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– A Representação da
Homossexualidade na Telenovela América
Caio Barbosa1
Resumo
Introdução
A análise da telenovela América é produto de uma pesquisa que está sendo
realizada no interior do grupo Cultura e Sexualidade (CUS), do CULT (Centro de
Estudos Multidisciplinares em Cultura), sediado na Universidade Federal da Bahia
(UFBA, sob coordenação do Prof. Dr. Leandro Colling2. O objetivo central da pesquisa
é elaborar um panorama analítico das telenovelas da Rede Globo que apresentaram
personagens gays em suas tramas. A partir do diagnóstico formado pela comparação das
diferentes representações que foram feitas desde a década de 70 – 1974 foi o ano da
primeira aparição de um personagem homossexual na telenovela Rebu –, objetiva-se
propor a criação de políticas públicas que permeiem a questão da diversidade sexual.
Com base na crítica que tecem os teóricos queer contra a heteronormatividade,
acreditamos que, desde quando sejam humanizados, os personagens afetados e
afeminados não só podem como devem aparecer nas telenovelas, até porque esses
indivíduos não são criações fictícias. Eles existem corporificados e em grande número
na sociedade.
1
Graduando em Comunicação pela UFRB, pesquisador do Núcleo de Estudos em Sociedade, Poder e
Cultura da UFRB e bolsista PIBIC/UFRB. caiobc@globo.com
2
Professor do Programa Multidisciplinar de Pós-graduação em Cultura e Sociedade da Facom/UFBA.
Pesquisador associado ao CULT, onde coordena o grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS).
Doutor em Comunicação pela Facom/UFBA. colling@oi.com.br
Chamamos de personagens humanizados aqueles que, mesmo desviando a
norma heterossexual, não são tidos como perigosos, desordeiros ou que não são
utilizados como objetos de chacota. Isso porque, como afirma Guacira Lopes,
geralmente, gays e lésbicas e qualquer outro grupo desviante “(...) são considerados
transgressores e, então, desvalorizados e desacreditados” (Louro, 2004, p. 87).
Judith Butler vai falar ainda que esses indivíduos desviantes são completamente
descaracterizados enquanto seres humanos, restando-lhes a abjeção.
Esta matriz excludente pela qual os sujeitos são formados exige, pois,
a produção simultânea de um domínio de seres abjetos, aqueles que
ainda não são “sujeitos”, mas que formam o exterior constitutivo
relativamente ao domínio do sujeito. O abjeto designa aqui
precisamente aquelas zonas “inóspitas” e “inabitáveis” da vida social,
que são, não obstante, densamente povoadas por aqueles que não
gozam do status de sujeito (...) (Butler, 2001, p. 155).
Análise
3
Maria breteira: “Refere-se à mulher que tem especial interesse em namorar peões de rodeio”
(Wikipédia).
De início, as afilhadas da viúva se decepcionaram. Júnior não demonstrava
interesse por nenhuma delas. Porém, com o passar do tempo, eles se tornaram amigos.
Quando não estava com a mãe por perto, ele maquiava as marias breteiras. Júnior
sonhava em ser maquiador e estilista. Ele até tinha uma coleção de desenhos de
manequins feitos por ele mesmo.
O desejo da viúva Neuta era ver Júnior como um famoso montador de touros,
substituindo assim o pai, o falecido Roberto Sinval Fontes. A viúva fazia de tudo para
enquadrar o filho no perfil do falecido, que ela elogiava para todos como um excelente
pai e marido, batalhador, respeitador e amigo de todos.
Em uma das passagens, Neuta comprou um cavalo para Júnior, dizendo que o
animal era muito parecido com um que o seu pai teve no passado. Júnior ficou
apavorado com o fato de não saber montar o animal. Por muitas vezes, fingiu febres e
alergias para não montar o cavalo. Até que Maria Ellis pediu ao peão Tião que desse
umas aulas de montaria ao garoto. Depois das aulas e ainda muito medroso, o rapaz
montou o cavalo. Tirou até uma foto para mostrar para a viúva Neuta, que ficou muito
orgulhosa do filho. Ela não desistia de acreditar que tinha posto no mundo um macho
brabo. O engraçado é que, durante as aulas de montaria, Júnior ficou fascinado com a
beleza e desenvoltura do peão Tião, o que já dava indícios da atração que o rapaz tinha
por homens.
Ainda no início da trama, Maria Ellis apareceu grávida repentinamente. Neuta
investigou quem seria o pai. Entre os candidatos prováveis, estiveram o domador de
cavalos Carrerinha (Matheus Nachtergaele) e o “peão de vitrine” Waldomiro (Eri
Johnson) – ele se fantasiava de peão, mas, na verdade, morria de medo dos bois. Os dois
negaram a paternidade. Pressionada e temendo ser devolvida aos pais pela madrinha
Neuta, Maria Ellis disse que o pai do seu filho era Júnior. O garoto, apesar de
desajeitado, não desmentiu a amiga, que já havia “livrado sua barra” com as aulas de
montaria. No entanto, Maria Ellis estava esperando um filho de um homem casado.
Jamais teria acontecido algo entre ela e Júnior.
A viúva Neuta ficou muito emocionada e feliz com a notícia de que seria avó.
Logo, arquitetou o casamento do filho. O rapaz ficou apavorado. Ele sentia que era gay,
mas vivia reprimido por conta do conservadorismo da mãe. Dessa forma, ele sustentava
a idéia de que era heterossexual. Em muitas cenas, Júnior aparece deitado em seu
quarto, pensativo. Chorava e indagava-se sobre o que era de fato e o que faria para não
decepcionar a mãe que tanto amava.
Pressionados pela idéia do casamento, Júnior e Maria Ellis conversaram sobre o
assunto e ela falou ao garoto que sabia que ele não gostava de mulher, mas que o
casamento poderia ser uma solução para a vida dos dois. De início, Júnior ficou
magoado com o que Maria Ellis pensava ao seu respeito. Contudo, no fundo, ele tinha
consciência da sua real situação e achou que poderia se dar bem se a mãe acreditasse
que ele casaria com uma mulher.
Então, Júnior e Maria Ellis subiram ao altar. A cerimônia foi simples. Os noivos
estavam vestidos por roupas desenhadas pelo próprio Júnior. Neuta jamais soube disso.
Ele disse que uma amiga teria feito os trajes. Mas, a verdade é que o rapaz desenvolvia
sua afeição pela costura.
Depois da cerimônia, os recém-casados, principalmente o noivo, detestaram a
idéia de dividir a mesma cama. Mas os dias passaram e eles conseguiram sustentar a
farsa de que eram de fato marido e mulher. Algumas vezes, os dois conversavam sobre
a questão. Maria Ellis insistia na idéia de que Júnior deveria assumir suas verdadeiras
vontades para ser feliz. O rapaz sabia o que era melhor para si, mas temia as
conseqüências. Ele não pretendia de forma alguma magoar a viúva Neuta.
Mãe e filho não eram compreensivos. Neuta percebia que Júnior não
correspondia ao perfil que ela desejava, mas se fazia alheia ao fato. Ela chegava a ser
intolerante quando forçava o garoto a assumir uma identidade que não era a sua. Júnior
não se sentia bem com a situação, mas também não concordava com a conduta da mãe.
Ele acreditava que por ser viúva, ela não deveria manter relação alguma com o outro
homem, em respeito à imagem do pai.
Independente e bonita, Neuta despertava a atração de muitos dos peões de
Boiadeiros. Júnior sentia ciúmes da mãe e chegou a ficar bravo quando percebeu que
existia um burburinho entre ela e Dinho (Murilo Rosa), peão parceiro de Tião. O pior é
que, com o desenrolar da trama, Dinho e Neuta vivem uma paixão, deixando Júnior
mais enciumado ainda. No início do namoro, muitas vezes, Dinho fugia apressado do
quarto da viúva para não ser pego por Júnior.
Certo dia, Júnior conhece Kerry (Marisol Ribeiro). A jovem é filha de Irene
(Daniela Escobar), inconseqüente que gastava fortunas em jóias e roupas, e Laerte
(Humberto Martins), dono de terras que vivia uma rixa com Tião – eles disputavam
terrenos. Kerry ficou encantada com Júnior. Segundo ela, eles tinham gostos parecidos.
Depois que se conheceram, os dois passaram a se ver com freqüência. Kerry ia
sempre visitar o garoto na fazenda da viúva Neuta. Era uma forma de a menina fugir da
vida conturbada dos pais. Mas ela estava apaixonada por Júnior também e a paixão
crescia a cada encontro.
Mesmo com o casamento de farsa, Maria Ellis ficava com uma ponta de ciúme
da amizade do suposto marido e Kerry. Ela sentia que a garota queria algo a mais e
chegou a alertar Júnior sobre o assunto. Maria Ellis dizia que ele poderia magoar Kerry
por não gostar de fato de mulheres. Mas o garoto não seguia os conselhos da esposa. O
que se pode perceber é que Júnior vivia um conflito quanto a sua sexualidade e se
empolgava com qualquer situação que pudesse esconder sua homossexualidade.
Júnior e Kerry acabam ficando numa festa de rodeio – essas festas eram
recorrentes nas cenas da novela. Quando soube do fato, Maria Ellis ficou um pouco
chateada, mas, como não vivia uma relação concreta com Júnior, não chegou a ter um
aborrecimento sério com o rapaz. No entanto, um problema ainda seria criado entre
Júnior e Kerry. O rapaz poderia tentar, mas não conseguiria fugir do seu verdadeiro
comportamento sexual e Kerry sofreria com uma desilusão amorosa.
O tempo passa e Maria Ellis dá a luz à criança que estava esperando. A viúva
Neuta não conseguia se conter da tamanha alegria que sentia. Logo que viu o garoto,
decidiu que ele se chamaria Roberto Sinval Neto, levando o nome dos supostos avô e
pai. O bebê passou a ser chamado na fazenda de Sinvalzinho.
Depois de recuperada do parto, Maria Ellis decidiu dar um fim à farsa que vivia
com Júnior, fugindo da fazenda para a cidade grande. A justificativa dela era de que
estava apaixonada por um rico peão e não queria mais atrapalhar a vida do rapaz. Ela
acreditava que ele precisava buscar meios para se assumir. Júnior ficou desesperado
com a possibilidade de levar má fama em Boiadeiros por ter sido abandonado pela
mulher. Quem já desconfiava da sua sexualidade, poderia ver ali uma prova concreta de
que o rapaz era gay. Para amenizar a situação, Maria Ellis deixou um bilhete para a
madrinha Neuta, dizendo que estava fugindo por não agüentar o assédio das mulheres
com Júnior e a falta de respeito dele, que correspondia às paqueras. Neuta ficou
chateada com a separação, mas, ao mesmo tempo, muito orgulhosa da masculinidade do
filho. Enrustindo a sua homossexualidade e pensando sempre em não magoar a mãe,
Júnior disse a Maria Ellis que conquistaria Kerry.
Quando soube que o rapaz estava solteiro, Kerry ficou esperançosa. Ela sonhava
em ter algo mais sério com o filho da viúva. Para felicidade dela, os dois começaram a
namorar. A garota parecia andar nas nuvens de tanto amor. Júnior estava empolgado
com a situação e até gostava de Kerry, o que ele não sentia realmente era atração sexual.
Por isso, não era sempre que ele queria estar ao lado dela. Em uma das festas de rodeio,
por exemplo, Júnior bebeu demais e usou a bebedeira como desculpa para não dormir
com a garota. Kerry esteve na fazenda e Júnior mandava alguém dizer que ele estava
dormindo. Kerry ficava intrigada com o comportamento do namorado, mas logo se
confortava com o fato de estar apaixonada e de já manter um relacionamento com ele.
Júnior estava angustiado. Volta e meia, ele se trancava no quarto e, chorando,
lembrava dos conselhos que Maria Ellis havia lhe dado quanto a sua sexualidade. O fato
de esconder que era gay já estava ficando insuportável. O pior é que a viúva Neuta
continuava entusiasmada com a suposta masculinidade do filho e orgulhava-se de ver
Kerry correndo atrás do rapaz.
Os indícios de que Júnior ainda se assumiria algum dia ficavam cada vez mais
fortes. Um dia, por exemplo, ele comprou uma revista de nu masculino. A capa era de
Cadu (Rafael Calomeni), o namorado de Gil, famosa em Boiadeiros por comandar
sozinha uma grande fazenda. A situação de Júnior ficou complicada porque as afilhadas
de Neuta encontraram a revista nas coisas do rapaz. Ele se justificou dizendo ter
comprado a revista por conhecer Cadu de algum lugar.
Depois do incidente, Júnior tratou logo de fortalecer ainda mais a relação com
Kerry, jurando para a garota gostar muito dela. Porém, mais uma vez, Júnior acabou
rejeitando transar com a namorada. A moça conseguiu ir dormir na fazenda e chegou até
a se insinuar para o namorado, mas ele preferiu passar a noite toda só de mãos dadas.
Ainda assim, a farsa do namoro continuou e, um dia, Júnior esboçou uma cena de
ciúmes da namorada enquanto ela conversava com Deco (Lucas Lins e Silva), amigo do
deficiente visual Jatobá (Marcos Frota).
Kerry segredava sua vivência amorosa com Júnior para Simone (Gabriela
Duarte), veterinária dos rodeios que se relacionou com o peão Tião a partir de certo
ponto da trama. Simone notava que tinha algo de estranho com Júnior, mas ficava feliz
em saber que a amiga Kerry estava cada vez mais apaixonada pelo rapaz. Mesmo assim,
ela aconselhava Kerry para que ela estivesse sempre analisando o comportamento do
namorado.
Júnior conseguiu mentir sobre sua sexualidade até que chegasse à fazenda uma
referência masculina, Zeca. Bonito, másculo e atraente, o peão chegou em Boiadeiros
para trabalhar para a viúva Neuta. Ele cuidaria do touro Bandido. Em conversas, os
rapazes descobriram que tinham várias afinidades. Acabou nascendo uma forte amizade.
Neuta não se agradava do grude dos dois. Por isso, ela estava sempre rondando
os quantos da fazenda em busca de Júnior e, quando o encontrava de conversa com
Zeca, fazia o possível para separá-los. Uma das medidas adotadas pela viúva, por
exemplo, era a de sempre perguntar ao filho sobre a namorada. Neuta chegou a indicar a
Júnior que ele se casasse com Kerry. O rapaz disse que não faria aquilo por não ser
apaixonado pela garota.
Mesmo vivendo nesse contexto de repressão, Júnior não demorou em se
apaixonar pelo bonito e másculo Zeca. Mas teve de esconder a paixão, pelo menos
inicialmente. Júnior morria de ciúmes do peão. Zeca era constantemente assediado pelas
afilhadas da viúva. As estavam sempre se jogando para ele. Nervoso em pensar que
poderia ver Zeca namorando uma garota, Júnior cortava as investidas que as meninas
davam em seu peão. Chateadas, elas se perguntavam por que Júnior ficava irritado com
o assédio com Zeca.
De início, o peão não demonstrava qual era a sua real intenção com Júnior. No
entanto, o tempo pôde revelar que Zeca queria em intensificar a relação com o rapaz. As
conversas a sós eram cada vez mais freqüentes. Zeca passou a ser confidente de Júnior.
Até mesmo o fato de gostar do mundo dos rodeios, idéia que Júnior sustentava para a
mãe, ele confidenciou ser mentira para Zeca. O rapaz o aconselhava a assumir a verdade
e viver como desejava de fato.
Júnior ficava cada vez mais angustiado, mas passou a tomar certas atitudes que
denunciavam que, o mais cedo possível, ele estaria mostrando quem realmente era. Uma
das atitudes foi terminar o namoro com Kerry. A garota ficou arrasada com a situação.
Júnior foi sincero, dizendo estar apaixonado por uma outra pessoa. Kerry lhe perguntou
quem era, se era alguma das meninas das festas de rodeios ou alguma das afilhadas de
Neuta, mas o rapaz não revelou que estava apaixonado por Zeca. Kerry, no entanto, se
queixou que Júnior dava mais atenção ao peão do que a ela, que até então era a
namorada dele. Júnior ficou nervoso, embaralhou-se e Kerry, apesar de não confirmar
quem teria “roubado” o coração do seu namorado, percebeu que o fim da relação era o
melhor a acontecer.
Próximo ao fim da trama, surgiu o boato de que o falecido marido da viúva
Neuta estaria preso no Rio de Janeiro por conta de uns crimes que havia cometido. Daí,
ocorreu uma revelação bombástica de Neuta. O marido perfeito que ela vivia elogiando
a todos em Boiadeiros era uma criação dela. Na verdade, Sinval jamais tinha prestado.
Neuta e Júnior nunca contaram com a presença efetiva de um marido e de um pai
correto. Sinval gastava todo o dinheiro da família em bebidas e jogos. Neuta tinha
chegado em Boiadeiros justamente depois que o marido havia falecido. Ela fugiu da
cidade onde vivia, para dar uma boa educação ao filho. Por isso, ela obrigava Júnior a
seguir aquele perfil de homem perfeito, evitando que ele cometesse os mesmos erros
que o pai.
Quando soube da suposta prisão de Sinval no Rio de Janeiro, Neuta temeu que a
sua vida e de Júnior voltassem a ser um inferno. Com isso, resolveu contar a verdade a
Júnior, que ficou chocado. Por fim, descobriu-se que quem estava preso de fato era Alex
(Thiago Lacerda), bandido que cometeu seus crimes usando o nome do morto.
Outra revelação ocorreu nos últimos capítulos. Enfim, Júnior tomou coragem e
contou para a mãe que era gay. Tudo aconteceu porque Kerry pegou Zeca acariciando o
rosto de Júnior enquanto eles conversavam na cozinha da fazenda. Na hora, a menina
saiu correndo desapontada. No dia seguinte, ele procurou Júnior e lhe perguntou se ele
tinha atração por homens. Júnior não se conteve e revelou à antiga namorada que era
homossexual.
Esse diálogo foi visto por Neuta, que chegou inesperadamente. A mãe ficou
louca com a notícia. Kerry deixou os dois a sós. Neuta fez um relato de tudo o que
achou que era verdadeiro até então, o casamento com Maria Ellis, as paqueras com as
meninas dos rodeios, o gosto por bois e cavalos, o namoro com Kerry. Júnior
simplesmente negou tudo e confirmou ser gay.
Zeca exerceu forte influência na decisão de Júnior. Ele já tinha conhecimento da
homossexualidade do rapaz por conta das confidências que um fazia ao outro e achou o
momento ideal para Júnior se revelar, pois Neuta também mostrou que sustentava uma
mentira quanto ao falecido Sinval.
O desentendimento com Júnior deixou Neuta muito deprimida. O namoro com
Dinho foi que conseguiu devolver a alegria à viúva. Depois de tantas revelações, ela
resolveu assumir publicamente o seu amor. Neuta e Dinho chegaram juntos a uma festa
em Boiadeiros e dançaram agarrados para a surpresa de todos os presentes, inclusive as
afilhadas e Júnior. Mas a intolerância da viúva continuou e ela decidiu mandar Zeca
embora da fazenda. Júnior se desesperou, acabou revelando a paixão que vivia pelo
peão e saiu correndo atrás dele.
O último capítulo foi marcado por surpresas para Júnior. A primeira foi a de que
a viúva Neuta readmitiu Zeca como funcionário da fazenda e disse que aceitava o filho
como ele era. Júnior nunca tinha se sentido tão feliz.
E mais: Maria Ellis retornou a Boiadeiros para fazer uma vista a seu filho,
Sinvalzinho. Ela foi também para entregar um convite de um desfile a Júnior. Ele ficou
muito contente quando soube do evento. O que ele não sabia é que seria um desfile com
uma coleção das roupas que ele tinha desenhado. Maria Ellis tinha roubado os desenhos
de Júnior e os levou para uma estilista conceituada em São Paulo. A profissional não só
aprovou o trabalho, como deu corpo às roupas desenhadas por Júnior. No desfile, a
estilista divulgou quem era o dono do trabalho e ainda convidou o rapaz para
trabalharem juntos. Pela primeira vez, Neuta se emocionou e orgulhou-se do filho.
Foi ao ar também uma cena que insinuava um beijo entre Júnior e Zeca. A ação
se passou numa festa de rodeio. Os dois trocaram carícias e se aproximaram bastante até
que a imagem ficasse turva e desse margens ao telespectador a acreditar ou não que os
lábios dos dois se tocaram.
Aqui, é preciso comentar também outra postura da viúva Neuta que denuncia
apego com a heterossexualidade compulsória e serviu mesmo de incentivo para a
criação do título desse artigo. Neuta acreditava que, desde que apresentasse e reiterasse
a imagem de um peão, Júnior podaria seu perfil homossexual. A idéia é a de que um
peão – figura que potencializa os conceitos de força e rudez masculinas num
pensamento heterossexista – não pudesse desenvolver atração afetiva e/ou sexual por
um indivíduo do mesmo sexo e/ou gênero. Contudo, não se pode deixar de comentar
que, em certa medida, a própria narrativa de América deixa claro que essas regras não
podem ser sustentadas. A personagem Zeca é um peão, rude e másculo, mas que se
apaixona por Júnior.
Em linhas gerais, Butler destaca que a heterossexualidade, muitas vezes tida como
inabalável e inata ao ser humano, além de ser materializada e naturalizada através da
reiteração da norma, não é invicta do desvio e dá sustento para que se formem perfis
destoantes – os dos gays, lésbicas e os tantos outros que a sociedade for capaz de
construir.
Outro ponto da representação de Júnior e Zeca que reafirma que eles estão
inseridos num sistema de conduta heteronormativa é o do fato de se perceber que entre
os dois existe a definição de dois papéis de gênero, o modelo binário de masculino e
feminino. Júnior, mais sensível e delicado, com um tom de voz mais baixo, despertando
interesse por moda e maquiagem e não se envergonhando de chorar, estaria
representando uma figura feminina da relação. Já Zeca, rude, másculo e grosseiro até no
modo de se vestir, seria o homem.
De acordo com a Teoria Queer, a afirmação de que casais héteros e
homossexuais devem seguir um modelo binário de gênero e sexo é fruto da
normatização das condutas culturais, exercida pela reiteração de modelos realizada
pelas instituições sociais – Estado, religião e família –, que inviabilizam a vivência de
indivíduos que, por construírem suas identidades a partir de bases que fogem da norma,
acabam utilizando outras performances de gênero.
Como afirma Guacira Lopes Louro,
Judith Butler toma emprestado da lingüística o conceito de
performatividade, para afirmar que a linguagem que se refere aos
corpos ou ao sexo não faz apenas uma constatação ou uma descrição
desses corpos, mas, no instante mesmo da nomeação, constrói, “faz”
aquilo que nomeia, isto é, produz os corpos e os sujeitos. Esse é um
processo constrangido e limitado desde seu início, uma vez que o
sujeito não decide sobre o sexo que irá ou não assumir; na verdade, as
normas regulatórias de uma sociedade abrem possibilidades que ele
assume, apropria e materializa (Louro, 2004, p. 44).
Referências bibliográficas
BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In:
LOURO, Guacira Lopes (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001, p. 151 a 172.
FOLHA ONLINE. Gagliasso chora após corte de beijo gay. Folha Online, 06/11/2005,
disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u54954.shtml,
capturado em 12 de novembro de 2008.