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06/02/2018 arquitextos 203.02 espaço público: O direito ao espaço público | vitruvius
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idade e gênero. Desde então suscita o debate de para quê e para quem é o
espaço público.
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Em contrapartida, no norte da Europa abundam os espaços lúdicos abertos,
com água, areia e equipamentos variados, que não se limitam a
escorregadores e balanços, que mais parecem equipamentos de academia. As
crianças aprendem e amadurecem com o tempo “perdido”, com o brincar
livre; detêm-se, olham com curiosidade, descobrem e imaginam. Portanto,
tem valor que, dentro de um parque seguro e com boa visibilidade, seja
permitido um mínimo de aventuras e esconderijos às crianças, como
metáforas de “casinhas”; que seja possível manipular os vários materiais;
que sejam utilizadas cores e exprimam sons; que ponham ênfase nas
texturas, explorando diferentes pisos, utilizando grama e areia; que a
vegetação emane perfumes, em definitiva, que potencie tudo que estimula
os sentidos e a diversidade de experiências.
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pelas crianças. Neste sentido, suas demandas reclamam uma cultura do
espaço público que está desaparecendo em diversas cidades.
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benefícios: a mobilidade e independência dos menores para fortalecer seu
entorno social, e o uso eficiente de um recurso escasso, como o caso do
solo, ao qual se lhe potencializa o máximo de utilidade.
A cidade para crianças não constitui uma dádiva, mas sim um direito que
lhes permita crescer seguros, em sociedade e liberdade. Este ideal se
reflete em uma das vinhetas de Frato, o alter ego de Tonucci, no qual um
menino esclarece: “Senhor prefeito, não queremos escorregadores nem
balanços, queremos a cidade”.
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Recentemente, em 2015, foi criado em São Paulo o Carona a Pé (3), uma
iniciativa que reúne a comunidade e organiza grupos de alunos de 4 a 12
anos que vão caminhando até o colégio acompanhados de adultos. Essa
prática simples traz vários benefícios ao ampliar a segurança, a
autonomia e tornar visível a presença das crianças nos espaços públicos.
Ademais, convoca a comunidade do bairro a repensar sua estrutura e a
mobilidade, e estreita os vínculos de cooperação e companheirismo entre
as famílias. Por outro lado, quanto aos espaços públicos dedicados à
infância, na maioria das grandes cidades brasileiras, estes continuam
sendo negligenciados, com a reprodução sistemática do formato de parques
infantis e equipamentos lúdicos “tradicionais” (4) que remontam à
primeira metade do século 20.
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Assim, incorporar a perspectiva de gênero no projeto do espaço público
diz respeito à nossa capacidade de conhecer, registar e aportar soluções
para melhorá-lo segundo as necessidades complexas da vida quotidiana, e
para as quais as experiências das mulheres são uma fonte de conhecimento
imprescindível. Por este motivo, os projetos de espaços públicos com
perspectiva de gênero devem recorrer a metodologias diferentes das
utilizadas tradicionalmente para abordar a questão: processos de
participação que permitam conhecer outras experiências que até agora não
foram levadas em consideração; observação ativa, que implica em um
conhecimento in situ, que ajuda a relacionar usos com usuárias e
usuários, capacidades, motivos, horários; e, como elemento
imprescindível, as estatísticas segregadas por sexo, que permitem
construir um registro mais aproximado da realidade, para não planejar o
espaço público a partir de situações supostamente neutras, genéricas e
universais.
Segundo esses critérios, a equipe dirigida por Eva Kail realizou ainda
outras intervenções nos espaços públicos, entre os quais se destacam a
reforma do bairro de Mariahilf e de praças em bairros centrais de alta
densidade populacional, onde faltavam espaços verdes. Na requalificação
do bairro pensou-se nas diferentes necessidades das pessoas que utilizam
o espaço público, considerando mais tempo para os semáforos onde havia
maior afluência de idosos. A partir do entendimento de quais são os
percursos prioritários para os transeuntes, as calçadas têm sido
alargadas diante das entradas de centros escolares para facilitar e
melhorar a espera e o encontro das crianças, o que levou à eliminação de
estacionamentos e a manutenção da capacidade de vias de veículos. O
estacionamento é recuperado em ruas de menor trânsito, colocando os
carros em diagonal. A iluminação foi homogeneizada nas calçadas, evitando
a alternância entre ofuscamentos e zonas de sombra. Os bancos foram
colocados em lugares diversos, dado que sua utilidade nem sempre é a
mesma, e que no caso dos idosos ou de pessoas que carregam peso são
imprescindíveis. As melhoras realizadas nesse bairro são indubitavelmente
um ganho na qualidade da vida quotidiana e na convivência das pessoas.
Quando se fazem bairros mais amigáveis para os transeuntes, permite-se
uma maior independência das crianças, ao mesmo tempo que se respeita e se
dá suporte à autonomia das pessoas mais velhas. Estas independências
conquistadas pela segurança do espaço público contribuem para se liberar
de tarefas; portanto, representam um ganho de tempo para as pessoas que
se responsabilizam pelo cuidado de outros, contribuindo para a
conciliação entre o tempo pessoal, profissional e familiar.
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necessidades reais das mulheres, a segurança das ruas, os carrinhos de
bebê, os banheiros públicos e uma longa lista de itens. Enquanto o
urbanismo contemporâneo brasileiro ignora estas demandas, respalda a
ideia tradicional de que o lugar da mulher é longe dos espaços públicos
(5). O feminismo ainda tem o desafio de fazer valer sua visão de mundo,
na defesa de direitos urbanos, da vida e da diversidade.
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páginas dos jornais para que possam ser lidos gratuitamente, ao mesmo
tempo que aparecem propostas mais recentes, como os equipamentos de
atividades físicas para a terceira idade. E quando não há parques
próximos, estes aparelhos são colocados nas ruas das periferias.
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favorecem os exercícios de pernas, braços e coluna, em definitiva, a
mobilidade e a agilidade, a coordenação motora e visual, a força e o
equilíbrio. Dezenas de municípios da província de Barcelona têm recebido
essas instalações e, com isto, os espaços públicos melhoram as suas
possibilidades de utilização e integração. Eles podem ser encontrados em
uma rua com passeio central, em uma praça ou, como no caso do Parque do
Mil•lenari, em Sant Just Desvern, contíguos a um centro social e centro
de moradias de interesse social para a terceira idade. Deste modo,
configura um elemento mínimo que colabora a complementar a oferta de
atividades públicas.
Processos de participação
Na medida que o espaço público não é uma quimera, mas sim um espaço a
construir, a participação da cidadania torna-se cada vez mais imperiosa.
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construção de adequados sistemas de comunicação e transmissão de ideias,
entre linguagens que podem ser diferentes ou os valores do quais se podem
compreender e interpretar de maneira diversa, segundo o repertório de
cada um.
Felizmente, cada vez temos mais exemplos de espaços públicos nos quais há
uma participação direta dos futuros usuários, seja através de
participações formais ou informais. Muitas vezes os processos informais
redundam em melhores resultados do que os processos hiperpautados e
sobrepublicitados. O mais importante de um processo de participação é o
diálogo e o respeito, questões que podem parecer banais, mas que muitas
vezes estão ausentes. Um processo de participação não implica que sejam
cidadãs e cidadãos os que realizem o projeto; no entanto, este tópico é
uma das principais travas a esse tipo de processo de democratização, no
qual se menciona a perda do papel dos profissionais e técnicos.
Poderíamos dizer que a participação consiste, em primeiro lugar, em poder
conseguir a melhor informação sobre o lugar que deve ser trabalhado, dado
que aqueles que o habitam e frequentam diariamente são os conhecedores
máximos, que podem explicar o que falha e o que é mais adequado. Em
consequência, a partir dos conhecimentos técnicos será possível oferecer
melhores soluções para os problemas e levá-los a consenso.
Outro exemplo modelo é o da Praça de Pius XII em Sant Adrià del Besòs
(Catalunha, Espanha), no qual dois arquitetos, Eva Prados e Ricardo
Flores, aceitaram a sugestão da prefeitura de estabelecer um diálogo com
a vizinhança. Com a colaboração do secretário municipal de urbanismo,
Joan Callao, entenderam que o sucesso futuro desse espaço público como
lugar de relações dependia de que os vizinhos se apropriassem dele. A
praça, com orientação norte, tem como fachada um grande edifício
residencial que lhe faz sombra. É um espaço de conexão e passagem entre
zonas esportivas e as moradias que se situam cruzando a Gran Via. A
decisão do projeto de unir a praça ao edifício existente, como uma
transição ao espaço privado, e eliminar a rua que separava os dois
espaços, potenciou o diálogo e combinou características, usos e áreas:
uma praça sem cantos, sem barreiras arquitetônicas, com áreas infantis,
quiosques, bancos que não fossem de concreto, três zonas de
estacionamento para motos, iluminação adequada, eucaliptos, flores etc.
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seus filhos. Por esse motivo, aquilo que parecia uma questão menor,
transformou-se em um fato simbólico de primeira importância. No segundo
caso, durante a obra, os vizinhos foram os olhos dos arquitetos in lócus,
avisando quando a construção se afastava daquilo que tinha sido
projetado. O projeto continuou sendo dos arquitetos, mas como os vizinhos
foram ouvidos e considerados desde o momento de elaboração do projeto,
apropriaram-se do espaço antes mesmo dele existir e também uma vez
acabadas as obras (8).
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Para finalizar este texto sobre o direito ao espaço público, devemos
recordar que o espaço público está em contínua redefinição, com centenas
de soluções diferentes. Às vezes é palco de conflito e de controle, mas
também é o lugar essencial do diálogo, do intercâmbio e das relações
entre as pessoas. É o espaço urbano por excelência, sempre diverso,
sempre em evolução. E todos os cidadãos e cidadãs de qualquer idade e
cidade devem poder desfrutar plenamente desses espaços urbanos.
notas
1
DÖLL, Henk (Org.). LEFAIVRE, Liane. Ground-up city. Play as a design tool.
Rotterdam, 010 Publishers, 2007.
2
TONUCCI, Francesco. La città dei bambini. Un modo nuovo di pensare la città.
Bari, Laterza, 2005.
3
Website Carona a pé. Caminhando juntos até a escola. São Paulo,
2017<http://caronaape.com.br>.
4
Com “equipamentos lúdicos tradicionais”, faz-se referência aos brinquedos de
ferro tubular colorido: escorregador, balanço, gangorra, trepa-trepa etc.
5
Casos recentes de estupro coletivo reabriram o debate sobre a existência da
chamada “cultura do estupro” no Brasil. Segundo dados do IPEA de 2011, há pelo
menos 527 mil casos de estupro anualmente no país. Já a pesquisa realizada em
2015 pelo Datafolha, a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 84
municípios brasileiros com mais de 100 mil pessoas, revelou que 90% da
população feminina teme ser vítima de agressão sexual.
6
LAMEVA BARCELONA. Interiors d'illa. Barcelona, Ajuntament de Barcelona, 2016
<http://lameva.barcelona.cat/eixample/ca/home/interiors-dilla>
7
A Diputació de Barcelona é um órgão governamental que abarca 311 municípios da
província de Barcelona, o que representa 24% da área total da Catalunha.
8
Recentemente a Prefeitura de Sant Adrià aprovou a mudança de nome da praça Pius
XII a Germans Riules, por demanda da população recolhida pela secretária de
Participação Cidadã, Isabel Marcuello. A vontade da população foi homenagear
dois irmãos que anos atrás trabalharam na prefeitura e morreram jovens.
referências de imagens
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sobre os autores
Marina Simone Dias é arquiteta urbanista (UFMG, 2000), doutora pela Escola de
Arquitetura de Barcelona ETSAB UPC (2014) e pesquisadora de pós-doutorado da
UFES (2015-2016).
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