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DISCURSO DIRECTO

André Barreiros fala de Biriba, um gato memorável


2007-11-30
Tem uma ligação aos animais que define como " de uma ponta à outra, dos pés
aos cabelos; dos meus queridos gatos, peixes, cobra, hamster, tartaruga, osga,
lagartixa, tritões, rãs e peixes. Todos bem tratados e com nome próprio."
André Barreiros é jornalista e também na profissão privilegia, sempre que pode,
os animais e a natureza.
Acaba de editar Ecotopias, "uma visão optimista do futuro e das alterações
sociais e tecnológicas que deverão ocorrer nos próximos anos,"
O meu gato Biriba

A minha bisavó paterna, cantora de Ópera no Brasil, chamava Biriba a todos os gatos.
- Olha um biriba no muro, diria ela.

….

Março de 1994. Tinha começado a Primavera e eu sentia-me o homem mais


abandonado das noites, ainda frescas, de Lisboa. Termina mais um dia de trabalho e
todos os colegas têm alguém à sua espera. Menos eu… eu e outros dez ou doze,
entre jornalistas, gráficos, repórteres fotográficos, administrativos e directores, raro era
o colega com sincero desejo de voltar ao lar.
Antecipo o regresso à casa vazia, ao sofá frio e ao inquietante silêncio que atormenta
as pessoas sós.
Hoje não! Hoje quero ter companhia, quero partilhar o meu espaço e a minha
melancolia. Quero dar ou impingir, interagir com seres vivos!

dar sem pedir em troca


receber sem ter de o merecer
Saí da redacção, determinado e sem soluções. Marchei até casa, no Areeiro,
acreditando que algures na demorada caminhada me lembraria de uma solução
provisória;
soluções sempre tão frágeis que dificilmente sobreviviam à grotesca harmonia dos
meus aposentos.

Subitamente, numa montra perto da Praça do Chile, um gato pequenino olhou para
mim. Preto e branco, meio sujo, meio magro, meio salvo, meio salvação.
Devo ser o único lisboeta que gastou dinheiro para adquirir um gato rafeiro, coberto de
pulgas, com fome, lombrigas, febre e diarreia.
Dois contos e quinhentos pelo bicho, areia, caixa higiénica e comida de lata.

O tareco deixou de ser solução provisória no momento em que me responsabilizei por


ele. Fomos ao veterinário, ao duche e ao manicuro. Chamei-lhe Biriba porque me
parecia bem disposto, como a minha bisavó do Brasil.
Era mesmo um gatito porreiro! Tipo atrevido, cuidadoso no trato, selectivo nas
companhias e nas almofadas.
Chegar a casa passou a ser um prazer, uma pequena festa. Todos os dias, “alguém”
esperava por mim com fome e rom-rom interesseiro. Ao jantar dividíamos latas de
atum e pacotes de chantilly; ao pequeno-almoço, Bolas de Berlim, Pasteis de Nata e
1/4 Vigor com Friskies de salmão.
Tornamo-nos amigos, respeitadores dos nossos espaços, sempre prontos para a
brincadeira, mimos e sonecas.
Por vezes, passávamos dias e noites sem nos ver; íamos à caça cada um para o seu
outro Mundo; e amigo não empata amigo.
O meu gato Biriba foi mesmo um amigo. Aturou-me neuras e bebedeiras que nem a
felina mais batida suportaria.
Acampou comigo na praia, enojado por ver o areal como um WC gigante. Viajámos
pelo Alentejo profundo e dormimos numa estrada algarvia ao som do rádio do velho
Fiat Panda “atómico”. E ouvimos cassete atrás de cassete até esgotar a bateria do
calhambeque.

Cinco anos depois, alargámos a família a um ser humano do sexo feminino e a um


outro gato chamado Gustavo.
É a parte censurada desta história, uma vez que o Biriba não tocava senão em
peluches, deste que largara os quintais do Bairro dos Actores para se instalar numa
casa fortificada num andar junto à Rua do Príncipe Real. Eu andava ocupado com
outros afectos.
Fomos felizes os quatro e melhor ficámos quando um bebé humano entrou em cena.
O Biriba passava horas de olhos fixos no arfar do querubin. Foi o primeiro amigo do
meu filho, puto que se tornou num jovem respeitador defensor e amante dos animais.

O Biriba morreu com onze anos.


Agora temos um gato preto chamado Senhor Jacques, macho alpha das lindíssimas
Pantera e Rufina, já nascidas em Campo de Ourique; e nem nos passa pela cabeça
viver sem a companhia de amigos felinos que, sendo de espécie diferente,
encontraram uma forma civilizada de lidar connosco.
Sinto saudades do meu amigo Biriba e fico satisfeito por ter tornado agradável a sua
passagem pela existência formal; há muito a apreender nestas amizades inter-
espécies.

NOTA:

Há no gato doméstico, espécie já querida dos Egípcios, qualquer coisa que o torna
especialmente próximo do ser humano. O papel que tiveram, e ainda têm, como
caçadores de ratos, está enraizado em muitas culturas, mas há algo mais: o efeito
calmante e tranquilo do seu ronronar, o exemplo de independência firme, o carinho
sincero, a gratidão em estado puro. A estratégia de sobrevivência desta espécie,
passa claramente pela sedução e manipulação do nosso sistema de afectos. Como
conseguiu esta espécie evoluir no sentido de melhor aproveitar a sua relação com os
terríveis humanos?

O Professor Agostinho da Silva costumava dizer que não tinha gatos. “Os gatos é que
me têm. Entram e saem quando querem, vêm para o colo ou recebem festas quando
lhes apetece”, dizia o mestre filósofo afagando um bem alimentado gato cinzento
tigrado, que namorava a gata branca da vizinha.

André Barreiros
http://andrebarreiros.bloguepessoal.com
DEZ/07

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