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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO - FAVENI

TENDÊNCIAS ATUAIS NO ENSINO DE


FÍSICA

ESPÍRITO SANTO
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ENSINO DA FÍSICA: TENDÊNCIAS E DESAFIOS
NA PRÁTICA DOCENTE

Texto adaptado de Cleci Werner

INTRODUÇÃO

http://i1.r7.com/data/files/2C92/94A4/2949/B3AF/0129/4CC0/E539/084B/escola-ensino-medio-espirito450x338santo-
divulgacao-bruta.jpg

Discutir o ensino da Física na educação básica (ensino médio), na


perspectiva da práxis pedagógica do professor de Física, requer a princípio
uma reflexão sobre os propósitos a que a educação se propõe. Desde as
sociedades antigas até as contemporâneas, a educação como processo de
mediação sistematizado, recebe a denominação de educação escolar,
apoiando suas bases em ações intencionais. Os conteúdos escolares
decorrentes dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade
passam a ser um dos elementos integrantes desta ação intencional, mas não
único, encontrando no ato didático-pedagógico um importante aliado.

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Rays (2000) mostra que “a ação pedagógica escolarizada, quando
consciente, não poderá, pois, distanciar-se da intenção política do tipo de ser
humano que a educação pretende promover, para que não incorra na
arbitrariedade pedagógica e política do ato educativo” (p.14). Continua o autor
enfatizando que a dimensão política da ação educativa está presente mesmo
antes do professor proferir sua aula, pois se apresenta desde o momento do
planejamento, na elaboração dos objetivos, na seleção dos conteúdos, na
escola metodológica e nos processos de avaliação. Desta forma, não há como
dissociar a ação pedagógica da intencionalidade, uma vez que ela está
presente em cada etapa deste processo pedagógico.

http://blogedenevaldoalves.com.br/recem-empossada-secretaria-de-educacao-de-petrolina-chega-com-novos-projetos-
para-a-sala-de-aula/

Vários pesquisadores da educação têm dedicado seus trabalhos a


investigar a ação educativa, mostrando que as intenções da prática educativa
são abrangentes e que avançam além do processo de transmissão dos
conteúdos. A dimensão social do ato de ensinar tem merecido destaque em
várias pesquisas desenvolvidas nestes últimos séculos, apontando para a

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necessidade de que os profissionais da educação (professores e
pesquisadores) tenham conhecimento desse processo para não correr o risco
de fazê-lo de forma inconsciente. A inclusão no planejamento das atividades
docentes ou mesmo das pesquisas educacionais, de questões relacionadas às
dimensões sociais, as diferentes formas de agir e pensar perante as
necessidades emergenciais da sociedade moderna, passa a ser obrigatório, já
que falar em educação é falar em sociedade. A própria Constituição Brasileira
enfatiza esta indissolubilidade ao mencionar que a educação é
responsabilidade da família, da escola e da sociedade, evidenciando o tripé
que sustenta o processo de formação dos indivíduos.

Mesmo havendo um consenso na relação biunívoca entre educação e


sociedade, tal como se apresenta no mundo contemporâneo, os especialistas
da educação têm apresentado divergências em seus trabalhos por
considerarem as bases epistemológicas, sociológicas e filosóficas do processo
educacional sob diferentes enfoques. Tal situação passa a ser mais evidente
quando o assunto gira em torno dos propósitos a que o ensino escolar se
propõe. A expressão ensinar para quê? Assume o carro chefe das discussões,
evidenciando que, mesmo perante as inúmeras pesquisas e avanços nas
chamadas ciências da educação, a questão continua em aberto.

http://educacaoeuapoio.com.br/wp-content/uploads/2013/11/ensino_medio_ilustra.jpg

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O processo, por mais complexo que possa parecer, é sempre mediado
por instrumentos e métodos que associam o ato de ensinar ao de aprender,
que, em regra geral, não são decorrências espontâneas, mas sim favorecidos
no ambiente escolar. A ação pedagógica requer acima de tudo profissionais
comprometidos com o que Saviani (1996) considera saberes que todo
educador deve dominar: o saber atitudinal, relacionado ao domínio da
disciplina, pontualidade, organização, entre outros; o saber crítico-contextual,
referente ao retrato sociocultural da sociedade na qual a tarefa educativa se
insere; o saber didático-curricular, associado ao domínio das formas de
organização e realização da atividade educativa; e os saberes específicos e
pedagógicos, referentes aos conhecimentos específicos que integram cada
disciplina curricular e as teorias educacionais relacionadas ao processo ensino-
aprendizagem.

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/04/carta-professor-estado-minas-gerais.html

A percepção crítica das diferentes realidades que estão associadas ao


ato de ensinar torna-se fundamental para que o educador, consciente de suas
responsabilidades e de sua importância no processo, planeje sua ação
pedagógica. A ele cabe associar os princípios da educação, enquanto processo
fundamental do cultivo da racionalidade através do desenvolvimento do
pensamento, ao corpo de conhecimentos específico que compõe cada
disciplina escolar. O professor, enquanto centro deste processo, deve tomar
consciência dos implicativos e procedimentos que envolvem tanto a
organização da sociedade em si, como do próprio sistema educacional.
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ENSINAR PARA QUÊ?

http://www.brupacifico.com.br/wp-content/uploads/2012/06/Lousa-na-Cozinha-Apagador-e-giz.jpg

Esta pergunta nos aponta para um grande desafio, principalmente neste


novo milênio. Jacques Delores, presidente da Comissão Internacional sobre a
Educação para o século XXI, defende que a educação tem por função
essencial o desenvolvimento contínuo dos indivíduos e das sociedades, como
um dos meios mais importantes e que as políticas educativas são uma
estrutura privilegiada de pessoas, de relações entre os indivíduos e entre os
grupos e nações.

Historicamente, temos consolidado o processo educativo na perspectiva


do que Engels no século XIX já criticava, mostrando que a transmissão do
conhecimento na escola caminhava na perspectiva de técnicas de produção,
restringindo o aprendizado à reprodução destas técnicas. Para Engels, tal
situação estaria provocando a alienação destes indivíduos, que, por não
entrarem em contato com o conhecimento na forma de produção deste
conhecimento, apresentavam pouca ou nenhuma chance de participar do
seleto grupo que elabora tal conhecimento, limitam-se a serem apenas
reprodutores de técnicas.

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Adorno, em 1967, chama a atenção para os fins a que a educação se
propõe, mostrando que a educação não deve ser associada à modelagem de
pessoas, nem mesmo reduzir-se à mera transmissão de conteúdos. É preciso
que ela atue no sentido da emancipação dos indivíduos, através da formação
de uma consciência verdadeira. Para o autor a possibilidade de emancipação
dos indivíduos dá-se pela educação, através do conhecimento, mas ao mesmo
tempo aponta dois grandes obstáculos: a pressão feita pela sociedade
contemporânea que acaba induzindo um obscuramento no desenvolvimento da
conscientização dos indivíduos ante os acontecimentos sociais e políticos; e a
necessidade que os jovens têm de se adaptarem ao mundo, sob o risco de
serem excluídos dos grupos sociais. O grande questionamento para Adorno
não está na questão de que a educação seria necessária, mas para onde a
educação deve conduzir. (Adorno, 2003).

http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/files/2011/04/edu.jpg

Ainda sob o ponto de vista da Teoria Crítica, da qual Adorno é


representante, o poder da educação escolarizada na sociedade moderna se
apresenta como forma de submissão dos indivíduos a padrões culturais
reduzidos a “bens de consumo” (comportamento, hábitos, costumes...),
formando sujeitos dependentes, com personalidades fragilizadas e susceptíveis
de “modismos”. O desafio, no entender dos frankfurtianos (Escola de Frankfurt,

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berço da Teoria Crítica), é a conscientização por parte de todos, mas,
principalmente, dos educadores do poder dominador e destruidor do
conhecimento. A práxis educacional deve estar vinculada à formação humana,
social e científica dos sujeitos de modo que estes possam “equipar-se para se
orientar no mundo” sem, entretanto, perder suas qualidades pessoais, mas,
sim, vinculando-as às questões sociais. (Adorno, 2003).

A crença de que a educação escolar é o mecanismo pelo qual os


indivíduos promovem sua liberdade, caminho na busca da emancipação,
aponta uma dicotomia. De um lado há os que acreditam na emancipação como
aquela vinculada à liberdade, livre de ideologias, permitindo posicionamentos
críticos e sujeitos esclarecidos; de outro lado, há os que fundamentam o poder
emancipatório dos indivíduos, nas bases do poder do conhecimento,
vinculando a liberdade do sujeito ao domínio desse conhecimento, seja ele
estritamente especializado ou, em termos mais contemporâneos, globalizado.
O primeiro já foi mencionado nos parágrafos anteriores e apresenta forte
contribuição da Teoria Crítica. O segundo aspecto vincula-se aos princípios
neoliberais da sociedade capitalista moderna.

http://sjvnoticias.com/sala-de-aula-ontem-e-hoje/

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Os autores que defendem a liberdade como decorrente do
conhecimento, do papel que este conhecimento representa no
desenvolvimento das nações, principalmente perante os avanços científicos e
tecnológicos, apontam para a necessidade de que o processo de ensino
escolarizado sofra mudanças e rompa com os modelos tradicionais de ensino.
Neste novo milênio é necessário, no entender destes pesquisadores, que a
escola assuma o papel de formadora de um profissional competente e
habilitado e que esteja preparado para ser “absorvido” o mais rápido possível
pelo mercado de trabalho. No Brasil, as Diretrizes Educacionais, assim como
os Parâmetros Curriculares Nacionais, são evidências claras e concretas desta
nova visão sobre os fins a que nossa educação escolarizada se propõe. Na
mídia, frequentemente, deparamo-nos com slogans, associando a aprovação
no vestibular como indicativo classificatório das instituições de ensino. As
escolas que mais aprovam nos concursos vestibulares são classificadas como
as melhores instituições de ensino. Entretanto, sabemos que a situação não é
bem assim, o vestibular é um parâmetro apenas relacionado ao domínio
momentâneo do conhecimento, sem que isto implique em aprendizado
significativo dos conceitos, além de que ele não avalia todo o processo de
formação humana, social e ética dos indivíduos.

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/lincoln-secco-combater-ideologizacao-em-sala-de-aula-e-censura-sim.html

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Entretanto, não podemos desprezar em sua totalidade a posição destes
teóricos que defendem arduamente o domínio do conhecimento como condição
sine qua non para a emancipação dos indivíduos (aqui o sentido de
emancipação difere do sentido atribuído pelos frankfurtianos), já que a ruptura
que eles defendem para o processo ensino-aprendizagem neste novo século
tem sua validade, principalmente, se considerarmos o ensino da Física na
escola de ensino médio sempre tão preso e arraigado aos algoritmos
matemáticos, com “decorebas” de fórmulas e conceitos, pouco relacionados à
realidade do educando. A defesa é por um ensino mais voltado para a
aprendizagem da busca da informação do conhecimento por parte do aluno,
para que ele descubra por si próprio, ou pelo menos para que não haja
necessidade de que se decore listas intermináveis de nomes e datas que em
nada contribuirão para a formação destes indivíduos.

http://eadplus.com.br/produto/atividades-em-sala-de-aula/

Carlos Seabra (1994), em palestra proferida no Congresso do Educador-


94, sintetiza essa visão funcional do ensino, mencionando que a sociedade
globalizada aponta para mudanças significativas na escola básica, não
havendo mais espaços para que se priorize a simples absorção das

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informações, já que o volume de conhecimento aumenta assustadoramente
neste novo século, sendo impossível que os jovens memorizarem tão
expressivo volume de conhecimentos. Para ele, ao invés de tentar se apropriar
dessa gama imensa de conteúdos é necessário que se aprenda a navegar por
ela, mostrando, também, que a interdisciplinaridade contribui para a interação
entre os conhecimentos das diferentes áreas, permitindo ao estudante interagir
com as informações que antes eram esparsas e, assim, construir seu próprio
conhecimento. O autor destaca que ao profissional do futuro (e o futuro já
começou) cabe a tarefa de aprender, mencionando que executar tarefas
repetitivas caberá aos computadores e robôs, ao homem compete ser criativo,
imaginativo e inovador. Finaliza Seabra, devemos repensar o gap que existe
entre a escola e a empresa, assim como entre os ricos e miseráveis, entre a
produção e a felicidade, como desafio na construção de uma sociedade
humanista e democrática. Nesse processo, a educação tem papel
determinante, como aponta Adam Schaff (apud Seabra), “a educação contínua
há de ser um dos métodos (talvez o principal) capazes de garantir ocupações
criativas às pessoas estruturalmente desempregadas”.

http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2015/09/23/1131385/professor-ensinar-dentro-sala-aula.html

Perante essa complexa questão do ensinar para quê, um novo aspecto


merece ser considerado na discussão e de certo modo poderá encontrar

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pontos em comum com as posições dicotômicas mencionadas nos parágrafos
anteriores: ensinar a pensar. Sem querer recuperar a polêmica instaurada
através do resgate das vertentes mencionadas, podemos amenizar tais
discursos se considerarmos que os fins em que a educação escolar pode e
deve estar centrada é vinculada à construção de mecanismos que favoreçam
ao estudante experimentar e desenvolver o pensamento. Este pode ser
considerado como elemento fundamental para a emancipação dos indivíduos e
um dos propósitos a que o processo ensino-aprendizagem deve dar prioridade,
buscando uma forma verdadeira e correta de pensar.

OBJETIVOS DO ENSINO DA FÍSICA NA


ESCOLA BÁSICA (ENSINO MÉDIO)

http://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/a-importancia-matematica-ensino-fundamental-na-fisica-.htm

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Andrée Tiberghien identifica no sistema educacional francês a
problemática do ensino da Física semelhante ao encontrado no sistema
brasileiro. O estudo do pesquisador francês está relacionado aos propósitos a
que o ensino da Física se destina na educação básica, especificamente no
ciclo final dessa etapa, o que em nosso sistema pode ser identificado como
ensino médio. Para ele, um dos maiores problemas do ensino obrigatório é o
reconhecimento dos objetivos gerais e específicos do ensino da Física que
permitam responder às diferentes finalidades do processo de formação dos
indivíduos, tanto no que diz respeito ao social, ao cultural e ao profissional
(neste sentido, a escolha do curso superior). Sob esta diversidade de
propósitos ao que o ensino médio está vinculado, surgem questões como: se
existem objetivos gerais comuns que possam responder a essas diferentes
finalidades; se o saber científico e as práticas de pesquisa em Física são
suficientes para servir de referência ao ensino, respondendo a esses objetivos
gerais; quais os autores que podem servir de referência. Em outras palavras,
como podemos construir um ensino, que comporte tais elementos
considerados necessários e úteis para o educando, sejam quais forem as suas
opções posteriores.

https://cristianopalharini.wordpress.com/2009/10/28/pcns-de-fisica-ensino-fundamental-ciencias-e-medio/

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Tiberghien mostra que, diferentemente do que ocorre em matemática, na
Física a existência de um núcleo comum é pouco reconhecida socialmente. Em
matemática, esse núcleo sofre certas oposições quanto ao seu conteúdo, mas
quanto à possibilidade de sua existência há consenso social. O caso da Física
é diferente, já que seu ensino na escola básica é recente. Este talvez seja
argumento suficiente para justificar a falta de consenso social sobre quais
elementos possam servir de referência no momento de compor o ensino dessa
disciplina na escola básica.

A situação aponta para a necessidade de explicar as finalidades do


ensino da Física na educação básica, particularmente no ensino médio, já que
a seleção dos conteúdos, a metodologia utilizada, o enfoque abordado, entre
outros elementos que constituem a ação pedagógica do professor, estão
apoiados nessas finalidades e objetivos que são estabelecidos para este nível
de ensino. Mais quais seriam esses objetivos? Tiberghien ao tentar responder
essa pergunta mencionou algumas questões que podem guiar nossa análise.
Para ele: a) O objetivo estaria vinculado ao ensino da disciplina como forma de
domínio dos seus conceitos e fenômenos, proporcionando a formação de
especialistas em Física, a chamada lógica interna da disciplina; b) A Física
seria ensinada como um instrumento para outros fins dados explicitamente; por
exemplo: formar cidadãos esclarecidos, conscientes, etc...; c) Ou ainda,
ensinar Física teria por objetivo obter êxito nos exames vestibulares, que são
concebidos por criação interna do sistema.

http://noticias.universia.com.br/br/images/docentes/e/en/ens/ensino-medio-area-educacao-menor-avanco-
rendimento.jpg

14
O autor acrescenta que uma análise mais específica das finalidades
propostas nos programas atuais de Física nas escolas evidencia a lógica
descrita acima, pois no quadro dos objetivos gerais da educação, o ensino da
Física nas escolas é construído para responder às exigências como: a)
Constituir a formação comum que os estudantes recebem como forma de
cultura geral, de apropriação de conhecimentos, de desenvolvimento de
qualidades associadas à observação, à análise, à imaginação e à habilidade
manual; b) Embasamento para aqueles que desejam se orientar na direção da
aquisição de uma qualificação profissional determinada, permitindo que, no
momento oportuno, tais estudantes apresentem uma bagagem científica
indispensável para a pretensão dos estudos específicos.

O diagnóstico aponta para uma preocupante situação ao constatar que a


finalidade do ensino da Física na escola básica ainda parece não estar bem
explicitada para os especialistas em educação. Pesquisadores da área do
ensino de ciências (Física) têm evidenciado a necessidade de que tais
objetivos sejam claramente apontados e definam em melhor proporção o
ensino dessa disciplina.

http://cdn.mundodastribos.com/448163-O-Programa-Ensino-M%C3%A9dio-Inovador-1.jpg

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O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM: A
CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA

A psicologia, através das teorias de aprendizagem, oferece um


importante viés pelo qual podemos refletir o ensino da Física, principalmente na
perspectiva das dificuldades apresentadas pelos estudantes na compreensão
dessa ciência. Mesmo que a referência da psicologia sejam estudos voltados
para o processo de aprendizagem, através das teorias de aprendizagem, é
importante destacar que a nosso ver, elas acabam influenciando outros
aspectos relacionados ao ensino, como as estratégias e metodologias
utilizadas no ensino, bem como influenciam os materiais instrucionais
elaborados e empregados no ensino.

Assim, discutir o ensino da Física não exime da necessidade de refletir o


papel que as teorias de aprendizagem vêm exercendo nessa área.

http://www.bastosmaia.com.br/noticias/os-diferentes-estilos-de-aprendizagem/

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Silva (2004) menciona que o sistema educacional brasileiro na metade
do século XX, estava sob forte influência do sistema americano de educação,
segundo o qual as escolas estavam eram vistas como empresas, em que elas
especificavam as características de seu produto e que resultados pretendiam
obter, estabelecendo métodos para obtê-los de forma precisa. Nesse sentido,
falava-se em priorizar resultados no sistema educacional, impregnando essa
visão nos diferentes mecanismos que envolvem o processo ensino-
aprendizagem, desde os materiais instrucionais como os livros-didáticos e
manuais de ensino (muito frequentes na época) até os métodos de ensino
utilizados em sala de aula. O termo vigente na época, nos Estados Unidos, e
consequentemente no Brasil, era a instrução programada, o reforço positivo,
cujos enfoques dominaram o ensino nas diferentes disciplinas curriculares,
inclusive no ensino da Física. A situação esteve presente no sistema
educacional brasileiro nas décadas de 1960 e 1970, nos quais muitos dos
professores que atuam hoje no ensino, principalmente nas universidades
brasileiras, tiveram sua formação.

http://porvir.org/3-beneficios-da-aprendizagem-colaborativa/

A teoria de aprendizagem que imperava nos sistema educacional foi


proposta por Skinner, psicólogo americano, que apoiava seus pressupostos na
valorização dos mecanismos que resultariam no comportamento observável

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dos indivíduos, não considerando o que ocorre na mente desses indivíduos.
Para ele, a aprendizagem ocorre devido ao reforço, à repetição, desta forma o
ensino deveria criar condições para que as respostas fossem dadas inúmeras
vezes. Ao professor cabia à tarefa de proporcionar tais mecanismos de reforço,
criando situações de repetição tantas vezes quantas fossem necessárias até
que o aluno exibisse o comportamento desejado (Moreira, 1999). Esse enfoque
foi usado de forma quase unânime no ensino da Física naquela época, pois as
estratégias e metodologias utilizadas pelos professores estavam
essencialmente condicionadas a criar mecanismos de respostas e a repeti-las
tantas vezes quantas fossem necessárias. A presença de Skinner ainda é forte
no ensino da Física, podendo ser identificada nas apostilas e livros didáticos de
Física que apresentam um modelo de exercício resolvido e a seguir uma lista
interminável de outros, favorecendo a aprendizagem por repetição, por reforço.

https://lh6.googleusercontent.com/_52IYGGEl0hTHK1sYySDm_PPrT_HxhCgxFxO8szeGODUkIHs4kDGJ6rTkbrbR_Zc
XUo=w506

Entretanto, o método skinneriano de ensino e de aprendizagem, acabou


sendo questionado ainda na década dos 70, permitindo que novas teorias de
aprendizagem fossem pesquisadas e vinculadas ao ensino da Física,
principalmente no final dessa década e inicio dos anos 80. Os principais
fundamentos para esses estudos direcionaram-se para a valorização dos

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processos mentais, relacionando-se a construção do conhecimento às
denominadas teorias de aprendizagem construtivistas. No ensino da Física,
começam a aparecer trabalhos vinculados às teorias de Jean Piaget, David
Ausubel e Lev Vygotsky, entre outros, como forma de propor alternativas para
o processo ensino-aprendizagem. Esse novo enfoque no campo da psicologia
permanece presente ainda hoje, sofrendo pequenas variações, mas sempre
tendo como referência o processo de construção do conhecimento. A
aprendizagem, dentro desse enfoque, centra-se no educando, na sua
capacidade de ler e interpretar o mundo, ultrapassando a ênfase dada pelos
behavioristas, como Skinner, segundo o qual a importância estaria na
capacidade do aluno para dar respostas. Entretanto, essa alternativa
apresentada pelos pesquisadores, trouxe várias interpretações de acordo com
o teórico considerado, apontando elementos diferentes para o processo ensino-
aprendizagem da Física. Neste sentido, os autores passaram a ser estudados
e associados ao ensino desta ciência, sob diferentes enfoques, tendo sempre
como elemento central a capacidade do aluno de aprender a aprender, de
construir seu próprio conhecimento.

http://www.ciclosdavida.net/?page_id=294

As contribuições de Jean Piaget ao ensino ocorreram de diferentes


formas, dentre as quais é necessário destacar a influência de seu pensamento
na elaboração e organização curricular do sistema educacional brasileiro, cujo

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referencial passou a ser os períodos de desenvolvimento mental. A presença
dos estudos piagetianos na estrutura do ensino brasileiro, remeteu o ensino da
Física às séries mais avançadas, pois, de acordo com Piaget, essa ciência
necessitava do pensamento formal, etapa presente nos estudantes a partir dos
doze anos de idade, aproximadamente. Assim, a Física passou a integrar os
currículos na etapa final do ensino fundamental, pois na perspectiva de vários
pesquisadores apoiados nos trabalhos de Piaget, antes seria difícil que o aluno
estivesse em condições de construir e elaborar os conceitos relacionados à
Física. Fortemente imbuídas desse pensamento piagetiano, Kamii e Devries
(1985), apontam a inviabilidade de ensinar conceitos científicos de Física na
etapa inicial de escolarização, pois a criança nessa idade, não estaria em
condição de compreender tais conhecimentos, pelo menos não da mesma
maneira que o adulto, cujo pensamento formal já estaria desenvolvido. Nas
palavras das autoras: “...a educação científica basicamente descarrega sobre
as crianças o conteúdo organizado do adulto” (p. 21).

http://penta.ufrgs.br/~luis/Piaget/Glossario/Indice.htm

Outras teorias de aprendizagem aparecem neste período, sempre


buscando favorecer o processo de aprendizagem dos estudantes, direcionando
o foco de suas pesquisas para os processos que permitam aos estudantes se

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apropriarem do conhecimento. Ausubel e Novak são outros autores que
merecem ser destacados nessa retrospectiva histórica, pois representam
importantes referenciais para o processo ensino-aprendizagem da Física. Os
fundamentos das teorias propostos pelos autores, principalmente por Ausubel,
apresentavam a associação da aprendizagem ao significado de organização e
integração do material na estrutura cognitiva do aprendiz. Para Ausubel, o fator
isolado que mais influencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já sabe,
cabendo ao professor identificá-lo e ensinar de acordo (MOREIRA, 1999). O
conceito central desta teoria é a aprendizagem significativa, conforme
menciona Moreira: trata-se de “um processo por meio do qual as novas
informações relacionam-se com um aspecto especificamente relevante da
estrutura de conhecimento do indivíduo, ou seja, este processo envolve a
interação da nova informação com uma estrutura de conhecimento específica,
a qual Ausubel define como conceito subsunçor, ou simplesmente subsunçor,
existente na estrutura cognitiva do indivíduo”, (1999, p. 153). No ensino da
Física, Ausubel é citado como referência, já que muitos dos exemplos expostos
pelo autor nas suas obras estavam frequentemente vinculados ao processo de
aprendizagem dos conteúdos da Física. Essa identificação de Ausubel com a
aprendizagem dos conceitos e fenômenos da Física, levou vários
pesquisadores desta área de ensino a considerarem a teoria ausubeliana nos
seus estudos. Moreira, por exemplo, apoiou suas pesquisas na aprendizagem
significativa, ideia decorrente da teoria ausubeliana, possibilitando uma
importante reflexão no ensino da Física no Brasil nos últimos anos. O
pesquisador através de seus estudos e publicações delineou uma nova
perspectiva para o ensino da Física, tendo como referência a aprendizagem
significativa, segundo a qual há necessidade de se considerar a existência de
informações na estrutura cognitiva do aprendiz para que as novas informações
sejam apoiadas nessas estruturas.

Moreira (1999) ilustra a situação mencionando que os conceitos de


campo e força, por exemplo, já existem na estrutura cognitiva do aluno, e que
deverão servir de âncora (subsunçores) para as discussões sobre os conceitos
de força e campo nas suas diferentes variações. Estas informações que já
existem pode ser uma simples ideia mesmo intuitiva, lembra Moreira, porém,

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na medida em que os novos conceitos forem sendo aprendidos de maneira
significativa, resultará num crescimento e na elaboração dos conceitos
subsunçores iniciais, isto é, “os conceitos de força e campo ficariam mais
elaborados, mais inclusivos e mais capazes de servir de subsunçores para as
novas informações relativas a força e campo, ou correlatos” (1999, p. 154).

Recentemente os trabalhos de Vygotsky chegaram ao Brasil e passaram


a influenciar estudos na área do ensino da Física. Os princípios que
fundamentam a teoria de Vygotsky estão associados à influencia do social no
processo de aprendizagem, diferenciando-se de outros construtivistas, como
Piaget, por acrescentar o contexto social e cultural no qual o aprendiz está
inserido, como fator determinante na sua aprendizagem, principalmente
quando relacionado à aprendizagem escolar. Um dos pilares que sustenta a
teoria vygotskyana e que influencia a opção por sua adoção nos estudos
relacionados ao ensino da Física é a asserção de que os processos mentais
superiores do indivíduo têm origem em processos sociais (Moreira, 1999).
Como decorrência desta visão, o processo de formação de conceitos
(fundamental para a aprendizagem escolar) sofre influência direta do meio
social e cultural no qual o indivíduo está inserido. Neste sentido, os
conhecimentos prévios que os alunos trazem para a escola são elementos
primordiais para a discussão e posterior apropriação pelos educandos dos
conhecimentos científicos (próprios do ambiente escolar).

http://vygotskynoaprendizadoescolar.blogspot.com.br/

22
Faz-se necessário acrescentar que a teoria de Vygotsky mostra uma
aproximação com as teorias críticas de educação, apresentando suas raízes no
marxismo. Considerando o novo dimensionamento que vem sendo dado ao
ensino nestes últimos anos, o qual aponta para a necessidade de que o
conhecimento desenvolvido em ambiente escolar avance mais no sentido de
proporcionar uma formação crítica e humana dos indivíduos. Vygotsky, desta
forma, passou a ser mencionado com frequência nas pesquisas relacionadas à
educação, de um modo geral, e ao ensino da Física, de um modo particular.

O processo ensino-aprendizagem: a dimensão epistemológica

http://metaprendiz.blogspot.com.br/

Do ponto de vista da construção do conhecimento científico, a história da


ciência tem mostrado que o ensino da Física sofre mudanças significativas no
seu percurso, dependendo das bases nas quais os pesquisadores buscam
seus fundamentos. A reflexão sobre o processo de produção das teorias na

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Ciência requer, primeiramente, discutir o que se entende por Ciência. De
acordo com Aurélio Ferreira (1988), ciência é conhecimento; conjunto
organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto,
especialmente os obtidos mediante a observação, experiência dos fatos e um
método próprio; soma dos conhecimentos humanos considerados em conjunto.
Na perspectiva de Ernest Cassirer, ciência é criação humana, aspecto da
humanidade do homem. Entretanto, não se trata de definir ciência, mas de
compreender sua constituição e sua operacionalização. Nessa perspectiva,
discute-se o processo de produção do conhecimento científico de modo a
evidenciá-lo como uma atividade humana historicamente contextualizada e que
se faz presente no processo ensino-aprendizagem.

Ao longo da história, percebem-se correntes de pensamento diferentes,


concorrendo na busca por validar esse conhecimento científico, entre as quais
duas têm se destacado: o empirismo e o racionalismo. Tais correntes
filosóficas têm liderado o rol de ensaios produzidos nos últimos anos no que
concerne ao ensino da Física. Alguns pesquisadores têm procurado
fundamentar seus trabalhos em pressupostos relacionados à produção do
conhecimento, justificando que as estratégias de ensino, a metodologia
utilizada na ação pedagógica, identifica-se com questões epistemológicas
associadas às concepções que o professor tem da Ciência. Assim, ensinar
Ciência (Física) a partir dos pressupostos da construção ou reconstrução dos
conhecimentos científicos é reconhecer a importância da história da Ciência na
evolução do pensamento humano.

24
http://www.dsvc.com.br/wp-content/uploads/2013/03/alunos-do-primeiro-ano-do-ensino-medio-em-aula-de-matematica-
na-escola-estadual-professor-wolny-carvalho-ramos-1349716212436_615x300.jpg

O empirismo, enquanto concepção epistemológica, pressupõe que a


origem do conhecimento é uma experiência sensível (Severino, 2000). Ele está
fortemente ligado aos trabalhos de Francis Bacon no século XVI e XVII, que
considerava a observação e os sentidos as únicas fontes efetivas do
conhecimento, caracterizando-se por fundar todo conhecimento sobre os dados
sensoriais. Preconizava o método indutivo segundo o qual se parte da
observação de uma situação particular para, posteriormente, generaliza-lo,
tendo a ideia principal girando em torno da neutralidade dessa observação.
Segundo essa corrente de pensamento, a Física não tem status de certeza
absoluta, como afirma Japiassú (1981): “O espírito só pode estabelecer entre
coisas, relações prováveis, vale dizer, relações susceptíveis de serem
confirmadas por uma observação repetida, sem que tenhamos a certeza de
que sejam universais e necessárias” (p. 8). Assim, é necessário que sejam
realizadas várias observações sobre um mesmo fenômeno, pois a regularidade
na repetição é indicativa da existência de uma propriedade geral que poderá
levar à formulação de uma teoria.

http://citacoes.in/autores/francis-bacon/

25
A segunda corrente filosófica, o racionalismo, preconiza a razão como
sendo a fonte de validade do conhecimento. Segundo Japiassú (1981), “o
mundo obedece a leis simples, redutíveis às matemáticas e, portanto,
cognoscíveis apenas como raciocínios lógicos” (p. 8). Descartes foi o
responsável pela difusão dessas ideias no século XVI e XVII, sendo conhecido
pelas famosas afirmações: “Jamais devemos admitir alguma coisa como
verdadeira a não ser que a conheçamos evidentemente como tal” e “Penso,
logo existo”. Ele tinha como meta a busca de uma verdade primeira que não
pudesse ser posta em dúvida, considerando que o único modo de se construir
Ciência e também sabedoria de vida era seguindo a razão, tal qual pode ser
visto nos detalhamentos da Matemática.

Por mais que as correntes filosóficas do empirismo e do racionalismo


concorram entre si, há de se considerar pontos em comum entre elas.
Conforme Hokheimer e Adorno (1991), “ainda que as diferentes escolas
interpretem os axiomas de diferentes maneiras, a estrutura da ciência unitária é
sempre a mesma” (p. 6). Tomando-se por referência o século XX, pensadores
no campo da epistemologia e da filosofia direcionaram seus estudos na
tentativa de buscar uma compreensão epistemológica da produção do
conhecimento segundo a perspectiva racionalista, cada um sob a sua óptica,
compartilhando entre si que o conhecimento é fruto da interação não neutra
entre sujeito e objeto.

http://www.heathwoodpress.com/history-freedom-lecture-notes-1964-65-theodor-adorno/

26
A análise epistemológica realizada por distintos filósofos da ciência, tem
apontado para uma nova dimensão na compreensão da Ciência, envolvendo
aspectos de compreensão dos problemas do conhecimento. Neste sentido, a
Física moderna exigiu uma nova visão epistemológica diferente daquelas
associadas à Ciência clássica, de caráter positivista, que tem na neutralidade
do sujeito um dos pressupostos básicos (Delizoicov, 2002). È necessário
envolver o sujeito no percurso das observações e interpretações, como prevê a
Física moderna. Dentre os principais epistemólogos do século XX, que
analisam o conhecimento sob estas diferentes facetas, três nos chamam a
atenção por serem particularmente importantes para o ensino da Física, sendo
inclusive mencionados em diversos trabalhos relacionados ao ensino desta
ciência. Thomas S. Kuhn, Karl Popper e Gaston Bachelard discutem a natureza
do conhecimento humano, sob a perspectiva da interação não neutra entre
sujeito e objeto e, ainda, estabelecem relações com o processo ensino-
aprendizagem da Física, mesmo que cada um interprete o ato gnosiológico à
sua maneira, assumindo posturas epistemológicas distintas, mas igualmente
centradas na inconsistência do pressuposto da neutralidade epistemológica do
sujeito.

http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/educacao-e-midia/2016/03/

Thomas Kuhn, físico e epistemólogo, propõe uma nova visão da Ciência,


sendo precursor das ideias acerca do desenvolvimento científico. Para ele, não
existia observação neutra de um fenômeno, pois toda observação é antecedida

27
por uma teoria. Propôs a existência de períodos de ciência normal no qual o
trabalho científico se desenvolveria conforme parâmetros estabelecidos em
função do contexto que o conhecimento da época permitiria, ou seja, a Ciência
normal não visava fazer emergir novos fenômenos, ao contrário, ela estaria
dirigida para responder àqueles fenômenos e teorias previamente
estabelecidos. Em outras palavras, o período de Ciência normal é desenvolvido
a partir de paradigmas. Paradigma é considerado o conceito fundamental da
teoria kuhniana, cujo significado foi esclarecido por Kuhn no posfácio da sua
obra “Estrutura das revoluções científicas”, de 1969. Segundo Kuhn, o termo
paradigma tem um duplo sentido: um geral e outro restrito. Geral no sentido de
designar crenças, valores, técnicas partilhadas pelos membros de uma
comunidade específica; restrito por referir-se às soluções de problemas como
os encontrados em uma situação restrita, aqueles que normalmente os alunos
encontram ao realizarem atividades sem o auxílio do professor encarando um
novo problema (situações de laboratório ou provas, por exemplo) como se
fosse conhecido. Tais paradigmas, sejam no sentido geral seja no restrito, são
substituídos à medida que um novo paradigma seja estabelecido,
proporcionando períodos de transição, o que Kuhn denominou revolução
científica. Com isso, o autor mostrou que as teorias emergem após o fracasso
de outras, evidenciando a necessidade de que a ciência seja constantemente
revista, desprovendo-a, pois, da ideia de conhecimento cumulativo e
linearizado.

http://www.fisica.net/monografias/Epistemologias_do_Seculo_XX.pdf

28
Karl Popper, filósofo austríaco, propôs que todo conhecimento é passível
de correções, sendo, assim, provisório. Para ele, uma teoria nunca é
empiricamente verificável no sentido de que seja considerada correta.
Considera que uma única constatação experimental pode ser suficiente para
derrubar uma teoria, entretanto essa jamais pode ser estabelecida em função
de observações, por maior que seja o número delas. Toda observação é
antecipada por uma prévia teoria, portanto, não é neutra. Popper acreditava
que todo conhecimento científico é criado, inventado, construído com objetivo
de descrever, compreender e agir sobre a realidade: “Desde a ameba até
Einstein, o crescimento do conhecimento é sempre o mesmo: tentamos
resolver novos problemas e obter, por um processo de eliminação, algo que se
aproxime da adequação em nossas soluções experimentais” (Popper, 1975, p.
239). Nesse sentido, Popper mostrou que a cada novo conhecimento existe um
anterior, do qual foram extraídas questões investigativas na busca por
respostas sobre a realidade.

http://eaesp.fgvsp.br/sites/eaesp.fgvsp.br/files/arquivos/eaesp-estrategia-global-e-confucionismo-sexta-feira.jpg

Gaston Bachelard, cientista e filósofo francês, crítico da concepção


empirista, discute o conhecimento científico com base nos conceitos de ruptura
e obstáculos epistemológicos. Por ruptura ele entende a descontinuidade que
ocorre entre o conhecimento comum (primeiro) e o conhecimento científico
(elaborado); essa ruptura exige a superação de obstáculos epistemológicos,
que, por sua vez, estão relacionados com perturbações geradas pelo
conhecimento, representando uma resistência ao próprio conhecimento, são
inerentes ao ato de conhecer. A opinião é considerada por Bachelard o
29
primeiro obstáculo porque a “opinião pensa mal” e “um obstáculo
epistemológico se incrusta no conhecimento não questionado” (Bachelard,
1983, p. 148). Para este autor, o progresso do conhecimento científico deve ser
constantemente corrigido, não em função de experiências malsucedidas, mas
como princípio fundamental que sustenta e dirige o conhecimento, sendo
responsável por impulsionar os avanços e conquistas da Ciência. Os
obstáculos podem, assim, ser compreendidos através de uma dupla ação:
como freio e motor do progresso no desenvolvimento interno da Ciência.

Com esta retomada nos trabalhos dos epistemólogos, ressalta-se a


importância para a prática pedagógica do professor, especificamente de Física,
da reflexão em torno da natureza do conhecimento científico, mostrando a
sintonia que deve haver entre o processo ensino-aprendizagem e as
concepções sobre a natureza do conhecimento. As pesquisas desenvolvidas
nestes últimos anos relacionadas ao ensino da Física, têm apontado para a
necessidade de considerar o aluno enquanto sujeito ontológico e epistêmico,
como destaca Delizoicov (2002), “... a localização do aluno, relativamente aos
domínios espacial, temporal e cultural, implica o fato de ele estar interagindo
com um meio mais amplo do que o escolar e exige que não o consideremos,
do ponto de vista da cognição, como uma ‘tabula rasa’ que vai interagir com
objetos do conhecimento somente na perspectiva da educação escolar” (p.
186).

http://www.univasf.edu.br/~cpgef/

30
O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM:
ASPECTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS

http://cursosdosenac.com.br/wp-content/uploads/2012/07/planejamento-e-avalia%C3%A7%C3%A3o-no-processo-de-
ensino-e-aprendizagem-no-senac.jpg

Discutir a ação pedagógica do professor envolve necessariamente


discutir aspectos didático-metodológicos do processo ensino-aprendizagem.
Neste sentido, faz-se menção à didática das ciências como viés
frequentemente utilizado nas pesquisas no ensino da Física, nestes últimos
anos, pois fornecem um insight de como se efetiva o processo de ensino-
aprendizagem no âmbito da sala de aula, já na esfera do professor. Por
considerar que as estratégias de ensino, assim como a metodologia utilizada
na abordagem dos conteúdos, pertencem aos domínios do professor, como
discute Chevallard (1991), na didática francesa, a pesquisa no ensino da Física
tem direcionado seus enfoques para o uso de estratégias de ensino que
facilitem a compreensão dos conceitos e fenômenos da Física. Ou seja, as
metodologias frequentemente utilizadas pelos professores no ensino, nos
diferentes níveis de escolaridade, apontam na direção de contribuírem para o
processo ensino-aprendizagem.

31
http://videoaula.cefac.br/ew.curso.id/25/prnt.jpg

Recorrendo a história das pesquisas e das investigações relacionadas


ao ensino e à aprendizagem da Física, constatasse uma tendência em
fundamentá-las teoricamente segundo elementos relacionados à psicologia
cognitivista, principalmente no campo das teorias construtivistas, a concepção
epistemológica da Ciência e a modelos didáticos baseados na relação entre os
conhecimentos científicos e os conhecimentos prévios dos alunos. Porém,
Astolfi e Develay (1995) relacionam a ação pedagógica do professor a
questões vinculadas à sua epistemologia, que é diferente da epistemologia da
Ciência, embora ligada a ela, pois estaria relacionada ao conjunto de crenças e
valores que direcionam a didática do professor. A ideia desses autores oferece
elementos importantes e promissores na investigação e na análise da ação
pedagógica docente, principalmente no âmbito dos processos de abordagem
didática dos conteúdos.

Diante da situação que é de autonomia do professor, a sua posição


epistemológica sofre uma associação com questões de cunho didático, mas
não com a didática geral, que na perspectiva de Nerici (1989) é entendido
como conjunto de recursos destinados a direcionar a aprendizagem do
educando, mas com a didática das ciências. Esta por sua vez, ocupa-se de
questões mais especificas dos saberes de referência, da sua estrutura, sua

32
epistemologia e sua história (Astolfi e Develay, 1985, p.10). Na epistemologia
da prática educativa, pode ser identificado o conjunto de valores e crenças que
direcionam o professor a uma visão pessoal da Ciência a ser ensinada. Nesse
sentido, Joshua e Dupen (1993) mostram que o ensino da Física tem a
dimensão “da Física do professor” diferente daquela do físico. Decorrendo daí
as distorções que vão sendo constatadas no ensino escolar.

33
BIBLIOGRAFIA

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36
LEITURA COMPLEMENTAR

Autor: João Zanetic

Disponível em:

http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v57n3/a14v57n3.pdf

Acesso: 9 de junho de 2016

FÍSICA E CULTURA

João Zanetic

João Zanetic é professor doutor do Departamento de Física

Experimental do Instituto de Física da USP. Atua no Programa de

Pós-Graduação Interunidades de Ensino de Ciências, do qual

fazem parte os institutos de Física e Química e a Faculdade de

Educação da Universidade de São Paulo.

37
Quando se fala em cultura, raramente a física comparece na

argumentação. Cultura é quase sempre e vocação de obra literária, sinfonia ou

pintura; cultura erudita, enfim. Tal cultura, internacional ou nacional, traz à

mente um quadro de Picasso ou de Ta rsila, uma sinfonia de Be e t h oven ou

de Villa Lobos, um romance de Dostoiévski ou de Machado de Assis, enquanto

que a cultura popular faz pensar em capoeira, num samba de Noel ou num

tango de Gardel. Dificilmente, porém, cultura se liga ao teorema de Godel ou às

equações de Maxwell!

Sugerindo abordagens para modificar essa situação, este texto examina

o tema “Física e Cultura” na escola, no contexto social e, principalmente, na

literatura, vinculando-o à figura de Albert Einstein (1879-1955) no centenário de

seu annus mirabilis.

FÍSICA E CULTURA NA ESCOLA

Um cidadão contemporâneo é ensinado que a física é esotérica, que

nada tem a ver com a vida atual e que não faz parte da cultura. Com exceção

de experiências isoladas que professores levam para suas salas de aula,

muitas vezes decorrentes da pesquisa em ensino de física desenvolvida no

país, no geral a física é mal ensinada nas escolas. O ensino de física

dominante se restringe à memorização de fórmulas aplicadas na solução de e

xe rcícios típicos de exames ve s t i b u l a res. Pa r a mudar esse quadro o

ensino de física não pode prescindir, além de um número mínimo de aulas, da

conceituação teórica, da experimentação, da história da física, da filosofia da

ciência e de sua ligação com a sociedade e com outras áreas da cultura. Isso f

38
a vo receria a construção de uma educação problematizadora, crítica, ativa,

engajada na luta pela transformação social.

Um fator determinante no encaminhamento de um jovem para o

encantamento com o conhecimento, para o estabelecimento de um diálogo

inteligente com o mundo, para a problematização consciente de temas e

saberes, é a vivência de um ambiente escolar e cultural rico e estimulador, que

possibilite o desabrochar da curiosidade epistemológica. Como ensinava Paulo

Freire:

“Não é a curiosidade espontânea que viabiliza a tomada de distância

epistemológica. Essa tarefa cabe à curiosidade epistemológica – superando a

curiosidade ingênua, ela se faz mais metodicamente rigorosa. Essa

rigorosidade metódica é que faz a passagem do conhecimento ao nível do

senso comum para o conhecimento científico. Não é o conhecimento científico

que é rigoroso. A rigorosidade se acha no método de aproximação do objeto”.

(1)

No mais importante documento autobiográfico, escrito por volta de 1946,

quando Einstein se aprox i m a va dos 70 anos, encontramos e xemplos de

suas curiosidades epistemológicas – a agulha da bússola, aos 5 anos, a

geometria plana de Euclides, aos 12 anos, e a perseguição a um raio luminoso,

aos 16 anos – que o estimularam a explorar o mundo do conhecimento e lhe

imprimiram na mente a convicção de que “devia haver algo escondido nas

profundezas das coisas”. (2)

Nessa mesma autobiografia, Einstein apresentava uma crítica à educação,

ainda válida para hoje e para o futuro:

39
“(...) como estudantes, éramos obrigados a acumular essas noções em

nossas mentes para os exames. Esse tipo de coerção tinha (para mim) um

efeito frustrante. (...) Na verdade, é quase um milagre que os métodos

modernos de instrução não tenham exterminado completamente a sagrada

sede de saber, pois essa planta frágil da curiosidade científica necessita, além

de estímulo, especialmente de liberdade; sem ela, fenece e morre. É um grave

erro supor que a satisfação de observar e pesquisar pode ser promovida por

meio da coerção e da noção de dever.” (3)

FÍSICA E CULTURA NO CONTEXTO SOCIAL

No período histórico que se seguiu aos efeitos sociais e econômicos

decorrentes das grandes n a vegações, ao contrário do que ocorreu no período

feudal que prescindia da ciência, o desenvolvimento da física foi marcante para

a nascente burguesia mercantil. Esse cenário influiu também na forma de

trabalho e comunicação entre os cientistas desse período, provocando uma

brusca mudança na prática científica. Se até a época de Kepler (1571-1630) e

Galileu (1564-1642) os cientistas trocavam poucas informações entre si, com o

advento das sociedades científicas uma verdadeira revolução na troca de

informações, nas discussões, nos desafios, alterou profundamente o

relacionamento entre os cientistas. As ciências naturais, particularmente a

física, começaram a se transformar numa verdadeira instituição social, se bem

que ainda longe do status que os cientistas iriam atingir a partir do século XIX.

Robert Merton (1910-2003) considera determinante a relação entre a

física e a economia na Inglaterra do século XVII. Menciona que alguns dos

40
nomes mais ilustres da ciência daquele século estava m interessados no

“cultivo da teoria e da prática”, entendida esta última como a solução de

problemas práticos que se traduziam nas “inovações que pudessem melhorar o

comércio, a mineralogia e a técnica militar”. Entre os inúmeros cientistas desse

período destacam-se Boyle (1627-1691), Huyghens (1629-1695) e Newton

(1642-1727). Merton destaca os problemas relacionados com os meios de

transporte, vitais para a proliferação e o crescimento das empresas do

capitalismo nascente. Com o aumento das viagens por mar, a determinação

precisa da latitude e longitude tornava-se de importância c rucial. A indústria da

mineração aplicou o estudo das máquinas simples para a elevação do minério

para a superfície e a hidrostática para o bombeamento de água do fundo das

minas. A indústria militar dependia do domínio da mecânica dos projéteis, do

estudo da resistência dos materiais e do movimento nos meios resistentes. (4)

Paralelos semelhantes são encontrados ao longo da Re vo l u ç ã o

Industrial dos séculos XVIII e XIX, sem esquecer o incrível papel que a física

desempenhou nas transformações ao longo do século XX. Tudo isso levou

Merton a afirmar o seguinte:

“É fácil constatar que a ciência é uma força dinâmica de mudança social,

embora nem sempre de mudanças previstas ou desejadas. De vez em quando

até os físicos saíram dos seus laboratórios para reconhecer, com orgulho e

surpresa, ou para repudiar, com horror e vergonha, as consequências sociais

de seu trabalho. A explosão da primeira bomba atômica sobre Hiroshima nada

mais fez que comprovar o que todo o mundo sabia. A ciência tem

consequências sociais.”(5) Embora a ligação da ciência com a base econômica

41
e social seja crucial para a compreensão do seu papel cultural, não cabe neste

artigo aprofundar essa temática mas tão somente problematizá-la, no sentido

de sua utilização em um ensino de física que seja crítico e instrumental

conforme mencionado anteriormente. Vale a pena fechar esta seção com mais

uma lembrança a Einstein que, em 1948, devido aos armamentos nucleares,

escreveu:

“Nós cientistas, cujo trágico destino tem sido ajudar a pro d u z i r

métodos de aniquilamento cada vez mais horríveis e eficazes, precisamos

considerar que é também nosso solene e transcendente dever fazer tudo que

pudermos para evitar que essas armas sejam usadas no brutal propósito para

o qual foram inventadas”. (6)

FÍSICA E CULTURA NA LITERATURA

Um precursor da aproximação entre física e literatura foi o físico e

escritor inglês Charles P. Sn ow (1905-1980) que, há cerca de 40 anos, sugeria

que a separação entre as comunidades de cientistas e escritores dificultava a

solução de diversos problemas que envolviam a humanidade à sua época. Ele

salientava que essa separação trazia implicações de natureza ética,

epistemológica e educacional. Embora muitas das premissas do seu ensaio

precisem ser reavaliadas em função do desenvolvimento das últimas quatro

décadas, creio que parte significativa de suas ideias deve permanecer na

agenda de educadores, cientistas e humanistas. Snow argumentava que uma

aproximação entre as duas culturas era essencial para possibilitar um eficaz

diálogo inteligente com o mundo. (7)

42
Para estabelecer esse diálogo é preciso que o leitor domine de forma

competente a leitura e a escrita, portanto a literatura deve ter um papel de

destaque na formação do cidadão contemporâneo. Recentes avaliações

internacionais do nível de leitura e escrita situaram o Brasil numa posição

bastante lamentável. (8) A crise de leitura afeta também os países

desenvolvidos, como exemplifica pesquisa realizada, em 2002, nos Estados

Unidos, pela National Endowment for the Arts, que concluiu: “Pela primeira vez

na história moderna, menos da metade da população adulta lê literatura”. (9)

Todo professor, independente da disciplina que ensina, é professor de leitura e

esta pode ser transformada numa atividade interdisciplinar envolvendo os

professores de física, português e história. O historiador da ciência David

Knight sugere a história da ciência como a cola para acoplar as duas culturas.

(10) No período histórico que antecedeu de alguns séculos a época de Kepler e

Galileu, quando a visão científica dominante era baseada na ciência

aristotélica, destaca-se o poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321) com seu

poema A divina comédia. O para í s o de Dante é formado por nove céus

concêntricos girando em torno da Terra imóvel no centro do u n i verso,

segundo o paradigma aristotélico-ptolomaico. Um extrato do canto XXVII ilustra

essa influência:

“As partes deste céu são tão uniformes,

que eu não posso dizer qual Beatriz

escolheu para meu lugar.

Mas ela, que via o meu desejo de saber,

43
começou, sorrindo tão alegre, que no seu rosto

parecia regozijar-se o próprio Deus:

deste céu começa a natureza do mundo como do seu

princípio, fazendo que a Terra seja firme no centro

do universo e as outras partes em torno se movam”. (11)

A mesma influência aristotélico-ptolomaica encontramos no poema Os

lusíadas, de Camões, escrito na segunda metade do século XVI. (12) Já na

obra do poeta e professor de ciências inglês John Milton (1608-1674)

comparece tanto a presença da visão de mundo geocêntrica aristotélica quanto

da heliocêntrica copernicana, ainda em disputa naquela época. Milton foi

influenciado pela cultura italiana do Renascimento, tendo contato com Galileu,

em 1638, quando este esteve preso a mando da Inquisição. No seu poema O

paraíso perdido, publicado em 1667, Milton apresenta sua visão religiosa ,

política, social e científica do mundo. A interação entre Galileu e Milton pode

fornecer uma rica fonte de recursos de conteúdos científicos, literários e

históricos para uma atividade interdisciplinar na escola. Hugh Henderson

destaca que ambos foram atacados, censurados e condenados pelos donos do

poder: Galileu pelos seguidores do papa Urbano VIII e pela Inquisição e Milton

pela monarquia e pela censura inglesa. Ambos tiveram seus escritos proibidos

e foram presos, Galileu por nove anos e Milton por alguns meses. (13) Ei s um

exemplo do poema, extraído do livroVII, onde o anjo Rafael responde a Adão a

respeito do movimento dos céus:

44
“Mas que essas coisas sejam ou não assim; que o Sol,

dominando o céu, se erga sobre a Terra, ou que a Terra se

erga sobre o Sol; que o Sol comece no oriente o seu curso

ardente, ou que a Terra avance do ocidente a sua carreira

silenciosa, com passos inofensivos, e durma no seu eixo

suave enquanto caminha num passo igual a ti transporta

delicadamente, com a atmosfera tranquila (...)”. (14)

Vários escritores e estudiosos da linguagem, da literatura e da semiótica

se preocupam em entender essa impregnação mútua entre física e literatura.

São significativos os estudos de Edgar Allan Poe (18091849), Émile Zola

(1840-1902) e Umberto Eco, entre outros, que serão mencionados a seguir.

Eco, ao analisar o período correspondente aos séculos XVI-XVII,

caracterizado pelo desenvolvimento da física de Kepler e Ga l i l e u , afirma

que “(...) a poética do Ba r roco reage a uma nova visão do cosmo introduzida

pela revolução copernicana, sugerida quase em termos figurativos pela

descoberta da elipticidade das órbitas planetárias por Kepler – descoberta que

põe em crise a posição privilegiada do círculo como símbolo de perfeição

cósmica. Assim como a pluriperspectiva da construção barroca se ressente

desta concepção – não mais geocêntrica e, portanto, não mais antropocêntrica

– de um universo ampliado rumo ao infinito (...)”. (15)

45
Embora Kepler tenha um texto publicado postumamente, em 1634, três

décadas antes de O paraíso perdido, cabe mencioná-lo aqui como o precursor

da ficção científica, que influenciaria inúmeros escritores após o século XVII, e

também porque incorporou ideias científicas mais avançadas do que aquelas

utilizadas por Milton. Assim, Kepler, além de produzir as importantes

contribuições ao nascimento da física clássica, particularmente as leis

planetárias e o papel do Sol no movimento dos planetas, que ajudaram na

construção da ousada teoria gravitacional de Newton, foi autor de uma novela

denominada Sonho ou astronomia da Lua.

‘Ele foi influenciado nessa iniciativa pelas descobertas de Galileu através

da luneta, como também por suas próprias ideias a respeito da gravidade.

Kepler, um cientista com veia literária, descreve em Sonho uma viagem à Lua,

como podemos perceber por este breve trecho:

“O choque inicial [de aceleração] é o pior, pois o viajante é atirado para

cima como numa explosão de pólvora (...) Deve, portanto, ser entorpecido por

narcóticos, tendo os membros cuidadosamente protegidos para não serem

arrancados e para que o recuo se distribua por todas as partes do corpo (...)

Quando a primeira parte da viagem e s t i ver terminada, será mais fácil, porque

em jornada tão longa o corpo escapa indubitavelmente à força magnética da

Terra e penetra na da Lua, de modo que esta vence. (...) visto que tanto a força

magnética da Terra como a da Lua atrai o corpo e o mantém suspenso, o efeito

é como se nenhuma delas o atraísse. No fim, a sua massa, por si própria, se

voltará para a Lua”. (16)

46
Nessa aproximação entre as duas culturas e na sequência histórica aqui

apresentada, o zoólogo e escritor Richard Dawkins aborda o descontentamento

dos poetas Keats (1795-1821) e Goethe (17491832), entre outros, com o

desenvolvimento da física clássica, particularmente com os trabalhos de

Newton. Enquanto Goethe rejeitava a óptica newtoniana, Keats acusava

Newton de ter destruído a poesia do arco-íris ao tê-lo explicado. Eis alguns

versos do poema “Lamia”, escrito por Keats em 1820:

“Havia um formidável arco-íris no céu de outrora:

Vimos a sua trama, a textura; ele agora

Consta do catálogo das coisas vulgares.

Filosofia, a asa de um anjo vais cortar,

Conquistar os mistérios com régua e traço,

Esvaziar a mina de gnomos, o ar do feitiço –

Desvendar o arco-íris (...)” (17)

Dawkins atribui parte dessa manifestação à polarização entre as duas

culturas, destacando que esses poetas não se dispuseram a entender a

mensagem construída pela ciência. Diz que se esses poetas tivessem uma

educação científica compatível com a sua forma de dialogar com o mundo,

suas poesias contemplariam favoravelmente as conquistas científicas de sua

época.

Pouco posterior ao período vivido por esses poetas e caminhando numa

direção contrária à deles, como que antecipando a sugestão de Dawkins, o

47
escritor francês Émile Zola, sob a influência do pensamento do médico e

filósofo Claude Bernard (1813-1878), pretendia impregnar o romance e o texto

teatral com o determinismo positivista da física clássica desse período. Ele

dizia:

“Não somos nem químicos, nem físicos, nem fisiólogos; somos

simplesmente romancistas que nos apoiamos nas ciências. (...) o romancista

experimentador nada mais é senão um cientista especial que emprega o

instrumento dos outros cientistas, a observação e a análise. (...) O artista parte

do mesmo ponto que o cientista; ele se coloca diante da natureza, tem uma

ideia a priori e trabalha segundo esta ideia. Ele só se separa do cientista se

levar sua ideia até o fim, sem verificar a sua exatidão pela observação e

experiência.” (18) Em oposição a essa visão de mundo, ancorada no

determinismo clássico característico da física newtoniana, ainda dominante à

época de Zola, e numa espécie de antevisão daquilo que ocorreria a partir de

1905, com o desenvolvimento da física contemporânea, principalmente devido

aos trabalhos de Einstein, outros escritores parecem prever o desenvolvimento

científico que viria. Eco afirma que “se a arte reflete a realidade, é fato que a

reflete com muita antecipação.” (19) No final século XIX encontramos dois

exemplos dessa antecipação. O escritor russo F. Dostoiévski (1821-1881)

expressava, em Os irmãos Karamazov, uma ideia científica que já estava no ar,

portanto, um quarto de século antes de sua formulação por Einstein, a saber, a

de que a geometria euclideana não servia mais ao propósito de explicação do

mundo físico. A “linha de mundo” já habitava o espaço-tempo de Dostoiévski.

Já no romance A máquina do tempo, escrito entre 1887 e 1894, o inglês H. G.

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Wells (1866-1946) reflete o ambiente cultural do advento da geometria não-

euclidiana:

“ Sabem, naturalmente, que uma linha matemática, uma linha de

espessura ze ro, não tem existência real. (...) Também um cubo, tendo apenas

comprimento, largura e altura, não pode ter existência real. (...)

– Não há dúvida – continuou o Viajante do tempo – que todo corpo real

deve estender-se por quatro dimensões: deve ter Comprimento, Largura, Altura

e ... Duração. Mas, por uma natural imperfeição da carne, que logo lhes

explicarei, somos inclinados a desprezar esse fato. Há realmente quatro

dimensões, três das quais são chamadas os três planos do Espaço, e uma

quarta, o Tempo. Existe, no entanto, uma tendência a estabelecer uma

distinção irreal entre aquelas três dimensões e a última (...) Realmente é isso o

que significa a Quarta

Dimensão, embora algumas pessoas quando falam na quart a dimensão

não saibam o que estão dizendo. É apenas outra maneira de encarar o

Tempo.” (20)

Eco, que entende essa aproximação como uma “metáfora

epistemológica”, não identifica a imaginação poética com a racionalidade

científica. Ele separa as duas culturas mas, ao mesmo tempo, sabe que elas se

complementam produtivamente. Até Edgar Allan Poe, no início do seu

poema/ensaio Heureka, onde aborda o método de trabalho seguido por Kepler,

as noções gravitacionais de Newton e discute as mais variadas ideias sobre os

planetas e a galáxia, adverte: “apresento esta composição como um simples

produto artístico ... é apenas como um poema que desejo que este trabalho

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seja julgado”. (21) Ou seja, as operações culturais desses dois campos do

conhecimento – literatura e ciência – acabam se cruzando e, talvez,

apresentando uma certa complementaridade de construção sobre a re a l

idade. Afinal:

“Os conceitos físicos são livres criações da mente humana, não sendo,

por mais que pareçam, determinados unicamente pelo mundo externo”. (22)

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Freire, P. À sombra desta mangueira. São Paulo, Editora Olho d’Água,

2ª edição, p. 78. 1995.

2. Einstein, A. Notas autobiográficas. Rio de Janeiro, Editora Nova

Fronteira, pp. 18, 19, 55. 1982. Esse texto é altamente recomendável para t

ravar co nta to com o dese nvo l v i m e nto inte l e c tual de Einstein, se u “c

redo episte m o l ó g i co”, suas críticas à educa ç ã o, e sua visão da física.

3. Einstein, A. Notas autobiográficas. Rio de Janeiro, Editora Nova

Fronteira, pp. 25/26. 1982.

4. Merton, R.K. Sociologia, teoria e estrutura. São Paulo, Editora Mestre

Jou, pp. 711/718. 1970.

5. Merton, R.K. Sociologia, teoria e estrutura. São Paulo, Editora Mestre

Jou, p. 631. 1970.

6. Calaprice, A. (ed.). Assim falou Einstein. Rio de Janeiro, Editora

Civilização Brasileira, 1998, pp. 140/141.

50
7. S n ow, C. P. As duas cu l tu ra s. São Pa u l o, Ed i to ra da Unive

rsidade de São Paulo. 1997. (Edição original, 1959).

8. E nt reessas ava l i a ç õ es, desta ca - se o estudo PISA (P rog ramme

fo r I nternational Stu d e nt Assess m e nt), da Org a n i zação pa ra Co o p e

ração e Dese nvo l v i m e nto Eco n ô m i co, que está disponível no site

www.pisa.oecd.org.

9. Gioia, D. “Prefácio”. In: Research Division Report # 46. Washington:

National Endow m e nt for the Arts, june 20 0 4, p. vii. Esse re l a t ó r i o pode

ser obtido em: http://www.nea.gov/pub/ReadingAtRisk.pdf.

10. K n i g ht, D. Wo rking in the glare of two cu l tu res. Inte rd i sc i p l i n a r

y Science Reviews, 23, 156-160. 1998.

11. Alighieri, D. A divina co m é d i a. Lisboa, Liv. Sá da Costa Ed i t., pp.

/288. 1958.

12. Te i xe i ra, I. Luís de Ca m õ es, Os lusíadas. São Pa u l o, Ateliê Ed i to

r i a l . 1 9 9 9. Livro com ex p l i ca ç õ es das fo ntes e refe r ê n c i a s,

inclusive as científicas, que Camões utilizou para construir seu poema.

13. Henderson, H. “A dialogue in paradise: John Milton’s visist with Galileo”.

Physics Teacher, 39, 179-183. 2001.

14. Milton, J.O paraíso perdido. Rio de Janeiro, Ediouro, p.167.

15. Eco,U.O b raaberta.SãoPa u l o,Ed i to raPe rs p e c t i va,8ªedição,p.157.1

9 91 .

51
16. C i tadopor Arthur Ko est l e r, Os so n â m b u l os. São Pa u l o, Ibra sa,

pág. 289. (Edição original, 1959). Edição de 1991, com um novo título em

português: O homem e o universo.

17. C i tado por Richard Daw k i n s. D esve ndando o arco - í r i s. São Pa u

l o, Companhia das Letras, p. 64. 2000.

18. Zola, E. O Ro m a n ce ex p e r i m e ntal e o natu ralismo no tea t ro.

São Paulo, Editora Perspectiva, pp. 61/62. 1982.

19. Eco, U. Obra aberta. São Paulo, Editora Perspectiva, 8 ª edição, p. 18.

1991.

20.We l l s, H.G. A máquina do te m p o. Rio de Janeiro, Ed i to ra Fra n c i sco

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2 1 . Po e, E.A. “Heure ka”.I n : Po emas e ensa i os. Rio de Janeiro, Ed i to ra

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22 . E i n stein,A.eInfeld,L.Theevolutionofphys i cs.London,CambridgeUnive rs i

tyPress,Se condEdition,p.31.1971.Existemediçõesemportu g u ê s.

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