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“Onde está o teu irmão?”, “Serei eu guardião do meu irmão?”; a estes versetos do Antigo Testamento,
lembrados por Emmanuel Levinas1, nos quais o Eterno interpela Caim e este convictamente responde
(Génesis 4.1-15), Levinas não opõe na sua leitura qualquer nota deplorativa ou censória, fará antes
observar com notável transparência como “a resposta de Caim é sincera. Na sua resposta falta apenas a
ética, existe somente ontologia: eu sou eu ele é ele. Somos seres ontologicamente separados”2
A ética do para-outrem, ausente nesta parábola bíblica e nas palavras de Caim, pressuporia um voto e
uma atenção fraterna anteriores àquelas que o mesmo dedicaria a si. Pressuporia uma absurda
inquietação pela sorte do próximo, negadora, inquietadora da inscrição do próprio no ser e no mundo.
Esta vocação, este chamamento, mesmo que episódico e passageiro, retira, expulsa, na sua
excepcionalidade, o humano das malhas do ser e da ontologia para “tomar sobre si o destino de outrem” 3.
Em “Ideologia e Idealismo”4, texto de Dieu qui Vient a l’idée, este humano solicitante encarna a figura do
proletário, de um homem “absolutamente exposto” que tão próximo nos coloca do refugiado, do exilado,
que em Agamben ocupam a centralidade da crítica empreendida ao Estado-Nação paladino dos Direitos
do Homem e do Cidadão. Retomando um texto de H. Arendt intitulado O Declínio do Estado Nação e o
fim dos direitos do homem, escreve em Mezzi senza fine:
“Cabe provar, a levar a sério esta formulação que liga indissoluvelmente a sorte dos Direitos do Homem
àquela do estado nação moderno, de que modo o declínio de um implica necessariamente a obsolescência
dos outros. O paradoxo está aqui na própria figura - do refugiado – que deveria incarnar por excelência
os Direitos do Homem [e] assinala pelo contrário a crise radical deste conceito”5
O Estado, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem que este deveria sustentar, deparam-se nesta
figura com um humano tragicamente apólide e vulnerável: “(…) o refugiado, esta figura aparentemente
marginal, merece, pelo contrário ser considerada como a figura central da nossa história política ” 6
Escrito em Junho de 1993, este ensaio, intitulado Para além dos Direitos Humanos, conserva uma
perturbadora actualidade, preservando traços que nos recordam as tragédias da contemporaneidade: a
crise dos refugiados, os afogamentos no Mediterrâneo, as escusas dos Estados europeus em acolher os,
doravante designados, migrantes.
Este ensaio pretende assim re-colocar o refugiado, o proletário, o humano sem privilégios, apólide, na sua
sempre contemporânea centralidade, repensando a sua e a nossa in-condição responsabilizantes.
Centralidade Meta-ética, Ética e Ontológica, consideradas a partir de Lévinas e Agamben