PROPOSIÇÃO As armas e os barões assinalados (os feitos guerreiros e os navegadores – homens ilustres)
Que, da ocidental praia Lusitana, (Portugal)
Por mares nunca dantes navegados Plano da Viagem Passaram ainda além da Taprobana, (Ceilão – ilha que os Portuguses descobriram em 1507)
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino,(Império do Oriente) que tanto sublimaram; E também as memórias gloriosas Daqueles Reis que foram dilatando Plano da História de Portugal
A Fé, o Império, e as terras viciosas (gentias, não cristãs)
De África e de Ásia andaram devastando, (percorrendo) E aqueles que por obras valerosas (grandiosas) Se vão da lei da Morte libertando; (esquecimento) (Aqueles que se tornaram imortais na memória dos homems pelos feitos ilustres que realizaram).
Cantando espalharei por toda a parte, Plano do Poeta
Se a tanto me ajudar o engenho (talento) e arte. Cessem do sábio Grego (Ulisses) e do Troiano (Eneias) (Deixe-se de se falar de Ulisses e de Eneias)
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro (Alexandre Magno) e de Trajano (imperador romano) (Ambos conquistaram grandes impérios)
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre lusitano, (os Portrugueses) A quem Neptuno (deus do Mar) e Marte (deus da Guerra) obedeceram. Plano dos Deuses Cesse tudo o que a Musa antiga (Poesia – Calíope) canta, Que outro valor mais alto se alevanta.
Os Lusíadas (I, 1-3)
Camões está decidido a tornar conhecido em todo o mundo o valor do povo português (o peito ilustre lusitano). E para isso estrutura a sua proposição em duas partes; Nas duas estâncias iniciais, enuncia os heróis que vai cantar; Na segunda parte, constituída pela terceira estrofe, estabelece um confronto entre os portugueses e os grandes heróis da Antiguidade, afirmando a superioridade dos primeiros sobre os segundos. 1ª e 2ª estrofes Pode esquematizar-se o conteúdo dessas duas estrofes da seguinte maneira:
Através da poesia, se tiver talento para isso, (Cantando
espalharei por toda a parte, Se a tanto me ajudar o engenho e arte), tornarei conhecidos em todo o mundo:
os homens ilustres que fundaram o império português
do Oriente; os reis, que expandiram a fé cristã e o império português; todos os portugueses dignos de admiração pelos seus feitos. 1ª estrofe Camões apresenta três grupos de agentes: • As armas e os barões assinalados são os responsáveis pela criação do império português na Ásia. É evidente que o poeta destaca principalmente a actividade marítima, os descobrimentos (Por mares nunca dantes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana). 2ª estrofe • Os reis que contribuíram directamente para a expansão do cristianismo e do império português (foram dilatando / A Fé o Império ). Aqui é sobretudo o esforço militar que se evidencia (andaram devastando). • Todos os demais, todos os que se tornem dignos de admiração pelos seus feitos, quaisquer que eles sejam. A proposição não é uma simples indicação dos seus heróis, mas obedece já a uma estratégia de engrandecimento dos portugueses. A expressão por mares nunca dantes navegados evidencia o carácter inédito das navegações portuguesas; observe-se o destaque dado à palavra nunca. A exaltação continua com a referência ao esforço desenvolvido, considerado sobre-humano (esforçados / Mais do que prometia a força humana). 3ª estrofe Na segunda parte, esse esforço de engrandecimento continua, desta vez através de um paralelo com os grandes heróis da Antiguidade. O confronto é estabelecido com marinheiros famosos (Ulisses e Eneias), eles próprios heróis de duas epopeias clássicas, e conquistadores ilustres (os imperadores Alexandre Magno e Trajano). A escolha de navegadores e guerreiros não é inocente, visto que é exactamente nessas duas áreas que os portugueses se destacaram. E quase a concluir, uma nota final: ... eu canto o peito ilustre lusitano, / A quem Neptuno e Marte obedeceram. A submissão do deus do mar (Neptuno) e do deus da guerra (Marte) aos portugueses (o peito ilustre lusitano) é uma forma concisa e muito expressiva de exaltar o valor do seu herói. Em Suma: A Proposição é um sumário do poema. É minha intenção louvar os heróicos navegadores que, saídos de Portugal, seguiram por mares nunca dantes navegados, ultrapassando a fraca força humana, e, assim, ultrapassaram a ilha de Ceilão, antiga ilha de Taprobana, tão longínqua e difícil de atingir. Louvarei também os reis e outros heróis militares que dilataram a Fé e o Império e converteram à fé cristã as terras pagãs de África e de Ásia. Louvarei ainda todos os heróis passados e também presentes – que, por feitos grandiosos, ficarão para sempre recordados pelos homens e pelos tempos fora aqueles que, por obras valerosas se vão da Lei da morte libertando. A todos vou louvar neste meu poema, se para tal tiver talento – se a tanto me ajudar o engenho e a arte. É meu desejo que os heróis antigos, navegadores como Ulisses, o sábio grego, e também Eneias, o Troiano, - guerreiros célebres como Alexandre Magno e como Trajano, grandes conquistadores e senhores de grandes impérios, sejam esquecidos porque os navegadores e conquistadores que eu vou louvar, portugueses e valentes, os ultrapassaram, pelas suas navegações e conquistas. De resto, eu vou cantar o peito ilustre Lusitano/ a quem Neptuno (deus do Mar) e Marte (deus da Guerra) obedeceram. Por isso, é meu desejo que cesse tudo o que a Musa (a poesia) antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta, - o do povo lusíada, povo lusitano. in Os Lusíadas em prosa (adaptação) de Amélia Pinto Pais Lurdes Martins