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Atenção Psicossocial: rumo a um novo paradigma na Saúde Mental Coletiva

Psychosocial Attention: heading for a new paradigm in the Collective Mental Health

Costa-Rosa, Abílio
Yassi, Silvio
Luzio, Cristina Amélia

Resumo
O presente artigo pretende discutir a Atenção Psicossocial na perspectiva de um novo
paradigma de atenção em Saúde Mental, pautado nas concepções práticas e teóricas
construídas no percurso da Reforma Psiquiátrica. Discutem-se os sentidos dos principais
termos utilizados no campo e na contraposição entre as práticas, analisando os seus
significados historicamente construídos. Apresenta-se a Atenção Psicossocial como um
conceito suficiente para congregar e nomear todo o conjunto das práticas substitutivas ao
Modo Asilar; conservando ao mesmo tempo a abertura necessária para a inclusão das
inovações que ainda estão se processando ou que virão. Finalmente, busca-se elucidar as
características dos dispositivos institucionais da Atenção Psicossocial.
Palavras chaves: Saúde Mental, Atenção Psicossocial; Reforma Psiquiátrica,

Abstract
The present article intends to discuss the Psychosocial Attention in the perspective of a
new paradigm of attention in Mental Health, ruled in the practical and theoretical conceptions
built in the course of the Psychiatric Reform. It is discussed the principal terms used in the
field and in the opposition in the practices, analyzing their meanings historically built. It
introduces the Psychosocial Attention as an enough concept to congregate and to name the
whole group of the substitutive practices to the Asylum Way; conserving the necessary
opening at the same time for the inclusion of the innovations that are still processing or that
will come. Finally, it attempts to elucidate the characteristics of Psychosocial Attention‘s
institutional devices.
Key words: Mental Health, Psychosocial Attention; Psychiatric Reform

Introdução

Neste trabalho pretendemos tecer algumas considerações sobre o campo da Atenção


Psicossocial, discutido questões importantes que atualmente atravessam o contexto da Saúde
Mental Coletiva. Começamos por analisar de forma sucinta as origens e composição do termo
“psicossocial”, procurando fundamentar a pertinência de sua consideração como conceito, a
partir de certo momento da história da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Analisamos, na seqüência, algumas combinações, mais ou menos perenes, do termo
Psicossocial com outros termos presentes no campo: Reabilitação, Apoio e Atenção;
combinações que têm servido de base para ações de políticas públicas tanto de governos
estaduais, quanto de municipais, da década de oitenta até à presente data. Tais ações têm
posto em prática uma série de contribuições teóricas, técnicas, ideológicas e éticas de caráter
inovador, bem como têm tornado evidentes questões de pesquisa e debate, das quais a
indagção sobre qual a concepção de clínica da Atenção Psicossocial é apenas a mais candente.
Por fim tentaremos fundamentar a hipótese de que a Atenção Psicossocial, como
designação de experiências significativas no contexto da Saúde Mental Coletiva no Brasil vai
ganhando elementos, tanto em termos teóricos e técnicos, quanto ideológicos e éticos, aptos a
constituírem um novo paradigma para as práticas em Saúde Mental, capaz de substituir o
Costa-Rosa, A.; Luzio, C. A.; Yasui, S. Atenção Psicossocial:
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Coletiva. Em: Amarante, P. (Org.). Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Nau,
2003, p.13-44.
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paradigma psiquiátrico que ainda é dominante, sobretudo quando incorpora as inovações


principais das experiências históricas alternativas à Psiquiatria, (Antipsiquatria, Psicoterapia
Institucional e Psiquiatria Democrática). Argumentamos, ainda, que a Atenção Psicossocial,
entendida como um novo paradigma inclui, como seus componentes necessários, os conceitos
e as práticas englobadas nas políticas de Apoio Psicossocial e Reabilitação Psicossocial.

1. Breve história do termo “Psicossocial” e origens do conceito

Não temos no momento a pretensão de resgatar um histórico completo do termo


Psicossocial, nem de sua amplitude geral como conceito; entretanto consideramos essencial
traçar dele uma pequena trajetória, a fim de preparar a apresentação da hipótese de sua
transformação em conceito, no contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira.
De imediato é necessário situar duas frentes de acontecimentos: transformações da
prática médica em sentido amplo e transformações da prática psiquiátrica.

Transformações da prática médica

Referindo-se aos esquemas da reforma médica, Donnangelo (1979), analisa projetos


como os da Medicina Integral, Medicina Preventiva e Medicina Comunitária, acentuando-lhes
como característica marcante uma tentativa de integração da dimensão social presente na
produção das enfermidades, que vinha sendo excluída do ato médico. Essas críticas à
Medicina adquirem visibilidade já nas décadas de 40 e 50, e configuram-se, antes de tudo, no
conceito de Medicina Integral, que contrapõe o caráter fragmentário das ações médicas (no
contexto da divisão do trabalho técnico em especialidades) a uma concepção globalizadora do
objeto das práticas, ainda concebido como individual. Aí se elabora a idéia do indivíduo como
“totalidade bio-psico-social irredutível a um conjunto de estruturas e funções orgânicas”
(Donnangelo, 1979, p.79). Dessa visão global do paciente faz-se derivar uma organização do
trabalho em equipes multiprofissionais.
Por seu lado, a Medicina Comunitária, agregando conhecimentos da Medicina Integral
e da Preventiva, “postula a superação do corte entre aspectos orgânicos e psicossociais, entre
condutas curativas e preventivas, entre práticas que visam efeitos individuais e coletivos”
(Costa-Rosa, 1987, p. 207), postulando o processo saúde-doença em sua dimensão ecológica e
psicossocial. Veremos que esse termo psicossocial, tão freqüente nestas discussões da
Medicina Comunitária, vai ser transladado para o campo das práticas da Reforma Psiquiátrica,
pela via de sua passagem direta para a Psiquiatria Comunitária, que vai influenciar fortemente
as práticas em Saúde Mental no contexto brasileiro, a partir da década de setenta. Passemos
agora à análise das origens do termo psicossocial no âmbito das práticas de atenção em Saúde
Mental.

Transformações da prática psiquiátrica

Tomamos como ponto de partida o contexto em que a Psiquiatria já havia configurado a


Doença Mental como seu objeto e o Hospital Psiquiátrico como um dos principais
dispositivos da sua ação. È a crise dessa psiquiatria, desenhada por sua impotência
terapêutica, (explicitada em altos índices de cronificação e no caráter hiatrogênico da
institucionalização) e nos impasses quanto à sua cientificidade, que , segundo Birman e Costa
(1994), é responsável pela invasão do seu campo por um conjunto cada vez maior de outras
instituições.

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Um conjunto importante de críticas ao Hospital Psiquiátrico e à sua visão da Doença


Mental e do tratamento, bem como uma série de experiências práticas daí decorrentes, datam
de épocas bem anteriores à Segunda Guerra Mundial, mas só aí elas ganham eco e contornos
suficientes para servirem de ideário de transformação.

Já no século XIX Bouchet introduziu o trabalho (como meio de tratamento), prática


desenvolvida logo após a I Guerra Mundial por Herman Simon; Raynau, nos princípios do
século XX, abriu os serviços psiquiátricos; nos anos trinta, programas psicoterapêuticos de
origem psicanalítica foram introduzidos por Simmel e Menninger (que, em 1937, trabalharam
com pequenos grupos visando a sua ressocialização); o trabalho de equipe e os grupos de
discussão já eram prática corrente em Chestnut Lodge nos anos quarenta”(Figueiredo, 1977, p.
19).

Em 1903 Simon construiu um hospital utilizando como mão de obra os pacientes que
até então viviam isolados, colocando-os na situação de assumirem outros papeis alem do de
enfermos. de tal modo que esse autor, redescoberto no pós II guerra, torna-se precursor das
Comunidades Terapêuticas e um dos pontos de referência em torno dos quais se constrói o
movimento da Psicoterapia Institucional (Birman e Costa, 1994). Redescobre-se o trabalho de
Sulivan que, em 1931, demonstra as vantagens terapêuticas da integração dos pacientes em
pequenos grupos (idem, idem).

Em 1946 T. H. Main, que trabalhou com Bion e Heichman, introduziu a expressão


Comunidade Terapêutica, que logo foi sistematizada por M. Jones...; no contexto inglês
instituiu-se o cuidado através de equipes multiprofissionais, integrando enfermagem,
psicólogos, assistentes sociais ao trabalho dos generalistas que estão encarregados de prestar
serviços de cuidados primários a pacientes portadores de distúrbios mentais” (Hoissel, 1984,
p. 11).

Uma inflexão decisiva na transformação das práticas psiquiátricas ocorre durante a


Segunda Guerra Mundial a partir da configuração das Comunidades Terapêuticas e da
Psicoterapia Institucional.

Seguindo precursores como Querido e Dzhagarov, que já nos anos trinta haviam aberto
respectivamente um serviço de consultas e hospitalizações domiciliares em Amsterdã e um
Hospital-dia em Moscou, uma multiplicidade de instituições e situações terapêuticas foram
contrapostas ao Hospital Psiquiátrico: clubes terapêuticos, hospitais-dia e hospitais-noite,
ambulatórios, atendimentos domiciliares e familiares, etc.. (Figueiredo, 1977, p.20).

Essas tentativas de exercer a psiquiatria fora do Hospital foram patrocinadas pelo


Estado na Inglaterra, na França e Estados Unidos, com paralelos na União Soviética e outros
países. Como política estatal essas experiências ficaram conhecidas como Psiquiatria de Setor
(França) e Psiquiatria Comunitária (E. Unidos), e procuravam por à disposição da população,
conjuntos estruturados de trabalhadores psiquiátricos , utilizando um número diversificado
de unidades terapêuticas. “O Setor, mesmo antes de sua estatização em 1960, também contava
com uma variação significativa de técnicos: psicólogos, psicanalistas, pedagogos, etc.”. (Pitta,
1984, p. 11).
Na transposição das idéias comunitárias para o contexto brasileiro na década de
setenta, encontramos explicitamente a designação de “bio-psico-social” como caracterização
do objeto das práticas da Saúde Mental Comunitária.
Figueiredo (1977), refere a existência de um denominado “Centro Psicossocial
Universitário”, fundado em 1970 em Genebra, visando uma política comunitária de prevenção
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das hospitalizações, dotado de “serviços de consultas, de oficinas terapêuticas, de uma antena


psiquiátrica no Hospital Geral...”(Figueiredo, 1977, p. 25).
Como síntese geral deste ponto podemos dizer que todas essas praticas e idéias
desenvolvidas no âmbito das Comunidades Terapêuticas, da Psiquiatria de Setor e da
Psiquiatria Comunitária não chegaram a conferir ao significante “psicossocial” mais que o
estatuto de um termo que pretendia incorporar aspectos psíquicos e sociais aos aspectos
biológicos do paradigma e do objeto da Psiquiatria.

Origens do conceito “Psicossocial”

À Psiquiatria de Setor e Comunitária somam-se outras vertentes de crítica à Psiquiatria


que vão deixando profundas marcas em seu objeto e nos meios de seu manuseio. Dessas
marcas deixadas na Psiquiatria, irão configurar-se as bases para a construção de um novo
paradigma das práticas em Saúde Mental que aspira a transpor o paradigma da Psiquiatria.
Firmamos a hipótese inicial de que o termo psicossocial, que a princípio designa
experiências de reforma da Psiquiatria, agregando a seu objeto aspectos psíquicos e sociais,
vai aspirar ao estatuto de conceito, a partir do momento em que lhe são acrescentadas as
contribuições de movimentos de crítica mais radical á Psiquiatria, como a Antipsiquiatria, a
Psiquiatria Democrática e alguns aspectos originários da Psicoterapia Institucional. Tais
elementos traduzem-se, a partir de certo momento, em transformações nas concepções de
“objeto”, nos modos de conceber e estruturar a instituição como dispositivo, e sobretudo na
forma de conceber e estruturar as relações terapêuticas, que têm, por sua vez, implicações
éticas radicalmente distintas das práticas asilares.
Essas transformações têm seu correspondente no contexto brasileiro, a partir da década
de 80, ocasião em que “psicossocial” passa a ser utilizado como um significante para designar
novos dispositivos institucionais (Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial - CAPS1 e
NAPS) que aspiram a outra lógica, outra fundamentação teórico-técnica e outra ética, que não
mais as do paradigma psiquiátrico.
Distinguimos, portanto, o termo, do conceito, reservando para o último o estatuto de
designação das práticas em Saúde Mental Coletiva que se inscrevem como transição
paradigmática da Psiquiatria, conservando para o termo a função de designar as práticas
reformadoras em sentido amplo. O estatuto de conceito, bem como o caráter da transição
paradigmática poderão ficar melhor esclarecidos à medida em que formos explicitando os
contornos do paradigma psicossocial.

2. Algumas composições mais ou menos perenes dos termos Psicossocial, Atenção,


Reabilitação e Apoio

Na história recente das práticas no campo da Saúde Mental Coletiva encontramos uma
série de termos e conceitos que, algumas vezes, se apresentam cada um como suficiente para
designar todo o campo, outras vezes se combinam, e outras ainda se misturam, ameaçando
confundirem-se: reabilitação, apoio e atenção. Procuraremos discutir os contornos de
abrangência desses termos, além dos possíveis paralelos e diferenças entre os três últimos,
com o objetivo de visualizar os parâmetros mínimos necessários .para a configuração do novo
paradigma das práticas de Atenção Psicossocial substitutivas ao modo manicomial.

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Goldberg (1996) informa que o nome Centro de Atenção Psicossocial foi sugerido pela Dra. Ana Pitta,
inspirado nos centros existentes na Nicarágua, à época da revolução sandinista, onde equipes interdisciplinares
cumpriam tarefas de prevenção, tratamento e reabilitação.
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Para nos situarmos, a principio, frente a eles, pode ser proveitoso analisar um pouco da
etimologia e sentidos comuns desses termos, tomando com fonte o Novo Dicionário Aurélio:

Psicossocial: adjetivo; aglutinação de psico com social. Atividade ou estudo relacionando


aspectos psicológicos conjuntamente com aspectos sociais; estes, considerados distintos dos
aspectos políticos, dos econômicos e dos militares.
Reabilitação: substantivo; ato ou efeito de reabilitar(se). Recobramento de crédito, de estima,
ou de bom conceito perante a sociedade. Recuperação das capacidades físicas ou psíquicas dos
incapacitados (...) Uma das formas de extinção da punibilidade (...) cancelando a pena
acessória de interdição de direitos... Sentido jurídico: reintegração do falido nos direitos que a
falência limitou.

Num paralelo com o termo reabilitar especificam-se ainda melhor alguns dos seus
sentidos:

Restituir ao estado anterior os primeiros direitos e prerrogativas. Restituir à estima púbica ou


particular; regenerar. Restituir à normalidade do convício social ou de atividades profissionais.
Readquirir estima pública ou particular.
Apoio: substantivo; tudo que serve de sustentáculo, de suporte. Auxilio, socorro, amparo,
aprovação, aplauso, apoiada. Fundamento.
Atenção: substantivo; aplicação cuidadosa da mente a alguma coisa; concentração, reflexão,
aplicação (...) Ato ou palavra(s) que demostra(m) consideração, amabilidade, urbanidade,
cortesia ou devoção para com alguém.

Aqui também é necessário recorrer ao termo atender, que está na origem do termo
atenção tal qual nos interessa considerá-lo.

Dar ou prestar atenção. Levar em conta, ter em vista, considerar. Atentar, observar, notar.
Acolher, receber com atenção ou cortesia... Tomar em consideração... Escutar atentamente...

Mesmo uma análise superficial desses termos tal como se apresentam no léxico, pode
permitir-nos ver alguns sentidos dignos de reflexão, levando em conta aquilo que nos
interessa analisar nos conceitos que esses termos vão designar quando aplicados ao campo da
Saúde Mental Coletiva.
Assim, no termo Psicossocial, percebemos uma espécie de recorte, uma visada das
especialidades, pretendendo excluir aspectos políticos, econômicos, e até aspectos
relacionados com a salvaguarda dos interesses, da riqueza e dos valores culturais da nação.
Veremos que o conceito de Psicossocial, quando referido às políticas públicas de Saúde
Mental, aspira justamente à inclusão de todos esses aspectos, como componentes do sentido
amplo que procura articular.
O termo Reabilitação aparece marcado por sentidos e significados cuja ênfase sublinha
a tônica do retorno, da reversão, da volta a estados já habitados anteriormente aos episódios
desabilitadores. Veremos que, de certa forma, essa inércia da volta a trás parece querer marcar
com maior ênfase a fisionomia do conceito de Reabilitação, embora devamos olhar, com
atenção e generosidade, as tentativas de elevar esse conceito a sentidos menos comprometidos
com a reprodução dos valores estabelecidos. Algumas tentativas nessa direção serão, na
seqüência, postas em destaque.
O termo Apoio parece ser, entre todos, aquele que mais claramente expressa um
sentido preciso. Aparentemente, o seu sentido, operado por algumas práticas de Saúde
Mental, é realizado de modo pontual e não sabemos até que ponto pretendeu aspirar à
categoria de conceito. Na realidade, veremos que o termo apoio, no contexto da política
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pública em que foi utilizado, logo tendeu a um deslocamento em direção ao termo Atenção. A
ponto dos dispositivos resultantes dessa política passarem a ser denominados, ora como
Núcleos de Apoio Psicossocial (Kinoshita, 1997, p.75), ora como Núcleos de Atenção
Psicossocial (Nicácio,1994, p.107-138).
Finalmente, o termo Atenção apresenta-se, em seu sentido comum no léxico, de um
modo que parece surpreendentemente muito próximo dos sentidos que pretende assumir como
conceito, no contexto da Reforma Psiquiátrica.
Dar e prestar atenção, acolher, receber com atenção, tomar em consideração, levar em
conta e escutar atentamente, chegam a designar uma parte fundamental do contorno que se
pretende imprimir às ações de Atenção Psicossocial nas práticas em Saúde Mental no
contexto brasileiro atual. Veremos que aí se expressam, de modo bastante claro, certos
princípios atinentes, sobretudo, à forma das relações dos agentes institucionais e das próprias
instituições como dispositivos, com os sujeitos usuários e suas demandas.
Historicamente, vemos o conceito Psicossocial associar-se mais comumente a outros
três: Reabilitação, Apoio, Atenção; cada vez tentando criar sentidos diferentes, substantivando
o que seja “psicossocial”. Em alguns momentos cada um desses substantivos pode apresentar-
se como globalizador do campo da Atenção, aspirando a sobrepor-se aos demais. Isso tem
sido particularmente válido para a Reabilitação Psicossocial e para a Atenção Psicossocial,
que aparentemente vêm sendo utilizados para designar o mesmo referente, embora esse
referente não seja concebido do mesmo modo.
Quanto a nós, após a análise de alguns dos fundamentos teórico-técnicos e éticos
presentes nesses diferentes conceitos, pretendemos fazer o exercício de deixar falar um certo
sentido preponderante, que vêm assumindo as práticas em Saúde Mental Coletiva neste
momento histórico. Daí procuraremos extrair uma forma de conjugar esses termos e
conceitos, que seja capaz de conservar o que nos parece importante em cada um deles e, ao
mesmo tempo, possa elevar a potência das ações psicossociais no campo da Saúde Mental
Coletiva. Adiantamos já, mais explicitamente, nossa hipótese de trabalho quanto a este
aspecto: o conceito de Atenção Psicossocial, considerando a diversidade de suas práticas e a
tônica imprimida à sua ética, apresenta-se com potencialidade de incluir, alem de seu próprio
sentido, o dos demais conceitos (Apoio Psicossocial e Reabilitação Psicossocial) que
atualmente circulam no campo, porem sem desconsiderar certos aspectos que definem a
especificidade deles. Em outros termos, parece-nos que a Atenção Psicossocial é capaz de
superar o Apoio Psicossocial e a Reabilitação Psicossocial, porém conservando-os.
3. Reabilitação Psicossocial: um velho significante para um conceito novo?

Numa definição da Internacional Association of Psychosocial Reabilitation Services


(IAPRS), 1995, reabilitação seria

o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de


autonomia, do exercício de suas funções na comunidade (...) o processo enfatizaria as partes
mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo, mediante uma abordagem compreensiva
e um suporte vocacional, residencial, social, recreacional, educacional, ajustados às demandas
singulares de cada indivíduo e de cada situação, de modo personalizado. (apud Pitta, 1996,
p.19-20)

Em 1985 a mesma IAPRS já catalogara 800 experiências de Reabilitação Psicossocial


em todo o mundo (Pitta,1996, p.20).
Em uma primeira tentativa de especificar mais a natureza das ações reabilitadoras, a
OMS tenta definir os sujeitos dessas ações entre os moradores cronificados do Hospital
Psiquiátrico, os milhares de desabilitados que se vão produzindo às margens da sociedade
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desigual, ou mesmo aqueles que sempre aí estiveram sem qualquer chance de algum dia se
habilitarem para qualquer coisa. Propõe como objetos da Reabilitação: desabilitações por
deterioro das funções psicológicas, sociais ou anatômicas, determinadas por algum dano
orgânico ou funcional (Impairment); carências de habilidades para atividades sociais
decorrentes de danos diversos (Disability); ou desabilidades decorrentes de uma alteração do
estado normal por tempo prolongado (handicap). Neste caso a Reabilitação Psicossocial seria
a recuperação de indivíduos através da minimização de efeitos desabilitantes da cronificação
de doenças. (Pitta 1996, p.20).
O prefixo Re evoca um movimento de retorno, uma volta ao estado anterior, a mesma
que é tão cara ao paradigma médico doença-cura. Recuperação de faculdades físicas ou
psíquicas dos incapacitados; nesse caso assume inevitavelmente um sentido ortopédico.
Uma série de contribuições mais contemporâneas, mais ou menos alinhadas com a
World Assosciation of Psychossocial Reabilitation (WARP), têm feito um esforço para elevar
o sentido da Reabilitação.
Saraceno (1996, p.13-18), considera-a uma estratégia que visa muito mais do que
apenas fazer passar um usuário, de um estado de desabilidade para outro de habilidade.
Pretendem dar-lhe um sentido, a um só tempo, ampliado e mais delimitado, relacionando-a
com a aquisição de maior poder de contratualidade social. Considera-se que a desabilidade
essencial ocorre por falta de poder contratual, que envolve três cenários de vida: habitat,
mercado e trabalho; ou seja, não pode haver reabilitação sem aumentar o poder de realização
de trocas afetivas, materiais e de mensagens.
Afirma que o problema da reabilitação, em seu sentido comum, é ela não estar posta
como transição para a cidadania plena.

O processo da Reabilitação Psicossocial seria então um grande processo de reconstrução, um


exercício pleno de cidadania e também de plena contratualidade no cenário das relações
familiares, da rede social e do trabalho com valor social. (Saraceno,1996, p.17).

Bertolote (1996, p.156), também fala em Reabilitação Psicossocial como restituição


plena dos direitos, das vantagens, das posições que estas pessoas tinham ou poderiam ter
tido... .Procura escapar à terminologia médica, que fala a partir do conceito de doença,
acreditando resolver melhor a questão com os termos deficiência, incapacidade e
desvantagem. Como podemos ver, não é fácil escapar ao sentido mais comum.
Olhando a psicose sob o prisma da Reabilitação, Goldberg (1996, p.45), afirma que,
sendo a psicose uma condição que está sempre evoluindo(...) percebemos a reabilitação como
um processo que não tem fim definido. A reabilitação tomada dessa maneira consiste em
oferecer todas as possibilidades de tratamento que estejam disponíveis. Tratar e reabilitar são
perspectivas indissociáveis. Para reabilitar um paciente é necessário oferecer tratamento
contínuo (idem). Citando Amim e Silva Filho afirma que

a reabilitação não pode ser considerada uma tentativa estanque, desenvolvida pós-tratamentos.
Ela se desenvolve no nosso cotidiano, desde os hábitos mais simples de cuidado pessoal a
questões de trabalho, fazendo-se necessária, portanto, a construção de um novo olhar para ela
(Golderg, 1996, p. 46).

Goldberg deixa clara a necessidade operativa de estender o conceito de reabilitação a


todas as demandas, não apenas aos casos graves de psicose e aos desabilitados por diferentes
causas – “para muito além da Prevenção Terciária”.
Benetton (1996, p.148) também situa a conotação repetitiva do termo Reabilitação,
mostrando que ele está associado a práticas efetivas, que visavam a fabricação paternalista de
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indivíduos que gastaram a própria vida girando em torno dos exercícios reabilitadores.
Sublinhando o sentido valorativo do prefixo Re, pergunta se os efeitos de tais práticas devem
ser aferidos levando em conta o novo que se adquire ou o velho readquirido. Por outro lado,
afirma que estando o termo comprometido com a idéia de retorno ao velho, é preciso
perguntar se vale à pena pagar o preço que custa ficar atrelado a ele. Responde com a
sugestão da sua substituição, associando ao novo conceito um novo termo.
Vemos, de modo geral, que as tentativas dos pesquisadores ligados à WAPR
encaminham-se no sentido de ampliar o escopo de abrangência da Reabilitação Psicossocial,
sobretudo seus sentidos ético-políticos, apesar das dificuldades em que implica a utilização de
um termo saturado de sentidos que apontam para um caminho inverso ao pretendido.

4. Clínica e Reforma Psiquiátrica: uma relação necessariamente tensa?

O termo Apoio surge no contexto de algumas práticas da Reforma Psiquiátrica


(Kinoshita, 1991, p.75) que têm sua origem fundamental na Psiquiatria Democrática Italiana.
Nesse contexto tem-se, com certa freqüência, criticado a utilização do conceito de Clínica, a
ponto parecer que se pretende a sua exclusão, e substituição por práticas que enfatizam a
produção e a reprodução do cotidiano dos usuários.
Alguns desses autores têm argumentado que os resultados dessa clínica são
perniciosos ou, no melhor dos casos, nulos. Também deixam transparecer claramente que no
horizonte das suas análises está sempre a clinica médico-psiquiátrica, (Saraceno, 1996, p.150-
154; Kinoshita,1996, p.55-59), e também as psicoterapias, (Basaglia,1985, p.102-104). A
princípio podemos compreender as razões dessa crítica.
Amarante (1996, p.88-89) aponta que o processo da Desinstitucionalização em
Basaglia é fundado na noção de institucionalização como um complexo de “danos” decorrente
da submissão do doente internado, de forma compulsória e por tempo indeterminado, ao
autoritarismo e à coerção do manicômio e do modelo da Psiquiatria.
A Desinstitucionalização, como estratégia de transformação dessa situação, ocorre
“na” e “pela” própria prática. Sua trajetória supõe a desconstrução e transformação dos
elementos explícitos e implícitos do Modo Manicomial. Essa desconstrução e transformação
deve ter como uma das estratégias de ação a negação da psiquiatria enquanto ideologia
(Amarante, 1996, p.104).
Estratégia que supõe a renúncia da vocação terapêutica instituída, por intermédio da
superação do paradigma psiquiátrico. Isto significa negar a instituição manicomial; o saber
psiquiátrico sobre a doença mental, compreendido como um processo histórico e social de
apropriação da Loucura; o poder do psiquiatra em relação ao paciente; o seu mandato social
de custódia. Implica também a denúncia da violência a que o doente está submetido dentro e
fora da instituição.
Para que isso ocorra é preciso colocar em analise as funções da psiquiatria tanto no
espaço asilar como na sociedade, no sentido de inverter sua lógica: em vez de colocar o
doente entre parênteses e focar apenas a doença mental, passar a colocar entre parênteses a
doença mental e enfocar o sujeito em sua “existência-sofrimento” (Rotelli, et al.,1990).
Ao se buscar a superação do saber psiquiátrico, sobretudo do paradigma doença-cura,
procurou-se romper com práticas identificadas com o modelo clínico, por considerá-las
ineficazes, segregadoras. As “práticas clínicas”, concebidas ao modo da clínica médica e
psicológica, foram consideradas como meios de “adaptar os indivíduos à aceitação de sua
condição de objetos da violência”, dando por acabado que a única realidade que lhes cabe “é
serem objetos da violência se rejeitarem todas as modalidades de adaptação que lhes são
oferecidas” (Basaglia, 1985, p.102).
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Entre as práticas comprometidas com essa visão estão a clínica psiquiátrica e a


psicológica. Em relação a esta última é importante retomar novamente as próprias palavras de
Basaglia:

“...De outra parte, as próprias teorias psicodinâmicas, que tentaram encontrar o sentido dos
sintomas através da investigação do inconsciente, mantiveram o caráter objetal do paciente,
mesmo que o tenham feito através de um tipo distinto de objetivação: objetivando-o não mais
enquanto corpo mas enquanto pessoa.” (Basaglia, 1985, p.104).

Essas poucas observação são suficientes para revelar uma relação tensa que a Clínica e
a Reforma Psiquiátrica parecem estabelecer (Leal, 1997). Diversos artigos (Figueiredo, 2001;
Tenório, 2001; Greco, 2001; Santos e Almeida; 2001) têm recentemente apontando esta
tensão entre a clinica psicanalítica e, o que talvez pudéssemos nomear como, a dimensão
política da Reforma Psiquiátrica. Já outros, (Lobosque, 1997; Amarante; 2001), buscam
mostrar que é nesta dimensão política que se encontra a verdadeira clínica da Reforma,
pautada, sobretudo, pela possibilidade de criação e invenção cotidiana.
O lugar da Saúde Mental é um lugar de conflito, confronto e contradição. Talvez esteja
aí uma certa característica ontológico-social, pois isso é expressão e resultante de relações e
situações sociais concretas. Por qualquer perspectiva que se olhe, tratar-se-á sempre de um
eterno confronto: pulsações de vida/pulsações mortíferas; inclusão/exclusão;
tolerância/intolerância.
Existem também os viéses da inércia sob a qual ainda se considera a clínica das
psicoses. Como destinar ao paciente psicótico os ideais fálicos de nossa sociedade neurótica,
que para ele não faz sentido sustentar? Pensamos que uma discussão mais justa da questão
necessita que nos apropriemos da clínica das psicoses em seu atual estágio de
desenvolvimento.
Por outro lado, como proporcionar uma escuta atenta ao sofrimento, à sua
subjetividade, evitando influenciar-se por determinantes teóricos que não estão isentos de
conteúdos ideológicos, sem se apropriar adequadamente de um dispositivo de escuta?
Quais noções de sujeito permeiam as práticas em questão?
Nos parece que esta é uma tensão inevitável, mas ao mesmo tempo desejável e
produtiva, advinda da própria natureza do campo. Uma reflexão sobre esta relação já seria
suficiente para a produção de vários artigos. No momento gostaríamos de contribuir
sinalizando com alguns aspectos que nos parecem importantes.
Tentando justificar sua exclusão da clínica, Saraceno (1996b, p.152), apresenta-a
como derivada da palavra clinos: arte de olhar, observar e tratar o paciente que está na cama
(...) etimológicamente o paciente está inclinado e o médico está acima (...) Não me agrada
mais a palavra clinica. Chama atenção sua ênfase na necessidade de mudança dos termos.
Parece contentar-se com o modelo de clínica vindo da clínica médica, quando esta se
aplica à Psiquiatria, seguindo a tradição pineliana. Reconhece que o modelo encontrado aí,
mesmo hoje, não é um modelo aproveitável para a ética que convém às práticas em Saúde
Mental.
Mas por quê procurar na Psiquiatria, com tantas outras possibilidades à disposição?
Na verdade podemos buscar outros sentidos para o termo grego clinos, de que
Saraceno fez derivar a concepção de clínica que critica. O radical grego Klin dá tanto a
palavra Klino, de onde sai a palavra leito, quanto Klinen , de onde saem as palavras inclinar,
dobrar (Aurélio, 2000).
Podemos, portanto, derivar do radical Klin, um sentido mais apropriado aos fins da
Reforma Psiquiátrica; como inclinação, não para baixo, mas para os lados, no sentido de
bifurcar, divergir, de buscar novos sentidos. Teríamos assim uma das acepções fundamentais
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que podem ser dadas às crises, alcançando uma dimensão criativa, oportunidades de
transformação de estados e situações insustentáveis. Aqui, também, não se trata mais de uma
clinica do olhar, mas da escuta, ou do “olhar” que vê alem do sintoma. A clinica como
encontro, capaz de produzir senso, sentidos; produção de sentidos, no lugar de reprodução;
como lugar onde as identidades dos participantes já não estão predefinidas.
Essa referência à palavra clinica como encontro de identidades predefinidas (o
paciente deitado e o médico acima), que gera reprodução de poderes, de ideologias, de
doenças, é que faz com que vários autores critiquem esse conceito, alegando, em
contraposição, uma prática mais complexa e articulada.
Ora, que maior complexidade podemos buscar do que a possibilidade de divergir, de
bifurcar, em relação ao sentido vivido da dor e do sofrimento, buscando novas formas de
implicação subjetiva e sociocultural? Estaremos longe da perspectiva da contratualidade
social entendida como aumento das trocas de bens, de mensagens e de afetos? (Kinoshita,
1996, p. 55).
Por outro lado, mesmo recorrendo à etimologia grega, não se pode ignorar outros
acréscimos feitos a Clinica ao longo do tempo posterior. É necessária uma atitude clinica
capaz de pôr em foco não apenas o sujeito do sofrimento, mas também a postura de quem o
acolhe. Clinica como clinâmem; ato de divergir, bifurcar (Barros & Passos, 2000); de
freqüentar outros setores do campo: Psicanálise, Psicoterapia Institucional, Materialismo
Histórico, Alternativas à Psiquiatria, Filosofias da Existência, Esquizoanálise.
Nessa postura poderá residir a atitude radical de exercitar o que já começa a ser
designado por alguns autores como Clínica Ampliada.

5. Atenção Psicossocial: origens, definições e práticas

Inserida no campo da Reforma Psiquiátrica, a Atenção Psicossocial, às vezes nomeada


confusamente como Reabilitação Psicossocial, tem sustentado um conjunto de ações teórico-
práticas, político-ideológicas e éticas norteadas pela aspiração de substituírem o Modo Asilar,
e algumas vezes o próprio paradigma da Psiquiatria.
Sua origem remonta a uma série de contribuições vindas das diferentes experiências
históricas que incluem, sobretudo, a Psiquiatria de Setor e Comunitária, a Antipsiquiatria, a
Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democrática Italiana; alem da contribuição das
políticas públicas e das experiências locais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e dos
Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). De modo geral os elementos teóricos subjacentes a
essas experiências passam principalmente pelas idéias sociológicas e psicológicas, pelo
Materialismo Histórico, pela Psicanálise e pela Filosofia da Diferença.
Amarante (1999, p.47-52) , especifica as transformações na Saúde Mental em quatro
campos: teórico-assistencial, técnico-assistencial, jurídico-político e sociocultural. Tomemos
as transformações em cada um desses campos como estratégia de visualização da práxis da
Atenção Psicossocial.
No campo teórico-assistencial tem se operado, antes de tudo, a desconstrução de
conceitos e práticas sustentados pela psiquiatria e a psicologia nas suas visões acerca da
doença mental. Em contrapartida tem-se construído noções e conceitos como “existência
-sofrimento” do sujeito na sua relação com o corpo social, paradigma estético, acolhimento,
cuidado, emancipação e contratualidade social.
O reconhecimento da loucura e do sofrimento psíquico como fenômenos que insistem
por si mesmos em apresentar-se como “objeto” peculiar, põem o próprio sujeito no cerne da
situação. O conceito de existência-sofrimento, por contraposição ao paradigma doença-cura,
expressa a exigência de dar ao sujeito a cena; ao mesmo tempo em que impulsiona a Reforma

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Psiquiátrica na direção de uma revolução paradigmática, uma vez que questiona a tão cara
relação sujeito-objeto e o próprio paradigma doença-cura. É essa especificidade do sujeito de
estar por si no centro da cena, inclusive das “terapêuticas”, que faz com que nestas se dê à
dimensão estética uma relevância particular.
No campo técnico-assistencial é que a Reforma Psiquiátrica tem deixado mais visíveis
suas inovações, concomitantemente à reconstrução dos conceitos. Tem-se construído uma
rede de novos serviços: espaços de sociabilidade, de trocas, em que se enfatiza a produção de
saúde como produção de subjetividades. Isto tem significado colocar a doença entre
parênteses e propiciar contato com o sujeito, rompendo com as práticas disciplinares;
aumentando a possibilidade de recuperação do seu estatuto de sujeito de direitos. Têm-se
operado transformações tanto na concepção dos novos equipamentos (Centros e Núcleos de
Atenção Psicossocial, Oficinas terapêuticas e de Reintegração Sociocultural, e Cooperativas
de trabalho), quanto na sua forma de organização e gestão (instituições abertas com
participação e co-gestão com os usuários e população). Também se exercitam experiências
com a área de abrangência da instituição considerada sob o conceito de Território.
No campo jurídico-político destacam-se algumas aquisições: além das transformações
advindas da Reforma Sanitária, luta-se pela extinção dos manicômios e sua substituição por
instituições abertas, pela revisão das legislações sanitárias, civil e penal, referentes à doença
mental, para possibilitar o exercício dos direitos à cidadania, ao trabalho e à inclusão social.
Têm-se consolidado várias leis municipais e estaduais, aprovou-se uma lei nacional, ainda que
com várias alterações e longe dos princípios iniciais da Lei Paulo Delgado de 1989, e
conseguiu-se oficializar os NAPS e CAPS como dispositivos de Saúde Mental Coletiva para
efeito de financiamento de suas ações pelo SUS.
No campo sociocultural tem-se construído uma série de práticas sociais visando
transformar o imaginário social relacionado com a loucura, a doença mental e a anormalidade,
passando pelas distinções doença mental, loucura, desrazão; até chegar ao conceito de
existência-sofrimento. Está em processo de mudança a imagem da loucura e do louco, a
imagem da instituição e a da relação dos usuários e a população com ela
(Desinstitucionalização). Nessas transformações merecem destaque: a imagem da instituição
que se formula como espaço de circulação (não mais espaço depositários) e polo de exercício
estético, e a imagem do “louco” como cidadão que deve almejar poder de contratualidade
social.
Como vemos, a Atenção Psicossocial vai se definindo por uma série de
transformações no paradigma Asilar e Psiquiátrico, valendo-se de ações nas esferas político-
ideológica e teórico-técnica. Suas ações político-ideológicas trabalham em sintonia com os
movimentos sociais que lutam pelo resgate da dignidade humana e dos direitos individuais e
coletivos de cidadania, ao mesmo tempo sublinhando a particularidade da situação dos
usuários dos serviços de Saúde Mental. Suas ações teórico-técnicas referem-se à produção de
novas formas de intervenção que possibilitem a construção de novos dispositivos que
trabalhem pela transformação radical dos modelos institucionalizados e da ética e da ética em
que se pautam.
Analisando, de forma global, a complexidade e amplitude das práticas da Atenção
Psicossocial, parece possível demonstrar a inclusão nela de uma parcela importante dos
conceitos e das práticas anteriormente definidos como Reabilitação Psicossocial e como
Apoio Psicossocial, a exemplo daqueles pautados pela perspectiva do aumento da
contratualidade social dos usuários das instituições.
Desse modo, é possível indicar que a Atenção Psicossocial parece configurar um
campo capaz de congregar e nomear todo o conjunto das práticas substitutivas ao Modo

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Asilar, conservando ao mesmo tempo a abertura necessária para a inclusão das inovações que
ainda estão se processando e para outras que certamente virão.

O Modo Psicossocial: uma tentativa de balizar uma lógica mais precisa para a
Atenção Psicossocial

A diversidade das práticas que substantivam o termo Psicossocial, tanto em relação


aos seus significados, quanto em relação aos seus campos de origem, nos parecem suficientes
para justificar a tentativa de precisar sua lógica. Seguiremos na trilha aberta por Amarante
(1999:47-52), ao designar quatro campos para as transformações operadas pelas práticas da
Reforma Psiquiátrica. Porém nosso objetivo de elucidação do novo paradigma das práticas da
Saúde Mental Coletiva exige um esforço ainda maior de precisão, por isso acrescentaremos ao
referencial de Amarante, um outro, elaborado por Costa-Rosa (2000:141-168), formulado
com o objetivo de elucidar as características dos dispositivos institucionais da Atenção
Psicossocial. Analisaremos essas características sob o prisma dos quatro parâmetros básicos
que definem o Modo Psicossocial: 1. Concepções do processo saúde-doença e dos meios
teórico-técnicos sustentados para lidar com ela; 2. Concepções da organização das relações
intrainstitucionais, inclusive da divisão do trabalho interprofissional; 3. Concepção da forma
das relações da instituição e seus agentes com a clientela e com a população em geral e vice-
versa; e, finalmente, 4. Concepção efetivada dos efeitos de suas ações em termos terapêuticos
e éticos. São as transformações em cada um desses quatro parâmetros, e sobretudo o matiz
dessas transformações, que nos permitirão definir a pertinência do paradigma psiquiátrico, ou
do paradigma psicossocial, para as práticas designadas pelo conceito “psicossocial”.
Ao mesmo tempo nossa análise deste ponto parte de duas proposições básicas, que
convém afirmar de saída. Primeira, procuraremos aferir o estatuto da Atenção Psicossocial
não apenas pelo fato dela representar variações, tanto em relação ao Modo Asilar, quanto em
relação aos outros campos da Reabilitação e do Apoio mas, sobretudo, pelas características
específicas dessas variações. Ou seja, examinaremos até que ponto essas transformações são
capazes de situá-la em sentido contrário às práticas que pretende substituir. Segunda
proposição, nossa tentativa de balizar uma lógica precisa para a Atenção Psicossocial não se
contentará com as transformações já operadas na teoria, nas práticas e nos discursos, mas
firmará algumas exigências logicamente deduzidas da ética necessária e do método de análise.
É possível afirmar que esta análise tem uma dimensão histórica, na medida em que inclui uma
consideração dos avanços que têm ocorrido nas práticas concretas até o presente; e outra
dimensão lógica, visto que decorre da dedução realizada, através do método de análise, das
características imprescindíveis a um determinado dispositivo para que ele configure uma
lógica contraditória com a dos dispositivos que pretende superar e substituir.
É necessário explicitar, ainda, que as práticas da Atenção Psicossocial representam a
sedimentação de um vasto conjunto de variações teórico-técnicas e éticas, mais ou menos
radicais, conforme o caso; em relação às práticas vigentes e dominantes, que estão no lugar
estrutural de sua alteridade necessária. Por isso, neste tópico de nossa análise, as
transformações que configuram a Atenção Psicossocial serão sempre medidas na relação com
esse outro que designaremos como Modo Asilar ou Paradigma Psiquiátrico.
Exigiremos da Atenção Psicossocial que ela seja capaz de se configurar como
alteridade radical desse paradigma. Ou seja, procuraremos medi-la à luz do Modo Asilar a que
se alterna, e do Modo Psicossocial como figura possível da lógica do seu devir.
Vejamos uma síntese de algumas elucidações que este modelo de análise é capaz de
evidenciar, considerando quatro dimensões essenciais da Atenção Psicossocial.

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a) Quanto à concepção do processo saúde-doença e dos meios teórico-técnicos


sustentados para lidar com esse processo, especificam-se: determinação e consistência
psíquica e sociocultural dos problemas, e não orgânica; os conflitos e contradições são tanto
constitutivos do sujeito, quanto contingentes à sua situação, portanto não são necessariamente
removidos como efeito das ações terapêuticas; “tratamento” da demanda, e não tratamento
dos sintomas; clínica da escuta e da criação de si, e não clínica da observação e da volta ao
estado anterior às crises; tomada do sujeito como sujeito de projeto e do inconsciente, e não
tomada do sujeito como objeto. Aqui a desinstitucionalização do paradigma “doença-cura” e
sua substituição pelo “existência-sofrimento”, conjuntamente com a configuração
interdisciplinar e da atitude transdisciplinar do conjunto dos trabalhadores e suas ações, são
pré-requisitos necessários para a promoção da implicação subjetiva dos usuários e população.
Exigências: Desospitalização e não hospitalização; desmedicalização e não
medicalização (significa abolir a medicação como resposta única ou preponderante e a
priori); implicação subjetiva e sociocultural e não objetificação; “existência-
sofrimento” (retirando do limbo o homem e o sujeito) e não “doença-cura” como
paradigmas de abordagem dos problemas; clínica ampliada interdisciplinar e
transdisciplinar (Psicanálise, Materialismo Histórico, Filosofia da Diferença) e não
clínica psiquiátrica/psicológica ou das especialidades (S-O/saber do mestre X saber do
outro e saber do insconsciente).

b) Quanto à concepção da organização das relações intrainstitucionais, inclusive da


divisão do trabalho interprofissional, especificam-se principalmente: horizontalização das
relações intrainstitucionais, e não verticalização (qualquer relação da instituição como
dispositivo e seus agentes com a clientela e a população depende da forma da relação dos
agentes institucionais, entre si); distinção entre poder decisório (origem política) e de
coordenação (possível origem no saber), e não amálgama saber/poder; livre trânsito do
usuário e da população, e não interdição e clausura; divisão do trabalho interprofissional
integrada em profundidade (superação da divisão do trabalho típica do Modo Capitalista de
Produção - MCP), e não divisão do trabalho interprofissional segundo o modelo taylorista.
(Costa-Rosa,1987). No limite das possibilidades do Modo Psicossocial deveremos nos pautar
por uma postura que pode ser melhor designada pelos conceitos de intedisciplinaridade e
transdisciplinaridade.
Exigências: Horizontalização e não verticalização das relações intrainstitucionais,
Participação e não exclusão; autogestão e co-gestão e não gestão por delegação;
interprofissionalidade integradora do processo de produção e do “produto”, e não
interprofissionalidade fragmentadora segundo a lógica do MCP; Transdisciplinaridade
como horizonte mais amplo: superação dos especialismos e do esquema Sujeito-
Objeto.

c) Quanto à concepção das relações da instituição e seus agentes com a clientela e


com a população em geral, são exigências da Atenção Psicossocial: a instituição situar-se
como exterioridade em relação ao território (porosidade), nela é livre o trânsito de todos, a
instituição não interioridade e espaço de clausura dos usuários e da população como no Modo
Asilar; as relações devem ser de interlocução e não do tipo “relações entre loucos e sãos”; as
ações visam a integralidade em extensão (no Território) e em profundidade (considerando
toda a complexidade das demandas), e não ações de atenção estratificada por níveis (primário,
secundário e terciário); instituições típicas – CAPS, NAPS, oficinas e cooperativas de
reintegração socioeconômica e cultural, e não hospital psiquiátrico.

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Cremos ser a propósito deste parâmetro do Modo Psicossocial a ocasião mais


adequada para incluir a consideração do conceito de desinstitucionalização e seus
desdobramentos, como uma das contribuições mais importantes da Psiquiatria Democrática
Italiana ao campo da Atenção Psicossocial. Parece oportuno sublinhar que institucionalização
ou institucionalismo não é uma particularidade do Hospital Psiquiátrico, referindo-se a uma
espécie de anomalia das instituições, que se estende muito além da sua dimensão de
estabelecimentos. Não parece demais esclarecer também que pensamos a
desinstitucionalização, quando referida ao campo da Atenção Psicossocial, como um conceito
que pretende driblar, das instituições de Saúde Mental como dispositivos (que incluem sua
lógica e a forma dos seus estabelecimentos), aqueles aspectos que ficaram expressos de modo
sublinhado na instituição asilar, embora não sejam exclusivos dela.
Ao insistirmos em fundar as políticas e as práticas de Saúde Mental na lógica do
Modo Psicossocial já estamos nos pautando no conceito de desinstitucionalização e na
afirmação de seus desdobramentos positivo, ou seja, designando a forma de instituições
capazes de atingirem as metas éticas preconizadas para a Atenção Psicossocial concebida
como antípoda radical do paradigma psiquiátrico.
Desinstitucionalizar, na perspectiva da Psiquiatria Democrática italiana, pode ser
decodificado como: desospitalizar, propondo instâncias externas totalmente substitutivas do
hospital; superar a organização de serviços baseados no Setor ou na Psiquiatria Comunitária,
propiciando a unicidade de responsabilidade sobre o Território; superar os ideais da
comunidade, terapêutica ou não, em favor das sociedades locais com seus conflitos e
contradições reais; superar o monopólio das especialidades, utilizando as múltiplas
potencialidades dos trabalhadores institucionais para a ativação de todos os recursos
disponíveis, inclusive os dos usuários das instituições (Rotelli et. al., 1990).
Desinstitucionalização é o desmonte prático dos “aparatos científicos, legislativos e
administrativos” (Rotelli et. al., 1990, p.27-28) que configuram o paradigma psiquiátrico.
Sendo assim, parece-nos lícito considerar o Modo Psicossocial, caracterizado em seus quatro
parâmetros, como uma proposta efetiva para desinstitucionalizar tal paradigma.
Exigências: interlocução e não relação entre loucos e sãos; livre trânsito e não
interdição e clausura ou espaço depositário; atenção integral e territorializada e não
estratificada por níveis. Desinstituicionalização do paradigma psiquiátrico e sua
substituição pelo Paradigma Psicossocial.

d) Finalmente, quanto à concepção efetivada dos efeitos de suas ações em termos


terapêuticos e éticos, propomos como ética da Atenção Psicossocial: por um lado,
reposicionamento do sujeito (ética da singularização) e por outro lado, destituição subjetiva
(superação do imaginário) e não apenas supressão sintomática.
Este reposicionamento pode ser pensado desde a recuperação dos direitos de
cidadania, dos quais estão excluídos alguns dos usuários das instituições de Saúde Mental,
passando pela recuperação do poder de contratualidade social, até a implicação subjetiva
(entendida como a capacidade do sujeito de situar-se de modo ativo frente aos conflitos e
contradições que atravessa e pelos quais é atravessado). A implicação subjetiva, como forma
de singularização, supõe, ainda, a apropriação do desejo com seus vetores inconscientes e de
devir; e a possibilidade de abrir-se para uma dimensão do saber que transcende o
enciclopédico e de mestria, e para “objetos” que não se esgotam nos objetos imediatos, de
valência imaginária” (Valas, 2001, p.69).

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Exigências: relação sujeito-desejo e carecimento-Ideais2, e não ego-realidade ou


carência-suprimento; implicação subjetiva e sociocultural (singularização), e não
adaptação.

Uma melhor visualização do paradigma da Atenção Psicossocial poderá ser melhor


configurada, tanto em seus aspectos realizados, quanto em suas exigências ética e teórico-
técnica (devir), integrando as análises de Amarante da Reforma Psiquiátrica, às de Costa-Rosa
sobre o Modo Psicossocial.

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2
Carecimento, por oposição ao conceito de carência ou de necessidade, abarca uma dimensão do homem que inclui o desejo (como se o
propõe na psicanálise) e toda a abertura do homem para os Ideais, possíveis ou não de imediato. Mas inclui também a abertura para a
produção e usufruto de todos os bens da produção social, muito além do preenchimento de necessidades, e que, muito mais que estas,
correspondem à especificidade humana. Pode-se considerar que aqui estão incluídas também as criações da Filosofia, da Arte, da Ciência, e
até da Religião, mas não sem passar pela aspiração pertinente ao usufruto das comodidades socialmente produzidas no mais alto grau da sua
evolução histórica (Marx, Manuscritos de 1844). Quanto aos Ideais, na mesma perspectiva do conceito de desejo, é preciso sublinhar seu
caráter totalmente fora da dimensão teleológica, o que os coloca, muito mais do que como porvir, na dimensão do devir.
Costa-Rosa, A.; Luzio, C. A.; Yasui, S. Atenção Psicossocial:
15 rumo a um novo paradigma na Saúde Mental
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16

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Valas, Patrick. (2001). As dimensões do gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Introdução

Neste trabalho pretendemos tecer algumas considerações sobre o campo da Atenção


Psicossocial, discutido questões importantes que atualmente atravessam o contexto da Saúde
Mental Coletiva. Começamos por analisar de forma sucinta as origens e composição do termo
“psicossocial”, procurando fundamentar a pertinência de sua consideração como conceito, a
partir de certo momento da história da Reforma Psiquiátrica brasileira.

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Analisamos, na seqüência, algumas combinações, mais ou menos perenes, do termo


Psicossocial com outros termos presentes no campo: Reabilitação, Apoio e Atenção;
combinações que têm servido de base para ações de políticas públicas tanto de governos
estaduais, quanto de municipais, da década de oitenta até à presente data. Tais ações têm
posto em prática uma série de contribuições teóricas, técnicas, ideológicas e éticas de caráter
inovador, bem como têm tornado evidentes questões de pesquisa e debate, das quais a
indagção sobre qual a concepção de clínica da Atenção Psicossocial é apenas a mais candente.
Por fim tentaremos fundamentar a hipótese de que a Atenção Psicossocial, como
designação de experiências significativas no contexto da Saúde Mental Coletiva no Brasil vai
ganhando elementos, tanto em termos teóricos e técnicos, quanto ideológicos e éticos, aptos a
constituírem um novo paradigma para as práticas em Saúde Mental, capaz de substituir o
paradigma psiquiátrico que ainda é dominante, sobretudo quando incorpora as inovações
principais das experiências históricas alternativas à Psiquiatria, (Antipsiquatria, Psicoterapia
Institucional e Psiquiatria Democrática). Argumentamos, ainda, que a Atenção Psicossocial,
entendida como um novo paradigma inclui, como seus componentes necessários, os conceitos
e as práticas englobadas nas políticas de Apoio Psicossocial e Reabilitação Psicossocial.

1. Breve história do termo “Psicossocial” e origens do conceito

Não temos no momento a pretensão de resgatar um histórico completo do termo


Psicossocial, nem de sua amplitude geral como conceito; entretanto consideramos essencial
traçar dele uma pequena trajetória, a fim de preparar a apresentação da hipótese de sua
transformação em conceito, no contexto da Reforma Psiquiátrica brasileira.
De imediato é necessário situar duas frentes de acontecimentos: transformações da
prática médica em sentido amplo e transformações da prática psiquiátrica.

Transformações da prática médica

Referindo-se aos esquemas da reforma médica, Donnangelo (1979), analisa projetos


como os da Medicina Integral, Medicina Preventiva e Medicina Comunitária, acentuando-lhes
como característica marcante uma tentativa de integração da dimensão social presente na
produção das enfermidades, que vinha sendo excluída do ato médico. Essas críticas à
Medicina adquirem visibilidade já nas décadas de 40 e 50, e configuram-se, antes de tudo, no
conceito de Medicina Integral, que contrapõe o caráter fragmentário das ações médicas (no
contexto da divisão do trabalho técnico em especialidades) a uma concepção globalizadora do
objeto das práticas, ainda concebido como individual. Aí se elabora a idéia do indivíduo como
“totalidade bio-psico-social irredutível a um conjunto de estruturas e funções
orgânicas”(Donnangelo, 1979, p.79). Dessa visão global do paciente faz-se derivar uma
organização do trabalho em equipes multiprofissionais.
Por seu lado, a Medicina Comunitária, agregando conhecimentos da Medicina Integral
e da Preventiva, “postula a superação do corte entre aspectos orgânicos e psicossociais, entre
condutas curativas e preventivas, entre práticas que visam efeitos individuais e coletivos”
(Costa-Rosa, 1987, p. 207), postulando o processo saúde-doença em sua dimensão ecológica e
psicossocial. Veremos que esse termo psicossocial, tão freqüente nestas discussões da
Medicina Comunitária, vai ser transladado para o campo das práticas da Reforma Psiquiátrica,
pela via de sua passagem direta para a Psiquiatria Comunitária, que vai influenciar fortemente
as práticas em Saúde Mental no contexto brasileiro, a partir da década de setenta. Passemos
agora à análise das origens do termo psicossocial no âmbito das práticas de atenção em Saúde
Mental.
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Transformações da prática psiquiátrica

Tomamos como ponto de partida o contexto em que a Psiquiatria já havia configurado a


Doença Mental como seu objeto e o Hospital Psiquiátrico como um dos principais
dispositivos da sua ação. È a crise dessa psiquiatria, desenhada por sua impotência
terapêutica, (explicitada em altos índices de cronificação e no caráter hiatrogênico da
institucionalização) e nos impasses quanto à sua cientificidade, que , segundo Birman e Costa
(1994), é responsável pela invasão do seu campo por um conjunto cada vez maior de outras
instituições.
Um conjunto importante de críticas ao Hospital Psiquiátrico e à sua visão da Doença
Mental e do tratamento, bem como uma série de experiências práticas daí decorrentes, datam
de épocas bem anteriores à Segunda Guerra Mundial, mas só aí elas ganham eco e contornos
suficientes para servirem de ideário de transformação.

Já no século XIX Bouchet introduziu o trabalho (como meio de tratamento), prática


desenvolvida logo após a I Guerra Mundial por Herman Simon; Raynau, nos princípios do
século XX, abriu os serviços psiquiátricos; nos anos trinta, programas psicoterapêuticos de
origem psicanalítica foram introduzidos por Simmel e Menninger (que, em 1937, trabalharam
com pequenos grupos visando a sua ressocialização); o trabalho de equipe e os grupos de
discussão já eram prática corrente em Chestnut Lodge nos anos quarenta”(Figueiredo, 1977, p.
19).

Em 1903 Simon construiu um hospital utilizando como mão de obra os pacientes que
até então viviam isolados, colocando-os na situação de assumirem outros papeis alem do de
enfermos. de tal modo que esse autor, redescoberto no pós II guerra, torna-se precursor das
Comunidades Terapêuticas e um dos pontos de referência em torno dos quais se constrói o
movimento da Psicoterapia Institucional (Birman e Costa, 1994). Redescobre-se o trabalho de
Sulivan que, em 1931, demonstra as vantagens terapêuticas da integração dos pacientes em
pequenos grupos (idem, idem).

Em 1946 T. H. Main, que trabalhou com Bion e Heichman, introduziu a expressão


Comunidade Terapêutica, que logo foi sistematizada por M. Jones...; no contexto inglês
instituiu-se o cuidado através de equipes multiprofissionais, integrando enfermagem,
psicólogos, assistentes sociais ao trabalho dos generalistas que estão encarregados de prestar
serviços de cuidados primários a pacientes portadores de distúrbios mentais” (Hoissel, 1984,
p. 11).

Uma inflexão decisiva na transformação das práticas psiquiátricas ocorre durante a


Segunda Guerra Mundial a partir da configuração das Comunidades Terapêuticas e da
Psicoterapia Institucional.

Seguindo precursores como Querido e Dzhagarov, que já nos anos trinta haviam aberto
respectivamente um serviço de consultas e hospitalizações domiciliares em Amsterdã e um
Hospital-dia em Moscou, uma multiplicidade de instituições e situações terapêuticas foram
contrapostas ao Hospital Psiquiátrico: clubes terapêuticos, hospitais-dia e hospitais-noite,
ambulatórios, atendimentos domiciliares e familiares, etc.. (Figueiredo, 1977, p.20).

Essas tentativas de exercer a psiquiatria fora do Hospital foram patrocinadas pelo


Estado na Inglaterra, na França e Estados Unidos, com paralelos na União Soviética e outros
países. Como política estatal essas experiências ficaram conhecidas como Psiquiatria de Setor
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(França) e Psiquiatria Comunitária (E. Unidos), e procuravam por à disposição da população,


conjuntos estruturados de trabalhadores psiquiátricos , utilizando um número diversificado
de unidades terapêuticas. “O Setor, mesmo antes de sua estatização em 1960, também contava
com uma variação significativa de técnicos: psicólogos, psicanalistas, pedagogos, etc.”. (Pitta,
1984, p. 11).
Na transposição das idéias comunitárias para o contexto brasileiro na década de
setenta, encontramos explicitamente a designação de “bio-psico-social” como caracterização
do objeto das práticas da Saúde Mental Comunitária.
Figueiredo (1977), refere a existência de um denominado “Centro Psicossocial
Universitário”, fundado em 1970 em Genebra, visando uma política comunitária de prevenção
das hospitalizações, dotado de “serviços de consultas, de oficinas terapêuticas, de uma antena
psiquiátrica no Hospital Geral...”(Figueiredo, 1977, p. 25).
Como síntese geral deste ponto podemos dizer que todas essas praticas e idéias
desenvolvidas no âmbito das Comunidades Terapêuticas, da Psiquiatria de Setor e da
Psiquiatria Comunitária não chegaram a conferir ao significante “psicossocial” mais que o
estatuto de um termo que pretendia incorporar aspectos psíquicos e sociais aos aspectos
biológicos do paradigma e do objeto da Psiquiatria.

Origens do conceito “Psicossocial”

À Psiquiatria de Setor e Comunitária somam-se outras vertentes de crítica à Psiquiatria


que vão deixando profundas marcas em seu objeto e nos meios de seu manuseio. Dessas
marcas deixadas na Psiquiatria, irão configurar-se as bases para a construção de um novo
paradigma das práticas em Saúde Mental que aspira a transpor o paradigma da Psiquiatria.
Firmamos a hipótese inicial de que o termo psicossocial, que a princípio designa
experiências de reforma da Psiquiatria, agregando a seu objeto aspectos psíquicos e sociais,
vai aspirar ao estatuto de conceito, a partir do momento em que lhe são acrescentadas as
contribuições de movimentos de crítica mais radical á Psiquiatria, como a Antipsiquiatria, a
Psiquiatria Democrática e alguns aspectos originários da Psicoterapia Institucional. Tais
elementos traduzem-se, a partir de certo momento, em transformações nas concepções de
“objeto”, nos modos de conceber e estruturar a instituição como dispositivo, e sobretudo na
forma de conceber e estruturar as relações terapêuticas, que têm, por sua vez, implicações
éticas radicalmente distintas das práticas asilares.
Essas transformações têm seu correspondente no contexto brasileiro, a partir da década
de 80, ocasião em que “psicossocial” passa a ser utilizado como um significante para designar
novos dispositivos institucionais (Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial - CAPS3 e
NAPS) que aspiram a outra lógica, outra fundamentação teórico-técnica e outra ética, que não
mais as do paradigma psiquiátrico.
Distinguimos, portanto, o termo, do conceito, reservando para o último o estatuto de
designação das práticas em Saúde Mental Coletiva que se inscrevem como transição
paradigmática da Psiquiatria, conservando para o termo a função de designar as práticas
reformadoras em sentido amplo. O estatuto de conceito, bem como o caráter da transição
paradigmática poderão ficar melhor esclarecidos à medida em que formos explicitando os
contornos do paradigma psicossocial.

3
Goldberg (1996) informa que o nome Centro de Atenção Psicossocial foi sugerido pela Dra. Ana Pitta,
inspirado nos centros existentes na Nicarágua, à época da revolução sandinista, onde equipes interdisciplinares
cumpriam tarefas de prevenção, tratamento e reabilitação.
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2. Algumas composições mais ou menos perenes dos termos Psicossocial, Atenção,


Reabilitação e Apoio

Na história recente das práticas no campo da Saúde Mental Coletiva encontramos uma
série de termos e conceitos que, algumas vezes, se apresentam cada um como suficiente para
designar todo o campo, outras vezes se combinam, e outras ainda se misturam, ameaçando
confundirem-se: reabilitação, apoio e atenção. Procuraremos discutir os contornos de
abrangência desses termos, além dos possíveis paralelos e diferenças entre os três últimos,
com o objetivo de visualizar os parâmetros mínimos necessários .para a configuração do novo
paradigma das práticas de Atenção Psicossocial substitutivas ao modo manicomial.
Para nos situarmos, a principio, frente a eles, pode ser proveitoso analisar um pouco da
etimologia e sentidos comuns desses termos, tomando com fonte o Novo Dicionário Aurélio:

Psicossocial: adjetivo; aglutinação de psico com social. Atividade ou estudo relacionando


aspectos psicológicos conjuntamente com aspectos sociais; estes, considerados distintos dos
aspectos políticos, dos econômicos e dos militares.
Reabilitação: substantivo; ato ou efeito de reabilitar(se).Recobramento de crédito, de estima,
ou de bom conceito perante a sociedade. Recuperação das capacidades físicas ou psíquicas dos
incapacitados (...) Uma das formas de extinção da punibilidade (...) cancelando a pena
acessória de interdição de direitos... Sentido jurídico: reintegração do falido nos direitos que a
falência limitou.

Num paralelo com o termo reabilitar especificam-se ainda melhor alguns dos seus
sentidos:

Restituir ao estado anterior os primeiros direitos e prerrogativas. Restituir à estima púbica ou


particular; regenerar. Restituir à normalidade do convício social ou de atividades profissionais.
Readquirir estima pública ou particular.
Apoio: substantivo; tudo que serve de sustentáculo, de suporte. Auxilio, socorro, amparo,
aprovação, aplauso, apoiada. Fundamento.
Atenção: substantivo; aplicação cuidadosa da mente a alguma coisa; concentração, reflexão,
aplicação (...) Ato ou palavra(s) que demostra(m) consideração, amabilidade, urbanidade,
cortesia ou devoção para com alguém.

Aqui também é necessário recorrer ao termo atender, que está na origem do termo
atenção tal qual nos interessa considerá-lo.

Dar ou prestar atenção. Levar em conta, ter em vista, considerar. Atentar, observar, notar.
Acolher, receber com atenção ou cortesia... Tomar em consideração... Escutar atentamente...

Mesmo uma análise superficial desses termos tal como se apresentam no léxico, pode
permitir-nos ver alguns sentidos dignos de reflexão, levando em conta aquilo que nos
interessa analisar nos conceitos que esses termos vão designar quando aplicados ao campo da
Saúde Mental Coletiva.
Assim, no termo Psicossocial, percebemos uma espécie de recorte, uma visada das
especialidades, pretendendo excluir aspectos políticos, econômicos, e até aspectos
relacionados com a salvaguarda dos interesses, da riqueza e dos valores culturais da nação.
Veremos que o conceito de Psicossocial, quando referido às políticas públicas de Saúde
Mental, aspira justamente à inclusão de todos esses aspectos, como componentes do sentido
amplo que procura articular.

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O termo Reabilitação aparece marcado por sentidos e significados cuja ênfase sublinha
a tônica do retorno, da reversão, da volta a estados já habitados anteriormente aos episódios
desabilitadores. Veremos que, de certa forma, essa inércia da volta a trás parece querer marcar
com maior ênfase a fisionomia do conceito de Reabilitação, embora devamos olhar, com
atenção e generosidade, as tentativas de elevar esse conceito a sentidos menos comprometidos
com a reprodução dos valores estabelecidos. Algumas tentativas nessa direção serão, na
seqüência, postas em destaque.
O termo Apoio parece ser, entre todos, aquele que mais claramente expressa um
sentido preciso. Aparentemente, o seu sentido, operado por algumas práticas de Saúde
Mental, é realizado de modo pontual e não sabemos até que ponto pretendeu aspirar à
categoria de conceito. Na realidade, veremos que o termo apoio, no contexto da política
pública em que foi utilizado, logo tendeu a um deslocamento em direção ao termo Atenção. A
ponto dos dispositivos resultantes dessa política passarem a ser denominados, ora como
Núcleos de Apoio Psicossocial (Kinoshita, 1997, p.75), ora como Núcleos de Atenção
Psicossocial (Nicácio,1994, p.107-138).
Finalmente, o termo Atenção apresenta-se, em seu sentido comum no léxico, de um
modo que parece surpreendentemente muito próximo dos sentidos que pretende assumir como
conceito, no contexto da Reforma Psiquiátrica.
Dar e prestar atenção, acolher, receber com atenção, tomar em consideração, levar em
conta e escutar atentamente, chegam a designar uma parte fundamental do contorno que se
pretende imprimir às ações de Atenção Psicossocial nas práticas em Saúde Mental no
contexto brasileiro atual. Veremos que aí se expressam, de modo bastante claro, certos
princípios atinentes, sobretudo, à forma das relações dos agentes institucionais e das próprias
instituições como dispositivos, com os sujeitos usuários e suas demandas.
Historicamente, vemos o conceito Psicossocial associar-se mais comumente a outros
três: Reabilitação, Apoio, Atenção; cada vez tentando criar sentidos diferentes, substantivando
o que seja “psicossocial”. Em alguns momentos cada um desses substantivos pode apresentar-
se como globalizador do campo da Atenção, aspirando a sobrepor-se aos demais. Isso tem
sido particularmente válido para a Reabilitação Psicossocial e para a Atenção Psicossocial,
que aparentemente vêm sendo utilizados para designar o mesmo referente, embora esse
referente não seja concebido do mesmo modo.
Quanto a nós, após a análise de alguns dos fundamento teórico-técnicos e éticos
presentes nesses diferentes conceitos, pretendemos fazer o exercício de deixar falar um certo
sentido preponderante, que vêm assumindo as práticas em Saúde Mental Coletiva neste
momento histórico. Daí procuraremos extrair uma forma de conjugar esses termos e
conceitos, que seja capaz de conservar o que nos parece importante em cada um deles e, ao
mesmo tempo, possa elevar a potência das ações psicossociais no campo da Saúde Mental
Coletiva. Adiantamos já, mais explicitamente, nossa hipótese de trabalho quanto a este
aspecto: o conceito de Atenção Psicossocial, considerando a diversidade de suas práticas e a
tônica imprimida à sua ética, apresenta-se com potencialidade de incluir, alem de seu próprio
sentido, o dos demais conceitos (Apoio Psicossocial e Reabilitação Psicossocial) que
atualmente circulam no campo, porem sem desconsiderar certos aspectos que definem a
especificidade deles. Em outros termos, parece-nos que a Atenção Psicossocial é capaz de
superar o Apoio Psicossocial e a Reabilitação Psicossocial, porém conservando-os.
3. Reabilitação Psicossocial: um velho significante para um conceito novo?

Numa definição da Internacional Association of Psychosocial Reabilitation Services


(IAPRS), 1995, reabilitação seria

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o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração, no melhor nível possível de


autonomia, do exercício de suas funções na comunidade (...) o processo enfatizaria as partes
mais sadias e a totalidade de potenciais do indivíduo, mediante uma abordagem compreensiva
e um suporte vocacional, residencial, social, recreacional, educacional, ajustados às demandas
singulares de cada indivíduo e de cada situação, de modo personalizado. (apud Pitta, 1996,
p.19-20)

Em 1985 a mesma IAPRS já catalogara 800 experiências de Reabilitação Psicossocial


em todo o mundo (Pitta,1996, p.20).
Em uma primeira tentativa de especificar mais a natureza das ações reabilitadoras, a
OMS tenta definir os sujeitos dessas ações entre os moradores cronificados do Hospital
Psiquiátrico, os milhares de desabilitados que se vão produzindo às margens da sociedade
desigual, ou mesmo aqueles que sempre aí estiveram sem qualquer chance de algum dia se
habilitarem para qualquer coisa. Propõe como objetos da Reabilitação: desabilitações por
deterioro das funções psicológicas, sociais ou anatômicas, determinadas por algum dano
orgânico ou funcional (Impairment); carências de habilidades para atividades sociais
decorrentes de danos diversos (Disability); ou desabilidades decorrentes de uma alteração do
estado normal por tempo prolongado (handicap). Neste caso a Reabilitação Psicossocial seria
a recuperação de indivíduos através da minimização de efeitos desabilitantes da cronificação
de doenças. (Pitta 1996, p.20).
O prefixo Re evoca um movimento de retorno, uma volta ao estado anterior, a mesma
que é tão cara ao paradigma médico doença-cura. Recuperação de faculdades físicas ou
psíquicas dos incapacitados; nesse caso assume inevitavelmente um sentido ortopédico.
Uma série de contribuições mais contemporâneas, mais ou menos alinhadas com a
World Assosciation of Psychossocial Reabilitation (WARP), têm feito um esforço para elevar
o sentido da Reabilitação.
Saraceno (1996, p.13-18), considera-a uma estratégia que visa muito mais do que
apenas fazer passar um usuário, de um estado de desabilidade para outro de habilidade.
Pretendem dar-lhe um sentido, a um só tempo, ampliado e mais delimitado, relacionando-a
com a aquisição de maior poder de contratualidade social. Considera-se que a desabilidade
essencial ocorre por falta de poder contratual, que envolve três cenários de vida: habitat,
mercado e trabalho; ou seja, não pode haver reabilitação sem aumentar o poder de realização
de trocas afetivas, materiais e de mensagens.
Afirma que o problema da reabilitação, em seu sentido comum, é ela não estar posta
como transição para a cidadania plena.

O processo da Reabilitação Psicossocial seria então um grande processo de reconstrução, um


exercício pleno de cidadania e também de plena contratualidade no cenário das relações
familiares, da rede social e do trabalho com valor social. (Saraceno,1996, p.17).

Bertolote (1996, p.156), também fala em Reabilitação Psicossocial como restituição


plena dos direitos, das vantagens, das posições que estas pessoas tinham ou poderiam ter
tido... .Procura escapar à terminologia médica, que fala a partir do conceito de doença,
acreditando resolver melhor a questão com os termos deficiência, incapacidade e
desvantagem. Como podemos ver, não é fácil escapar ao sentido mais comum.
Olhando a psicose sob o prisma da Reabilitação, Goldberg (1996, p.45), afirma que,
sendo a psicose uma condição que está sempre evoluindo(...) percebemos a reabilitação como
um processo que não tem fim definido. A reabilitação tomada dessa maneira consiste em
oferecer todas as possibilidades de tratamento que estejam disponíveis. Tratar e reabilitar são

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perspectivas indissociáveis. Para reabilitar um paciente é necessário oferecer tratamento


contínuo (idem). Citando Amim e Silva Filho afirma que

a reabilitação não pode ser considerada uma tentativa estanque, desenvolvida pós-tratamentos.
Ela se desenvolve no nosso cotidiano, desde os hábitos mais simples de cuidado pessoal a
questões de trabalho, fazendo-se necessária, portanto, a construção de um novo olhar para ela
(Golderg, 1996, p. 46).

Goldberg deixa clara a necessidade operativa de estender o conceito de reabilitação a


todas as demandas, não apenas aos casos graves de psicose e aos desabilitados por diferentes
causas – “para muito além da Prevenção Terciária”.
Benetton (1996, p.148) também situa a conotação repetitiva do termo Reabilitação,
mostrando que ele está associado a práticas efetivas, que visavam a fabricação paternalista de
indivíduos que gastaram a própria vida girando em torno dos exercícios reabilitadores.
Sublinhando o sentido valorativo do prefixo Re, pergunta se os efeitos de tais práticas devem
ser aferidos levando em conta o novo que se adquire ou o velho readquirido. Por outro lado,
afirma que estando o termo comprometido com a idéia de retorno ao velho, é preciso
perguntar se vale à pena pagar o preço que custa ficar atrelado a ele. Responde com a
sugestão da sua substituição, associando ao novo conceito um novo termo.
Vemos, de modo geral, que as tentativas dos pesquisadores ligados à WAPR
encaminham-se no sentido de ampliar o escopo de abrangência da Reabilitação Psicossocial,
sobretudo seus sentidos ético-políticos, apesar das dificuldades em que implica a utilização de
um termo saturado de sentidos que apontam para um caminho inverso ao pretendido.

4. Clínica e Reforma Psiquiátrica: uma relação necessariamente tensa?

O termo Apoio surge no contexto de algumas práticas da Reforma Psiquiátrica


(Kinoshita, 1991, p.75) que têm sua origem fundamental na Psiquiatria Democrática Italiana.
Nesse contexto tem-se, com certa freqüência, criticado a utilização do conceito de Clínica, a
ponto parecer que se pretende a sua exclusão, e substituição por práticas que enfatizam a
produção e a reprodução do cotidiano dos usuários.
Alguns desses autores têm argumentado que os resultados dessa clínica são
perniciosos ou, no melhor dos casos, nulos. Também deixam transparecer claramente que no
horizonte das suas análises está sempre a clinica médico-psiquiátrica, (Saraceno, 1996, p.150-
154; Kinoshita,1996, p.55-59), e também as psicoterapias, (Basaglia,1985, p.102-104). A
princípio podemos compreender as razões dessa crítica.
Amarante (1996, p.88-89) aponta que o processo da Desinstitucionalização em
Basaglia é fundado na noção de institucionalização como um complexo de “danos” decorrente
da submissão do doente internado, de forma compulsória e por tempo indeterminado, ao
autoritarismo e à coerção do manicômio e do modelo da Psiquiatria.
A Desinstitucionalização, como estratégia de transformação dessa situação, ocorre
“na” e “pela” própria prática. Sua trajetória supõe a desconstrução e transformação dos
elementos explícitos e implícitos do Modo Manicomial. Essa desconstrução e transformação
deve ter como uma das estratégias de ação a negação da psiquiatria enquanto ideologia
(Amarante, 1996, p.104).
Estratégia que supõe a renúncia da vocação terapêutica instituída, por intermédio da
superação do paradigma psiquiátrico. Isto significa negar a instituição manicomial; o saber
psiquiátrico sobre a doença mental, compreendido como um processo histórico e social de
apropriação da Loucura; o poder do psiquiatra em relação ao paciente; o seu mandato social

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de custódia. Implica também a denúncia da violência a que o doente está submetido dentro e
fora da instituição.
Para que isso ocorra é preciso colocar em analise as funções da psiquiatria tanto no
espaço asilar como na sociedade, no sentido de inverter sua lógica: em vez de colocar o
doente entre parênteses e focar apenas a doença mental, passar a colocar entre parênteses a
doença mental e enfocar o sujeito em sua “existência-sofrimento” (Rotelli, et al.,1990).
Ao se buscar a superação do saber psiquiátrico, sobretudo do paradigma doença-cura,
procurou-se romper com práticas identificadas com o modelo clínico, por considerá-las
ineficazes, segregadoras. As “práticas clínicas”, concebidas ao modo da clínica médica e
psicológica, foram consideradas como meios de “adaptar os indivíduos à aceitação de sua
condição de objetos da violência”, dando por acabado que a única realidade que lhes cabe “é
serem objetos da violência se rejeitarem todas as modalidades de adaptação que lhes são
oferecidas” (Basaglia, 1985, p.102).
Entre as práticas comprometidas com essa visão estão a clínica psiquiátrica e a
psicológica. Em relação a esta última é importante retomar novamente as próprias palavras de
Basaglia:

“...De outra parte, as próprias teorias psicodinâmicas, que tentaram encontrar o sentido dos
sintomas através da investigação do inconsciente, mantiveram o caráter objetal do paciente,
mesmo que o tenham feito através de um tipo distinto de objetivação: objetivando-o não mais
enquanto corpo mas enquanto pessoa.” (Basaglia, 1985, p.104).

Essas poucas observação são suficientes para revelar uma relação tensa que a Clínica e
a Reforma Psiquiátrica parecem estabelecer (Leal, 1997). Diversos artigos (Figueiredo, 2001;
Tenório, 2001; Greco, 2001; Santos e Almeida; 2001) têm recentemente apontando esta
tensão entre a clinica psicanalítica e, o que talvez pudéssemos nomear como, a dimensão
política da Reforma Psiquiátrica. Já outros, (Lobosque, 1997; Amarante; 2001), buscam
mostrar que é nesta dimensão política que se encontra a verdadeira clínica da Reforma,
pautada, sobretudo, pela possibilidade de criação e invenção cotidiana.
O lugar da Saúde Mental é um lugar de conflito, confronto e contradição. Talvez esteja
aí uma certa característica ontológico-social, pois isso é expressão e resultante de relações e
situações sociais concretas. Por qualquer perspectiva que se olhe, tratar-se-á sempre de um
eterno confronto: pulsações de vida/pulsações mortíferas; inclusão/exclusão;
tolerância/intolerância.
Existem também os viéses da inércia sob a qual ainda se considera a clínica das
psicoses. Como destinar ao paciente psicótico os ideais fálicos de nossa sociedade neurótica,
que para ele não faz sentido sustentar? Pensamos que uma discussão mais justa da questão
necessita que nos apropriemos da clínica das psicoses em seu atual estágio de
desenvolvimento.
Por outro lado, como proporcionar uma escuta atenta ao sofrimento, à sua
subjetividade, evitando influenciar-se por determinantes teóricos que não estão isentos de
conteúdos ideológicos, sem se apropriar adequadamente de um dispositivo de escuta?
Quais noções de sujeito permeiam as práticas em questão?
Nos parece que esta é uma tensão inevitável, mas ao mesmo tempo desejável e
produtiva, advinda da própria natureza do campo. Uma reflexão sobre esta relação já seria
suficiente para a produção de vários artigos. No momento gostaríamos de contribuir
sinalizando com alguns aspectos que nos parecem importantes.
Tentando justificar sua exclusão da clínica, Saraceno (1996b, p.152), apresenta-a
como derivada da palavra clinos: arte de olhar, observar e tratar o paciente que está na cama

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Coletiva. Em: Amarante, P. (Org.). Archivos de Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Nau,
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(...) etimológicamente o paciente está inclinado e o médico está acima (...) Não me agrada
mais a palavra clinica. Chama atenção sua ênfase na necessidade de mudança dos termos.
Parece contentar-se com o modelo de clínica vindo da clínica médica, quando esta se
aplica à Psiquiatria, seguindo a tradição pineliana. Reconhece que o modelo encontrado aí,
mesmo hoje, não é um modelo aproveitável para a ética que convém às práticas em Saúde
Mental.
Mas por quê procurar na Psiquiatria, com tantas outras possibilidades à disposição?
Na verdade podemos buscar outros sentidos para o termo grego clinos, de que
Saraceno fez derivar a concepção de clínica que critica. O radical grego Klin dá tanto a
palavra Klino, de onde sai a palavra leito, quanto Klinen , de onde saem as palavras inclinar,
dobrar (Aurélio, 2000).
Podemos, portanto, derivar do radical Klin, um sentido mais apropriado aos fins da
Reforma Psiquiátrica; como inclinação, não para baixo, mas para os lados, no sentido de
bifurcar, divergir, de buscar novos sentidos. Teríamos assim uma das acepções fundamentais
que podem ser dadas às crises, alcançando uma dimensão criativa, oportunidades de
transformação de estados e situações insustentáveis. Aqui, também, não se trata mais de uma
clinica do olhar, mas da escuta, ou do “olhar” que vê alem do sintoma. A clinica como
encontro, capaz de produzir senso, sentidos; produção de sentidos, no lugar de reprodução;
como lugar onde as identidades dos participantes já não estão predefinidas.
Essa referência à palavra clinica como encontro de identidades predefinidas (o
paciente deitado e o médico acima), que gera reprodução de poderes, de ideologias, de
doenças, é que faz com que vários autores critiquem esse conceito, alegando, em
contraposição, uma prática mais complexa e articulada.
Ora, que maior complexidade podemos buscar do que a possibilidade de divergir, de
bifurcar, em relação ao sentido vivido da dor e do sofrimento, buscando novas formas de
implicação subjetiva e sociocultural? Estaremos longe da perspectiva da contratualidade
social entendida como aumento das trocas de bens, de mensagens e de afetos? (Kinoshita,
1996, p. 55).
Por outro lado, mesmo recorrendo à etimologia grega, não se pode ignorar outros
acréscimos feitos a Clinica ao longo do tempo posterior. É necessária uma atitude clinica
capaz de pôr em foco não apenas o sujeito do sofrimento, mas também a postura de quem o
acolhe. Clinica como clinâmem; ato de divergir, bifurcar (Barros & Passos, 2000); de
freqüentar outros setores do campo: Psicanálise, Psicoterapia Institucional, Materialismo
Histórico, Alternativas à Psiquiatria, Filosofias da Existência, Esquizoanálise.
Nessa postura poderá residir a atitude radical de exercitar o que já começa a ser
designado por alguns autores como Clínica Ampliada.

5. Atenção Psicossocial: origens, definições e práticas

Inserida no campo da Reforma Psiquiátrica, a Atenção Psicossocial, às vezes nomeada


confusamente como Reabilitação Psicossocial, tem sustentado um conjunto de ações teórico-
práticas, político-ideológicas e éticas norteadas pela aspiração de substituírem o Modo Asilar,
e algumas vezes o próprio paradigma da Psiquiatria.
Sua origem remonta a uma série de contribuições vindas das diferentes experiências
históricas que incluem, sobretudo, a Psiquiatria de Setor e Comunitária, a Antipsiquiatria, a
Psicoterapia Institucional e a Psiquiatria Democrática Italiana; alem da contribuição das
políticas públicas e das experiências locais dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e dos
Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). De modo geral os elementos teóricos subjacentes a

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essas experiências passam principalmente pelas idéias sociológicas e psicológicas, pelo


Materialismo Histórico, pela Psicanálise e pela Filosofia da Diferença.
Amarante (1999, p.47-52) , especifica as transformações na Saúde Mental em quatro
campos: teórico-assistencial, técnico-assistencial, jurídico-político e sociocultural. Tomemos
as transformações em cada um desses campos como estratégia de visualização da práxis da
Atenção Psicossocial.
No campo teórico-assistencial tem se operado, antes de tudo, a desconstrução de
conceitos e práticas sustentados pela psiquiatria e a psicologia nas suas visões acerca da
doença mental. Em contrapartida tem-se construído noções e conceitos como “existência
-sofrimento” do sujeito na sua relação com o corpo social, paradigma estético, acolhimento,
cuidado, emancipação e contratualidade social.
O reconhecimento da loucura e do sofrimento psíquico como fenômenos que insistem
por si mesmos em apresentar-se como “objeto” peculiar, põem o próprio sujeito no cerne da
situação. O conceito de existência-sofrimento, por contraposição ao paradigma doença-cura,
expressa a exigência de dar ao sujeito a cena; ao mesmo tempo em que impulsiona a Reforma
Psiquiátrica na direção de uma revolução paradigmática, uma vez que questiona a tão cara
relação sujeito-objeto e o próprio paradigma doença-cura. É essa especificidade do sujeito de
estar por si no centro da cena, inclusive das “terapêuticas”, que faz com que nestas se dê à
dimensão estética uma relevância particular.
No campo técnico-assistencial é que a Reforma Psiquiátrica tem deixado mais visíveis
suas inovações, concomitantemente à reconstrução dos conceitos. Tem-se construído uma
rede de novos serviços: espaços de sociabilidade, de trocas, em que se enfatiza a produção de
saúde como produção de subjetividades. Isto tem significado colocar a doença entre
parênteses e propiciar contato com o sujeito, rompendo com as práticas disciplinares;
aumentando a possibilidade de recuperação do seu estatuto de sujeito de direitos. Têm-se
operado transformações tanto na concepção dos novos equipamentos (Centros e Núcleos de
Atenção Psicossocial, Oficinas terapêuticas e de Reintegração Sociocultural, e Cooperativas
de trabalho), quanto na sua forma de organização e gestão (instituições abertas com
participação e co-gestão com os usuários e população). Também se exercitam experiências
com a área de abrangência da instituição considerada sob o conceito de Território.
No campo jurídico-político destacam-se algumas aquisições: além das transformações
advindas da Reforma Sanitária, luta-se pela extinção dos manicômios e sua substituição por
instituições abertas, pela revisão das legislações sanitárias, civil e penal, referentes à doença
mental, para possibilitar o exercício dos direitos à cidadania, ao trabalho e à inclusão social.
Têm-se consolidado várias leis municipais e estaduais, aprovou-se uma lei nacional, ainda que
com várias alterações e longe dos princípios iniciais da Lei Paulo Delgado de 1989, e
conseguiu-se oficializar os NAPS e CAPS como dispositivos de Saúde Mental Coletiva para
efeito de financiamento de suas ações pelo SUS.
No campo sociocultural tem-se construído uma série de práticas sociais visando
transformar o imaginário social relacionado com a loucura, a doença mental e a anormalidade,
passando pelas distinções doença mental, loucura, desrazão; até chegar ao conceito de
existência-sofrimento. Está em processo de mudança a imagem da loucura e do louco, a
imagem da instituição e a da relação dos usuários e a população com ela
(Desinstitucionalização). Nessas transformações merecem destaque: a imagem da instituição
que se formula como espaço de circulação (não mais espaço depositários) e polo de exercício
estético, e a imagem do “louco” como cidadão que deve almejar poder de contratualidade
social.
Como vemos, a Atenção Psicossocial vai se definindo por uma série de
transformações no paradigma Asilar e Psiquiátrico, valendo-se de ações nas esferas político-
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ideológica e teórico-técnica. Suas ações político-ideológicas trabalham em sintonia com os


movimentos sociais que lutam pelo resgate da dignidade humana e dos direitos individuais e
coletivos de cidadania, ao mesmo tempo sublinhando a particularidade da situação dos
usuários dos serviços de Saúde Mental. Suas ações teórico-técnicas referem-se à produção de
novas formas de intervenção que possibilitem a construção de novos dispositivos que
trabalhem pela transformação radical dos modelos institucionalizados e da ética e da ética em
que se pautam.
Analisando, de forma global, a complexidade e amplitude das práticas da Atenção
Psicossocial, parece possível demonstrar a inclusão nela de uma parcela importante dos
conceitos e das práticas anteriormente definidos como Reabilitação Psicossocial e como
Apoio Psicossocial, a exemplo daqueles pautados pela perspectiva do aumento da
contratualidade social dos usuários das instituições.
Desse modo, é possível indicar que a Atenção Psicossocial parece configurar um
campo capaz de congregar e nomear todo o conjunto das práticas substitutivas ao Modo
Asilar, conservando ao mesmo tempo a abertura necessária para a inclusão das inovações que
ainda estão se processando e para outras que certamente virão.

O Modo Psicossocial: uma tentativa de balizar uma lógica mais precisa para a
Atenção Psicossocial

A diversidade das práticas que substantivam o termo Psicossocial, tanto em relação


aos seus significados, quanto em relação aos seus campos de origem, nos parecem suficientes
para justificar a tentativa de precisar sua lógica. Seguiremos na trilha aberta por Amarante
(1999:47-52), ao designar quatro campos para as transformações operadas pelas práticas da
Reforma Psiquiátrica. Porém nosso objetivo de elucidação do novo paradigma das práticas da
Saúde Mental Coletiva exige um esforço ainda maior de precisão, por isso acrescentaremos ao
referencial de Amarante, um outro, elaborado por Costa-Rosa (2000:141-168), formulado
com o objetivo de elucidar as características dos dispositivos institucionais da Atenção
Psicossocial. Analisaremos essas características sob o prisma dos quatro parâmetros básicos
que definem o Modo Psicossocial: 1. Concepções do processo saúde-doença e dos meios
teórico-técnicos sustentados para lidar com ela; 2. Concepções da organização das relações
intrainstitucionais, inclusive da divisão do trabalho interprofissional; 3. Concepção da forma
das relações da instituição e seus agentes com a clientela e com a população em geral e vice-
versa; e, finalmente, 4. Concepção efetivada dos efeitos de suas ações em termos terapêuticos
e éticos. São as transformações em cada um desses quatro parâmetros, e sobretudo o matiz
dessas transformações, que nos permitirão definir a pertinência do paradigma psiquiátrico, ou
do paradigma psicossocial, para as práticas designadas pelo conceito “psicossocial”.
Ao mesmo tempo nossa análise deste ponto parte de duas proposições básicas, que
convém afirmar de saída. Primeira, procuraremos aferir o estatuto da Atenção Psicossocial
não apenas pelo fato dela representar variações, tanto em relação ao Modo Asilar, quanto em
relação aos outros campos da Reabilitação e do Apoio mas, sobretudo, pelas características
específicas dessas variações. Ou seja, examinaremos até que ponto essas transformações são
capazes de situá-la em sentido contrário às práticas que pretende substituir. Segunda
proposição, nossa tentativa de balizar uma lógica precisa para a Atenção Psicossocial não se
contentará com as transformações já operadas na teoria, nas práticas e nos discursos, mas
firmará algumas exigências logicamente deduzidas da ética necessária e do método de análise.
É possível afirmar que esta análise tem uma dimensão histórica, na medida em que inclui uma
consideração dos avanços que têm ocorrido nas práticas concretas até o presente; e outra
dimensão lógica, visto que decorre da dedução realizada, através do método de análise, das
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características imprescindíveis a um determinado dispositivo para que ele configure uma


lógica contraditória com a dos dispositivos que pretende superar e substituir.
É necessário explicitar, ainda, que as práticas da Atenção Psicossocial representam a
sedimentação de um vasto conjunto de variações teórico-técnicas e éticas, mais ou menos
radicais, conforme o caso; em relação às práticas vigentes e dominantes, que estão no lugar
estrutural de sua alteridade necessária. Por isso, neste tópico de nossa análise, as
transformações que configuram a Atenção Psicossocial serão sempre medidas na relação com
esse outro que designaremos como Modo Asilar ou Paradigma Psiquiátrico.
Exigiremos da Atenção Psicossocial que ela seja capaz de se configurar como
alteridade radical desse paradigma. Ou seja, procuraremos medi-la à luz do Modo Asilar a que
se alterna, e do Modo Psicossocial como figura possível da lógica do seu devir.
Vejamos uma síntese de algumas elucidações que este modelo de análise é capaz de
evidenciar, considerando quatro dimensões essenciais da Atenção Psicossocial.

a) Quanto à concepção do processo saúde-doença e dos meios teórico-técnicos


sustentados para lidar com esse processo, especificam-se: determinação e consistência
psíquica e sociocultural dos problemas, e não orgânica; os conflitos e contradições são tanto
constitutivos do sujeito, quanto contingentes à sua situação, portanto não são necessariamente
removidos como efeito das ações terapêuticas; “tratamento” da demanda, e não tratamento
dos sintomas; clínica da escuta e da criação de si, e não clínica da observação e da volta ao
estado anterior às crises; tomada do sujeito como sujeito de projeto e do inconsciente, e não
tomada do sujeito como objeto. Aqui a desinstitucionalização do paradigma “doença-cura” e
sua substituição pelo “existência-sofrimento”, conjuntamente com a configuração
interdisciplinar e da atitude transdisciplinar do conjunto dos trabalhadores e suas ações, são
pré-requisitos necessários para a promoção da implicação subjetiva dos usuários e população.
Exigências: Desospitalização e não hospitalização; desmedicalização e não
medicalização (significa abolir a medicação como resposta única ou preponderante e a
priori); implicação subjetiva e sociocultural e não objetificação; “existência-
sofrimento” (retirando do limbo o homem e o sujeito) e não “doença-cura” como
paradigmas de abordagem dos problemas; clínica ampliada interdisciplinar e
transdisciplinar (Psicanálise, Materialismo Histórico, Filosofia da Diferença) e não
clínica psiquiátrica/psicológica ou das especialidades (S-O/saber do mestre X saber do
outro e saber do insconsciente).

b) Quanto à concepção da organização das relações intrainstitucionais, inclusive da


divisão do trabalho interprofissional, especificam-se principalmente: horizontalização das
relações intrainstitucionais, e não verticalização (qualquer relação da instituição como
dispositivo e seus agentes com a clientela e a população depende da forma da relação dos
agentes institucionais, entre si); distinção entre poder decisório (origem política) e de
coordenação (possível origem no saber), e não amálgama saber/poder; livre trânsito do
usuário e da população, e não interdição e clausura; divisão do trabalho interprofissional
integrada em profundidade (superação da divisão do trabalho típica do Modo Capitalista de
Produção - MCP), e não divisão do trabalho interprofissional segundo o modelo taylorista.
(Costa-Rosa,1987). No limite das possibilidades do Modo Psicossocial deveremos nos pautar
por uma postura que pode ser melhor designada pelos conceitos de intedisciplinaridade e
transdisciplinaridade.
Exigências: Horizontalização e não verticalização das relações intrainstitucionais,
Participação e não exclusão; autogestão e co-gestão e não gestão por delegação;
interprofissionalidade integradora do processo de produção e do “produto”, e não
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interprofissionalidade fragmentadora segundo a lógica do MCP; Transdisciplinaridade


como horizonte mais amplo: superação dos especialismos e do esquema Sujeito-
Objeto.

c) Quanto à concepção das relações da instituição e seus agentes com a clientela e


com a população em geral, são exigências da Atenção Psicossocial: a instituição situar-se
como exterioridade em relação ao território (porosidade), nela é livre o trânsito de todos, a
instituição não interioridade e espaço de clausura dos usuários e da população como no Modo
Asilar; as relações devem ser de interlocução e não do tipo “relações entre loucos e sãos”; as
ações visam a integralidade em extensão (no Território) e em profundidade (considerando
toda a complexidade das demandas), e não ações de atenção estratificada por níveis (primário,
secundário e terciário); instituições típicas – CAPS, NAPS, oficinas e cooperativas de
reintegração socioeconômica e cultural, e não hospital psiquiátrico.
Cremos ser a propósito deste parâmetro do Modo Psicossocial a ocasião mais
adequada para incluir a consideração do conceito de desinstitucionalização e seus
desdobramentos, como uma das contribuições mais importantes da Psiquiatria Democrática
Italiana ao campo da Atenção Psicossocial. Parece oportuno sublinhar que institucionalização
ou institucionalismo não é uma particularidade do Hospital Psiquiátrico, referindo-se a uma
espécie de anomalia das instituições, que se estende muito além da sua dimensão de
estabelecimentos. Não parece demais esclarecer também que pensamos a
desinstitucionalização, quando referida ao campo da Atenção Psicossocial, como um conceito
que pretende driblar, das instituições de Saúde Mental como dispositivos (que incluem sua
lógica e a forma dos seus estabelecimentos), aqueles aspectos que ficaram expressos de modo
sublinhado na instituição asilar, embora não sejam exclusivos dela.
Ao insistirmos em fundar as políticas e as práticas de Saúde Mental na lógica do
Modo Psicossocial já estamos nos pautando no conceito de desinstitucionalização e na
afirmação de seus desdobramentos positivo, ou seja, designando a forma de instituições
capazes de atingirem as metas éticas preconizadas para a Atenção Psicossocial concebida
como antípoda radical do paradigma psiquiátrico.
Desinstitucionalizar, na perspectiva da Psiquiatria Democrática italiana, pode ser
decodificado como: desospitalizar, propondo instâncias externas totalmente substitutivas do
hospital; superar a organização de serviços baseados no Setor ou na Psiquiatria Comunitária,
propiciando a unicidade de responsabilidade sobre o Território; superar os ideais da
comunidade, terapêutica ou não, em favor das sociedades locais com seus conflitos e
contradições reais; superar o monopólio das especialidades, utilizando as múltiplas
potencialidades dos trabalhadores institucionais para a ativação de todos os recursos
disponíveis, inclusive os dos usuários das instituições (Rotelli et. al., 1990).
Desinstitucionalização é o desmonte prático dos “aparatos científicos, legislativos e
administrativos” (Rotelli et. al., 1990, p.27-28) que configuram o paradigma psiquiátrico.
Sendo assim, parece-nos lícito considerar o Modo Psicossocial, caracterizado em seus quatro
parâmetros, como uma proposta efetiva para desinstitucionalizar tal paradigma.
Exigências: interlocução e não relação entre loucos e sãos; livre trânsito e não
interdição e clausura ou espaço depositário; atenção integral e territorializada e não
estratificada por níveis. Desinstituicionalização do paradigma psiquiátrico e sua
substituição pelo Paradigma Psicossocial.

d) Finalmente, quanto à concepção efetivada dos efeitos de suas ações em termos


terapêuticos e éticos, propomos como ética da Atenção Psicossocial: por um lado,

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reposicionamento do sujeito (ética da singularização) e por outro lado, destituição subjetiva


(superação do imaginário) e não apenas supressão sintomática.
Este reposicionamento pode ser pensado desde a recuperação dos direitos de
cidadania, dos quais estão excluídos alguns dos usuários das instituições de Saúde Mental,
passando pela recuperação do poder de contratualidade social, até a implicação subjetiva
(entendida como a capacidade do sujeito de situar-se de modo ativo frente aos conflitos e
contradições que atravessa e pelos quais é atravessado). A implicação subjetiva, como forma
de singularização, supõe, ainda, a apropriação do desejo com seus vetores inconscientes e de
devir; e a possibilidade de abrir-se para uma dimensão do saber que transcende o
enciclopédico e de mestria, e para “objetos” que não se esgotam nos objetos imediatos, de
valência imaginária” (Valas, 2001, p.69).
Exigências: relação sujeito-desejo e carecimento-Ideais4, e não ego-realidade ou
carência-suprimento; implicação subjetiva e sociocultural (singularização), e não
adaptação.

Uma melhor visualização do paradigma da Atenção Psicossocial poderá ser melhor


configurada, tanto em seus aspectos realizados, quanto em suas exigências ética e teórico-
técnica (devir), integrando as análises de Amarante da Reforma Psiquiátrica, às de Costa-Rosa
sobre o Modo Psicossocial.

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4
Carecimento, por oposição ao conceito de carência ou de necessidade, abarca uma dimensão do homem que inclui o desejo (como se o
propõe na psicanálise) e toda a abertura do homem para os Ideais, possíveis ou não de imediato. Mas inclui também a abertura para a
produção e usufruto de todos os bens da produção social, muito além do preenchimento de necessidades, e que, muito mais que estas,
correspondem à especificidade humana. Pode-se considerar que aqui estão incluídas também as criações da Filosofia, da Arte, da Ciência, e
até da Religião, mas não sem passar pela aspiração pertinente ao usufruto das comodidades socialmente produzidas no mais alto grau da sua
evolução histórica (Marx, Manuscritos de 1844). Quanto aos Ideais, na mesma perspectiva do conceito de desejo, é preciso sublinhar seu
caráter totalmente fora da dimensão teleológica, o que os coloca, muito mais do que como porvir, na dimensão do devir.
Costa-Rosa, A.; Luzio, C. A.; Yasui, S. Atenção Psicossocial:
30 rumo a um novo paradigma na Saúde Mental
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