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1 INTRODUÇÃO
A América do Sul é uma das prioridades da política externa brasileira há mais de 20 anos.
A partir da reaproximação com a Argentina, iniciada ainda na ditadura militar, o primeiro
marco dessa orientação pode ser considerado a Declaração de Foz do Iguaçu, assinada em
1985 pelos presidentes José Sarney, do Brasil, e Raúl Afonsín, da Argentina. Esta declaração
foi a base da integração do Cone Sul e da futura constituição do Mercado Comum do Sul
(Mercosul) (PECEQUILO, 2008, p. 139).
1. Este foi o primeiro encontro dos países da América do Sul em seu território sem a presença dos Estados Unidos e de países europeus.
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2. Para mais detalhes sobre a atuação do Brasil no Haiti, ver Filho (2007).
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3 O SELA
É necessário reconhecer que, muito antes do surgimento da proposta da CELAC, houve uma
iniciativa similar por parte dos países da região. A primeira organização regional a incluir
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quase todos os países da América Latina e uma boa parte do Caribe, sem a presença de países
de fora da região, foi o Sela, criado em 1975, no Panamá, com a participação de 25 países
da região. O objetivo do Sela é promover a cooperação intrarregional e criar um sistema
permanente de consulta e coordenação entre os países da América Latina e do Caribe para a
adoção de posições e estratégias conjuntas no âmbito internacional, nos temas econômicos e
sociais (SELA, 2006, p. 4). Sua sede foi estabelecida em Caracas. Em sua análise da atuação
do Sela, Estenssoro (1994, p. 144-145) afirma:
Como organismo multilateral da América Latina, o SELA significa um avanço da região
na sua auto-organização, no sentido da convergência de suas políticas exteriores e do
alinhamento político das estruturas diplomáticas e organizações interestatais. A mera
existência de um organismo, pequeno mas eficaz, que se preocupa em estabelecer um
sistema permanente de consulta e coordenação entre Estados, prestando-lhes assessoria, já
é uma vitória da região, principalmente pela dimensão democrática que o SELA manifesta
desde a sua constituição.
O Sela se propunha, portanto, a ser mais que uma instituição que realizasse estudos
econômicos sobre a região, ou que promovesse sua integração, seu objetivo era se tornar um
espaço de concertação das posições dos países-membros nos fóruns internacionais e frente
a países de fora da região.
No entanto, durante toda a história do Sela houve sempre uma certa contradição entre
estes objetivos (ALZAMORA, 2000, p. 17-18). Nas principais questões internacionais das
décadas de 1970 e 1980, nas quais o Sela teve uma atuação ativa e relevante, o papel da
instituição enquanto espaço de concertação foi incentivado pelos países-membros, mas em
seguida foi esvaziado pelos mesmos. Tanto no caso do Comitê de Assistência à Reconstrução
da Nicarágua (ALZAMORA, 2000, p. 19), em 1979, quanto no caso da crise da dívida da
década de 1980 (ALEGRETT, 2000, p. 25-28) alguns países-membros do Sela acabaram
fortalecendo mecanismos paralelos de concertação, mesmo após terem apoiado o Sela como
espaço para esse esforço. Isso acabou enfraquecendo a posição do Sela.
A criação do G8, em 1986, significava a criação de um mecanismo permanente de
consulta e cooperação políticas (ALEGRETT, 2000, p. 27). Este era justamente o principal
mandato atribuído ao Sela. Em 1990, o G8 se torna Grupo do Rio. Com reuniões mais
informais de chefes de Estado e com quase todos os países da América do Sul, o México e
ainda um representante da América Central e um do Caribe, o Grupo do Rio acentuou a
crise do Sela como espaço de concertação regional.
Apenas nas negociações relativas à Rodada do Uruguai do Acordo Geral de Tarifas
e Comércio (GATT) o Sela conseguiu exercer um papel significativo de coordenação da
região. Como o Sela já atuava conjuntamente com o Grupo de Países Latino-Americanos
e do Caribe (GRULAC) em Genebra, este aceitou o Sela e a Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento – United Nations Conference on Trade and
Development – (UNCTAD) como apoiadores técnicos da região durante as negociações
(CASTILLO, 2000, p. 37).
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Esses processos de redução de custos e de redefinição das áreas de atuação do Sela sugerem,
por um lado, uma menor capacidade própria do Sela de lidar com uma grande quantidade de
temas de forma qualificada e, por outro, uma dispersão maior das áreas de atuação.
Essa avaliação é corroborada a partir de uma breve análise do Programa de Trabalho para
a Secretaria Permanente do Sela para o ano de 2010 (SELA, 2009). Nele pode-se constatar
que a instituição realiza uma ampla gama de estudos, relatórios, cursos, eventos e seminários,
em áreas que vão desde integração da infraestrutura até proteção de conhecimentos tradi-
cionais, passando pela prevenção de desastres naturais e tecnologia da informação. Mesmo
o programa mais estruturado, o Programa Ibero-Americano de Cooperação Institucional
para o Desenvolvimento da Pequena e Média Empresa (IBERPYME), possui atividades em
uma multiplicidade de áreas.
Avalia-se que essa grande heterogeneidade e multiplicidade de iniciativas pode ser iden-
tificada como um dos principais fatores que explicam a perda de relevância do Sela enquanto
um organismo que promova a integração o desenvolvimento regional e a coordenação das
posições dos países no cenário internacional. Verifica-se, ainda, uma duplicidade de esfor-
ços em boa parte dos assuntos tratados pelo Sela, que já são vistos por outras organizações
internacionais de forma mais qualificada e mais reconhecida.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A América do Sul tem sido a prioridade da política externa brasileira desde a década de 1980.
A partir do início dos anos 2000, no entanto, essa prioridade tem passado por um processo de
deslocamento, englobando a América Latina e o Caribe. A iniciativa brasileira de convocação
da CALC e a constituição da CELAC são as evidências mais concretas desse movimento.
A primeira organização internacional multilateral a incluir a maioria dos países da
América Latina e do Caribe, no entanto, tem tido pouca relevância ao longo de todo esse
período. O Sela tem realizado uma grande quantidade de estudos e eventos em uma multi-
plicidade de áreas, mas sua importância para a integração regional tem sido reduzida.
O Sela, no entanto, tem o potencial de cumprir um papel de relevo na política externa
do Brasil para a promoção da integração e do desenvolvimento da região. Para isso, é ne-
cessário que o Sela defina uma agenda mais específica e uma abordagem mais consistente e
coerente. A integração do Sela como órgão da CELAC oferece uma boa oportunidade para
que esse processo se realize.
REFERÊNCIAS
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ALZAMORA, C. Our responsability before history. Twenty-five years of SELA: an assessment,
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www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292010000300002&lang=pt>
ESTENSSORO, L. O Sistema Econômico Latino-Americano (Sela): integração e relações
internacionais (1975-1991). Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo,
1994.
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