é suficiente para denotar normas sociais a constranger nosso comportamento e per-
um caráter de interdisciplinaridade. cepção, ainda que não conscientes?”. Inicialmente, o professor
Um trabalho interdisciplinar – dialógico por definição e deveria seguir todos os cuidados preparatórios, de orientação
problemático como exposto acima – não se constrói de um aos alunos e de planejamento da pesquisa, inclusive com lei-
dia para o outro, mas é o resultado de pesquisa, reflexão e veri- tura prévia de textos sobre o tema cotidiano, a exemplo de
ficação objetiva, portanto de uma práxis. E, como práxis, parte alguns capítulos do livro “Vergonha e decoro na vida cotidia-
da relação dialética entre teoria e prática, pesquisa e ensino, na da metrópole”, de José de Souza Martins, apesar de não ter
investigação empírica e investigação teórica, trabalho em gru- sido escrito para o Ensino Médio, o que impõe um limite à
po e trabalho individual, conteúdos e competências, unidades sua utilização em classes do Ensino Médio. Durante essa fase
programáticas e temáticas de pesquisa, orientação do profes- de planejamento e orientação, seria discutido com os alunos
sor e produção dos alunos. Enquanto práxis, prevê ainda o di- uma divisão por grupos, em que cada grupo se dedicaria a
álogo constante entre áreas do conhecimento. realizar uma pesquisa – ou experimento – para verificar,
Existem muitas possibilidades de trabalho com a pesquisa, identificar e descrever a existência dessas normas. Todos os
que pode ser pensada como uma atividade mais detalhada, grupos teriam a mesma pergunta como objeto, porém cada
planejada e sistemática, como também pode se restringir a grupo faria uma pesquisa distinta, digamos, em diferentes
algo mais simples, a exemplo de uma simples pesquisa (que “campos”. Um grupo se dedicaria a verificar comparativamen-
poderíamos denominar exploratória), por meio da qual se so- te a existência de normas em situações formais e informais,
licita aos alunos que investiguem se o salário mínimo é com- como uma missa e uma festa, por exemplo. Caso identificas-
patível com as necessidades básicas de uma família nuclear sem normas – e ritos – a orientar o comportamento até mes-
média (digamos, quatro indivíduos). Uma atividade como mo numa festa, isso poderia significar uma compreensão de
esta não demandaria muito tempo de orientação, se manti- determinados conceitos sociológicos que nenhuma exposição
da simples, e o que poderia servir bem para o início do es- oral ou leitura textual poderia proporcionar. Outro grupo iria
tudo de um conteúdo ou mesmo ao final, para a aplicação (e verificar a existência de normas quanto ao vestuário, outro
avaliação) do conhecimento estudado. A título de exemplo, o quanto à reunião em família, outro o decoro ou a etiqueta à
professor poderia solicitar a seus alunos que levantassem as mesa, outro quanto ao namoro, e assim por diante. São meros
seguintes informações: o valor nominal do salário mínimo, o exemplos, inspirados, aliás, no trabalho realizado por Martins
valor da cesta básica (pode-se acrescentar, para comparação, e que deu origem ao livro citado. É possível reproduzi-lo em
a solicitação para que os alunos definam, eles próprios, o que parte no Ensino Médio.
deveria constar na cesta básica), e o que diz a Constituição
Federal sobre as necessidades a serem satisfeitas pelo salário
mínimo (indicando o artigo, o que pode ser ótima oportuni-
dade para os alunos manipularem a Lei, ainda mais conside- Conhecendo mais sobre
9 Uma dessas experiências é o trabalho realizado no Centro de Desenvolvimento e Planejamento • BRIDI, Maria A.; ARAÚJO, Sílvia M. de; MOTIM,
Regional – CEDEPLAR –, um órgão de pesquisas sobre população ligado à Faculdade de Eco-
nomia da UFMG, em Belo Horizonte. Ali encontram-se demógrafos, economistas, sociólogos,
Benilde L. Ensinar e aprender Sociologia. São
entre outros. Paulo: Contexto, 2009. [a partir da página 168]
274 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
Como vimos nesta aula... Referências
A atividade de pesquisa pode ser excelente ferramenta di- BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
dática para a disciplina Sociologia na escola média, mas ne- de 1996. Brasília, DF, 1996.
cessita de cuidados especiais para sua utilização e, em geral,
da disponibilidade de recursos e tempo por parte do professor. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curricula-
res Nacionais. Ciências Humanas e suas Tecnologias. Brasília, DF, 2008.
Organize-se em grupo com seus colegas; BRIDI, Maria A.; ARAÚJO, Sílvia M. de; MOTIM, Benilde L. Ensinar e aprender Sociologia.
São Paulo: Contexto, 2009.
Planejem detalhadamente uma pesquisa a ser desen-
volvida com seus alunos, conforme orientações estudadas CHAUÍ, Marilena. O discurso competente. In: Cultura e democracia. São Paulo: Cortez,
nesta aula, sem preocupações quanto ao contexto escolar 1997.
em que atuam, mas adequada a alunos do Ensino Médio;
DUMONT, Louis. Homo hierarchicus – o sistema das castas e suas implicações. São Pau-
Analisem os limites, as dificuldades e os impedimentos lo: EDUSP, 1997.
para a atividade planejada, determinados pelo contexto
das escolas públicas, conforme conhecimento dos mem- FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia – Saberes necessários à prática docente. Rio de
bros do grupo; Janeiro: Paz e Terra, 1999.
Escrevam um texto em que apresentam o projeto e as _____. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1983.
reflexões do item 3, acima.
FRIGERIO, Alejandro. Introdução. In: ORO, Ari Pedro. Mercosul – as religiões afrobrasi-
A atividade será realizada em grupo. leiras nos países do Prata. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.
MARTINS, José de Souza (Org.). Vergonha e decoro na vida cotidiana da metrópole. São
Paulo: Hucitec, 1999.
Atividade no ambiente virtual REIS, Elisa P. Reflexões transversas sobre transdisciplinaridade e ensino de ciências so-
ciais. In: BOMENY; BIRMAN (Orgs.). As assim chamadas ciências sociais. Rio de Janeiro:
Promova um debate no Fórum virtual e socialize com Relume-Dumará, 1991.
os colegas as respostas de seu grupo para a Atividade de
Avaliação. ROGERS, Carl. Liberdade para aprender. Belo Horizonte: Interlivros, 1978.
TOMAZI, Nélson Dácio. Sociologia para o ensino médio. São Paulo: Editora Atual, 2007.
_____. Politics and letters: intervieivs with new left review. London: NLB, 1979; Marxism
and literature. London: Oxford University Press, 1977.
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 275
Anexo 1 Anexo 1
Quadro 1 (orientações elaboradas e utilizadas no ano de 2000) Quadro 1 (orientações elaboradas e utilizadas no ano de 2000)
Algumas orientações sobre entrevistas: 6. Acima de tudo, a ética. Não se revela nada do que se obtém
numa entrevista que não seja autorizado pelo entrevistado,
(Orientação elaborada a partir de livre adaptação de GIL, An- inclusive sua identificação. Se ele disser: “não quero que grave
tônio C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, ou anote tal coisa”, deve-se respeitá-lo. Não somos investigadores
1995) policiais, mas pesquisadores científicos.
7. Não se deve influenciar a resposta do entrevistado ou
Pode-se definir a entrevista como uma técnica de pesquisa em induzi-lo. Isto é falta de procedimento científico e revela incom-
que o pesquisador se apresenta em frente ao pesquisado e lhe petência do pesquisador. Deve-se ficar o mais neutro possível. As
formula perguntas com o objetivo de obter certas informações perguntas não devem conter as respostas implícitas. Ex.: “Supo-
referentes à pesquisa em curso. A entrevista é uma das técnicas nho que a causa do desemprego seja a depressão econômica. O
mais utilizadas nas ciências sociais, e muitos a consideram a que você acha?”. Está errado.
técnica por excelência da investigação social, comparável ao tubo
de ensaio na Química, ao microscópio na Microbiologia ou ao 8. Para o bom andamento da entrevista, o pesquisador deve
telescópio na Astronomia. ser bem recebido. Para tanto, o entrevistador deve ser sempre
simpático. E deve agradecer ao término do procedimento.
Não existem regras fixas para a realização de entrevistas, mas aí 9. É de fundamental importância que se crie um clima amis-
vão algumas orientações de pesquisadores experientes: toso no início da entrevista, e que as primeiras perguntas sejam
1. Antes de tudo deve-se explicar o objetivo da entrevista as mais “fáceis” ou menos “constrangedoras” para o entrevistado.
para o informante ou entrevistado. Os objetivos e relevância da Quer dizer, a cordialidade é fundamental e em momento algum
pesquisa devem ser conhecidos pelo entrevistado. Ele tem esse o entrevistado deve sentir-se coagido. O entrevistador inteligente
direito. deixa o entrevistado à vontade.
2. Tenha claro em mente os seus objetivos e os objetivos da 10. Devem ser feitas em primeiro lugar perguntas que não
pesquisa que realiza. As perguntas formuladas devem permitir a conduzam à recusa em responder, ou que possam provocar al-
coleta de informações que atendam aos objetivos da pesquisa e guma resistência. O entrevistador somente faz as perguntas mais
tão somente isso. Cada pergunta deve ter um objetivo e não ser difíceis depois de iniciado o diálogo. Ex.: se você for perguntar
feita em vão. sobre renda familiar ou questões relativas a sexo, é aconselhá-
vel deixar tais questões para o fim da entrevista. Lembre-se: as
3. As questões devem ser formuladas de modo claro, simples pessoas envergonham-se diante de gravadores ou perguntas
e que não deixe dúvidas quanto ao seu significado. Se você vai intimistas.
entrevistar uma pessoa com quase nenhuma escolaridade, então
ao invés de usar as expressões “residência”, “conjuntura econômi- 11. 11. Algumas questões podem (e às vezes devem) ser frag-
ca” ou “etnia”, deve preferir as expressões “casa”, “cor da pele” ou mentadas em mais de uma questão, isso obedece ao princípio
“condições de vida”. Talvez esse não seja um bom exemplo, mas é de precisão. Inclusive é estratégico para as perguntas “difíceis”.
suficiente para mostrar que devemos prestar atenção aos nossos Quer dizer, ao invés de perguntar o salário da pessoa, pergunte
entrevistados. Quer dizer, se nosso objetivo é obter informações, quantas televisões, geladeiras, micro-ondas, carros, etc., ele tem
então devemos ser claros para aquele tipo de pessoa com quem em casa (quantos cômodos tem, renda familiar aproximada,
conversamos. etc.) para depois ter uma ideia relativamente precisa sobre
sua situação socioeconômica. Outro ex.: no lugar de perguntar
4. As perguntas não podem ser ambíguas. Ex.: uma empresa sobre uma ideia muito geral (como “O que você pensa sobre a
quis saber sobre o nível de vida de seus funcionários e uma das vergonha?”), é melhor perguntar várias coisas específicas (“Você
perguntas feitas foi: “O futuro de seu filho é melhor ou pior do já se sentiu constrangido na presença de uma outra pessoa?”,
que aquele que lhe foi oferecido na mesma idade?”. As respostas “Poderia relatar o caso?”, “O que você pensa que o levou a sentir-
foram “Sim”, “Não”, “Se Deus ajudar”, etc. se assim?”, etc.).
5. As perguntas também não podem ser muito longas e nem 12. Nas entrevistas em profundidade (que é o caso de vocês),
devem provocar constrangimento. É melhor deixar de perguntar as perguntas não seguem uma ordem fixa ou rígida e dependem
algo do que ser indelicado com nosso entrevistado. Lembre- muito do contexto e do rumo da conversação. No entanto, se
se: ele não tem a obrigação de nos responder nada, portanto você for entrevistar mais de uma pessoa, é interessante que as
devemos ser gratos e éticos. Ex. para não constranger: se você perguntas sigam mais ou menos um padrão, para que o estímulo
quiser saber se determinadas pessoas de um certo grupo social seja o mesmo. Isso mantém o princípio científico de objetivida-
tomam banho todos os dias, não deve perguntar isso diretamen- de, pois indivíduos diferentes responderiam ao mesmo estímulo,
te, mas procurar informações sobre quantos sabonetes gastam no caso a mesma pergunta, de tal modo que as respostas seriam
por semana. mais confiáveis e forneceriam informações sobre um mesmo
aspecto da vida humana e social.
continua... continua...
276 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
Anexo 1 Anexo 1
Quadro 1 (orientações elaboradas e utilizadas no ano de 2000) Quadro 1 (orientações elaboradas e utilizadas no ano de 2000)
13. Não se deve levar uma longa pauta de entrevista, mas, ao 20. Preste atenção em seu entrevistado, isso estimula sua
contrário, deve-se também criar as perguntas conforme a con- disposição para responder. Demonstre interesse por aquilo que
versa for acontecendo. Faça poucas perguntas diretas e preserve ele fala. Até nossa expressão de interesse conta muito. É impor-
a espontaneidade do processo. Só intervenha se o entrevistado se tante também estarmos concentrados, pois de outro modo não
afastar muito do objetivo da entrevista, mas de maneira suficien- acompanharemos seu discurso e não saberemos dar sequencia à
temente sutil. entrevista. Anote tudo o que puder sobre a atitude, as expressões
14. Só devem ser feitas perguntas diretamente quando o (faciais, etc.) e as emoções, mas de modo discreto. De preferên-
entrevistado estiver pronto para dar a informação desejada e na cia, após o término da entrevista.
forma precisa. 21. Não interrompa o entrevistado, ele pode ficar cansado
15. Deve ser feita uma pergunta de cada vez. logo e parar a entrevista. Evite interrompê-lo, acompanhe seu
raciocínio e deixe que ele fale! Mas não se deve fazer uma entre-
16. As perguntas que não forem respondidas podem até ser vista muito longa. Deve-se terminá-la antes que o entrevistado
repetidas mais ao final da entrevista, se houver clima, mas sem demonstre cansaço, pois o ideal é que o próprio entrevistado não
pressão. Se o entrevistado não quiser responder, é seu direito. sinta alívio ao término do processo, mas gratificação.
Pode-se reformular a pergunta.
22. Deve-se gravar a entrevista, mas se isso não for possível
17. Convém manter em mente as questões principais ou mais deve-se ter o cuidado de ser o mais discreto possível com a ano-
importantes até que sejam respondidas ou que se tenha a infor- tação das respostas do entrevistado. Aliás, a discrição é impor-
mação adequada sobre elas; assim que uma pergunta impor- tante também na entrevista gravada (se o entrevistado estiver
tante tenha sido respondida, deve ser abandonada em favor da com vergonha devido ao gravador, tire o foco dele). Mas quando
seguinte. Não se atenha a detalhes ou comentários que nada têm se anota, deve-se levar em consideração o seguinte: disponha
a ver com o que se pretende. Lembre-se: este é um procedimen- o papel na mesma linha visual do entrevistado, de preferência
to científico que segue um objetivo, não é uma conversa entre num plano; você não pode ficar apenas copiando o que o entre-
amigos sobre amenidades. Portanto, tenha sempre em mente o vistado diz, mas deve prestar atenção ao que ele fala até para dar
que deseja saber, quais as questões importantes, quais as suas sequencia à entrevista, então não fique preso ao papel; se não
hipóteses a serem refutadas ou confirmadas. O pior que poderia der para acompanhar a fala do entrevistado, copie o que der (é
lhe acontecer é o próprio entrevistador se perder na conversa. melhor prestar atenção e depois tentar reconstituir o que foi dito,
18. Se o entrevistado não entender a pergunta deve-se, antes mas não peça para que se repita o que foi dito); comece a anotar
de explicá-la, repeti-la tal como foi formulada. Essa orientação apenas depois que o entrevistado começar a falar; nesse caso,
segue o princípio de que as perguntas devem fornecer o mesmo anote atitudes, como já foi sugerido; utilize as mesmas palavras
estímulo para os diferentes entrevistados. Tentar “ajudar” pode do entrevistado, evite resumir ou parafrasear, a não ser que tudo
influenciar a resposta, por isso deve-se evitar perguntas que esteja muito rápido (mas depois você deve tentar reconstituir
iniciem assim: “Você não acha que...”. tudo como foi dito); incluir tudo o que se referir ao objetivo da
19. Frequentemente uma pergunta provoca uma resposta obs- pergunta e descartar o que não for importante; use ponto de ex-
cura ou incompleta. O pesquisador deve, então, utilizar alguma clamação e outros sinais para registrar o tom de voz, ironia, etc.
técnica que estimule uma resposta mais completa. Há formas 23. “O bom entrevistador deve, efetivamente, reunir duas
de indagação que apresentam esse estímulo mantendo bastante qualidades muitas vezes incompatíveis: saber observar, ou seja,
neutralidade. Ex.: “Poderia contar um pouco mais a respeito?”, deixar a criança [eu diria, o entrevistado] falar, não desviar
“Qual a causa, no seu entender?”, “Qual a sua ideia com relação a nada, não esgotar nada e, ao mesmo tempo, saber buscar algo de
esse ponto?”, “Qual dado lhe parece mais exato?”, “Nos conte mais preciso, ter a cada instante uma hipótese de trabalho, uma teoria,
a respeito”, “Você poderia desenvolver mais esse argumento?”, verdadeira ou falsa, para controlar”. (PIAGET, citado em Métodos
“Você poderia nos falar mais a esse respeito?”. e técnicas de pesquisa social, 1994. p. 116)
continua...
2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino 277
Quadro 2 (orientação elaborada e utilizada no ano de 2000) Quadro 2 (orientação elaborada e utilizada no ano de 2000)
Orientações para a realização da observação participante Regra nº 5: três tipos de coisas devem ser observados:
O objeto de estudo por meio de observação participante não é a) a estrutura ou anatomia do lugar (o que tem nele, como está
apenas o folclore, nem mesmo somente aquilo que é mais visível organizado e como funciona?);
(como, por exemplo, as características do lugar); o principal é o b) os comportamentos típicos das pessoas do lugar (como elas
comportamento concreto das pessoas. fazem as coisas que fazem?);
c) as ideias importantes (o que as pessoas pensam sobre o que
Tudo é importante para um observador atento: como as pessoas fazem?)
vivem nesse lugar? O que elas fazem? Como se comportam? Mas também: histórias, contos, folclore, ditados populares,
Que sentimentos elas expressam? E, principalmente, o que elas palavras ou frases típicas, etc., ou seja, estudar a mentalidade ou
pensam sobre o que fazem? É importante olhar as coisas miúdas a alma do lugar.
da vida cotidiana e aprender a ouvir e aprender com os próprios
sujeitos da vida local. Regra nº 6: a comparação é fundamental, não para julgar, mas
para perceber as diferenças. Não se trata de uma comparação
Deve-se receber com naturalidade qualquer resposta dada e todo moral, ou seja, do ponto de vista dos valores. Mas uma compa-
o comportamento observado. E nunca, absolutamente, esquecer ração entre duas realidades distintas para, a partir desse olhar
da ética no trabalho em campo: não se deve “forçar” ninguém a comparativo, desvendar nuances antes não percebidas.
qualquer coisa (a responder uma pergunta, a posar para fotos,
etc.) nem revelar sua identidade ou distorcer as informações. Regra nº 7: o resultado da observação participante é um relato
escrito sobre tudo o que você aprendeu, mas para se conseguir
Regra nº 1: a ideia básica fundamental da observação partici- isso você deve anotar tudo: o que vê, o que lhe contam, suas
pante: considerar (vivenciar) o estranho como familiar. Trata-se conversas, suas descobertas, o que você sente a respeito do que
de um estudo “por dentro” de uma cultura distinta, um estudo vivencia; o diário deve ser preenchido todo dia antes de você ir
intensivo feito por um “mergulho profundo na diversidade”. dormir; cuidados com as anotações: o diário não deve ser mos-
Nessa atividade você é um verdadeiro “detetive cultural”. trado às pessoas do lugar; cuidado para não ofender as pessoas.
Regra nº 2: buscar sempre o “ponto de vista nativo”, isto é, você Na observação participante busca-se a valorização dos “fatos
deve pensar como a pessoa do lugar pensa e tentar compreender imponderáveis da vida social”. “Pertencem a essa classe de
as coisas do modo como ela compreende, a sua mentalidade. fenômenos: a rotina do trabalho diário do nativo; os detalhes
Nem sempre o que é bom para você é bom para o outro, então de seus cuidados corporais; o modo como prepara a comida e
deve-se tentar compreender o sentido para o outro do que ele se alimenta; o tom das conversas e da vida social ao redor das
vive e faz. fogueiras; a existência de hostilidade ou de fortes laços de ami-
Regra nº 3: a observação participante tem três momentos zade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas; a
básicos: maneira sutil, porém inconfundível, como a vaidade e a ambição
1º momento: estranhamento da cultura local (isso permite “agu- pessoal se refletem no comportamento de um indivíduo e nas
çar” nossa atenção para tornar um problema aquilo que parece reações emocionais daqueles que o cercam” (MALINOWSKI, B.
natural); Argonautas do Pacífico Ocidental, 1978, p. 29).
2º momento: mergulho na vida local (o estranho se torna fami- A relevância desse “método”: “Estudar as instituições, costumes e
liar se o experimentarmos, o que nos leva a sentir e ver como as códigos, ou estudar o comportamento e mentalidade do homem,
pessoas sentem e veem); sem atingir os desejos e sentimentos subjetivos pelos quais ele
3º momento: viagem de volta ao seu meio para refletir sobre a vive, e sem o intuito de compreender o que é, para ele, a essência
cultura que conheceu e vivenciou (não basta, para compreender, de sua felicidade, é, em minha opinião, perder a maior recom-
ficar na pura descrição, porém criticar o que aprendeu). pensa que se possa esperar do estudo do homem” (MALINO-
Regra nº 4: a expressão observação participante quer dizer WSKI, 1978, p. 34).
exatamente o que as palavras significam: você deve observar A finalidade da observação participante: “Nosso objetivo final
tudo, com uma curiosidade imensa; observar tudo diretamente ainda é enriquecer e aprofundar nossa própria visão do mundo,
e não se contentar com o que lhe contam; e participante porque compreender nossa própria natureza e refiná-la, intelectual e
você deve “pôr a mão na massa”, se for possível – fazer o que as artisticamente. Ao captar a visão essencial dos outros, com a
pessoas fazem e experimentar seu modo de vida e suas ativida- reverência e verdadeira compreensão que se deve mesmo aos sel-
des diárias. vagens, estamos contribuindo para alargar a nossa própria visão.
continua... Não podemos chegar à sabedoria final socrática de conhecer-
nos a nós mesmos se nunca deixarmos os estreitos limites dos
costumes, crenças e preconceitos em que todo homem nasceu”
(MALINOWSKI, 1978, p. 370).
278 2º Módulo Disciplina 5: Metodologia e recursos didáticos 5ª Aula: A pesquisa como estratégica de ensino
Para concluir o Módulo II
Caro(a) cursista,
Sociologia
para o Ensino Médio
Ministério da Educação
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Comissões de Sociologia
Sociologia
lo
du
m
para o Nvel Mdio
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-8060-023-0
13-07551 CDD-370.71
Desenvolvendo um Memorial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Ementa:
Objetivos:
Algumas observações:
Estes itens são apenas sugestões para o desenvolvimento do TCC, pois caberá a cada IES propor outras
formas de avaliação. Nossa proposta contempla apenas duas alternativas para a elaboração de monografia:
Outros modelos de TCC poderão ser eleitos, tais como a elaboração de monografias na forma de um traba-
lho ou de um artigo científico ou qualquer outra forma a critério da instituição onde o curso irá se desenvolver
e das normas para sua apresentação que deverão seguir aquelas que a unidade (IES) estabelecer.
Aspectos comuns às duas propostas
A necessidade de um projeto Não é o seu caso, por isso procure esclarecer os seus objeti-
vos e elabore uma justificativa clara demonstrando a relevân-
Há sempre uma grande dificuldade quando se pretende cia da sua proposta. Procure ver a viabilidade do que pretende
escrever um trabalho acadêmico. Em primeiro lugar, é neces- realizar e quais os recursos irá necessitar para atingir o seu
sário ficar convencido(a) da necessidade de elaborar um pro- alvo.
jeto. Muitas pessoas “acham” que é possível escrever um TCC
sem pensar num projeto. Seria como tentar construir uma
casa levantando paredes, telhado, definindo cômodos, sem ter
no papel um desenho prévio. Questões básicas
Você já viu alguém tratar a construção ou ampliação de Lembre-se de que, em qualquer das alternativas de TCC,
uma casa sem um projeto? você terá de concretizar algumas questões que são básicas:
É quase certo que não, mesmo porque é uma exigência Definir um título para o seu trabalho de tal forma que
dos órgãos municipais. ele espelhe o que você pretende fazer (título que pode ser
provisório para ser redefinido ao final, se for o caso).
Alguns tentam, mas o resultado é sempre preocupante,
pois, além do risco e da desobediência civil, quase sempre se Todo trabalho acadêmico tem um sumário e uma intro-
gasta mais tempo e dinheiro do que se pensava e, ao final, o dução. Aqui vai outra dica importante: faça um sumário
resultado nunca é o que estava na mente de quem a construiu. e uma introdução também provisórios, pois, conforme
A elaboração de um projeto, como parte necessária do de- Umberto Eco (em seu livro Como fazer uma tese), se você
senvolvimento de um TCC, é igualmente importante na medi- não consegue escrevê-los é porque ainda está com dúvi-
da em que sua elaboração é o momento em que você, cursista, das sobre o que vai fazer. Portanto, depois de tudo o que
irá refletir sobre o que deseja fazer. Assim, não tenha pressa, você já leu, deve ter uma ideia, pelo menos aproximada,
pare e pense no que está querendo e disposto a realizar. do que pretende realizar. Então, escreva provisoriamente
Para começar, você vai ter de decidir como será o seu TCC. um sumário e uma introdução. Mas não fique preocupa-
Será um memorial ou um projeto para a disciplina de Socio- do com isso, pois você pode e deve “escrever com liberda-
logia no Ensino Médio? Estas formas são aquelas que estamos de” acerca do que pretende tratar: enumere alguns itens
propondo e cujos procedimentos serão depois indicados. Mas e depois corrija, cortando ou ampliando sua proposta. O
voltamos a lembrar que o trabalho poderá ser também um mesmo serve para a introdução. Lembre-se de que tanto o
artigo científico, ou ainda uma forma que a IES determinar, sumário quanto a introdução serão escritos definitivamen-
pois cada instituição irá exigir e cobrar certos procedimentos. te apenas ao final do trabalho, quando o conteúdo do seu
Muito bem! Se você já decidiu o que irá realizar, é neces- trabalho já foi desenvolvido. Trata-se da última coisa a ser
sário trabalhar com calma. Não saia escrevendo tudo o que realizada, pois só depois do trabalho concluído é que você
lhe vem à cabeça. É preciso organizar o que você está pensan- poderá escrever efetivamente a introdução dizendo o que
do. Lembre-se que você tem muitas ideias, pois, afinal, já leu você escreveu.
bastante e já escreveu muito durante este curso. O momento
agora é estabelecer o “ponto de partida” e indicar onde você A bibliografia utilizada é outra questão que deixa mui-
pretende chegar. Há uma piada que afirma ser Colombo o pa- ta gente preocupada. Assim, as informações bibliográficas
trono dos planejadores, pois ele tinha uma leve indicação para (autor, título, editora, cidade, data, etc.) necessárias para
onde estava indo e não sabia onde estava quando lá chegou (e informar o livro ou artigo que você leu ou escolheu ler,
o governo pagou tudo). bem como passagens ou ideias que vão ser utilizadas para
3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica para desenvolver o TCC Aspectos comuns às duas propostas 11
escrever o seu TCC, devem ser anotadas desde o início uma citação que contradiz outra, ou uma frase que contes-
para não enfrentar problemas futuros. Não caia na cilada ta o que você já escreveu. Depois, solicite a um(a) colega,
de não saber onde foi encontrada esta ou aquela ideia ou conhecedor(a) de seu projeto, para que leia e faça a mesma
de onde foi extraída determinada citação. Uma boa dica é operação. Atividades que vocês podem realizar em parce-
você abrir um arquivo específico para ir anotando tudo o ria, um para o outro.
que leu. Suas anotações já devem trazer as citações confor- A revisão gramatical é outra fase necessária, ou seja, so-
me as normas da ABNT. Assim, ao final do trabalho, sua licite para alguém que conheça bem a língua portuguesa,
bibliografia ou referências bibliográficas já estarão pron- especialmente sua gramática, para realizar essa operação.
tas. Mesmo que você conheça bem a gramática da língua por-
Sobre isso cabe mais uma ressalva. Em todos os trabalhos tuguesa, e tenha um estilo próprio de escrever, é melhor
acadêmicos fazemos citações de vários autores. As cita- que outra pessoa faça esta revisão pois, depois de muito
ções não poderão ficar soltas e é fundamental que sejam escrever, nós não nos damos conta de alguns pequenos
introduzidas no texto relacionadas aos seus argumentos. erros de concordância, de pontuação ou do tamanho dos
É útil e importante elaborar algum comentário dizendo se parágrafos que, muitas vezes, se tornam confusos, podem
você concorda ou não com o autor citado. Lembre-se de ser desmembrados, etc.
que toda citação deve ter a sua origem indicada conforme Para concluir esta parte, queremos reafirmar que um texto
as regras que a IES a que o curso estiver vinculado assim acadêmico deve ter a maior clareza possível. Busque não
definir. “embolar” as frases, seja direto no que quer dizer com o
mínimo de palavras e expressões possíveis, pois, como dis-
O tempo para se escrever é sempre menor do que aquele semos, muitas vezes construímos parágrafos que se tor-
que gostaríamos de ter à nossa disposição. Por isso, admi- nam incompreensíveis em razão de sua extensão. Quanto
nistrar e organizar o tempo são fundamentais para quem mais claro e direto for seu texto (“enxuto” como se diz),
pretende escrever um TCC. sem aqueles apostos enormes, melhor será sua compreen-
O planejamento do tempo que temos à disposição requer são. E, atenção, esqueça os “gerundismos”, ou seja, nunca
um mínimo de disciplina pessoal. Isso significa que você recorra a expressões tais como “queríamos estar fazendo...”
tem de definir quantas diária ou semanalmente terá para Escreva: “quero fazer”. Evite expressões como “a nível de”.
ler e escrever o seu texto. Cada dia será sempre um dia a Cuidado com os pleonasmos e lembre-se: todo termo em
menos para você terminar o seu trabalho. Assim, não dei- língua estrangeira deve ser escrito em itálico.
xe para os últimos dias, pois então será bem provável que
você não terminará o seu TCC em tempo, da forma como
gostaria ou que será cobrado. Organize-se: faça um crono-
grama com datas definidas e procure cumpri-lo. Organizando o que vai escrito
O tamanho do TCC é outra questão que apavora muitas Todo texto acadêmico possui três fases: introdução, desen-
pessoas. Não tente escrever tudo o que lhe vem à cabeça. volvimento e conclusão.
Escreva o mais concisamente possível. Se você já apresen-
tou uma discussão mais extensa, não a utilize novamente,
apenas remeta-a a uma nota de pé de página mostrando
que ela já foi realizada. Cite-a com precisão. � Oque deve conter
uma introdução?
Muitas IES definem o mínimo e o máximo de páginas que
deve conter um TCC. Se não houver esta limitação, atenha-
se ao fundamental de sua proposta e lembre-se de que um Aqui você irá apresentar o que vai ser escrito e vai deixar
texto bem escrito não necessita de centenas de páginas bem claro ao seu leitor como isso vai ser realizado e quais
para explicar o que se pretende fazer conhecer. Os leitores são as linhas mestras do seu trabalho, ou seja, quais a(s)
vão agradecer e você terá mais tempo para fazê-lo. vertente(s) teórica(s) com as quais você trabalhará. Deve
também esclarecer quais os recursos de que se utilizou para
A correção e a revisão final de seu TCC devem ser rea- desenvolver o trabalho, como documentos, livros, entrevistas,
lizadas antes que o mesmo seja entregue, o que está pre- etc. Isso vai variar de acordo com a opção de TCC escolhida,
visto no cronograma proposto. Normalmente, a correção mas qualquer que seja é preciso deixar claro como realizou a
das ideias deve ser feita por você mesmo, verificando se pesquisa ou o seu texto.
elas estão concatenadas e se são coerentes entre si, pois às Lembre-se de que você vai ser cobrado(a), na avaliação de
vezes pode haver um descuido e você pode deixar passar seu TCC, somente por aquilo que você estabeleceu que iria
12 3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica para desenvolver o TCC Aspectos comuns às duas propostas
realizar. Portanto, a clareza da sua escrita é fundamental para O narrativo-cronológico é um tipo de parágrafo no
que não haja confusão ou “mal-entendidos”. É sempre impor- qual a ordem temporal é a mais importante e no qual
tante lembrar também que você nunca poderá dizer na ava- você relata uma sequência de fatos que se encadeiam
liação do seu TCC a seguinte frase: “Mas eu não quis (queria) entre si. Algumas expressões que identificam esse tipo
dizer isso, eu quis (queria) dizer aquilo”. de parágrafo: No início do processo..., Na sequencia dos
Uma boa introdução esclarece o caminho que você percor- acontecimentos..., Em seguida..., Logo após..., Finalmen-
reu e, ao mesmo tempo, orienta sua escrita. A introdução mais te..., etc. Este tipo de parágrafo aparece em textos (ou
simples é aquela na qual você aponta para o que fez. Por exem- parte deles) que têm a preocupação em desenvolver
plo: “Na primeira parte ou no primeiro capítulo foi realizado uma determinada história, descrever certo processo,
isso, na segunda parte ou capítulo aquilo, e assim por diante...”. ou ilustrar algum argumento. Nesse sentido, muitas
O verbo “pretender” deve servir apenas à introdução provi- vezes pode-se, no decorrer da narrativa, desenvolver
sória, pois, uma vez realizado, seu trabalho deixa de ser uma um ir e vir, ou seja, um retorno no tempo e uma volta
mera pretensão. A introdução é um resumo do que foi escrito. ao presente... Estratégia que pode ser importante para
Expressões como: “Neste trabalho analisamos..., Nossa propos- a apresentação da sequencia narrada.
ta é demonstrar..., Vamos partir de..., Utilizamos tais enfoques
ou tais recursos, etc., demonstram o que é uma introdução. O descritivo é um parágrafo no qual o foco está na
descrição de objetos, lugares, ambientes e pessoas, e que
contribuem para esclarecer situações que são importantes
� O que é o desenvolvimento
de um trabalho?
para o seu texto. A narrativa deve ser repleta de detalhes,
aspectos pitorescos, diferentes, ou mesmo, comuns de tal
modo que o leitor possa visualizar o que está sendo des-
crito.
É a parte que contém o fundamental da sua proposta. Ou
seja, na introdução você escreveu que fez isso e aquilo. E aqui O expositivo-argumentativo é um parágrafo essencial
você apresenta o que fez, mesmo quando ainda é uma versão em um TCC, pois é utilizado para a argumentação do
provisória. Depois, você poderá ir modificando, pois enquan- que você escolheu escrever. O processo de argumen-
to escrevemos continuamos a ter ideias novas. Assim, sempre tação é largamente utilizado em tudo o que você vai
estamos acrescentando ou retirando alguma coisa do que já fazer, pois afinal você tem que discutir seu tema com
elaboramos. base em teorias e conceitos que deverão dar conta de
Esta parte – desenvolvimento – é o cerne do seu trabalho. seu objeto de estudo. Serão muitos parágrafos deste
É o resultado do que você estudou e pesquisou. É o seu TCC. tipo contendo muitos argumentos que irão se entre-
Implica um texto que deve ser escrito segundo as regras e as laçando para formar a teia de ideias e concepções que
normas da nossa gramática e de acordo com as diversas for- irão compor o seu universo de explicação.
mas de se expressar da língua portuguesa (entre as quais po- O fundamental neste tipo de parágrafo é o raciocínio cor-
demos lembrar, por exemplo, que o texto pode ser escrito na reto e a lógica precisa, ou seja, você vai ter que envolver
primeira pessoa do singular, ou na primeira pessoa do plural, o leitor com o poder de seu argumento, de tal modo que
ou ainda de forma impessoal e, também, sempre em obediên- ele se convença do que você está apresentando. O conven-
cia às normas que regem o padrão acadêmico – bibliografia, cimento é o ponto forte deste tipo parágrafo, e você não
referências bibliográficas, etc.). pode deixar dúvidas sobre o que expõe ou defende. Aqui
Vamos exemplificar agora possíveis parágrafos que você você não poderá usar expressões tipo: “Eu acho que...”,
poderá utilizar em seu trabalho. Conforme os dicionários, um mas sempre: “Eu penso que...”, ou “Eu acredito que...” Na
parágrafo é normalmente uma divisão no interior do texto, verdade, o melhor é afirmar ou negar o que você expõe
cuja função é mostrar que as frases nele contidas mantêm e demonstrar claramente o que pretende mediante seus
maior relação entre si do que com o restante do texto. Quando argumentos. Além disso, o parágrafo deve apresentar in-
se muda de linha, significa que há mudança de assunto ou que formações, dados, fatos, etc., tabelas, citações de pesqui-
uma nova discussão dentro do mesmo assunto foi introduzi- sas etc., que “demonstrem” o que está sendo apresentado,
da. defendido, incluindo narrativas de processos e exemplos
Trabalhamos basicamente com três tipos de parágrafos, e históricos, quando isso se fizer necessário.
os utilizamos em vários momentos de nossa escrita conforme
o que queremos expor: o narrativo-cronológico, o descritivo e
o expositivo-argumentativo. Vamos apresentar cada um deles:
3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica para desenvolver o TCC Aspectos comuns às duas propostas 13
� O que é uma
conclusão?
Após isso, você terá terminado seu trabalho. Agora você
deverá retomar e escrever a Introdução e o Sumário definiti-
vos. E também fazer a capa, os agradecimentos, e completar
seu trabalho conforme o modelo que a IES definir.
Como o próprio nome indica é o momento de terminar o
seu trabalho. Há duas formas bastante simples de fazê-la: Assim sendo, vamos abordar as indicações das nossas duas
propostas de como você poderá desenvolver o seu TCC: na
A primeira é a conclusão-resumo, onde você escreve de forma de um memorial ou de um projeto/programa para o en-
maneira resumida o que você fez, destacando os principais sino de Sociologia no nível médio.
aspectos de seu trabalho e reafirmando as qualidades dele
e as conclusões a que chegou depois de ter exposto tudo o
que fez. Se o seu trabalho tem vários capítulos, pode resu-
mi-los e depois fazer o fechamento demonstrando que o
que foi proposto na introdução está cumprido.
14 3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica para desenvolver o TCC Aspectos comuns às duas propostas
Desenvolvendo um Memorial
(ou, como escrever um memorial)
Lembre-se: quando você terminou as duas primeiras dis- Se você ainda tem dúvidas, leia os memoriais abaixo, pois
ciplinas do Módulo I, apontamos que você poderia utilizar eles poderão servir de exemplos para você escrever o seu. �
aquelas versões de suas memórias (sobre a sua formação e
prática docente) como elementos para redigir o seu memorial • BATISTA, Vera Lúcia. Conta sua história, professora!
na forma de um TCC. Se você decidiu por essa forma, então já Narrativas que significam a prática educativa.
tem meio caminho andado. Link: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/
Num primeiro momento você deve fazer um roteiro para o proesf-memoriais2005/VeraLBatista_
seu memorial. Você pode utilizar qualquer roteiro que tiver à ContasuaHistoriaProfessora.pdf>.
mão ou então um que o seu orientador propuser. Se não hou-
ver nenhum, pode recorrer, por exemplo, ao que é utilizado na • BATISTA, Raquel Aparecida.
Unicamp: � Memória de minha formação.
Link: <http://libdigi.unicamp.br/document/?view=18069>.
• Roteiro para Elaboração de Memorial.
Compilado por Gildenir Carolino Santos. No texto abaixo você encontrará um memorial muito sim-
Link: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/ ples, um exemplo clássico de memorial escrito de forma mui-
downloads/proesf-RoteiroparaMemorial-versaoFinal.pdf> to livre. �
Mesmo que tenha em mãos um roteiro, não comece a es- • Memorial de Maurício Tragtenberg.
crever ainda o seu memorial. Leia o texto abaixo, pois acredi- Link: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/
tamos que ele lhe será bastante útil: downloads/proesf-Memorial_Tragtenberg.pdf>
• Memorial de formação – Registro de um Concluída esta parte, é importante lembrar e ressaltar que
percurso. Ana Lúcia Guedes-Pinto. você já escreveu um memorial de formação e outro memorial
Link: <http://www.fe.unicamp.br/ensino/graduacao/ sobre a sua prática docente. Agora você vai ter de trabalhá-los
downloads/proesf-AnaGuedes.pdf>. de forma unificada. Quem sabe em uma primeira parte você
possa elaborar a questão relacionada à sua formação e, depois,
Agora você pode querer escrever o seu memorial. Tenha intercalar com sua prática docente e com sua formação poste-
paciência ainda, espere mais um pouco, e leia o texto abaixo, rior à conclusão de seu curso superior.
pois nele você encontrará boas dicas de como escrevê-lo. �
A proposta de um TCC com a apresentação de um plano/ fundamentais para o desenvolvimento articulado da discipli-
projeto/programa para o ensino de Sociologia no nível médio na Sociologia no nível médio.
é fazer com que você, primeiramente, reflita de forma mais Outro elemento muito importante a ser considerado no
aprofundada sobre a presença da Sociologia nas escolas de desenvolvimento da atividade docente no nível médio é a pes-
nível médio. Assim, temos dois possíveis pontos de partida: quisa como forma de ensino. Ou seja, o professor deve utilizar
esta ferramenta para despertar no aluno a curiosidade e o in-
Sendo professor de Sociologia no nível médio, o ponto teresse para com a realidade em que vive.
de partida é o que você já vem ministrando em suas aulas, Além disso, há nas Orientações outras indicações de recur-
o programa que você vem desenvolvendo. sos didáticos que podem ser utilizados no cotidiano da sala
de aula.
Não sendo ainda professor, a recomendação é que você Feita a leitura das Orientações, é hora de ir adiante. Além
parta de um programa de Sociologia que gostaria de mi- das OCN você pode e deve ter em mãos outros programas ou
nistrar. projetos para o ensino da Sociologia no nível médio e que
poderão dar uma ideia do que escrever. Mas, veja bem, aqui
Porém, para tornar este percurso um pouco mais abran- você não fará um programa ou projeto de forma burocrática,
gente e com uma base comum, entendemos ser de suma im- deverá ir além, pois terá de apresentar uma justificativa para
portância que você leia as Orientações Curriculares Nacionais cada item proposto.
(OCN): � Como sugestão, vamos indicar algumas questões que este
trabalho deve conter, além, é claro, daquelas que seu orienta-
• Orientações curriculares para o ensino médio dor poderá sugerir.
– Ciências Humanas e suas tecnologias –
Conhecimentos de Sociologia, volume 3, p. 99-133, a Em quantas partes você vai dividir o seu trabalho? Pelo
Link: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_ menos em três partes, já que a lei que implantou a Sociologia
volume_03_internet.pdf> no Ensino Médio, em âmbito nacional, prevê a presença da
disciplina nas três séries.
As Orientações, como o próprio nome indica, é um texto
escrito com o objetivo de ser um guia aberto no qual os pro- b Na parte introdutória você pode responder a duas ques-
fessores de Sociologia do Ensino Médio possam se encontrar tões que sempre se fazem presentes:
e se reconhecerem como sujeitos de seu trabalho. Elas partem
de dois fundamentos ou perspectivas entendidas como neces- Por que sociologia no ensino médio? Uma questão que é
sárias ao desenvolvimento do ensino da Sociologia no nível sempre posta pelos administradores das escolas.
médio: o estranhamento e a desnaturalização. Se o primeiro
termo diz respeito a um elemento presente em todo o discur- Para que serve a Sociologia? Esta, uma questão própria
so científico, o segundo está mais ligado às ciências humanas. dos alunos do Ensino Médio.
Você já teve uma disciplina no Módulo I que discutiu mais
demoradamente estes dois termos, portanto já está familiari- c Objetivos gerais e específicos para todo o programa/
zado com tais questões. projeto e/ou para cada série.
Vale lembrar, ainda, os três pressupostos metodológicos
que, articulados, servem para orientar o professor no desen- d Como você vai construir o seu projeto? A partir de
volvimento de suas aulas: as teorias, os conceitos e os temas. teorias,conceitos ou de temas? O que você vai privilegiar em
Nenhum deles deve ser pensado separadamente, pois eles são cada série ou unidade?
3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica... Construção de um plano ou projeto para o ensino de Sociologia no nível médio 17
Vamos partir do pressuposto de que você já redigiu, para indicar os processos de avaliação, por unidade ou por
cada série, o que vai constituir o seu projeto/programa com série, explicitando quais os critérios que serão levados em
unidades muito bem delineadas: conta para avaliação dos alunos.
1ª série Com isso em mãos, você já está pronto para redigir o seu
TCC se sua escolha recaiu sobre essa forma de elaboração de
Unidade I seu trabalho. Escreva como se você fosse apresentar este tra-
Aula 1 balho a uma secretária de Educação visando à adoção de seu
Aula 2 projeto para toda a rede pública do seu Estado. Ou, se quiser,
Aula 3 escreva como se fosse participar de um concurso para minis-
... trar aulas em uma escola privada. Seja convincente e utilize
todos os argumentos possíveis para que seu trabalho seja
Unidade II aceito, tanto num caso quanto no outro.
Aula 1 Isso realizado, escolha agora, com seu orientador, qual o
Aula 2 tipo de TCC que você vai querer realizar e faça sua tarefa com
.... a maior proficiência possível. Bom trabalho!
Abaixo você encontrará uma sugestão para escrever o seu
2ª série TCC na forma de um projeto/programa de curso de Sociolo-
gia para o Ensino Médio.
Unidade I
Aula 1
...
Elementos para a elaboração
Unidade II de proposta de curso
3ª série
...
Justificativa do curso
Feito isso, para cada série e unidade, obrigatoriamente, e se
você quiser ser mais minucioso, para cada aula, você deverá Toda proposta de curso deve ser apresentada median-
esclarecer: te uma justificativa. Qual é a importância da disciplina, da
proposta de curso, do recorte que se fará, da bibliografia, da
os objetivos gerais e específicos; metodologia; que objetivos se busca atingir, isto é, quais mu-
danças são pretendidas a partir da realização do curso. Esses
quais os fundamentos teóricos (conceitos, teorias ou elementos da justificativa podem ser expressos de forma en-
autores utilizados); cadeada, sem divisão; nem sempre serão apresentados todos
os elementos, pois nem sempre o professor deseja ou pode
se for um tema, como pretende analisá-lo e a partir de trabalhar com muitos objetivos. Nesta parte, um diagnóstico
quais enfoques teóricos; da situação atual dos jovens, do Ensino Médio etc., pode ser
elaborado de modo a informar e indicar o fundamento da
a utilização de textos de autores. Lembre-se de que o proposta (aquilo que se quer realizar/atingir).
aluno deve ler e escrever;
se você for recorrer a um livro didático, é fundamental Não se trata aqui de dizer que é construtivista, “liberta-
dizer como será o seu uso; dora”, renovadora ou tecnicista, mas apenas indicar algumas
estratégias de ação, propor algumas formas de atividades que
como serão utilizados outros recursos: filmes, video- serão desenvolvidas com os alunos, quais materiais didáticos
clips, documentários, charges, música, etc., e qual a relação serão utilizados, qual o formato das aulas, etc. Nada muito for-
desses recursos com as aulas respectivas; mal, mas uma apresentação que revele uma preocupação com
18 3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica... Construção de um plano ou projeto para o ensino de Sociologia no nível médio
a variedade de procedimentos didáticos, com a incorporação Avaliação
dos alunos ao trabalho pedagógico.
que tipos de avaliação irá desenvolver com os alunos, qual
a sua periodicidade, se deseja referir-se apenas aos conteúdos
Recursos didáticos ou se pretende avançar para uma avaliação “global” do apren-
dizado. É sempre recomendado que haja mais de um tipo de
Há uma variedade de recursos com os quais você poderá avaliação, pois isto proporcionará aos alunos mais opções de
trabalhar e que vão desde os mais tradicionais (giz, lousa) até aprendizagem.
a “internet”. O jornal, o livro didático, o paradidático e o espe-
cializado, o computador e seus aplicativos, o CD-Rom, a TV
e o vídeo, etc., são todos recursos que podem ser explorados Observações gerais
em diversos momentos do trabalho docente e discente. Tam-
bém não é preciso que você indique ou venha a utilizar todos Outras informações pertinentes que não puderam ser tra-
os meios indicados, pois nem sempre eles estão disponíveis tadas nos itens anteriores.
e se fazem necessários. O recurso didático deverá responder
ao tema e aos objetivos, não é uma forma de “aliviar” o peso
dos conteúdos, mas, de outra forma que não a dissertativa co- Indicação de leituras:
mum, fixar e até apresentar novos conteúdos e buscar a in-
teração entre conteúdos e o aprendiz. Assim deve haver uma Os textos abaixo são bastante esclarecedores e tratam sobre
justificativa também para a utilização desses recursos questões que geralmente se revelam duvidosas para aqueles
que estão iniciando no processo de escrita no meio acadêmico.
Bibliografia BURSZTYN, M. et al. Para escrever um artigo publicável. Disponível em: <http://164.41
.2.88/marcel/exec/index.cfm?code=01pg&ID=290709_C6DD8B75.doc>. Acesso em: 18
Aqui é interessante que o cursista apresente uma biblio- ago. 2010.
grafia básica à qual irá recorrer para desenvolver o curso. Pode
ser dividida em duas partes: a bibliografia para o professor e a LACAZ-RUIZ, R. Notas e reflexões sobre redação científica. Disponível em: <http://www.
bibliografia para os alunos. É necessário fazer um comentário hottopos.com.br/vidlib2/notas.htm>. Acesso em: 18 ago. 2010.
breve justificando esses recortes bibliográficos (caso já não es-
teja presente na justificativa geral). Aqui é o espaço onde você SHIKIDA, C.D. Honestidade acadêmica e plágio: observações importantes. Disponível
pode apresentar sua proposta de material didático. em: <http://shikida.net/apostilaplagiotnr.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2010.
3º Módulo Disciplina Única: Orientação teórico-metodológica... Construção de um plano ou projeto para o ensino de Sociologia no nível médio 19