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desenxergar
e outras 29 histórias
de mudança no Maranhão
© Xavier Bartaburu e Fellipe Neiva, 2018
Coordenação de edição
Ednilson Machado (OCCAM)
Produção geral
Agência Terruá
Edição
Tito Montenegro (Arquipélago Editorial)
Revisão
Luciana Thomé
O fim do
Foto da capa
Fellipe Neiva
desenxergar
Impressão
Mais Soluções Gráficas
e outras 29 histórias
de mudança no Maranhão
Araioses 145
LESTE
Milagres do Maranhão 153
Belágua 171
Marajá do Sena 45
CENTRO
OESTE
São João do Caru 215
Itaipava do Grajaú 61
Amapá do Maranhão 223
Fernando Falcão 71
Centro Novo do Maranhão 233
São Roberto 79
Pedro do Rosário 239
Santa Filomena do Maranhão 87
Cajari 247
Arame 93
Serrano do Maranhão 255
Brejo de Areia 101
Governador Newton Bello 263
Conceição do Lago-Açu 107
Satubinha 113
Boa leitura!
Ações do
Mais IDH
O Mais IDH é um conjunto de 32 programas de governo,
alguns deles exclusivos para os 30 municípios de menor IDH
do estado. Outros projetos – como a construção de mora-
dia, o asfaltamento de ruas e estradas e a implantação de
saneamento básico – alcançam todo o estado e, por tabela,
também contribuem para a melhoria da qualidade de vida
nas cidades mais carentes. Conheça os principais programas:
Saúde
Outras ações
Escola Digna
Ônibus escolares
Há ainda a distribuição de uniformes escolares – ou far- E foi só diante das lousas e dos cadernos que muitos mara-
damento, como se costuma dizer no Maranhão e em outras nhenses descobriram um obstáculo a mais para aprender:
partes do Brasil. Só nos 30 municípios do programa foram a tal vista cansada ou outras enfermidades oftalmológicas.
distribuídos mais de 50 mil uniformes, que são confecciona- Daí nasceu uma nova investida do governo, os mutirões dos
dos por empresas maranhenses, gerando emprego e renda olhos, que percorrem os municípios fazendo exames e for-
em outros cantos do estado. necendo óculos dos mais variados tipos e cores. É o combate
ao analfabetismo aliado ao fim do desenxergar.
Sim, Eu Posso!
Iema
Onde normalmente falta tudo, também é comum que sobre
o analfabetismo. Aprender a ler e a escrever era um artigo Outra ação que aproxima cidadãos e cidadania são os cursos
de luxo no passado, o que levou os municípios mais caren- profissionalizantes oferecidos pelo Instituto Estadual de
tes do Maranhão a colecionar os mais elevados índices de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema) em par-
analfabetismo do Brasil. Para quem hoje está na faixa dos ceria com setores produtivos locais e regionais. São cerca de
40 aos 80 anos, a única maneira de frequentar a escola era 100 cursos nas áreas de agricultura, horticultura, culinária,
pagando os professores que os fazendeiros contratavam nas língua inglesa, corte e costura, eletrificação urbana, artesa-
regiões. Como era um luxo, a escrita quase sempre ficava em nato e panificação, entre outros.
segundo plano. O programa Sim, Eu Posso!, ao lado do fede-
ral Brasil Alfabetizado, está desafiando as estatísticas.
Renda
Sementes e equipamentos
Saneamento básico
Mais Asfalto
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POPULAÇÃO: 10.517 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 158,30
Um ano e meio atrás, não tinha nada. Quer dizer, tinha: uma
galinha. E alguns ovos. Que Leude vendeu por exatos 30 reais
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para comprar um pacote de sementes de coentro. Leude era
da roça; Biu, não. Biu era pedreiro, sempre foi: ganhava diária
para fazer tudo quanto era serviço pesado em Lagoa Grande
do Maranhão. Até que se encheu. Da cidade e do sufoco. Faz
dois anos, Leudiane Loiola da Silva e Francisco Edimilson de
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POPULAÇÃO: 8.051 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 96,25
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de mulher e mais cinco trajes de princesa para vestir a qua-
drilha junina de um povoado vizinho. Nove dias trabalhando
sem parar, ela e a filha Susana, para dar conta do serviço.
Fotos dessa roupaiada ela diz que não tem, mas se apressa
em mostrar as mais recentes criações, por ocasião de um
Marajá do Sena
batizado: duas camisas com babados para os caçulas da fa-
mília, os gêmeos Samuel e Daniel, e um vestido de tule para
a sobrinha. Tem também um registro da filha trajando um
vestido lilás – perguntada se é obra sua, Silvana diz que esse
foi comprado. Porém emenda:
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Marajá do Sena
de, paga com o dinheiro do milho e da farinha que Demar
vende por todo o Vale do Mearim – Pedreiras, Bacabal, Paulo
Ramos, Lago da Pedra – e da produção que sai lá da rocinha
da Silvana, comprada pelo governo para abastecer hospitais,
creches e escolas.
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POPULAÇÃO: 15.440 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 127,24
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venta da Terra Indígena Cana Brava. De um lado da sala, no
posto do saúde da comunidade, estão as duas enfermeiras.
No colo de Thamyris, uma boneca: neste momento o ser de
plástico é sua filha, protagonista de situações domésticas,
próprias da maternidade. Enquanto vai contando a his-
tória, arrisca umas palavras em língua Guajajara: tiehahi,
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As adversidades, contudo, não terminam aí. O desafio de dando e comendo uma boa salada, coisa rara por ali.
Raiane e Eliane agora será tratar de não engrossar as tene-
– Eles não têm o hábito de consumir folhosas – esclarece
brosas estatísticas que assombram as mais de cem aldeias
Thamyris.
Guajajara da região. Em Jenipapo dos Vieiras, um terço da po-
pulação é de indígenas, e é o estado precário em que vivem Daí a horta. Daí a água das cisternas. Daí o teatro. Tudo
O fim do desenxergar
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POPULAÇÃO: 14.297 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 136,77
Raimunda
dos Santos
Jatobá já sabe ler
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Jatobá uma irmã que não via há mais de 20 anos. Levou
para morar junto. João agora tem pulmão, tem escrita e
tem casa também. E olha que está na metade do curso:
faltam ainda quatro meses para a formatura. Há muito a se
aprender. Mas João acha é pouco:
Itaipava do Grajaú
– Tô ficando triste já.
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povoado até parava para ver – lembra João. prio povoado ou bairro onde ensinam – é uma forma de
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Itaipava do Grajaú
clusive os tenazes alunos do Sim, Eu Posso!, que agora têm Por habitarem o mesmo bairro ou vila que seus alunos,
o asfalto para se locomover quando é chegada a hora da acontece demais de os educadores terem que alfabetizar
aula. Uns têm moto, outros bicicleta e há os que vão a pé, os próprios familiares. Simone da Silva, por exemplo, tem
por conta própria ou quando Vanusa, a professora, vai lá na turma de 15 alunos o marido, Wilas, e o pai, Silvestre. A
buscar os mais fujões. Não é porque os alunos do progra- mãe, Maria Firmina, caiu na sala de Jarleane, a outra filha
ma são gente crescida que, às vezes, não se dão ao luxo de alfabetizada da família (de um total de nove irmãos, sete
matar aula, feito criança. deles analfabetos). Esse analfabetismo generalizado se
deu porque, no Maranhão do passado, não havia escolas
– Muitos trabalham na roça o dia inteiro. Quando chega de
públicas nos interiores: se um trabalhador quisesse dar
noite, estão cansados – explica Vanusa da Rocha. – Mas eu
estudo aos filhos, tinha que abrir mão de parte de sua pro-
faço questão de que eles venham.
dução para pagar o professor contratado pelo fazendeiro
O curso de alfabetização quase sempre é na própria casa local para ensinar a prole. Foi assim com Silvestre: até o
dos educadores, sala de estar transformada em sala de primeiro ano, seu pai, avô de Simone, pagou os estudos.
aula, incluindo lousa e tevê (o conteúdo do Sim, Eu Posso! Depois, não pôde mais.
é em parte transmitido por meio de videoaulas). É a
Sobre os alunos-parentes, Simone jura que não mistura as
bolas. Mesmo dando aula na sala de casa, quando chegam
as sete da noite, ela vira a professora Simone. E ralha com
os alunos se preciso for. O mais bagunceiro? Silvestre.
O pai se defende:
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O fim do desenxergar
Itaipava do Grajaú
Maria Sebastiana lendo a Bíblia
Fernando
Marcio Lima de Sousa
Falcão
IDHM: 0,443
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POPULAÇÃO: 9.241 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 106,99
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encomenda – ela acrescenta.
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Fernando Falcão
Pais e Filhos tem que permanecer ardendo 24 horas por dia.
aposentar e perguntou se o Marcio não queria comprar o Se faltar madeira, é o Marcio mesmo que vai na mata pegar:
estabelecimento. Quis: foram 23 mil reais divididos em 24 uma vez por semana, sobe o chapadão de motosserra em
parcelas, todas já quitadas. punho e só volta quando tiver completado uma carrada de
Depois foi o pessoal da Secretaria de Agricultura Familiar lenha – algo como uma tonelada e meia, o bastante para
que apareceu em Leandro fazendo outra proposta ao novo encher a caçamba da caminhonete. A melhor madeira para o
panificador da região: aderir ao programa de incentivo à pro- forno? Segundo o Marcio, sucupira e catinga-de-porco.
dução local, juntando-se às outras 258 famílias no município Lá pelas seis e meia começa a chegar a freguesia: em pri-
beneficiadas pela iniciativa. Marcio ponderou: meiro lugar, os 11 vendedores responsáveis pela distribuição
– Se for pra galinha, não quero não. Mas se der pra investir dos pães na zona rural de Fernando Falcão e em outros dois
na padaria, aí eu quero. municípios vizinhos.
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E já tem novidade à vista: em breve a clientela da Panificadora
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Fernando Falcão
– Este mês ainda boto – promete o Marcio.
Alguém duvida?
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POPULAÇÃO: 5.957 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 153,65
Pois a primeira foi Maria Eduarda, com 17 anos de idade. A Taí um desafio da Força: manejar as parideiras da família
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mãe pariu Paulo Vitor logo depois, aos 36. Tio e sobrinho Silva. Não que elas não se virem por conta própria, como
meio que vão aprender a falar juntos. sempre se viraram, mas é bom manter o olho aberto: Dé –
que na verdade se chama Artemisa – foi acompanhada bem
As Conceição Silva são família de parideiras: a mãe de Dé, a
de perto na gestação, já que fazia parte do grupo de risco,
dona Filomena, teve 14. Onze vingaram – outro time. E uma
pela idade. Todo mês tinha visita da equipe, que ainda apro-
vitória: no tempo de dona Filomena, não era tanto filho assim
O fim do desenxergar
São Roberto
veitava para distribuir vermífugo para a meninada. Por fim,
que restava vivo. Abortos mesmo foram dois, e um morreu de
deu tudo certo, e a moça nem bem pariu já estava de pé,
sarampo quando adolescente.
uma semana depois, cuidando dos filhos e da casa.
– O apelido da nossa família é “cajá” – revela a matriarca.
Desafio maior, aqui, é tratar de que não venha tanto menino
– E por que, dona Filomena? ao mundo.
– Porque cajá é fruta que só cai do pé quando tá madura. – Aumentou o número de adolescentes grávidas no municí-
Não perde, não. pio – comenta Glauciane.
Dona Filomena é parideira e parteira também: já trouxe ao Dona Filomena tenta explicar:
mundo quase 200 crianças. Começou assim, do nada, quando
– Hoje o pai e a mãe liberam muito as pixote – que, no caso,
faltou parteira bem na hora de uma das filhas dar à luz e
é sinônimo de “mocinha”.
Filomena foi lá socorrer. Parece que já sabia tudinho o que
tinha que fazer. O jeito é educar, e é por isso que a equipe da Força – comple-
mentada por iniciativas como a Carreta da Mulher e o Ônibus
São Roberto 50
Lilás – percorre o município dando palestras e oficinas nas
escolas sobre gravidez na adolescência, estimulando a liga-
dura das trompas de quem já teve muitos filhos e insistindo
na distribuição de preservativos. Insistindo, porque o povo
daqui não é lá muito chegado a usar.
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homem volta para casa.
São Roberto
– Tem que ligar, né, Dé? – ela insiste, como há muito já vem
insistindo.
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POPULAÇÃO: 7.061 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 140,76
AÇÕES DO MAIS IDH: Água para Todos; Assistência Técnica em Extensão Rural;
Bolsa Escola; Carreta da Mulher; Cozinhas Comunitárias; Escola Digna; Feiras
da Agricultura Familiar; Força Estadual de Saúde do Maranhão; Juventude com
Ciência; Kits de Irrigação; Leitura no Campo/Arca das Letras; Mais Asfalto; Mais
Extensão Universitária; Mais Saneamento; Mais Sementes; Minha Casa, Meu
Maranhão; Mutirão Mais IDH; Programa Avança; Odontomóveis; Programa de
Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação Escolar; Sim, Eu
Posso!; Sistecs; Sistemas Simplificados de Abastecimento de Água; Uniformes
Escolares.
Olhos de arame dois filhos para criar. Foi botar o arame e uma nova vida flo-
resceu na escuridão. Melhor até do que a primeira.
– Parece até que inventei mais coisa depois que perdi a visão…
Os olhos de Elier são 320 metros de arame. Estendem-se do Pois é: quando ainda via, tudo que tinha era uma lavouri-
alpendre da casa ao milharal nos fundos do terreno, com nha de tomate, melancia, maracujá, coisa pouca. Depois, já
escalas na pocilga, no chiqueiro, no pasto das ovelhas, em no meio do negrume, meteu-se a plantar milho, engordar
outro milharal e na rocinha de sequeiro, nutrida pela água porco, criar peixe. Em 2015, quando os técnicos de fomento
da chuva. Tateando o arame, Elier enxerga a gleba toda. É à agricultura familiar conheceram sua história e a vontade
tipo estrada, só que de aço, pela qual ele trafega no escuro de ir além, Elier não duvidou: quis diversificar a produ-
até chegar às lavouras necessárias, que apruma com assom- ção. Usou o programa para comprar duas ovelhas marrãs
brosa precisão: fileiras inteiras de pés de milho, alinhadas – recém-desmamadas –, botou um tanque com cem tam-
como um exército vegetal de estritas regras. Elier não tem baquis nadando dentro e aumentou a população suína
olhos nem régua, mas tem duas estacas e um facão, e é o da propriedade com a compra de uma porca e um barrão,
que lhe basta para estipular as medidas que farão vingar a macho reprodutor que já gerou 28 descendentes. Ah, e
produção. O resto é tato e talento: apalpando cada espiga,
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tem as galinhas caipiras, que ciscam incautas no quintal
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cada cabelo de milho, ele sabe se está ou não no ponto de à espera da abertura de uma cozinha comunitária na sede
colher. Precisa consertar o galinheiro, aumentar a pocilga? de Santa Filomena, bem ali perto.
Lá vai seu Elier com a mão no arame e pronto: nasce um
novo lar para porcos e galinhas. Elier também ganhou alguns quilos de sementes para avo-
lumar o milharal e ainda obteve a chance de vender qui-
José Elier Alves Barros está a ponto de completar meia vida
O fim do desenxergar
– Com 32 anos minha vida acabou e começou outra vida, de E sentencia, cheio dos mistérios:
trevas – lamenta-se.
– Pelo esforço da gente, a gente vai enxergando coisas que
Mas Elier é cabra pertinaz, turrão mesmo, do tipo que odeia você não pode dizer.
que façam as coisas por ele. Era homem de roça, e da roça
haveria de viver, como desse. E tinha mulher e ainda mais
O fim do desenxergar 57
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POPULAÇÃO: 31.702 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 210,09
e simpatia
e de uma tesoura.
Aí a sorte virou.
O fim do desenxergar 63
Arame 64
Nesses interiores do Maranhão, muitas vezes, basta só uma últimas festas de fim de ano, as primeiras do novo salão,
oportunidade. Um instante afortunado em que os destinos o público dobrou. E o Brown já começou a matutar melho-
se cruzam e os desejos, quando menos se espera, se rea- rias. Quem sabe uma cadeira nova?
lizam. Foi assim que aconteceu: do nada, o rapaz entrou
– Tem uns irmãos aí doido pra aprender a cortar.
no radar do programa de fomento do estado. Quando os
técnicos vieram lhe perguntar onde queria investir, ele já
tinha a resposta. E o Salão do Brown deixou de ser sonho
para virar placa. À vista de todos.
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Arame
melhor que tem.
de Areia
IDHM: 0,519
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POPULAÇÃO: 5.577 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 187,95
Antonia Santana
Da taipa ao tijolo apoio ao pequeno produtor rural, começaram as chegar as
galinhas. A dona Antonia foi uma das beneficiadas: com o di-
nheiro que recebeu, comprou a tela do galinheiro, a ração e
ainda 50 pintos. Metade ela comeu, a outra metade vendeu:
– O material tá chegando, olha aí! conseguiu 667 reais, devidamente anotados num caderni-
nho. Equivalente a cinco meses de Bolsa-Família.
E Antonia Santana aponta para o caminhão estacionado
do outro lado da única rua do povoado de São João dos Outra Antonia, a dos Santos, vizinha da frente, também in-
Pretos, de onde desembarcam telhas, tijolos e outras coisas vestiu em galinhas. Algumas ainda estão lá no quintal, en-
de morar. A rua é de barro, como de barro é a argamassa gordando, junto ao canteiro de cebola, alface, couve e co-
com que se ergueram há muito tempo as casas da vila, mas entro que ela plantou com o dinheiro que economizou com
os tijolos que agora se empilham em frente à casa da dona o teto do galinheiro – ela mesma botou a palha. O quintal
Antonia, esses são de cerâmica – barro também, mas cozido, desta Antonia é grande: cabe ainda uma roça de respeito,
feito para durar. alimentada com os dez quilos de sementes que recebeu do
programa estadual de distribuição de grãos, com as quais
– A esperança tá boa – diz Antonia, sentada no alpendre da
planta milho nas chuvas e feijão na estiagem. Em toda Brejo
casa que foi da mãe e que agora é sua, mas que em breve
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de Areia já são mais de 23 toneladas de sementes plantadas
não será de ninguém, pois seu provável destino é o desman-
nas terras de centenas de agricultores.
telamento, para que ninguém se lembre dos tempos da taipa.
– Nossa maior dificuldade aqui é água – ela diz, lembrando
A taipa foi o jeito que o povo inventou para levantar o de
que o poço do povoado só jorra uma vez por dia, pela manhã,
morar com o que a natureza dispôs. Aqui, na zona rural de
quando cada família tem direito a encher seus baldes por
O fim do desenxergar
Brejo de Areia
Brejo de Areia, foi o babaçu. Da palha se faz o teto; do caule,
apenas 15 minutos. Foi um combinado entre os moradores
as vigas – e entre elas o barro cru, amassado, do qual se
para garantir que nunca faltasse água na vila.
elevam as paredes. Da palmeira tudo se aproveita, sobretu-
do o fruto: todas as mulheres lá em São João dos Pretos são Como a taipa, os baldes matinais em breve serão passado.
peritas na cata e na quebra do coco de babaçu, com o qual Junto com as 35 novas casas que vêm despontando na rua da
fazem o carvão para cozinhar, o sabão para lavar a roupa e vila, chegarão também os canos – e as torneiras, os chuvei-
ainda o azeite e o leite para deixar a comida mais gostosa. ros, as descargas e tudo o mais que pela primeira vez fluirá
em São João dos Pretos, para assombro dos que achavam
– A gente usa o leite do coco pra cozinhar paca, tatu, galinha
que a sede já era parte da vida. As casas já estão de pé, ainda
caipira… – ensina Antonia. – Fica bom demais!
em forma de esqueleto, à espera de teto, flanqueando os
O que sobra da cata se vende interior afora, carregado na dois lados da rua central do povoado. A da primeira Antonia,
cabeça pelos povoados, na expectativa de trazer uns troca- a Santana, será no fim da rua, onde lhe foi dado um terreno
dos para casa – antes do Bolsa-Família, esse era praticamen- novo, já que onde ela mora agora em tese é patrimônio da
te todo o dinheiro que entrava nos lares de São João dos família, pertencente à mãe, que vive na sede do município.
Pretos, fora algum bico aqui e ali. Dois anos atrás, com o A da outra Antonia, a dos Santos, será onde antes se erguia
a morada de taipa original, desmontada para dar lugar ao
novo lar de tijolo cozido.
Mas Antonia não ficou sem ter onde morar: detrás da obra,
montou casebre de palha de babaçu, provisório, para abri-
gar, além dela, marido, filho e pai. Chamou uns parentes e
uns amigos e juntos levantaram quarto, cozinha e sala em
menos de uma semana, lançando mão de um saber ances-
tral que desde sempre garantiu o teto do povo nestas bre-
nhas esquecidas do Maranhão. Esta, porém, será a última
das choupanas – o ponto final de um ciclo infinito de contí-
nuo reconstruir que vem se repetindo há gerações:
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Em breve, não mais.
Brejo de Areia
Conceição
do Lago-Açu
IDHM: 0,512
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POPULAÇÃO: 14.436 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 170,79
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era praticamente tudo que Valdilene e Wyldemberg tinham por ali às quais os rapazes podem acudir, já que marido de
para viver, afora os trocados que a mulher ganhava fazendo manicure não costuma gostar de ver a mulher fazendo a
as unhas dos outros. unha de outro homem. Pronto: já tinha um novo ganha-pão.
Valdilene Brandão Gomes ainda chorava a morte de Zé – Se eu não tivesse feito esse curso, como é que eu tava co-
Raimundo quando lhe chegou uma oportunidade de aliviar mendo com meu filho?
O fim do desenxergar
Conceição do Lago-Açu
o peso dos dias: em junho de 2017, menos de duas semanas
E Valdilene também decidiu terminar a casa que começara
da morte do marido, começou a fazer o curso de manicu-
a construir com Zé Raimundo. Foi morar com o pai durante
re e pedicure oferecido pelo Instituto de Educação, Ciência
o correr das obras e lá, na mesma sala onde são guarda-
e Tecnologia do Maranhão, o Iema. Era uma das 40 alunas
das as motos, passou a ocupar os finais de semana – e a
matriculadas, entre elas a sobrinha Elinicke, aos 13 anos já
mente – fazendo o que sabe de melhor. Não tem cliente todo
ganhando intimidade com a mesma carreira da tia.
dia porque, como ela explica, aqui nestes interiores unha é
Não que Valdilene não tivesse experiência com o manejo das coisa que se faz só em ocasiões importantes, tipo festas ou
unhas: com 17 anos já treinava nas mãos e nos pés de paren- viagens. Quem há de querer esmaltar mãos que passam a
tes e vizinhos, até que conquistou certa clientela e passou a semana lavando roupa ou pescando no lago?
atender na sala de casa. Mas faltava-lhe o mais importante:
Mas quem gosta de unha caprichada sabe que pode procurar
o certificado.
Valdilene porque, em se tratando de enfeite, não tem para
– Tu pode trabalhar, mas se não tiver algo que comprove fica ninguém. Além de manejar esmaltes e alicates, a moça gosta
difícil – ela explica. também de desenhar flores e borboletas de uma comovente
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esmaltes. Mais adiante, quem sabe arranjar emprego num
salão. Ou, melhor, abrir o próprio.
Conceição do Lago-Açu
Taí uma coisa que falta em Conceição do Lago-Açu. O que
existe é salão de cabeleireiro, que é onde as pessoas vão
quando querem fazer as unhas. Salão de manicure mesmo
não tem. Fica a dica, Valdilene. A cidade agradece.
Satubinha
IDHM: 0,493
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POPULAÇÃO: 11.990 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 131,73
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Satubinha
– Todo o mundo parecia que andava estressado – diz
Evamisse Soares, a diretora.
Satubinha 84
Dignidade, no caso, é poder estudar em uma escola de alve- Não por acaso, alguns desses adultos são pais das mesmas
naria sem risco de as paredes racharem. Comer uma merenda crianças que agora estudam na nova sede da Carmelita
feita em fogão industrial, com despensa e espaço suficien- Queiroz – duas gerações ocupando a mesma escola empe-
te para que Jucilene, Raimunda e Genezilda preparem com nhadas em reverter, junto aos educadores, as tristes estatís-
folga a comida de 68 alunos – e usando ingredientes produ- ticas de Satubinha, onde 98% da população não completou o
zidos sem agrotóxicos, ali mesmo no município, no roçado Ensino Fundamental. Os números são do censo de 2010, mas
de cerca de 30 pequenos produtores rurais. Dignidade é um todos por aqui estão confiantes de que no próximo recense-
banheiro, inclusive para deficientes, com privada, pia e des- amento isso vai mudar. Não será por falta de escola.
carga. É carteira de fórmica em vez de madeira gasta.
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Veja só: cada turma agora tem sala, lousa e professor pró-
prios. Além de Maria das Dores e Glaucenir, as duas valen-
tes educadoras que dividiam a velha escola, a comunidade
ganhou outros três professores. Cada um num turno, cada um
O fim do desenxergar
Satubinha
numa sala. As salas são duas: de manhã, uma abriga a creche
e outra o quarto e quinto anos; à tarde, a turma do terceiro
ano fica em uma sala e os alunos do primeiro e segundo em
outra. À noite, a escola é dos adultos: o pessoal do povoado
que está sendo alfabetizado também ganhou escola nova.
Dos cerca de 600 homens e mulheres de Satubinha que
aprenderam a ler e escrever com o programa Sim, Eu Posso!,
esta foi a primeira turma a dizer adeus à escola de taipa. E,
pelo jeito, foi quem mais gostou da novidade.
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POPULAÇÃO: 6.090 habitantes
CENTRO
RENDA PER CAPITA: R$ 156,40
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Ali começou vida nova sozinha, ela mais Pedro Lucas, o neto
de oito anos que pegou para criar. Mas alguém deve ter es-
palhado pela vila a notícia da doença de dona Jesus, pois
logo o povo andou a evitá-la. Ninguém mais entrava na casa,
não bebia mais a água de lá, não comprava mais os chei-
ros-verdes e os coentros que ela plantava e nem mesmo do
azeite de babaçu que ela fazia o pessoal de Três Rios queria
saber. Pior: até na cidade já sabiam da doença.
Maria de Jesus
Chegou a ficar 12 dias sem tomar o remédio, e o vírus se – O chão aqui é muito pequeno, não dá pra trabalhar. Meu
reproduzindo. Só conseguiu retomar as doses depois que sonho é ter um canto pra morar e espaço pra plantar meus
a Força Estadual de Saúde, mesmo com o HIV fora do seu pés de fruta, meu arroz, meu feijão...
escopo de ação, interviu junto à Secretaria de Saúde munici-
Pois assim será. Num chão, uma casa nova, de tijolo. No
pal para garantir atendimento e acesso aos remédios.
outro, no lugar do velho casebre de taipa, ao lado dos coen-
Mas como já dito, se tem algo que não falta em dona Jesus é tros que agora voltaram a germinar, se abrirá toda uma pers-
determinação. Não tem quem compre seu azeite? Pois bota pectiva de futuro – uma terra em branco apenas à espera de
as garrafas na sacola e vai em outros povoados vender o ser semeada.
óleo do babaçu que ela mesmo coletou e quebrou. Ou vende
Dona Jesus confessa que, depois de tantos perrengues,
por ali mesmo, para quem estiver de passagem. Tira 25 reais
pensou várias vezes em voltar a Fortaleza – vender o terre-
por garrafa. Falta dinheiro para comprar carne? Ela sobe na
no, retomar a vida lá, incógnita, misturada à massa, de novo
canoa e vai sozinha pescar no Mearim. Volta cheia de piaus e
como diarista. Mas o Maranhão, pelo jeito, ainda a quer por
mandis, às vezes algum surubim, que come cozidos ou fritos.
aqui. E tem lugar melhor?
Diz até que gosta mais de peixe que de carne.
– Esse cantinho aqui é meu – ela diz, orgulhosa que só. –
Quando chegou o programa estadual de incentivo ao produ-
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POPULAÇÃO: 11.661 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 127,77
AÇÕES DO MAIS IDH: Água para Todos; Assistência Técnica em Extensão Rural;
Bolsa Escola; Carreta da Mulher; Cozinhas Comunitárias; Feiras da Agricultura
Familiar; Força Estadual de Saúde do Maranhão; Fortalecimento do Comércio
Local; Juventude com Ciência; Kits de Irrigação; Leitura no Campo/Arca das
Letras; Mais Extensão Universitária; Mais Saneamento; Mais Sementes; Minha
Casa, Meu Maranhão; Mutirão Mais IDH; Odontomóveis; Programa Avança;
Programa de Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de Alimentação
Escolar; Programa Segunda Água; Regularização Fundiária; Sim, Eu Posso!;
Sistecs; Sistemas Simplificados de Abastecimento de Água; Uniformes
Escolares.
João de Deus
O gosto da água roça, fez jirau servindo de pia para a dona Bernarda lavar a
louça e levantou sem demora o banheiro novo da família.
– Do jeito que tava lá a água, a gente pegava – lembra a Água é que não vai faltar, pois João e Bernarda acabam de
dona Bernarda. – Era muito dificultoso. ver brotar, bem do lado do milharal, uma cisterna, apenas
aguardando a chegada das primeiras chuvas.
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5
Santana do Maranhão
tempo das chuvas.
maxixes e mandiocas agora vão ter água boa o ano todo:
Faz pouco mais de seis meses, Bernarda e João descobri- no estio a da cisterna, no inverno maranhense a do céu,
ram o gosto da água. Acabaram-se a sede, os banhos de que essa nunca há de faltar por aqui.
caneca, o lodo no fundo dos copos, o buscar e trazer da
E o rio Magu correndo lá embaixo, bonito como sempre foi.
água de cabaça na cabeça. Ficou só o rio sendo rio, em sua
inteira boniteza: córrego que flui sem pressa, empapan-
do preguiçoso a prainha onde crescem açaizeiros e buritis.
O povo ainda se banha lá, mas só nos finais de semana,
quanto junta a parentada, o pessoal faz churrasco, bota
som e tudo.
Santana do Maranhão 8
Aldeias
Altas
IDHM: 0,513
10
POPULAÇÃO: 23.952 habitantes
LESTE
POPULAÇÃO RURAL: 43% do total
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 179,92
12
sabia das coisas. Ele sabia da roça, do mato, do tempo certo
de plantar e colher, mas estudo mesmo era com ela. Seu José,
quando criança, teve lá seus dias de escola: o pai dava dois
contos por mês à professora, numa época em que ensino era
algo que se pagava, já que faltava governo que desse instru-
ção para a meninada.
Aldeias Altas
– Naquele tempo dois contos era dinheiro...
Aldeias Altas 14
Aldeias Altas 14
é a que levará à sala de aula transformada em consultório of- espelhinhos que os mutirantes seguram na mão. Tem quem
talmológico; a última, a da escolha da armação. Sim, seu José pegue o primeiro que viu, mas tem também os que experi-
agora também vai ter seus próprios óculos. mentam quase a mesa toda. Uma vez escolhido o modelo, a
receita segue para São Luís, de onde voltará a Aldeias Altas
Ele e os outros cerca de 2.400 aldeias-altenses matricula-
uns 20 dias depois, à mão de seus donos definitivos.
dos na segunda fase do programa Sim, Eu Posso!, que nestes
dois dias de mutirão lotam quase todos os espaços livres da Raimundinho foi um que não precisou pegar fila. Passou na
maior escola de Aldeias Altas. É preciso um pouco de paciên- frente de todos com sua cadeira de rodas, empurrada por
cia, até porque são só cinco os oftalmologistas para atender Rayssa, sobrinha e professora. Raimundo Alves da Silva teve
esse tanto de gente. Mas veja que bom: ao fim de algumas paralisia infantil aos sete e desde então passou 35 anos en-
horas, ninguém sairá dali sem uma encomenda de óculos trevado, morando com a mãe, sem que pudesse ter qualquer
novo. Muitos deles, pela primeira vez na vida. Taí um dife- tipo de instrução. Nem conta ele sabia fazer. Pior: o pessoal
rencial do projeto: além de dar cartilha, mochila e camiseta, da prefeitura quase todo ano matriculava o rapaz só para
o governo ainda fornece os óculos, já que grande parte dos poder fechar a turma – mas sem botá-lo na sala de aula.
alunos são idosos com problema de vista. E, como a maioria
– Ele emprestou o nome para todo o mundo, mas nunca es-
trabalha na roça ou na cidade durante o dia, as aulas acon-
tudou – reclama Gabriela.
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15
Aldeias Altas
chegar para levá-lo à aula.
de leitores.
– Quando a gente vai buscar, ele já fica todo animado – diz
– Vamos ser o primeiro município maranhense a erradicar
Rayssa. – Ele tem é prazer de estudar.
o analfabetismo – confia Gabriela Silva de Mello, briga-
dista da Brigada Salete Moreno, braço do Movimentos dos Isso ninguém tinha se dado ao trabalho de perguntar: se ele
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) responsável pela im- também queria ir à escola.
plantação do Sim, Eu Posso! no Maranhão. – E a formatura vai
ser na rua. Vamos convidar a cidade toda! Pois agora, como seu José, Raimundinho também vai usar
óculos pela primeira vez. Teve quem achou que fosse difícil
Seu José certamente estará lá. E de óculos novo. Ainda não encontrar um modelo que ficasse bom, já que o rapaz tem a
sabe qual vai escolher: são mais de cem modelos de arma- cabeça com o dobro de tamanho de uma normal, por conta
ção sobre a mesa que serve de óptica provisória na sala do da paralisia. Mas veja só: ele não levou nem cinco minutos
quinto ano. Tem de aro redondo, oval, quadrado, de metal, para escolher a nova ferramenta de enxergar. E vai ser de
de acetato, preto, colorido ou tartaruga. Para as mulheres, acetato preto, desses bem modernos.
as opções chegam a 200. É a mais lenta das filas: imagine
esse povo todo provando armação por armação, diante dos
Aldeias Altas 18
Aldeias Altas 18
Araioses
IDHM: 0,521
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POPULAÇÃO: 42.505 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 175,81
22
e nua, com seu esqueleto de 5,5 metros de comprimento
feito de pequizeiro e louro-cedro exposto à vista de todos. Se
canoa fosse gente, talvez Paloma, o barco que Bolinha usara
nos últimos 13 anos, teria ficado com ciúmes. Imagine a velha
canoa, toda puída, encostada de cabeça para baixo ao pé de
uma árvore, assistindo Carnaubeira inteira vindo ver o novo
Araioses
instrumento de trabalho de seu dono. Mas Bolinha garante
que Paloma não será esquecida:
– Não vou botar pra perder, não. Vou botar pra consertar e
depois vejo o que faço. Talvez eu venda.
Araioses 24
de capturar os peixes.) As filhas também saíram ganhando: Depois da novena, antes do forró, os barcos de Carnaubeira
não com a canoa, mas com um incentivo próprio de mesmo vão se lançar ao rio na esperança de conquistar o prêmio de
valor para desenvolver peças de artesanato; Girlene usando 400 reais. Bolinha não vai remar, mas vai emprestar a canoa
cascas de ostra, Iolene pintando garrafas. nova aos cinco participantes que tentarão levá-la até a linha
de chegada.
Agora Indo e Voltando, já revestida das cores que Bolinha
escolheu para ela – branco e vermelho, com uma listra preta Resta a dúvida:
–, zarpa três vezes por semana do trapiche que lhe serve de
– E quem é fica com o prêmio, Bolinha? A equipe ou do dono
casa na direção dos canais e igarapés que o rio Parnaíba
da canoa?
desenha antes de seu encontro final com o mar. Atreve-se
inclusive a navegar águas que Paloma costumava evitar, já Bolinha faz uma pausa para responder, como se ainda não
nas franjas do Atlântico. tivesse parado para pensar nisso. Depois decreta, todo
sorridente:
– O material é bom, novo, mais confiável – diz Bolinha. – A
gente vai mais longe, sem medo da ventania. – Com o dono, né?
E vão sempre os dois, Bolinha e Elizabete, marido e mulher,
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25
Araioses
buris, os papéis se invertem: o marido no barco, a mulher
na rede. Com o espinhel, os dois juntos capturam pescadas,
bagres e arraias. E no caminho de volta ainda aproveitam
para arrancar algumas ostras do lodo do mangue. Saem na
maré alta e voltam sempre com pelo menos dez quilos de
peixe, que vendem ali mesmo, na comunidade – ou fresco
ou já pronto para comer, feito por Elizabete sob encomenda,
seja frito, grelhado ou cozido.
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POPULAÇÃO: 8.118 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 144,42
30
kombi transformada em consultório de dentista estacionada
na porta. Era uma ação especial da Força Estadual de Saúde
dedicada ao Dia da Mulher, 8 de março, mas que acabou
sendo um dia antes, uma quarta-feira. Era quando as equi-
pes do município convocadas pelas enfermeiras do governo
estadual estavam disponíveis. Tudo bem: o que importa é
Milagres do Maranhão
que às oito e meia da manhã as salas e o quintal da escola
já estavam atulhados de gente.
Milagres do Maranhão 32
Explica-se: faz 15 dias, descobriu-se que um rapaz do povoado, Já Eliane está tensa, mas não com o resultado: nunca na vida
de cerca de 30 anos de idade, estava contaminado com o vírus levou picada de agulha. Paula tenta acalmá-la:
HIV. Com a saúde debilitada, foi parar no hospital em São Luís,
– É só uma picadinha no dedo, dona Eliane.
mas não sem antes revelar que havia tido relações sexuais
com cinco homens do povoado, todos casados. Tão rápido e tão indolor que ela não solta nem um ai. E sai
triunfante, dizendo:
– A população está assustada – diz Raimunda. – Mas nin-
guém quer fazer o exame. As mulheres dizem que confiam – Se tiver alguma coisa, é bom saber o mais rápido possível!
no marido ou que preferem não saber.
E é rápido mesmo: em meia hora já sai o resultado. Caso
Daí a ideia de chamar o povo de outras vilas próximas – Santa seja positivo, a pessoa é encaminhada à psicóloga e à as-
Helena, Flecheira, São Tomé –, para que o pessoal de São Roque sistente social que estão ali de plantão, na sala do Ensino
não se sentisse constrangido. Daí a zumba, o bolo, a kombi. Fundamental. E já sai de lá com um pedido para refazer o
exame no posto de saúde e checar se a doença está mesmo
Não são poucos, contudo, os corajosos maranhenses que
instalada no corpo. A boa notícia: dos 60 testes realizados
aguardam na fila que leva à sala da educação infantil, onde
naquele 7 de março, só um deu positivo para sífilis. Todo o
Paula, sentada numa carteira junto à janela, administra as
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33
Milagres do Maranhão
Paula trata de ser bem clara com a plateia:
– A gente sabe que tá bem por fora, mas não sabe como tá
por dentro, né?
O fim do desenxergar 35
Milagres do Maranhão 36
São João
do Soter
IDHM: 0,517
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POPULAÇÃO: 17.283 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 165,10
40
podiam fazer porque não tinham lição nem documento.
Agora estão aí, trabalhando para fábricas, empresas e gover-
nos – inclusive em outras cidades.
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POPULAÇÃO: 6.524 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 107,14
Eliete Silva
e a filha Sara
Uma fenda no caminho Sara fechou a fenda com 11 meses de vida, no hospital infan-
til de São Luís. Ganhou uma cicatriz, mas também o direito
de mastigar: hoje já come banana amassada e arroz empa-
pado com caldo de frango.
Sara não contava nem um mês de vida quando foi encontra-
da pela Força Estadual de Saúde. Estava já magrinha de todo, – Agora tá crescendo rápido – celebra a mãe, Eliete. – Já tá
e não parava de perder peso. Como sugar o leite da mãe com 12 quilos.
se os lábios não deixavam? Eliete até tentava amamentar a A menina ganhou também auxílio-doença, um salário
filha, apertando os seios até sair a última gota, mas o que mínimo até completar 18 anos – coisa que veio bem a calhar,
jorrava era pouco: nada como a boca de um bebê para beber pois o pai está há meses sem trabalhar depois de um aci-
o tanto de leite que o manterá vivo e forte. dente de moto. Essa ajuda agora está garantida, assim como
Quis o destino, contudo, que a boca de Sara nascera racha- as viagens pagas que mãe e filha fazem todo mês a São Luís
da: no lábio de cima, bem no meio, uma fenda se abria até para as consultas com o pediatra especializado nesse tipo
encostar no nariz. Não podia mamar e mesmo respirar era de atendimento.
difícil: vira e mexe Sara ficava sem ar, respirava pela boca e Agora falta pouco: basta só fechar o palato, que continua
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aí entrava tudo quanto era vírus e bactéria. Tinha uma facili- aberto porque esse é um tipo de cirurgia que a criança só
dade danada para ficar doente. Médico especializado, só em pode fazer depois de certa idade. Sara agora já pode – tem
São Luís, a 280 quilômetros de Belágua. um ano e seis meses e já está na fila para a operação. De
– A Sara provavelmente entraria para essa estatística cruel da quebra, ainda vai ganhar uma gengiva nova durante a cirur-
mortalidade infantil – diz Leandro Moraes, enfermeiro da Força. gia. Voltará do hospital com a boca inteira restaurada, quem
O fim do desenxergar
Belágua
sabe até na mesma época em que já estiver começando a
Mas o destino, ainda que arrevesado, tinha planos melhores falar. A fenda vai ser só uma cicatriz na memória dos pais.
para a segunda filha de Moisés e Eliete Silva: a equipe es-
tadual de saúde enviou menina e mãe para a capital e lá o
médico pôde reverter o quadro de desnutrição. Ao cabo de
algumas semanas, Sara já gordinha novamente, era hora de
cuidar da fenda palatina – ou lábio leporino, como se diz –
com que tinha nascido. E era um tanto urgente, pois logo a
menina teria que começar a falar, e mesmo isso, com o lábio
superior partido ao meio, seria difícil.
Belágua 50
Água Doce
do Maranhão
IDHM: 0,500
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POPULAÇÃO: 11.581 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 172,55
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– Ela pagou 150 reais por cada tapete! – comemora Maria do
Carmo da Conceição Pereira, valor devidamente anotado no
caderninho que começou a preencher logo que uma técnica
da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar apareceu com
a ideia de começar um programa de artesanato por aqui.
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formas geométricas, de flores ou corações. Cada uma custa banheiro, incluindo a caixa acoplada da privada. Agora anda
12 reais. E tem também as toalhas de mesa, lindas rendas às voltas com uma cortina em forma de onça, para ser pen-
circulares que ela voltou a fazer justo porque agora já podia durada no alto da porta: o bicho servindo de varão, para das
comprar a matéria-prima. O preço: 70 reais. patas pender o cortinado.
Já Maria Natalia da Cruz Vilar ganhou ajudante para dar conta – Pra parecer que ela tá trepada no penhasco – explica.
O fim do desenxergar
58
POPULAÇÃO: 5.905 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 149,78
Antonio Francisco
Barbosa da Silva
A segunda vida em Assistência Social (Cras) ao município: 85 reais por mês,
coisa pouca, mas uma ajuda razoável para quem não conse-
de Antonio guia nem comprar feijão.
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piorar, tinha uma bola de comida não digerida no estômago Cristina, a agente de saúde, fica toda orgulhosa:
por conta de uma bactéria – daí o barrigão.
– Me sinto uma pessoa muito feliz de poder falar que hoje ele
Antonio vivia sozinho na casa de adobe que pertencera à mãe, tá bem.
recém-falecida. Não tinha trabalho, nem renda, nem Bolsa-
Família, nem pé de meia. Passara três anos cortando cana no Tão bem que, veja só, Antonio já aprendeu a ler e a escrever.
O fim do desenxergar
Afonso Cunha
interior de São Paulo, até que começaram a doer-lhe as pernas Tão logo completou 40 anos, matriculou-se no Sim, Eu Posso!.
– já um sinal da diabetes – e ele se vira obrigado a retornar ao Assim, ruim da vista mesmo.
Maranhão, impossibilitado de trabalhar até mesmo na roça de
– Foi um desafio bem grande pra mim – diz a professora,
casa. De volta a Afonso Cunha, dependia da comida que vizi-
Cristiane de Sousa. – Mas queria fazer alguma coisa pra ajudar.
nhos e parentes lhe davam. Muito arroz, farofa, bolacha, pão.
E fez: apontava para Antonio onde estavam as linhas do cader-
– Toda coisa que o pessoal me dava eu comia – ele diz.
no, escrevia as letras bem grandes no quadro, passava tarefa
Não deu outra: a diabetes desembestou. para ele fazer em casa. E não é que o moço se formou? Foi no
início de janeiro de 2018. Escreveu cartinha e tudo. E ainda vai
Sorte foi a agente de saúde, Cristina da Conceição, ter feito essa ganhar óculos: faz pouco o mutirão oftalmológico passou por
primeira visita, abrindo caminho para que a Força Estadual de Afonso Cunha, examinando a visão dos 600 alunos do progra-
Saúde intervisse a tempo de evitar tragédia maior. E veio o tra- ma no município que devem receber as lentes. O rapaz, no
tamento: antibiótico para o estômago, remédio para a diabe- caso, não só vai ter óculos novos como ainda vai ganhar uma
tes, revolução na dieta. Veio também o Bolsa-Família, que o cirurgia de catarata, receitada pelo oftalmologista. O mundo,
pessoal conseguiu depois da chegada do Centro de Referência para Antonio, finalmente vai ficar um pouco mais bonito.
O fim do desenxergar 61
Afonso Cunha 62
Primeira
Cruz
IDHM: 0,512
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ANO DE FUNDAÇÃO: 1947
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 129,85
AÇÕES DO MAIS IDH: Bolsa Água para Todos; Assistência Técnica em Extensão
Rural; Bolsa Escola; Carreta da Mulher; Construção de Centros de Referência
da Assistência Social (CRAS); Cozinhas Comunitárias; Desenvolvimento da
Cadeira Produtiva do Artesanato e dos Trabalhos Manuais; Desenvolvimento do
Turismo; Feiras da Agricultura Familiar; Força Estadual de Saúde do Maranhão;
Fortalecimento do Comércio Local; Juventude com Ciência; Kits de Irrigação;
Leitura no Campo/Arca das Letras; Mais Asfalto; Mais Extensão Universitária;
Mais Saneamento; Mais Sementes; Minha Casa, Meu Maranhão; Mutirão Mais
IDH; Mutirão Rua Digna; Odontomóveis; Programa Água Doce; Programa
Avança; Programa Brasil Alfabetizado; Programa de Aquisição de Alimentos;
Programa Nacional de Alimentação Escolar; Programa Segunda Água;
Regularização Fundiária; Sistecs; Sistemas Simplificados de Abastecimento de
Água; Uniformes Escolares.
A vida sobre rodas
66
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Primeira Cruz
na hora de agachar para pegar um bombom no chão. Se a
rua fosse de areia, como antes, era pelo menos 40 minutos
caminhando até o pronto-socorro – isso com o menino aos
berros no colo e os pés ardendo no chão. Pois agora não só
tinha calçamento como tinha também moto para levar o guri.
A moto é nova, adquirida com a chegada do asfalto, como
também é nova a casa que Walber está construindo, levan-
tada em terreno próprio, comprado quando souberam que
Primeira Cruz ganharia sua mais nova rua calçada – aquela
que agora se chama Rua Benjamin Lopes.
68
– carvão e bicicleta no ombro. tindo a reinvenção da roda. Wellington Alles acaba de mudar
67
Primeira Cruz
casa. E até quem tinha tudo para não sair para a rua agora o carrinho de bebê que estava nos planos desde que Ravi,
se arrisca a passear. É o caso de Maria da Conceição Ferreira: agora com dois anos, se anunciava na barriga da mãe. Na
imagine a mulher, cega há quatro anos por conta de um época, Wagner chegou a sugerir a Laise:
glaucoma, caminhando sobre aquela areia dos infernos. Não
– Bora comprar carrinho?
saía de casa quase nunca, é claro. Pois hoje, adivinhe, vai
toda tarde fazer uma caminhada na rua acompanhada pela – Como, se não tem calçada? – respondeu Laise.
filha. E ainda aproveita para visitar os parentes.
Uns dias atrás, com Ravi no colo e novo filho na barriga de
– Tendo quem me leve, vou pra todo lado – comemora. Laise, Wagner perguntou de novo:
Vale mencionar que a vida sobre rodas é um tanto rara em – Bora comprar carrinho?
Primeira Cruz. Não que não haja carros – os dos poucos va-
lentes que se atrevem a cruzar os 23 quilômetros de areal Bora. De cara, já vão comprar carrinho para os dois.
que separam o lugarejo da cidade vizinha de Santo Amaro do
Maranhão –, mas é que o melhor acesso é de barco. São só
Primeira Cruz 70
São Francisco
do Maranhão
IDHM: 0,528
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POPULAÇÃO: 12.146 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 182,60
AÇÕES DO MAIS IDH: Água para Todos; Assistência Técnica em Extensão Rural;
Bolsa Escola; Carreta da Mulher; Cozinhas Comunitárias; Desenvolvimento da
Cadeira Produtiva do Artesanato e dos Trabalhos Manuais; Feiras da Agricultura
Familiar; Força Estadual de Saúde do Maranhão; Juventude com Ciência; Kits
de Irrigação; Leitura no Campo/Arca das Letras; Mais Asfalto; Mais Extensão
Universitária; Mais Saneamento; Mais Sementes; Minha Casa, Meu Maranhão;
Mutirão Mais IDH; Mutirão Rua Digna; Odontomóveis; Programa Avança;
Programa Brasil Alfabetizado; Programa de Aquisição de Alimentos; Programa
Nacional de Alimentação Escolar; Programa Primeira Água; Regularização
Fundiária; Sistecs; SIstemas Simplificados de Abastecimento de Água; Quintais
Produtivos; Uniformes Escolares.
Como salvar duas vidas
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nem se dera conta disso.
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POPULAÇÃO: 13.820 habitantes
LESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 135,04
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Essa era a vida de Silvia Meneses quando aqui chegou, faz
pouco mais de 30 anos, ainda moça, para morar com a avó.
Vinha do interior de Barreirinhas, o outro ponto de acesso
ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, há bem mais
tempo abençoado pelo asfalto. Santo Amaro do Maranhão
– Um quilo de fibra custa 35 reais. Pra fazer uma rede, preciso E é bom que Silvia vá se aprimorando nas artes da barganha
de 2,5 quilos. E ainda tenho que pagar 30 reais pra alguém porque, afinal de contas, o asfalto já está aí. Ela não esconde
torcer a fibra pra mim. certa inquietação a respeito disso, como muitos outros mo-
radores, porque Santo Amaro hoje é uma cidade de poucas
Torcer a fibra ela mesma, nem pensar: ruas e apenas 3.600 habitantes. E é, definitivamente, a mais
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4
POPULAÇÃO: 12.309 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 165,38
Antonio
Antôniode Almeida
de Almeida
Bacilo danado de 10% do total nacional. São João do Caru, município situado
nas franjas da Floresta Amazônica, quase encostado no Pará,
tem 23 pacientes sendo acompanhados no momento, só na
sede. Parece pouco, mas é dez vezes mais que a média bra-
Segunda de manhã e Antonio de Almeida já está sentado na sileira de casos por habitantes.
sala dos fundos do Centro de Saúde Dr. Benedito Carvalho.
Momento importante: Antonio vai ter alta. Foi um ano e meio – Em uma única rua de um povoado, praticamente todas
pelejando contra a hanseníase, desde que apareceram as as casas tinham alguém infectado – diz a enfermeira Elys
primeiras manchas e a orelha esquerda começou a inchar. Regina Martins.
Notou que tinha algo estranho, foi ao médico, fez exame de Em breve será um paciente a menos na estatística, pois
sangue, deu negativo – e o doutor mandou Antonio voltar Antonio deve receber alta ainda nesta segunda, assim que
para casa. Nem o rapaz e nem o médico, pelo jeito, sabiam a dra. Laís, a nova médica da Força Estadual de Saúde,
que o bacilo que causa a doença só aparece nos laudos chegar para seu primeiro dia no emprego novo, integrando
quando ela já está bem avançada. A de Antonio estava no a equipe que já fez mais de 21 mil atendimentos na cidade
começo, e desde então só piorou. em pouco mais de dois anos. Enquanto isso, o rapaz de
32 anos aguarda na sala mais arejada do posto, dotada
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– Noventa por cento dos pacientes que temos é multibacilar É assim, de paciente em paciente, que a hanseníase aos
– informa Pretinho. poucos vai sendo debelada. No começo do século 21, o
número de casos no Maranhão era cinco vezes maior do que
Daí a importância das novas companheiras de sala que o
hoje. Ainda é alto, mas a queda de incidência nos últimos
agente ganhou um ano e meio atrás, a enfermeira Elys Regina
anos aponta para um bom prognóstico. A cura já existe – é
e a nutricionista Nataniele Viana, ambas da Força Estadual
só questão de encontrar as pessoas infectadas e tratá-las. O
de Saúde, que ao menos uma vez por semana passam o dia
Maranhão nunca esteve tão perto disso.
sob os dois ventiladores atendendo os pacientes. Vale lem-
brar que a hanseníase tem cura, mesmo nos estágios mais
avançados: o tratamento dura de seis a 12 meses e é feito à
base de comprimidos diários de manutenção e ainda uma
dose mensal de cinco comprimidos, que devem ser tomados
sempre na frente de um profissional de saúde. É a chamada
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POPULAÇÃO: 6.431 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 182,63
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com dois sacos transparentes na mão. Lanche garantido.
Aqui não tem frescura: embalagem de açaí é sacola plástica
mesmo, pois o que importa é o líquido que vem dentro, feito
com fruta da boa, produzida no mais novo estabelecimento
do povoado de Curtiçal – o Ponto do Açaí.
Amapá do Maranhão
É lugar novo, não conta nem dois meses. Mas, como se vê,
já tem clientela. Luzenir Lisboa e seu marido, Domingos, são
veteranos no ramo: vivem há anos de colher, bater e vender
açaí – que alguns lugares do Maranhão chamam de juçara –,
tanto que o povo que passa por ali já conhece. A diferença é
que antes a dona Luzenir fazia o vinho na cozinha de casa,
toda apertada, numa batedeira velha que já não estava pres-
tando mais. Agora tem batedeira de inox, balcão de atendi-
mento e até mesa para sentar e comer, já com o potinho de
farinha de puba à disposição do cliente. Sim, açaí por aqui se
come com farinha. Com açúcar, jamais.
Amapá do Maranhão 16
A história que levou à criação do Ponto do Açaí teve início um “um cimentozinho”, como diz seu Domingos. De lá para cá,
ano e meio atrás, quando Domingos Barros da Silva come- não só aumentou o volume de farinha para vender como
çou a vender sua produção para o Programa de Aquisição de também os vizinhos ajudaram a complementar a renda. É um
Alimentos do governo estadual. Macaxeira, abóbora, maxixe, excelente negócio: seu Domingos empresta a casa de farinha
acerola, laranja, tudo que em sua roça se plantava passou a para os outros torrarem e, em troca, recebe quatro quilos de
ser vendido semanalmente na sede de Amapá do Maranhão, farinha por cada saco produzido (de 50 quilos cada).
com o objetivo de alimentar escolas, creches e hospitais.
Daí que, com o dinheiro do PAA e da farinha, seu Domingos
– Ele já foi a pessoa que mais vendeu pro PAA no municí- juntou tudo o que precisava para realizar o sonho de Luzenir.
pio – comenta Angelo Matias, da Secretaria de Estado de
– Isso aqui tudo é da força dele – orgulha-se a esposa.
Agricultura Familiar. Ao todo, são 14 pequenos produtores
que participam do programa. E ainda sobrou uns trocados para investir na produção pró-
pria de açaí. Cerca de três mil mudas de açaizeiro já estão
Pois é. Seu Domingos, além de passar um bocado de tempo
despontando suas folhas no quintal de casa, esperando o
subindo nos açaizeiros para colher a fruta, ainda arranjou
momento de serem replantadas em um terreno a sete quilô-
jeito se de dedicar ao roçado para garantir a venda para o
metros dali, depois que passarem as chuvas.
governo. Fora as horas que ele gasta cruzando e descruzan-
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do a divisa entre o Maranhão e o Pará para comprar e re- – Quero plantar dez mil mudas – planeja Domingos.
vender açaí. Apesar de o povoado estar em plena Amazônia
maranhense, quase encostado no Pará, a safra é diferente O que é uma decisão crucial para quem pretende viver de
nos dois lugares: aqui, a palmeira frutifica nas chuvas, entre açaí: Amapá do Maranhão tem visto perder um bom naco
outubro e fevereiro; do lado de lá da divisa, na estiagem, por de floresta nos últimos anos, decorrente do avanço das
O fim do desenxergar
Amapá do Maranhão
volta de julho e agosto. pastagens – inclusive por parte dos próprios moradores do
povoado. Seu Domingos conta que o Curtiçal nasceu de um
– Quando acaba aqui, a gente compra do Pará. Quando acaba assentamento agrário, onde dezenas de famílias foram con-
lá, a gente manda daqui – sintetiza seu Domingos. templadas com lotes de terra. Ao invés de manter a floresta
de pé e tentar viver dela, o que quase todos fizeram por aqui
E ainda tem a farinha.
foi derrubá-la para investir em gado, que se acreditava mais
Quem viesse visitar o casal alguns meses atrás ia ver a casa lucrativo. Só descobriram o quanto era custoso viver de bois
de forno meio caída: o chão ainda de terra, o teto de palha quando a terra já estava toda devastada. E o açaí cada vez
de inajá e uma caixa d’água de plástico servindo de tanque mais raro.
para deixar a mandioca de molho (daí o fato de a farinha
– Não tem nem metade do que tinha aqui – argumenta a
de puba também ser chamada de “farinha d’água”). Com o
dona Luzenir. – Daqui a um tempo, quem não tiver plantio
incentivo do Sistema Integrado de Tecnologias Sociais, um
não vai ter pra vender.
dos quase 300 instalados na cidade, veio a chance de mudar
tudo: a mandioca lá no Curtiçal agora se hidrata em tanque Pois seu Domingos e dona Luzenir já se adiantaram: não vai
de azulejo, o teto é de telha de Brasilit e até o chão ganhou faltar açaí nem para vender nem para servir. Quem quiser,
já sabe: é só espiar a fachada e ver se a bandeira está fin-
cada lá. Placa na porta ainda não tem, mas não deve tardar:
“Ponto do Açaí”, bem bonito, cravado na parede lilás – que,
por sinal, está mais para a cor roxa do açaí do que a bandeira
vermelha. Mas quem se importa? Tendo açaí – e farinha para
acompanhar, sempre – todo o mundo fica feliz.
20
19
O fim do desenxergar
Amapá do Maranhão
Maria Luzenir
Silva Lisboa
Evanilde Sales
dos Santos
Centro Novo
do Maranhão
IDHM: 0,518
22
POPULAÇÃO: 17.622 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 188,88
AÇÕES DO MAIS IDH: Água para Todos; Assistência Técnica em Extensão Rural;
Bolsa Escola; Carreta da Mulher; Cozinhas Comunitárias; Desenvolvimento da
Cadeira Produtiva do Artesanato e dos Trabalhos Manuais; Escola Digna; Feiras
da Agricultura Familiar; Força Estadual de Saúde do Maranhão; Fortalecimento
do Comércio Local; Juventude com Ciência; Kits de Irrigação; Leitura no Campo/
Arca das Letras; Mais Asfalto; Mais Saneamento; Mais Sementes; Minha Casa,
Meu Maranhão; Mutirão Mais IDH; Odontomóveis; Programa Avança; Programa
Brasil Alfabetizado; Programa de Aquisição de Alimentos; Programa Nacional de
Alimentação Escolar; Programa Primeira Água; Sistecs; Sistemas Simplificados de
Abastecimento de Água; Uniformes Escolares.
Os porcos de Evanilde Com o dinheiro das vendas, já deu para comprar calçado
novo para as crianças irem à escola. Chinelo, agora, só em
casa. E ainda sobrou um tanto para os remédios e o incre-
mento do almoço:
Já vai fazer um ano que Neguinha e Pintada se mudaram
para a casa de Evanilde. O endereço: Quadra 40, de nome 22 – Já dá pra comprar comida pra mim e pra eles.
de Abril, Projeto de Assentamento São Francisco, a menos de “Eles”, no caso, são os porcos. Precisamente cinco: além das
cinco quilômetros de onde o rio Gurupi traça a divisa líquida duas fêmeas e de Pintado, o barrão (o macho reprodutor),
entre o Pará e o Maranhão. Tão logo chegaram, já ganha- na pocilga vivem ainda mais uma porca – comprada com a
ram casa nova: uma pocilga de três cômodos com parede de segunda parcela do incentivo governamental – e um macho
tijolo e teto de palha. E não tardaram em arranjar namorado. capado, nascido ali mesmo, “enjeitado”, como se diz.
Sim, o mesmo: o porco do seu Quincas, que com as duas
gerou 16 leitões. Dois a família comeu e o resto foi vendido. – Nasceu feinho o leitão, bem pequeno. Vou engordar pra
Exceto um, macho, filho de Pintada, que entrou para a família vender.
e acabou recebendo o nome da mãe: Pintado. Este também
Naquelas bandas, um porco desses custa 11 reais o quilo. E
não demorou a arranjar namorada. No caso, Neguinha.
24
faltam só cinco quilos para que o capado alcance os 45 míni-
Evanilde Sales dos Santos faz parte de uma das 240 famí- mos que se exige para a comercialização no mercado local. E
lias contempladas com o Sistema Integrado de Tecnologias tome mais uns 500 reais na conta de Evanilde.
Sociais em Centro Novo do Maranhão, município onde quase
A família suína também cresceu: Pintado e Neguinha já gera-
dois terços da população vive no campo, a imensa maioria
ram os primeiros descendentes, dez leitões. Pintada também
formada por pequenos produtores rurais. Quase todas as
28
POPULAÇÃO: 22.732 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 154,00
30
de paparaúba, telhado de pindoba e, para o rodapé, lançou
mão da taipa. Fez tudo sozinho, assim desse jeito, com uma
perna só – Ronivaldo perdeu o membro direito do joelho
para baixo em um acidente de moto. Hoje anda com uma
bengala adaptada: em uma ponta, um aro sustenta o joelho;
Pedro do Rosário
em outra, um aro menor serve para trocar a marcha da moto.
Sim, é de moto que ele vem trazer os frangos até o centro da
cidade. Dizem que anda como tivesse as duas pernas.
dos Santos
Ronivaldo de Jesus
Pedro do Rosário 32
Pedro do Rosário 32
E não é só Ronivaldo e seus frangos que chegam mais rápido – Comprei também uma máquina de bater juçara – ela co-
ao centro de Pedro de Rosário. Elizabeth Sousa, outra pro- menta, ressaltando que antes tinha que esmagar no pilão os
dutora-comerciante, não leva nem dez minutos para fazer o frutos do juçaral que cresce na frente de casa.
trajeto entre o povoado da Quineira, a dois quilômetros da
E tem também o freezer, igualmente comprado com o dinhei-
sede, e o local da feira. Primeiro por conta do asfalto; segun-
ro dos frangos, maxixes e farinhas que vendeu, que usa para
do, por causa da moto que conseguiu comprar com o dinhei-
guardar as polpas congeladas de tudo quanto é fruta que sai
ro que ganhou vendendo tanto nas feiras quanto nos progra- vendendo pelas casas do povoado. Tem de manga, bacuri,
mas governamentais de compra de produtos da agricultura acerola, cupuaçu...
familiar. Duas fontes de renda que ela nem imaginava que
teria um dia. Antes, lavoura se plantava só para comer. Agora – Ainda não botei minha casa, mas este ano eu chego lá – ela
serve também para vender: tudo o que ela produz hoje tem diz, confiante.
venda garantida e vai se espalhando pelo Maranhão, virando Taí uma coisa na qual Josenilde de Jesus, na barraca ao lado,
merenda nas escolas e refeições em hospitais. Ela e mais os se adiantou. Pena que durou pouco.
22 produtores do município cadastrados nos programas, que
juntos superaram em cerca de 200% a meta prevista para um – Construí uma casa de tijolo grandona, de três quarto. Aí
34
33
– Pedro do Rosário foi o município que mais produziu para Como todos ali, o dinheiro da casa de Josenilde também veio
o Programa de Aquisição de Alimentos em 2017 – informa da criação de frangos com apoio do governo e da venda de
alimentos. No caso dela, uma produção e tanto: só em 2017
Suellen Arruda, coordenadora da equipe da SAF.
lucrou 16 mil reais – uma boa parte gasta com a construção
O fim do desenxergar
Pedro do Rosário
Elizabeth vende de tudo: arroz, feijão, farinha, pimenta, abó- da casa e perdida com a separação.
bora, maxixe, cuxá e, sim, frango também, igualmente produ-
Mas a vida tem seus mistérios e hoje Josenilde já está de
zido com a ajuda do Sistec, como as aves de Ronivaldo.
casa nova, também lá na Quineira, conquistada por meio de
– Já botei três lotes de cem frango – ela diz. – Vendi todos. um programa do governo federal. Ela e sete de seus nove
filhos ali começarão vida nova, com tudo novo. Josenilde
Mas não neste sábado. Frango hoje não teve, mas teve todo está lá não faz três meses e já botou quatro canteiros. O de
o resto, que com poucas horas de feira já está perto de se alface, ela diz que está a coisa mais linda. O novo galinhei-
esgotar. Enquanto Ronivaldo sobe na moto para ir embora, ro também está avançado. E vai ser melhor que o da casa
Elizabeth já pensa em desmontar a barraca, praticamen- antiga: de alvenaria, não de taipa. Tão logo entre o dinheiro
te vazia: sobraram só um pacote de farinha, um de feijão e das vendas, tudo ali vai rebrotar, certamente mais viçoso do
dois pedaços de abóbora. O arroz torrado foi todo. O maxixe que antes, porque com gosto de renovação.
também. Já quem quiser tomar um suco de bacuri ou uma
– Quero plantar até nos óio do pau! – diz Josenilde, tomada
tigela de açaí (ou juçara, como se diz por aqui) vai ter que
de inabalável confiança.
passar no povoado da Quineira, pois é lá que Elizabeth está
investindo em outras frentes de negócio. Imagine só o que ela não vai ter para vender depois disso.
Cajari
IDHM: 0,523
36
POPULAÇÃO: 18.338 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 136,39
– Esse trabalho tem uma carga muito pessoal pra mim – diz.
E se emociona.
38
Suzanne tratou logo de montar um programa de combate ao
tabagismo. Está há um mês em campo e já tem 12 usuários
sob sua condução. Com todos, usou a mesma abordagem:
chegou devagarinho, visitando a casa, querendo conhecer os
hábitos, entender quando vem a vontade de fumar.
Cajari
– Eu tento descobrir qual é a relação do usuário com o ci-
garro – ela explica. – Quais são os hábitos que estimulam
o fumo, por exemplo, como os encontros com a turma do
baralho, a vontade de fumar depois do café…
Às vezes funciona, às vezes não. Tem gente que é regrada, – Vou comprar meia dúzia de cerveja pra ver se tu fuma. Vou
tem que gente não. A Maria, por exemplo, não é. E isso que te testar!
Suzanne recrutou até as filhas dela, Ingrid e Irlany, para
Maria se ri, um tanto nervosa, mas não diz nem que sim, nem
ajudá-la a preencher a agenda. Mas a mulher, talvez até
que não.
por autossabotagem, vivia esquecendo. Mudança de estra-
tégia: contar os cigarros que vão sobrando dentro da car- Quem responde é Irlany, a filha de dez anos do casal, recém-
teira. Funcionou: -chegada da escola
– Eu fumava quase duas carteiras por dia – diz Maria da – Tua mãe vai parar, né? – aproveita para perguntar Suzanne.
Graça Costa, que é dona de casa, moradora do centro da
cidade. – Hoje eu fumo só três: um de manhã, um de tarde e A filha nem pensa na hora de responder:
um de noite.
– Com certeza!
– E melhorou, dona Maria?
42
Suzanne se entusiasma. Não apenas com dona Maria, mas
41
– Rapaz, tô me sentindo muito melhor. Até parei de tossir! porque, de algum modo, se vê espelhada em Irlany – duas
filhas partilhando do mesmo desejo, o de ver a mãe parar
Pois é. Comprar os cigarros por unidade, e não a carteira de fumar. A mãe da psicóloga ainda não largou o vício, mas
toda, também ajudou. Assim como ajudou – e foi uma tre- ao menos o número de tragadas diárias já caiu um bocado.
menda ajuda – o estímulo do marido, Chico Doria, o mais
O fim do desenxergar
Cajari
novo ex-fumante da família. Chico é agente de saúde, e – As histórias que eu vou levando vão encorajando ela – diz
pegava até mal um profissional como ele ser viciado em ni- Suzanne.
cotina. Bastou Suzanne chegar na cidade, o homem já foi
Tudo depois de Cajari.
logo tomando vergonha na cara:
44
POPULAÇÃO: 10.940 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 123,44
Nathaliele Reis
Cordeiro
O boi vai brilhar
46
União da Sociedade fez sua estreia em São Luís.
– O meu sonho era levar esse boi pra cidade – revela Nelci
de Almeida Pinto, atual presidente da Associação Cultural da
Comunidade Quilombola de Soledade e Adjacências, devida-
mente registrada em ata de criação no ano de 2012.
Serrano do Maranhão
E lá se foram os 45 integrantes do boi de Soledade brilhar
na capital. As índias na frente e atrás o batalhão, e no meio
deles Nelci, neto de um dos fundadores, brincante há mais
de 40 anos. Na voz, Denivaldo Piedade, puxador e com-
positor das mais lindas toadas. Depois voltaram no ano
seguinte – e brilharam de novo. Mas eram ainda brilhos
forasteiros, como sempre foram, bordados pelos artesãos
de Cururupu.
Denivaldo de Nazaré
Serrano do Maranhão 48
vestimentas que fazem os bois cintilarem pelas ruas e Pois é: além de aprender o novo ofício, elas ainda vão vender
praças do Maranhão. Foi um dos seis cursos que o Instituto as peças para a própria comunidade. Já que roupa de boi
de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema) ofe- é algo que precisa ser comprado todo ano, que seja pelo
receu aos moradores do município, cinco deles em comuni- menos de gente daqui, não de Cururupu. E olha que um boi
dades quilombolas. Vale lembrar que Serrano do Maranhão como o de Soledade não é barato: só a roupa das oito índias
é o município mais negro do estado: 40% da população se do grupo – entre elas Nataniele – custou 4.200 reais. A ves-
declarou de cor preta no último censo. timenta de Denivaldo, o puxador, de longe a mais enfeita-
da, saiu por 1.500 reais. Tem gente na Soledade que investe
– Esse ano vamos fazer já com as vestimentas daqui – confia
pesado nas roupas: vende porco, farinha, carvão, até boi (o
Nelci. – A gente tá pedindo a Deus que elas firmem esse po-
bicho) já venderam. Mas a festa mesmo é patrocinada pelos
tencial delas.
oito sócios da União da Sociedade, que fazem a vaquinha
Nataniele Cordeiro, por exemplo, já está bem avançada na anual para garantir o brilho na capital.
costa de camisa que começou a bordar durante o curso. E
– Pra mim é mais pesado porque eles acham que eu tenho
mostra, cheia de orgulho: um pano de veludo vermelho, para
mais dinheiro, por ser o presidente – diz Nelci, cuja renda
se destacar sobre o calção preto, decorado com um ramo
vem toda da roça e da aposentadoria. – Se eu tivesse um
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49
Serrano do Maranhão
– Tem camisa que pesa mais de quatro quilos – informa Nelci. – É um gasto, mas quando chega a festa é só alegria pra
gente – diz Nelci, já emendando o convite para vir a Soledade
– E é um forno! – emenda Nataniele.
no próximo São João ver o boi brilhar. – Vou te ligar, hein?
Daí que, durante o curso, sob a orientação de Gregória e
Nazaré – professoras da comunidade, mais experientes na
arte do bordado –, Nataniele e suas colegas tiveram de exer-
citar o coletivo, repartindo entre si as partes de cada vesti-
menta: umas fizeram as costas da camisa, outras a frente,
outras as mangas, outras cada perna da calça, e assim por
diante. Já virou jeito de fazer a coisa funcionar:
52
POPULAÇÃO: 11.921 habitantes
OESTE
RENDA PER CAPITA: R$ 190,15
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construída nesses moldes.
Fogoió é só orgulho:
– A escola mais bonita do município tá sendo essa aí. outro nos fundos e enfeitou a casa inteira com requintes de
decoradora. Na cozinha, abusou do vermelho: nas cortinas,
Santa Luzia não tem nem 20 anos de idade, mas eram
nos panos de prato, na toalha de mesa, nos tapetinhos, na
séculos de desenvolvimento os que separavam a comu-
cobertura das cadeiras. Para o banheiro, preferiu uma paleta
nidade dos requisitos mínimos de bem-estar a que todo
focada no amarelo. É o banheiro “das visitas”, segundo ela:
ser humano tem direito. Até não muito tempo atrás, cerca
de 200 pessoas viviam em casas de taipa ou de palha de – Quando vem gente, é tão chato a pessoa chegar na casa da
babaçu, onde água era sempre um problema – ou porque gente e a gente não ter o que oferecer…
era de menos, tirada de um cacimbão nem sempre cheio,
Pois agora já tem. E daqui a pouco vai ter também almoço
ou porque era demais. E demais no lugar errado: no tempo
em fogão a lenha, que é o que falta para a casa da dona da
das chuvas, o chão das casas embrejava todo, a ponto de
Luz ficar pronta. No alpendre de trás, do lado de onde reluz
se criar poças no meio da sala.
uma mesa enorme de madeira dada pelo filho, a proprietária
– O sofrimento era tão grande que a gente acordava de noite da casa mais bonita de Santa Luzia já está perto de terminar
com água minando debaixo da rede – lembra Fogoió. aquele que será o arremate de seu projeto de decoração. E
ela jura que, depois disso, vai parar com as reformas.
Pois o sofrimento diminuiu seis meses depois da chegada da
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escola, quando 46 famílias receberam a chave da casa nova. – Agora vou comer meu dinheirinho – ela diz, levando a mão
Santa Luzia foi a primeira comunidade escolhida pelo comitê à boca, de brilho nos olhos.
local do Mais IDH a receber as quase cem moradias do Minha
E logo mais, veja só, também Santa Luzia vai ser toda re-
Casa, Meu Maranhão construídas no município. De quebra,
paginada: o asfalto enfim vai encostar na soleira da porta
veio junto um poço novo e todo um sistema de saneamento,
da dona da Luz e das outras dezenas de moradores cujas
O fim do desenxergar