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16 Revista de Educação

1997, Vol. I, n° 2, 47 - 64

A universidade e a estmturação da
"cidadania regulada pela estratificação
,s ocupacional do trabalho,,1
1.
). Olinda Maria Noronha2

.
o
I.
o processo histórico que se instalou de Por outro lado, as classes populares dado
1930 em diante pode ser caracterizado como o seu caráter heterogêneo pareciam não ter con-
e
sendo tanto de crise política quanto de rede- dições de exercerem por si próprias uma pressão
finições do desenvolvimento econômico. No suficiente para ter uma maior participação no
interior deste frágil equilíbrio o processo de processo político.
,:
democratização do Estado acabou apoiando-se As classes populares sempre foram per-
em algum tipo de autoritarismo. Este autorita- cebidas como problema pelos grupos dominan-
) tes. A transferência dos conflitos da esfera
rismo foi num primeiro momento "insti-
tucional" (período da ditadura de Getúlio policial para a esfera do direito social é o
Vargas, de 1930 a 1945) e num segundo mo- primeiro passo na tentativa de controlar e de
mento "patemalista carismático (pós 11Guerra produzir uma "cidadania" que vai estar forte-
Mundial). mente articulada à política e às reformas edu-
O que se observa neste período é sobre- cacionais que vão passar a conter embutido um
tudo um difícil equacionamento das relações conceito de "cidadania regulada pela estratifi-
elites - massas junto às reivindicações das cação ocupacional". 3
classes médias por "representação e justiça" A idéia de uma cidadania abstrata pau-
que se formulavam dentro dos princípios li- tada no liberalismo clássico vai gradativamente
berais da Constituição de 1891 - horizonte sendo substituída por uma cidadania estratifi-
ideológico das oligarquias. cada, na medida em que a sociedade se urbani-
O agravamento do processo de crise se zava, se tornava mais complexa. Neste
deu também devido à incapacidade das classes contexto, o dilema entre a demanda por esco-
médias e dos industriais em substituir as oligar- larização como mecanismo legitimador do
quias agrárias nas funções do Estado (crise de lugar que a pessoa vai ocupar na estratificação
hegemonia). A aliança Liberal, por outro lado, social,bem comoos instrumentoscontroladores
visava atender minimamente às aspirações dos dessa ascensão vai setomar mais agudo,expres-
setores populares buscando até mesmo anteci- sando-se de forma contundente nas reformas
par-se a um possível movimento popular. educacionais do período.
I. Este trabalho é parte das reflexões desenvolvidasna Pesquisa: "História do Ensino Superior Brasileiro:análise
das contradições entre cientificismo, humanismo e política; entre 'carência e privilégio': entre monopólio e
distribuição do conhecimento."
2. Professora da Faculdade de Educação da PUCCAMP; Professora convidada da Faculdade de Educação da
UNICAMP.
3. Expressão desenvolvida por Santos, Wanderley Guilherme dos. Cidadaniae Justiça: a política social na ordem
brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1987.Consultar também: Paoli, Maria Célia: "Os trabalhadores urbanos
na fala dos outros" In: Cultura e Identidade Operária. (org.) José Sérgio Leite Lopes. Rio de Janeiro: UFRJ;
Museu Nacional; Marco Zero; Proed, 1987.
Olinda Maria Noronha 48

Como observa XAVIER4 "A doutrina que, em grande parte da população que precisa
liberal, instrumento de luta da burguesia contra ser higienizada, homogeneizada para depois ser
o Antigo Regime, fundava-se nos princípios da educada. Do ponto de vista social há igualdade.
individualidade, da liberdade, da propriedade, A proposta da "escola única diferenciadora",
da igualdade e da democracia. Opunha à ordem parte integrante do ideário da escola burguesa,
'iníquia' que combatia, fundada na vai permitir, pela igualdade de oportunidades
desigualdade 'herdada', à ordem capitalista, que todos se desenvolvam, desde que tenham as
que, respeitando as desigualdades' naturais' , se condições biológicas para tal.
consubstanciavanuma sociedade hierarquizada As propostas dos higienistas vão estar
porém justa e para tanto 'aberta'. A noção de fundadas na primeira concepção, pré-requisito
sociedade aberta, concebível apenas numa or- para a tarefa homogeneizadora e civilizatória da
dem econômica caracterizada por uma diversi- Primeira República.5
dade crescentemente complexa de tarefas, A esse respeito, XAVIER, 6 acrescenta
funções e papéis sociais, implicava a possibili- que (...)" até os anos 10 deste século, a política
dade de mobilidade social com base nos 'méri- educacional brasileira, concretizada na legis-
tos individuais'. Daí, como conseqüência lação do ensino, revelou o predomínio absoluto
lógica, o pensamento liberal desembocou na das exigências sociais relativas ao ensino supe-
defesa da 'Escola Pública, Universal e Gra- flOr.
tuita', como condição indispensável para a ga- A partir de então, verificou-se um redire-
rantia da igualdade de direitos e oportunidades cionamento das pressões sociais e a emergência
que justificava, em última instância, a de uma demanda pelo ensino popular. Mas, ao
desigualdade social 'justa' porque 'natural'. As contrário do que poderia se supor, dadas as
implicações educacionais da nova doutrina, transformações que se operavam no mundo do
portanto, ultrapassavam o âmbito das exigên- trabalho, essa demanda apresentava ainda um
cias do desenvolvimento técnico-científico, caráter predominantemente político.
sustentando a própria legitimidade das novas A bandeira da universalização da escola
instituições econômicas e sociais".
era empunhada por progressistas das camadas
A pedagogia da "Escola Nova" nos anos
superior e média à cata de alianças com setores
20 já expressava através de seus intelectuais a
populares e embalados pelo ideário político
"solução" para o problema da demandacadavez
moderno. Era levantada ainda pelos conser-
maior por educação, por parte das camadas
vadores, preocupados com o controle das
populares.
camadas populares, principalmente diante da
A pedagogia da "Escola Nova" assen-
ameaça representada pelos imigrantes, que de-
tava-se na desigualdade entre os homens como
veriam ser integrados aos "valores e costumes"
"indivíduos". Neste sentido, as diferenças eram
nacionais. E, finalmente, pelos movimentos ope-
apresentadas como sendo naturais, biológicas.
Estas diferenças incidem, seguindo esse enfo- rários do período, bastante significativos, que

4. Xavier, M. Elizabete. SP. Capitalismo e Escola no Brasil. Campinas: Papirus, 1990. p. 60-61.
5. A respeito da proposta higienista de educação no período da Primeira República, consultar: Rocha, Heloísa
Helena P. Imagens do Analfabetismo: a educação na perspectiva do olhar médico no Brasil dos anos 20,
dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação UNICAMP, 1996.
6. Xavier, M. Elizabete S.P. (et. aI.) História da Educação: a escola no Brasil. S. Paulo: FTD, 1994,p. 116.
8
A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela ... 49

a
r exigiam a universalização dos direitos de ci- campo educacional, através dos instrumentos
" dadania, entre eles o acesso à instrução. legais embutidos nas reformas que ocorreram
, À medida que a transição avança,já nos no primeiro período republicano, após 1930
,
L, anos 20, esse sentido político conferido à esse processo irá se acentuar e se aprofundar.
s questão escolar vai sendo gradativamente neu- Podemos dizer que até os anos 30, o
s tralizado. As camadas populares acabam caindo princípio regulador da economia era o do lais-
na armadilha que Ihes lançava a ascendente sez-faire. Este princípio, fundadono liberalismo
r burguesia industrial, através de seus intelec- clássico, iria definir o comportamento dos in-
o tuais. Era o oportuno movimento da "Escola divíduos em todos os campos da vida social
a Nova", que incorporava as reivindicações edu- entre eles, o educacional até mais ou menos os
cacionais populares, no discurso, e resolvia o anos 30.
a problema da formação das novas elites, na A esse respeito, Santos8observa que (...)
a prática. "seria um erro considerar que os defensores do
,. Foi quando o chamado "Entusiasmo pela mercado" como alocador de recursos e recom-
o Educação", que tomara conta dos políticos e pensas supusessemque, como resultado final de
:- intelectuais que viam a escolaridade como um sua operação, se obtivesse uma sociedade per-
instrumento estratégico dentro de qualquer pro- feitamente igualitária. O que estimavam sim é
'- jeto social, deu lugar ao "Otimismo que a distribuição de benefícios, em qualquer
a Pedagógico".Assim acabou sendo denominado sociedade, deveria refletir a distribuição dife-
o o ativo movimento dos "especialistas em edu- renciada de capacidadese talentos, em oposição
s cação" que transformaram o debate educacional à estratificaçãofundadanos mecanismosde coope-
o numa mera discussão pedagógica". ração familiar, próprios da corporação de
n No entanto essa inflexão sofrida pelo de- ofícios que antecedera ao mercado como forma
bate educacional ao final do primeiro período de organizar a produção. A utopia de organizar
a republicano vai se constituir numa estratégia a sociedade de acordo com os indicadores do
s eficiente e invisível de monopolização do co- "mercado", estimulada pelo início da produção
s nhecimento. mercantil generalizada do século XVIII, e que
o A análise realizada por Gentili7 mostra só será viabilizada pela revolução industrial que
'- que (...) com o advento do capitalismo, a luta ocupa a primeira metade do século XIX, não
s pelo conhecimento toma especial relevância, almejava a constituição de uma sociedade na
constituindo um dos componentes centrais da qual todos, por igual, dispusessem da mesma
a
dinâmica de exploração que caracteriza essas quantidade de bens e serviços disponíveis, mas
" sociedades. Com efeito, a luta pelo controle e o ironicamente, que a cada qual fosse destinada
monopólio dos saberes socialmente significa- magnitude de bens e serviços de acordo com
tivos fazem parte do completo processo de acu- suas capacidades.
e
mulação e autoexpansão do capital". Tratava-se, em sua estrita acepção de
Se o processo de monopolização dos co- uma utopia meritocrática, fundada na crença de
;a nhecimentos socialmente significativos vinha que o problema da igualdade restringia-se à
J, de uma forma ou de outra sendo praticado, no possibilidadede que todos os cidadãos tivessem
7. Gentili,P. "Robin Hood,el mercadoy otroscuentosde hadas:concentracióneconômicay monopóliodeI
conocimientoen el capitalismopós-fordista".Riode Janeiro:UFF.,1993,p. 10(textooriginal).
8. Santos,W.G.Dos.op. cit.,p. 15-16e capo4.
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acesso aos recursos que os armanam para a mica requisitando um papel mais definido por
competição no "mercado" e na crença de que o parte do Estado, ou seja, de intervenção na
jogo desimpedido da oferta e da procura seria ordem da acumulação capitalista, vamos obser-
suficiente para premiar os mais capacitados. var uma inflexãono conceito de cidadania e nas
Associados a qualquer concepção meritocrática políticas educacionais no período posterior a
resistem, solidamente, o suposto de uma 1930,que presidiu à reorganização do processo
desigualdade natural entre os homens e o juízo acumulativo,pois este formato deitará raízes na
de valor de que tal desigualdade transparece no ordem social brasileira com repercussões na
I'
"mercado" e não deve, sob pena de cometer-se cultura cívicado paíse até mesmo nos conceitos
injustiça equivalente, ser transtornada por inter- e preconceitos das análises sociais correntes.
venções do poder político, sob pressão de "fra- A partir destas constatações, Wanderley
cassados" ou, comparativamente, "incom- Guilherme dos Santos sugere uma categoria
petentes" cidadãos.A sociedade resultante será, básica para a compreensão da política
certamente, permeada por desigualdades, econômica-social brasileira pós 1930. Essa
porém "tratar-se-á de desigualdades naturais categoria ou "conceito-chave" é o de "cidadania
que não incumbe ao Estado remediar". regulada" .
O princípio da igualdade natural entre os (...) "Por cidadania regulada entendo o
homens vai estar na base das concepções de conceito de cidadania cujas raízes encontram-
educação da República Velha bem como da se, não em um código de valores políticos, mas
formulação de um conceito de cidadania abs- em um sistema de estratificação social, e que
trato, espontâneo e desarticulado de um projeto ademais, tal sistema de estratificação ocupa-
de modernidade onde a idéia de eqüidade social cional é definido por norma legal. Em outras
fosse colocada como questão central. (...)". O palavras, são cidadãos todos aqueles membros
princípio da não regulamentaçãodas profissões, da comunidade que se encontram localizados
capítulo importante do tratado "Iaissez-fairi- em qualquer uma das ocupações reconhecidas
ano" da organização social, será reafirmado
e definidas em lei. A extensão da cidadania se
pela Constituição Republicana de 1891, que
faz, pois, via regulamentação de novas
consagrará seu parágrafo 24, artigo 72, mesmo
profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar,e
após a revisão constitucional de 1926, ainda
mediante ampliação do espaço dos direitos as-
uma vez, a liberdadedas profissões, arcaico eco,
sociadosa estas profissões, antes que por expan-
em pleno século XX, do ideário anticorporativo
são dos valores inerentes ao conceito de
do século XVIII, como observa Santos.9 membro da comunidade. A cidadania está em-
O princípio da não-regulamentação das
butida na profissão e os direitos do cidadão
profissões e da não-necessidade de diplomas
restringem-seaos direitos do lugarque ocupa no
para o seu exercício foi um dos problemas cen-
processo produtivo, tal como reconhecido por
trais do início do período republicano consti-
tuindo-se em um dos elementos básicos das lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos
aqueles cuja ocupação a lei desconhece. (00')A
reformas educacionais do período.
Na medida em que a orientação do pro- associação entre cidadania e ocupação propor-
cesso de acumulação passou a pautar-se pelo cionará as condições institucionais para que se
caminho da diferenciação da estrutura econô- inflem, posteriormente, os conceitos de margi-
nalidade e de mercado informal de trabalho (...).
9. Santos,W.G.op. cit.p. 16.

l
--- --

A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela n. 51


o

r A permanente pressão por parte dos mais também a estruturá-Ia, criando as condições
variados setores da sociedade brasileira, tendo para que o processo de acumulação pudesse
a
em vista a regulamentação de suas ocupações desenvolver-se de forma rápida e eficiente. Este
testemunha até onde o conceito subliminar de modelo de acumulação conhecido como
cidadania regulada disseminou-se na cultura fordista e keynesiano tinha como fundamento a
cívica do país. A origem deste "achado" de concentração das decisões, da produção, da dis-
engenharia institucional encontra-se na prática tribuição e do consumo, a produção de grandes
revolucionária pós-30, sendo esta uma das prin- estoques, o planejamento, a produtividade as
cipais brechas que se abrem na ideologia "Iais- promessas da política de pleno emprego; o cres-
sez-fairiana", permitindo, ao mesmo tempo, a cente endividamento e crescimento da máquina
criação de um espaço ideológico onde a ativa burocrática do Estado articulado ao Estado-do-
interferência do Estado na vida econômica não Bem-Estar Social.
conflita com a noção, ou a intenção, de pro- O crescente papel do Estado na econom ia
mover o desenvolvimento de uma ordem funda- era algo almejado por amplos setores da bur-
mentalmente capital ista" .1o guesia emergente e não aconteceu de forma
A legitimação da "cidadania regulada messiânica no pós-30 mas veio se estruturando
pela estratificação ocupacional" vai expressar- como um processo ao longo da República Velha
se nas reformas de ensino do período dentro da ( 1888-1930).
perspectiva da definição legal das reformas do No campo ideológico vamos encontrar
ensino superior, do ensino secundário, bem vários ideólogos, que desde o início do século,
como das reformas das áreas chamadas profis- passando pela Primeira República (muitos deles
sionalizantes. foram a ocupar postos-chaves no pós-30), nunca
Tais reformas vão terminar por con- viram com bons olhos o papel secundarizado do
Estado na economia bem como a descentrali-
sagrar, como veremos a seguir, o princípio
básico da educação burguesa, qual seja, o da zação administrativa. Os que mais se desta-
"unificação diferenciadora" que está afinado caram neste debate ideológico foram Alberto
com o da "cidadania reguladapela estratificação Torres, Azevedo Amaral, Oliveira Vianna, Fer-
nando Azevedo, Francisco Campos e Lourenço
ocupacional". Estes princípios vã,oestar sendo
legitimados no interior de um contexto cres- Filho. Estes dois últimos tinham um projeto
cente de monopolização dos conhecimentos so- claro para o Brasil no interior da proposta de
cialmente significativos. associação entre educação e desenvolvimento e
Como vimos, com a redefinição do papel passaram a ocupar cargos estratégicos no pós-
do Estado,que deixa de pautar-sepor uma orien- 30: Francisco Campos como ministro da Edu-
tação fundada no livre jogo do mercado ("Iais- cação e Lourenço Filho como diretor do mOR T
sez-faire"), passamos no pós-30, a ter a (Instituto de Organização Racional do Tra-
organização da economia e da sociedade sub- balho ).
metidas a um Estado centralizador. Este passa a A passagem do chamado laissez-faire na
intervir não só na ordem da acumulação como economia para um Estado regulador e interven-
10. Santos, W. G. op. cit. p. 68.
Ver também Noronha, O. M. "A Constituição da classe trabalhadora na primeira República (1889-1930): a
produção da nação ideológica de trabalho e educação". Revista Pró-posições. Faculdade de Educação.
UNICAMP: Cortez Editora, n° 2 Julho 1990.
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tor no processo de acumulação capitalista não antes de 1930, por iniciativa dos próprios ope-
se desenvolveude formaestável e semconflitos. rários.
Várias foram as causas que levaram a ISSO. Gradativamente,contudo, o conceito e as
Dentre elas podemos destacar: possibilidades de materialização da cidadania
vão sendo transferidos da esfera social para a
a. Um dos entraves estava na diferenciação in-
esfera da produção.
dustrial e na forma de desempenho do mercado
Como observa Santos!! (...) "a regula-
laissez-fairiano que se mostrava insuficiente
mentação das profissões, a carteira profissional
para fazer avançar a ordem da acumulação capi-
e o sindicato público, definem, assim, os três
talista;
parâmetrosno interior dos quais passa a definir-
b. As relações capital-trabalho tinham uma se a cidadania. Os direitos dos cidadãQs são
história conflituosa e um tratamento inade- decorrência dos direitos das profissões e as
quado pelo Estado e pelos empresários. (Após profissões só existem via regulamentação esta-
o ano de 1923 várias tentativas foram feitas no tal. O instrumentojurídico comprovante do con-
sentido de regulamentar o processo de acumu- trato entre o Estado e a cidadania regulada é a
lação e o disciplinamento da força de trabalho, carteira profissional que se torna, em realidade,
sem produzirem contudo um efeito significa- mais do que uma evidência trabalhista, uma
tivo: lei de férias, regulamentação do trabalho certidão de nascimento CÍvico."
de mulheres e crianças, jornada de trabalho, lei Desta maneira, os direitos saem da esfera
sobre segurança e higiene no trabalho etc.). social e passam a ser arbitrados pela esfera da
Inclusive estes eram também os principais itens produção sob a intervenção do Estado.
das demandas dos trabalhadores e sobretudo das O Estado passa, então, a arbitrar os con-
greves operárias que se sucediam e se tornavam flitos capital-trabalho e a regular a eqüidade
cada vez mais freqüentes no período. As res- social: política trabalhista, carteira de trabalho,
postas eram sempre acompanhadas da intensifi- Consolidação das Leis Trabalhistas (1943) são
cação da repressão. exemplos concretos da ação do Estado neste
momento.
Após o ano de 1930 vamos observar uma É dentro deste quadro que vamos obser-
inflexão neste tipo de resposta do Estado aos var a mudança no conceito de cidadania a que
conflitos capital-trabalho. A gestão da força de já nos referimos anteriormente. O conceito de
trabalho passa, então, a ser orientada por meca- cidadania deixa de ser abstrato (articulado ao
nismos reguladores compensatórios das ideário liberal clássico de direito natural, em
desigualdades. Este fenômeno do "Estado que a igualdade-desigualdade é inerente à
doador" deve ser entendido como fenômeno natureza humana) e passa também a ser definido
resultante das pressões dos trabalhadores (ainda como "cidadania regulada pela estratificação
que fracamente organizados) pelo cumprimento ocupacional".
de seus direitos. Os trabalhadores urbanos desde Dentro deste novo conceito a educação
antes de 1930 vinham aprendendo no processo vai estar articulada, como vimos anteriormente,
social a buscar espaços de cidadania. As CAPS não mais a um código de "valores políticos ou
- Caixas de Aposentadorias e Pecúlio - surgem éticos", mas em "sistema complexo de estratifi-
cação ocupacional" que são definidos legal-
11. Santos, W.G. dos, op. cito p. 69. mente. Daí, a preocupação dos legisladores em

iL
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educação da época em propor reformas que retomar a própria trajetória do desenvolvimento


demarcassem claramente os limites e as possi- social do capitalismo que produz em seu pro-
bilidades de cada profissão. Isto porque a partir cesso, de forml simultânea, a unificação e a
da concepção de "cidadania regulada", são con- diferenciação social.
siderados cidadãos aqueles membros da comu- Diferenciação, por pressupor um com-
nidade que se localizam em qualquer das plexo processo de diferenciação do trabalho e
profissões reconhecidas e definidas por lei. de distribuição desigual das contingências e re-
A extensão da cidadania, desta maneira, compensas sociais. Esse processo termina por
começa a ser definida não mais a partir de uma refletir na organização escolar que também
concepção abstrata mas através da regulamen- tende a se diferenciar e a se particularizar,
tação de novas profissões e/ou ocupações e me- transformando o sistemaescolar numa estrutura
diante a ampliação dos direitos associados a com complexas graduações e vários tipos de
essas profissões. ensmo.
Isso equivale a dizer que a cidadania pas- Unificação, porque demanda processos
sou a estar embutida na profissão e, os direitos normativos e políticos de regulamentação das
do cidadão, restrito ao lugar que ele ocupa no diferenças advindas da divisão social do tra-
processo produtivo. Infere-se, daí, que tornam- balho. A unificação expressa-se como uma
se pré-cidadãos todos aqueles cuja ocupação a forma ideológica de organizar a sociedade por-
lei não estiver contemplando. Seriam pré-ci- que se desenvolve sob a hegemonia burguesa.
12
dadãos, por exemplo, todos os trabalhadores Como afirma Machado "a proposta
rurais e urbanos que embora estivessem no burguesa de unificaçãoescolar pretende realizar
processo produtivo, não tinham suas ocupações a unidade nacional pelos princípios da univer-
ou profissões devidamente regulamentadas pelo salização do ensino e de supressão de barreiras
Estado. nacionais, culturais, raciais e do acesso à
Que implicações esse conceito de "ci- escola" .
dadania regulada pela estratificação ocupa- A unificação escolar é portanto diferen-
cional" teria para a educação? ciadora pois pressupõe um processo de organi-
A categoria "cidadania regulada" que zação e de seleção, onde o "mérito" é o critério
levou a direcionar a constituição do perfil do fundamental de distribuição das pessoas na
cidadão deste período em diante vai se constituir pauta da estratificação ocupacional e social.
em um dos elementos que fundamentarão o O que se materializa, então, é a prática de
caráter extremamente ramificado e estratificado uma escola única diferenciadora, que se traduz
da organização do ensino no pós-3D. numa formação dualista e unilateral por um
Que pressupostos conceituais estariam lado, e, no ajustamento imediatista e utilitarista
na base de um tipo de organização escolar que à divisão técnica e social do trabalho, de outro.
consagra uma educação que desenvolve uma A forma como se organiza o ensino ex-
ação contraditória: a de ser, em sua forma, uni- pressa, portanto, o conceito de cidadania regu-
ficada e, em sua prática diferenciadora. lada pela estratificação ocupacional dentro da
Para entender esse processo ao mesmo divisão social e técnica do trabalho.
tempo unificador e diferenciador é oportuno
12. Machado, Lucília Regina de Souza. Politecnia escola unitária e trabalho. São Paulo: Cortez: Autores
Associados, 1989.
Olinda Maria Noronha 54

A esse respeito, Marx e Engels, 13já rei- A diferenciação é introduzida segundo a


teravam que (...) "a educação burguesa parte (...) preparação para o vestibular através de três mo-
de um princípio abstrato da produção, o do dalidades de estudos compreendendo os cursos
iluminismo da razão, que é oposto do materia- pré-jurídicos, pré-médicos e pré-politécnicos.
lismo dialético. Assim, coloca na base da ação Introduz, portanto, a diferenciação no
humana o saber "que se aprende" ou seja, um secundário sem alterar sua função social ao
conceito que está separado da vida imediata do mesmo tempo em que abre a possibilidade da
grande número. Como Marx explica em "A criação de ensinosmédiosparalelos (reforma do
Questão Judaica", esta Razão e este saber são ensino comercial com caráter profissional i-
"idealistas" e copiam a "revelação" das re- zante).
ligiões, que privilegia uma casta ou uma elite Em 193I o Comercial passou a s~restru-
"culta"- essa minoria (...) que comunica à hu- turado em 2 ciclos com duração diferente do
manidade o querer (a ciência) dessa força mis- secundário. O 10ciclo era organizado em dois
teriosa "superior" com a sanção do Estado que níveis. O propedêutico com 3 anos e o auxiliar
fornece os diplomas". de comércio, com a duração de dois anos, sendo
Marx e Engels, põem em evidencia o de caráter terminal.
corolário da tese segundo a qual, nas sociedades O 20 ciclo abrangia cinco modalidades
de classe, a civilização se desenvolve sobre um sendo assim estruturado: secretariado (1 ano);
fundo de ignorância, como a riqueza de alguns guarda-livros (2 anos); administrador-vendedor
é função da pobreza das massas: a divisão do (2 anos); atuário (3 anos); périto-contador (3
trabalho existente desenvolve nos que tem uma anos).
profissão, uma única faculdade ou um único tipo Somente as modalidades de 3 anos per-
de gesto em detrimento de todas as outras po- mitiam acesso ao ensino superior de adminis-
tencialidade do homem. O mesmo é dizer que a tração e finanças (3 anos).
alienação produz necessariamente a mutilação A respeito do aumento do ensino com
. . . .14
individual nas sociedades de classe. A partir daí, carater profiIsslonaIIzante, GramscI ob serva
especializar-se ou exercer um ofício, seja ele que (...) "A multiplicação de tipos de escola
qual for é o mesmo que sacrificar a uma poten- profissional tende a eternizar as diferenças
cialidade, mais ou menos exarcerbada pela tradicionais, mas dado que ela tende, nestas
aprendizagem ou pela repetição, todas as outras diferenças, a criar estratificações internas, faz
virtual idades que a natureza humana encerra. nascer a impressão de possuir uma tendência
As reformas de ensino do período pós-30, democrática".
tanto a do ensino superior quanto a do Com o crescimento do alunado
secundário (que vão estar articuladas entre si), secundário de 1930 a 1942, de trinta mil para
vão expressar esse caráter unificador-diferen- duzentos mil, tornou-se necessário redefinir
ciador e unilateralizante do sistema de ensino. normas para a política de seleção e de dis-
Além disso, as reformas do período não tribuição dos alunos, a partir do conceito de
deram conta de resolver a contradição entre as "cidadania regulada pela estratificação ocupa-
tendências do humanismo clássico e cientifi- cional", de forma a preservar os privilégios e a
cismo.
13.Marx, K. e Engels, F. A Crítica da Educação e do Ensino. S. Paulo: Moraes, Editora, 1978, p. 59.
14.Gramsci, A. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. RJ: Civilização Brasileira: 1982, p. 137.

1
,
54
A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela ... 55

oa
organização corporativista da sociedade, fim- nando ofícios específicos. Mais tarde, os cursos
10-
dada na diferenciação social. artesanal e de aprendizagem passaram para o
)OS
As Leis Orgânicas do Ensino (1942- SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem In-
1946)que abrangeram todos os ramos do ensino dustrial).
no
primário e médio e, vigoraram durante vinte Já o segundo ciclo era composto pelo
ao
anos, expressaram essa tendência diferen- técnico (de três anos) e o pedagógico (de um
da
ciadora. ano) que preparava para o magistério dentro da
do
Gustavo Capanema, ministro da Edu- área.
lli-
cação de GetúlioVargas neste período,decretou Com esta Lei Orgânica, o Ensino Indus-
as leis que constituíram as reformas do período trial passou a ser unificado em todo país.
11-
em questão. A unificação diversificada ou diferen-
do
O período de implantação destas leis ini- ciadora, segmentada em vários ramos, operou
)IS
cia-se em 1942 pelo ensino industrial e pelo um impedimento concreto para que o aluno
iar
secundário, em 1943 atinge o ensino comercial pudesse passar de um ramo para outro, dentro
do
e, em 1946reformam o ensino primário, comer- do quadro da estratificação ocupacional garan-
cial e agrícola. tida por lei. O conceito de "cidadania regulada
'es
No ensino secundário é mantido no cur- pela estratificação ocupacional" vai, portanto,
rículo o caráter enciclopédico e humanístico, tornar-se possível pela regulamentação da le-
or
mesmo no curso denominado científico. O ob- gislação educacional.
(3
jetivo desse caráter genérico do ensino Quanto à Lei Orgânica do Ensino Comer-
secundário era o de preparar para o ingresso no cial podemos observar que esta segue a mesma
~r-
ensino superior. A função era, portanto, a de lógica de produção e manutenção da diferen-
s-
manter o caráter de seletividade do sistema. O ciação social.
processo de seletividade e de exclusão era ga- O primeiro ciclo, de quatro anos, formava
m
rantidopelo sistema de provas e exames que era para o comercial básico e, o segundo ciclo de
ia
o mesmo da Reforma Francisco Campos. três anos, para o comercial técnico (incluindo
Ia
Por sua vez, a criação de um sistema comércio e propaganda, administração, conta-
lS
paralelo de ensino que compreendia o ensino bilidade, estatística e secretariado). Neste caso,
lS
industrial, ensino comercial e o ensino normal, o vestibular poderia ser prestado apenas em
IZ
consagrava o princípio do dualismo do sistema ciências econômicas e contábeis.
Ia
educacional, da seletividade social via ocu- Como podemos observar, a legislação do
pação e do monopólio dos conhecimentos so- período acabou criando as condições concretas
o
cialmente significativos por determinados para que o conceito de "cidadania regulada pela
'a setores da sociedade.
estratificação ocupacional" ganhasse materiali-
Ir A Lei Orgânica do Ensino Industrial dade e legitimidade e passasse a ser um meca-
j-
(1942) possuía dois ciclos: o primeiro ciclo era nismo de diferenciação no interior do processo
e
composto do industrial básico de quatro anos, de acumulação.
[-
onde era formado o artífice. Em seguida vinha Embora a análise que predomina neste
a
o de mestria, de dois anos, que formava o mestre trabalho seja a da constituição do sistema de
e era destinado a quem havia feito o curso de ensino superior no Brasil, achamos oportuno
artífice. Por fim, tínhamos o artesanal e o de tratar a questão das reformas do ensino
aprendizagem com duração reduzida e ensi- secundário e profissional uma vez que estas vão
Olinda Maria Noronha 56

estar na base da organização de um sistema A Universidade de São Paulo foi criada,


dualista: um secundário que atendia aos estratos tendo em sua estrutura uma Faculdade de
médios e altos e que podiam fazer a opção pelo Filosofia, Ciências e Letras que pretendia exer-
ensino superior e outro (profissionalizante), que cer um papel integrador e de reflexão sobre os
"classificava" socialmente os indivíduos para o conhecimentos produzidos nas outras
trabalho no seu sentido imediatista. Faculdades.Além disso, esta Faculdade preten-
dia realizar "altos estudos desinteressados" e a
Muito embora o ensino superior tenha
sido criado há mais de um século, com a vinda pesqUIsa.
Estes "altos estudos desinteressados" era
e permanência da família real portuguesa no
I

I Brasil, de 1808 a 1821 a primeira forma de com toda a certeza a marca de um tipo de ensino
organização sistemática desse nível de ensino destinado a uma pequena elite de pessoas que
em forma de universidade se deu por uma ini- não precisava se preparar para um futuro profis-
ciativa do Governo Federal em 1920 (Decreto sional imediato, podendo, portanto, dedicar-se
n° 14.343 de 07/09/1920), quando foi criada a à educação com um "conteúdo desinteressado".
Universidade do Rio de Janeiro. Esta Universi- Em 1935foi criada por Anísio Teixeira a
dade contudo consistiu na simples agregação de Universidade do Distrito Federal que tinha
três escolas superiores já existentes: as como inovação não possuir as três faculdadesjá
Faculdades de Direito, Medicina e a Escola tradicionais nas Universidades, e, sim, uma
Politécnica. Não havia ainda, portanto, um pro- Faculdade de Educação no interior da qual fi-
jeto orgânico de Universidade. cava o Instituto de Educação. A Universidade
Em 1927 foi criada em Minas Gerais a de São Paulo ao colocar a Faculdade de
Universidade de Minas Gerais, também reali- Filosofia, Ciências e Letras como responsável
zada por agregação das Escolas superiores de pelos cursos básicos também tentou ser ino-
Direito, Engenharia e Medicina. vadora. Mas a reação conservadora foi mais
Em 11 de Abril de 1931 foi instituído o forte.
Estatuto das Universidades Brasileiras, ado- Muitas Universidades passaram a ser
tando, para o nível superior, o regime univer-
criadas daí em diante, caracterizando uma ex-
sitário. (Decreto nO 19.851, de 1i /04/193 I). pansão quantitativaque vai representar nosanos
Pelo Decreto nO 19.852, foi, nesta mesma data 60 em tomo de 46 universidades no país. Era
reorganizada a Universidade do Rio de Janeiro
relativamente fácil a constituição de uma uni-
onde foram agregados mais cinco cursos: a
versidade, já que era suficiente ter apenas três
Escola de Minas Gerais, as Faculdades de Far- dos seguintes cursos: Direito, Medicina, Enge-
nharia, Educação, Ciências e Letras.
mácia e Odontologia, a Escola de Belas Artes,
o Instituto Nacional de Música e a Faculdade de Este fato evidencia tanto a concepção
aristocrática de ensino (desinteressado e eli-
Educação, Ciências e Letras. (esta última ape-
tista), quanto a falta de diversificação no ensino
nas constou, sem ser implantada de fato).
(formar apenas para as carreiras liberais).
Apesar do esforço de organização e de
Se o ensino era "desinteressado", as de-
reorganização das universidades supracitadas, a
cisões administrativas e burocráticas, por outro
primeira Universidade que foi efetivamente lado, eram centralizadas no ministério da Edu-
criada e organizada de acordo com as normas cação, caracterizando um controle total sobre a
dos Estatutos das Universidades foi a Universi- organização e funcionamento das universi-
dade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1934. dades. A submissão total de todos os demais

l --
56 A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela... 57

a, docentes ao "catedrático" expressava o espírito caráter compensatório. As reformas de ensino


le elitista e de "monopólio do conhecimento" que expressam esse caráter compensatório também
r- caracterizava o espírito universitário deste no campo da educação escolar. Os limites da
)S período e dos subseqüentes. democratização de oportunidades via escola vão
lS Num certo sentido, podemos afirmar que também ser expressão das contradições dentro
1- esta universidade tradicional era oligárquica do dificil equilíbrio entre acumulação e eqüi-
a pois "era destinada à nova geração dos grupos dade.
dirigentes, destinada por sua vez a tomar-se Para resolver esse dilema a solução en-
~a dirigente".15 contrada foi o rompimento da democracia limi-
o O crescimento econômico do período pós tada.
te 11Guerra associado à urbanização e as novas "Após pouco menos de 20 anos de prática
;- formas de organização social (partidos políti- de democracia relativa, esta revelou-se incom-
e cos, organizações sindicais, associações) vão patível com uma ordem de cidadania regulada.
levar à intensificação das lutas e conflitos no Por esta ou aquela razão, os diversos grupos
a período que vai até 1964. Entre elas, a luta pela sociais foram incapazes de contratar novas for-
a ampliação de oportunidades escolares. mas institucionais de administrar o processo de
á Como observa Singerl6 (...) "na véspera acumulação, por um lado, e os parâmetros de
a do golpe militar de 1964 pode-se notar que o eqüidade por outro. Dada a resistência da ordem
proletariado industrial adquiriu certo papel conservadora da cidadania regulada, o conflito
e hegemônico nas chamadas "classes operárias resolveu-se pelo rompimento da democracia
urbanas", embora o populista tivesse con- limitada. (...) Tal é o significado do movimento
seguido colocar o crescente movimento ope- militar de 1964. Em aparência e, novamente,
rário de certo modo "a serviço" da indus- como em 30, tratava-se de reformular as insti-
trialização, ou seja, do capital industrial". tuições em que se processavam a acumulação e
O fato é que as "chamadas classes ope- a distribuição compensatória, e novamente por
rárias urbanas" e os setores dos trabalhadores . . .. 17
via autontana.
rurais mais organizados, como o caso das Ligas É dentro deste contexto limitado que vai
Camponesas, noNordeste é que vão sinalizar os se dar a democratização das oportunidades
limites da prática da democracia e da cidadania escolares.
regulada no período. Diante da pressão por maiores oportuni-
A demanda e os problemas gerados pela dades de participação via "cidadania" é que a
expectativa de consumo, sejam eles materiais democratização das oportunidades escolares vai
ou culturais, (a educação escolar, por exemplo) se estruturar. Num período relativamente curto
vão deixar expostas as dificuldades do Estado (duas décadas) o antigo ensino destinado às
regulador de administrar as desigualdades elites passou a ser reformulado dentro de uma
geradas pelo próprio processo de acumulação. perspectiva "aberta no plano formal", mas, em
As respostas que o poder público dava às nível concreto, produzida a chamada unificação
reivindicações sociais eram invariavelmente de diferenciadora.

15.Gramsci, A. op. cit., p. 136.


16. Singer, Paul. "Interpretação do Brasil: uma experiência histórica de desenvolvimento". In: História Geral
da Civilização Brasileira. (org.) Boris Fausto. Vol. 11. São Paulo: Difel, 1986,p. 237.
17.Santos, W.G. dos, op. cit., p. 75.
Olinda Maria Noronha S8

Mesmo com características democráti- ram perspectivasmais promissoras à ampliação


cas, o sistema de ensino deste período não aten- dos investimentosnos negócios do ensino. Co-
deu aos interesses nem dos setores empresariais existem,pois,no ensinosuperiorbrasileiro,atual-
que demandavam um perfil específico para a mente, tipos bem diferentes de escolas. Num
produção (criando então o SENAI, SENAC dos pólos, a escola que de certo modo dá con-
para esse fim), nem dos setores médios da popu- tinuidade ao ensino superior, que veio sendo
lação que, interessavam-se pela escola constituído no país desde os tempos de D. João
secundária, sobretudo como veículo de ascen- VI, seletivo, "elitista", caracterizado por cres-
são social, propedêutico ao ensino superior. centes índices de competição em torno das pou-
Por outro lado,a democratizaçãode opor- cas vagas disponíveis e, no outro pólo, escolas
tunidades no ensino superior deu-se de modo criadas para absorver toda a clientela que pu-
perverso para essas camadas da população, que derem alcançar, exigindo dos candidatos
viam no acesso a esse nível de ensino a possi- somente a indispensável habilitação legal de
bilidade de ascensão social. Como analisa Bei- nível médio e o rigoroso pagamento das men-
siegel,18 (...) "a oferta de vagas de ensino salidades.No espaço delimitado entre estes dois
superior, nas escolas mantidas pelos poderes extremos, uma ampla variedade de situações
públicos e, de igual modo, pela entidades par- confere ao ensino superior brasileiro uma
ticulares tradicionalmente envolvidas com este fisionomia bastante complexa".
nível de ensino, não veio acompanhando a ex- Como podemos observar na Tabela
pansão da procura de oportunidades.Os grandes abaixo a expansão do ensino superior teve uma
números anuais de diplomados pelas escolas de tendência à ampliação fortemente demarcada
nível médio e os excedentes acumulados da entre 1945e 1955, em todos os aspectos.
procura de vagas não atendida nos períodos
anteriores propiciaram o aparecimento de um Tabela 1
"novo" tipo de escola: o empreendimento vol-
tado para a realização do lucro, inde-
pendentemente de outras considerações. A N°S Índices

existência deste novo tipo de escola provocou 1935 1945 1955 1935 1945 1955

uma gradual relativização das representações Unidoesc. 248 325 845 100 131 341
Pesodoe. 3898 5172 14601 100 133 374
coletivas outrora vigentes a propósito desse
Mal. gero 27501 26757 73575 100 97 267
nível de ensino. Amplos setores da população
Mal. efet. 25996 - 69942 100 - 269
antes excluídos de quaisquer possibilidades de
ingresso na escola superior passaram a atendê-
10como objetivo agora viável. Pouco a pouco, Fonte: Inst. Nac. Estat., Anuário Estat. do
as barreirasao ingresso na escola superior foram Brasil, ano V, 1939/1940 p. 481-486; ano
sendo eliminadas. A existência desse novo tipo XX, 1959, p.355 a 357. apud. RIBEIRO,
de escola possibilitou a multiplicação de sua Maria Luisa Santos. História da Educação
própria clientela e, por sua vez, os grandes Brasileira: a organizaçãoescolar. São Paulo:
contingentes de candidatos daí resultantes abri-
Cortez e Moraes, 2. ed., 1979, p. 134.
18. Beisiegel, Celso de Rui. "Educação e Sociedade no Brasil após 1930". In: História Geral da Civilização
Brasileira. (org.) Boris Fausto. Vol. 11.São Paulo: Difel, 1986, p. 388.
- --

58 A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela ... 59

io Apesar do crescimento significativo do Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de


)- número de matrículas no período compreendido São Paulo, não existiam no país condições para
d- entre 1945 e 1955 o caráter de seletividade do a concretização de uma autêntica vida univer-
m ensino superior parece ter sido mantido. Como sitária".19
1- podemos observar através da Tabela 1, 5,5% Nos anos 50 vamos encontrar as univer-
10 (1935)e 5% (1955) dos alunos matriculadosnão sidades envolvidas na luta pela Escola Pública
io chegaram a freqüentar regularmente, conforme gratuita, dentro do contexto da ampliação do
observa a autora da referida tabela. direito à educação e à pesquisa, aberta a todas
}- Esta relativa expansão de ofertas contudo as classes sociais e capaz de oferecer ao Estado
lS não significou por outro lado um ensino univer- quadros para a ampliação da cidadania educa-
}- sitário de qualidade. Como vimos antes, citando cional.20
IS Beisiegel,esta expansão se deu em grandeparte, Os anos 60 representaram um período de
le à custa de escolas particulares nem sempre con- grande mobilização em tomo da questão do
1- fiáveis. ensino superior brasileiro. Em maio de 1960, a
IS Segundo dados de "Retrato do Brasil", União Nacional dos Estudantes (UNE) pro-
:s "na década de 1950,esse tipo de sistema univer- moveu o Primeiro Seminário Nacional, da Re-
a sitáriojá estava atrasado em relação às necessi- forma Universitária. Durante o Seminário foi
dades sociais e econômicas do país. O setor de elaborado um documento criticando a universi-
a pesquisa, por exemplo, fundamental (...) con- dade e afirmando ser ela incapaz de "elaborar
a tinuava como um corpo estranho e sem função uma cultura nacional e popular". Propunham
a definida. A universidade daquela época se ca- uma Reforma Universitária que desse con-
racterizava por feudos, dominados pela figura dições à universidade brasileira de participar
de um professor catedrático, a imprimir aos efetivamente na construção de um modelo
cursos um caráter enciclopédico, elitista, não econômico definido por interesses nacionais.
voltado para as necessidades objetivas de um Reivindicavam ainda a autonomia de pen-
país que passava por significativas modifi- samento na universidade e o desenvolvimento
cações no campo econômico. Além disso, o econômico do país - uma universidade livre
diploma universitário era uma espécie de indi- numa sociedade livre.
cador de prestígio e status social. Em 1942,por A Universidade de Brasília (1961) criada
exemplo, de quase 1,7 milhão de alunos que por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira expressou
ingressaram na primeira série do então curso a busca de materialização dos anseios por uma
primário, somente 16.450 chegaram ao ensino reforma onde a autonomia do pensamento, a
superior em 1953, o que correspondia a Qlenos articulação do ensino com a pesquisa, a preocu-
de 0,25 da população. Resumindo: mesmo após pação com a produção do conhecimento e a
a revolução de 30, com exceção feita à Univer- qualificação de alto nível dos professores para
sidade do Distrito Federal, logo vítima da colaborar efetivamente na construção da ci-
repressão da ditadura do Estado Novo, e da dadania, fossem as prioridades fundamentais a
criação inovadora, em 1934, da Faculdade de serem concretizadas.

19.Coleção "Retrato do Brasil", S. Paulo: Política Editora de livros,jornais e revistas Ltda. n° 37 s/do
20. Chaui, M. "A crise da educação brasileira: confusão entre privilégio e direito". I Congresso Internacional
"Qualidade e Excelência na Educação". Niterói, 1995.
Olinda Maria Noronha 60

Como analisa Durhan,21 .u "a década de Por outro lado, a eliminação da cátedra
1960 foi, no Brasil, a grande época do ques- sem a criação de instrumentos alternativos de
tionamento sobre a Universidade. O intenso organização interna da universidade propiciou
debate que se travou nessa ocasião, liderado a transformação dos departamentos em uni-
pela USP, estava intensamente vinculado ao dades desarticuladasonde os titulares, de forma
movimento político que clamava por reformas despótica, passaram a exercer seu poder sobre
de base na estrutura da sociedade brasileira; os outros docentes, monopolizando o saber e o
culminou numa intensa campanha pela Re- poder dele advindo.
forma Universitária, encampada pelo movi- Quanto à carreira docente que deveria ser
mento estudantil e terminou numa reforma fertilizada pela extinção das cátedras, não se
outorgada, depois de a repressão desencadeada abriu e se ampliou como era esperado, uma vez
pelo AI-5 haver destruído a articulação que a que a criação de vagas, cargos e verbas para
havia proposto." ampliação continuou submetida às pressões
A década de 1970 representou um políticas.
período de obscurantismo, de arbitrariedade e Os estudantes por sua vez ficaram sub-
de silêncio garantidos pela censura e pela metidos a severo controle e repressão tanto em
repressãopolicial. O Regime Militar empreende nível individual quanto da representação es-
a Reforma Universitária que lhe convinha à tudanti1.
revelia dos professores e estudantes univer- Contudo, o efeito mais perverso da Re-
sitários. forma Universitária empreendida pelo Regime
A destruição das antigas Faculdades e Militar se fez sentir na centralização burocrática
dos cursos fechados e auto-suficientes levou ao que veio embutida na forma da organização da
isolamento do corpo discente na medida em que estrutura universitária.A concentraçãodo poder
os alunos eram obrigados a se matricular em de decisão em nível da reitoria surge como
disciplinas pulverizadas nos mais diferentes justificativa técnica para produzir a "racionali-
lugares. As antigas "turmas", com isso, desa- dade organizacional"na Universidade.Estajus-
pareceriam. "Reformar para desmobilizar" era tificativa de ordem técnica, contudo, serviupara
o objetivo implícito na Reforma Universitária mascarar o controle político-ideológico que
de 1968. passou a ser exercido no interior das universi-
Por outro lado,a estrutura departamental, dades.
apesar de buscar reunir professores de discipli- A Reforma Universitária que foi con-
nas afins em unidades mais amplas, acabou por cretizada na Lei 5.540 de 28 de novembro de
produzir um isolamento entre as unidades, pro- 1968teve como matriz teórica e organizacional
duzindo a incomunicabilidade horizontal entre os acordos celebrados entre o Brasil e os
unidades e docentes. Estados Unidos da América que ficou conhe-
O incentivo à criação de novos institutos cido como "Acordos MEC/USAID".
colaborou decisivamente para a separação das A Comissão chefiada pelo Coronel do
ciências básicas das aplicadas e as disciplinas Exército, Meira Mattos, tinha como objetivo
de caráter formativo das profissionalizantes. realizar um levantamentodos problemas da uni-
versidade visando intervir nas mesmas com o
21. Durhan, Eunice. "Acrise da democracia na Universidade". Revista Ciência Hoje. vol. 3, nO13,julho - agosto
de 1984.
60
A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela ... 61

Ira
propósito de acabar com a crise. O que esta assistencialistas do período. Entre eles vamos
de
Comissão concluiu no conhecido Relatório encontrar: o Projeto Rendon, o Centro Rural
DU
Meira Mattos estava afinado com a filosofia e Universitário de Treinamento e Ação Comu-
11-
propósitos dos Acordos MEC/USAID: A mo- nitária (CRUTAC), o Movimento Universitário
na
dernização baseada na racionalização eficiência de Desenvolvimento Social (Fundação
ife 24
e produtividade do sistema universitário. Mudes).
o
"Extrapolando a esfera estrita do Estado, Podemos dizer que o ensino superior no
a questão educacional passa a preocupar tam- Brasil durante o período do regime militar re-
er
bém setores das classes dominantes. Assim, en- fletiu as contradições que o país atravessava
se
tre outubro e novembro de 1968 realiza-se no naquele momento. Apesar disso, podemos ob-
~z
Rio de Janeiro, um Fórum denominado "A Edu- servar que houve uma expansão acelerada da
ra
es cação que nos convém" organizado pelo IPES22 matrícula nesse nível de ensino, no período em
- o estado - maior da burguesia nacional asso- questão.
ciada, pela Pontificia Universidade Católica do O quadro que apresentamos em seguida
b-
m Rio de Janeiro e com a colaboração do Jockey expressa essa tendência.
s- Club Brasileiro. Estiverampresentes figuras ex-
pressivas da República Brasileira como: EXDansão do Ensino SUDerior
Roberto Campos, Golbery do Couto e Silva, Anos Matrícula Total
e- 1960 93.202
Mário Henrique Simonsen, Glycon de Paiva,
te . etc.23
Fernando Bastos D' Avila 1962 107.299
:a 1964 142.386
Ia Ao lado da utilização da educaçãoescolar
1966 180.109
~r como instrumento por excelência de inter-
1968 288.295
o venção do Estado no campo ideológico tendo
1970 425.478
1- como matriz a "Ideologia da Segurança Na- 1972 688.382
;- cional", vamos encontrar também os projetosde 1974 897.200
'a extensão do governo. Estes estavam afinados 1976 1.035.000

.e com os princípios: "reformar, desmobilizar e


1-
integrar" os estudantes com o objetivo de com- Fonte: SEEC/MEC - 1960/73 e CODEAC /
bater a subversão e neutralizar as energias dos -
DAV / MEC 1974 apud. BEISIEGEL,
[- jovens. Celso de Rui. Educação e Sociedade no
Podemos citar, apenas para lembrar, al- Brasil após 1930. op. cit., p.387.
guns dos principais projetos extensionistas e
s
22. Para maiores detalhes sobre o Fórum "A Educação que nos convém" consultar: IPES/GB-PUC/RJ "Educação
que nos convém". Fórum organizado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Rio de Janeiro, out./nov.,
1969.
)
23. Dreyfuss, René Armand. 1964: A conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis,
1981. APud. Germano, J.W. Estado Militar e Educação no Brasil. (1964 - 1985). São Paulo: Cortez, 1993., p.
133.
24. Para maiores detalhes sobre a extensão universitária consultar:
Fagundes, José. Universidade e Compromisso Social. Campinas. Editora da Unicamp, 1986.
Paiva, Vanilda. "Extensión Universitáriaen Brasil". Nueva Sociedad. San José, Costa Rica, 15 de nov/dez, 1974.
Saviani, D. Ensino Público e algumasfalas sobre Universidade. São Paulo: Cortez Editora, 1984.
Olinda Maria Noronha 62

Se observarmos a organização formal do No interior deste processo crescente de


ensino, podemos afirmar que houve relativaam- "integração" de grandes contingentes de es-
pliação de oportunidades educacionais. No en- tudantes ao sistema de ensino superior de uma
tanto, é relevante considerar que esta ampliação forma desigual (embora, a igualdade de opor-
deve-se, em parte, pelo surgimento de um outro tunidades do ponto de vista formal continue
tipo de escola que passou a atender a essa de- existindo e sendo ampliada), é que podemos
manda reprimida, mas tendo como fim último, dizer que o conceito de cidadania sofre também
o lucro. Assim, os cursos oferecidos não con- uma metamorfose: de "cidadania regulada pela
ferem o prestígio e a credibilidade social a quem pauta de estratificação ocupacional", passamos
os freqüenta. para o conceito de "cidadanias" parciais/dife-
O crescimento acelerado desse nível de renciadas. Esse conceito está articulado ao de
ensino portanto reproduziu de alguma maneira "cidadania divergente" desenvolvido por Wan-
a estrutura de desigualdade tanto social quanto derley Guilherme dos Santos.
regional que tem caracterizado o Brasil. Como observa Ribeiro e Paiva26 a res-
Como observa Germano,25 (...) "a peito da realização das "cidadanias" par-
política de expansão do ensino superior acabou ciais/diferenciadas, (...) pode-se supor, apesar
por se transformar assim no inverso do que era da exposição mais prolongada a formas de con-
estabelecido no Artigo 2° da Lei 5.540/68, pois trole, que a cidadania dos que permaneceram na
os estabelecimentos isolados passaram a consti- escola tem chances de ser mais ampla, especial-
tuir a "regra" e a organização universitária, a mente se a socialização escolar e a aprendi-
exceção. Em 1983, o Brasil contava com 868 zagem de conteúdos tiverem sido eficientes.
instituições de ensino superior, das quais (...) corolário da crescente aceitação da impos-
somente 67 eram legalmente classificados sibilidadede realizaçãodajustiça e da igualdade
como universidades, sendo 47 públicas e 20 (ideais que estiveram por detrás do primeiro
privadas. Em 1988, existiam 871 instituições de impulso para a universalização das oportuni-
ensino superior, sendo que 82,77% correspon- dades) é o reconhecimento de que não existe
diam a escolas isoladas e apenas 9,52% diziam uma cidadania, mas uma enorme gama de pos-
respeito às universidades. Além do mais, sibilidades cidadãs em qualidade e em ampli-
73,24% das instituições citadas são de caráter tude. Diferenças se estabelecem entre os que
privado. permanecem na escola, entre estes e os que dela
Essa divisão desproporcional entre foram afastados e também entre estes últimos,
ensino privado e ensino público demonstra que numa profusão de proporções e qualidades no
a política educacional - segundo o processo de contínuo inclusão/exclusão".
concentração da renda - privilegiou o topo da Diante do desenvolvimento histórico do
pirâmide social. Com efeito, menos de um terço capitalismo que tem implicado numa tendência
dos alunos de graduação freqüentam cursos gra- cada vez maior de mercantilização de todos os
tuitos. A grande massa, ou seja, 2/3 pagam campos, coisas,objetos e seres, observamos que
mensalidades escolares. as desigualdadesnão só aumentaram comotam-

25. Germano, J.W. op., cit., p. 151, 152.


26. Ribeiro, Sérgio Costa e Paiva, Vanilda. "Autoritarismo Social e Educação". ln: Educação e Sociedade.
Campinas: CEDES/Papirus, 1995.

-- - - -
62 A universidade e a estruturação da "cidadania regulada pela ... 63

de bém se aprofundaram. E as relações soctalS "O vínculo que o modo de produção capi-
~s-
estão mais que nunca fetichizadas. talista estabeleceu entre ciência, tecnologia,
na Dentro deste processo de concentração e forças produtivas e classes sociais, de um lado,
)r- acumulação, toma-se difícil falar de univcrsali- e entre Estado e mercado, de outro, faz com que
ue zação de oportunidades uma vez que o processo seja ilusório e abstrato negar a compatibilidade
os de polarização no momento da distribuição dos entre as duas vocações da universidade: a cien-
m benefícios toma-se complexo, isto porque o tífica humanista e a política. Isto, porém, não
:Ia processo de acumulação capitalista não tem significa que a relação entre ambas seja simples,
os como pressuposto a democracia. direta e imediata, sem conflitos, uma vez que,
e- "O capitalismo histórico tem implicado por mais seletiva e privilegiada que seja a uni-
:le numa criação monumental de bens materiais, versidade, ainda assim, em seu interior, reapare-
n- mas também numa polarização monumental da cem divisões sociais, diferenças políticas e
recompensa. Muitos têm se beneficiado enor- projetos culturais distintos, quando não opostos.
s- memente, mas muitos têm conhecido uma re- Em outras palavras, a universidade é uma insti-
T- dução substancial de seus ingressos reais totais tuição social e, nesta qualidade, exprime em seu
ar e de sua qualidade de vida. A polarização tem interior a realidade social das divisões, dife-
n- . . - ,,28
sido, por suposto também espacial, ainda que renças, con fi ItoS e contra dlçoes .
1a em algumas áreas tenha parecido não existir. A democratização da universidade impli-
.1-
Isto também tem sido conseqüência de uma luta caria a desmontagem desse sistema perverso de
1-
pelos benefícios. A geografia do benefício tem monopolização de recursos, controle de cargos
s.
variado freqüentem ente e mascarado deste e de decisões e principalmente de utilização do
5- modo a realidade da polarização. Mas no con- "poder pelo poder".
le junto da zona tempo - espaço abarcada pelo Não é suficiente, portanto, apenas de-
'0 mocratizar a escolha de reitores ou de diretores
capitalismo histórico, a acumulação incessante
1- do capital tem significado o alargamento inces- pois a estrutura monolítica e opaca da universi-
:e sante da distância real"?? dade, com uma suposta coerência interna cen-
;- No que se refere ao âmbito da universi- tralizada e hierarquizada, impede que o
1-
dade, observamos que esta se fechou sobre seus processo seja alterado.
.e
próprios interesses, em disputas menores por
a
prestígios e cargos de poder, numa articulação
;, obscura nas brigas por distribuição de recursos Referências Bibliográficas
o atendendo mais aos interesses privados do que
ao público. BEISIEGEL, Celso de Rui. "Educação e Sociedade
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