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História

Contemporânea do
Século XIX
Viviana Benetti
Wagner dos Santos Chagas

História
Contemporânea do
Século XIX
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Astomiro Romais,
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Cristina Gedrat
Kauana Rodrigues Amaral
Luiz Carlos Specht Filho
Mara Lúcia Salazar Machado
Maria Cleidia Klein Oliveira
Thomas Heimann

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados técnicos do livro


Diagramação: Marcelo Ferreira
Revisão: Igor Campos Dutra
Apresentação

N osso estudo sobre a História Contemporânea nos convida a reflexões


sobre o período de transição, entre o que denominamos de mundo
moderno e o mundo contemporâneo.

No primeiro capítulo, veremos a relação entre o movimento Iluminista


e a Revolução Francesa, alguns conceitos e, a seguir, conhecer o mundo
na década de 1870 e suas ideias.

No segundo capítulo, a Revolução Francesa, veremos a marcha revolu-


cionária desencadeada por um complexo conjunto de causas econômicas
e sociais que abalaram as estruturas da monarquia absolutista francesa e
que resultou na eclosão da Revolução em 1789. A agitação social e eco-
nômica representada pela constante luta da nobreza para manter os seus
privilégios, a reação dos camponeses contra o estado miserável de vida
que enfrentavam e a ascensão da burguesia que buscava o seu espaço na
sociedade.

Já no terceiro capítulo, Período Napoleônico, será apresentado o pro-


cesso de ascensão e queda de Napoleão Bonaparte ao governo francês.
Seu papel importantíssimo como grande general que defendeu a França
das invasões estrangeiras em 1799. Sua ascensão como primeiro cônsul,
depois cônsul vitalício e por fim Imperador. E após chegar ao ápice de seu
poder na Europa, o processo que o levou à perda da coroa francesa e sua
morte no exílio.

No quarto capitulo, estudaremos as “ondas revolucionárias” que var-


reram a Europa, especialmente na primeira metade do século XIX. Desta-
caram-se as ondas de 1830 e de 1848. A primeira, assinala a derrota da
aristocracia, na qual se verá a ascensão da burguesia e sua consolidação
no poder. E a segunda onda assinala a derrota do proletariado, em que
Apresentação  v

o movimento de luta operária experimentará então uma queda, vindo a


manifestar-se com mais intensidade em 1871, com a Comuna de Paris.

O quinto capítulo, Revolução Industrial, apresenta as profundas trans-


formações econômicas e sociais desencadeadas pela industrialização
ocorrida na Inglaterra a partir do século XVIII. Um fenômeno inglês, a Revo-
lução Industrial possibilitou a expansão do capitalismo de maneira global,
causando impactos irreversíveis na sociedade e na economia do ocidente.
Impactos estes como o grande aumento na acumulação de capital pela
burguesia fortalecida por meio da exploração do trabalho de uma grande
massa de trabalhadores que, onda após onda, invadia as cidades em bus-
ca de sustento. Pois a acumulação de riquezas com a introdução da tec-
nologia e da maquinaria nas fábricas foi capaz de gerar as desigualdades
sociais que intensificaram o conflito de classes.

No sexto capítulo, O Movimento Operário do Século XIX, veremos o


desenvolvimento da Revolução Industrial, iniciado na Inglaterra, alastran-
do-se em outras partes da Europa e do mundo, trazendo mudanças na
organização da sociedade, nos aspectos políticos, sociais e econômicos,
colaborando e reelaborando as relações de trabalho vinculadas ao proces-
so revolucionário. A consolidação do capitalismo, as condições de vida e
de trabalho do nascente proletariado tornaram-se extremamente precárias.
Tais condições eram ainda mais insuportáveis conforme contrastavam, de
maneira brutal, com o estilo de vida da burguesia industrial.

No sétimo capitulo, estudaremos Os Excluídos da História, Homens e


mulheres, personagens da história do século XIX, os quais estão presentes
em todos os movimentos do período, porém não apresentados de forma
plena. Conheceremos o papel das mulheres no movimento operários, dos
patrões e dos operários.

No oitavo capítulo, O nacionalismo na Europa do Século XIX, veremos


o surgimento do conceito de nacionalismo que, inicialmente, representou
apenas uma versão de direita dos movimentos de criação e unificação
dos Estados europeus, mas que ganharia força como um sentimento que
motivaria todos os movimentos que consideravam a causa nacional como
vi    História Contemporânea do Século XIX

de primordial importância política. Dois grandes exemplos da força do sen-


timento de nacionalismo na Europa do século XIX foi a sua influência na
formação do estado nacional italiano e alemão.

O nono capítulo, Imperialismo, apresentará os impactos econômicos,


sociais e políticos do Imperialismo por todo o mundo. O imperialismo no
século XIX foi um dos frutos da Revolução Industrial. Esse fruto espalhou as
sementes da industrialização e da economia capitalista por todo o mundo.

Em nosso último capitulo, estudaremos As Ideologias Políticas do sé-


culo XIX, veremos que as ideologias políticas surgiram e foram se fortale-
cendo e tornando-se as principais ideias para explicar e entender o mundo
contemporâneo. Conheceremos um pouco sobre as principais ideologias
políticas que surgiram ao longo dos séculos XVIII e XIX e influenciaram todo
o século XX. São elas: o Liberalismo, o Socialismo e o Anarquismo.
Sumário

1 O Mundo na Década de 1780...............................................1


2 A Revolução Francesa..........................................................23
3 O Período Napoleônico.......................................................46
4 Revoluções de 1830 e 1848.................................................64
5 Revolução Industrial.............................................................85
6 O Movimento Operário do Século XIX................................108
7 Os Excluídos da História....................................................132
8 O Nacionalismo na Europa no Século XIX..........................154
9 Imperialismo.....................................................................180
10 As Ideologias Políticas do Século XIX..................................200
Viviana Benetti

Capítulo 1

O Mundo na Década de
1780

ÂÂ
P
ara iniciarmos nosso estudo sobre a História Contem-
porânea, algumas reflexões são importantes sobre esse
período de transição, entre o que denominamos de mun-
do moderno e o mundo contemporâneo. Acreditamos ser
relevante observarmos o mundo do final do século XVIII e
suas ideias.
2    História Contemporânea do Século XIX

Introdução

Nossa proposta de estudo inicia com as ideias iluministas, já


estudadas na disciplina passada; em um segundo momento,
focaremos o contexto da vida na Europa no final do século
XVIII.

Como balanço do século que findava a pergunta “o que


é o Iluminismo?” animou importantes debates na Alemanha
entre 1783 e 1784, especialmente pela riqueza das respos-
tas apresentadas por Emmanuel Kant. Os debates giravam em
torno do nome escolhido: século das luzes, do esclarecimento.
Apesar de sugestiva, a metáfora da luz, da clareza das ideias,
não era precisa em seus significados.

As ideias iluministas e a revolução francesa


A questão fica mais complexa se estabelecermos relações en-
tre o pensamento Iluminista e a Revolução Francesa de 1789.
O historiador Jorge Grespan (2003) faz uma análise sobre
essa relação. De acordo com Grespan (2003), essa relação
foi assinalada na época pelos revolucionários e pelos inter-
pretes dos dois acontecimentos. Em determinado momento,
chegou-se a conceder a mais alta honraria a Voltaire e a Rous-
seau, pensadores rivais, só reunidos pela homenagem.

A Revolução mostrava não estar interessada nas diferenças


ideológicas entre as obras de Voltaire e Rousseau, mas em re-
conhecer o débito intelectual dela mesma para com a profun-
da crítica social e política em ambas. Não tardou intérpretes
posteriores lançarem dúvidas sobre a naturalidade do enraiza-
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    3

mento da Revolução no Iluminismo. Para o autor, nem todos os


pensadores do “século das luzes” apoiariam totalmente o que
aconteceu na França após 1789, bem como a própria falta de
unidade intelectual que existia dentro do movimento Iluminista.

Um ponto importante a ser considerado sobre a relação


entre as ideias iluministas e a Revolução é que a difusão das
ideias antes da Revolução era restrita à circulação dos livros
que tratavam de política e filosofia. Grespan argumenta: em
que sentido, então, se pode admitir que os ideais da Revolu-
ção de algum modo nasceram do Iluminismo? E como imagi-
nar que livros caros e disponíveis em quantidade reduzida po-
diam ter atingido as camadas sociais mais baixas, justamente
as mais mobilizadas e engajadas na Revolução, a ponto de as
terem influenciado?

Em estudos recentes sobre as ideias iluministas, muitos au-


tores enfatizam suas diferenças. Por iluminismo não se pode
entender um sistema coerente e homogêneo de pensamento,
tão pouco classificá-lo como uma “escola” filosófica. Então,
a que se referiam os revolucionários quando estabeleciam no
iluminismo sua origem intelectual? Para alguns, os revolucio-
nários buscavam uma legitimação para o seu projeto político.
Porém, há de se obsevar que o iluminismo carregava um fun-
damento importante: a crítica, a qual se constituiu um elemen-
to fundamental no movimento das ideias, imprimindo-lhes a
dinâmica e impedindo que se cristalizassem em uma totalida-
de estática.

De acordo com Jorge Grespam (2003), Kant definiu o


iluminismo, em 1784, “ousa servir-te do teu próprio entendi-
4    História Contemporânea do Século XIX

mento” sem imitar ou aceitar as ideias das autoridades reco-


nhecidas e temidas, “ousa saber”. O Lema, não era apenas
um convite ao estudo, era uma convocação à independência
intelectual diante dos demais, incluindo os grandes filósofos.

A máxima de Kant expressava a postura generalizada do


inconformismo com que se caracterizava o seu século. Kant
elaborou um projeto perfeitamente iluminista para sua obra
filosófica, a qual submete a seu próprio crivo. Já que a razão
se definia como direito de tudo submeter a exame, ela também
deveria ser submetida, aparecendo como “critica da razão”
pela razão.

Assim, o iluminismo é capaz de autocriticar-se, de voltar-se


até contra si mesmo, realizando uma trajetória de constantes
modificações. Portanto as ideias eram ambíguas, sendo sua
unidade complexa e precária; dessa ambiguidade resultavam
conflitos e tensões responsáveis por seu movimento, pelos des-
dobramentos de conceitos e raciocínios explicitados em grupos
contrários. Esse processo ocorre de forma dialética superando
a concepção da unidade das ideias.

Com essa definição de iluminismo, fica visível a relação en-


tre o Iluminismo e a Revolução. Grespan (2003) aponta que,
tradicionalmente, ambos eram apresentados como fenôme-
nos distintos, um no campo das ideias e outro no campo da
ação, porém, seu vínculo é mais estreito. Afinal, o iluminismo
foi também uma prática, onde as ideias eram produzidas, di-
fundidas, criticadas e modificadas. E a Revolução possuía uma
inevitável dimensão de projeto elaborado no campo teórico,
embora sua execução levasse para além dessa dimensão. Na
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    5

medida em que é um movimento de critica, o Iluminismo tem


um aspecto revolucionário, pois nunca fixou fundamentos rí-
gidos, e tampouco construiu um sistema de ideias acabado e
imutável.

Aparece aqui um primeiro conceito de Revolução ligado


à forma em que se dava a constituição da prática teórica ilu-
minista. Mas, é importante conhecer qual o conteúdo social
e político da Revolução, pois não podemos alargar demais
o conceito. Grespan atenta para algumas perguntas. Qual o
significado da palavra revolução naquele contexto e por quais
transformações passou esse significado durante a própria re-
volução? Ou, como a prática política alterou os conceitos?
Aqui, é importante obsevar por que foram feitas as homena-
gens a Voltaire e a Rousseau em momentos distintos – 1791
e 1794, respectivamente, o que ajuda a explicar a reunião de
dois filósofos adversários. Por que a cada momento a Revolu-
ção se concebia de modo diferente correspondendo à obra de
um deles?

A relação entre teoria e prática explica a forma do desen-


volvimento das ideias iluministas, que só era revolucionária
por estar inserida em um quadro maior de uma revolução real.

Historicamente, o uso do conceito “revolução” passa por


diversos registros e somente adquire o sentido que normal-
mente atribuímos a ele após o período das grandes Revolu-
ções Inglesa e Francesa. Antes disso, desde o século XVI, era
usado pelas ciências naturais, em particular pela astronomia,
em referência ao movimento cíclico dos astros, e só ganha
conotação política no século XVII, quando passa a ser usado
6    História Contemporânea do Século XIX

com o sentido de uma volta a um estado anterior. É desse


modo que Hannah Arendt nos apresenta a Revolução Inglesa
de 1688: esta teria representado uma revolução de fato, mar-
cando a restauração da ordem monárquica e o fim de uma
época de turbulências.

Vinculada à ideia de ruptura drástica, a concepção de


“revolução” se enraíza após a Revolução Francesa de 1789,
elevando os valores burgueses de igualdade e liberdade ao
âmbito político, adquirindo um caráter de mudança brusca
concentrada em espaço de tempo curto e, por fim, construin-
do um estado de coisas inteiramente novo. Aqui, a Tomada
da Bastilha, em 14 de julho do referido ano, é tida como o
marco histórico a partir do qual se desenvolvem as mudan-
ças drásticas, reconhecidamente vinculadas àquele episódio, e
que marcaria a ruptura com a antiga ordem social: a abolição
dos privilégios da nobreza, a instauração do poder temporal,
as noções de respeito aos direitos do homem e do cidadão.
Esse se transformaria no paradigma ocidental da Revolução
Burguesa e teria como protagonistas a burguesia revolucioná-
ria e o povo, seu aliado. Essa nova compreensão do conceito
teria grande influência intelectual para teóricos, políticos e mo-
vimentos socialistas nos séculos XIX e XX.

Os aspectos acima apresentados nos serviram para refletir-


mos o papel do movimento de ideias, denominado iluminismo
na Europa, confrontando-o ao movimento da revolução Fran-
cesa. A seguir, veremos como era o mundo na década de 80
do século XVIII, às vésperas da Revolução Francesa.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    7

O historiador Eric Hobsbawm (1977) nos apresenta o mun-


do em 1780, e destaca, “a primeira coisa a observar sobre o
mundo na década de 1780 é que ele era ao mesmo tempo
menor e muito maior que o nosso” (p. 23). Era menor geogra-
ficamente, pois mesmo os homens mais instruídos conheciam
somente pedaços do mundo habitado. A maior parte das su-
perfícies dos Oceanos, contornos de continentes haviam sido
mapeados por navegadores. O tamanho e altura das mon-
tanhas da Europa eram conhecidos, as cadeias da América
eram pouco conhecidas e as da Ásia e África eram totalmente
desconhecidas para fins práticos.

O mundo real em termos populacionais também era me-


nor, segundo Hobsbawm (1977), a população europeia era
um terço do que se apresenta hoje. Enquanto dois de cada três
humanos eram asiáticos, um de cada cinco era europeu, um
de cada dez era africano e um de cada trinta e três era ame-
ricano. Claro que temos de obsevar as regiões onde a agri-
cultura era intensa e a urbanização concentrada, tais como
parte da China, Índia e Europa Central e Ocidental, a densi-
dade demográfica era maior. Outros elementos a considerar,
no período, eram as doenças endêmicas, como a malária, as
formas primitivas de economia, como caça e emigrações de
rebanhos devido ao clima frio.

Um terceiro aspecto a considerar era que a humanidade


era menor, os europeus eram nitidamente mais baixos e mais
leves do que hoje. Porém, isso não significava que os homens
do final do século XVIII fossem mais frágeis do que somos. O
8    História Contemporânea do Século XIX

autor coloca que os esqueléticos e destreinados soldados da


Revolução Francesa eram capazes de suportar sofrimentos físi-
cos iguais aos homens atuais.

Um quarto aspecto destacado pelo autor eram as dificul-


dades e incertezas das comunicações. No final do século XVIII
era, pelos padrões medievais do século XVI, uma das comuni-
cações mais rápidas e abundantes. O sistema de carruagens
expandiu-se na segunda metade do século XVIII, e o aperfei-
çoamento das estradas e serviços postais nos veículos puxados
a cavalos. Os serviços de transportes de passageiros por terra
e o transporte de mercadorias era vagaroso e caro. Nessas
circunstancias, o transporte por água era mais fácil, mais ba-
rato e mais rápido (exceto com as incertezas do tempo e dos
ventos).

Era mais fácil transportar pessoas e mercadorias em gran-


des quantidades e pelas enormes distâncias oceânicas – assim
como era mais fácil ligar capitais distantes do que o campo às
cidades. Por exemplo, a notícia da Queda da bastilha chegou
a Madrid em 13 dias, mas em Péronne, distante 133 km de
Paris, as notícias chegaram no final do mês.

Outra característica importante destacada por Hobsbawm,


nesse contexto pré-revolução, era que o mundo era essencial-
mente rural, e é impossível entendê-lo sem esse fato, de acor-
do com o autor. Era impossível encontrar um estado europeu
no qual ao menos quatro de cada cinco habitantes não fossem
camponeses. Até na Inglaterra, onde a população urbana só
ultrapassou a população rural em 1851.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    9

A palavra “urbano” era ambígua. Ela inclui duas cidades


europeias que podem ser chamadas de grandes, segundo
nossos padrões, Londres (cerca de 1 milhão de habitantes)
e Paris (com cerca de meio milhão). Outras cidades com
cerca de 100 mil ou mais encontravam-se na Alemanha,
França, Espanha, Itália, Rússia e Portugal. As cidades de
província não eram menos urbanas por serem pequenas.
Hobsbawm destaca que, os autênticos homens das cidades
desprezavam o campo ao redor, com o desprezo que sen-
tem os eruditos. A linha que separava a cidade e o campo
era marcada pelas atividades urbanas e rurais. Os homens
provincianos eram fisicamente diferentes dos homens do
campo e vestiam-se, também, de forma diferente. Porém, as
cidades provincianas pertenciam essencialmente à socieda-
de e a economia do campo, assim como sua prosperidade
dependia do campo.

O autor ressalta que “O problema agrário era o funda-


mental em 1789, e é fácil compreender por que a pri-
meira escola sistematizada de economia do continente,
os fisiocratas franceses tomaram como verdade o fato
de que a terra, e o aluguel da terra era a única fonte de
renda líquida.” (HOBSBAWM, 1977, p. 29)

Do ponto de vista a economia agrária, Hobsbawm dividiu


o mundo em três grandes regiões:

A primeira, as Américas, onde a maioria das fazendas e


estâncias era povoada por poucos europeus que comanda-
vam, por inúmeros índios, negros e mestiços que trabalha-
10    História Contemporânea do Século XIX

vam em regime de escravidão, em sua maioria. Os principais


produtos eram o açúcar, e em menor quantidade o café e o
tabaco; a partir da revolução Industrial, passaram a produzir
o algodão.

A segunda região, o Leste Europeu, chamado de “região


de servidão agrária”. Essa região incluía a Turquia europeia,
os Balcãs, o norte da Itália, a Região do Báltico, a Rússia e a
Espanha, entre outros. Ali se praticava uma economia pratica-
mente feudal, com camponeses sendo explorados por proprie-
tários de terra de origem nobre. Nessa região, “a agricultura
servil produzia basicamente culturas de exportação para os
países do Ocidente: trigo, fibra de linho, cânhamo e produtos
florestais usados na fabricação de navios”.

E a terceira região, de acordo com Hobsbawm, foram às


que levaram o desenvolvimento agrário adiante, destacan-
do-se na agricultura capitalista. A Inglaterra era a principal
delas. Lá, a propriedade de terras era extremamente con-
centrada, mas o agricultor era o arrendatário com um em-
preendimento comercial médio, operado por mão de obra
contratada.

A agricultura europeia tecnicamente era ainda tradicional e


ineficiente. Seus produtos eram ainda tradicionais como o cen-
teio, trigo, cevada, aveia e, na Europa Oriental, trigo sarrace-
no (alimento básico da população), gado de corte, cabras e
laticínios, porcos e aves, certa quantidade de frutas e legumes.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    11

A alimentação era essencialmente regional. As novas culturas


importadas das Américas ou de outras regiões tropicais tinham
feito algum progresso.

De acordo com Hobsbawm, o século XVIII não era um


século de estagnação agrícola. Ao contrário, foi um perío-
do de expansão demográfica, de urbanização crescente, de
fabricação e comércio, os quais encorajavam a melhoria da
agricultura. Na segunda metade do século, houve um inin-
terrupto aumento da população, característico do mundo
moderno, em contrapartida, havia muitos obstáculos para o
avanço agrícola. O que logo ocasionou falta de alimentos
em algumas regiões.

O mundo agrícola era lerdo, a não ser em seu setor ca-


pitalista. Já os mundos do comércio e das manufaturas,
e as atividades intelectuais e tecnológicas que os acom-
panhavam, eram seguros de si e dinâmicos, e as classes
que deles se beneficiavam eram ativas, determinadas e
otimistas. (Hobsbawm, 1977, p. 35)

O Crescimento urbano e o comércio se intensificavam nos


últimos anos do século XVIII, assim como as vias de comunica-
ções, tanto as marítimas quanto as terrestres. As mercadorias
das colônias Americanas, da África, do Oriente, circulavam de
forma mais rápida pela Europa, e esta, com suas comunidades
mercantis mais organizadas, comercializavam com o mundo.
A teia do comércio tornou-se cada vez mais densa.
12    História Contemporânea do Século XIX

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fe/Europe1815_1905.
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O crescimento do comércio criou condições rudimentares


para um precoce Capitalismo industrial. O artesão que vendia
suas mercadorias tornou-se um pouco mais que trabalhador
pago por artigo produzido. O camponês que tecesse pode-
ria vir a ser o tecelão. A especialização de processos e fun-
ções poderia dividir o velho ofício e criar um novo complexo
de trabalhadores semiqualificados entre os camponeses. O
velho-mestre tornou-se um empregador ou subcontratador.
Segundo Hobsbawm, o controlador-chefe dessas formas des-
centralizadas de produção, aquele que ligava os trabalhado-
res dos vilarejos perdidos e ruelas afastadas, com o mercado
mundial, era uma espécie de mercador. Os “industriais” que
estavam surgindo eram advindos de diversas atividades, como
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    13

siderurgias. Mas o industrial típico (a palavra ainda não havia


sido inventada) era apenas um pobre gerente e não um capi-
tão de indústria.

Independentemente do status, as atividades comerciais


e manufatureiras floresciam de forma exuberante. O Estado
mais bem-sucedido da Europa no século XVIII era a Grã-Breta-
nha, que devia seu poderio ao progresso econômico. Por volta
da década de 1780, os governos do continente fomentavam
o crescimento econômico e especialmente o desenvolvimento
industrial. As ciências, ainda não divididas pelo academicismo
do século XIX em uma ciência “pura” superior e outra “apli-
cada” inferior, dedicavam-se à solução de problemas produti-
vos, sendo que os mais surpreendentes avanços da década de
1780 foram na química, que estava por tradição intimamente
ligada à prática de laboratório e às necessidades da indústria.

Hobsbawm destaca também nas ciências, a Enciclopé-


dia de Diderot e d’Alembert, esta não representava apenas
o pensamento político e social progressista, mas o progresso
científico e tecnológico. Segundo o autor, o “iluminismo”, a
convicção no progresso do conhecimento humano, na racio-
nalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza – de que
estava profundamente imbuído o século XVIII – derivou sua
força do progresso da produção, do comércio e da racionali-
dade econômica e científica que acreditavam estar associada
a ambos.

O Autor destaca a influência das ideias iluministas na for-


mação de liberdade dos indivíduos, considera que o surgi-
mento das ideologias humanistas, racionalistas e progressistas
advém do iluminismo, assim como o considera uma ideolo-
14    História Contemporânea do Século XIX

gia revolucionária, apesar da cautela e moderação política


de muitos de seus expoentes continentais, a maioria dos quais
– até a década de 1780 – depositava sua fé no despotismo
esclarecido. Pois, o iluminismo implicava a abolição da ordem
política e social vigente na maior parte da Europa. Era demais
esperar que os antigos regimes se abolissem voluntariamente.
Ao contrário, como vimos, em alguns aspectos, eles estavam
se fortalecendo contra o avanço das novas forças econômicas
e sociais.

Muitos príncipes adotavam o slogan do “iluminismo” do


mesmo modo como os governos de nosso tempo, por razões
análogas, adotam slogans de “planejamento”; e, como em
nossos dias, alguns dos que adotavam slogans em teoria muito
pouco fizeram na prática, e a maioria dos que fizeram alguma
coisa estava menos interessada nas ideias gerais, que estavam
por trás da sociedade “iluminada” (ou “planejada”), do que
na vantagem prática de adotar os métodos mais modernos de
multiplicação de seus impostos, riqueza e poder.

Por outro lado, as classes médias, instruídas, e as empe-


nhadas no progresso, buscavam o poderoso aparelho central
de uma monarquia “iluminada” para levar a cabo suas espe-
ranças. Um príncipe necessitava de uma classe média e de
suas ideias para modernizar o seu Estado; uma classe média
fraca necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao
progresso, causada por arraigados interesses clericais e aris-
tocráticos.

Contudo, a monarquia absoluta, achava impossível e pou-


co se interessava em libertar-se da hierarquia dos nobres pro-
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    15

prietários, à qual, afinal de contas, pertencia, e cujos valores


simbolizava e incorporava, e de cujo apoio dependia gran-
demente. A monarquia absoluta, apesar de teoricamente li-
vre para fazer o que bem entendesse, na prática pertencia ao
mundo que o iluminismo tinha batizado de féodalité ou feu-
dalismo, termo mais tarde popularizado pela Revolução Fran-
cesa.

Porém, o conflito latente ainda persistia, era o duelo entre


as forças da velha e da nova sociedade “burguesa”, que não
podia ser resolvido dentro da estrutura dos regimes políticos
existentes, exceto, é claro, onde esses regimes já incorporas-
sem o triunfo burguês, como na Grã-Bretanha. O que tornou
esses regimes ainda mais vulneráveis foi que eles estavam su-
jeitos a pressões de três lados: das novas forças, da arraigada
resistência dos interesses estabelecidos mais antigos, e dos ini-
migos estrangeiros.

Seu ponto mais vulnerável era as oposições do velho e do


novo que tendiam a coincidir: nos movimentos autônomos das
colônias ou províncias mais remotas. Assim, na monarquia dos
Habsburgo, as reformas de José II na década de 1780 produ-
ziram tumulto nos Países Baixos austríacos (hoje Bélgica) e um
movimento revolucionário que em 1789 aliou-se naturalmente
ao movimento revolucionário francês.

Segundo Hobsbawm, as comunidades de colonizadores


brancos nas colônias europeias de além-mar ressentiram-se
da política de seus governos centrais, que subordinavam os
interesses das colônias aos interesses metropolitanos. Em to-
das as partes das Américas, a espanhola, a francesa e a in-
16    História Contemporânea do Século XIX

glesa, bem como na Irlanda, esses movimentos de coloniza-


dores exigiam autonomia – nem sempre para a instauração
de regimes que representassem forças economicamente mais
progressistas do que a metrópole –, e várias colônias britâni-
cas obtiveram-na pacificamente durante algum tempo, como
a Irlanda, ou então por meios revolucionários, como os EUA.
A expansão econômica, o desenvolvimento das colônias e as
tensões das reformas tentadas pelo “despotismo esclarecido”
multiplicaram as oportunidades para esses conflitos nas déca-
das de 1770 e 1780.

Porém, o que tornou a situação explosiva foi à rivalidade


internacional, ou seja, a guerra, que testava os recursos de
um Estado como nenhum outro fator poderia fazê-lo. Quando
não conseguiam passar por esse teste, os Estados tremiam,
rachavam ou caíam.

O conflito mais importante foi o que ocorreu entre a Grã-


-Bretanha e a França, que em certo sentido foi também o
conflito entre os velhos e os novos regimes. Já que a França,
embora tivesse despertado a hostilidade britânica com a rá-
pida expansão de seu império e de seu comércio colonial,
era também a monarquia absoluta aristocrática mais pode-
rosa, eminente e influente, em uma palavra, a mais clássica.
Em nenhum outro fenômeno estava exemplificada, de forma
mais viva, a superioridade da nova ordem social sobre a velha,
do que no conflito entre essas duas forças. Pois a Inglaterra
não só venceu, com variados graus de determinação, todas
as guerras, com a exceção de uma, como ainda suportou o
esforço de organizá-las, financiá-las e desencadeá-las com re-
lativa facilidade.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    17

A monarquia francesa, embora muito maior, mais popu-


losa e, em termos de potencial de recursos, mais rica que a
britânica, achou o esforço grande demais. Após sua derrota
na Guerra dos Sete Anos (1756-63), a revolta das colônias
americanas deu-lhe a oportunidade de virar a mesa sobre o
adversário. A França aceitou o desafio. E de fato, nesse confli-
to internacional (1776-1783 – Independência das Treze Colô-
nias), a Grã-Bretanha saiu duramente derrotada, perdendo a
parte mais importante do seu império americano; e a França,
aliada dos novos Estados Unidos da América, saiu vitoriosa.
Mas o custo foi excessivo, e as dificuldades do governo francês
levaram o país a um período de crise política interna, da qual,
seis anos mais tarde, surgiria a Revolução.

Devemos ainda completar esse levantamento preliminar do


mundo às vésperas da dupla revolução com um exame das
relações entre a Europa (ou, mais precisamente, o noroeste da
Europa) e o resto do mundo. O completo domínio político e
militar do mundo pela Europa (e seus prolongamentos ultra-
marinos, as comunidades de colonização branca) viria a ser
o produto da era da dupla revolução. Em fins do século XVIII,
várias das grandes civilizações e forças não europeias ainda
se confrontavam com o colonizador, o marujo e o soldado
brancos em termos aparentemente iguais.

Para Hobsbawm, a dupla revolução estava a ponto de tor-


nar irresistível a expansão europeia, embora estivesse também
a ponto de dar ao mundo não europeu as condições e o equi-
pamento para seu eventual contra-ataque.
18    História Contemporânea do Século XIX

Recapitulando

ÂÂEm 1780, o mundo era menor, a base econômica do


homem europeu era a agricultura, embora já houvesse
o grande comércio ultramarino e todas as relações de
algumas Metrópoles e suas Colônias.

ÂÂNas regiões em que a agricultura era mais desenvolvida,


havia uma população mais numerosa.

ÂÂOs meios de transportes, as estradas e as dificuldades


de acesso a muitos lugares. As distâncias entre as cida-
des era um dos problemas enfrentados nesse período.

ÂÂO crescimento urbano e o comércio se intensificavam


nos últimos anos do século XVIII, assim como as vias de
comunicações, tanto marítimas quanto terrestres.

ÂÂAs mercadorias das colônias Americanas, da África, do


Oriente, circulavam de forma mais rápida pela Europa
e, esta, com suas comunidades mercantis mais organi-
zadas, comercializava com o mundo.

ÂÂA teia do comércio se tornou cada vez mais densa.

ÂÂAs ideias enciclopedistas se expandiam, as novas classes


burguesas buscavam estreitar relações com a monar-
quia poderosa.

ÂÂHavia um conflito latente: era o duelo entre as forças


da velha e da nova sociedade “burguesa”, que não po-
dia ser resolvido dentro da estrutura dos regimes políti-
cos existentes.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    19

ÂÂIsso tornou esses regimes ainda mais vulneráveis, pois


estavam sujeitos a pressões de três lados: das novas for-
ças, da arraigada resistência dos interesses estabeleci-
dos mais antigos e dos inimigos estrangeiros.

ÂÂAssim, encontrava-se a Europa às vésperas da Revolu-


ção Francesa.

Referências bibliográficas

ARENDT, Hanna. Da revolução. São Paulo: Ática, 1988.

GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo: São


Paulo: Contexto, 2003.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-


1848, tradução Maria Teresa Lopes e Marcos Penchel: Rio
de janeiro, Paz e Terra, 1977.

Atividades

1) Sobre as relações ideológicas entre a Revolução Francesa


e o Iluminismo, o autor Jorge Grespan faz uma análise de
ambas. Segundo o autor:

a) A Revolução mostrava-se muito interessada nas diferen-


ças ideológicas entre as obras de Voltaire e Rousseau.

b) Nem todos os pensadores do “século das luzes”,


apoiaram totalmente o que aconteceu na França após
20    História Contemporânea do Século XIX

1789, bem como a própria falta de unidade intelectu-


al que existia dentro do movimento Iluminista.

c) Não reconheciam o débito intelectual da Revolução


com o Iluminismo.

d) A divulgação das ideias iluministas antes da Revolução


foram muito intensas.

e) As ideias iluministas eram homogêneas e coerentes,


portanto fáceis de ser entendidas pelo povo.

2) O Iluminismo não deve ser entendido como um sistema


coerente e homogêneo de pensamento, tão pouco classi-
ficá-lo como uma “escola” filosófica. Por quê?

a) Os revolucionários não viam o iluminismo como fonte


de ideias.

b) Os revolucionários não se preocuparam com a legiti-


mação de ideias e ações.

c) Apresentam a crítica como principal fundamento no


movimento das ideias, imprimindo-lhes a dinâmica e
impedindo a cristalização das mesmas.

d) Os iluministas apresentavam uma postura conformada


frente aos acontecimentos da época.

e) A forma dialética não sustentava a concepção da uni-


dade das ideias, pois era um sistema único.

3) Sobre o conceito de “revolução” podemos afirmar que:

a) Está vinculado à ideia de ruptura drástica de um siste-


ma.
Capítulo 1    O Mundo na Década de 1780    21

b) Só aconteceu no período da Revolução Francesa.

c) A Tomada da Bastilha não serve como marco de revo-


lução.

d) É um conceito cercado de ideologias e não apresenta


definições.

e) Foi pouco discutido, pois não representou algo signifi-


cante na história.

4) Hobsbawm apresenta o mundo em 1780, e destaca que


ele era ao mesmo tempo menor e muito maior que o nos-
so, devido às:

a) Baixas taxas demográficas e poucos espaços geográfi-


cos eram conhecidos.

b) Grandes descobertas dos oceanos e mares.

c) Facilidades dos meios de transporte.

d) Grandes cidades.

e) Altas taxas de habitantes nas regiões desconhecidas.

5) O mundo no século XVIII apresentava seu ponto mais


vulnerável: a oposição o velho e o novo que tendiam a
coincidir através dos movimentos autônomos das colônias
dentro e fora da Europa. E isso se deve:

a) Aos nobres que desejavam manter-se no poder, porém


com recursos da população.

b) Aos Interesses dos proletários em tornar os sindicatos


mais fortes.
22    História Contemporânea do Século XIX

c) À descoberta da América.

d) Ao duelo entre as forças do antigo regime e da nova


sociedade burguesa.

e) Nenhuma assertiva acima está correta.

Gabarito


1)
b  2) c  3) a   4) a  5) d
Wagner dos Santos Chagas

Capítulo 2

A Revolução Francesa

ÂÂ
A
Revolução Francesa foi um dos movimentos revolu-
cionários mais impactantes da história. O espírito
dessa revolução inspirou a maioria dos processos de in-
dependência e luta contra a opressão imposta pelas mo-
narquias absolutistas tanto no continente europeu quanto
em suas colônias no continente americano. Segundo o
historiador Eric J. Hobsbawm (1997), a França revolucio-
nária forneceu o vocabulário e os temas da política liberal
e radical-democrática para a maior parte do mundo. A
França forneceu e influenciou o mundo com o conceito de
nacionalismo, os modelos de códigos legais, os modelos
de organização técnica e científica.
24    História Contemporânea do Século XIX

Introdução

Uma revolução com tal intensidade, como a Revolução Fran-


cesa, não acontece de maneira repentina. Ela foi o resultado
de um grande período marcado por uma forma de governo
baseado na exploração excessiva, empobrecimento constante
e de graves injustiças sociais. Ou seja, as marcas monolíticas
do feudalismo, a ascensão econômica da burguesia, a dimi-
nuição do poder econômico da nobreza, o aumento da misé-
ria do campesinato e o peso da mão de ferro do absolutismo
formaram os elementos econômicos e sociais que antecede-
ram a revolução de 1789.

Antecedentes da revolução
A marcha revolucionária que levou aos acontecimentos de
1789, conforme escreve Hobsbawm (1996), não foi um pro-
cesso unilinear, mas desencadeado por um complexo conjunto
de causas econômicas e sociais que abalou as estruturas da
monarquia absolutista francesa. A agitação social representa-
da pela constante luta da nobreza para manter os seus privilé-
gios, a reação dos camponeses contra o estado miserável de
vida, que enfrentavam e a ascensão da burguesia que busca-
va o seu espaço na sociedade, representa a chamada reação
feudal que forneceu a centelha que fez explodir o barril de
pólvora da França.

A França pré-revolucionária era um país agrário com uma


estrutura fiscal, administrativa e social tremendamente obsole-
ta. A sociedade francesa era uma sociedade estamental, divi-
Capítulo 2   A Revolução Francesa   25

dida em três estamentos ou estados: o primeiro estado era for-


mado pelo clero, o segundo estado era formado pela nobreza
e o terceiro estado representava 80% da população francesa
formada por camponeses e burgueses.

A nobreza gozava de consideráveis privilégios, inclusive


de isenção de vários impostos e do direito de receber tribu-
tos feudais. Politicamente, sua situação era menos brilhante.
“A monarquia absoluta, conquanto inteiramente aristocrática
até mesmo feudal no seu ethos, tinha destituído os nobres de
sua independência política e responsabilidade e reduzido ao
mínimo suas velhas instituições representativas” (HOBSBAWM,
2008, p. 15).

Os nobres eram impedidos de exercer um ofício ou profis-


são. Eles dependiam da renda de suas propriedades, de casa-
mentos milionários, pensões, presentes ou sinecuras da corte.
Mas os gastos que exigia o status de nobre eram grandes e
cada vez maiores, e suas rendas caíam devido à inabilidade
de administrar seus bens. A inflação tendia a reduzir o valor de
rendas fixas, como aluguéis. Devido a essa condição econô-
mica, os nobres usavam os seus privilégios reconhecidos para
ocupar os postos oficiais que a monarquia absoluta preferira
preencher com homens da classe média, politicamente inofen-
sivos e tecnicamente competentes.

Segundo Hobsbawm (1997), no período pré-revolução,


eram necessários quatro graus de nobreza para comprar uma
patente no exército, dentro da hierarquia eclesiástica, todos os
bispos eram nobres e até mesmo as intendências tinham sido
retomadas pela nobreza. Os representantes do segundo esta-
26    História Contemporânea do Século XIX

do assumiam postos oficiais, corroendo o próprio Estado atra-


vés da crescente tendência de assumir a administração central
e das províncias. Assim, a nobreza tentou neutralizar o declínio
de suas rendas usando seus consideráveis direitos feudais para
subtrair o dinheiro da máquina estatal e extorquir os campo-
neses com a cobrança de mais impostos.

A situação social e econômica dos camponeses franceses


às vésperas da Revolução era muito difícil. A escassez de ali-
mentos e os pesados impostos pagos para sustentar a nobreza
e clero formaram um terreno fértil para a revolução.

A situação desta classe enorme, compreendendo talvez


80% de todos os franceses, estava longe de ser brilhante.
De fato os camponeses eram em geral livres e não raro
proprietário de terras. Em quantidade efetiva, as proprie-
dades nobres cobriam somente um-quinto da terra, as
propriedades do clero talvez cobrissem outros 6%, com
variações regionais. Assim é que na diocese de Mon-
tpellier os camponeses já possuíam de 38 a 40% da terra,
a burguesia de 18 a 19%, os nobres de 15 a 16% e o cle-
ro de 3 a 4%, enquanto um-quinto era de terras comuns.
Na verdade, entretanto, a grande maioria não tinha terras
ou tinha uma quantidade insuficiente, deficiência esta au-
mentada pelo atraso técnico dominante; e a fome geral
de terra foi intensificada pelo aumento da população. Os
tributos feudais, os dízimos e as taxas tiravam uma gran-
de e cada vez maior proporção da renda do camponês
a inflação reduzia o valor do resto. Pois só a minoria dos
camponeses que tinha um constante excedente para ven-
das se beneficiava dos preços crescentes; o resto, de uma
Capítulo 2   A Revolução Francesa   27

maneira ou de outra, sofria, especialmente em tempos


de má colheita, quando dominavam os preços de fome.
Há pouca dúvida de que nos 20 anos que precederam a
Revolução a situação dos camponeses tenha piorado por
essas razões. (HOBSBAWM, 2008, p. 17)

Formando o terceiro estado, juntamente com os campo-


neses, a burguesia não era um grupo homogêneo. Segundo
Albert Soboul (1989), os burgueses estavam integrados nas
estruturas da monarquia absolutista francesa, participando
em vários graus dos privilégios das classes dominantes. Isso
acontecia pela sua fortuna fundiária e pelos direitos senho-
riais, ou por pertencer aos cargos da administração do Esta-
do. Os burgueses conquistavam status principalmente pela
sua próspera condição econômica advinda do comércio,
mas, apesar desse grupo possuir poder econômico, faltava
poder político. Para determinados grupos da burguesia, um
acordo com a monarquia, que estabeleceria a sua partici-
pação na política, era mais lucrativa do que uma revolução
que poderia colocar em risco as suas propriedades. Mas tal
acordo jamais seria realizado devido à posição dos represen-
tantes da nobreza e do clero.

Além dessas questões sociais, a França participa da Inde-


pendência dos Estados Unidos. Hobsbawm (1997) salienta
que ao envolver-se na guerra da independência americana,
a França obteve a vitória contra Inglaterra ao custo da falên-
cia do estado francês, e assim a revolução americana pode
proclamar-se a causa direta para a Revolução Francesa. Pois
embora a extravagância de Versailles tenha sido constante-
mente culpada pela crise, os gastos da corte só significavam
28    História Contemporânea do Século XIX

6% dos gastos totais em 1788. A guerra, a marinha e a diplo-


macia constituíam 1/4, e metade era consumida pelo serviço
da dívida existente. A guerra e a dívida – a guerra americana
e sua dívida – partiram a espinha da monarquia.

Os gastos com a guerra contra a Inglaterra geraram um


aumento de impostos para cobrir o déficit das finanças do país.
Nessa situação de penúria do estado, a aristocracia deveria
ajudar com a diminuição de seus benéficos, os componentes
sofreriam com o aumento dos impostos que já eram demasia-
do abusivos e os burgueses viam o horizonte da possibilidade
de participação política ficar cada vez mais distante. A situa-
ção começou a se tornar insustentável na França.

Primeira Fase da Revolução: Assembleia


Nacional (1789-1792)
Na tentativa de evitar um processo de revolução, que neste
momento já estava em curso, o Rei Luís XVI decide convocar
os Estados Gerais, uma assembleia feudal do reino que não
era convocada desde 1614. A assembleia dos Estados Gerais
foi convocada e entrou em sessão no dia 5 de maio de 1789,
no Palácio de Versalhes. Nessa Assembleia, seriam discutidos
os problemas que afetavam a sociedade francesa e que rumos
o país trilharia para sair da crise. Mas a lei que estabelece o
sistema de representatividade dos votos definia que cada Es-
tado teria direito a um voto. Portanto, o clero teria um voto,
a nobreza um voto e os plebeus um voto. Ao fazer a votação
para saber como seriam pagos os impostos, o clero e a no-
breza votavam juntos, decidindo que tanto o Primeiro Estado
quanto o Segundo Estado teriam mantido os seus privilégios
Capítulo 2   A Revolução Francesa   29

de isenção de impostos e a manutenção de seus cargos públi-


cos e eclesiásticos.

Mas esse modelo de votação provocou grande revolta por


parte do Terceiro Estado, que exigia que a votação fosse no-
minal, tendo cada estamento um número representativo de
deputados. Para o Terceiro Estado, essa forma de votação era
primordial, já que possuíam o maior número de representan-
tes que lhes garantiria a vitória devido ao maior número de
votos. Segundo Soboul (1989), essa normativa que estabele-
cia o voto por Estado e não individual deu início ao conflito
entre os estamentos. Percebendo a gravidade do momento e
a força dos componentes do Terceiro Estado, o Rei Luis XVI
barra a entrada dos deputados na Assembleia. Revoltados, os
deputados do Terceiro Estado se dirigiram para um salão do
palácio, utilizado pela nobreza para o jogo de Pela. Esse fato
ficou conhecido como “Juramento do Jogo de Pela”, onde os
deputados do Terceiro Estado juraram ficar reunidos até que a
França adotasse sua própria Constituição. O Terceiro Estado
se autodenominou Assembleia Nacional, o que implicava a
afirmação da unidade e soberania nacional. O Rei, na ten-
tativa de manter o poder e tentar acalmar a situação, aceita
se tornar um monarca constitucional, propõe a abolição dos
privilégios fiscais, mas pretendia manter a ordem social feu-
dal. No entanto, a firmeza dos objetivos do Terceiro Estado
obrigaram o Rei a ordenar que o clero e a nobreza se reunisse
com a Assembleia Nacional que, em 9 de julho de 1789, se
proclamou Assembleia Nacional Constituinte.

Segundo Hobsbawm (2008), o que transformou uma limi-


tada agitação reformista em uma revolução foi o fato de que a
30    História Contemporânea do Século XIX

conclamação dos Estados Gerais coincidiu com uma profunda


crise socioeconômica. Uma má safra seguida de um inverno
muito difícil tornou aguda a crise. As más safras faziam sofrer
o campesinato, pois significava que, enquanto os grandes pro-
dutores podiam vender cereais a preços de fome, a maioria
dos homens em suas insuficientes propriedades tinham prova-
velmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio
ou comprar alimentos àqueles preços. A má safra fazia sofrer
também os pobres das cidades, cujo custo de vida – o pão
era o principal alimento – podia duplicar. Fazia-os sofrer ainda
mais, porque o empobrecimento do campo reduzia o mercado
de manufaturas e, portanto, também produzia uma depressão
industrial. Os pobres do interior ficavam assim desesperados e
envolvidos em distúrbios e banditismo; os pobres das cidades
ficavam duplamente desesperados já que o trabalho cessava no
exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.

A perspectiva de mudanças e a ideia de se libertar da pe-


quena nobreza e da opressão através da representação polí-
tica fez com que um povo agitado apoiasse os deputados do
Terceiro Estado. Essa perspectiva de mudança através da re-
presentação na Assembleia Nacional Constituinte, juntamente
com a fome que assolava a população, fez eclodir em toda
a França revoluções camponesas. “Distúrbios nos mercados,
pilhagens de comboios de cereais, ataques a alfândegas mu-
nicipais: as emoções populares enervam a tropa e o corpo de
cavalaria mantido de sobreaviso; enfebrecem a atmosfera das
cidades” (SOBOUL, 1989, p. 40).

No dia 14 de julho de 1789, um movimento comandado


pela população foi de encontro a Bastilha, uma prisão que
Capítulo 2   A Revolução Francesa   31

representava o poder do rei e onde os inimigos políticos do


Estado ficavam presos, onde os revolucionários esperavam en-
contrar armas. Hobsbawm (1997) salienta que em tempos de
revolução nada é mais poderoso do que a queda de símbolos.
A queda da Bastilha, que fez do dia 14 de julho de 1789 a
festa nacional francesa, ratificou a queda do despotismo e foi
saudada em todo o mundo como o princípio de libertação.

O que transformou uma epidemia de inquietação cam-


ponesa em uma convulsão irreversível foi à combinação
dos levantes das cidades provincianas com uma onda
de pânico de massa, que se espalhou de forma obscura,
mas rapidamente por grandes regiões do país: o cha-
mado Grande Medo (Grande Peur), de fins de julho e
princípio de agosto de 1789. Três semanas após o 14 de
julho, a estrutura social do feudalismo rural francês e a
máquina estatal da França Real ruíam em pedaços. Tudo
o que restou do poderio estatal foi uma dispersão de
regimentos pouco confiáveis, uma Assembleia Nacional
sem força coercitiva e uma multiplicidade de adminis-
trações municipais ou provincianas da classe média que
logo montaram “Guardas Nacionais” burguesas segun-
do o modelo de Paris. (HOBSBAWM, 2008, p. 25)

Nesse período de agitação política e social, inspirados pelo


lema “liberdade, fraternidade e igualdade”, a burguesia tra-
tava de transformar em leis as conquistas revolucionárias. Já
o campesinato sublevava o campo invadindo as proprieda-
des feudais expulsando e, por vezes, matando seus donos. A
burguesia preocupada com as bases doutrinárias de sua re-
volução aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do
32    História Contemporânea do Século XIX

Cidadão, dando fim a qualquer dispositivo legal que juridi-


camente diferenciasse as classes sociais da França. O docu-
mento declarava a liberdade jurídica e pessoal para todos os
homens do mundo, a propriedade privada sendo inviolável e
legitimava a burguesia no poder político do Estado. Agora, a
burguesia precisava impedir que o movimento se transformas-
se em uma revolução popular.

Na primeira fase da Assembleia Nacional Constituinte, a


França era uma Monarquia Constitucional onde o “Rei não
era mais Luís, pela Graça de Deus, Rei de França e Navarra,
mas Luís, pela Graça de Deus e do direito constitucional do Es-
tado, Rei dos franceses” (HOBSBAWM, 1997, p. 77). Um dos
atos mais importantes da Assembleia foi o confisco dos bens
do clero francês. Foi decretada a Constituição Civil do Clero,
onde os clérigos passavam a ser funcionário do Estado. Mui-
tos concordaram e juraram fidelidade à revolução, virando as
costas para o poder papal. Mas aqueles que não acreditavam
nos ideais revolucionários emigraram e no exterior se uniram
para reagir contra a revolução.

Em 1791, foi promulgada a Constituição do país, instituin-


do a Monarquia Constitucional. Na carta magna francesa,
ficaram estabelecidos três novos poderes: Legislativo, Execu-
tivo e Judiciário. Caberia à Assembleia o poder legislativo e
ao rei o poder executivo. O trono continuaria hereditário, e
os deputados exerceriam mandatos de apenas dois anos. A
constituição também garantia a igualdade jurídica, abolição
dos privilégios do clero e da nobreza, abolição do feudalismo,
liberdade de produção e de comércio, separação da Igreja e
Capítulo 2   A Revolução Francesa   33

do Estado, nacionalização dos bens do clero e a Constituição


Civil do Clero.

Mas a constituição previa que o voto era censitário, ou


seja, o poder continuava nas mãos de um grupo dominante,
sendo estes uma parte privilegiada, agora não mais o clero
ou a nobreza, a alta burguesia. A maioria do Terceiro Estado,
a grande parte do povo francês que derramou o seu sangue
para a ascensão dos ideais revolucionários, continuava sem
poder de voto, o que foi o estopim dos conflitos entre os inte-
grantes do Terceiro Estado. Esse conflitou gerou a criação de
novos partidos com posturas moderadas até as mais radicais.

O partido radical ou partido da montanha (o nome se deve


ao fato de sentarem-se na parte alta da sala da Assembleia)
era liderado por Robespierre, também chamado de Jacobinos,
era formado por integrantes da baixa e média burguesia que
defendiam os interesses do povo. Havia também um partido
conhecido como Girondinos ou partido da planície (o nome
se deve ao fato de sentarem-se na parte baixa da sala da
Assembleia), que eram integrantes da alta burguesia. Outro
grupo de destaque foram os sansculottes, eram os verdadei-
ros manifestantes, agitadores, construtores de barricadas. Era
uma tendência política que procurava expressar os interesses
da grande massa dos mais pobres.

O Rei nunca aceitou a perda do poder absoluto sobre o


trono francês. Nessa fase da revolução, muitos integrantes da
nobreza e do clero fugiam da França temendo a radicalização
dos revolucionários. Em contato com os emigrados do exte-
rior, o Rei começou a gestar um plano para invadir a França
34    História Contemporânea do Século XIX

na tentativa de restaurar o seu poder absolutista. Para as ou-


tras monarquias europeias, a revolução de 1789 representa-
va uma perigosa inspiração para outros possíveis movimentos
revolucionários em seus próprios países. Segundo Hobsbawm
(2008, p. 33), para os nobres e os governantes por direito di-
vino de outros países, a restauração do poder de Luís XVI não
era meramente um ato de solidariedade de classe, mas uma
proteção importante contra a difusão de ideias perturbadoras
projetadas a partir da França. O Rei Luis XVI em uma tentativa
de fuga do país foi preso e enviado de volta à Paris, onde ficou
preso até ser guilhotinado em 1793.

Os Jacobinos aproveitaram-se desses acontecimentos para


reforçar o seu poder diante dos girondinos. Declararam que a
França revolucionária estava em perigo e, para proteger a re-
volução, criaram um exército popular comandado por Maximi-
lien Robespierre, Jacques Danton e Jean-Paul Marat. As tropas
do exército popular conseguiram grandes vitórias, impedindo
a invasão da França pelas tropas austro-prussianas.

Segunda Fase da Revolução: Convenção


Nacional (1792-1795)
A Convenção Nacional foi formada no dia 21 de setembro de
1792, substituindo a Assembleia Nacional. No período de sua
existência, a Convenção Nacional foi marcada pela luta políti-
ca travada entre o Partido da Planície (Girondinos) e o Partido
da Montanha (Jacobinos).
Capítulo 2   A Revolução Francesa   35

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/14/Examinatio-
nLouistheLast.jpg/1024px-ExaminationLouistheLast.jpg Domínio Público

Mesmo com a disputa acirrada entre o Partido da Planície


e o Partido Montanhês, foram os Girondinos que proclama-
ram a República Francesa. As primeiras medidas tomadas pela
nova república foi a criação de um novo calendário baseado
no ciclo da agricultura, cuja data inicial era a da república
recém-criada. A destruição do símbolo do Antigo Regime com
a execução do Rei Luis XVI e de sua esposa Maria Antonieta. O
fortalecimento do exército republicano que obteve importantes
vitórias contra a coligação de reinos absolutistas que queriam
acabar com a revolução e restaurar a monarquia absolutista.

Esse período foi muito conturbado, marcado pelo cho-


que de diferentes ideias. Os rumos da revolução ainda não
estavam definidos, apesar de a burguesia ser majoritária na
Convenção, alguns grupos ainda tentavam ampliar os limites
36    História Contemporânea do Século XIX

do movimento, levando seus benefícios às classes populares.


Líderes como Jean-Paul Marat e o deputado jacobino Luis An-
toine Léon de Saint-Just acreditavam que a Revolução não de-
veria se limitar a atender aos interesses da burguesia.

Foi nesse choque de intenções que os jacobinos apoiados


pelos sansculottes, derrubaram os girondinos do poder e pro-
clamaram a Convenção Montanhesa (1793-1794). Os princi-
pais líderes jacobinos desse período eram Marat, Saint-Just,
Robespierre e Danton. Foi o período mais radical da revolu-
ção, quando foram aprovadas medi-
das de caráter popular como o sufrá-
gio universal, a criação do ensino
público gratuito, a abolição da es-
cravidão nas colônias francesas, o
tabelamento dos gêneros de primeira
necessidade e o fim dos privilégios de
classe. A França era governada pelo
Comitê de Salvação Pública, que di-
rigia as questões externas; pelo Co-
mitê de Salvação Nacional, que cui-
dava das questões internas e pelo Tribunal Revolucionário
responsável pela repreção dos opositores do regime.

Conforme escreve Hobsbawm (1997), antes dos jacobinos


assumirem o poder da república francesa, 60 dos 80 departa-
mentos franceses estavam em revolta contra Paris; os exércitos
dos príncipes alemães estavam invadindo a França pelo norte
e pelo leste; os britânicos atacavam pelo sul e pelo oeste: o
país achava-se desamparado e falido. Após a proclamação da
Capítulo 2   A Revolução Francesa   37

Convenção Montanhesa, toda a França estava sob firme con-


trole, os invasores tinham sido expulsos, os exércitos franceses
por sua vez ocupavam a Bélgica e estavam perto de começar
um período de 20 anos de quase ininterrupto e fácil triunfo
militar.

O Tribunal Revolucionário foi responsável pela implemen-


tação do Período do Terror (setembro de 1793 a julho de
1794), durante o qual milhares de pessoas foram executa-
das, acusadas de traição. Para Hobsbawm (2008), o Período
do Terror foi inevitável para a garantia e continuidade do
processo revolucionário. Para a “maioria da Convenção Na-
cional a escolha era simples: ou o Terror, com todos os seus
defeitos do ponto de vista da classe média, ou a destruição
da Revolução, a desintegração do Estado nacional e prova-
velmente o desaparecimento do país” (HOBSBAWM, 2008,
p. 41).

As disputas internas surgidas entre os jacobinos desestabili-


zaram o governo montanhês e permitiram a reação girondina
com a instalação da Convenção Termidoriana (1794-1795).
Foi a retomada da Revolução essencialmente burguesa, li-
mitada a atender aos interesses da alta burguesia. Durante
esse período, foram canceladas as maiorias dos benefícios
concedidos à população durante a Convenção Montanhesa.
Foi criada uma nova Constituição em 1975, e os líderes ja-
cobinos como Robespierre foram mortos na guilhotina dando
início a uma nova forma de governo que ficou conhecida
como o Diretório.
38    História Contemporânea do Século XIX

Terceira Fase da Revolução: Diretório


(1795-1799)
Para Hobsbawm (2008), a Convenção Termidoriana é o fim
da fase heroica da Revolução Francesa, a fase dos esfarra-
pados sansculottes e dos cidadãos de bonés vermelhos que
entoavam em altos brados os versos da Marselhesa: Allons
enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé! Era o fim das
aspirações populares de participar democraticamente do esta-
do francês. Fato responsável por várias sublevações populares
e pelo agravamento da crise interna.

Em 1795, a Convenção Termidoriana, liderada pelos gi-


rondinos, anulou vários direitos instituídos pelo governo mon-
tanhês. Os girondinos reestabeleceram o voto censitário e
criaram um Diretório formado por cinco membros eleitos pelos
deputados, que ficaria encarregado de governar o país.

Diferente da crise interna vivida na França, expressivas vi-


tórias marcavam o plano externo, no qual o exército francês
combatia as forças absolutistas. Nas vitórias militares, desta-
cava-se o estrategista militar Napoleão Bonaparte, expressão
máxima do heroísmo nacional que impediu as forças estran-
geiras de destruir a França. Somente um general experimen-
tado no calor da batalha e filho dos ideais revolucionários
poderia guiar a nação. E assim aconteceu. Temendo que a
crise interna se agravasse, colocando em risco o seu poder,
os girondinos se aliaram a Bonaparte, fecharam o Diretório
e entregaram o poder ao general. Esse golpe aconteceu em
18 Brumário (9 de novembro de 1799). Instituindo uma nova
forma de governo, o Consulado.
Capítulo 2   A Revolução Francesa   39

Napoleão Bonaparte nasceu em 1769 na ilha da Córse-


ga. Ambicioso, descontente e revolucionário, subiu vagarosa-
mente na artilharia, um dos poucos ramos do exército real em
que a competência técnica era indispensável e que o levou ao
generalato. Agarrou a sua chance na campanha italiana de
1796, que fez dele o inquestionável primeiro soldado da Re-
pública, que agia virtualmente independente das autoridades
civis.

Conforme escreve Hobsbawm (1997), o poder foi atirado


sobre seus ombros e agarrado por ele quando as invasões es-
trangeiras de 1799 revelaram a fraqueza do Diretório e a sua
própria indispensabilidade. Tornou-se primeiro cônsul, depois
cônsul vitalício e Imperador. E com sua chegada, como que
por milagre, os insolúveis problemas do Diretório se tornaram
solúveis. Em poucos anos a França tinha um Código Civil,
uma concordata com a Igreja e até mesmo o mais significativo
símbolo da estabilidade burguesa – um Banco Nacional.

Recapitulando

ÂÂA França pré-revolucionária era um país agrário com


uma estrutura fiscal, administrativa e social tremenda-
mente obsoleta.

ÂÂA sociedade francesa era uma sociedade estamental, di-


vidida em três estamentos ou estados: o primeiro estado
era formado pelo clero, o segundo estado era formado
pela nobreza, e o terceiro estado representava 80% da
40    História Contemporânea do Século XIX

população francesa, formado por camponeses e bur-


gueses.

Fases da Revolução Francesa


ÂÂPrimeira Fase da Revolução: Assembleia Nacional (1789
-1792).

ÂÂSegunda Fase da Revolução: Convenção Nacional


(1792 -1795).

ÂÂTerceira Fase da Revolução: Diretório (1795-1799).

Principais grupos políticos durante a revolução


GIRONDINOS - Eram representantes da alta burguesia e
tinham postura moderada. Estavam interessados em deter a
revolução, a fim de evitar a desorganização econômica da
França.

JACOBINOS - Eram representantes da pequena e média


burguesia e tinham postura radical. Estavam dispostos a levar
adiante a revolução e suas consequências.

SANSCULOTTES - Eram representantes das classes mais po-


bres da sociedade parisiense e buscavam, por meio de ações
práticas radicais, executar os ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade.
Capítulo 2   A Revolução Francesa   41

Alguns Fatos da Revolução Francesa


ÂÂDeclaração dos Direitos do Homem e do Cidadão - O
documento revogava a qualquer dispositivo legal que
juridicamente diferenciasse as classes sociais da França.
O documento também declarava a liberdade jurídica e
pessoal para todos os homens do mundo, a proprieda-
de privada sendo inviolável;

ÂÂCriação de um novo calendário;

ÂÂPromulgação da Constituição Francesa criando três no-


vos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. A cons-
tituição também garantia a igualdade jurídica, abolição
dos privilégios do clero e da nobreza, abolição do feu-
dalismo, liberdade de produção e de comércio, voto
censitário, separação da Igreja e do Estado, nacionali-
zação dos bens do clero e a Constituição Civil do Clero;

Referências bibliográficas

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. 10. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 1997.

________________. A Revolução Francesa. 7. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 2008.

________________. Ecos da Marselhesa: Dois séculos Re-


veem a Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das
Letras, 1996.
42    História Contemporânea do Século XIX

SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. 7. ed. Rio de Janei-


ro, Bertrand Brasil, 1989.

Atividades

1) Uma revolução como a Revolução Francesa não acontece


de maneira repentina. Os elementos econômicos e sociais
que antecederam a revolução de 1789 foram:

a) As marcas monolíticas do feudalismo, a ascensão eco-


nômica da burguesia, a diminuição do poder econô-
mico da nobreza, o aumento da miséria do campesi-
nato e o peso da mão de ferro do absolutismo.

b) As campanhas militares de Napoleão Bonaparte que


promoveram a quebra da economia francesa devido
aos pesados gastos para manter as tropas e a mor-
te de milhares de jovens camponeses arregimentados
pelo exército napoleônico.

c) As marcas monolíticas do capitalismo, a ascensão


econômica da nobreza, a diminuição do poder eco-
nômico da burguesia, o aumento da miséria do cam-
pesinato e o peso da mão de ferro do feudalismo.

d) As campanhas militares do Rei Luis XVI que promo-


veram a quebra da economia francesa devido aos
pesados gastos para manter as tropas e a morte de
milhares de jovens camponeses arregimentados pelo
exército francês.
Capítulo 2   A Revolução Francesa   43

e) Os tributos feudais, os dízimos e as taxas que tiravam


uma grande proporção da renda da nobreza.

2) O fato histórico que marca o início da Revolução Francesa


em 1789 foi:

a) A formação da Assembleia Nacional

b) A queda da Bastilha

c) A ascensão ao trono de Napoleão Bonaparte

d) A execução do Rei Luis XVI

e) O Juramento do Jogo de Pela

3) A burguesia preocupada com as bases doutrinárias de sua


revolução aprovou a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão. O documento declarava:

a) O fim da liberdade jurídica e pessoal de todos os ho-


mens do mundo, a propriedade comunal sendo invio-
lável e legitimava a nobreza no poder político do Esta-
do.

b) A liberdade econômica para todos os homens do mun-


do, a proibição da propriedade privada e legitimava o
clero no poder político do Estado.

c) A liberdade jurídica e pessoal para todos os homens


do mundo, a propriedade privada sendo inviolável e
legitimava a burguesia no poder político do Estado.
44    História Contemporânea do Século XIX

d) A liberdade jurídica e pessoal para todos os homens


do mundo, a propriedade comunal sendo inviolável e
legitimava os camponeses no poder militar do Estado.

e) O fim da liberdade jurídica e pessoal de todos os ho-


mens do mundo, a propriedade privada sendo invio-
lável e legitimava a burguesia no poder político do
Estado Feudal.

4) O período mais radical da Revolução, quando foram


aprovadas medidas de caráter popular como o sufrágio
universal, a criação do ensino público gratuito, a abolição
da escravidão nas colônias francesas, o tabelamento dos
gêneros de primeira necessidade e o fim dos privilégios de
classe foi durante:

a) O período feudal

b) O reinado de Luís XVI

c) O governo dos Sansculottes

d) A Convenção Montanhesa

e) O governo de Napoleão Bonaparte

5) Para Hobsbawm (2008), a Convenção Termidoriana é o


fim da fase heroica da Revolução Francesa, a fase dos
esfarrapados sansculottes e dos cidadãos de bonés verme-
lhos que entoavam em altos brados os versos da Marse-
lhesa: Allons enfants de la Patrie, le jour de gloire est arrivé!
Nesse período, os Girondinos:
Capítulo 2   A Revolução Francesa   45

a) Reestabeleceram o voto universal, criaram um Diretó-


rio formado por três membros eleitos pelos senadores
encarregados de governar o país e combatiam as for-
ças revolucionárias que lutavam contra a revolução.

b) Reestabeleceram o voto distrital, criaram um Conselho


formado por cinco membros eleitos pelos deputados
encarregados de governar Paris e combatiam as forças
republicanas que lutavam a favor da revolução.

c) Reestabeleceram o voto universal, criaram um Diretó-


rio formado por dois membros indicados pelo rei en-
carregados de governar o país e combatiam as forças
revolucionárias que lutavam contra a revolução.

d) Reestabeleceram o voto universal, criaram um Conse-


lho formado por onze membros eleitos pelos sanscu-
lottes encarregados de governar o país e combatiam
as forças girondinas que lutavam contra a revolução.

e) Reestabeleceram o voto censitário, criaram um Diretó-


rio formado por cinco membros eleitos pelos deputa-
dos que ficariam encarregados de governar o país e
combatiam as forças absolutistas que lutavam contra a
revolução.

Gabarito
1) a  2) b  3) c  4) d  5) e
Wagner dos Santos Chagas

Capítulo 3

O Período Napoleônico

ÂÂ
O
processo revolucionário francês desencadeado em
14 de Julho de 1789 foi capaz de unir forças sociais
distintas contra o absolutismo e os privilégios dos nobres.
No decorrer da revolução, a queda de braço entre os vá-
rios grupos revolucionários ganhou diferentes contornos.
Os girondinos, grupo da alta burguesia, não demonstrava
interesse em extinguir a monarquia e proclamar a Repú-
blica, pois temia o avanço das forças populares e a perda
do poder político. Já os jacobinos e os sansculottes se
opunham à alta burguesia e defendiam o fim da monar-
quia e a criação de um governo republicano.
Capítulo 3   O Período Napoleônico   47

Introdução

Apesar de toda a resistência empreendida pelos girondinos,


a monarquia foi derrubada em 1792, e o rei Luís XVI execu-
tado. Tanto a queda da monarquia quanto a decapitação de
seu rei foram fatos que desencadearam a revolta dos estados
absolutistas europeus contra a França Revolucionária, pois as
demais monarquias europeias temiam o avanço das ideias de
liberdade, igualdade e fraternidade francesa como uma onda
que poderia estabelecer o fim de seus privilégios absolutistas.
Nessa luta em defesa do movimento de 1789, destacou-se o
general de artilharia do exército francês Napoleão Bonaparte.

Chegada de napoleão bonaparte


Se a política interna era sacudida pelas tropas dos estados
absolutistas assediando as fronteiras francesas, no âmbito in-
terno também eram intensos os embates entre girondinos e
jacobinos. A criação do Diretório, em 1795, começava a se
delinear no horizonte francês como uma vitória dos girondi-
nos. Sendo assim, o Diretório representou a vinculação dos
objetivos revolucionários aos interesses da alta burguesia. E
estavam fora desses objetivos as concessões populares apro-
vadas pela Convenção Jacobina. A política girondina com o
governo do Diretório marca o triunfo e o apogeu da revolução
burguesa na França.

O governo do Diretório durou cinco anos, de 1795 a 1799.


Nesse período, a alta burguesia conviveu com a pressão dos
grupos populares e dos jacobinos que estavam fora do poder.
48    História Contemporânea do Século XIX

Uma saída para tentar combater a oposição tomada pelos


membros do Diretório foi de centralizar o poder nas mãos de
uma única pessoa. Essa pessoa deveria representar um Estado
forte, confiável e que pudesse guiar a França e o seu povo para
a estabilidade e o desenvolvimento. E, nesse momento histó-
rico, ninguém preenchia melhor os requesitos que Napoleão
Bonaparte, general vitorioso no combate aos inimigos interno
e externos da Revolução de 1789, assim como nas campanhas
de conquista e expansão do território francês.

Conforme Hobsbawn (2008), Bonaparte era inquestiona-


velmente um homem brilhante, versátil, inteligente e imaginati-
vo, porém o grande poder centralizado em suas mãos o tornou
sórdido. Foi um dos generais mais extraordinários de toda a
história, um governante eficiente e um intelectual capaz de en-
tender e supervisionar o que seus subordinados faziam.

O mito napoleônico baseia-se menos nos méritos de Na-


poleão do que nos fatos, então sem paralelo, de sua
carreira. Os homens que se tornaram conhecidos por
terem abalado o mundo de forma decisiva no passado
tinham começado como reis, como Alexandre, ou patrí-
cios, como Júlio César, mas Napoleão foi o “pequeno
cabo” que galgou o comando de um continente pelo seu
puro talento pessoal. (HOBSBAWM, 1997, p. 93)

Para os homens comuns, a visão de um homem como eles


que se tornou maior do que nobres coroados, transformou-se
em uma fonte de inspiração. Napoleão deu à ambição um
nome pessoal no momento em que o mundo estava aberto
Capítulo 3   O Período Napoleônico   49

aos homens que queriam buscar um futuro de glórias com as


suas próprias mãos.

Para a França, Napoleão Bonaparte foi o mais bem-suce-


dido governante de sua longa história, estabelecendo ou resta-
belecendo os mecanismos das instituições francesas. Segundo
Hobsbawn (2008), Bonaparte ergueu os grandes monumentos
de lucidez do direito francês através do Código Napoleônico
que se tornaram modelos para todo o mundo burguês. Além
do direito, a hierarquia dos funcionários públicos, a organiza-
ção das cortes, a organização das forças armadas, das univer-
sidades e das escolas foi estabelecida em seu governo.

Do consulado ao império
No dia 09 de novembro de 1799 (18 Brumário, conforme o
calendário da revolução), Napoleão Bonaparte, apoiado por
um grande número de políticos girondinos e pelas suas tropas,
derrubou o Diretório inaugurando uma nova forma de gover-
no, o Consulado. No primeiro momento, o cargo de Cônsul
era temporário e eleito através do voto. No início, Napoleão
foi aclamado como Primeiro Cônsul, mas menos de dois anos
após a instalação do Consulado, Napoleão Bonaparte foi pro-
clamado Cônsul Vitalício. Seu poder era praticamente absolu-
to, podendo até indicar o seu sucessor. O Consulado Vitalício
foi o primeiro passo para a marcha que restauraria a França
como um estado monárquico. No ano de 1804, através de um
plebiscito, a maioria da população aprovou a volta da monar-
quia com Bonaparte como grande imperador da França.
50    História Contemporânea do Século XIX

Para a alta burguesia francesa, o poder de Napoleão era


aceito e tolerado, pois era de seu interesse o controle do novo
imperador sobre a oposição e as demais classes sociais. Outro
fato que agradava a burguesia foi o favorável momento eco-
nômico vivido na França. A criação do Banco da França per-
mitiu o controle das finanças públicas, diminuindo a inflação
e estabilizando a moeda. Aliada a isso, a criação de tarifas
protecionistas intensificou o desenvolvimento da indústria e do
comércio.

Conforme escreve Huberman (1980), a economia nacional


francesa atendia a necessidade da elite burguesa tanto finan-
ceira como dos grupos ligados ao comércio e à produção de
bens de consumo. O governo de Napoleão Bonaparte instituiu
o Código Napoleônico que se destinava a proteger a proprie-
dade burguesa. O código, com cerca de dois mil artigos, dos
quais apenas sete tratam especificamente do trabalho e cerca
de oitocentos artigos sobre a propriedade privada. Os sindica-
tos e greves são proibidos, mas as associações de empregado-
res eram permitidas. Em uma disputa judicial sobre os salários,
o Código determinava que o depoimento do patrão, e não o
do empregado, é que deve ser levado em conta. O Código foi
feito pela burguesia para a burguesia. Foi feito pelos donos
das propriedades para a proteção da propriedade.

Segundo Soboul (1989), o período Napoleônico, no que


diz respeito às questões internas da França, encerrou o proces-
so revolucionário iniciado em 1789 e consagrou a Revolução
Francesa como uma revolução burguesa. A burguesia saía
como classe vitoriosa no aspecto econômico e também como
Capítulo 3   O Período Napoleônico   51

detentora do poder político, embora atuando nos bastidores,


uma vez que na cena principal estava Napoleão Bonaparte.

Um dos principais objetivos de Napoleão Bonaparte foi o


de defender a “Revolução” e de expandir os seus ideais ao
restante da Europa. Essa defesa da França e seu ímpeto de
expandir o status quo francês para além de suas fronteiras
foi o responsável pelo grande prestígio do general dentro da
França. Mas essas mesmas ações de Napoleão Bonaparte que
garantia a sua fama e prestigio foram as responsáveis pela
formação de uma coligação de Estados Europeus contra as
pretensões imperiais francesas.

Nos primeiros anos do século XIX, a Inglaterra, a Prússia, a


Rússia e a Áustria uniram-se para lutar contra as tropas fran-
cesas que avançavam sobre o território europeu, alargando
as fronteiras da França. Com o grande exército francês, Na-
poleão Bonaparte dominou os estados italianos, os estados
alemães, a Espanha, Portugal e outros territórios europeus. Em
menos de vinte anos a frente das tropas francesas, Bonaparte
controlava mais da metade do continente europeu alargando
as fronteiras francesas a limites inimagináveis na época.

Mas um território, devido a sua geografia, mantinha-se


fora do alcance francês: a Inglaterra. Os ingleses não eram
mais uma monarquia absolutista desde o século XVII. Pois,
em 1689, com o término da Revolução Gloriosa, a Inglaterra
se tona uma monarquia parlamentar. Além disso, a política
econômica inglesa era liberal, e conforme escreve Huberman
(1980), o seu embate com os franceses se caracterizava como
52    História Contemporânea do Século XIX

uma disputa entre duas nações capitalistas que lutavam pelo


controle e influência na Europa e no mundo colonial.

Portanto, em uma das frentes de batalha, o exército francês


combatia as forças absolutistas que conspiravam a favor do
retorno dos Bourbons ao trono. Em outra frente de batalha,
a França lutava pelo controle da economia mundial. Apesar
do poderio bélico das nações inimigas, Bonaparte conseguiu
expressivas vitórias, e suas tropas ocuparam vastas regiões da
Europa.

Mas a maior dificuldade encontrada pela França no en-


fretamento militar com a Inglaterra foi o poderio naval de seu
adversário. A derrota francesa na batalha de Trafalgar foi uma
grande lição para Napoleão. Essa derrota deixou claro que
seria muito difícil uma vitória militar sobre a Inglaterra. Por isso
que a estratégia para subjulgar os ingleses adotada por Bona-
parte foi atacar a sua economia.

Desde 1806, a França havia decretado o Bloqueio Conti-


nental contra a Inglaterra. Essa ação proibia o comércio das
nações europeias com o império britânico. Os países sob o
domínio francês aderiram ao boicote, mas a Rússia, mesmo
aderindo formalmente ao bloqueio comercial, continuou a co-
merciar com os ingleses. Esse fato motivou um dos piores erros
estratégicos de Napoleão Bonaparte, erro esse que jamais se
reestabeleceria, a invasão francesa ao território russo.

A coroa portuguesa resistiu ao bloqueio comercial negan-


do-se a participar do Bloqueio Continental. Isso aconteceu
devido a um antigo tratado de ajuda mútua entre Inglaterra e
Portugal. Não restou alternativa a Bonaparte senão empregar
Capítulo 3   O Período Napoleônico   53

uma invasão das tropas francesas ao território português. Essa


invasão resultou na fuga da família real portuguesa para o
Brasil. A família real portuguesa e toda a sua corte conseguiu
chegar a salvo ao Brasil graças à proteção da marinha de
guerra inglesa. Nesse processo da chegada da família real
portuguesa ao Brasil, a colônia foi promovida a Reino Unido.

Para agradecer a ajuda recebida pelos ingleses, o gover-


no português decretou o fim do pacto colonial que obrigava
o Brasil a manter relações comerciais apenas com Portugal,
para que os ingleses pudessem fazer comércio diretamente nos
portos brasileiros. O fim do pacto colonial favoreceu econo-
micamente o comércio inglês e os produtores brasileiros, pois
os ingleses compravam produtos diretamente dos produtores
brasileiros.

A derrocada do império de napoleão


Napoleão Bonaparte estendeu as fronteiras de seu império da
Península Ibérica até as cercanias da Rússia. Mas a manuten-
ção desse império de proporções continentais exigia um gran-
de contingente militar e muito dinheiro. A glória da França
Napoleônica começou a ser ofuscada pelas mortes de seus
soldados nos campos de batalha em terras distantes e pelas di-
ficuldades econômicas do país que gastava muito para manter
suas tropas. Outra dificuldade de manter o controle de terras
estrangeiras foi o constante perigo de rebeliões organizadas
pelos povos que estavam sobre o domínio francês.

Mas a grande derrocada do governo de Napoleão Bona-


parte teve início com o seu pior erro estratégico, a campanha
54    História Contemporânea do Século XIX

militar contra a Rússia. Essa invasão se dá devido ao não cum-


primento do Bloqueio Continental contra a Inglaterra assinado
pela Rússia. Mesmo firmando o pacto que proibia relações
comerciais com a Inglaterra, a Rússia continuou suas relações
comerciais e diplomáticas com a coroa britânica. O grande
exército francês começa a invasão ao território russo no ano
de 1812. Como suas tropas estavam muito longe das linhas
de suprimento, Napoleão Bonaparte adotou a prática de utili-
zar os recursos conquistados do inimigo para alimentar as suas
tropas. Mas à mediada que as tropas francesas invadiam o
território russo, a população fugia queimando as plantações e
as casas. Os meses foram passando, e, com passar do tempo,
chegou o maior aliado dos russos, o inverno. O exército fran-
cês sofreu pesadas baixas devido ao frio que poderia chegar
facilmente a temperaturas de 30 a 40º negativos. Juntamente
com o frio, a falta de alimento e a ação da cavalaria russa
ajudaram a pintar o quadro da derrota francesa.

Derrota Napoleônica na Rússia.


Capítulo 3   O Período Napoleônico   55

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/cc/Napoleons_re-
treat_from_moscow.jpg/300px-Napoleons_retreat_from_moscow.jpg Domínio Público

Aproveitando a fragilidade das tropas francesas, que per-


deram mais de 80% de seu contingente na campanha da Rús-
sia, a Inglaterra, a Áustria, a Rússia e a Prússia, organizaram
uma nova coligação para combater Napoleão Bonaparte.
Após sucessivas derrotas, em abril de 1814, a capital do im-
pério francês foi invadida e Napoleão Bonaparte foi deposto.
Luís XVIII reestabelece o poder da Dinastia Bourbon ao trono
da França.

Bonaparte buscou refúgio na ilha de Elba, uma ilha próxi-


ma à França. Foi a partir dessa ilha que Napoleão começou
a planejar o seu retorno ao governo francês. Aproveitando a
impopularidade do governo de Luís XVIII, Napoleão Bonapar-
te fugiu de Elba e foi recebido com alegria pela população
e pelos contingentes militares. A recepção calorosa motivou
Bonaparte a marchar sobre Paris e retirar Luís XVIII do trono.
Ao ser avisado da aproximação das tropas fiéis a Napoleão de
Paris, o rei e sua família fugiram. Bonaparte se consagra no-
vamente como líder dos franceses, mas o seu governo durou
pouco, 100 dias.

Novamente a coligação militar liderada pelos ingleses de-


creta guerra a Napoleão. Em junho de 1815, nos campos
de batalha de Waterloo, Bonaparte sofreu sua última derrota.
Desta vez, o homem que foi o governante mais poderoso da
Europa foi exilado na pequena ilha rochosa de Santa Hele-
na, no Oceano Atlântico. As ondas quebrando nas rochas da
Ilha de Santa Helena foi a paisagem que Napoleão Bonaparte
contemplou até a sua morte. Ele ainda nutria, em seus sonhos,
56    História Contemporânea do Século XIX

o desejo de voltar para a França e estar a frente do exército.


No seu leito de morte, em 1821, Napoleão ainda combatia
sussurrando: “batalhão, exército”.

A reconfiguração das fronteiras europeias


Após a vitória sobre a França Napoleônica, os representan-
tes da coligação militar que combateu Napoleão, juntamente
com outros estados europeus que sofreram com a dominação
francesa, se reuniram em Viena, para redefinir as fronteiras
europeias após a fragmentação do império francês. O Con-
gresso de Viena foi capitaneado pela Inglaterra, Rússia, Prússia
e Áustria, que defendiam o retorno das fronteiras das nações
europeias antes da Revolução de 1789. Também defendiam
a restauração das monarquias absolutistas que governavam
antes da expansão napoleônica.

A ideia do retorno das fronteiras das nações europeias an-


tes da Revolução Francesa não foi cumprida, pois as potên-
cias que controlaram o Congresso de Viena obtiveram várias
vantagens na hora de delimitar os novos contornos políticos
e geográficos da Europa. Já a restauração das monarquias
absolutistas que governavam antes da expansão napoleônica
foi uma das principais discussões, pois as antigas casas reais
queriam recuperar os seus privilégios e banir os ideais repu-
blicanos que germinavam em seus países. Por isso, a nobreza
defendia uma intervenção militar nos territórios ameaçados
por revoltas liberais.

Para garantir o cumprimento dos acordos estabelecidos


em Viena e combater as ideias liberais, foi criada uma alian-
Capítulo 3   O Período Napoleônico   57

ça com caráter político e militar denominada Santa Aliança.


A Santa Aliança era composta pela Áustria, Rússia e Prússia,
que estavam empregando seus esforços militares para sufocar
as revoltas liberais que assolavam a Europa. Mas, conforme
escreve Hobsbawn (1997), a Santa Aliança lutava contra um
movimento histórico irreversível. Pois esse movimento repre-
sentava a expansão dos ideais e práticas econômicas capita-
listas e a ascensão do Estado liberal burguês.

Mesmo exercendo uma posição de protagonismo no Con-


gresso de Viena, a Inglaterra não participou da Santa Aliança,
pois encarava a coligação como um movimento antiliberal.
Pois a Santa Aliança defendia princípios que não eram interes-
santes para a economia inglesa. A Inglaterra era uma nação
que defendia os ideais capitalistas e liberais, condenando as
práticas feudais que encaravam como entraves para o pleno
desenvolvimento do capitalismo.

O intervencionismo militar da Santa Aliança, que partia do


princípio da intervenção bélica em países sob ameaça liberal,
era incompatível com o princípio inglês de autonomia dos po-
vos. Ou seja, a Inglaterra defendia a ideia de que as nações
tinham direito à autonomia política. Mas, na verdade, os bri-
tânicos queriam o rompimento do pacto colonial para poder
exercer maior influência comercial na América, comerciando
diretamente com os produtores das colônias sem ter de passar
pelos comerciantes metropolitanos.

Sendo assim, os britânicos alcançaram todos os seus obje-


tivos ao vencer Napoleão. Ao destruir o império francês, que
havia exercido grande concorrência pelo domínio econômico
58    História Contemporânea do Século XIX

europeu durante o governo bonapartista, a Inglaterra assume


a hegemonia econômica não só na Europa, mas praticamente
em todo o globo.

Recapitulando

ÂÂO período Napoleônico, no que diz respeito às questões


internas da França, encerrou o processo revolucionário
iniciado em 1789 e consagrou a Revolução Francesa
como uma revolução burguesa.

ÂÂA burguesia saía como classe vitoriosa no aspecto eco-


nômico e também como detentora do poder político,
embora atuando nos bastidores, uma vez que na cena
principal estava Napoleão Bonaparte.

ÂÂUm dos principais objetivos de Napoleão Bonaparte foi


defender a “Revolução” e expandir os seus ideais ao res-
tante da Europa.

ÂÂAs ações de Napoleão Bonaparte que garantiam sua


fama e prestígio foram as responsáveis pela formação
de uma coligação de Estados Europeus contra as pre-
tensões imperiais francesas.
Capítulo 3   O Período Napoleônico   59

Referências bibliográficas

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. 10. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 1997.

________________. A Revolução Francesa. 7. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 2008.

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 15. ed.


Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

SOBOUL, Albert. A Revolução Francesa. 7. ed. Rio de Janei-


ro, Bertrand Brasil, 1989.

Atividades

1) Entre os acontecimentos que marcaram a Revolução Fran-


cesa, destaca-se o golpe de 18 Brumário de 1799, pelo
qual:

a) Luis XVIII, apoiado por um grande número de políticos


girondinos e pelas suas tropas, derrubou o Diretório
inaugurando uma nova forma de governo, o Consula-
do.

b) Napoleão Bonaparte, apoiado por um grande número


de políticos jacobinos e pelas suas tropas, derrubou o
Diretório inaugurando uma nova forma de governo, o
Consulado.
60    História Contemporânea do Século XIX

c) Napoleão Bonaparte, apoiado por um grande número


de políticos sansculottes e pelas suas tropas, derrubou
o Diretório inaugurando uma nova forma de governo,
a Tirania.

d) Napoleão Bonaparte, apoiado por um grande número


de políticos burgueses e pelas forças da Convenção
Nacional, derrubou a Monarquia inaugurando uma
nova forma de governo, o Consulado.

e) Napoleão Bonaparte, apoiado por um grande número


de políticos girondinos e pelas suas tropas, derrubou o
Diretório inaugurando uma nova forma de governo, o
Consulado.

2) Se destinava a proteger a propriedade burguesa. Com


cerca de dois mil artigos, dos quais apenas sete tratam
especificamente sobre o trabalho e cerca de oitocentos
artigos sobre a propriedade privada. Os sindicatos e gre-
ves são proibidos, mas as associações de empregadores
eram permitidas. Em uma disputa judicial sobre os salá-
rios, determinava-se que o depoimento do patrão, e não
o do empregado, é que deveria ser levado em conta. Esse
conjunto de leis estava organizado:

a) Na Constituição Francesa

b) No Código Feudal

c) No Tratado de Viena

d) No Código Napoleônico

e) No Tratado do Jogo de Péla


Capítulo 3   O Período Napoleônico   61

3) Assinale V (verdadeiro) e F (falso).

( ) Napoleão Bonaparte, apoiado por um grande número


de políticos girondinos e pelas suas tropas, derrubou o
Diretório inaugurando uma nova forma de governo, o
Consulado.

( ) O Consulado Vitalício foi o primeiro passo para a


marcha que restauraria a França como um estado mo-
nárquico. No ano de 1804, através de um plebiscito, a
maioria da população aprovou a volta da monarquia
com Bonaparte como grande imperador da França.

( ) A criação do Banco da França piorou o controle das


finanças públicas, aumentando a inflação, destabili-
zando a moeda. Aliada a isso, a criação de tarifas
protecionistas intensificou o desmantelamento da in-
dústria e do comércio.

( ) O período Napoleônico, no que diz respeito às ques-


tões internas da França, encerrou o processo revolu-
cionário iniciado em 1789 e consagrou a Revolução
Francesa como uma revolução burguesa.

a) F, F, V, F

b) V, F, V, F

c) V, V, F, V

d) V, F, F, F

4) O que foi a Santa Aliança:


62    História Contemporânea do Século XIX

a) Foi uma aliança com caráter religioso criado para ga-


rantir o cumprimento dos acordos estabelecidos em
Pais e combater as ideias protestantes.

b) Foi uma aliança com caráter político e militar criada


para garantir o cumprimento dos acordos estabeleci-
dos em Viena e combater as ideias liberais.

c) Foi uma aliança com caráter econômico criado para


garantir o monopólio dos acordos estabelecidos pela
Inglaterra e combater as ideias feudais.

d) Foi uma aliança com caráter científico criado para ga-


rantir o cumprimento dos acordos estabelecidos em
Viena e combater o obscurantismo religioso.

e) Foi uma aliança com caráter político e militar criada


para garantir o cumprimento dos acordos estabeleci-
dos em Londres e combater as ideias francesas.

5) A derrota francesa na batalha de Trafalgar foi uma grande


lição para Napoleão. Por isso Bonaparte decretou o Blo-
queio Continental, que era:

a) A proibição de estabelecer relações comerciais com a


Inglaterra.

b) A proibição de estabelecer relações comerciais com a


França.

c) A proibição de estabelecer relações comerciais com a


Rússia.
Capítulo 3   O Período Napoleônico   63

d) O incentivo para novos tratados comerciais com a


França.

e) O incentivo para novos tratados comerciais com a


Rússia.

Gabarito
1) e  2) d  3) c  4) b  5) a
Viviana Benetti

Capítulo 4

Revoluções de
1830 e 1848

ÂÂ
N
este capítulo, veremos que após a Revolução France-
sa “ondas revolucionárias” varreram a Europa, espe-
cialmente na primeira metade do século XIX. Destacaram-
-se as ondas de 1830 e de 1848.
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    65

Introdução

Eric Hobsbawm foi um dos grandes historiadores que analisa-


ram com muito cuidado o século XIX. A trilogia por ele escrita
(A Era das Revoluções: 1789-1848; A Era do Capital: 1848-
1874 e a Era dos Impérios: 1875-1914) constitui-se em um
referencial obrigatório para todos os que estudam esse perío-
do. Da primeira obra retiramos os elementos que seguem, do
qual o autor identificou como “ondas revolucionárias” que se
abateram sobre o mundo na primeira metade do século.

É importante destacar que, após a derrota de Napoleão


Bonaparte, em 1815, os reacionários governos europeus ten-
taram dar uma nova feição à Europa. Porém, as decisões do
Congresso de Viena pecaram pela sua superficialidade. O
autor Adhemar Martins (2003) destaca que, nesse período,
a burguesia europeia desmontou todo o edifício da reação,
principalmente em 1830 e 1848. É fundamental verificar que
as transformações econômicas e sociais ocorridas até aquele
momento, levaram para a cena política os novos quadros do
proletariado. Dessa forma, as lutas burguesas tinham dois al-
vos concretos: de um lado a aristocracia do Antigo Regime, de
outro, o proletariado.

A primeira onda de 1830 assinala a derrota da aristocra-


cia, na qual se verá, nos decênios seguintes, a ascensão da
burguesia e sua consolidação no poder. E a segunda onda, de
1848, assinala a derrota do proletariado, em que o movimen-
to de luta operária experimentará então uma queda, vindo a
manifestar-se com mais intensidade, apenas em 1871, com
a Comuna de Paris. Esta última assinalará o fim do ciclo das
66    História Contemporânea do Século XIX

revoluções burguesas e o início de um novo ciclo, o das revo-


luções proletárias.

As ondas revolucionárias
O Historiador Eric Hobsbawm (1877), em seu livro A Era das
Revoluções, nos traz o movimento das revoluções ocorridas
após o Congresso de Viena. É importante observarmos as mu-
danças que vinham ocorrendo em toda a Europa, a partir das
transformações sociais, políticas e econômicas.

O autor destaca que houve três ondas revolucionárias prin-


cipais no mundo ocidental entre 1815 e 1848. Somente as
regiões da Ásia e a África permaneciam até então imunes:
as primeiras revoluções em grande escala na Ásia, o “Motim
Indiano” e a Rebelião Taiping, só ocorreram na década de
1850. A primeira onda ocorreu em 1820-4 e, na Europa, ela
ficou limitada principalmente ao Mediterrâneo, com a Espa-
nha (1820), Nápoles (1820) e a Grécia (1821) como seus epi-
centros. Fora o movimento da Grécia, as demais insurreições
foram sufocadas. A Revolução Espanhola reviveu o movimento
de libertação na América Latina, que tinha sido derrotado após
um esforço inicial, ocasionado pela conquista da Espanha por
Napoleão em 1808, e reduzido a alguns refúgios e grupos.

Os três grandes libertadores da América espanhola, Simon


Bolívar, San Martin e Bernardo O’Higgins, estabeleceram a
independência respectivamente da “Grande Colômbia” (que
incluía as atuais repúblicas da Colômbia, da Venezuela e do
Equador), da Argentina (exceto as áreas interioranas, que hoje
constituem o Paraguai e a Bolívia e os pampas além do Rio da
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    67

Prata, onde os gaúchos da Banda Oriental – hoje Uruguai –


lutaram contra argentinos e brasileiros) e do Chile. San Martin,
auxiliado pela frota chilena sob o comando do nobre radical
inglês Cochrane, libertou a última fortaleza do poderio espa-
nhol, o vice-reino do Peru.

Por volta de 1822, a América espanhola estava livre, e San


Martin, um homem moderado, deixou a tarefa para Simon
Bolívar e ao republicanismo, retirando-se para a Europa. En-
quanto Iturbide, o general espanhol enviado para lutar contra
as guerrilhas camponesas que ainda resistiam no México, to-
mou o partido dos guerrilheiros sob o impacto da Revolução
Espanhola e, em 1821, estabeleceu a independência mexica-
na. Em 1822, o Brasil separou-se pacificamente de Portugal,
sob o comando do regente deixado pela família real portu-
guesa em seu retorno à Europa após o exílio napoleônico.
Os Estados Unidos reconheceram imediatamente as indepen-
dências dos novos Estados, os britânicos reconheceram logo
depois, cuidando de concluir tratados comerciais com eles, e
os franceses o fizeram antes do fim da década. Esses foram os
movimentos da primeira onda revolucionária que varreu vários
lugares, dentro e fora da Europa, provocando mudanças so-
ciais, políticas e econômicas.

A segunda onda revolucionária ocorreu em 1829-34, e


afetou toda a Europa, o oeste da Rússia e o continente norte-
-americano. De acordo com Hobsbawm, as reformas do pre-
sidente Andrew Johnson (1829-37), embora não diretamen-
te ligada aos levantes europeus, devem ser entendidas como
parte dela.
68    História Contemporânea do Século XIX

Na Europa, a derrubada dos Bourbons na França estimulou


várias outras insurreições. Em 1830, a Bélgica conquistou sua
independência da Holanda; em 1830-1, a Polônia foi subju-
gada somente após operações militares; várias partes da Itália
e da Alemanha estavam agitadas, o liberalismo prevalecia na
Suíça, enquanto se abria um período de guerras na Espanha
e em Portugal. Até mesmo a Grã-Bretanha e a Irlanda, que
garantiram a Emancipação Católica em 1829 e o reinício da
agitação reformista.

Segundo Hobsbawm, esse período é o único na história


moderna em que acontecimentos políticos na Grã-Bretanha
correram paralelamente aos do continente europeu, a ponto
de que algo semelhante a uma situação revolucionária pode-
ria ter se desenvolvido em 1831-2, não fosse à restrição dos
partidos Tory (conservador) e Whig (liberal). É o único período
do século XIX em que a análise da política britânica se apre-
senta de forma concreta.

Em 1830, a onda revolucionária foi um acontecimento


muito mais sério do que a de 1820, pois marcou a derrota de-
finitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ociden-
tal. A classe governante dos próximos 50 anos seria a “grande
burguesia” de banqueiros, grandes industriais e, eventualmen-
te, altos funcionários civis, aceitos por uma aristocracia que se
apagou, ou que concordou em promover políticas primordial-
mente burguesas, ainda não ameaçadas pelo sufrágio univer-
sal. Eventualmente, essa nova classe burguesa governante era
molestada por agitações externas causadas por negociantes
insatisfeitos ou de menor importância, ou pela pequena bur-
guesia e pelos primeiros movimentos trabalhistas.
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    69

Esse novo sistema político utilizado na Grã-Bretanha, na


França e na Bélgica, era fundamentalmente o mesmo: institui-
ções liberais salvaguardadas contra a democracia, por qua-
lificações educacionais ou de propriedade para os eleitores
– havia inicialmente só 168 mil eleitores na França – sob uma
monarquia constitucional; de fato, algo muito semelhante à
primeira fase burguesa mais moderada da Revolução France-
sa, a da Constituição de 1791. Nos EUA, entretanto, a demo-
cracia jacksoniana dava um passo além: derrota os proprie-
tários oligarcas antidemocratas, (cujo papel correspondia ao
que agora estava triunfando na Europa Ocidental) e chega
ao poder a pequena democracia política, que fora eleita com
os votos dos homens das fronteiras, dos pequenos fazendei-
ros e dos pobres das cidades. Foi uma espantosa inovação, e
os pensadores do liberalismo moderado, que eram realistas o
suficiente para saber que, mais cedo ou mais tarde, as amplia-
ções do direito de voto seriam inevitáveis, examinaram-na de
perto e com muita ansiedade.

Alexis de Tocqueville, cuja obra Democracia na América, de


1835, chegou a melancólicas conclusões sobre ela, a Demo-
cracia. Mas, como veremos, 1830 determina uma inovação
ainda mais radical na política: o aparecimento da classe ope-
rária como uma força política autoconsciente e independente
na Grã-Bretanha e na França, e dos movimentos nacionalistas
em um grande número de países da Europa.

Hobsbawm (1977) destaca que por trás dessas grandes


mudanças políticas estavam grandes mudanças no desenvol-
vimento social e econômico. Qualquer que seja o aspecto da
vida social que avaliarmos, 1830 determinava um ponto críti-
70    História Contemporânea do Século XIX

co; de todas as datas entre 1789 e 1848, o ano de 1830 é o


mais obviamente notável, segundo o autor. Esse ano aparece
com igual proeminência na história da industrialização e da
urbanização, tanto no continente europeu, quanto nos Estados
Unidos, bem como na história das migrações humanas, tanto
sociais quanto geográficas, e ainda na história das artes e da
ideologia.

Na Grã-Bretanha e na Europa Ocidental, esse ano deter-


mina o início daquelas décadas de crise no desenvolvimento
da nova sociedade que concluem com a derrota das revolu-
ções de 1848 e com o gigantesco salto econômico depois de
1851.

George Rudé (1982) preocupa-se com a compreensão das


ideias dos grupos em luta durante a Revolução de 1830. O
historiador analisa a questão ideológica presente no movimen-
to, que, para ele, apresenta uma singularidade significativa, é
o momento onde se pode ver o nascimento da classe operária
francesa, exatamente no momento em que a burguesia conse-
guia completar as tarefas iniciadas em 1789.

O rei da França, Carlos X, foi derrubado em 1830 por uma


aliança de burgueses liberais, aos quais negara as liberdades
consagradas pela Carta de 1814 (Constituição) e por ouvriers
(trabalhadores) de vários ofícios de Paris. Após três dias de
lutas, Luís Felipe (Orleans) foi levado ao trono por um acordo
político de banqueiros e jornalistas, e aclamado pelo povo.

Rudé (1982) destaca que o resultado não agradou a todos,


os trabalhadores foram enganados, e a vitória explorada no
interesse exclusivo dos empregadores. Porém, de acordo com
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    71

o autor, os trabalhadores se recusaram a tirar as castanhas do


fogo para a burguesia, e passaram a reivindicar seus próprios
interesses. Os tipógrafos foram os primeiros a sair às ruas,
liderando os outros trabalhadores de Paris. Seus motivos eram
duplos: proteger seus empregos e liberdades, e expressar seu
ressentimento patriótico, juntamente com seus aliados burgue-
ses, contra as ações despóticas do rei Bourbon.

Outro motivo da revolução de 1830 foi à profunda crise


econômica que provocou o aumento dos preços dos alimen-
tos, e muitos tinham suas ideias sobre o governo que deveriam
seguir. Não era a República que queriam em 1830, mas sim
um retorno de Napoleão.

Segundo Rudé, entre esses e outros fatos, também houve


outras formas de retorno ao passado, como os motins contra
o alto preço do pão; os camponeses expulsaram guardas flo-
restais para defender seus direitos aos pastos; em nome da
“liberdade” trabalhadores destruíram máquinas, que os pri-
vavam de trabalhar; mas, principalmente, exigiram o direito
de organizarem-se e formarem associações e sindicatos para
defender salários e condições de trabalho.

Enquanto isso, no que se refere à burguesia liberal, a re-


volução de 1830 completou a “tarefa inacabada” da primei-
ra revolução, dando abrigo constitucional aos “princípios de
1789”. Porém, nesse processo, a solução criou tarefas inaca-
badas, como as experiências dos anos seguintes mostrariam.
Para os ouvriers (trabalhadores), a luta iniciada em 1830 foi
apenas o começo dos movimentos proletários que se alastra-
riam nos anos seguintes pela Europa. Jornais de trabalhado-
72    História Contemporânea do Século XIX

res começaram a surgir, e dedicavam muitas colunas para a


necessidade das associações. Durante o período de 1830 e
1840, uma série de insurreições operárias foram deflagradas,
e, no curso dessas batalhas, lutando contra a frente econômi-
ca e a no plano político, nasceu a classe operária francesa.

Analisando a onda revolucionária de 1848, Hobsbawm


nos apresenta as questões políticas associadas à conjuntura
de crise econômica como os elementos fundamentais que de-
tonaram o processo revolucionário.

Em poucas palavras, o mundo da década de 1840 se


achava fora de equilíbrio. As forças de mudança econômi-
ca, técnica e sociais desencadeadas nos últimos 50 anos não
tinham paralelo, eram irresistíveis mesmo para o mais super-
ficial dos observadores. Por exemplo, era inevitável que, mais
cedo ou mais tarde, a escravidão ou a servidão (exceto nas re-
motas regiões ainda não atingidas pela nova economia, onde
permaneciam como relíquias) teria de ser abolida, como era
inevitável que a Grã-Bretanha não poderia para sempre per-
manecer como o único país industrializado.

Assim como era inevitável que as aristocracias, proprietá-


rias de terras e as monarquias absolutas, perdessem força em
todos os países onde a burguesia estava se desenvolvendo.
Quaisquer que fossem as fórmulas ou acordos políticos que
encontrassem para conservar sua situação econômica, sua in-
fluência e sua força política, elas pereceriam.

Além do mais, era inevitável que a consciência política e a


permanente atividade política entre as massas, que foi o gran-
de legado da Revolução Francesa, significariam, mais cedo ou
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    73

mais tarde, um importante papel dessas massas na política. E


dada a notável aceleração da mudança social desde 1830, e
o despertar do movimento revolucionário mundial, era clara-
mente inevitável que as mudanças, quaisquer que fossem seus
motivos institucionais, não poderiam ser adiadas.

De acordo com Hobsbawm (1977), a razão era que a cri-


se do que restava da antiga sociedade parecia coincidir com
uma crise da nova sociedade. Analisando a década de 1840,
é fácil pensar que os socialistas, que previram a iminente crise
do capitalismo, eram sonhadores que confundiam suas espe-
ranças com suas possibilidades reais. De fato, o que se seguiu
não foi à falência do capitalismo, mas sim seu mais rápido
período de expansão e vitória.

Ainda assim, nas décadas de 1830 e 1840, era pouco evi-


dente que a nova economia poderia ou buscaria superar suas
dificuldades, que pareciam aumentar, com seu poder para
produzir quantidades cada vez maiores de mercadorias, a par-
tir de métodos cada vez mais revolucionários. Os defensores
do capitalismo estavam descrentes em relação ao futuro, era
o medo do “estado estacionário”. Os próprios defensores ti-
nham duas opiniões a respeito de seu futuro. Os capitães da
indústria e das altas finanças estavam indecisos, na década
de 1830, sobre qual melhor caminho para obter o triunfo,
o socialismo ou o capitalismo. O medo era que a indústria
enfrentaria perdas, situações inconvenientes, assim como uma
estrangulação geral, a menos que os obstáculos fossem remo-
vidos.
74    História Contemporânea do Século XIX

Para povo, o problema era mais simples, sua condição


nas grandes cidades e nos distritos fabris da Europa central e
Ocidental empurrava-os em direção a uma revolução social.
Sua organização enquanto classe coletiva lhes dava força, e o
despertar da Revolução Francesa lhes ensinara que os homens
comuns não precisam sofrer injustiças e se calar.

Era o movimento que caracterizava o “espectro do comu-


nismo”, que aterrorizava a Europa, e os termos do proletaria-
do não afetava somente a indústria, mas funcionários públi-
cos, padres, professores em todas as partes do mundo. E com
justiça, a revolução de 1848 não foi uma revolução social
somente por ter envolvido todas as classes, foi, no sentido lite-
ral, o insurgimento dos trabalhadores pobres nas cidades da
Europa ocidental e Central.

De acordo com Hobsbawm (1977), enquanto os trabalha-


dores pobres se agitavam, a crescente fraqueza e obsolescên-
cia dos antigos regimes da Europa multiplicavam crises dentro
do mundo dos ricos e dos influentes. Essas crises não tive-
ram grande importância, porém, se tivessem ocorrido em uma
época diferente, ou em sistemas que permitissem às diferentes
parcelas das classes governantes ajustarem suas rivalidades
pacificamente, não teriam levado à revolução, mais do que
as perenes brigas da corte na Rússia do século XVIII levaram
à queda do czarismo. Na Europa absolutista, a rigidez dos re-
gimes políticos de 1815, que foram projetados para rechaçar
toda mudança de teor nacional ou liberal, não deixou qual-
quer escolha, até mesmo para o mais moderado dos oposicio-
nistas, a não ser a do status quo ou da revolução.
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    75

Para Hobsbawm, os regimes de 1815 tinham que ser bani-


dos mais cedo ou mais tarde. Eles próprios o sabiam. A consci-
ência de que a “história estava contra eles” minava sua vonta-
de de resistir. Em 1848, o primeiro sopro de revolução, dentro
ou fora, iria atirá-los longe. Porém, a menos que houvesse um
sopro dessa ordem, eles não cairiam. Mas, ao contrário dos
países liberais, pequenos problemas dentro dos regimes abso-
lutistas, tais como choques entre governantes e as assembleias
legislativas da Hungria e da Prússia, a eleição de um papa
“liberal” em 1846, dentre outros, se transformaram em vibra-
ções políticas de importância.

A França de Luis Felipe, em 1848, devia ter partilhado da


flexibilidade política pela qual passou a Grã-Bretanha, a Bél-
gica, a Holanda e os Países escandinavos. Na prática, não
mudou, embora fosse claro que a classe governante da França
– os banqueiros, financistas e alguns industriais – representava
somente uma parcela dos interesses da classe média e, além
disso, uma parcela cuja política econômica não era apreciada
pelos elementos industriais mais dinâmicos, assim como pelos
grupos feudais remanescentes.

A oposição presente na França não consistia apenas de


uma burguesia descontente, mas também de uma classe mé-
dia inferior politicamente decisiva, especialmente em Paris
(que votou contra o governo a despeito do restrito sufrágio em
1846). O Receio ao aumentar o direito de voto poderia dar
uma abertura aos jacobinos, em potencial os radicais que, ao
menos para o veto oficial, eram revolucionários.
76    História Contemporânea do Século XIX

O primeiro-ministro de Luís Felipe, o historiador Guizot


(1840-48), preferiu deixar o alargamento da base social do
regime ao desenvolvimento econômico, que automaticamen-
te aumentaria o número de cidadãos com qualificação (de
proprietário) para entrar na política. De fato, isso aconteceu.
O eleitorado subiu de 176 mil, em 1831, para 241 mil, em
1846. Porém, isso não era o suficiente. O medo da república
jacobina manteve rígida a estrutura política francesa, e a situ-
ação se tornou mais tensa. Nas condições em que se encon-
trava a Inglaterra, uma campanha política pública, a partir de
discursos de banquetes, como a campanha lançada pela opo-
sição francesa em 1847, teria sido perfeitamente inofensiva.
Mas, nas condições francesas, ela foi o prelúdio da revolução.

As crises políticas da classe governante europeia coincidi-


ram com uma catástrofe social: a grande depressão, que var-
reu o continente na metade da década de 1840. As colheitas
– e em especial a safra de batatas – fracassaram. Populações
inteiras como as da Irlanda, da Silésia e Flanders morriam de
fome. Os preços dos alimentos subiam, a depressão industrial
multiplicava o desemprego, e as massas urbanas de trabalha-
dores pobres eram privadas de seus modestos rendimentos,
no exato momento em que o custo de vida atingia proporções
gigantescas.

A situação variava de um país para outro e dentro de cada


um deles, e – felizmente para os regimes existentes – as popu-
lações mais miseráveis, como as da Irlanda e de Flanders, ou
alguns dos trabalhadores de fábricas nas províncias encontra-
vam-se entre as pessoas politicamente menos maduras: em-
pregados da indústria algodoeira se vingavam nos desespera-
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    77

dos imigrantes belgas, que invadiam aquelas regiões, ao invés


de vingarem-se contra os governos ou de seus empregadores.

Porém, tomando-se a Europa Ocidental e Central como


um todo, a crise de 1846-8 foi universal, e o estado de ânimo
das massas, sempre dependente do nível de vida, era tenso.
E o cataclismo econômico europeu coincidiu com a corrosão
dos antigos regimes.

A revolução triunfou através de todo o centro do continente


europeu, também foi uma revolução potencialmente global.
Ela pode ser detectada na insurreição de 1848 em Pernam-
buco (Brasil). Os Estados europeus pelos quais a revolução
passou, possuíam características diversas, eram pequenas mo-
narquias e/ ou estados centralizados. Acima de tudo, a histó-
ria – estrutura social e econômica – e a política dividiram a
zonas revolucionarias em duas, uma urbana e outra rural, das
pequenas cidades sobre as grandes cidades. Politicamente, as
zonas revolucionárias eram heterogêneas.

Todas essas revoluções foram de trabalhadores pobres, por


isso assustaram os moderados liberais a quem elas próprias
deram poder. Em 1848, os liberais moderados fizeram duas
importantes descobertas: que a revolução era perigosa, e que
algumas de suas mais importantes reivindicações (questões
econômicas) poderiam ser atingidas sem elas. A burguesia
deixara de ser uma força revolucionária, pois agora se encon-
trava no poder.

Nesse período, o corpo das classes médias baixas radicais,


artesãos descontentes, pequenos comerciantes, agricultores,
78    História Contemporânea do Século XIX

formavam uma força revolucionária significativa, porém dificil-


mente chegariam a ser uma alternativa política.

As insurreições da classe trabalhadora, especialmente na


França, continuaram mobilizadas. Nas eleições de 1848, o
povo não escolheu um radical, tampouco um moderado. O
vencedor foi Luis Napoleão (sobrinho do grande imperador),
não havia candidato à monarquia, pois a França era uma Re-
pública. Os trabalhadores votaram nele, contra a República
dos ricos, segundo Marx, eles desejavam o fim dos impos-
tos; e, na concepção deles, Luís Napoleão significava o fim
do republicanismo burguês, e a pequena burguesia o apoiou
porque parecia não se alinhar com a grande burguesia. Logo
depois, Luís Napoleão aboliu a República e proclamou-se im-
perador.

As Revoluções de 1848 deixaram claro que a classe média,


o liberalismo, a democracia política, o nacionalismo e mesmo
as classes trabalhadoras eram, naquele momento em diante,
presenças permanentes no panorama político.

Nesse mesmo ano, Karl Marx e Friedrich Engels divulgaram


os princípios da revolução proletária, no programa que am-
bos haviam traçado para a Liga Comunista Alemã, o qual fora
publicado anonimamente em Londres, em 24 de fevereiro de
1848, sob título em alemão de Manifesto do Partido Comunista.

Como observamos, a revolução de 1830 levou à derrota


da aristocracia, e a ascensão da burguesia e sua consolidação
no poder. E o ano de 1848 assinala a derrota do proletaria-
do, na qual o movimento de luta operária experimentará uma
queda, vindo a se manifestar com mais intensidade em 1871,
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    79

com a Comuna de Paris, em que os operários tomarão o po-


der Francês por três meses.

Recapitulando

ÂÂAs Ondas Revolucionárias: a primeira onda ocorreu em


1820-1824 e, na Europa, ela ficou limitada principal-
mente ao Mediterrâneo, com a Espanha (1820), Nápo-
les (1820) e a Grécia (1821) como seus epicentros. 

ÂÂA segunda onda revolucionária ocorreu em 1829-


1834 e afetou toda a Europa, o oeste da Rússia e o
continente norte-americano. Em 1830, marcou a derru-
bada dos Bourbons na França, e foi o ano que marcou
a derrota dos aristocratas pelo poder burguês na Europa
Ocidental. 

ÂÂA Onda revolucionária de 1830 trouxe grandes mudan-


ças políticas no desenvolvimento social e econômico. 

ÂÂQualquer que seja o aspecto da vida social, 1830 de-


terminou um ponto crítico; de todas as datas entre 1789
e 1848, o ano de 1830 é o mais notável.

ÂÂA terceira e maior das ondas revolucionárias, a de 1848,


foi o produto da crise das mudanças que ocorriam em
toda a Europa.

ÂÂTomando toda a Europa Ocidental e Central, a crise de


1846-1848 foi universal, e o estado de ânimo das mas-
sas, sempre dependente do nível de vida, era tenso. E o
80    História Contemporânea do Século XIX

cataclismo econômico europeu coincidiu com a corro-


são dos antigos regimes.

Referências bibliográficas

MARQUES, Adhemar M. História contemporânea através


de textos/ Adhemar Marques, Flavio Berutti, Ricardo Faria.
10. ed. – São Paulo: Contexto, 2003.

HOBSBAWM, Eric. A Era das Revoluções. Europa 1789 –


1848. Rio de janeiro; Paz e Terra, 1977.

____________. A Era do Capital. 1848-1875. Rio de Janei-


ro. 5. Ed. Paz e Terra, 1996.

RUDÉ, George. Ideologia e Protesto Popular. Rio de janeiro,


Tempo Brasileiro, 1982.

Atividades

1) As ondas revolucionárias que se abateram sobre a Euro-


pa no século XIX tiveram dois alvos, apenas uma assertiva
correta:

a) A nobreza e o rei;

b) A burguesia e os servos;

c) Os senhores feudais e a igreja;


Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    81

d) A aristocracia e os proletários;

e) A aristocracia e a burguesia.

2) Sobre as ondas revolucionárias, podemos considerar ver-


dadeiro ou falso:

(  ) A primeira onda ocorreu na Europa em 1820 a 1824,


principalmente ao Mediterrâneo, com a Espanha (1820),
Nápoles (1820) e a Grécia (1821).

( ) Os reis europeus não estimularam insurreições, pois


acreditavam que não interferiria em suas vidas.

(  ) Onda revolucionária que ocorreu em 1829-34, afetou


a Europa, o oeste da Rússia e o continente norte-america-
no.

(  ) A onda revolucionária de 1830 marcou a derrota defi-


nitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Oci-
dental.

(  ) A nova classe burguesa governante não será molestada


por agitações externas causadas por insatisfeitos sobre seu
governo.

a) V, V, F, F, F

b) V, F, V, V, F

c) F, V, V, F, V

d) V, V, V, F, F

e) Nenhuma alternativa correta


82    História Contemporânea do Século XIX

3) A revolução de 1830, com a vitória da burguesia ao po-


der, a “tarefa inacabada” da primeira revolução foi acaba-
da, dando abrigo constitucional aos “princípios de 1789”.
Com isso, podemos afirmar que:

a) Em 1830 ocorreu o início dos movimentos proletários


que se alastrariam nos anos seguintes pela Europa.

b) As ondas revolucionárias não interferiram na organiza-


ção das classes operárias.

c) Os reis franceses, após a vitória da burguesia ao po-


der, nunca mais conseguiram se reestabelecer no tro-
no.

d) As aristocracias, proprietárias de terras e as monar-


quias absolutas, mantiveram-se aliadas à burguesia,
onde quer que esta se desenvolvesse.

e) Somente os reis perderam seu poder após a revolução


de 1830.

4) Sobre as Revoluções de 1830 e 1848, podemos afirmar


como verdadeiro ou falso.

(  ) As crises políticas coincidiram com as crises sociais.

(  ) Os preços dos alimentos não subiam, pois a população


não possuía poder de consumo.

(  ) A depressão da indústria multiplicou o desemprego e


privou os trabalhadores de seus rendimentos.

(  ) Os estados em que ocorreram as revoluções eram ho-


mogêneos.
Capítulo 4    Revoluções de 1830 e 1848    83

( ) As crises de 1846-8 foram universais e o estado de


ânimo das massas era tenso.

a) V, V, F, V, F

b) V, F, F, V, F

c) V, F, V, F, V

d) F, V, F, V, F

e) Nenhuma alternativa correta

5) Sobre a onda revolucionária de 1830 e 1848, podemos


afirmar como verdadeira ou falsa:

(  ) Em 1848, a classe média, o liberalismo, a democracia


política, o nacionalismo passaram a ser presenças perma-
nentes no panorama político.

(  ) A revolução de 1830 levou à derrota da aristocracia, e


a ascensão da burguesia e sua consolidação no poder.

(  ) Em 1848, a derrota do proletariado, como movimento


de luta operária experimentará uma queda.

(  ) Os operários voltam a se manifestar com mais intensi-


dade em 1871, com a Comuna de Paris.

(  ) Marx e Engels publicam em alemão de Manifesto do


Partido Comunista, em 1848.

a) V, V, V, F, F

b) F, V, V, V, V

c) V, F, F, V, V
84    História Contemporânea do Século XIX

d) F, F, V, V, V

e) V, V, V, V, V

Gabarito


1)
d  2) b  3) a  4) c  5) e
Wagner dos Santos Chagas

Capítulo 5

Revolução Industrial

ÂÂ
A
Revolução Industrial foi um fato histórico que de-
sencadeou profundas transformações econômicas e
sociais a partir do século XVIII. Um fenômeno inglês, a
Revolução Industrial possibilitou a expansão do capitalis-
mo de maneira global, causando impactos irreversíveis na
sociedade e na economia do ocidente.
86    História Contemporânea do Século XIX

Introdução

Nesse período, conforme escreve o historiador Eric. J. Hobs-


bawn (1997), houve um grande aumento na acumulação de
capital pela burguesia fortalecida por meio da exploração do
trabalho de uma grande massa de trabalhadores que, onda
após onda, invadiam as cidades em busca de sustento. Em
sua obra “O Capital”, Karl Marx (1996), descreve que nesse
período a acumulação de riquezas com a introdução da tec-
nologia e da maquinaria nas fábricas foi capaz de gerar as
desigualdades sociais que intensificaram o conflito de classes.

Contexto da revolução industrial


Milhões de operários conheceram a miséria, enquanto uma
pequena parcela da burguesia que detinha os bens de pro-
dução enriquecia com lucros astronômicos. Nesse contexto,
nasce o Estado liberal burguês para garantir a existência de
condições para a produção industrial, a acumulação capitalis-
ta e a garantia da proteção da propriedade privada. Isso tudo
ao custo do suor do operariado.

Processo de industrialização na Inglaterra a


partir do século XVIII
A Inglaterra industrializou-se cerca de um século antes de ou-
tras nações, por possuir uma série de condições históricas fa-
voráveis para tal avanço tecnológico. Para Hobsbawn (1997),
o pioneirismo inglês no processo de industrialização não foi
um fato acidental. A Grã-Bretanha possuía uma produção têx-
Capítulo 5   Revolução Industrial   87

til e um comércio pujante com certa vantagem frente ao seu


maior concorrente na Europa, os franceses. Os britânicos pos-
suíam uma grande quantidade de capital acumulado graças
a sua política colonialista que garantiu mercado consumidor
e fornecedor de matérias-primas, especialmente o algodão,
graças à exploração de suas colônias na América e na Índia.

Essa situação favorável vivida na economia pelos ingleses


demonstra que, a partir da década de 1780,

...pela primeira vez na história da humanidade, foram


retirados os grilhões do poder produtivo das socieda-
des humanas, que daí em diante se tornaram capazes
da multiplicação rápida, constante, e até o presente ili-
mitada, de homens, mercadorias e serviços. Este fato é
hoje tecnicamente conhecido pelos economistas como a
“partida para o crescimento autossustentável”. Nenhuma
sociedade anterior tinha sido capaz de transpor o teto
que uma estrutura social pré-industrial, uma tecnologia e
uma ciência deficientes, e consequentemente o colapso,
a fome e a morte periódicas, impunham à produção. A
economia, por assim dizer, voava. (HOBSBAWM, 1997,
p. 44)

A economia voava, pois a Inglaterra definiu como objetivo


principal da política governamental o desenvolvimento econô-
mico e o lucro privado. O Estado Inglês era uma Monarquia
Parlamentar, desde a Revolução Gloriosa de 1688, assentada
nos ideais do liberalismo burguês afinado com os interesses
de acúmulo de capital. “A política já estava engatada ao lu-
cro. No geral, o dinheiro não só falava como governava. Tudo
88    História Contemporânea do Século XIX

que os industriais precisavam para serem aceitos entre os go-


vernantes da sociedade era bastante dinheiro” (HOBSBAWM,
1997, p. 44).

Mas a Inglaterra ainda possuía uma produção agrícola nos


moldes da velha produção feudal. Nesse sistema de produção,
conforme escreve Leo Hubermam (1980), todo o processo
produtivo era realizado pelas famílias camponesas, servindo
muitas vezes para a própria subsistência do campesinato. Esse
modelo de produção familiar, que remonta os tempos medie-
vais, criava um grande descompasso entre objetivos traçados
no projeto de desenvolvimento econômico liberal burguês e
a produção agrícola inglesa. Esse descompasso começa a se
tornar não só um problema agrário para o Estado inglês, mas
um problema de desenvolvimento da nação.

A solução desse problema agrário consistiu em uma cres-


cente ação de privatização de terras que eram de uso comum
dos camponeses, por meio do cercamento desses locais rea-
lizado pelos grandes produtores locais. A paisagem rural in-
glesa, que era caracterizada pelo openfield (o campo aberto,
sem cercas), passou a ter sua exploração realizada em cam-
pos cercados. Assim, conforme escreve Hobsbawn (1997), a
antiga economia coletiva do interior foi extinta pelos Decretos
das Cercas, os Enclosure Acts. As atividades agrícolas foram
direcionadas para o mercado e preparadas para desempe-
nhar suas três funções fundamentais para dar suporte à indus-
trialização da produção: aumentar a produção e a produtivi-
dade de modo a alimentar uma população não agrícola em
rápido crescimento; fornecer um grande e crescente excedente
de mão de obra em potencial para as cidades e as indústrias;
Capítulo 5   Revolução Industrial   89

e, fornecer um mecanismo para o acúmulo de capital a ser


usado nos setores mais modernos da economia. Os campone-
ses foram desalojados de suas terras e foram privados dessa
fonte de subsistência. A incapacidade de produção em seus
pequenos lotes de terras obrigou o campesinato a abandoná-
-las e atentar melhores condições de vida nas cidades, dando
origem à classe operária inglesa.

Mas esse êxodo rural imposto pela política de Enclosure


Acts criou grandes problemas para a classe operária. As fá-
bricas eram incapazes de utilizar toda a força de trabalho que
se concentrava nas cidades, gerando uma imensa massa de
pessoas que ficavam desempregadas, as quais, Marx (1996),
denominou de exército industrial de reserva. Para a burgue-
sia, que detinha os meios de produção, donos das fábricas, a
grande oferta de mão de obra possibilitava a contratação da
força de trabalho por baixos salários.

Hobsbawn (1997) aponta que, a partir da política de cer-


camentos, a terra passava a ser uma mercadoria. Com isso, os
antigos senhores, ao comprar novas terras, tornavam-se fazen-
deiros criadores de ovelhas para a produção de lã destinada
a abastecer as manufaturas têxteis de matéria prima. Graças à
produção de lã inglesa e ao algodão da América e da Índia,
a industrialização da produção têxtil foi a mola propulsora do
desenvolvimento econômico britânico.
90    História Contemporânea do Século XIX

A industrialização da produção têxtil o propulsor


da Revolução Industrial
No término do século XVIII, na Inglaterra, duas coisas esta-
vam claras para a burguesia. A primeira era a criação de uma
indústria que já oferecesse recompensas excepcionais para o
fabricante que pudesse expandir sua produção. A segunda era
estabelecer um mercado mundial amplamente monopolizado
por uma única nação produtora. É compreensível que, para
aumentar os lucros da burguesia, um dos setores que mais re-
cebeu investimentos para o seu desenvolvimento técnico tenha
sido a indústria de produção de bens de consumo, principal-
mente a produção têxtil.

O setor têxtil ressentia-se da baixa produtividade porque


não conseguia atender à demanda por tecidos de algodão,
sofrendo a concorrência de tecidos produzidos principalmente
no oriente. O desenvolvimento de máquinas movidas a vapor,
principalmente o tear a vapor, barateou os custos, duplicou a
produção e aumentou as margens de lucro para a burguesia
industrial britânica.

O desenvolvimento tecnológico trazido pela utilização de


máquinas na produção têxtil agora obrigava a Grã-Bretanha
a buscar o monopólio dos mercados consumidores.

De fato, as guerras de 1738-1815, a última e decisiva


fase do secular duelo anglo-francês, virtualmente elimi-
naram do mundo não europeu todos os rivais dos britâni-
cos, exceto até certo ponto os jovens EUA. Além do mais,
a Grã-Bretanha possuía uma indústria admiravelmente
ajustada à revolução industrial pioneira sob condições
Capítulo 5   Revolução Industrial   91

capitalistas e uma conjuntura econômica que permitia


que se lançasse à indústria algodoeira e à expansão co-
lonial. (HOBSBAWM, 1997, p. 49)

Sendo assim, a Grã-Bretanha estabeleceu o monopólio


industrial dos mercados consumidores por meio de guerras,
revoluções locais e de seu domínio colonial. A América Latina
ficou dependente das importações britânicas durante o perío-
do das guerras napoleônicas e, depois dos seus processos de
independência de Portugal e Espanha, tornou-se quase que
totalmente dependente economicamente da Grã-Bretanha. A
Índia, tradicional exportadora de tecidos de algodão, passou
de exportador a mercado consumidor para os produtos de al-
godão das indústrias britânicas.

A riqueza proporcionada pelo algodão, transformado em


tecidos que inundavam o mercado consumidor mundial, for-
necia as possibilidades de enriquecimento que instigavam os
empresários privados a investirem na industrialização da eco-
nomia. Novos inventos como a máquina de fiar, o tear movido
à água, a fiandeira automática e o tear a motor eram máqui-
nas simples e baratas para introduzi-las na cadeia produtiva
e se pagavam quase que imediatamente em termos de maior
produção. Os investimentos para a mecanização da produção
começava com o empréstimo de poucas libras. Já que a com-
binação de expansão e conquistas de mercado consumidor
com uma constante inflação dos preços produzia grandes lu-
cros que possibilitaram não só o pagamento dos empréstimos,
mas a aquisição de lucros exponenciais.

Para mover as máquinas a vapor das indústrias de tecido


inglesas do fim do século XVIII, era necessário o fornecimento
92    História Contemporânea do Século XIX

da principal fonte de energia da época, o carvão. O cres-


cimento das cidades inglesas, devido ao êxodo rural gerado
pela política de cercamento dos campos, causou a necessida-
de da expansão da mineração do carvão. Com essa grande
demanda de energia para as máquinas industriais e para as
casas inglesas, a indústria do carvão se consolidou como uma
moderna indústria que utilizava as mais recentes máquinas a
vapor nos processos de bombeamento desse minério.

Ferro e Carvão, de William Bell Scott (1855-60)


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/d/dd/William_
Bell_Scott_-_Iron_and_Coal.jpg/310px-William_Bell_Scott_-_Iron_and_Coal.jpg
Domínio Público

Segundo Hobsbawn (1997, p. 60), “em 1800 a Grã-Bre-


tanha deve ter produzido perto de 10 milhões de toneladas de
carvão, ou cerca de 90% da produção mundial. Seu competi-
dor mais próximo, a França, produziu menos de um milhão”.
A indústria de extração de carvão mineral serviu como mola
propulsora para a invenção que revolucionaria as indústrias de
bens de capital britânicas, a ferrovia.

As minas de carvão não necessitavam apenas de máquinas


a vapor para a extração do minério, mas de meios de trans-
Capítulo 5   Revolução Industrial   93

porte para trazer o carvão do fundo das minas até a superfície


e aos pontos de distribuição. Os trilhos sobre os quais corriam
os carros que transportavam o carvão foram a gênese das
grandes ferrovias que se tornaram sinônimos de progresso.

Os custos do transporte terrestre de grandes quantida-


des de mercadoria eram tão altos que provavelmente os
donos de minas de carvão localizadas no interior per-
ceberam que o uso desse meio de transporte de curta
distância podia ser estendido lucrativamente para longos
percursos. A linha entre o campo de carvão de Durham
e o litoral (Stockton-Darlington 1825) foi a primeira das
modernas ferrovias. Tecnologicamente, a ferrovia é filha
das minas e especialmente das minas de carvão do norte
da Inglaterra. (HOBSBAWM, 1997, p. 61)

As ferrovias não tinham sido tecnicamente testadas para


constatar a sua viabilidade na Inglaterra, porém já existiam
planos e projetos para a sua construção na maioria dos países
do mundo ocidental. O pioneirismo na construção de peque-
nas linhas foi os EUA em 1827, a França em 1828 e 1835, a
Alemanha e a Bélgica em 1835 e a Rússia em 1837.

Para dar vida às locomotivas, vagões e trilhos das ferro-


vias que transportavam as mercadorias industrializadas, era
necessária a extração e a implementação de uma indústria de
mineração de ferro. As ferrovias necessitavam de ferro e aço,
carvão, maquinaria pesada, mão de obra e investimentos de
capital alavancando das indústrias de bens de capital. Hobs-
bawn (1997) salienta que, a partir do advento das ferrovias,
a produção de ferro na Grã-Bretanha subiu de 680 mil para
94    História Contemporânea do Século XIX

2.250.000 toneladas. Para se ter uma ideia da necessidade


de ferro, uma milha de estrada de ferro construída exigia 300
toneladas do minério só para os trilhos.

Mas, além do progresso técnico e econômico trazido pela


Revolução Industrial, houve grandes impactos que marcaram
profundamente a sociedade. A acumulação de capital con-
quistada pela indústria têxtil, que inundava o mundo com seus
tecidos, enriqueceu uma pequena parcela da burguesia, en-
quanto milhões de pessoas perderam suas terras e foram obri-
gadas a procurar o seu sustento nas fábricas. Essas pessoas,
convertidas em operários fabris, encontraram baixos salários,
jornadas desumanas de trabalho, condições insalubres de
exercício das atividades fabris e a miséria.

Foi nesse quadro de profunda contradição entre acúmu-


lo de riqueza de poucos através da exploração e miséria de
muitos que Karl Marx e Friedrich Engels deixaram marcada na
história em seu livro intitulado “Manifesto do Partido Comunis-
ta” a seguinte afirmação: a história de toda sociedade existente
até hoje tem sido a história das lutas de classes.

Impactos Sociais causados pela Revolução


Industrial
A Revolução Industrial foi um fato histórico que gerou pro-
fundas marcas na estrutura social de seu tempo. A frase do
Manifesto Comunista de Marx e Engels, demonstra uma das
consequências mais marcantes da industrialização da produ-
ção e da economia inglesa do século XVIII e XIX, o antagonis-
mo entre a burguesia e o proletariado. Ou seja, esse período
Capítulo 5   Revolução Industrial   95

foi marcado pela consolidação da supremacia econômica da


burguesia e a formação da classe operária que lutava contra
a exploração imposta pelo trabalho fabril.

Um dos principais fatores que desencadearam as transfor-


mações sociais na Inglaterra do século XVIII foi à política de
cercamentos ou Decretos das Cercas. Os grandes senhores
rurais incorporaram as terras de uso comunal e as terras arren-
dadas para os camponeses. Nesse processo, os camponeses
são expulsos de seus lares, perdendo o seu meio de sustento.
Sendo assim, os cercamentos provocaram intensa migração
do campo para a cidade.

Nas cidades, os trabalhadores sofriam com as precárias


condições de moradia, alimentação e saúde. Esse êxodo rural
criou enormes concentrações urbanas. Um exemplo do cres-
cimento da população urbana é o aumento da população de
Londres que em 1780 passou de 800 mil habitantes para mais
de 5 milhões em 1880.

Com o êxodo rural e a expansão da atividade fabril, as ofi-


cinas dos artesãos remanescentes acabaram sumindo. Confor-
me escreve Marx (1996), onde a máquina se apodera de um
setor da produção, acarreta em miséria para seus antigos con-
correntes. Progressivamente, trabalhadores como os tecelões
manuais de algodão ingleses acabaram falindo. Existe uma
estimativa de que 800 mil tecelões perderam o emprego com
o advento do tear a vapor. Muitos deles morreram de fome, a
maioria, que formava o exército industrial de reserva, tentava
um emprego nas fábricas de tecidos para o sustento de suas
famílias. Devido a grande oferta de mão de obra, os salários
96    História Contemporânea do Século XIX

eram cada vez mais baixos, consequentemente a miséria era


muito grande.

A parte da classe trabalhadora que a maquinaria trans-


forma em população supérflua, isto é, não mais imedia-
tamente necessária para a autovalorização do capital,
sucumbe, por um lado, na luta desigual da velha empre-
sa artesanal e manufatureira contra a mecanizada, inun-
da, por outro lado, todos os ramos mais acessíveis da
indústria, abarrota o mercado de trabalho e reduz, por
isso, o preço da força de trabalho abaixo de seu valor.
(MARX, 1996, p. 62)

Para poder promover o seu sustento e de suas famílias, os


trabalhadores foram obrigados a se submeterem aos baixos
salários oferecidos nas fábricas.

Nas fábricas, o operário tinha que aprender a trabalhar em


ritmo regular e ininterrupto, diferente do trabalho agrícola ou
do artesão independente que trabalhava em uma loja ou ofi-
cina. Segundo Decca (1995), a ideia de reunir todos os traba-
lhadores em um espaço fechado, obrigando-os a permanecer
ali por determinado tempo e controlando suas ações, tornava
possível determinar horas e dias de trabalho. A mão de obra
aprendia a responder aos incentivos monetários com o paga-
mento de salário. Mas o que os trabalhadores aprenderam
muito cedo foi que o seu pagamento era tão pouco que, para
conseguir o mínimo de sustento, tinham que trabalhar uma
jornada de 16 horas diárias, 80 horas semanais.

Para garantir que essas horas sejam cumpridas com o má-


ximo de eficácia produtiva, as fábricas possuíam uma hierar-
Capítulo 5   Revolução Industrial   97

quia de funções para manter um sistema de vigilância constan-


te e punições aos que desrespeitavam as regras. Marx (1996,
p. 57) salienta que no “lugar do chicote do feitor de escravos
surge o manual de penalidades do supervisor. Todas as pe-
nalidades se resolvem, naturalmente, em penas pecuniárias e
descontos de salário”.

A escravidão em que a burguesia mantém preso o prole-


tariado não aparece em nenhum lugar mais nitidamente
à luz do dia do que no sistema fabril. Aí cessa toda li-
berdade de direito e de fato. O operário tem de estar
às 5 1/2 horas da manhã na fábrica; caso chegue tarde
alguns minutos, é punido; caso chegue 10 minutos atra-
sado, não pode nem entrar até depois do café da manhã
e perde 1/4 de dia do salário. Ele tem de comer, beber e
dormir sob o comando. O sino despótico arranca-o da
cama, do desjejum e do almoço. E o que acontece afinal
na fábrica? Aí, o fabricante é legislador absoluto. Baixa
regulamentos fabris conforme lhe apetece; modifica seu
código e lhe faz acréscimos como lhe agrada; e ainda
que insira a coisa mais extravagante, os tribunais dizem
ao trabalhador: Já que os senhores por livre e espontâ-
nea vontade aderiram a esse contrato, agora também
tem de cumpri-lo. Esses trabalhadores estão condena-
dos, de seu nono ano de vida até a morte, a viverem sob
essa férula espiritual e corpórea. (MARX, 1996, p. 57)

Outra maneira de manter a disciplina e baratear o custo


com mão de obra nas fábricas era empregar mulheres e crian-
ças. Conforme escreve Hobsbawn (1997, p. 67), de todos os
trabalhadores da indústria algodoeira inglesa “entre os anos
98    História Contemporânea do Século XIX

de 1834 a 1847, cerca de 1/4 eram homens adultos, mais da


metade era de mulheres e meninas, e o restante de rapazes
abaixo dos 18 anos”.

Sobre o trabalho infantil na Revolução Industrial.


Fonte: http://clionainternet.files.wordpress.com/2012/06/childrenindustrialrevolu-
tion.jpg Domínio Público

Além do emprego de mulheres e crianças, outra prática


comum era o subcontrato de auxiliares sem experiência pelos
trabalhadores qualificados. Esses trabalhadores que possuíam
alguma qualificação específica recebiam incentivos financeiros
para essa prática. Já seus contratados eram mais explorados
ainda, pois recebiam salários ainda menores e trabalhavam
cada vez mais para tentar garantir uma remuneração mínima
para a sua sobrevivência. Essa situação de miséria e explora-
ção vivida pelos operários das fábricas inglesas começou a
desencadear movimentos de luta por melhores condições de
trabalho, aumento de salários e redução da jornada de labuta
fabril.

Um dos primeiros movimentos operários deste período foi


o movimento Ludista. No final do século surge o boato de que
Capítulo 5   Revolução Industrial   99

o operário Ned Ludd havia quebrado os teares automáticos da


fábrica de seu patrão. Nunca foi provada a existência desse
operário, mas a história de seu ato de rebeldia inspirou ope-
rários por toda a Inglaterra que viam nas máquinas a razão
de sua condição de miséria. O nome do movimento foi uma
homenagem a Ned Ludd.

Os luditas organizavam grupos que invadiam fábricas e


destruíam todas as máquinas. Mas a reação das autoridades
inglesas contra os ludistas era de reprimir essas ações com
grande violência. No ano de 1812, o parlamento britânico
promulgou a Frame Braking Act, uma lei que punia com a
pena de morte qualquer um que quebrasse ou participasse da
quebra de máquinas. Após a promulgação dessa lei, cerca de
70 ludistas foram sentenciados à pena de morte por enforca-
mento. Esse ato não debelou o ímpeto dos operários na rei-
vindicação por melhorias nas condições de vida e de trabalho.

Conforme escreve Hubermam (1980), os operários fabris


chegaram ao consenso de que a conquista por melhores con-
dições de trabalho só poderia ser garantida por meio da cria-
ção de leis promulgadas pelo parlamento britânico. A classe
trabalhadora uniu-se a partir do movimento Cartista. Os tra-
balhadores ingleses pediam um conjunto de reformas junto ao
parlamento, reunido na chamada Carta do Povo. Nessa carta,
o movimento defendia o sufrágio universal para os homens,
voto secreto, o pagamento aos membros eleitos da Câma-
ra dos Comuns, parlamentos anuais, nenhuma restrição de
propriedade para os candidatos e a igualdade dos distritos
eleitorais. Mesmo não reunindo um grande número de mani-
festantes, o cartismo conseguiu o apoio parlamentar.
100    História Contemporânea do Século XIX

A partir da participação política adotada pelo operariado


inglês, o proletariado, pela primeira vez na história, se definia
enquanto classe socioeconômica portadora de interesses es-
pecíficos. O cartismo abriu a possibilidade para novas formas
de luta e organizações operárias como as Trade Unions.

Conforme escreve Hubermam (1980), os empregados das


fábricas formaram associações conhecidas Trade Unions que,
em épocas de forte crise, auxiliavam os trabalhadores e rei-
vindicavam melhores condições de trabalho. Mas, pelas difi-
culdades de representação dos trabalhadores, agravado pelos
ataques constantes do Estado que não permitia a organização
de trabalhadores, as Trade Unions deram lugar a uma nova
forma de organização, os sindicatos.

O sindicato demonstrou ser a forma mais eficaz e concre-


ta para a luta pela conquista de melhores condições para os
trabalhadores, salários mais altos e redução da carga horária.
Os sindicatos remontam uma das formas mais antigas de or-
ganização dos trabalhadores. Antes mesmo das Trade Unions,
os sindicatos têm origem nas antigas corporações de ofício
medievais. Diferente dessa organização da Idade Média, os
sindicatos se consolidaram “como um corpo de trabalhado-
res de um determinado ramo organizado com o objetivo de
conseguir melhores condições, de defender seus interesses, de
depender apenas de si mesmos” (HUBERMAM, 1980, p. 204).

Mas as organizações sindicais foram combatidas pelo Esta-


do liberal burguês. Durante um quarto de século, na Inglater-
ra, a lei considerava ilegal que os trabalhadores se reunissem
Capítulo 5   Revolução Industrial   101

em associações para a proteção de seus interesses. Quando


isso ocorria, agia-se rapidamente contra eles:

Nove chapeleiros de Stockport foram sentenciados a dois


anos de prisão em 1816, acusados de conspiração. O
juiz (Sir William Garrow), na sentença, observou: “Neste
feliz país onde a lei coloca o menor súdito em igualda-
de com a maior personagem do Reino, todos são igual-
mente protegidos, e não pode haver necessidade de se
associar. A gratidão nos devia ensinar a considerar um
homem como o Sr. Jackson, que emprega de 100 a 130
pessoas, como um benfeitor da comunidade”. (HUBER-
MAM, 1980, p. 206)

Os trabalhadores, por meio da mobilização de classe, de-


sejavam conquistar o máximo de benefícios possíveis mesmo
lutando contra as engrenagens do sistema; já os patrões, dar
apenas o mínimo.

Em 1824, movida pela intensificação das lutas dos ope-


rários, a Inglaterra promulgou a primeira lei que liberava a
organização sindical dos trabalhadores. A partir da lei de
1824, começaram a ser criados os sindicatos e organizações
de federações que unificavam várias categorias dos trabalha-
dores. No ano de 1830, foi fundada a primeira entidade geral
dos operários ingleses que chegou a possuir cerca de 100 mil
membros.
102    História Contemporânea do Século XIX

Recapitulando

ÂÂA Revolução Industrial desencadeou profundas transfor-


mações econômicas e sociais a partir do século XVIII.

ÂÂUm fenômeno inglês, a Revolução Industrial possibilitou


a expansão do capitalismo de maneira global, causan-
do impactos irreversíveis na sociedade e na economia
do ocidente.

ÂÂOcorreu um grande aumento na acumulação de capital


pela burguesia fortalecida por meio da exploração do
trabalho de uma grande massa de trabalhadores que,
onda após onda, invadiam as cidades em busca de sus-
tento.

ÂÂKarl Marx descreve que, neste período, a acumulação


de riquezas com a introdução da tecnologia e da maqui-
naria nas fábricas foi capaz de gerar as desigualdades
sociais que intensificaram o conflito de classes.

Referências bibliográficas

BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do Pensamento Mar-


xista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

DECCA, Edgar de. O Nascimento das Fábricas. 10. ed. São


Paulo: Brasiliense, 1995.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. 10. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 1997.
Capítulo 5   Revolução Industrial   103

HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 15. ed.


Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro


Primeiro Tomo 2. São Paulo: Nova Cultural, 1996. Dispo-
nível em: <http://www.histedbr.fae.

unicamp.br/acer_fontes/acer_marx/ocapital-2.pdf> Acesso
em: 10 jul. 2014.

Atividades

1) Sobre o processo de industrialização na Inglaterra no sé-


culo XVIII, assinale V (para Verdadeiro) e F (para Falso).

( ) A Grã-Bretanha possuía uma produção têxtil e um


comércio pujante com certa vantagem frente ao seu
maior concorrente na Europa, os franceses. Os bri-
tânicos possuíam uma grande quantidade de capital
acumulado graças a sua política colonialista que ga-
rantiu mercado consumidor e fornecedor de matérias-
-primas, especialmente o algodão, graças à explora-
ção de suas colônias na América e na Índia.

( ) O Estado Inglês era uma Monarquia Parlamentar, des-


de a Revolução Gloriosa de 1688, assentada nos ide-
ais do liberalismo burguês afinado com os interesses
de acúmulo de capital. A política já estava engatada
ao lucro. No geral, o dinheiro não só falava como
governava. Tudo que os industriais precisavam para
104    História Contemporânea do Século XIX

serem aceitos entre os governantes da sociedade era


bastante dinheiro.

( ) A Inglaterra ainda possuía uma produção agrícola nos


moldes da velha produção feudal. Nesse sistema de
produção, todo o processo produtivo era realizado pe-
las indústrias, servindo para suprir o mercado externo.

( ) A solução do problema agrário consistiu em uma cres-


cente ação de privatização de terras que eram de uso
comum dos camponeses, através do cercamento des-
ses locais realizado pelos grandes produtores locais.
A paisagem rural inglesa, que era caracterizada pelo
openfield (o campo aberto, sem cercas), passou a ter
sua exploração realizada em campos cercados.

a) V, V, F, V

b) F, F, V, F

c) V, F, V, F

d) V, F, F, F

2) Sobre o processo de industrialização da produção têxtil


como propulsor da Revolução Industrial, assinale V (para
Verdadeiro) e F (para Falso).

( ) No término do século XVIII, na Inglaterra, duas coisas


estavam claras para a burguesia. A primeira era a cria-
ção de uma indústria que já oferecesse recompensas
excepcionais para o fabricante que pudesse expandir
sua produção. E a segunda era estabelecer um merca-
Capítulo 5   Revolução Industrial   105

do que suprisse apenas as necessidades da população


inglesa.

( ) O desenvolvimento de máquinas movidas a vapor,


principalmente o tear a vapor, barateou os custos, du-
plicou a produção e aumentou as margens de lucro
para a burguesia industrial britânica.

( ) A América Latina não dependia das importações britâ-


nicas durante o período das guerras napoleônicas e,
depois dos seus processos de independência de Portu-
gal e Espanha, tornou-se totalmente autossuficiente no
que diz respeito à produção industrial.

( ) Para mover as máquinas a vapor das indústrias de te-


cido inglesas do fim do século XVIII, era necessário o
fornecimento da principal fonte de energia da época:
o carvão. O crescimento das cidades inglesas, devido
ao êxodo rural gerado pela política de cercamento dos
campos, causou a necessidade da expansão da mine-
ração do carvão.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) F, F, V, F

d) V, F, F, F

e) F, V, V, V

3) Sobre os impactos sociais causados pela Revolução Industrial


na Inglaterra, assinale V (para Verdadeiro) e F (para Falso).
106    História Contemporânea do Século XIX

( ) A frase do Manifesto Comunista de Marx e Engels de-


monstra uma das consequências mais marcantes da
industrialização da produção e da economia inglesa
do século XVIII e XIX, o antagonismo entre a burguesia
e o proletariado. Ou seja, esse período foi marcado
pela aliança da burguesia com a classe operária.

( ) Nas cidades, os trabalhadores possuíam as melhores


condições de moradia, alimentação e saúde. O êxodo
rural criou muitas cidades rurais com uma baixa con-
centração urbana.

( ) Um dos principais fatores que desencadearam as


transformações sociais na Inglaterra do século XVIII foi
a política de cercamentos ou Decretos das Cercas. Os
grandes senhores rurais incorporaram as terras de uso
comunal e as terras arrendadas para os camponeses.
Nesse processo, os camponeses são expulsos de seus
lares, perdendo o seu meio de sustento.

( ) O sindicato demonstrou ser a forma menos eficaz e


concreta para a luta pela conquista de melhores con-
dições para os trabalhadores, salários mais altos e re-
dução da carga horária.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) F, F, V, F

d) V, F, F, F

e) F, V, V, V
Capítulo 5   Revolução Industrial   107

4) A forma mais eficaz e concreta para lutar pelas conquistas


de melhores condições de trabalho, salários mais altos e
redução da carga horária era:

a) Trade Union

b) Corporação de Ofício

c) Guilda

d) Sindicato

e) Partido da Causa Operária

5) No final do século XIX, surge o boato de que um operário


havia quebrado os teares automáticos da fábrica de seu pa-
trão. Nunca foi provada a existência desse operário, mas a
história de seu ato de rebeldia inspirou operários por toda a
Inglaterra que viam nas máquinas a razão de sua condição
de miséria. Esse movimento ficou conhecido como:

a) Movimento da Causa Operária

b) Movimento Comunista

c) Movimento Cartista

d) Movimento Ludista

e) Movimento Marxista

Gabarito
1) a  2) b  3) c  4) d  5) e
Viviana Benetti

Capítulo 6

O Movimento Operário
do Século XIX

ÂÂ
O
desenvolvimento da Revolução Industrial iniciado na
Inglaterra, alastrou-se em outras partes da Europa e
do mundo, trazendo mudanças na organização da socie-
dade, nos aspectos políticos, sociais e econômicos que,
cada vez mais, reelaboraram as relações de trabalho vin-
culadas ao processo revolucionário.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    109

Introdução

Com a consolidação do capitalismo, as condições de vida e


de trabalho do nascente proletariado tornaram-se extrema-
mente precárias. Tais condições eram ainda mais insuportáveis
conforme contrastavam, de maneira brutal, com o estilo de
vida da burguesia industrial.

As primeiras lutas operárias trouxeram consigo os primór-


dios da organização. Em 1724, os operários chapeleiros de
Paris declararam greve por causa da redução injustificada de
seus salários. Criaram, para financiar essa ação, um “caixa de
greve”. Os primórdios do movimento operário, na Inglaterra,
por sua vez, vincularam-se ao movimento democrático radical,
por direitos políticos iguais para todos.

As lutas operárias
É dentro desse contexto que se desenvolve o movimento ope-
rário europeu ao longo do século XIX. Inicialmente, esse movi-
mento desdobra-se em forma de resistências, que se traduzem
no ludismo, expressão de protesto da nascente classe operária,
já foi estudado no capitulo anterior. Em um segundo momento,
surge o movimento cartista, que tinha como objetivo possibi-
litar ao operariado até mesmo uma representação política. É
possível perceber um amadurecimento da luta e da resistência
dos trabalhadores.

Segundo Marques (2003), durante a segunda metade do


século XIX, surgem as primeiras associações de trabalhadores
110    História Contemporânea do Século XIX

(trade unions) que, embora apresentassem um caráter assisten-


cialista, vieram a dar origem aos sindicatos.

Para o autor Georges Lefranc (1972), as primeiras associa-


ções permanentes de assalariados já se organizavam meio sé-
culo antes do início do sistema manufatureiro e se localizavam
em ofícios, onde o trabalho manual-artesanal predominava.
Portanto, segundo o autor, o sindicalismo não é filho direto
do maquinismo. O fator determinante não é a transformação
técnica, mas o divórcio entre o trabalho e a propriedade dos
meios de produção. Onde esse divórcio acontece, nasce o
sindicato. De acordo com a análise do autor, era mais para
defender uma situação privilegiada do que para melhorar uma
situação ruim dos trabalhadores que se formam os primeiros
sindicatos. Seus objetivos eram conservadores, não revolucio-
nários. Os sindicatos pediam a manutenção da situação tra-
dicional, contra os patrões seduzidos pelas novas teorias de
liberdade econômica.

Nesse cenário, a publicação do Manifesto do Partido Co-


munista em 1848 e as lutas operárias do século XIX, desen-
volvia-se o socialismo científico ou marxismo. De acordo com
Marques (2003), o que fundamentara o pensamento marxista
fora a dialética hegeliana, a economia inglesa e o socialismo.
O marxismo propunha uma nova teoria da história: o ma-
terialismo histórico, segundo o qual a história se desenvolve
dialeticamente, a partir das relações de produção existentes
e predominantes em cada sociedade. Estas corresponderiam
à infraestrutura (relações econômicas) e, em última instância,
determinariam a superestrutura (relações política, jurídica e
ideológica).
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    111

De acordo com Marx e Engels, a superação de um modo


de produção por outro estaria diretamente relacionada às lu-
tas de classe que caracterizariam a história da sociedade hu-
mana. Assim, percebe-se a estreita relação existente entre o
marxismo e o movimento operário europeu durante a segunda
metade do século XIX. As Associações Internacionais dos tra-
balhadores (AIT) criadas no período, refletem a forte influência
do socialismo no movimento operário.

O movimento da quebra das máquinas dos Ludistas não


passou despercebido por Engels. O autor observa que o lu-
dismo insere-se como uma etapa importante na construção
de uma consciência operária, mas não a primeira. Segundo
Engels (1986), o crime e o roubo destacaram-se como uma
reação no limite do desespero, com as novas condições ge-
radas pela sociedade industrial. Em sua obra “A Situação da
Classe Trabalhadora na Inglaterra”, Engels (1986) destaca que
a revolta dos operários contra a burguesia iniciou antes do
desenvolvimento da indústria e passou por várias fases.

O autor não discorre sobre as fases históricas anteriores do


movimento operário, mas destaca alguns dos principais fatos,
os quais contribuirão para caracterizar a situação. A primeira
forma que a revolta assumiu foi o crime. O operário vivia na
miséria e indigência e via outros gozar de situação melhor. A
sua razão não compreendia por que ele, que fazia bem mais
pela sociedade, tinha que sofrer nessas condições, e não o
rico ocioso. Por outro lado, a necessidade venceu o respeito
inato pela propriedade – e começou a roubar.
112    História Contemporânea do Século XIX

Os operários perceberam a ineficácia desse método. Com


seus roubos, os delinquentes não podiam protestar contra a
sociedade senão individualmente, e o poderio da sociedade
caía sobre os criminosos esmagando-os. Além disso, o roubo
era a forma menos evoluída e consciente de protesto, por essa
razão, nunca fora a opinião da maioria dos operários.

Para Engels, a classe operária começou a resistir violenta-


mente contra a burguesia, quando ocorreu a introdução das
máquinas, no início da revolução industrial. Os inventores das
máquinas começaram a ser perseguidos e suas máquinas des-
truídas; mais tarde, deu-se um grande número de revoltas con-
tra as máquinas.

Operários quebrando máquinas - Movimento Luddista.


Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/6e/FrameBre-
aking-1812.jpg/250px-FrameBreaking-1812.jpg Domínio Público
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    113

Discute-se com frequência sobre a eficácia do movimento


ludista – a quebra das máquinas. Para muitos, o movimento
não teria passado de uma reação desesperada, ingênua e ine-
ficaz dos trabalhadores industriais. Porém, é possível fazer uma
nova leitura sobre o movimento. Hobsbawm (1981) também
questiona qual a eficácia da destruição das máquinas, e pro-
põe uma nova leitura sobre o tema.

Hobsbawm (1981) acredita que a negociação coletiva atra-


vés do tumulto foi pelo menos tão eficiente quanto qualquer
outro meio de pressão sindical e provavelmente mais eficiente
do que qualquer outro meio disponível antes da era dos sindi-
catos nacionais, para grupos como os tecelões, marinheiros e
mineiros. O sucesso deles devia ser medido pela capacidade
de manter as condições estáveis, tais como os salários, contra
o desejo dos patrões em reduzi-los ao nível da fome. Isso exi-
giu uma luta incessante e eficiente.

Além do mais, o que quer que tenha acontecido nos


engajamentos individuais, o tumulto e a destruição de
máquinas proporcionaram aos trabalhadores reservas
valiosas em todas as ocasiões. O patrão do século XVIII
estava constantemente consciente de que uma exigência
intolerável produziria não a perda de lucros temporários,
mas a destruição de equipamentos importantes. (HOBS-
BAWM, 1981, p. 27)

O tumulto e a destruição de máquinas podem deter o avan-


ço do progresso técnico? De acordo com Hobsbawm, não.
Não podem deter o avanço do capitalismo industrial como um
todo. Porém, em uma escala menor, eles não são, de maneira
114    História Contemporânea do Século XIX

alguma, a arma desesperadamente ineficiente que se tem feito


parecer.

Assim, supõe-se que o medo dos tecelões de Norwich


impediu a introdução de máquinas lá. O ludismo dos
tosquiadores de Wiltshire em 1802 certamente adiou a
generalização da mecanização; (...) Por paradoxal que
pareça, a destruição pelos indefesos trabalhadores rurais
de 1830 parece ter sido a mais eficiente de todas. (Ho-
bsbawm, 1981, p. 27)

Qualquer que seja a verdade na questão, a iniciativa veio


dos homens, e nesse ponto eles podiam reivindicar uma par-
cela desses sucessos.

Com a Revolução Industrial, várias transformações ocor-


reram, os setores das indústrias dominados pelas máquinas
eram os locais que concentravam o maior número de operá-
rios, ou seja, nos setores desqualificados. As leis criadas contra
os sindicatos foram promulgadas em plena Revolução indus-
trial, porém foram sendo derrotadas pelas greves e pelas lutas
operárias, que obtiveram, em 1825, a revogação das Combi-
nation Acts. Em 1830, formou-se o sindicato dos operários da
construção (Operative Builders Union), e em 1834 a primeira
central de trabalhadores (Grand National Consolidated Trade
Unions). Depois de numerosas greves, obteve-se em 1847 a
redução da jornada de trabalho para dez horas em toda a In-
glaterra, que Marx chamou de “primeira vitória da economia
política da classe operária”.

Para Marx, “a única potência social que os operários pos-


suem é seu número”. Mas a quantidade é anulada pela de-
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    115

sunião, que se engendra e se perpetua por uma concorrência


inevitável. Os sindicatos nasceram dos esforços espontâneos
dos operários ao lutarem contra as ordens despóticas do ca-
pital, para impedir ou ao menos atenuar os efeitos dessa con-
corrência, modificando os termos dos contratos, de forma a se
colocarem acima da condição de simples escravos. Presente-
mente, os sindicatos se ocupam, em demasia, exclusivamente
das lutas locais e imediatas contra o capital.

Temos que perceber que os movimentos dos trabalhadores


nesse período, não se restringiram apenas na Inglaterra, tendo
registros de movimentos semelhantes ao ludismo na Bélgica,
na Renâmia, na Suiça e na Silésia.

De acordo com o historiador Osvaldo Coggiola, na Fran-


ça, onde a Revolução Industrial demorou a acontecer (deter-
minando um predomínio relativo dos ofícios artesanais sobre
os industriais, durante a primeira metade do século XIX), a le-
gislação antigrevista só veio a ser abrandada pelo Segundo
Império, em 1864. Nada houve, na França, de comparável
nesse período, à central inglesa que em 1830 agrupava 150
sindicatos, 80 mil operários, e tirava 30 mil exemplares de seu
jornal (“A Voz do Povo”). Apesar disso, ou talvez até por isso
mesmo, as revoltas operárias na França tiveram um caráter
ainda mais violento, acompanhando o ritmo revolucionário de
toda a sociedade.

Mas, em janeiro de 1834, a associação mutualista (mu-


tualismo – fundo operário para ajuda mutua) dos tecelões de
Lyon lançou a ideia da greve geral, para obter uma tarifa mí-
nima. O movimento desaguou em uma nova insurreição, em
116    História Contemporânea do Século XIX

abril de 1834, realizada sob a bandeira de “Viver trabalhando


ou morrer combatendo!”. As primeiras tropas enviadas para a
repressão se solidarizavam com os grevistas, e os republicanos
de Paris levantaram barricadas em diversos bairros em solida-
riedade aos insurretos de Lyon.

A organização operária continuou na França, mas agora


com características clandestinas (através de sociedades secre-
tas) onde se destacou a figura de Auguste Blanqui. Em 1844, o
levantamento dos tecelões alemães da Silésia (imortalizada na
peça teatral de Jürgen Hauptmann, Os Tecelões), provou que
a agitação operária estendia-se a todo o continente europeu.

As formas políticas e ideológicas adotadas pelo nascente


movimento operário não surgiram do nada; ao contrário, res-
gataram e reformularam as tradições revolucionárias já exis-
tentes, especialmente aquelas das alas democráticas radicais,
do período de revoluções democráticas europeias dos séculos
precedentes.

As origens do radicalismo democrático foram rasteadas


por Engels, desde os primeiros grandes levantes europeus con-
tra a aristocracia feudal. Na época da Reforma e das guerras
camponesas na Alemanha, a tendência dos anabaptistas e de
Thomas Münzer; na grande revolução inglesa, os levellers; e,
na grande Revolução Francesa, Babeuf. Os levantes revolucio-
nários de uma classe incipiente são acompanhados, por sua
vez, pelas correspondentes manifestações teóricas.

Temos de perceber que as reivindicações de igualdade não


só se limitavam aos direitos políticos, mas também às condi-
ções sociais de vida de cada indivíduo. Já não se tinha em
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    117

mira abolir apenas os privilégios de classe, mas acabar com


as próprias diferenças de classe.

Os movimentos radicais ocorridos na revolução inglesa do


século XVII, em que uma maioria parlamentar chegou a apoiar
os levellers (“igualitários” ou “niveladores”), os quais procura-
vam levar as ideias democráticas à sua conclusão lógica, ata-
cando todos os privilégios e proclamando a terra como uma
herança natural dos homens. Enquanto na França, a Revolu-
ção Francesa, no final do século XVIII, também concluiu com
a derrota de sua direção mais radical (os jacobinos, donos do
poder entre 1792 e 1794), mas estes também tiveram seus
herdeiros radicais, na chamada “Conspiração dos Iguais”, en-
cabeçada em 1796 por Gracchus Babeuf.

O desenvolvimento do socialismo
O desenvolvimento social da classe operária criou as bases
para a superação do “socialismo” até então existente, tanto na
França (com Saint-Simon e Fourier) como na Inglaterra (com
Robert Owen). O termo “utopistas”, aplicado a esses três visio-
nários foi assim explicado por Engels: “Se os utopistas foram
utopistas, é porque, em uma época em que a produção capi-
talista estava ainda tão pouco desenvolvida, eles não podiam
ser outra coisa. Se foram obrigados a tirar das suas próprias
cabeças os elementos de uma nova sociedade, é porque, de
uma maneira geral, esses elementos não eram ainda bem visí-
veis na velha sociedade; se limitaram-se a apelar para a razão
para lançarem os fundamentos de seu novo edifício, é porque
não podiam, ainda, fazer apelo à história contemporânea”.
118    História Contemporânea do Século XIX

De acordo com Coggiola, se Saint-Simon e Fourier haviam


“extraído da cabeça” o seu sistema socialista, foi pela via da
prática que Robert Owen (1771-1858) em um país de indús-
tria extremamente desenvolvida, a Inglaterra, elaborou seu
próprio sistema social. Ele foi fortemente influenciado por Jean
Jacques Rousseau e pela Filosofia das Luzes, e acreditava na
possibilidade de educar o homem. A sua grande ideia era a
de tornar o mundo racional, e racional significava moral. Mas
foi essencialmente devido à sua posição de diretor de uma
fábrica, isto é, através do contato com a prática, que veio a
elaborar o seu socialismo. Na sua empresa, em New Lanark
(Escócia), Owen (que tinha nascido em um lar operário) redu-
ziu a jornada de trabalho de 16 para 10 horas diárias.

Não aceitou o trabalho de crianças menores de dez anos,


e criou para elas escolas gratuitas e laicas, além de creches.
Manteve a higiene da fábrica, combateu o alcoolismo e criou
casas de pensão para doença e velhice. Conseguiu fazer isso
tudo sem que minguasse a produtividade da empresa. Mas,
apesar desse exemplo, os capitalistas viram nele um perigo,
vindo a ser duramente criticado no Parlamento entre 1817 e
1820, e também perseguido, o que o obrigou ao exílio nos
Estados Unidos, onde tentou fundar, sem sucesso, colônias so-
cialistas.

Outro aspecto importante que influenciou com muita força


o movimento socialista foi o cartismo. Esse movimento ensaiou,
em escala histórica, um novo estágio do desenvolvimento do
movimento operário, já existente e ativo em diversos países. A
passagem das “sociedades secretas” para as sociedades ope-
rárias de massa foi um complexo processo histórico.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    119

A influência do movimento cartista foi, portanto, decisiva


para o surgimento do comunismo operário, impulsionado por
Karl Marx e Friedrich Engels, ambos alemães. Engels teve uma
participação direta na revolução de 1848 na Alemanha, inclu-
sive como líder militar. Marx dirigiu a Nova Gazeta do Reno, e
foi uma das principais lideranças revolucionárias no seu país.

Podemos considerar que o cartismo, por sua vez, testemu-


nhou o impetuoso surgimento da classe operária no cenário
social europeu. Já fazia tempo que essa enorme força social,
em pleno processo de formação, não se limitava ao plano
defensivo ou à atividade puramente sindical, mas também se
projetava na ação política. Com base no programa demo-
crático, o cartismo organizou manifestações de massas, e até
uma greve geral em 1842, que abarcou mais de 50 mil operá-
rios, e que inaugurou a prática dos “piquetes móveis”, depois
mundialmente difundida. A ação dos cartistas foi eficiente, eles
conseguiram mudanças efetivas, tais como a primeira lei de
proteção ao trabalho infantil (1833), a lei de imprensa (1836),
a reforma do Código Penal (1837), a regulamentação do tra-
balho feminino infantil, a lei de supressão dos direitos sobre os
cereais (esta, em aliança com os liberais e a burguesia indus-
trial), a lei permitindo as associações políticas.

A comuna de Paris
Outro importante movimento com participação dos proletários
na frança foi a Comuna de Paris. O que é a Comuna? Ela
foi o resultado de lutas sociais que vinham se desenvolven-
do na frança há muito tempo. Em suas origens, percebe-se
claramente o confronto burguesia x proletariado. No dia 18
120    História Contemporânea do Século XIX

de março de 1871, Paris acordou com a eclosão de Vive La


Comune.

Segundo o autor Marques (2003), a França que antecede


os acontecimentos de 1871 é a França do II Império de Na-
poleão III, regime militar gestado após a derrota proletária
nas jornadas de junho de 1848, no interior de uma crise de
hegemonia burguesa e de profundo equilíbrio entre as classes
sociais. A situação onde “o proletariado não estava ainda em
condições de governar a França” e a burguesia “já não podia
continuar governando-a” (Engels, 1975, p. 159), pelo menos
em sua forma republicana e parlamentar.

O ano vermelho de 1871 começou com o bombardeio de


Paris pelos prussianos que, no dia 18 de janeiro, ocuparam
Versalhes e proclamaram o surgimento do império alemão.
O governo provisório convocou eleições para Assembleia Na-
cional. Foram eleitos 750 deputados: 450 monarquistas; os
demais eram republicanos das mais diversas posições. Dos
46 deputados eleitos em Paris, apenas 06 eram aliados do
governo provisório. No espaço da luta, permanecia um vazio
político, com indefinições e improvisações.

As lutas de classe se acirravam principalmente em Paris,


apontando para a dualidade de poder. O povo armava-se
para combater as tropas prussianas através da formação de
200 batalhões da guarda nacional. Era um momento de pro-
funda divisão de classe. Com o proletariado e a burguesia
planejando táticas e estratégias para construir o seu poder,
confirmava-se a cena política da dualidade de poder.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    121

Em Paris, a contra revolução tentava iniciar os seus golpes.


Thiers, então chefe do governo em Versalhes, enviou tropas
para recuperar as armas que estavam nas colinas de Mont-
martre. Segundo o autor (2003), os trabalhadores resistiram,
e na madrugada do dia 18 de março de 1871 derrotaram as
forças de Versalhes sob o comando do general Lecomte. Com
a eclosão da autodefesa dos trabalhadores diante da contra-
-revolução, começava a Comuna de Paris, e o rastilho dessa
forma de resistência se espalhou pela cidade.

Barricadas na Comuna de Paris.


fonte: http://1.bp.blogspot.com/-854DWZ7pHIY/UTJG0921r-I/AAAAAAAACF0/
qvTuuSjK6JI/s1600/Comuna+de+Paris+-+Barricada+na+Paris+insurgente+18
.03.1871+p.+ Domínio Público

Com a Comuna no exercício do autogoverno dos traba-


lhadores, foram implantadas medidas que entraram para a
122    História Contemporânea do Século XIX

história da humanidade. As comissões de trabalho da Comuna


tiveram preocupações excepcionais com a questão da justi-
ça, da segurança pública, finanças, instrução pública, medi-
das militares, saúde, trabalho e comércio, serviços públicos
e relações exteriores, tudo isso articulado por uma comissão
executiva. Esse papel executivo estava imbricado com a função
legislativa, e todos os mandatos eram revogáveis – represen-
tando uma nova e histórica forma de ação política.

Sob essa forma política, transparece uma dualidade do po-


der, que se afirma no contraponto à ordem burguesa e avança
quando a Comuna começa a destruir o aparelho de Estado da
burguesia. O conjunto de medidas tomadas contra a ordem
burguesa e as ações para impor uma nova democracia confi-
gurava uma possibilidade de transição.

As medidas e ações de natureza política definidas pela


Comuna, principalmente aquelas advindas da comissão de
trabalho e produção, avançavam na ruptura com a ordem
burguesa – em consonância com as variadas formas de se
analisar o processo de transição, dentro das ideias marxistas.
Esse processo de transição pode ser apreendido como uma
marcha da história que permite o entendimento dos embates
democráticos, das lutas radicais, de guerra e revolução, da
quebra do aparato de Estado da burguesia, da constituição
dos trabalhadores como classe dominante, da socialização
do poder político e da gestão coletiva da produção.

Contudo, no fogo da batalha, a Comuna cometeu erros na


sua curta existência de 72 dias: não confiscou a propriedade
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    123

dos meios de produção, limitando-se ao controle social das


fábricas (oficinas) que os donos haviam abandonado na fuga
de Paris; não marchou no primeiro momento sobre Versalhes,
quando as tropas do governo de Thiers encontravam-se de-
sorganizadas; não confiscou do dinheiro do banco da Fran-
ça, que estava financiando as ações contrarrevolucionárias do
governo de Versalhes; não promoveu a necessária articulação
entre o campo e a cidade; não abriu os arquivos da França,
nos quais estavam as mais sórdidas histórias da burguesia e da
monarquia; não organizou e disciplinou as ações de combate
das tropas da Comuna. A Comuna se transformara em um
poderoso conjunto de homens e mulheres, que estavam com
sede de luta e motivados para transformar o mundo em que
viviam.

As Internacionais
As associações Internacionais também se constituíram em um
importante movimento das classes operárias do século XIX. A
I Internacional remonta ao ano de 1864, quando foi criada
a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), integrada
por organizações operárias de diversos países europeus. O
mentor e principal líder da AIT era Karl Marx. Marx foi depois
eleito para a comissão designada a 5 de Outubro, na primeira
sessão do Comité, para redigir os documentos programáticos
da Associação. As dificuldades da I Internacional foram gran-
des, houve pouca representatividade dos grupos operários, dis-
cussões acaloradas entre anarquistas e comunistas. Enquanto
Marx afirmava a necessidade de um período de “ditadura do
proletariado” para se chegar ao comunismo, os anarquistas
124    História Contemporânea do Século XIX

argumentavam que todo Estado é opressor. A prova de fogo


da I Internacional foi a revolução de 1870 na França, à qual
se seguiu a instalação da Comuna de Paris.

Na Comuna, foi tentada uma ampla democracia (funcio-


nários eleitos pelo sufrágio universal, revogabilidade dos car-
gos e mandatos a qualquer momento, determinação de que os
salários dos representantes não poderiam ser maior do que o
de um operário qualificado). A repressão e as crescentes diver-
gências internas enfraqueceram a organização, que acabou
sendo extinta em 1876. 

Treze anos depois, em 1889, foi criada em Paris a II In-


ternacional dos Trabalhadores. Era uma associação livre de
partidos social-democratas e trabalhistas, integrada tanto por
elementos revolucionários quanto reformistas. Seu caráter pro-
gressista chegou ao fim em 1914, quando suas seções mais
importantes violaram os princípios mais elementares do socia-
lismo ao apoiar seus governos imperialistas na Primeira Guer-
ra Mundial.

Sua direção seguia a doutrina marxista, mas encontravam-


-se presentes em seu interior diferentes correntes do movimen-
to operário. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a luta
contra a guerra foi uma das principais bandeiras da Interna-
cional. Com o desenrolar do conflito, entretanto, as divergên-
cias vieram à tona e terminaram por enfraquecer a unidade da
associação.

Em 1919, logo após a vitória dos comunistas na Revolução


Russa, foi criada a III Internacional, ou Internacional Comunis-
ta, ou ainda Komintern. Seu principal objetivo era criar uma
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    125

União Mundial de Repúblicas Socialistas Soviéticas. Dominada


pelo Partido Comunista da União Soviética, a Internacional
emitia diretrizes que deveriam ser seguidas por todos os seus
filiados, inclusive o Partido Comunista do Brasil.

A Internacional Comunista foi sucessora e continuadora da


Primeira Internacional e herdeira das melhores tradições da Se-
gunda Internacional. A fundação da Internacional Comunista
significou a criação de um Estado Maior político-ideológico do
movimento revolucionário do proletariado. Lênin foi o organi-
zador e inspirador da Internacional Comunista, que defendeu
o marxismo revolucionário frente às deformações oportunistas
e revisionistas de direita e de “esquerda”.

A Internacional Comunista buscou a formação de quadros


dirigentes dos Partidos Comunistas e a sua transformação em
partidos revolucionários de massa. Em 1943, em plena Se-
gunda Guerra Mundial, a Internacional Comunista foi dissol-
vida com a finalidade de tranquilizar os aliados ocidentais da
União Soviética.

As internacionais socialistas tinham como objetivo dotar


o Movimento operário Internacional de uma consciência de
classe e elaborar um programa de ação comum aos trabalha-
dores dos países industrializados.
126    História Contemporânea do Século XIX

Recapitulando

ÂÂAs primeiras lutas operárias apresentam as característi-


cas da organização das classes e iniciaram com a greve
dos chapeleiros em Paris, no ano de 1724.

ÂÂAs massas operárias nos século XIX se encontravam di-


vididas, não havia uma classe operária suficientemente
homogênea. Essa união da classe operária não ocorria
nem mesmo dentro de um único país.

ÂÂO proletariado das fábricas, ainda minoria, não se iden-


tificava com a maioria dos trabalhadores manuais que
trabalhavam nas pequenas oficinas e na própria produ-
ção doméstica.

ÂÂO movimento se desdobra em forma de resistências,


que se traduzem no Ludismo, expressão de protesto da
nascente classe operária.

ÂÂEm um segundo momento, surge o movimento Cartista,


que tinha como objetivo possibilitar ao operariado até
mesmo uma representação política. É possível perceber
um amadurecimento da luta e da resistência dos traba-
lhadores.

ÂÂAs primeiras associações de trabalhadores, chamadas


trade unions, embora apresentassem um caráter assis-
tencialista, vieram a dar origem aos sindicatos na segun-
da metade do século XIX. Porém, o sindicalismo não é
filho direto do maquinismo.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    127

ÂÂDois acontecimentos importantes ocorreram em detri-


mento dos movimentos operários: o surgimento do So-
cialismo e a Comuna de Paris.

Referências bibliográficas

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ds/textos/ATT00599. Título Original: “O movimento ope-
rário nos tempos do manifesto comunista”.

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tória do Operariado. Rio de janeiro, Paz e Terra, 1981.

LEFRANC. Georges, La Huelga. Historia y presente. Barce-


lona, Laia, 1972.

MARQUES, Adhemar M. História contemporânea através


de textos/ Adhemar Marques, Flavio Berutti, Ricardo Faria.
10. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

MARX E ENGELS – Obras Escolhidas em 3 tomos.

MOURRE, Michel. Dicionário de História Universal, Vol. II,


ASA, Porto, 1998, p. 694.
128    História Contemporânea do Século XIX

Atividades

1) A partir dos estudos desenvolvidos nesse capítulo, pode-


mos afirmar como principal característica do movimento
operário:

a) Movimentos grevistas.

b) Formas de resistências como o Ludismo e o cartismo.

c) Os operários se ausentavam do trabalho.

d) Formavam barricadas em frente às empresas.

e) Alianças com os patrões.

2) Assinalar (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para as


Falsas.

( ) O movimento ludista insere-se como uma etapa im-


portante na construção de uma consciência operária, na
Europa do século XIX.

(  ) A revolta dos operários contra a burguesia iniciou antes


do desenvolvimento da indústria e passou por várias fases.

(  ) O crime e o roubo destacaram-se como uma reação


no limite do desespero, com as novas condições geradas
pela sociedade industrial.

(  ) Os operários não se utilizaram do roubo como forma


de protesto contra os patrões.

( ) Para Engels, a resistência operária se deve a outros


motivos, menos a introdução da máquina na indústria.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    129

a) V, V, V, F, F

b) V, F, V, V, F

c) F, V, V, F, V

d) V, V, V, F, F

e) Nenhuma alternativa correta

3) De acordo com o texto estudado, as leis criadas contra os


sindicatos foram promulgadas na Revolução industrial, po-
rém foram derrotadas pelas greves e pelas lutas operárias,
que conseguiram a seu favor:

a) Sindicatos vinculados às empresas.

b) Aumentar as revoltas.

c) A revogação das Combination Acts, a formação do


sindicato dos operários da construção e a primeira
central de trabalhadores.

d) Desestabilizar a produção e aumentar a oferta de em-


pregos.

e) Retirar das fábricas as crianças e as mulheres.

4) Sobre o sistema socialista elaborado por Robert Owen,


inspirado em sua fábrica, podemos assinalar (V) para as
assertivas Verdadeiras e (F) para as Falsas, que Owen:

( ) Não aceitou o trabalho de crianças menores de dez


anos e criou para elas escolas gratuitas e laicas, além de
creches.
130    História Contemporânea do Século XIX

(  ) Não se preocupou com os baixos rendimentos da em-


presa.

( ) Reduziu a jornada de trabalho de 16 para 10 horas


diárias.

(  ) Combateu o alcoolismo e criou casas de pensão para


doença e velhice.

(  ) Não sofreu perseguições e censuras por ter praticado


regras diferenciadas em sua empresa.

a) V, V, F, V, F

b) V, F, F, V, F

c) F, V, F, V, F

d) V, F, V, V, F

e) Nenhuma alternativa correta

5) Outro importante movimento com participação dos prole-


tários na França foi a Comuna de Paris. Sobre este tema,
assinale (V) para as alternativas verdadeiras e (F) para as
falsas:

(  ) A Comuna exerceu um autogoverno misto de trabalha-


dores e burgueses.

(  ) Foram criadas comissões de trabalho da Comuna com


preocupações relativas a questão da justiça, da seguran-
ça pública, finanças, instrução pública, medidas militares,
saúde, trabalho e comércio, serviços públicos e relações
exteriores.
Capítulo 6    O Movimento Operário do Século XIX    131

(  ) Um dos objetivos da comissão de trabalho e produção


era avançar na ruptura com a ordem burguesa.

(  ) A Comuna cometeu erros durante sua existência de 72


dias, tais como o não confisco de propriedade dos meios
de produção, limitando-se ao controle social das fábricas.

(  ) A Comuna promoveu a necessária articulação entre o


campo e a cidade e abriu os arquivos da França para a
população.

a) V, F, V, F, F

b) F, V, V, V, F

c) V, F, F, V, V

d) F, F, V, F, V

e) V, V, F, V, V

Gabarito

1)
b  2) a  3) c  4) d  5) b
Viviana Benetti

Capítulo 7

Os Excluídos da História

ÂÂ
N
este capitulo, estudaremos os personagens da histó-
ria do século XIX, os quais estão presentes em todos
os movimentos do período, porém não apresentados de
forma plena.
Capítulo 7   Os Excluídos da História   133

Introdução

Utilizaremos como título do capítulo o nome da obra de Mi-


chelle Perrot, Os Excluídos da História, por acreditar que ilustra
de maneira mais integral a vida dos homens e mulheres desse
período.

Iniciaremos o tema com as ideias da historiadora Maria


Stella M. Bresciani, a qual chama a atenção com sua obra
“Londres e Paris no século XIX: O espetáculo da Pobreza”.

Estudamos as grandes mudanças que ocorreram nesse


século, tais como a luta operária, a ascensão da burguesia,
mudanças de formas de governos, surgimento das novas ide-
ologias, bem como a expansão imperial. Cabe-nos obsevar
como era a vida cotidiana desses homens e mulheres.

A historiadora Maria Stella Bresciani (1994) apresenta o


tema a partir das ruas e seus personagens, enfatizando a pre-
sença da multidão nas ruas de Londres e Paris do século XIX
como um acontecimento inquietante. O deslocamento de pes-
soas nas grandes cidades europeias compunha um espetáculo
que gerava fascínio e terror. Nesse período, Londres apresen-
tava uma população com dois e meio milhões de habitantes, e
Paris contava com uma população de 1,5 milhões de habitan-
tes, era a segunda cidade mais populosa da Europa.

As lutas operárias
Permanecer incógnito, dissolvido no movimento desse viver
coletivo, ter a identidade individual, substituída pela condição
de habitante de um grande aglomerado urbano, ser parte de
134    História Contemporânea do Século XIX

uma potência indiscernível e temida, tudo isso fazia parte das


marcas da multidão retratada pelos literatos e analistas do sé-
culo XIX.

O acaso era um determinante fundamental dos encontros


nas grandes cidades. Andar longos trajetos pelas ruas, a pé ou
de transportes coletivos, olhar e observar coisas e pessoas, a
vida cotidiana assume a dimensão de um permanente espetá-
culo.

Paris da metade do século, segundo Bresciani (1994), con-


figurava um espetáculo diurno. Pela manhã, o Sena se encon-
tra deserto, e Paris, como os velhos trabalhadores, esfrega os
olhos enquanto empurra suas ferramentas: é a hora em que
o trabalho desperta. Enquanto que os personagens da noite
são outros. A noite encantadora é amiga do criminoso; até
o movimento lento e silencioso do passo do lobo se faz sua
cúmplice. Por outro lado, a chegada da amável noite também
se faz desejada pelos que trabalham, é nessa hora o operário
curvado pelo cansaço retorna ao seu leito.

Os combates do dia se interrompem, os soldados do traba-


lho repousam, e os demônios despertam e preenchem o espa-
ço urbano. A multidão é outra. O movimento das prostitutas,
os escroques atentos junto às mesas de jogo, os ladrões na sua
labuta silenciosa: tais são seus componentes.

Embora, Paris seja conhecida como a “cidade luz”, ela guar-


da em seu subterrâneo algo que pouca gente conhece. Paris às
vezes é também chamada de o “queijo suíço”, analogia devido
ao fato de que o queijo suíço possui muitos buracos. A cidade
Capítulo 7   Os Excluídos da História   135

é cortada por um labirinto de túneis, escavados ao longo de


séculos para a extração de pedras para sua construção.

Outra característica que essa cidade apresenta, desde o


século XVIII, é o aumento nas taxas de mortalidade; com isso,
os cemitérios começaram a ficar superlotados, enquanto no-
vos cemitérios não fossem construídos. Onde se enterraria o
número crescente de cadáveres? A superlotação fez em pou-
co tempo sentir-se as suas consequências. Odores pestilentos
atraiam os animais e faziam as pessoas adoecerem, já que os
cemitérios ficavam dentro da cidade. Uma solução imediata
para isso fora a transferência dos mortos para os túneis, assim
eles passaram a ser chamados de catacumbas de Paris.

Escritores como Émile Zola e Victor Hugo, respectivamente


em suas obras, Germinal (1885) e os Miseráveis (1862), retra-
taram a realidade nua e crua da vida e do trabalho do homem
comum de Paris, que nessa época, fosse ele operário, artesão
ou tivesse outra profissão de “baixo grau”, tinha uma vida dura.
136    História Contemporânea do Século XIX

Obra 'Os Miseráveis' de Vitor Hugo.

Retrata Paris do século XIX.


http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/99/Ebcosette.
jpg/220px-Ebcosette.jpg Domínio Público

O olhar dá o tom também nas ruas de Londres. A ativida-


de do olhar dá conta por inteiro da composição da cena de
rua. Chama a atenção o movimento itinerante e ritmado de
homens em suas ocupações diárias, compondo o tecido social
da grande cidade, a qual desvenda o tempo útil do trabalho
como parâmetro necessário à atividade do olhar. Nessa pri-
meira metade do século, as atividades urbanas haviam perdi-
do seu vínculo com o tempo da natureza, agora estavam todos
subordinados ao tempo abstrato, ao dia dividido em 24 horas.

De acordo com Bresciani (1994), esse tempo disciplina o


trabalho e arranca o homem da lógica da natureza, no decor-
rer das variadas tarefas de acordo com as estações do ano,
Capítulo 7   Os Excluídos da História   137

e o introduz ao tempo útil do patrão, o tempo abstrato e pro-


dutivo, o único concebido como capaz de gerar abundância
e riqueza, e o único capaz de conceber uma sociedade disci-
plinada.

Para a autora, a obediência ao contínuo e irreversível flu-


xo, à repetição diária dos mesmos percursos em direção as
mesmas tarefas em momentos previsíveis desse envolver linear,
dessa forma a sociedade do trabalho se institui e elabora sua
própria imagem.

A cidade de Londres da segunda metade do século projeta-


va com nitidez a promiscuidade, a diversidade, a agressão, em
suma, os vários perigos presentes na vida urbana. Os observa-
dores contemporâneos são unânimes ao afirmar que o assus-
tador contraste entre a opulência material e a degradação do
homem fazia de Londres uma singularidade absoluta.

Engels, em 1840, passando por Londres, descreve: “o


amontoado das casas, os estaleiros navais de ambos os
lados, os inumeráveis navios (...) centenas de barcos a
vapor se cruzam a toda a velocidade, tudo isso é tão
grandioso, que se fica atônito e estupefato com a gran-
deza da Inglaterra.” (Engels, 1975: In: Bresciani, p. 23).

Esse otimismo desaparece quando se avalia o custo so-


cial do crescimento econômico. Poucos dias de permanência
na cidade já bastam para se identificar os efeitos devastado-
res da aglomeração urbana. Engels não se sente atraído pela
multidão das ruas de Londres. Acredita ter alguma coisa re-
pugnante que revolta a natureza humana, fica assustado por
ver centenas de pessoas se acotovelando e se comprimindo,
138    História Contemporânea do Século XIX

parecendo não ter nada em comum, obedecendo somente um


acordo tácito em se manter sempre à direita.

Engels percorre os bairros ruins de Londres, bairros em que


se encontram a classe operária. As casas de três a quatro an-
dares, construídas sem planejamento, em ruas estreitas, sinu-
osas e sujas, abriga parte da população operária. Nas ruas, a
animação é intensa, um mercado de frutas e legumes de má
qualidade se espalha. O cheiro é nauseante. A cena se torna
mais espantosa no interior das moradias, nos pátios e nas rue-
las transversais. Nas casas, até os porões são usados como
lugar de morar, e em toda a parte se acumulam detritos e água
suja. “Aí moram os mais pobres dentre os pobres, os trabalha-
dores mal pagos misturados aos ladrões, aos escroques e às
vitimas de prostituição.”

Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-qF6AuVstRAY/TttvSqyEmbI/AAAAAAAACGg/
Capítulo 7   Os Excluídos da História   139

EIygyHc1f9w/s400/BairrooperariodeLondres.jpg Domínio Público

Se as condições das ruas não eram boas, a própria comida


poderia estar estragada, as condições de trabalho e moradia
também não era uma maravilha. Com o crescimento das in-
dústrias, um êxodo rural crescente para as cidades durante o
século XIX, contribuiu para abarrotá-las. Além de Londres, as
cidades vizinhas como Manchester, York, Newcastle e Liverpool
se tornaram cidades fabris, em que as pessoas ou trabalhavam
nas fábricas ou iam trabalhar nas minas de carvão e na cons-
trução de ferrovias.

Essas massas de homens, mulheres e crianças se aglutina-


vam nos bairros operários que em geral eram formados por
cortiços das piores espécies. As condições de habitação não
eram uma exigência vigente na época e, até mesmo nas pri-
meiras décadas do século XX, algo presente em muitos países
no mundo. O operário trabalhava de 12 a 14 horas por dia na
fábrica, em condições degradantes, para ganhar um mísero
salário.

Diante dessa degradação das condições de vida nos bair-


ros pobres de Londres, a teoria da degeneração urbana ga-
nha adeptos entre empresários, cientistas e administradores.
As implicações econômicas da degradação física e moral dos
trabalhadores urbanos são constantemente lembradas por sa-
nitaristas, que consideravam os custos das medidas preventi-
vas – melhores condições de moradia, sistema de distribuição
de água e sistema de esgotos – menores do que os custos das
doenças – interrupção do trabalho e perda de salário –, para
não falar dos altos custos da contenção das sucessivas epide-
mias que tomam conta dos bairros pobres de Londres.
140    História Contemporânea do Século XIX

“As péssimas condições de moradia e a superpolução


são duas anotações constantes sobre os bairros operá-
rios londrinos”. (BRESCIANI, 1994: 25)

Quando uma fábrica falia ou o mercado estava em bai-


xa, os salários diminuíam ou as demissões aumentavam, os
“exércitos” de desempregados se tornavam uma ameaça para
a ordem social. Homens e mulheres com fome, sem dinhei-
ro e vivendo em péssimas condições se tornavam uma massa
instável e perigosa. De fato, os londrinos não tiveram grandes
alardes com tais fatores, mas, no caso dos parisienses, a situ-
ação fora bem pior.

Em Paris, na metade do século, após uma epidemia de có-


lera, vários documentos relatam o crescimento desmesurado e
caótico da cidade e de sua população como caos das péssi-
mas condições de moradia. Um observador, em 1849, assim
descreve a cidade:

Um amontoado de casas desalinhadas encimado por um


céu nebuloso, mesmo nos dias mais belos. A maioria das
ruas são condutos sujos e sempre úmidos de água pesti-
lenta. Fechadas entre duas fileiras de casas, o sol jamais
desce até elas. Uma multidão pálida e doentia transita
por elas, os pés nas águas que escorrem, o nariz no ar
infecto e os olhos atingidos a cada esquina pela mais
repulsiva sujeira. (Chevalier, 1978, p. 279)

Assim como em Londres, os homens se deterioram nes-


ses bairros ruins de Paris, sofrendo mesmo, no entender dos
contemporâneos, um processo de degeneração biológica que
atinge sua população no intervalo de duas ou três gerações.
Capítulo 7   Os Excluídos da História   141

Patrões, máquinas e disciplina


A vida nas cidades europeias era complexa, em meio a um
processo quase urgente de industrialização, as quais já estuda-
mos, porém é importante observarmos como eram as relações
entre os sujeitos do período.

A industrialização francesa, ao contrário da inglesa, foi len-


ta e manual. A abundante mão de obra barata limitava os re-
cursos para o uso das máquinas, investimento caro para uma
pequena produção. O discurso dominante do patronato Fran-
cês era dar emprego, e a produção não era prioridade: este
era argumento utilizado para a abertura de novas fábricas.

Michelle Perrot (1988) destaca que, com a Revolução e


o Império, houve uma diminuição drástica da mão de obra,
forçando os empresários a adquirir máquinas que faziam todo
o processo produtivo, antes realizado pelos braços dos traba-
lhadores. Outro fator foi a alta dos salários e as reivindicações
dos direitos dos trabalhadores, fazendo alguns industriais mu-
darem suas fábricas para o campo, periferia e interior. Assim,
essa geopolítica industrial vem acompanhada de um recurso
maior, a mão de obra pouco qualificada, principalmente a
infantil, a partir de uma mecanização que permite empregar
crianças.

Segundo Perrot, ao longo de todo o século, multiplicam-se


os exemplos de resoluções em se empregar máquinas, cujo
uso fora adiado, tomadas por ocasião em resultado de greves.
A máquina aparecia claramente como o meio de domar os
operários. De acordo com o economista francês Buret: “Eles
[os operários] tinham-nos colocado, a nós e nossos capitais, à
142    História Contemporânea do Século XIX

mercê de suas coalizões e suas greves; suas pretensões, cada


dia maiores impediam-nos de vencer a concorrência estran-
geira; para obter vitórias, é preciso um exército disciplinado.
A insubordinação de nossos operários nos fez pensar em pres-
cindir deles (...). A máquina libertou o capital da opressão do
trabalho.” (Perrot, 1988, p. 23).

A grande crítica dos patrões estava voltada contra os ope-


rários. As máquinas se tornaram uma arma de guerra contra
as barreiras e resistência operária, permitindo aos patrões uma
liberdade da qual podiam eliminar e substituir empregados e,
ao mesmo tempo, passaram a ter um controle maior sobre a
produção.

De acordo com a autora, o que estava em jogo não era o


emprego, e sim o controle dos patrões sobre as matérias-pri-
mas (diminuindo o roubo pelos operários), controle dos pro-
dutos em qualidade e quantidade, controle dos ritmos e dos
homens. A máquina tornou-se um instrumento de disciplina,
cujos efeitos estavam no espaço remodelado da fábrica e no
emprego do tempo, fisicamente ao nível do corpo do traba-
lhador, dessa forma é possível compreender o fundamento da
resistência operária e a sua emergência de luta.

Segundo Perrot, os pioneiros da maquinaria se apoiaram


no trabalho das mulheres, tanto para o manuseio das máqui-
nas, quanto para a supervisão do trabalho masculino nas fá-
bricas. Inicialmente, os patrões franceses buscam as mulheres
inglesas para dirigir esse trabalho. Porém, na luta contra as
máquinas, as mulheres estavam presentes. Como mulheres de
operários, elas desempenham nas agitações seu papel tutelar
Capítulo 7   Os Excluídos da História   143

de donas de casa que defendem o nível de vida da família. As


mulheres desempenharam todas as formas de congregação
popular, do carnaval às manifestações grevistas, onde nem
sempre era fácil separar a realidade do estereótipo.

As mulheres não se insurgem apenas como auxiliares dos


movimentos, mas especialmente como protagonistas de um
sistema de modo de produção doméstico, o qual as máquinas
destruíram. Elas participaram ativamente contra aqueles que
de algum modo às exploravam e as enganavam. Tais como
o ataque realizado em Lyon, em 1848, contra os conventos
e as oficinas de caridade, os quais possuíam fábricas, e que
haviam prometido a elas que não mais trabalhariam, atearam
fogo às urdideiras e teares mecânicos. Assim como os homens,
as mulheres defendem seus direitos ao emprego.

Mas, de repente, surge a máquina de costura, e, no final


do século XIX, e a entrada do seguinte, a máquina de costura
se molda, adapta-se ao trabalho feminino; inicialmente, foram
instaladas nas oficinas e mais tarde se tornaram objeto de apro-
priação doméstica. Segundo Dufayel: “Parece que a mulher co-
nheceu sua grande glória com a máquina de costura”. Em 1900,
qual operária francesa não sonhava em ter sua Singer. A seguir, a
máquina de escrever anunciava um maior ingresso das mulheres
no assalariamento clássico. Não surpreende que a máquina não
tenha liberado as mulheres. Algum dia ela liberou alguém?
144    História Contemporânea do Século XIX

As mulheres e as máquinas.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-xhB0yegAY9E/Uk1mIFirXGI/AAAAAAAAKh8/
BI3KVDtcbLA/s640/5409205722103650.gif Domínio Público

A luta das mulheres e as máquinas adquiriam várias formas


ao longo de todo o século, e a destruição foi apenas uma
delas. O Luddismo foi um dos recursos, juntamente com os
movimentos grevistas, e a consequência desses episódios era a
violência de ambas as partes. A repressão, por parte das auto-
ridades e patrões, ocorria de várias formas, desde a violência
física, prisões e trabalhos forçados.

A França do século XIX e a sua sociedade industrial bus-


cava a ordem e a racionalidade, ou pelo menos uma nova
ordem. A disciplina industrial era fundamental e não deveria
ser apenas na fábrica, deveria acontecer em outras instituições
como a escola, o exército, a prisão, a igreja etc. Michel Fou-
Capítulo 7   Os Excluídos da História   145

cault, em sua obra Vigiar e Punir, pesquisa sobre o conjunto


desses fenômenos, não apenas as prisões.

A era do olhar, a visibilidade e a vigilância eram fundamen-


tais para esse controle e o disciplinamento. Jeremy Bentham
criou o seu famoso Panopticon (1791), pensando em resolver
o problema disciplinar das prisões – por um simples projeto ar-
quitetônico: do seu pavilhão situado no centro de um círculo,
o inspetor “vê sem ser visto” os detentos, cujas celas com gra-
des simples e abertas a sua vista distribuem-se ao seu redor. Só
seu olhar e a consciência que os presos têm dele, bastam para
fazer com que reine a ordem.

O modelo do Panópticon de Benthan, que será retratado


por Foucault, servirá de modelo para fábricas, escolas e de-
mais instituições que necessitam de ordem e disciplinamento,
ao longo do século XIX e XX. Basta observarmos como são
dispostas as estruturas arquitetônicas das nossas escolas e
fábricas. Há sempre um corredor, um pátio interno, em que
as portas dão acesso a esses espaços vazios, em que algum
supervisor possa passar e observar. Não estamos livres desse
disciplinamento criado no século XVIII.

Outra questão relevante que Perrot aborda é o olhar do


operário sobre os patrões. A autora apresenta algumas for-
mas, e uma delas é o patrão como pai; o paternalismo foi
por muito tempo uma das mais importantes relações sociais
de trabalho. Sua presença física, a linguagem e prática do
tipo familiar entre os patrões e operários, a adesão dos traba-
lhadores ao modo de organização da fábrica. O patrão visto
146    História Contemporânea do Século XIX

como pai que proporciona trabalho a seus filhos protege-os,


associa-os à família.

Outro olhar é sobre o patrão hostil, que surge no final do


Segundo Império, e após a Comuna. Quando ocorre o forte
dos movimentos operários, o patrão é o inimigo, já não se fala
sem medo, não é apreciado, há um ódio profundo em relação
ao patrão e à fábrica. Os gestos, gritos, insultos, slogans, dis-
cursos, canções, folhetos, formam uma documentação díspar
dos operários, seus movimentos contra os patrões. E a visão
dicotômica sobre as duplas: senhor/escravo, exploradores/ex-
plorados, ricos/pobres formam sua trama. Enfim, como todo
o imaginário social, o dos operários estava recheado de fan-
tasmas.

Há também opressores, déspotas e tiranos, bem como os


senhores barrigudos e pândegos, esses são os desfrutadores
que aliam a ociosidade à pândega burguesa, não sabem nada
de trabalho. E os patrões vampiros são os exploradores que vi-
vem da labuta de seus operários, parasitas grudados no corpo
dos produtores.

Diante disso, o século XIX ainda surpreende. A história do


Primeiro de Maio de 1890 – na França e demais regiões da
Europa – é exemplar. Resultante de um ato político, essa ma-
nifestação ilustra o desejo de uma classe, a classe operária.
O Primeiro de Maio é uma criação de cima, e em particular
da corrente mais organizada em termos políticos, a corrente
marxista. A invenção da data está ligada ao nascimento da
Segunda Internacional, cujo primeiro congresso se realizou em
Paris em 1889.
Capítulo 7   Os Excluídos da História   147

A proposta foi votada por uma militante guesdista (marxis-


ta Jules Guesde) a qual determinava a organização de uma
grande manifestação internacional, com data fixa, de modo
que, em todos os países e em todas as cidades ao mesmo tem-
po, no mesmo dia, os trabalhadores intimidassem os poderes
públicos a reduzir legalmente a jornada de trabalho para oito
horas e a aplicar outras resoluções do Congresso Internacional
de Paris. Considera-se que uma manifestação semelhante fora
decidida pela American Federation of Labour, em seu congres-
so, e Saint-Louis, adota-se essa data para a comemoração.

Segundo Perrot, o que surpreende na resolução foi de-


monstração da força do proletariado pela simultaneidade –
data fixa, ao mesmo tempo, no mesmo dia – revelando uma
encenação e o uso da mídia. Dando à classe operária a cons-
ciência de si mesma a partir da realização de gestos idênticos
em um amplo espaço, com isso impressionando a opinião pú-
blica. Outra característica designada pelos trabalhadores são
os poderes públicos, ou seja, o Estado e suas diversas instân-
cias, que concorda em intimá-los a aplicar as reformas sociais,
particularmente a redução da jornada de trabalho.

A escolha do Primeiro de maio é enigmática e intrigante.


Essa data não corresponde a nenhuma comemoração definida.

Sem ser um maremoto, a jornada do Primeiro de Maio teve


um eco inegável. Se se pesar na relativa fragilidade das comu-
nicações daquela época, na ausência de organização centra-
lizada no movimento operário, sua difusão não deixa de ser
surpreendente.

“O Povo Enfim se reúne. É o grande dia.” (Cartaz, Vienne).


148    História Contemporânea do Século XIX

Recapitulando

ÂÂOs Excluídos da História, apresenta os operários, as mu-


lheres e os prisioneiros, ilustrando de maneira integral a
vida dos homens e mulheres desse período.

ÂÂA vida nas grandes cidades era degradante. As condi-


ções de moradia, saneamento e trabalho degeneravam
a vida urbana.

ÂÂA degradação física e moral acometiam os trabalha-


dores. A preocupação dos empresários, cientistas e
administradores era de criar medidas preventivas, pro-
porcionando melhores condições de moradia, sistema
de distribuição de água e sistema de esgotos, pois isto
acarretaria custos menores que os custos das doenças.

ÂÂEpidemias se alastravam sobre Paris e Londres, devas-


tando milhares de pessoas e degenerando biologica-
mente várias gerações.

ÂÂA relação entre os patrões, máquinas e disciplina salva-


guardaram o capitalismo.

ÂÂO advento das máquinas, os patrões passaram a con-


trolar mais a vida dos operários, administrando discipli-
narmente o seu trabalho e o controle sobre os salários.
Capítulo 7   Os Excluídos da História   149

Referências bibliográficas

ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora.


Porto. Editorial Presença – Martins fontes, 1975.

BRESCIANI, Maria Stella M. Londres e Paris no século XIX:


O espetáculo da pobreza. 8ª edição. São Paulo: Brasi-
liense, 1994.

CHEVALIER, Louis. Classes trabalhadoras e classes perigo-


sas em Paris durante a primeira metade do século XIX.
Paris, Livraria geral francesa, 1978.

Atividades

A partir dos estudos do presente capítulo, podemos afirmar


que viver nas grandes cidades era:

a) Permanecer visível.

b) Ter a identidade individual substituída pela condição


de habitante de um grande aglomerado urbano.

c) Não fazer parte de uma potência indiscernível e temi-


da.

d) Ser marcado individualmente.

e) Nenhuma alternativa correta.

1) Assinalar (V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para as


Falsas.
150    História Contemporânea do Século XIX

(  ) Paris configurava um espetáculo diurno. Pela manhã,


como os velhos trabalhadores, esfrega os olhos enquanto
empurra suas ferramentas.

(  ) Em Londres, as atividades urbanas perderam seu víncu-


lo com o tempo da natureza, agora estão subordinadas ao
tempo abstrato, ao dia dividido em 24 horas.

(  ) O submundo de Paris não é assustador, pois a organi-


zação das instituições garante a paz urbana.

(  ) Em Paris, a noite encantadora é amiga do criminoso;


até o movimento lento e silencioso do passo do lobo se faz
cúmplice.

(  ) A cidade de Londres projetava com nitidez a promis-


cuidade, a diversidade, a agressão, em suma, os vários
perigos presentes na vida urbana.

a) V, V, V, F, F

b) V, F, V, V, F

c) F, V, V, F, V

d) V, V, F, V, V

e) Nenhuma alternativa correta

2) De acordo com o texto, as condições de vida nos centro


urbanos como Paris e Londres eram um acontecimento in-
quietante, que gerava fascínio e terror, podemos afirmar
como alternativa correta:
Capítulo 7   Os Excluídos da História   151

a) A condição de vida era farta, porém apresentavam pe-


rigos urbanos.

b) Em Londres o êxodo rural não existia, pois não havia


empregos urbanos.

c) Em Paris, as ruas eram limpas e havia uma excelente


rede de esgotos.

d) As implicações econômicas da degradação física e


moral dos trabalhadores urbanos não eram uma pre-
ocupação em Paris e Londres.

e) As condições das ruas não eram boas, a própria comi-


da poderia estar estragada, as condições de trabalho
e moradia também não eram saudáveis.

3) Sobre as relações entre Patrões, Máquinas e os Operários,


podemos afirmar (V) para as sentenças verdadeiras e (F)
para as falsas:

(  ) A industrialização francesa, ao contrário da inglesa, foi


lenta e manual.

( ) Após a Revolução Francesa, à alta dos salários e as


reivindicações dos direitos dos trabalhadores, faz com que
alguns industriais mudassem suas fábricas para o campo,
periferia e interior.

( ) A luta das mulheres e as máquinas adquiriam várias


formas ao longo de todo o século, e a destruição foi ape-
nas uma delas.
152    História Contemporânea do Século XIX

( ) O olhar do operário sobre os patrões era o patrão


como pai e o patrão hostil.

(  ) A visibilidade e a vigilância eram fundamentais para o


controle e o disciplinamento nas fábricas.

a) V, V, V, V, V

b) V, F, F, V, F

c) F, V, F, V, F

d) V, F, V, V, F

e) Nenhuma alternativa correta.

4) Sobre a história do Primeiro de Maio de 1890 na França e


demais regiões da Europa, podemos afirmar:

Assinale (V) para as alternativas verdadeiras e (F) para as


falsas:

(  ) Foi um movimento resultante de um ato político.

(  ) A proposta determinava a organização de uma grande


manifestação internacional, com data fixa.

(  ) A intenção era demonstrar a força do proletariado pela


simultaneidade, porém, cada região escolheria sua data.

(  ) O Estado e suas diversas instâncias não contribuiu com


os proletários, ao aplicar as reformas sociais.

(  ) A jornada do Primeiro de Maio teve um eco inegável,


apesar da fragilidade das comunicações da época e a au-
Capítulo 7   Os Excluídos da História   153

sência de organização centralizada no movimento operá-


rio, sua difusão foi surpreendente.

a) V, F, V, F, F

b) F, V, V, V, F

c) V, V, F, F, V

d) F, F, V, F, V

e) V, V, F, V, V

Gabarito

1)
b  2) d  3) e  4) a  5) c
Wagner dos Santos Chagas

Capítulo 8

O Nacionalismo na
Europa no Século XIX

ÂÂ
O
conceito de nacionalismo surgiu pela primeira vez
no século XIX para descrever grupos de revolucioná-
rios franceses e italianos que lutavam contra as invasões
estrangeiras. Segundo Hobsbawn (2011), inicialmente a
expressão nacionalismo representou apenas uma versão
de direita dos movimentos de criação e unificação dos
Estados europeus que, com o fim do período napoleôni-
co, representou o sentimento que motivaria todos os mo-
vimentos que consideravam a causa nacional como de
primordial importância política.
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    155

O conceito de nacionalismo
A base dos “nacionalismos” de todos os tipos era igual:
era a presteza com que as pessoas se identificavam emo-
cionalmente com “sua” nação como podiam ser mobi-
lizadas, como tchecos, alemães, italianos ou quaisquer
outras, presteza que podia ser explorada politicamente.
(HOBSBAWN, 2011, p. 228)

No decorrer do século XIX, o nacionalismo foi vinculado e


identificado com os movimentos liberais e radicais, bem como
com a tradição da Revolução Francesa. Em outras partes da
Europa, o nacionalismo não se identificava necessariamente
com nenhuma dessas tendências políticas. Entre os movimen-
tos nacionais que não possuíam os seus Estados próprios, al-
guns se identificavam com os liberais, outros com os radicais
ou socialistas, e outros eram indiferentes a qualquer um desses
grupos.

Por ser uma questão complexa, já que o conceito de na-


cionalismo é plural e condicionado pelo momento histórico
que vive cada sociedade, existem alguns elementos que são
primordiais para tentar compreender a caminhada histórica,
social e política percorrida para a consolidação desse concei-
to. Os fatores aglutinantes que serviram para os povos, classes
sociais ou até mesmo grupos que defendiam interesses eco-
nômicos comuns, poderiam ser identificados com as tradições
que remontam origens comuns de um povo, a língua, a reli-
gião, o território e a economia. Conforme Hobsbawn (1991),
antes do nascimento de uma nação, primeiro se desenvolve o
sentimento de nacionalismo juntamente com a criação de um
Estado. Mas isso não quer dizer que todos esses elementos
156    História Contemporânea do Século XIX

despertariam o sentimento de nacionalismo entre os povos que


vivem em um Estado. Essa situação reafirma a pluralidade e a
complexidade do conceito de nacionalismo.

Para muitos povos, o conjunto de tradições e um passado


comum podem despertar sentimentos de unidade e de amor
pelo seu Estado, ou pelo seu soberano. Muitas vezes, uma
história lendária ou feitos do passado servem como pilar ideo-
lógico que sustenta o ideal nacionalista. Na maioria das vezes,
histórias e tradições eram construídas para poder dar base de
sustentação ao orgulho nacional. Na Alemanha, o mito de
Siegfried, herói mitológico que está presente nas óperas de
Richard Wagner, estimulou a imaginação dos soldados prus-
sianos motivando-os nos combates das guerras de unificação
alemã lideradas por Otto von Bismarck. Da mesma forma que
o herói da unificação italiana Giuseppe Garibaldi se tornou
um símbolo de luta pela igualdade dos povos, ao ser aclama-
do como herói de dois mundos, pela sua participação nas lutas
anticolonialistas na América Latina. Mas, para muitos povos,
o passado em comum era o que menos importava. Outros
fatores aglutinantes tinham mais significado para estimular o
espírito nacionalista do que a tradição e ou sua história. Mes-
mo para aqueles orgulhosos cidadãos que marchavam emba-
lados pelos feitos heroicos de outrora, tinham que transmitir
essas histórias por meio de uma sintaxe própria. Essa sintaxe
nada mais era que a língua de seus antepassados, escrita ou
falada.

Segundo Hobsbawn (1991), a língua, para alguns povos,


foi o principal fator aglutinante que despertava o sentimento
de nacionalismo. Nesses casos, a língua agia como elemento
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    157

de união e coesão do povo, e instrumento de disseminação


do ideário nacional. É nesse momento em que livros didáticos
e jornais são impressos nas línguas nacionais, ou usada pela
primeira vez para algum fim oficial.

Assim, as primeiras obras tchecas importantes sobre as-


tronomia, química, antropologia, mineralogia e botâni-
ca foram escritas ou terminadas nesta década, quando
também apareceram na Romênia os primeiros livros di-
dáticos escritos em romeno, em substituição ao grego
habitual. (HOBSBAWN, 1997, p.155)

Mas para atingir esses objetivos, as línguas deveriam ser


compiladas, padronizadas, homogeneizadas e modernizadas
para uso contemporâneo e literário. As principais línguas na-
cionais escritas haviam passado por essa fase de compilação
como o alemão, o russo, o francês, o italiano e o castelhano.

Nos Estados onde a língua servia como elemento fundante


para a disseminação do sentimento de nacionalismo, era ne-
cessário ensinar ao povo a ler e escrever o vernáculo nacional,
pois, na vanguarda do nacionalismo no século XIX, estava a
classe média e os intelectuais, ou seja, as classes que tiveram
acesso à educação. E o acesso à educação se dava na escola,
na qual as crianças poderiam ser ensinadas a ser bons súditos
e cidadãos úteis, já que essa instituição era responsável de
ensinar, não apenas a língua, mas as tradições de seu povo
e a ideologia do Estado. Devido a essa função ideológica da
escola, a maioria dos países europeus começou a criar escolas
primárias.
158    História Contemporânea do Século XIX

Mesmo em países reconhecidamente escolarizados, o


número de professores de escola primária multiplicou-
-se. Triplicou na Suécia e cresceu quase de igual modo
na Noruega. Países relativamente atrasados quiseram
alcançá-los. Dobrou o número de crianças de escola pri-
mária nos Países Baixos; no Reino Unido esse número
triplicou; na Finlândia aumentou treze vezes. Mesmo nos
Bálcãs, terra de analfabetos, quadruplicou o número de
crianças em escolas primárias, e o número de professo-
res quase triplicou. (HOBSBAWN, 2011, p. 239)

Embora a língua fosse um elemento de união dos povos,


ainda era rara a unidade linguística. Mesmo para a maioria
dos italianos, essa unidade era totalmente estranha para a
maior parte do povo, pois nos diversos Reinos e Ducados ita-
lianos eram falados vários dialetos.

Além da língua, a religião poderia ser um elemento ca-


paz de despertar o nacionalismo entre os povos. Por exemplo,
o espanhol era definido por ser católico, o russo por ser or-
todoxo. Para os judeus, independentemente do seu local de
nascimento, o que os identificava como grupo era a sua cren-
ça no judaísmo. As populações muito ligadas ao Papa ou ao
Imperador podiam expressar ressentimento contra os inimigos
da Igreja e da coroa. Mas Hobsbawm (1997) aponta que, em
muitos Estados europeus do século XIX, a religião dificilmen-
te influenciava qualquer sentimento de nacionalismo, quanto
mais um desejo em favor de um Estado nacional.

Para muitos povos, o nacionalismo estava vinculado ao


amor nutrido pelo seu torrão de terra natal. Na França, o terri-
tório demonstrou ser um dos principais fatores aglutinantes do
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    159

povo francês para lutar contra os exércitos estrangeiros, que


queriam acabar com a Revolução Francesa e reestabelecer o
Absolutismo. Para a burguesia liberal, o nacionalismo estava
para além do território de seu Estado, para além de sua lín-
gua, da sua religião ou passado em comum. Para esse grupo,
o sentimento de nacionalismo ficava a cargo da proteção, ma-
nutenção e expansão dos seus lucros por meio do comércio de
bens industrializados.

As classes médias mais ricas apoiaram e aderiram ao na-


cionalismo, como alternativa ao crescimento das reinvidica-
ções e organizações de luta por melhores condições de vida
e de trabalho da classe trabalhadora. Os trabalhadores co-
meçaram a adotar os pressupostos das doutrinas socialistas,
universalizando-se enquanto classe representativa na política
dos Estados no século XIX. No Manifesto do Partido Comunis-
ta, Marx e Engels conclamavam os operários de todo o mundo
a se unir, afirmando que os trabalhadores não deveriam estar
presos a nacionalidade do país de origem, mas sim estar total-
mente concentrado na causa operária.

Assim, tanto a burguesia quanto o proletariado se conso-


lidavam como forças que estavam além dos limites nacionais.
Entre esses dois polos da sociedade, estavam grupos que não
compartilhavam com esses sentimentos de classe. Entre eles,
estavam os pequenos proprietários de terras, pequenos arte-
sãos, nobres de pouca fortuna e classe média urbana formada
por funcionários do Estado e militares.

Esse grupo social intermediário encontrou em um grupo


de intelectuais, oriundos da própria classe média, defensores
160    História Contemporânea do Século XIX

das ideias de nacionalismo que se tornaram seus representan-


tes. Essa parcela da sociedade começava a criar consciência
política, percebendo que poderia acrescentar seu poder ao
conjunto das forças que organizavam as nações. Portanto, o
nacionalismo da classe média europeia foi uma reação ao
internacionalismo burguês e proletário. Seu projeto político
nacionalista esteve presente na maior parte dos conflitos do
século XIX, como uma terceira força política. Os processos de
unificação da Itália e da Alemanha demonstram como esses
conflitos de interesses entre a burguesia, os trabalhadores e a
classe média utilizaram o nacionalismo como mola propulsora
para garantir seus interesses.

O Nacionalismo e a Unificação da Itália


A França Napoleônica estava perdendo sua força militar e, em
decorrência disso, perdia o controle sobre os territórios que
havia conquistado desde o final do século XVIII. Em 1815, com
a total derrota de Napoleão Bonaparte, foi assinado em Viena
um acordo entre a Áustria, a Prússia, a Rússia e a Inglaterra na
tentativa de restabelecer a estabilidade política europeia. O
Congresso de Viena restaurava o Antigo Regime e devolvia o
poder das antigas famílias reais aos territórios antes controla-
dos pelos franceses.

Ao reconduzir ao trono os antigos governantes absolutistas,


o Congresso de Viena também determinou a restauração das
monarquias que governavam os Estados Italianos. Mas, esse
fato gerou impactos importantes na economia desses Estados,
já que as estruturas sociais e a forma de produção, caracterís-
tica dos governos Absolutistas, impedia a burguesia de defen-
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    161

der seus direitos de expandir a sua capacidade de acumulação


de capital.

Os reinos da Lombardia e Sardenha-Piemonte sofreram os


maiores impactos com a volta do Absolutismo, pois já possuí-
am um relativo desenvolvimento industrial e capitalista. Segundo
Gooch (1991), tanto o reino lombardo quando o reino sardenho-
-piemontês possuíam indústrias, ferrovias, casas de crédito e es-
tabelecimentos comerciais de grande porte. Esses reinos do norte
da península itálica possuíam o desejo de expandir suas econo-
mias, mas encontravam barreiras devido à fragmentação da Itália
em diversos Estados. A necessidade de criar uma nação italiana
unificada estava atrelada com a necessidade da burguesia indus-
trial sardo-piemontesa e lombarda, de expandir seus negócios.
162    História Contemporânea do Século XIX

Mapa da Unificação Italiana.


Adaptado: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/34/Ita-
lia_1843.svg/290px-Italia_1843.svg.png

Porém, os interesses da burguesia industrial dos reinos do


norte da península itálica não eram os mesmos da aristocra-
cia conservadora católica dos demais estados italianos. Os
aristocratas, que sempre gozaram dos privilégios absolutistas,
colocaram-se contra as pretensões burguesas, pois a manu-
tenção de seus privilégios estava acima de qualquer ideal li-
beral burguês, ou do progresso econômico desse grupo. O
modo de vida da aristocracia, não só das monarquias dos
reinos e principados italianos, mas de toda a Europa, deveria
ser defendido. Essa defesa do status quo absolutista foi defi-
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    163

nida no Congresso de Viena (1815), a partir da criação da


Santa Aliança. A Santa Aliança era um pacto político e militar
de ajuda mútua, entre os reinos que integraram o Congresso
de Viena, com o objetivo de intervir em qualquer processo re-
volucionário ou insurrecional que ameaçasse uma monarquia
absolutista europeia.

Várias revoltas aconteceram nos estados e principados ita-


lianos com a intervenção da Santa Aliança. Os napolitanos,
na revolta liberal de 1820, foram derrotados pelas forças da
Santa Aliança, convocadas pelo rei de Nápoles. Os Estados
que criaram as Províncias Unidas Italianas foram derrotados
pelo exército austríaco em 1831. Esses acontecimentos leva-
ram a população desses pequenos reinos a acreditar que a
aristocracia tinha mais interesse em manter seu status e a polí-
tica externa, do que com a política interna de seus reinos.

Durante esse processo de instabilidade política, econômica


e social, Giuseppe Mazzini fundou uma sociedade chamada
de Jovem Itália. A Jovem Itália, criada em 1831, foi um dos
primeiros grupos a criar um movimento amplo que abarcasse
todos os estados italianos. Mazzini, juntamente com Giuseppe
Garibaldi, procurou atrair para o seu movimento nacionalista
grupos de operários e camponeses. Conforme escreve Gooch
(1991), Mazzini acreditava que Deus tinha atribuído uma mis-
são para os povos e nações e que a Itália tinha uma missão
no mundo livre, essa missão seria alcançada por meio do sen-
timento de nacionalismo patriótico. A Jovem Itália tinha, como
ideologia fundante, a convicção de que os italianos podiam
converter-se em uma nação-Estado republicana, a partir da
dialética do pensamento e da ação. Pensamento materializa-
164    História Contemporânea do Século XIX

do na educação e ação materializada na insurreição popular.


Após uma fracassada tentativa de invasão na Savóia, a qual a
população não respondeu aos chamados do grupo liderado
por Mazzini para pegar em armas, fez com que as atividades
da Jovem Itália fossem suspensas em 1836.

Mazzini e a Jovem Itália, mesmo não conseguindo atingir


seus objetivos de unificação da Itália, inspiraram outros movi-
mentos que buscavam concretizar o sonho de construir uma
nação italiana unificada.

Os levantes na Sicilia e no reino de Nápoles, em 1837,


e os continuados tumultos nos Estados Papais impeliram
Nicola Fabrizi a fundar a Legione Italica (Legião Itálica),
em 1839, e a procurar unir os diversos grupos de cons-
piradores. Um levante em Nápoles, planejado para 31
de julho de 1843, jamais teve lugar, e os grupos que,
abrupta e desorganizadamente, se sublevaram aos Esta-
dos Papais foram logo esmagados e tiveram seus cabeças
executados. Os irmãos Bandiera, membros da Giovini Ita-
lia, que haviam fundado sua própria sociedade secreta,
tentaram promover uma insurreição na Calábria, em ju-
nho de 1844. Mas ela fracassou e os dois irmãos foram
presos e fuzilados. A agitação era endêmica por quase
toda a Itália às vésperas de 1848, mas era de natureza
local e de base muito estreita. Havia pessoas persuadidas
dos ideais mazzinistas; a grande massa continuava firme-
mente desinteressada por ele. (GOOCH, 1991, p. 21)

Nesse contexto de agitação e levantes pró-unificação, for-


mou-se outro grupo liderado por Césare Balbo, que reivindi-
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    165

cava para a casa real de Savóia, sardo-piemontesa, o direito


de governar a Itália unificada. A partir desse movimento, o
Reino de Sardenha-Piemonte, governado por Vitor Emanuel
II da casa de Savóia, começou os preparativos para conduzir
a unificação italiana. O rei sardo-piemontês e o seu primeiro
ministro, Camilo Benso Conde de Cavour, centraram seus es-
forços na reestruturação e fortalecimento das forças armadas,
na expansão da política econômica industrial e na diplomacia
internacional, para firmar alianças contra a Áustria e a Santa
Aliança.

O processo de unificação da Itália ameaçava a hegemonia


da Áustria na região, pois o Congresso de Viena destinou ao
império austríaco o controle dos Ducados de Parma, Móde-
na, Lucca, o Grã-Ducado de Toscana e o Reino Lombardo-
-Veneziano. Além da Áustria, a França também se preocupava
com o nascimento de um Estado italiano, pois temia o fortale-
cimento político e econômico de uma Itália unificada. A favor
da unificação estava à Inglaterra, que desejava o enfraqueci-
mento da Áustria, o que fatalmente aconteceria com a perda
dos territórios que controlava.

As propostas da burguesia, conforme escreve Gooch


(1991), eram avançadas em relação à posição dos católicos
conservadores. Duas visões de futuro para a nação que sur-
giria geraram um conflito de projetos de desenvolvimento. Os
conservadores defendiam a volta do Antigo Regime e a cria-
ção de um Estado unificado governado pelo Papa, já a bur-
guesia dos Estados do Norte da Península Itálica defendia um
governo nos moldes britânicos, um Estado liberal estruturado
na forma de uma monarquia constitucional.
166    História Contemporânea do Século XIX

Por isso, em muitos momentos, a alta burguesia do norte


da península itálica uniu suas forças com os líderes dos mo-
vimentos populares pró-unificação como Mazzini e Garibaldi.
Mas, a burguesia não tinha a intenção de criar um governo,
que tivesse a participação das camadas populares. Quando a
vitória da unificação chegasse à elite italiana, composta pela
burguesia financeira, industrial e agrária, afastaria os líderes
revolucionários. E Giuseppe Garibaldi era a principal fonte de
preocupação para a burguesia do norte da Itália.

Garibaldi comandava grupos de camponeses das regiões


mais pobres dos reinos italianos do sul, sob seu comando,
os “Camisas Vermelhas” conquistaram muitas vitórias, contro-
lando as cidades de Palermo e Nápoles, que era a capital do
Reino das Duas Sicílias. Os camponeses acreditavam que a
unificação territorial seria seguida de uma reforma na estrutu-
ra agrária, que dividiria os latifúndios. Temendo ação dessas
forças populares, os representantes da burguesia chamaram
Garibaldi para uma negociação. Garibaldi era um republi-
cano e não aceitava uma monarquia italiana governada pela
Casa de Savoia. Por preferir uma Itália monárquica unida a
uma Itália desunida, Garibaldi reconheceu a autoridade de
Vítor Emanuel II.

Depois de treze anos de lutas pela unificação, em fevereiro


de 1861, Vitor Emanuel II foi aclamado rei da Itália, que se
tornou uma monarquia constitucional. Em 1870, a unificação
da Itália foi completada com a anexação de Roma. De acordo
com Hobsbawn (1991), essa foi uma das etapas mais difíceis
da união dos vários Estados independentes que compunham
a Itália.
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    167

O Nacionalismo e a unificação da Alemanha


Antes de 1871, os reinos e territórios germânicos formavam a
Confederação Alemã. Essa confederação era constituída por
38 Estados livres mais a Áustria, tendo como sede a cidade
de Frankfurt. Sua liderança política era divida entre a Prússia
e a Áustria, conforme determinava o Congresso de Viena em
1815. O seu parlamento, a Dieta de Frankfurt, não era for-
mado por representantes eleitos, mas por delegados indicados
que representavam os interesses dos regentes de cada Estado.

A maioria dos Estados que formava a Confederação Alemã


possuía economias baseadas no modo de produção agrário,
que ainda conservava muitos traços do período feudal. Esse
tipo de produção, baseada na exploração agrícola da terra,
utilizava técnicas ultrapassadas de cultivo e colheita, que re-
sultava em baixa produtividade. Não só na produção, mas a
organização social ainda estava atrelada às tradições feudais.
168    História Contemporânea do Século XIX

Mapa do Sacro Império Romano-Germânico em 1789. O mapa é dominado pela


Monarquia de Habsburgo (laranja) e Reino da Prússia (azul), para além de um grande
número de pequenos estados (muitos dos quais demasiado pequenos para serem
visualizados no mapa).
Adaptado: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4c/
HRR_1789_EN.png/300px-HRR_1789_EN.png

A classe dominante nos territórios germânicos era constitu-


ída por nobres de origem saxônica. Essa nobreza tinha o seu
poder econômico centralizado na propriedade das terras e no
poderio militar exercido pelo comando de exércitos particu-
lares que defendiam os seus interesses. Muitos desses nobres
faziam parte dos junkers. Essa nobreza agrária, que perten-
cia ao oficialato dos exércitos reais, aumentava o tamanho de
seus latifúndios expulsando os pequenos camponeses de suas
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    169

terras. As famílias camponesas, após perder a sua única fonte


de renda, partiam para as cidades, onde formavam grande
contingente de mão de obra disponível para assumir os postos
de trabalho nas indústrias, principalmente na Prússia.

Entre os Estados que formava a Confederação Alemã, exce-


tuando a Áustria, a Prússia era a que possuía maior desenvolvi-
mento industrial, com destaque para a indústria metalúrgica e
mecânica. Até 1830, tanto a economia prussiana quanto toda
a economia da confederação encontravam dificuldades para
crescer, em decorrência do entrave representado pelos traços
feudais que ainda conservava. Para resolver esse problema, a
Prússia encontrou uma solução inovadora para a sua época.

Segundo Fulbrook (2012), Prússia e Grã-Ducado de Hes-


sen criaram um sistema de livre comércio denominado Zoll-
verein. Essa união alfandegária criada em 1834 estabeleceu
uma zona de livre circulação de mercadoria entre as duas regi-
ões. O resultado dessa medida gerou um desenvolvimento das
indústrias, dos transportes fluvial e ferroviário. Um ano após
a criação do Zollverein, foi inaugurada a primeira estrada de
ferro e a criação de novas indústrias. A burguesia industrial
prussiana acumulava grandes montantes de capital. Mas, em
contrapartida, a situação das classes pobres sofreu um agra-
vamento.

A expulsão dos camponeses de suas terras pelos junkers


gerou um grande êxodo rural forçado para as cidades. Entre
essas pessoas que formavam o exército industrial de reseva,
havia pequenos proprietários rurais e artesãos independentes,
que faliram devido à concorrência das fábricas. Esses traba-
170    História Contemporânea do Século XIX

lhadores viviam em condições miseráveis e começaram a bus-


car novas formas de luta contra a miséria e a exploração de
sua mão de obra.

Conforme escreve Fulbrook (2012), a liberdade econômica


promovida pelo Zollverein, gerou um terreno fértil para o nas-
cimento das ideias liberais no campo político. A riqueza econô-
mica gerada pela indústria começou a fortalecer a consciência
política da burguesia liberal. Nesse período, destacavam-se,
no campo de batalha político, três correntes de pensamento: a
liberal, a radical e a socialista.

Os liberais, que representavam os grandes industriais, que-


riam a criação de um sistema de governo baseado no direito
constitucional, por meio de reformas políticas. Já os radicais,
que representavam a pequena burguesia comercial e os polí-
ticos dos reinos do sul, defendiam os princípios democráticos
como a igualdade de direitos e a soberania popular. Apesar de
suas propostas se aproximarem das necessidades das classes
pobres, o radicalismo não contou com a adesão dos traba-
lhadores. Já os socialistas, que representavam a classe traba-
lhadora, criaram uma associação chamada de Liga dos Justos
(depois Liga Comunista) inspirada nas ideias de Marx e Engels,
lutavam pela revolução social, pela socialização dos meios de
produção e o fim da divisão da sociedade em classes sociais.

A organização política dos trabalhadores começou a pre-


ocupar a burguesia industrial, a qual temia uma revolta na-
cional de trabalhadores, que pudesse criar um Estado alemão
unificado baseado nas ideias da Liga dos Justos. Para que isso
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    171

não acontecesse, o exército prussiano foi convocado para re-


primir e desarticular os movimentos de oposição ao governo.

Devido à convulsão política vivida naquele momento, e


pensando em expandir os seus lucros e negócios, os liberais
colocaram-se no centro da cena política alemã. Na Prússia, os
liberais fundaram o Partido Progressista, que obteve a maioria
das cadeiras na Câmara Baixa nas eleições de 1862. Mes-
mo obtendo a maioria dos assentos nessa assembleia, o Rei
Guilherme I da Prússia, apoiado pelos junkers, não aceitava
as proposta de reformas dos liberais. Desrespeitando a maio-
ria progressista do Parlamento, Guilherme da Prússia nomeou
para o cargo de presidente do Conselho de Ministros Otto Von
Bismarck.

Bismarck pertencia à nobreza rural e se destacara no com-


bate aos movimentos populares de oposição monárquica.
Como novo presidente do Conselho de Ministros, ele foi o
responsável pelo andamento do processo de unificação ale-
mã, evocando os elementos aglutinantes que davam identida-
de ao povo alemão. Esses pressupostos nacionalistas davam
ao general prussiano, argumentos fortes para a criação de um
Estado alemão unificado liderado pela Prússia e independente
da Áustria.

Bismarck unificou os reinos germânicos por meio de vá-


rias campanhas militares contra a Dinamarca, a Áustria e a
França. Ao vencer a Dinamarca, foi anexado o Ducado de
Schleswig-Holstein. Em 1866, após a vitória contra a Áustria,
foram anexados os Estados do Norte. Em 1870, no intuito de
forçar os reinos do Sul a se anexarem ao Estado unificado
172    História Contemporânea do Século XIX

alemão, Bismarck declarou guerra contra a França. Diante do


inimigo comum representado pelos franceses, os Estados que
ainda resistiam à unificação se aliaram à Prússia. Após seis
meses de batalhas, os franceses foram derrotados. A Prússia
invadiu a capital francesa onde, em 1871, foi assinado o tra-
tado de Frankfurt. Esse tratado obrigava a França a pagar uma
indenização para a Prússia e cedia grande parte da Alsácia-
-Lorena, uma região rica em minérios. A vitória na guerra con-
tra a França marca o sucesso de Bismarck em seu projeto de
unificação da Alemanha. O título de imperador foi entregue
a Guilherme I da Prússia, e Otto Von Bismarck foi nomeado
primeiro-ministro do império alemão.

Império Alemão entre 1871–1918.


Adaptado: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a2/Ger-
man_Reich1.png/425px-German_Reich1.png
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    173

Recapitulando

ÂÂ O conceito de nacionalismo surgiu pela primeira vez no sé-


culo XIX para descrever grupos de revolucionários franceses
e italianos que lutavam contra as invasões estrangeiras.

ÂÂA expressão nacionalismo representou apenas uma ver-


são de direita dos movimentos de criação e unificação
dos Estados europeus que, com o fim do período na-
poleônico, representou o sentimento que motivaria to-
dos os movimentos que consideravam a causa nacional
como de primordial importância política.

ÂÂO processo de Unificação da Itália e da Alemanha foram


resultados dos movimentos nacionalistas dos dois países.

Referências bibliográficas

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios. 13. ed. São Paulo:


Paz e Terra, 2011.

________________. A Era das Revoluções. 10. ed. São Pau-


lo: Paz e Terra, 1997.

________________. Nações e Nacionalismo desde 1780.


São Paulo: Paz e Terra, 1991.

FULBROOK, Mary. História Concisa da Alemanha. São


Paulo: Edipro, 2012.

GOOCH, James. A Unificação da Itália. São Paulo: Ática,


1991.
174    História Contemporânea do Século XIX

Atividades

1) Sobre o nacionalismo na Europa do século XIX, assinale V


(para Verdadeiro) e F (para Falso).

( ) No decorrer do século XIX o nacionalismo foi vincula-


do e identificado com os movimentos liberais e radi-
cais, bem como com a tradição da Revolução France-
sa. Em outras partes da Europa, o nacionalismo não
se identificava necessariamente com nenhuma dessas
tendências políticas.

( ) O conjunto de tradições e um passado comum não


despertavam sentimentos de unidade e de amor pelo
seu Estado, muito menos pelo seu soberano.

( ) Nos Estados onde a língua servia como elemento fun-


dante para a disseminação do sentimento de nacio-
nalismo, era necessário ensinar ao povo a ler e es-
crever o vernáculo nacional, pois, na vanguarda do
nacionalismo no século XIX, estavam os camponeses
e os nobres, ou seja, as classes que tiveram acesso à
educação.

( ) Antes do nascimento de uma nação, primeiro se de-


senvolve o sentimento de nacionalismo juntamente
com a criação de um Estado. Mas isso não quer dizer
que todos esses elementos despertariam o sentimento
de nacionalismo entre os povos que vivem em um Es-
tado. Essa situação reafirma a pluralidade e a comple-
xidade do conceito de nacionalismo.
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    175

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) V, F, F, V

d) V, F, F, F

e) F, V, V, V

2) Sobre, o nacionalismo e a unificação da Alemanha, assi-


nale V (para Verdadeiro) e F (para Falso).

( ) Antes de 1871, os reinos e territórios germânicos for-


mavam a Confederação Alemã. Essa confederação
era constituída por 38 Estados livres mais a Áustria,
tendo como sede a cidade de Frankfurt.

( ) A maioria dos Estados que formavam a Confedera-


ção Alemã possuía economia baseada no modo de
produção agrário, que ainda conservava muitos traços
do período feudal. Esse tipo de produção baseada na
exploração agrícola da terra utilizava técnicas ultra-
passadas de cultivo e colheita que resultava em baixa
produtividade. Não só na produção, mas a organiza-
ção social ainda estava atrelada as tradições feudais.

( ) A classe dominante nos territórios germânicos era


constituída por camponeses de origem saxônica. Esses
camponeses tinham o seu poder econômico centrali-
zado na propriedade das terras e no poderio militar
exercido pelo comando de exércitos particulares que
defendiam os seus interesses. Muitos desses campo-
neses faziam parte dos junkers. Esse campesinato, que
176    História Contemporânea do Século XIX

pertencia ao oficialato dos exércitos reais, aumentava


o tamanho de seus latifúndios expulsando os nobres
de suas terras.

( ) Antes do nascimento de uma nação, primeiro se de-


senvolve o sentimento de nacionalismo juntamente
com a criação de um Estado. Mas isso não quer dizer
que todos esses elementos despertariam o sentimento
de nacionalismo entre os povos que vivem em um Es-
tado. Essa situação reafirma a pluralidade e a comple-
xidade do conceito de nacionalismo.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) V, F, F, V

d) V, F, F, F

e) F, V, V, V

3) A união alfandegária criada em 1834, que estabeleceu


uma zona de livre circulação de mercadoria entre Prússia e
Grã-Ducado de Hessen, gerando um desenvolvimento das
indústrias, dos transportes fluviais e ferroviário era conhe-
cido como:

a) Ziegfried

b) Burschenschaft

c) Schleswig-Holstein

d) Junkers

e) Zollverein
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    177

4) Sobre, o nacionalismo e a unificação da Itália, assinale V


(para Verdadeiro) e F (para Falso).

( ) O Congresso de Viena determinou a restauração das


monarquias que governavam os Estados Italianos. Esse
fato não gerou impactos importantes na economia
desses Estados, já que as estruturas sociais e a forma
de produção, característica dos governos Absolutistas
não impedia a burguesia de defender seus direitos de
expandir a sua capacidade de acumulação de capital.

( ) Esses reinos do norte da península itálica possuíam o


desejo de expandir suas economias, mas encontravam
barreiras devido à fragmentação da Itália em diversos
Estados. A necessidade de criar uma nação italiana
unificada estava atrelada, com a necessidade da bur-
guesia industrial sardo-piemontesa e lombarda, de ex-
pandir seus negócios.

( ) Os interesses da burguesia industrial dos reinos do


norte da península itálica não eram os mesmos da
aristocracia conservadora católica dos demais estados
italianos. Os aristocratas, que sempre gozaram dos
privilégios absolutistas, colocaram-se contra as preten-
sões burguesas, pois a manutenção de seus privilégios
estava acima de qualquer ideal liberal burguês, ou do
progresso econômico desse grupo.

( ) A Jovem Itália, criada em 1831, foi um dos primeiros


grupos a criar um movimento amplo que abarcasse
todos os estados italianos. Mazzini, juntamente com
Giuseppe Garibaldi, procurou atrair para o seu mo-
178    História Contemporânea do Século XIX

vimento nacionalista grupos de operários e campone-


ses. A Jovem Itália tinha, como ideologia fundante, a
convicção de que os italianos podiam converter-se em
uma nação-Estado republicana, a partir da dialética
do pensamento e da ação. Pensamento materializado
na educação e ação materializada na insurreição po-
pular.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) V, F, F, V

d) F, V, V, V

e) V, F, F, F

5) Garibaldi comandava grupos de camponeses das regiões


mais pobres dos reinos italianos do sul; sob seu comando,
os “Camisas Vermelhas” conquistaram muitas vitórias. Os
camponeses que lutavam com Garibaldi acreditavam que
a unificação territorial da Itália seria seguida:

a) De uma reforma na estrutura política com a volta de


Napoleão Bonaparte para o trono da Itália.

b) De uma reforma na estrutura agrária que dividiria os


latifúndios.

c) De uma reforma na estrutura agrária que restauraria o


feudalismo.

d) De uma reforma na estrutura militar onde os campo-


neses ocupariam o oficialato do exército italiano.
Capítulo 8    O Nacionalismo na Europa no Século XIX    179

e) De uma reforma na estrutura política com a coroação


de Giuseppe Garibaldi como rei da Itália.

Gabarito
1) c  2) a  3) d  4) e  5) b
Wagner dos Santos Chagas

Capítulo 9

Imperialismo
ÂÂ
O imperialismo no século XIX foi um dos frutos da Re-
volução Industrial. Esse fruto espalhou as sementes
da industrialização e da economia capitalista por todo
o mundo. Essas sementes germinaram e trouxeram para
poucos o sabor doce e viciante dos lucros, mas, para a
maioria dos povos envolvidos nesse processo de produ-
ção do capitalismo industrial, sobrou a amargura do de-
semprego, da pobreza e da dominação territorial e eco-
nômica. Pela égide do progresso, os meios justificavam
os fins, criando um processo de exploração dos países
dominados que os reduziu à reserva de mão de obra, for-
necedor de matérias-primas e mercado consumidor. Mas
os povos, que sofreram o flagelo do imperialismo, resis-
tiram de muitas maneiras ao processo de dominação. As
estratégias de resistência eram diversas. Muitos pegaram
em armas promovendo lutas sangrentas para manter as
suas terras e proteger a sua cultura, outros resistiram de
maneira pacífica promovendo a desobediência civil e o
boicote aos produtos negociados pelos estrangeiros.
Capítulo 9   Imperialismo   181

Introdução

Segundo o historiador britânico Eric Hobsbawn (2011), o con-


ceito de imperialismo começou a ser introduzido no vocabu-
lário político e jornalístico na última década do século XIX. O
imperialismo se tornou sinônimo de expansão do capitalismo
industrial e das conquistas coloniais. Já no início do século XX,
muitos intelectuais começaram a escrever livros sobre o impe-
rialismo que promoveram um intenso e acirrado debate ideo-
lógico. Essas discussões acerca do imperialismo seriam o pilar
principal que sustentaria o campo de batalha para embates
teóricos entre grupos com leituras de mundo antagônicas. Um
exemplo disso foi a centralidade que a crítica feita ao imperia-
lismo ganhou, para as análises dos marxistas e para os movi-
mentos revolucionário comunistas, após os anos de 1917.

O conceito de imperialismo
Tom Bottomore (2012) escreve que, para os marxistas, o im-
perialismo se refere a um processo de acumulação de capital
por um sistema capitalista monopolista, a partir de um merca-
do mundial criado para esse fim. Ainda segundo Bottomore,
Vladimir Lênin apresentou uma série de características do pro-
cesso imperialista:

(1) a “exportação do capital” adquiriu importância pri-


mordial, lado a lado com a exportação de mercadorias;
(2) a produção e a distribuição passam a ser centraliza-
das por grandes trustes ou cartéis; (3) os capitais bancá-
rio e industrial se fundem; (4) as potências capitalistas
182    História Contemporânea do Século XIX

dividem o mundo em esferas de influências, e (5) essa


divisão é concluída, abrindo a possibilidade de uma fu-
tura luta intercapitalista para redividir o mundo. (BOTTO-
MORE, 2012, p. 276)

As raízes econômicas do imperialismo representavam uma


nova fase para o capitalismo. Essa nova fase gerou a divi-
são territorial do mundo entre as grandes potências industriais,
criando assim um conjunto de colônias formais ou territórios
que passaram a viver sob a influência dessas nações. Essa
divisão territorial foi capaz de gerar tanta rivalidade entre as
potências capitalistas que foi uma das principais causas para a
eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914.

O imperialismo foi um sistema de dominação que abran-


gia o controle de mercados consumidores, juntamente com o
controle político direto ou indireto de territórios nos continentes
africano, asiático e americano. Muitas vezes, os Estados colo-
nizados mantinham o seu governo nacional, desde que acei-
tassem a presença estrangeira em seu território. Muitas vezes,
essa aceitação se dava por meio de ameaças militares. Um
exemplo dessa pressão pelas armas aconteceu no Japão, que
abriu seus portos para os Estados Unidos após uma “visita” de
sua marinha de guerra.

Conforme escreve Hobsbawm (2003), a exploração eco-


nômica imperialista nas áreas colonizadas se deu por meio
da transferência de empresas ou a aplicação de seu capital
excedente, pela exploração da mão de obra nativa e pela im-
posição de uma produção e pelo consumo de produtos que
atendiam aos interesses das metrópoles. Outra ação comum
Capítulo 9   Imperialismo   183

foi a exploração das riquezas naturais, para abastecer a neces-


sidade de matéria-prima das indústrias.

A expansão ultramarina dessas nações aconteceu devido


ao grande acúmulo de capitais, resultante do seu desenvolvi-
mento industrial. Os empresários começaram a buscar alter-
nativas de investimentos para o seu excedente de capital. Ou
seja, quando a indústria começou a gerar os seus lucros expo-
nenciais, as nações mais industrializadas foram em busca de
regiões onde esses recursos pudessem ser aplicados. As gran-
des empresas começaram a investir seus recursos na criação
de filiais nos países colonizados. Nesses países, sob o domínio
colonial, as empresas eram contratadas para construir obras
de infraestruturas, principalmente ferrovias. Por meio de em-
préstimos realizados junto às metrópoles coloniais, os países
colonizados pagavam essas obras. Esses empréstimos gera-
ram uma grande dívida com as metrópoles, criando mais de-
pendência e dominação por parte das nações industrializadas.

Conforme escreve Hobsbawm (2003), a instalação de fi-


liais das empresas, oriundas das nações imperialistas nos pa-
íses colonizados, resolvia outro problema que assolava a Eu-
ropa no fim do século XIX, a alta concentração populacional
das cidades. O aumento populacional das cidades industriais
europeias era o resultado da migração dos camponeses, que
eram expulsos de suas terras, ou simplesmente abandonavam
as atividades agrícolas em busca de melhores condições de
vida. Esse grande exército de mão de obra reserva para as in-
dústrias tinha grande dificuldade para conseguir o seu susten-
to. Essa condição de extrema pobreza era o combustível para
a eclosão de constantes conflitos sociais. Por isso, o imperialis-
184    História Contemporânea do Século XIX

mo proporcionou, não apenas a exportação de excedentes de


capital, mas também a exportação de excedente populacional
para as colônias, aliviando, assim, tensões sociais internas.

Além da necessidade de ocupar regiões onde pudessem


reinvestir seus lucros, a indústria em expansão necessitava
constantemente ser abastecida de matérias-primas. O desen-
volvimento tecnológico agora dependia de matérias-primas
que, devido ao clima ou ao acaso geológico, seriam encon-
tradas em terras africanas, asiáticas ou latino-americanas. Um
exemplo dessa necessidade imposta pelo avanço econômico
foi a invenção do motor de combustão interna. Essa máquina
necessitava de petróleo e de borracha. O petróleo, em sua
maioria, ainda era extraído nos EUA e na Europa, mas, com o
crescente aumento da necessidade dessa matéria-prima, tor-
nou os campos petrolíferos do Oriente Médio um alvo das pre-
tensões das nações industrializadas. A borracha, um produto
exclusivamente tropical, era extraída nas florestas do Congo
e da Amazônia. Com o passar do tempo, a borracha passou
a ser cultivada na Malásia. O estanho provinha da Ásia e da
América do Sul. Os metais não ferrosos tornaram-se essenciais
para as ligas de aço exigidas pela tecnologia da alta veloci-
dade.

Mas Hobsbawm (2011) salienta que, independentemen-


te das exigências de uma nova tecnologia, o crescimento do
consumo de massa nos países metropolitanos gerou um mer-
cado, com rápida expansão, para os produtos alimentícios.
O mercado era dominado pelos produtos alimentícios básicos
como cereais e carne, agora produzidos de modo barato e em
grandes quantidades nas colônias europeias. Mas esse consu-
Capítulo 9   Imperialismo   185

mo também transformou o mercado dos produtos conhecidos


como bens coloniais como o açúcar, chá, café, cacau e seus
derivados. Com o desenvolvimento dos transportes e os pro-
cessos de conservação, as frutas tropicais e subtropicais pas-
saram a estar disponíveis nas mesas europeias e americanas.

Os britânicos, que haviam consumido 700 gramas de


chá per capita nos anos 1840 e 1,5 kg nos anos 1860,
estavam consumindo 2,6 kg nos anos 1890, mas isso re-
presentava uma média anual de importação de 102 mil
toneladas, contra menos de 45 mil toneladas. Enquanto
os britânicos abandonavam as poucas xícaras de café
que bebiam, para encher seus bules com chá da Índia e
do Ceilão (Sri Lanka), os americanos e alemães impor-
tavam café em quantidades cada vez mais espetacula-
res, notadamente da América Latina. No início dos anos
1900, as famílias de Nova Iorque consumiam meio quilo
de café por semana, Os fabricantes Quaker de bebidas
e chocolate da Inglaterra, felizes por distribuir bebidas
não alcoólicas, obtinham sua matéria-prima na África
Ocidental e na América do Sul. Os astutos homens de
negócios de Boston, que fundaram a United Fruit Com-
pany em 1885, criaram impérios privados no Caribe
para fornecer à América a antes insignificante banana.
Os fabricantes de sabão, explorando o primeiro merca-
do a demonstrar cabalmente a potencialidade da nova
indústria publicitária, se voltaram para os óleos vegetais
da África. (HOBSBAWM, 2011, p. 108 e 109)

A produção e o fornecimento desses alimentos, por meio


do sistema de plantations (grandes propriedades rurais dedica-
186    História Contemporânea do Século XIX

das à monocultura de exportação), condicionaram as econo-


mias das colônias a um único tipo de produto, ficando a mercê
da variação de seu preço frente ao mercado internacional. Por
exemplo, a Malásia era dependente da produção de borracha
e estanho, o Brasil do café, o Chile da produção de nitratos,
o Uruguai produção de carne, Cuba na produção de açúcar
e charutos.

Essa produção era realizada pela exploração da mão de


obra composta pelos nativos dos territórios colonizados, que
custava pouco e podia ser rapidamente substituída. Da mes-
ma forma que os trabalhadores industriais europeus, a mão
de obra colonial vivia em condições miseráveis, suportando
uma excessiva carga horária na tentativa de sustentar suas fa-
mílias. Essas populações faziam parte dos impérios coloniais,
mas não possuíam os direitos que a cidadania desses impérios
oferecia.

Outro grande motivo para a expansão colonial, além da


matéria-prima e da mão de obra, foi a procura de novos mer-
cados consumidores. Os empresários encaravam a elite colo-
nial como novos clientes em potencial. Mercados inexplorados
como a China e a África representavam grandes possibilidades
para direcionar a produção dos produtos industrializados das
nações europeias. Mas, conforme destaca Hobsbawm (2011,
p. 113), o ponto crucial:

da situação econômica global foi que certo número de


economias desenvolvidas sentiu simultaneamente a ne-
cessidade de novos mercados. Quando sua força era
suficiente, seu ideal eram “portas abertas” nos mercados
Capítulo 9   Imperialismo   187

do mundo subdesenvolvido; caso contrário, elas tinham


a esperança de conseguir para si territórios que, em virtu-
de da sua dominação, garantissem à economia nacional
uma posição monopolista ou ao menos uma vantagem
substancial. A consequência lógica foi a repartição das
partes não ocupadas do Terceiro Mundo. Num certo
sentido, tratava-se da extensão do protecionismo, que
ganhou terreno em quase todas as partes após 1879.
“Se vocês não fossem protecionistas tão teimosos”, disse
o primeiro-ministro britânico ao embaixador francês em
1897, “não nos achariam tão ávidos por anexar territó-
rios”.

Nesse sentido, o imperialismo foi um subproduto da eco-


nomia internacional baseada na rivalidade entre várias econo-
mias industriais concorrentes. Sendo assim, fica difícil separar
os motivos econômicos dos motivos políticos para a aquisição
de territórios coloniais. A aquisição de colônias se transformou
em um símbolo de status, independentemente do valor que a
posse das terras agregaria aos Estados europeus.

A Expansão Imperialista no século XIX: O


Colonialismo no Continente Africano e Asiático
Segundo Ellis Cashmore (2000, p. 130), o termo colonialismo
refere-se a “práticas, teorias e atitudes envolvidas no estabe-
lecimento e na manutenção de um império, sendo essa uma
relação na qual um Estado mantém efetiva soberania política
sobre um território tipicamente distante”. Nesse processo de
conquista, os colonialistas tiveram em mente um objetivo a
ser alcançado perante os colonizados, o objetivo de “civilizar”
188    História Contemporânea do Século XIX

a sua vítima, subordinando o outro às regras do seu Estado.


Após a conquista, novas formas de produção são introduzidas,
novas formas de poder e de relações de autoridade foram im-
postas e novos padrões de desigualdades se estabeleceram.
Esses padrões de desigualdade foram estabelecidos a partir
do olhar de estranheza do colonizador frente às diferentes his-
tórias, línguas, credos, cor de pele dos povos que vivam nos
territórios colonizados. Esse olhar “hierarquizante” do coloni-
zador frente ao colonizado estabelecia como verdade a crença
na diferença das raças para justificar a sua dominação.

Crenças racistas foram evocadas para justificar a ampla


exploração – os nativos faziam parte de uma espécie sub-
-humana e não podiam almejar serem tratados de forma
semelhante aos seus senhores. Mesmo os colonizadores
espanhóis e franceses, menos racistas, sustentavam que
apesar dos nativos serem humanos, eles se encontravam
numa posição tão baixa na escala das categorias das
civilizações que levariam gerações para chegar aos seus
pés. O racismo, portanto, foi altamente complementar
ao colonialismo. (CASHMORES, 2000, p. 131)

No colonialismo imperialista, os colonizadores, operan-


do de suas metrópoles, extraiam riquezas dos territórios co-
lonizados, utilizavam os nativos como mão de obra barata e
inundavam o mercado interno de suas colônias com produtos
industrializados. Nesse contexto, os principais territórios que
sofreram com a ação colonialista foram a Ásia e a África. Esses
territórios foram explorados por potências imperialistas como a
Inglaterra, a França, a Bélgica, a Alemanha, os Estados Unidos
e o Japão. No caso dos EUA, sua principal área de interesse
Capítulo 9 Imperialismo 189

foi a América Latina. Já o Japão estendeu a sua influência


conquistando alguns territórios na Ásia.

A partir do começo do século XIX, a Inglaterra lançou as ba-


ses da colonização na África. Os colonizadores ingleses foram
estimulados pela descoberta de jazidas de diamante e de ouro
na região da atual África do Sul. Essa descoberta gerou várias
disputas bélicas nessa região. Uma das principais consequên-
cias dessas disputas e da presença inglesa nesse território foi
o grave conflito racial que influenciou a política do Apartheid,
que esteve em vigor na África do Sul de 1948 até 1994. Além
da região da atual África do Sul, a Inglaterra, juntamente com
a França, controlava o Canal de Suez, importante rota de co-
mércio entre o continente africano, asiático e europeu.

Mapa francês de África (c. 1898) com as reivindicações coloniais. Posses alemãs a
verde; posses belgas a laranja; britânicas a amarelo; francesas a rosa; portuguesas
em púrpura; e a independente Etiópia a castanho. Domínio Público

O império britânico dominava a África Oriental, enquanto


a França tinha o controle dos territórios ocidentais. Além dos
britânicos e franceses, havia territórios do continente africano
controlados pela Bélgica, Espanha, Itália, Alemanha e por Por-
190    História Contemporânea do Século XIX

tugal. Só existiam dois territórios independentes na África que


ficara longe da disputa imperialista europeia, atual Etiópia e
a Libéria.

No início do processo de colonização, as potências indus-


triais europeias aceleraram os movimentos de ocupação das
regiões da África no intuito de impedir a presença de seus
concorrentes. Inicialmente, aquelas regiões do interior, ocu-
padas por florestas, ou as regiões desérticas, a princípio não
foram tidas como lugares de maior interesse imperialista. Mas
quando as nações imperialistas começaram a controlar essas
terras, que antes eram desprezadas, iniciaram os atritos entre
esses países sedentos por mais territórios e por mais áreas de
interesse.

Segundo Brunschwig (1993), com o objetivo de discutir a


questão dos territórios africanos, e no intuito de diminuir as
pressões e impasses diplomáticos entre as nações imperialis-
tas, reuniram-se em Berlim representantes da França, Alema-
nha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados
Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Holanda, Portugal, Rússia, Su-
écia, Noruega e Império Otomano em uma conferência. Na
Conferência de Berlim (1884-1885), foram abordados temas
desde a liberdade de navegação nos rios da África até a livre
circulação de mercadorias. Embora essas questões fossem im-
portantes, o principal objetivo da Conferência de Berlim foi a
negociação da partilha da África. A conferência foi uma vi-
tória da diplomacia alemã que selou de vez a sua entrada
na disputa por territórios africanos, colocando-se como rival
da Inglaterra na luta pela hegemonia colonial. A rivalidade
criada nesse período entre Alemanha e Inglaterra foi uma das
Capítulo 9   Imperialismo   191

principais causas das duas guerras mundiais. Embora o tema


da partilha não fizesse parte do documento final, cada país já
tinha ideia dos territórios da África que dominariam.

Os efeitos da partilha da África geraram profundas marcas


nas sociedades que viviam nesse continente. Foram criados
países e fronteiras artificialmente. Povos que eram inimigos
históricos foram obrigados a viver no mesmo espaço. Etnias
foram separadas de seus territórios sagrados pelo traço da ré-
gua e da caneta tinteiro do colonizador. Suas culturas foram
destruídas e tiveram que assimilar a cultura do europeu. Isso
não aconteceu de maneira pacífica, pois muitos povos pega-
ram em armas contra o domínio estrangeiro. Mas a tecnologia
bélica europeia sobressaía e pesava a favor dos colonialistas.

Conforme escreve Brunschwig (1993), na segunda metade


do século XIX, os interesses imperialistas alcançaram o Orien-
te. Nesse processo, países como o Japão e a China foram
forçados a abrir seus portos para as nações estrangeiras. Esses
países tinham uma política isolacionista em relação ao ociden-
te, rompida pela força do poderio naval americano e britânico
com o objetivo de atender aos interesses do capitalismo indus-
trial. Os países industrializados queriam no Oriente matérias-
-primas e produtos agrícolas para as suas indústrias. Outro
interesse nessas regiões orientais foi a criação de um novo
mercado consumidor para os produtos industrializados para
substituir os produzidos pela empresa artesanal.

Antes da expansão imperialista promovida pelas nações in-


dustrializadas da Europa no século XIX, o contato entre a Ásia
e o ocidente se resumia na relação estabelecida entre a mari-
192    História Contemporânea do Século XIX

nha mercante das nações europeias e os portos orientais. Mas


na segunda metade do século XVIII, os ingleses inauguraram
uma nova fase na conquista territorial, estabelecendo novas
áreas de influência comercial e política no oriente a partir da
conquista da Índia.

O poderio colonial britânico na Índia foi expandido de tal


modo que, na primeira metade do século XIX, já eram reco-
lhidos impostos, e o mercado interno indiano foi inundado
por produtos da indústria têxtil inglesa. Nesse período, dizia-
-se que “no império britânico, o sol nunca se põe.” Já que os
britânicos governavam territórios no ocidente e no oriente.
Mas, para garantir o poderio da coroa britânica na Índia,
havia grande presença de tropas. A maioria do contingente
militar inglês era composta por indianos que ficaram conhe-
cidos como Cipaios.

Os Cipaios se rebelaram contra as péssimas condições en-


contradas no exército e contra a dominação da coroa britâni-
ca, promovendo um dos primeiros movimentos contra a opres-
são estrangeira na Índia. Mas foram rapidamente reprimidos
e muitos de seus líderes foram executados. Ironicamente, o
movimento de resistência que conseguiu libertar a Índia da
dominação britânica só aconteceu a partir de um movimento
que pregava a desobediência civil de maneira pacífica e o
boicote contra os produtos ingleses com Mahatma Gandhi no
século XX.

Além da Índia, os ingleses expandiram a sua influencia até


a China, pois os britânicos descobriram um produto muito lu-
crativo que poderia ser explorado no chamado “Império Ce-
leste”, o ópio. Mas, devido aos malefícios da utilização desse
Capítulo 9   Imperialismo   193

entorpecente, altamente viciante, os governantes da Dinastia


Manchu proibiram o comércio da droga e promoveram uma
dura batalha contra o contrabando do ópio.

Essa medida afetava diretamente o bolso inglês. O atrito


entre os dois governos acabou resultando na Guerra do Ópio.
Os confrontos aconteceram em duas fases, com a primeira
acontecendo de 1839 até 1842, e a segunda fase de 1856
até 1860 com vitória dos ingleses. Após a vitória da Inglater-
ra, foi ampliado o controle político e econômico na região.
Os ingleses controlaram várias cidades portuárias chinesas,
estabelecendo o comércio com outros países europeus. Foi re-
estabelecido o comércio do ópio e iniciada a ação de missões
religiosas cristãs na China.

Com o controle e abertura dos portos chineses por parte


dos ingleses, potências imperialistas como a Rússia, os Estados
Unidos, a França, a Alemanha e o Japão se infiltraram e aca-
baram controlando várias partes do território chinês. Em res-
posta contra a dominação estrangeira na China, um grupo de
nacionalistas chineses conhecidos como “Punhos Fechados”,
ou Boxers, como ficaram conhecidos pelos ingleses, insufla-
ram uma série de revoltas e distúrbios contra a ação estrangei-
ra. Esse movimento, que ficou conhecido como a Guerra dos
Boxers, foi sufocado por uma coalizão militar formada pelos
exércitos de várias nações imperialistas que controlavam terri-
tórios na China.

Os franceses tentaram iniciar um processo de ocupação


na Índia que foi debelada pelas tropas da Inglaterra. Devi-
do a essa derrota, os franceses reorganizaram os seus planos
194    História Contemporânea do Século XIX

de dominação territorial concentrando o seu foco nas regiões


do continente asiático. Na segunda metade do século XIX, os
franceses passaram a controlar a Indochina, território que cor-
responde ao atual Vietnã. Estendendo seus domínios para os
territórios próximos à Indochina, como o Camboja e o Laos.
Os alemães e os norte-americanos também estavam presentes
na corrida colonialista. Essas duas nações estenderam os seus
domínios ultramarinos até as ilhas do Oceano Pacífico.

Recapitulando

ÂÂO imperialismo foi um sistema de dominação, que


abrangia o controle de mercados consumidores, junta-
mente com o controle político direto ou indireto de ter-
ritórios nos continentes africano, asiático e americano.
Muitas vezes, os Estados colonizados mantinham o seu
governo nacional, desde que aceitassem a presença es-
trangeira em seu território. Muitas vezes, essa aceitação
se dava por meio de ameaças militares.

Referências bibliográficas

BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do Pensamento Mar-


xista. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

BRUNSCHWIG, Henri. A Partilha da África Negra. São Pau-


lo: Perspectiva, 1993.
Capítulo 9   Imperialismo   195

CASHMORE. Ellis. Dicionário das Relações Étnicas e Ra-


ciais. São Paulo: Selo Negro, 2000.

HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. 15. ed. São Paulo: Paz


e Terra, 2012.

________________. A Era dos Impérios. 13. ed. São Paulo:


Paz e Terra, 2011.

________________. Da Revolução Industrial Inglesa ao Im-


perialismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2003.

Atividades

1) Sobre o imperialismo, assinale V (para Verdadeiro) e F


(para Falso).

( ) Para os marxistas, o imperialismo se refere a um pro-


cesso de acumulação de capital por um sistema so-
cialista monopolista, a partir de um mercado mundial
criado para esse fim.

( ) As raízes econômicas do imperialismo representavam


uma nova fase para o capitalismo. Essa nova fase ge-
rou a divisão territorial do mundo entre as grandes
potências industriais, criando assim um conjunto de
colônias formais ou territórios que passaram a viver
sob a influência dessas nações. Essa divisão territorial
foi capaz de gerar tanta rivalidade entre as potências
196    História Contemporânea do Século XIX

capitalistas, que foi uma das principais causas para a


eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914.

( ) O imperialismo foi um sistema de dominação que


abrangia o controle de mercados consumidores, junta-
mente com o controle político direto ou indireto de ter-
ritórios nos continentes africano, asiático e americano.
Muitas vezes, os Estados colonizados mantinham o seu
governo nacional, desde que aceitassem a presença
estrangeira em seu território.

( ) A expansão ultramarina das nações imperialistas acon-


teceu devido ao grande acúmulo de capitais, resultan-
te do seu desenvolvimento industrial. Os empresários
começaram a buscar alternativas de investimentos
para o seu excedente de capital. Ou seja, quando a
indústria começou a gerar os seus lucros exponenciais,
as nações mais industrializadas foram em busca de re-
giões onde esses recursos pudessem ser aplicados.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) V, F, F, V

d) V, F, F, F

e) F, V, V, V

2) Sobre o colonialismo no continente Africano e Asiático,


assinale V (para Verdadeiro) e F (para Falso).
Capítulo 9   Imperialismo   197

( ) O termo colonialismo refere-se a práticas, teorias e


atitudes envolvidas no estabelecimento e na manuten-
ção de um império, sendo essa uma relação na qual
um Estado mantém efetiva soberania política sobre um
território tipicamente distante.

( ) Após a conquista, foram mantidas as mesmas formas


de produção, a mesma estrutura de poder e de rela-
ções de autoridade dos povos autóctones. Os padrões
de igualdade foram estabelecidos a partir do olhar de
solidariedade do colonizador frente às diferentes histó-
rias, línguas, credos, cor de pele dos povos que vivam
nos territórios colonizados.

( ) No início do processo de colonização, as potências


industriais europeias empreenderam os movimentos
de ocupação das regiões da África de maneira lenta,
possibilitando a presença de seus concorrentes.

( ) Na segunda metade do século XIX, os interesses im-


perialistas alcançaram o Oriente. Nesse processo, pa-
íses como o Japão e a China foram forçados a abrir
seus portos para as nações estrangeiras. Esses países
tinham uma política isolacionista em relação ao oci-
dente, rompida pela força do poderio naval america-
no e britânico com o objetivo de atender aos interesses
do capitalismo industrial.

a) V, V, F, V

b) F, V, F, V

c) V, F, F, F
198    História Contemporânea do Século XIX

d) V, F, F, V

e) F, V, V, V

3) A Conferência de Berlim marca o(a):

a) Estabelecimento da unificação alemã.

b) Estabelecimento da unificação italiana.

c) Partilha da África entre as nações europeias.

d) Partilha da Ásia entre as nações europeias.

e) Partilha da América entre as nações europeias.

4) A expansão imperialista europeia na Ásia e na África du-


rante o século XIX objetivava:

a) A implantação de regimes políticos favoráveis à inde-


pendência das colônias africanas e asiáticas.

b) A busca de matérias-primas, a aplicação de capitais


excedentes e a procura de novos mercados para os
manufaturados.

c) O impedimento da evasão em massa dos excedentes


demográficos europeus para aqueles continentes.

d) A implantação da política econômica mercantilista, fa-


vorável à acumulação de capitais nas respectivas Me-
trópoles.

e) A necessidade de interação de novas culturas, a com-


pensação da pobreza e a cooperação dos nativos.
Capítulo 9   Imperialismo   199

5) Em resposta contra a dominação estrangeira na China,


um grupo de nacionalistas chineses insuflaram uma série
de revoltas e distúrbios contra a ação estrangeira. Esse
movimento foi sufocado por uma coalizão militar formada
pelos exércitos de várias nações imperialistas que controla-
vam territórios na China. Esse movimento anti-imperialista
ficou conhecido como:

a) Guerra dos Boxers

b) Guerra dos Cipaios

c) Guerra do Ópio

d) Revolta da Manchúria

e) Revolta de Pequim

Gabarito
1) e  2) d  3) c  4) b  5) a
Viviana Benetti

Capítulo 10

As Ideologias Políticas
do Século XIX

ÂÂ
A
o longo de nossa disciplina, estudamos as mudanças
sociais, políticas, econômicas da Europa do século
XIX. Dentre elas, um fator muito presente que levaram
às transformações: as ideologias. Estas foram surgindo,
transformadas, adaptadas pela sociedade durante esse
período.
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    201

Introdução

Nossa proposta é conhecermos um pouco sobre as principais


ideologias políticas que surgiram ao longo dos séculos XVIII e
XIX e influenciaram todo o século XX.

O conceito da palavra ideologia é um tanto controverso.


Segundo Andrew Vincent (1995), a palavra “ideologia” data
da época da Revolução Francesa, na década de 1770. A dis-
cussão tem início com o primeiro uso da palavra pelo filosofo
francês Antonie Destutt de Tracy. Passa pelo modo como Marx
a empregou, na década de 1840 e pelo ambíguo legado mar-
xista neste século.

O conceito de ideologia
Seguindo a classificação de Andrew Vicent (1995), o estudo
do conceito de ideologia pode ser dividido em quatro aborda-
gens: a) ideologia como uma ciência empírica das ideias; b)
como filiação a um republicanismo liberal secular; c) ou ideo-
logia entendida pejorativamente como esterilidade intelectual;
e d) ideologia como uma doutrina política em geral.

Na primeira abordagem, o termo ideologia foi criado a


partir das palavras gregas eidos+logos, ou seja, significando
ciências das ideias. Na busca de um novo significado, de Tracy
revelava uma postura anticlerical e materialista, muito próprias
da Revolução Francesa e do Iluminismo. O termo foi pensa-
do para designar uma nova ciência que tentava se afastar de
qualquer parentesco com a metafísica e com a psicologia. Em
outras palavras, pretendia-se criar uma ciência que estudasse
202    História Contemporânea do Século XIX

a origem natural das ideias, suas causas de produção a partir


das sensações.

Na segunda abordagem, alguns pensadores, associados


ao ideário da Revolução Francesa, passaram a ser identifica-
dos como ideólogues, um grupo político de intelectuais ricos
e liberais.

Na terceira abordagem, bonapartistas e os restauradores


franceses, começaram a taxar os ideólogues de intelectuais
estéreis, inaptos para a prática política, e mais, portadores
de sentimentos perigosos contra o trono e o altar. E, por fim,
“ideologia”, desde sua criação, semeou um significado pouco
preciso, de nomear qualquer doutrina política em geral.

Marilena Chaui (1980) destaca que De Tracy pretendia ela-


borar uma ciência da gênese das ideias, tratando-as como fe-
nômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano
com o meio ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculda-
des sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas
ideias.

O sentido pejorativo dos termos “ideologia” e “ideólogos”


veio de uma declaração de Napoleão em 1812: “Todas as
desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuí-
das à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com
sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a
legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conheci-
mento do coração humano e às lições da história.” Com isso,
Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos tinham de si
mesmos: eles, que se consideravam materialistas, realistas e
antimetafísicos, foram chamados de “tenebrosos metafísicos”,
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    203

ignorantes do realismo político que adapta as leis ao coração


humano e às lições da história.

O curioso é que se a acusação de Bonaparte é infundada


com relação aos ideólogos franceses, não o seria se se dirigis-
se aos ideólogos alemães, criticados por Marx. Ou seja, Marx
conservará o significado napoleônico do termo: o ideólogo é
aquele que inverte as relações entre as ideias e o real. Assim, a
ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da
aquisição, pelo homem, das ideias calcadas sobre o próprio
real, passa a designar, daí por diante, um sistema de ideias
condenadas a desconhecer sua relação real com o real.

Marx, em sua obra “Ideologia Alemã”, rotula pejorativa-


mente como portadores de uma “ideologia alemã” aqueles
que interpretavam o mundo filosoficamente, mas que não
demonstravam capacidade para transformá-lo. Com Marx, o
conceito de ideologia passa a se referir a uma ineficácia prá-
tica combinada com a ilusão ou perda da realidade causada
pela divisão do trabalho.

Na formulação marxista do materialismo histórico, os ho-


mens têm necessidade de subsistir, trabalhar, produzir; ao
contrapasso que os intelectuais e religiosos, para manter seu
status, buscam proteção das classes dominantes e, em troca,
oferecem-lhes justificativas intelectuais da ordem existente no
sentido da permanência da dominação de uma classe sobre
as demais.

As reflexões de Marx e Gramsci, no início do século XX,


apontam que a ideologia da classe dominante vulgariza-se no
senso comum do cidadão médio. Sendo assim, o poder não é
204    História Contemporânea do Século XIX

exercido necessariamente pela força física ou violência, mas,


por meio da cooptação das massas pela internalização da
concepção de mundo da classe dominante. Diante desse qua-
dro, Gramsci propõe aos intelectuais engajados com a luta de
classes a construção de uma ideologia “contra-hegemônica”
à burguesia.

Para Chaui (1980), o termo ideologia foi também empre-


gado, em um sentido próximo ao do original, por Augusto
Comte em seu Cours de Philosophie Positive. O termo possui
dois significados, por um lado, a ideologia como atividade
filosófico-científica que estuda a formação das ideias, a partir
da observação das relações entre o corpo humano e o meio
ambiente; por outro lado, ideologia passa a significar o con-
junto de ideias de uma época, tanto como “opinião geral”
quanto no sentido de elaboração teórica dos pensadores des-
sa época.

O positivismo de Augusto Comte elabora uma explicação


da transformação do espírito humano, considerando essa
transformação em um progresso ou uma evolução, na qual
o espírito passa por três fases sucessivas: a fase fetichista ou
teológica, na qual os homens explicam a realidade a partir de
ações divinas; a fase metafísica, na qual os homens explicam
a realidade por meio de princípios gerais e abstratos; e a fase
positiva ou científica, na qual os homens observam efetiva-
mente a realidade, analisam os fatos, encontram as leis gerais
e necessárias dos fenômenos naturais e humanos e elaboram
uma ciência da sociedade, a física social ou sociologia, que
serve de fundamento positivo ou científico para a ação indivi-
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    205

dual (moral) e para a ação coletiva (política). Para Comte, é a


etapa final do progresso humano.

Essas seriam as principais ideias sobre a origem do con-


ceito “ideologia”, e as discussões teóricas apresentadas pelos
intelectuais do período. Passamos então ao estudo de algumas
das principais ideologias políticas modernas, que surgiram no
final século XVIII e XIX, mas que influenciaram o século XX,
passando por transformações. São elas: o Liberalismo, o So-
cialismo e o Anarquismo.

O Liberalismo
Para fundamentarmos o conceito do pensamento Liberal, uti-
lizaremos a Obra de Andrew Vincent (1995), a qual o autor
apresenta as principais ideologias políticas modernas.

O primeiro sentido que se deu ao termo “liberal” foi para


se referir a um tipo específico de educação, abrangente e hu-
manística, com largueza de espírito e tolerância – virtudes típi-
cas do homem livre moderno. Mas ao lado desse, um segundo
sentido associava, de forma pejorativa, os liberais à libertina-
gem, à licenciosidade sexual, ao desrespeito às normas morais
e à tradição.

O primeiro uso político do termo foi feito na Espanha nos


anos de 1810 a 1820 para designar os Liberales, que prega-
vam um reformismo radical, secular e republicano contrário
aos interesses dos monarquistas. Contudo, foram a Revolução
Gloriosa Inglesa, 1680, a Revolução Americana, 1776, o Ilu-
206    História Contemporânea do Século XIX

minismo e a Revolução Francesa, 1789, que determinaram as


características e a difusão do liberalismo.

O liberalismo delineou-se como uma ideologia baseada


na defesa e na promoção das liberdades e direitos individu-
ais, na separação entre esfera pública e esfera privada, no
contrato como expressão da vontade, na limitação dos go-
vernantes e, por fim, na soberania popular. O pensamento de
John Locke ofereceu a base para os principais fundamentos do
liberalismo, quais sejam: o individualismo, os direitos naturais,
o Estado limitado. Nessa análise, devem ser observadas simul-
taneamente três dimensões:

Individualismo e propriedade privada


O individualismo é um conceito-chave do liberalismo. A natu-
reza humana é apreendida a partir da seguinte premissa: “o
indivíduo precede a sociedade”. Assim dito, para o liberalismo
clássico, o indivíduo encontra-se confinado em sua própria
subjetividade, a qual, por sua própria natureza, é inviolável.
Por isso, o primeiro direito natural do ser humano é a pro-
priedade sobre si mesmo e sobre seu corpo – sobre os quais
o único soberano é a razão do indivíduo, sendo ilegítimas e
contra a natureza toda e qualquer coação. “Ninguém pode
impor nada ao indivíduo”.

Mais tarde, desse raciocínio, deduzir-se-á que as extensões


do corpo também são extensões da subjetividade do próprio
indivíduo; portanto, será necessário estender a inviolabilidade
do indivíduo também para a propriedade desses objetos.
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    207

A partir desses fundamentos, correntes no século XIX, será


avaliado o entendimento de que “o propósito do homem é sua
própria autorrealização e seria pervertê-lo sacrificar-se pelos
outros, muito menos por uma entidade fictícia chamada ‘so-
ciedade’”.

A ideia de liberdade e de igualdade para o


liberalismo e suas implicações
A liberdade é um valor crucial para os liberais. Porém consi-
derar os liberais ideologicamente unidos por uma crença na
liberdade é um erro. O conceito que compreende a liberdade
negativa (abstenção de ser molestado), e para a positiva (ne-
cessidade de condições para o seu exercício). Para os liberais
clássicos, o homem é “livre” quando “livre de coação” sobre
sua pessoa ou sobre sua propriedade. Sendo o fim último, o
pleno desenvolvimento individual, a coação surge como a im-
posição de uma razão sobre outra, isto é, contraria a natureza
humana que é de ser igualmente livre e dotada de razão.

O liberalismo surge para a contestação do absolutismo,


o que o leva a identificar o Estado como o principal viola-
dor dessa liberdade. Mas uma vez definido que o Estado é
um “mal necessário”, é importante distinguir entre a repressão
justificável e a repressão injustificável. Uma possível hipótese
para discussão pode ser: entendendo que o Estado foi criado
com a função única de proteger o exercício da liberdade in-
dividual, o exercício da liberdade de um indivíduo não pode
se fazer à custa da liberdade dos outros. O que implica dizer
que será justificável intervir na sociedade e sobre o indivíduo
208    História Contemporânea do Século XIX

quando, para o exercício de sua liberdade, injustificadamente,


coagiu/reprimiu a liberdade de outros indivíduos.

Outro aspecto fundamental da liberdade é a livre iniciati-


va econômica. A economia, segundo os pressupostos liberais,
deve estar orientada para a satisfação dos interesses e para o
desenvolvimento do indivíduo. Adam Smith, cujas ideias foram
apropriadas pelos liberais, acreditava que havia um deísmo
otimista controlando os eventos aleatórios do mercado – a
mão invisível do mercado. Assim, a economia de livre merca-
do consistiria em um espaço regrado pelo próprio mercado no
qual se sobressairiam os mais capacitados, os mais disciplina-
dos. Essa ordem do livre mercado seria quebrada tão somente
pela constituição de monopólios ou pela regulação estatal, os
quais inviabilizariam a livre circulação dos agentes econômi-
cos e restringiria a autonomia da vontade.

Um dos pressupostos operacionais da liberdade econômi-


ca é a ideia de contrato, ou seja, a conjunção entre a livre
iniciativa e autonomia da vontade. Assim, indivíduos, porque
considerados iguais perante o ordenamento (igualdade for-
mal), podem livremente expressar sua vontade (livre iniciativa)
de se vincularem mutuamente segundo as regras formuladas
pelas partes (autonomia da vontade).

Destacam-se, assim, as razões históricas do liberalismo, as


quais explicam os contornos de sua teoria econômica: as revo-
luções burguesas lutaram basicamente contra os vínculos esta-
mentais e os obstáculos de circulação comuns à época feudal.
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    209

Justiça, individualidade e inviolabilidade


A crença na soberania individual e na inviolabilidade de sua
individualidade é um dos debates fundamentais dos liberais.
Para a realização plena do homem, bastava a não interferên-
cia do Estado ou de outrem na esfera privada do indivíduo? Se
for o caso, a igualdade concebida pelos liberais foi uma igual-
dade abstrata e formal, ou seja, bastava a ideia da igualdade
jurídica dos indivíduos para que cada qual, segundo suas ca-
pacidades e sua própria razão, buscasse a felicidade?

Outro aspecto crucial a ser apontado diz respeito aos crité-


rios distributivistas. Tais critérios são vistos como um arbítrio do
Estado contra a natureza das coisas na medida em que impu-
nha uma razão de um homem sobre todos os demais? Spencer
é enfático ao discorrer sobre a justiça, para ele “os incapazes,
os ociosos e os fracos deveriam ser eliminados, pois poupá-
-los, distribuindo-lhes recursos é um paternalismo inoportuno e
uma inversão do processo evolucionista” (VICENTE, 1995:52).
Aqui está uma das questões fundamentais da influência neoli-
beralista na conceituação de justiça distributiva.

Comumente, diz-se que o liberalismo é uma doutrina do


Estado limitado porque é um Estado com poderes limitados –
Estado de direito – e com funções limitadas – Estado mínimo.
No que toca à limitação de poderes, será avaliado como a
proposta liberal delineia, contraposto ao Estado absoluto an-
terior, um Estado de direito submetido às leis gerais do país
(como limite formal) e aos direitos naturais fundamentais cons-
titucionalizados (como limite material). Para o funcionamento
desse Estado, deve-se levar em conta a divisão dos três pode-
res, e o controle recíproco entre eles.
210    História Contemporânea do Século XIX

A pedra fundamental do liberalismo econômico costuma


ser identificada com Adam Smith, mais especialmente com a
publicação da obra “A Riqueza das Nações”, em 1776. Smith
afirma que o mundo seria melhor – mais justo, racional, efi-
ciente e produtivo – se houvesse a mais livre iniciativa, se as
atitudes econômicas dos indivíduos e suas relações não fos-
sem limitadas por regulamentos e monopólios garantidos pelo
Estado ou pelas corporações de ofício. Prega a necessidade de
desregulamentar e privatizar as atividades econômicas, redu-
zindo o Estado a funções definidas, que delimitassem apenas
parâmetros bastante gerais para as atividades livres dos agen-
tes econômicos. São três as funções do governo na argumen-
tação de Smith: A manutenção da segurança interna e externa,
a garantia da propriedade e dos contratos e a responsabilida-
de por serviços essenciais de utilidade pública.

Origem e contextualização histórica do


pensamento socialista
Etimologicamente, o termo socialismo tem sua origem em duas
palavras latinas, o que, inicialmente, já nos revela dois sentidos.
“Sociare” diz respeito ao compartilhar, ao companheirismo, à
comunidade. A segunda palavra latina, “societas”, refere-se a
indivíduos livres que firmam um contrato obrigando-se entre si.

Outros termos encontram-se intimamente ligados à ideo-


logia do socialismo. Vejamos alguns: a) o coletivismo consiste
em uma estratégia de uso do Estado de forma planejada e
centralizada no controle da economia e da sociedade civil; b)
o comunismo, termo que pode se referir: i) a uma organização
primitiva em que o consumo era regulado de forma igualitária;
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    211

ou ii) a uma etapa madura da revolução socialista, tal qual


descrita por Marx, em que não haveria mais classes nem Esta-
do; c) o termo social-democracia está mais relacionado com
a corrente do socialismo reformista, que propõe mudanças no
Estado capitalista para se alcançar objetivos socialistas.

A tipologia do pensamento socialista


Não se pode dizer que haja um e genuíno socialismo (nem
mesmo o marxismo), mas vários socialismos. Assim, Vincent
(1995) propõe compreender as origens do pensamento socia-
lista a partir de grupos:

a) Socialismo utópico: associado a Saint-Simon, Fourier


e Owen, pensadores estes que tentaram descrever, mi-
nuciosamente, e de fato projetar comunidades alterna-
tivas nas quais se superaria a exploração e imperaria a
harmonia entre os homens.

b) Socialismo revolucionário: materialismo histórico e


luta de classes: corrente de maior consistência teóri-
ca e política, identificada com o pensamento marxista.
Parte da análise histórica das sociedades, revelando
que as condições materiais econômicas conformam
a base de todas as estruturas políticas e sociais e a
própria consciência humana. Ou seja, as relações de
produção são os alicerces das superestruturas política,
jurídica e cultural. Nesse quadro, o Estado, como su-
perestrutura, reflete a luta de classes, conflito este que
surge com a divisão social do trabalho, é reproduzi-
do pelo uso privatístico da propriedade privada e que
212    História Contemporânea do Século XIX

encontrará seu termo final somente com a derrocada


revolucionária do capitalismo.

Como variante, temos as correntes “pluralistas” ou


sindicalistas, que atribuem o fracasso das experiências
socialistas ao fato de se ter atribuído unicamente ao
Estado a missão de programar o socialismo. Defen-
dem que o socialismo só terá lugar a partir de uma
“pluralidade” de agentes, e não somente o Estado.
Confia-se, então, a missão implementadora às asso-
ciações, grupos e sindicatos de trabalhadores. Aqui,
temos Lênin (todo poder aos soviets), Gramsci (gestão
sindical) e os anarquistas – todos propondo uma revo-
lução para além do Estado.

c) Socialismo reformista: surge no após 1945 em uma


onda revisionista dos preceitos marxistas. Apresentan-
do a social-democracia e o Estado de bem-estar social
como alternativas à revolução socialista, ou seja, pre-
tende por essas instituições alcançar os ideais socialis-
tas apesar de em um contexto de economia de merca-
do e de Estado liberal. Nos anos 90, com o fim da era
bipolar, a via reformista torna-se a opção hegemônica
para a implementação de ideais socialistas.

d) Socialismo de mercado: por contraditório que possa


parecer, entendeu, a partir do fracasso das experiên-
cias do socialismo reformista e do revolucionário no
século XX, que o mercado tem um poder alocatório
melhor que o apresentado pelo Estado. Acreditam que
não sendo o capitalismo sinônimo de mercado, esse
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    213

pode ser desacoplado dos objetivos capitalistas e re-


direcionado para a distribuição mais igualitária dos
bens. Têm uma profunda desconfiança da ação do Es-
tado e defendem que a tomada de decisão econômica
seja descentralizada. Associam a essa frente, tanto as
redes de solidariedade do cooperativismo comunitaris-
ta, quanto os programas neoliberais de políticas com-
pensatórias e de responsabilidade social empresarial.

O ideário da igualdade
A Igualdade é o valor crucial para os socialistas. Segundo os
pressupostos do materialismo histórico, a história humana é
marcada pelo conflito de classes, e para findar a exploração
do homem pelo homem, os socialistas defendem a revolução
proletária. Contudo, é importante destacar que, para os socia-
listas utópicos, era possível a constituição de uma sociedade
sem exploração, conciliando com a existência de diferenças,
hierarquias e classes desde que em uma ordem harmônica. Os
valores da ordem e da harmonia são, portanto, mais prioritá-
rios que a igualdade.

Para Marx, os argumentos e reivindicações por igualdade


consistiam em uma abstração ilusória do liberalismo burguês.
Lembrava que, em um primeiro momento, a luta proletária
consistia na defesa dos salários. Somente a partir de uma luta
política, organizada a partir do partido dos proletários, pode-
ria fazer frente ao sistema e ter suas demandas reconhecidas
em uma nova estrutura econômica e política.
214    História Contemporânea do Século XIX

Para o socialismo de mercado, a igualdade pode ser um


valor a ser defendido, porque aumentaria a eficácia do siste-
ma alocatício dos bens: em um mercado mais homogêneo o
fluxo de trocas não tenderia a se acumular em um ponto em
detrimento dos demais.

Por fim, é fundamental o debate entre igualdade e liberda-


de. Haveria uma relação causal entre ambas? Para alguns, a
liberdade é condição (meio) para se atingir a igualdade (fim);
para outros, a liberdade somente se realiza quando pressupõe
a igualdade entre os homens.

Nesse quadro de ideias, qual é o papel da igualdade?


Meio ou fim? Para os socialistas reformistas, a realização da
igualdade (fim) não se pode fazer à custa da liberdade (meio).
Contudo, para os revolucionários, a liberdade é uma ilusão
burguesa, pois somente se é verdadeiramente livre (fim) se livre
de exploração e dispondo de igualdade material (meio).

O pensamento anarquista
O anarquismo é um termo aplicado às correntes de pensa-
mento que defendem em comum uma forma de organização
horizontal e libertária em substituição do Estado e de toda for-
ma de hierarquia e autoridade. A palavra tem sua origem no
grego an (sem, ausência) + arkhê (governo). Contudo, na lin-
guagem comum, anarquia denota ora um modo de vida sem
Estado, ora a desordem total, o caos, um insulto.

Um aspecto a ser realçado é o primeiro uso do conceito


de anarquismo, feito por Pierre-Joseph Proudhon, em seu livro
“Que é a propriedade? Uma investigação sobre o princípio de
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    215

direito e de governo” (1840). Dessa obra, serão destacadas


como aspecto crítico as célebres frases: “Toda propriedade é
um roubo”. Anarquia: “A ausência de um mestre, de um so-
berano”.

Alguns pontos de interpretação do anarquismo devem ser


destacados: a) o anarquismo como uma disposição moral li-
bertária, a-histórica, difusa e universal inerente ao ser huma-
no; b) o anarquismo historicamente datado como um modo de
vida próprio das comunidades primitivas acéfalas; c) o anar-
quismo visto como um produto tardio do Iluminismo e da Re-
volução Francesa.

De acordo com Vincent (1995), algumas variantes da ide-


ologia anarquista se destacam, tais como:

a) Anarquismo individualista: o qual se aproxima do libe-


ralismo, tem como objetivo a realização total da liber-
dade do indivíduo e de seu projeto de vida – ambos
preexistentes à sociedade.

b) Anarquismo coletivista: seu principal defensor, Baku-


nine, propôs a coletivização dos meios de produção e
a distribuição segundo o critério do trabalho; acredita
em certa espontaneidade revolucionária, mas contrá-
rio ao cânon marxista. Criticou o comunismo de Esta-
do por ser uma proposta autoritária de socialismo.

c) Anarquismo comunista: acredita que a propriedade,


a produção e a habitação deveriam ser de domínio
comum, e a distribuição dos bens obedecer ao critério
da necessidade de cada qual. Kropoktin, seu princi-
216    História Contemporânea do Século XIX

pal representante, acreditava que a cooperação e a


solidariedade eram sentimentos inerentes à condição
humana.

d) Anarquismo mutualista: acreditam que a organiza-


ção política fundada no Estado seria substituída por
uma organização fundada nas relações econômicas.
Ou seja, os indivíduos se relacionariam por meio de
contratos econômicos mútuos, exceto no seio familiar,
onde permaneceria a hierarquia patriarcal. Conhecido
como “garantismo” ou “anarquia contratante” baseia-
-se na propriedade privada e no trabalho por conta
própria, sendo atingida uma sociedade justa quando
todos tiverem igual liberdade de contratar e cujos con-
tratos forem respeitados.

e) Anarco-sindicalismo: baseado no sindicalismo revolu-


cionário comprometido com a derrubada do Estado
e do capitalismo, utilizando-se como principal instru-
mento à greve geral e propunham uma forma de or-
ganização social baseada em uma federação de sindi-
catos de trabalhadores.

Crítica do Estado: autoridade e ordem


econômica
A unidade formal do pensamento anarquista está em buscar a li-
bertação do homem de toda forma de poder superior, seja sobre-
natural, política, econômica, jurídica ou social. E sendo o Estado
o principal órgão repressor, detentor do monopólio da violência,
deve ser abolido em favor da realização plena do homem.
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    217

Bakunine compreende que o Estado produz uma ordem


econômica desigual e autoritária, ou seja, inverte o modelo
teórico de Marx para apontar que a superestrutura político-
-jurídica reproduz sua autoridade na infraestrutura material.

A principal crítica anarquista ao Estado está na centralização


e monopólio da coerção e da violência. Surge então a questão
crítica: A existência de Estado implica a exclusão da liberda-
de? Para muitos anarquistas, o Estado é uma forma difundida
por intelectuais e sacerdotes para a negação da liberdade dos
indivíduos. Assim, o Estado constituía uma forma abominável
de coletividade, uma fase brutal do desenvolvimento humano.
Kropotkin assinalava que o Estado não destruía o indivíduo,
mas sim todas as formas de organização sociais, naturais e
harmoniosas. Por isso, a tarefa do anarquismo estava em enco-
rajar a reaparição dessas formas associativas naturais.

Recapitulando

ÂÂAs ideologias que surgiram ao longo dos séculos XVIII e


XIX influenciaram todo o século XX. O conceito da pala-
vra ideologia é um tanto controverso.

ÂÂA ideologia estuda a empiria das ideias, ou seja, as prá-


ticas sociais que se transformam em ideias, que movi-
mentarão as sociedades de forma dialética.

ÂÂAugusto Comte em seu Cours de Philosophie Positive


apresentou o termo com dois significados:
218    História Contemporânea do Século XIX

ÂÂA ideologia como atividade filosófico-científica que es-


tuda a formação das ideias, a partir da observação das
relações entre o corpo humano e o meio ambiente.

ÂÂA ideologia passa a significar o conjunto de ideias de


uma época, tanto como “opinião geral” quanto no sen-
tido de elaboração teórica dos pensadores dessa época.

Referências bibliográficas

CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Editora Bra-


siliense, 1980.

MARX, Karl. A Ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes,


2002.

VICENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Ja-


neiro: Jorge Zahar, 1995.

Atividades

1) Sobre a origem e a importância da palavra Ideologia no


século XIX, podemos afirmar: V (para assertivas verdadei-
ras) e F (para as assertivas falsas):

( ) Que pretendia-se criar uma ciência que estudasse a


origem natural das ideias, suas causas de produção a par-
tir das sensações.
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    219

(  ) Que foi pensada para designar uma nova ciência que


tentava se afastar de qualquer parentesco com a metafísi-
ca e com a psicologia.

(  ) A ideologia foi concebida como uma ciência empírica


das ideias.

(  ) Que elaboraram uma teoria para justificar as ações da


nobreza.

(  ) Que a ideologia se vulgarizou no século XIX.

A assertiva correta é:

a) V, V, V, F, V

b) F, V, F, V, F

c) V, V, V, F, F

d) V, F, V, V, F

e) Nenhuma correta

2) A palavra “ideologia” data da época da Revolução Fran-


cesa, na década de 1770. E a discussão sobre o primeiro
uso da palavra acontece com:

a) Karl Marx

b) Jean Jacques Rousseau

c) Jean Bodim

d) Antonie Destutt de Tracy

e) Auguste Comte
220    História Contemporânea do Século XIX

3) O termo ideologia foi empregado, em sentido próximo do


original, por Augusto Comte, em que, de um lado, a ide-
ologia estuda a formação das ideias, e, por outro lado,
significa o conjunto de ideias de uma época. Para Comte,
esse processo ocorre através da transformação do espírito
humano, a partir de três fases.

a) Metafísica, Dinâmica e Espiritual.

b) Positiva, Metafísica e Espiritual.

c) Teológica, Metafísica e Positiva.

d) Progresso, Ordem e Positiva.

e) Ordem, Progresso e Primitiva.

4) John Locke ofereceu a base para o pensamento Liberal.


Podemos dizer que o liberalismo delineou-se como uma
ideologia através da defesa e promoção das liberdades
e direitos individuais, na separação entre esfera pública e
esfera privada, no contrato como expressão da vontade,
na limitação dos governantes e, na soberania popular. A
partir dessa afirmativa, podemos considerar V (verdadeiro)
ou F (falso):

(  ) A Liberdade é um valor crucial para os liberais.

(  ) A crença na soberania individual e na inviolabilidade


de sua individualidade é um dos debates fundamentais dos
liberais.

(  ) É justificável a intervenção na sociedade e sobre o indi-


víduo quando, para o exercício de sua liberdade, injustifi-
Capítulo 10    As Ideologias Políticas do Século XIX    221

cadamente, coagiu/reprimiu a liberdade de outros indiví-


duos.

(  ) Desse Estado, deve-se levar em conta a divisão dos três


poderes, e o controle recíproco entre eles.

(  ) A igualdade é fundamental para os liberais.

a) V, V, V, V, F

b) V, F, V, V, F

c) F, V, V, F, V

d) V, V, F, V, V.

e) Nenhuma alternativa correta

5) O socialismo tem sua origem em duas palavras latinas:


“Sociare” – compartilhar, comunidade; e “societas” – in-
divíduos livres. Sobre a ideologia Socialista, encontramos
alguns termos intimamente ligados, quais sejam:

a) Socialismo utópico e de mercado.

b) Coletivismo, reformista e de mercado.

c) Social-democracia, comunismo e utópico.

d) Comunismo, revolucionário e reformista.

e) Coletivismo, comunismo e social-democracia.

Gabarito

1)
c  2) d  3) c  4) a  5) e

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