Vous êtes sur la page 1sur 71

Editorial

Construção, modelagem e uso do conhecimento técnico-científico

Artigos de Revisão
Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

Semiologia no paciente com deficiência física

A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking


bidimensional

Ponto de Vista
Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com
diabetes tipo 2?

Conheça as razões por trás das divergências entre as diretrizes

O tratamento da doença hepática gordurosa não alcoólica

Relatos de Caso
Infecção por vírus da hepatite A como gatilho para colangite
autoimune

Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária


a esclerose múltipla

Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico em uma


unidade de pronto atendimento

Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso


Fique sempre atualizado
O Portal da PEBMED é o maior E nada disso seria possível sem
site de atualizações em medi- um time de colunistas médicos,
cina do Brasil. Lançado em 2014 das mais variadas especialidades,
pelos médicos Pedro, Eduardo e que buscam compartilhar seu
Bruno (que também estão por trás conhecimento com outros profis-
do maior aplicativo de tomada de sionais e, assim, contribuir para a
decisão do Brasil, o Whitebook), melhora da saúde no país.
o Portal nasceu com uma missão Quer fazer parte da nossa equipe?
desafiadora: manter o médico Entre em contato com a gente
sempre atualizado! Todos os dias, através do e-mail:
a equipe PEBMED publica os prin- comunicacao@pebmed.com.br.
cipais ensaios clínicos, guidelines Acompanhe o Portal da PEBMED
e notícias do momento para seus em www.pebmed.com.br.
mais de 600 mil usuários.
EDITORIAL

Construção, modelagem e uso do conhecimento técnico-científico.... 6


Construction, modeling and use of technical-scientific knowledge
Ronaldo Gismondi

ARTIGO DE REVISÃO

Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica.............. 8


Delirium in Pediatric Intensive Care Units
Roberta Esteves Vieira de Castro, Maria Clara de M. Barbosa, Arnaldo P. Barbosa, Elie Cheniaux

Semiologia no paciente com deficiência física................................ 16


Semiology in physically handicapped patient
Ronaldo Altenburg Gismondi, Luís Otávio Mocarzel, Erito Marques de Souza Filho,
Nicholas Cafieiro Peixoto, Ana Carolina Teixeira Pires

A importância da pressão arterial na avaliação


pré-operatória ................................................................................ 23
The importance of blood pressure in the preoperative evaluation
Arlindo Maico Martins da Silva, Bárbara Pavan, Bianca Bastos Xavier Nunes e Silva,
Camila Tobias Queiroz, Juliana Pereira Lopes, Natália Beatriz Cabrera, Ronaldo
Altenburg Odebrecht Curi Gismondi

Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking


bidimensional ....................................................................................... 32
2D-Speckle Tracking Echocardiography Clinical Applications
Alexandre Marins Rocha

PONTO DE VISTA

Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com


diabetes tipo 2? Conheça as razões por trás das divergências entre
as diretrizes........................................................................................... 41
What is the best glycated hemoglobin target for type 2 diabetes patients? Understand the
reasons behind the divergences between the guidelines
Daniele Cristina Tokars Zaninelli
O tratamento da doença hepática gordurosa não alcoólica........ 47
Treatment of non-alcoholic fatty liver disease
Marcos Viana

RELATOS DE CASO
Infecção por vírus da hepatite A como gatilho para colangite
autoimune.............................................................................................. 51
Hepatitis A virus infection as a trigger for autoimmune cholangitis
Angela Cristina Gouvea Carvalho, Dayanna de Oliveira Quintanilha Palmer, Diego dos
Santos Garcia, Vitor Carvalho da Nobrega, Igor Melo de Almeida, Filippe Pirrone Cunha

Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária a esclerose


múltipla.................................................................................................. 55
Bilateral internuclear ophthalmoplegia due multiple sclerosis
Mário Luciano de Mélo Silva Júnior, Clélia Maria Ribeiro Franco, José Luiz de
Miranda Coelho Inojosa

Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico em uma


unidade de pronto atendimento..................................................... 59
Adult Round Pneumonia: an atypical diagnosis in UPA (Unidade de Pronto Atendimento)
Caio Cesar Alves Vasconcellos, Juliana Fernandes, Ana Letícia Barreiros de Lima
Ferreira Pinto, Carolina Andrade Vitoi, Osmário Oliveira Rodrigues, Thais da Silva
Soares Beserra, Cassio Destefani Lopes, Alexsander Lopes Fernandes de Vasconcellos,
Luís Otávio Mocarzel, Ronaldo Altenburg Gismondi

Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso ..........................64


Takotsubo cardiomyopathy: case report
Marcelo Flávio Gomes Jardim Filho
ISSN 2359-3598

Editor da Revista

Ronaldo Gismondi - Pós-doutorando em Jaqueline Barbeito de Vasconcellos -


Medicina pela Universidade do Estado do Dermatologista pela UERJ, Preceptora do
Rio de Janeiro, Professor Adjunto de Clínica Ambulatório de Dermatologia Corretiva do
Médica na Universidade Federal Fluminense HUPE/UERJ
Editores Associados
Juliana Maria da Silva Rosa - Médica
Bruno Lagoeiro - Graduação em Medicina do departamento de lentes de contato da
pela UFF UNIFESP, Pós-graduação Lato Sensu em
Córnea pela UNIFESP
Eduardo Cardoso de Moura - Graduação
em Medicina pela UFF
Lívia Pessôa de Sant’Anna - Tenente
Pedro Gemal Lanzieri - Graduação em no Hospital da Força Aérea do Galeão,
Medicina pela UFF Residência em Hematologia e Hemoterapia
no HUPE/UERJ

CONSELHO EDITORIAL PEBMED / Rafael Silva Duarte - Doutorado em


WHITEBOOK Ciências (Microbiologia) na Universidade
Bernardo Schwartz e Mello – Especialista Federal do Rio de Janeiro, Chefe do
em Cirurgia Geral pela Secretaria Municipal Laboratório de Micobactérias e Professor
de Saúde do Rio de Janeiro Associado do Depto. de Microbiologia
Médica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Dayanna de Oliveira Quintanilha -
Residente de Clínica Médica da Universidade
Federal Fluminense Rafael Erthal de Paula - Residência em
Ortopedia e Traumatologia no Instituto
Nacional de Traumatologia e Ortopedia,
Dolores Pereira Henriques da Silva - Médico do Centro de Cirurgia do Joelho
Mestrado profissional em Educação, Gestão do Instituto Nacional de Traumatologia e
e Difusão em Biociências na Universidade Ortopedia
Federal do Rio de Janeiro, Residência Médica
em Pediatria na Universidade do Estado do
Rio de Janeiro

Gustavo Guimarães Moreira Balbi -


Médico dos serviços de Clínica Médica
e Reumatologia, Hospital Universitário,
Universidade Federal de Juiz de Fora

Henrique Cal - Neurologista dos hospitais


Pró-Cardíaco e Copa D’Or (RJ), doutorando
em neurologia pela UFF
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

EDITORIAL pesquisa científica, mudanças importantes


foram sendo implementadas, notadamente no
Construção, modelagem e uso do
século XXI. Na carreira docente, a pesquisa
conhecimento técnico-científico
se tornou o eixo central do desenvolvimento
Construction, modeling and use of technical-
e progressão, para alguns até em demasia
scientific knowledge
quando comparado ao incentivo ao ensino e
Ronaldo Altenburg Odebrecht Curi Gismondi
à educação. Na formação discente, a iniciação
Professor Adjunto de Clínica Médica da Uni-
científica (IC) foi fomentada pela criação
versidade Federal Fluminense (UFF)
de disciplinas, implementação de bolsas
O médico, em sua formação, deve remuneradas e reconhecimento da publicação
adquirir habilidades que o permitam conhecer como um dos méritos da formação. E o aluno
o seu paciente, o meio em que ele vive, os passou a enxergar a IC não competindo, mas
processos que o levaram à doença, os que sim contribuindo para sua formação clínica.
determinam sua saúde, e propor medidas O Governo Federal atualizou as
para prevenção e tratamento. Além disso, há diretrizes curriculares nacionais para os
a formação humanística, de compreensão do cursos de graduação em medicina em 2014
ser humano e o desenvolvimento da empatia. e colocou a pesquisa científica em diversos
Neste texto, falaremos do primeiro aspecto, a itens, considerando o conhecimento científico
construção, modelagem e uso do conhecimento como a base para a tomada de decisões. A
técnico-científico. seção 3, no artigo 19, especifica: “promoção
Há 20 anos, a maior parte do ensino do pensamento científico e crítico e apoio
médico tradicional era baseado em livros- à produção de novos conhecimentos” e no
textos. Saber as últimas pesquisas e produções artigo 22 define “promoção do pensamento
era uma tarefa árdua: ir à biblioteca, consultar científico e crítico e apoio à produção de
o Index Medicus - algo como uma enciclopédia novos conhecimentos”, através de “estimular
- e depois caçar quais bibliotecas tinham quais e aplicar o raciocínio científico, formulando
revistas, de modo a fazer fotocópia dos artigos perguntas e hipóteses e buscando dados e
de interesse. Com a internet e a globalização, informações; análise crítica de fontes, métodos
hoje há uma enxurrada de informações, muito e resultados; identificação da necessidade de
mais que qualquer ser humano é capaz de produção de novos conhecimentos em saúde,
absorver. Isso trouxe novas dificuldades, como a partir do diálogo entre a própria prática,
identificar quais informações são relevantes, se a produção científica e o desenvolvimento
sua produção foi confiável, se a metodologia tecnológico disponíveis; favorecimento ao
empregada é adequada e se aqueles resultados desenvolvimento científico e tecnológico
já são passíveis de transposição para a prática voltado para a atenção das necessidades de saúde
diária. Conhecer o processo de pesquisa individuais e coletivas”. E, por fim, finaliza no
científica é a base para a solução dessas artigo 25: “O projeto pedagógico do Curso de
dificuldades. Graduação em Medicina deverá ser construído
Antigamente, a formação do coletivamente, contemplando atividades
pesquisador ocorria quando o profissional complementares, e deverá criar mecanismos de
ingressava no mestrado e/ou doutorado. A aproveitamento de conhecimentos, adquiridos
prática da pesquisa durante a graduação era rara, pelo estudante, mediante estudos e práticas
pois competia com a formação clínica, desejo independentes, presenciais ou a distância,
da maioria dos estudantes. Com a crescente como monitorias, estágios, programas de
importância do conhecer e contribuir para a iniciação científica, programas de extensão,

www.pebmed.com.br
6 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi
EDITORIAL Construção, modelagem e uso do conhecimento técnico-científico

estudos complementares e cursos realizados Palavras-chaves: pesquisa científica,


em áreas afins”. iniciação científica, tomada de decisões.
No currículo médico, a Universidade
Federal Fluminense (UFF) adotou um modelo Potenciais Conflitos de Interesses:
que pode servir de exemplo. A iniciação O autor declara não haver nenhum conflito de
científica (IC) é hoje disciplina obrigatória, interesse.
agregada ao conhecimento de epidemiologia
e bioestatística, ensinando sobre a busca do
conhecimento (pesquisa bibliográfica), a
formulação de hipóteses, construção e desenho
de estudos, as metodologias disponíveis
para testar/validar essas hipóteses, os testes
estatísticos mais apropriados e a leitura crítica
dos diversos tipos de estudo. Além disso, as
bolsas de IC e o crédito suplementar como
disciplina optativa ou eletiva estimulam o
aluno que deseja praticar a pesquisa clínica em
sua formação. E, por fim, o artigo científico
é aceito como uma das formas de trabalho
de conclusão de curso e conta pontos no
programa de acesso à residência médica em
nossa instituição.
A PEBMED, como fomentadora do
conhecimento médico, entrou no incentivo
à pesquisa científica, sendo a revista uma
das formas de participação. Neste número,
trouxemos as diretrizes mais atuais de
tratamento da esclerose múltipla. Além
disso, um belo artigo de revisão comenta do
reconhecimento, diagnóstico e tratamento
do delirium, patologia multifatorial que todo
plantonista de hospital irá atender algum dia
em sua vida. Há ainda um texto de autoria do
grupo de IC da UFF sobre hipertensão, que
versará sobre a importância da pressão arterial
no pré-operatório, visto que a hipertensão é
uma das causas mais comuns de suspensão
das cirurgias eletivas. E, por fim, separamos
alguns casos clínicos interessantes, cujo
processo diagnóstico e de tratamento serve
como base para vivências práticas futuras.

www.pebmed.com.br
Índice 7
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

ARTIGO DE REVISÃO a narrative review of the literature with the


objective of discussing the presentations
Delirium em Unidades de Terapia
regarding delirium in children in Pediatric
Intensiva Pediátrica
Intensive Care Units. The following items
Delirium in Pediatric Intensive Care Units
are addressed: definition of delirium,
¹Roberta Esteves Vieira de Castro, ²Maria
epidemiology, risk factors, pathophysiology,
Clara de Magalhães Barbosa, ³Arnaldo
clinical manifestations, diagnosis, prevention
Prata Barbosa, ⁴Elie Cheniaux
and treatment.
¹Médica pediatra intensivista, Doutoranda em
Ciências Médicas na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro, ²Médica pediatra intensi- Keywords: delirium; children; pediatric
vista, Doutora em Epidemiologia na Univer- intensive care units; pediatrics.
sidade do Estado do Rio de Janeiro, ³Médico
pediatra intensivista, Doutor em Pediatria Introdução
na Universidade Federal do Rio de Janeiro, A palavra delirium é derivada do latim
⁴Médico psiquiatra. Doutor em Psiquiatria, deliro-delirare, que significa “estar fora de
Psicanálise e Saúde Mental na Universidade si”, “estar fora do caminho” ou “estar fora dos
Federal do Rio de Janeiro. trilhos”. Simbolicamente, conota aquele que
está desorientado [4, 35, 23, 27].
O delirium é uma síndrome de
Resumo: A literatura tem mostrado que o disfunção cerebral aguda potencialmente fatal,
manejo do delirium em crianças depende do que se manifesta por alterações flutuantes e
seu diagnóstico correto, da prevenção dos transitórias da consciência com uma grande
fatores de risco e do tratamento de suas causas. variedade de manifestações clínicas. Ocorre,
Recentemente, foram validadas ferramentas com frequência, em pacientes graves [16,
para o diagnóstico de delirium em crianças, e 38]. Caracteriza-se por alterações mentais
pesquisas para elucidação deste distúrbio têm e comportamentais transitórias de início
crescido nos últimos anos. Esta é uma revisão agudo, com redução das funções cognitivas,
narrativa da literatura com o objetivo de rebaixamento do nível de consciência,
discutir as atualidades em relação ao delirium desatenção, diminuição ou aumento da
em crianças em Unidades de Terapia Intensiva atividade psicomotora e desordem no ciclo
Pediátrica. São abordados os seguintes itens: sono-vigília [42, 12, 8].
definição de delirium, epidemiologia, fatores De acordo com o Manual Diagnóstico
de risco, fisiopatologia, quadro clínico, e Estatístico de Transtornos Mentais
diagnóstico, prevenção e tratamento. (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders – DSM®), em sua quinta edição
Palavras-chave: delirium, crianças, unidades (DSM-5®), o delirium é uma perturbação da
de terapia intensiva pediátrica, pediatria. atenção e da consciência acompanhada por
alteração da cognição que não pode ser bem
Abstract: The literature has shown that the explicada por uma demência preexistente ou
management of delirium in children depends em evolução. Esta perturbação se desenvolve
on its correct diagnosis, the prevention of em um curto espaço de tempo, com tendência
risk factors and the treatment of its causes. a flutuar ao longo do dia, e é uma consequência
Recently, tools for the diagnosis of delirium fisiológica direta de outra condição médica,
in children have been validated, and research de intoxicação ou abstinência de algum
to elucidate this disorder has grown. This is medicamento, de exposição a uma toxina ou

www.pebmed.com.br
8 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

decorrente de múltiplas etiologias [2]. observaram que todas apresentaram delirium


Apesar de ser um estado confusional em algum momento de sua internação.
agudo temporário, tem sido fortemente
associado a um prognóstico reservado, como Fatores de Risco
aumento da permanência na Unidade de A etiologia do delirium é complexa,
Terapia Intensiva (UTI) e comprometimento com muitas vias fisiopatológicas possíveis.
cognitivo em longo prazo (em até três meses a A maioria dos pesquisadores acha que o
um ano após a alta hospitalar), caracterizando delirium resulta de uma combinação de
um dos componentes da síndrome pós-terapia fatores predisponentes e precipitantes [36].
intensiva, além de causar sofrimento aos Os fatores de risco predisponentes (ou de
pacientes e seus familiares [32, 36, 50, 14]. vulnerabilidade) referem-se aos próprios
Ademais, é responsável por um aumento geral pacientes e suas doenças, sendo raramente ou
de 85% dos gastos hospitalares (p < 0,0001) [48]. nunca modificáveis. Os fatores precipitantes
O interesse no estudo do delirium em estão relacionados à intensidade da doença, à
pacientes pediátricos cresceu rapidamente na terapêutica empregada e ao ambiente, podendo
última década, mudando o foco da definição e ser modificáveis [7, 13, 29]. Os dispositivos
quadro clínico para a validação de ferramentas invasivos, os sedativos (principalmente
diagnósticas, fatores de risco, manejo e suas midazolam) e as transfusões de concentrado
consequências [50]. O objetivo do presente de hemácias estão associados ao diagnóstico
estudo foi revisar o panorama atual da de delirium e devem ser considerados os
literatura sobre delirium em Unidade de principais fatores de risco modificáveis na
Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP). UTI [37, 14].
Em crianças, os fatores de risco para
Epidemiologia delirium incluem: idade inferior a 2 anos,
Embora o delirium esteja bem presença de atraso de desenvolvimento
documentado em adultos e idosos cognitivo e/ou outras comorbidades prévias,
hospitalizados, ocorrendo entre 42 e 80% gravidade da doença, hipoalbuminemia,
desta população, os dados epidemiológicos ventilação mecânica, uso de benzodiazepínicos
do delirium em pediatria não são bem e medicamentos anticolinérgicos, pós-
descritos [41, 49, 21]. Esta escassez de dados operatório de cirurgias cardíacas com
sobre a epidemiologia em crianças ocorre, circulação extracorpórea, tempo prolongado
em parte, devido à insuficiência de rastreio de internação na UTI, imobilização e uso de
generalizado, ao desconhecimento sobre o contenções físicas [36].
tema e à carência de estudos baseados em
evidências [43]. Sabe-se, no entanto, que Fisiopatologia
é uma complicação comum em UTIP [17, Alguns autores propõem que os
36]. Pesquisas mais atuais mostram que a fatores precipitantes sejam classificados em
prevalência de delirium em UTIP varia de 8,9 duas categorias: insultos diretos ao cérebro
a 65,6% e a incidência pode chegar a 57% e respostas aberrantes ao estresse, que
em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca provocariam alterações cerebrais, culminando
[45, 25, 33, 1]. A prevalência e a incidência em delirium. Insultos diretos ao cérebro
são variáveis conforme a população estudada englobam: privação de energia (hipoxemia,
[2, 6]. Recentemente, Patel e colaboradores hipoglicemia, hipotensão, trombose,
(2017) analisaram oito crianças submetidas infarto cerebral); distúrbios metabólicos
à oxigenação por membrana extracorpórea e (hipo/hipernatremia, hipercalcemia,

www.pebmed.com.br
Índice 9
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

hiperamonemia, hiperglicemia); lesão em classificado de acordo com a atividade


sistema nervoso central (SNC) (lesão axonal motora em hipoativo, hiperativo ou misto. A
difusa, hemorragia, lesão penetrante); criança com delirium hipoativo é apática e
infecção (infecção primária do SNC, invasão desinteressada. Em geral, está silenciosa no
hematogênica do SNC); neoplasias (tumores leito, não faz contato ocular e não alcança seus
primários do SNC/metástases) e toxicidade por brinquedos. A criança com delirium hiperativo
drogas (anticolinérgicos, benzodiazepínicos, é irritada, apesar do tratamento adequado da
opioides). Já as respostas aberrantes ao estresse dor, e pode se debater. Uma criança agitada,
incluem: inflamação (insultos periféricos lutando contra o ventilador e recebendo
com sinalização exagerada, alteração da doses crescentes de sedativos por ser difícil
barreira hematoencefálica); disfunção do de sedar, deve ser considerada delirante até
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (cortisol que se prove o contrário. Portanto, a “criança
elevado/perda do ritmo circadiano) e resposta inconsolável” deve chamar a atenção da
exagerada do sistema nervoso simpático equipe para o delirium hiperativo. No subtipo
(aumento de adrenalina) [30, 31]. misto, a criança flutua entre estados de hipo
Em crianças, as teorias propostas e de hiperatividade [3, 46]. Pesquisas sobre
para tentar esclarecer a fisiopatologia delirium em crianças têm mostrado uma
do delirium incluem: a hipótese da predominância do subtipo hipoativo [18, 36].
neuroinflamação, a hipótese da desregulação
de neurotransmissores, a hipótese do estresse Diagnóstico
oxidativo, a hipótese da imaturidade neuronal As principais barreiras identificadas
e a hipótese da desregulação do sono ou da para o diagnóstico e manejo do delirium são:
melatonina [32, 36, 1, 11]. Seja qual for a falta de conhecimento e de consciência sobre
fisiopatologia correspondente, o resultado final a importância do delirium, falhas no ensino,
é o mesmo: neurotransmissão alterada que leva falta de tempo hábil para repetidas avaliações
a uma falha de integração e de processamento clínicas, carência de pessoal treinado e a
de informação sensorial e de resposta motora, cultura das unidades foram assinalados como
culminando nas características do delirium obstáculos para a melhoria no manejo de
[36]. delirium [34].
O diagnóstico de delirium em crianças
Quadro Clínico graves pode ser bastante desafiador, devido
Os sintomas de delirium podem ser aos diferentes níveis de desenvolvimento
divididos em cognitivos e comportamentais. cognitivo, além dos efeitos da doença aguda
Entre os sintomas cognitivos estão: e das intervenções realizadas na capacidade
desorientação, incapacidade para sustentar a de comunicação do paciente com sua família
atenção, comprometimento da memória, prejuízo e seus cuidadores [28]. O diagnóstico também
da capacidade visuoespacial e diminuição do é dificultado pela carência de psiquiatras
nível de consciência. Sintomas comportamentais disponíveis em UTIP, o que justifica a
incluem: irritabilidade, alucinações e distúrbios relevância do uso de ferramentas para
do ciclo sono-vigília. O quadro clínico pode avaliação de delirium nessas unidades. Estas
variar amplamente entre os pacientes: alguns ferramentas devem ser confiáveis e válidas,
manifestam sonolência enquanto outros mostram- de aplicação rápida e fácil e apropriadas para
se ansiosos e combativos [9]. avaliar os componentes primários do delirium
Assim como ocorre em pacientes na ausência de um psiquiatra [16]. Algumas
adultos, o delirium em crianças pode ser ferramentas para diagnóstico de delirium em

www.pebmed.com.br
10 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

UTIP foram validadas: Pediatric Confusion O uso de uma abordagem não


Assessment Method for the Intensive Care farmacológica para prevenção e tratamento
Unit (pCAM-ICU); Pediatric Anesthesia do delirium tem sido bem estabelecido
Emergence Delirium Scale (PAED); Cornell em pacientes adultos [20]. Existe limitada
Assessment of Pediatric Delirium (CAPD); evidência de que estas intervenções possam
PreSchool Confusion Assessment Method ser extrapoladas para crianças, mas o bom
for the Intensive Care Unit (psCAM-ICU) e senso sugere que devam também ser efetivas
Sophia Observation Withdrawal Symptoms - em pediatria [40].
Pediatric Delirium Scale (SOS-PD) [44, 26, Nas recentes “Diretrizes de Prática
42, 47, 25]. A decisão para o uso de cada uma Clínica e Gerenciamento de Dor, Agitação/
delas varia de acordo com as circunstâncias Sedação, Delirium, Imobilidade e Interrupção
e escolhas da equipe [40]. Para Harris e do Sono em pacientes adultos em UTI”
colaboradores (2016), a avaliação de delirium (Clinical Practice Guidelines for the
com o uso de ferramentas deve ser feita a Management of Pain, Agitation/Sedation,
cada oito a 12 horas (no mínimo uma vez a Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in
cada plantão de 12h), 24 a 48 horas após Adult Patients in the Intensive Care Unit), os
admissão ou de acordo com o quadro clínico autores sugerem a adoção de uma abordagem
do paciente (GRAU DE RECOMENDAÇÃO não farmacológica para a prevenção
= D) (HARRIS et al., 2016). e tratamento do delirium, incluindo a
O diagnóstico diferencial entre delirium minimização de fatores de risco modificáveis,
e síndrome de abstinência é um dos grandes melhorando a cognição e otimizando o sono,
desafios em UTIP. A evolução de ambos pode a mobilidade, a audição e a visão em adultos
ser muito semelhante. Uma apresentação em UTI (recomendação condicional, baixa
prolongada de síndrome de abstinência deve qualidade de evidência) [14].
levantar suspeita de delirium [28]. A abordagem não farmacológica
consiste em avaliação de rotina do nível de
Prevenção e Tratamento sedação dos pacientes, objetivando a sedação
A prevenção e o tratamento do baseada em metas para que o paciente
delirium em UTIP podem se beneficiar de permaneça confortável, mas despertável,
uma abordagem multidisciplinar baseada evitando-se o uso de benzodiazepínicos.
na identificação do delirium e, se possível, Além disso, a causa de base do delirium
na correção das condições clínicas que deve ser corrigida, se possível. Na suspeita
possam estar contribuindo para o seu de iatrogenia, a equipe deve revisar a
desenvolvimento. O manuseio do delirium é prescrição e descontinuar medicamentos
baseado no tratamento de sua causa subjacente. que não são mais necessários, reiniciando os
No entanto, a modificação ou correção da medicamentos de uso crônico o quanto antes
condição subjacente nem sempre é possível e reduzindo a exposição a medicamentos que
devido à complexidade do quadro clínico possam ocasionar delirium. A mobilização
de pacientes graves. Sendo assim, deve ser precoce e a regularização do ciclo sono-vigília
dada atenção à redução dos demais fatores de devem ser estimuladas por toda a equipe. O
risco, principalmente os modificáveis (como ambiente deve ser confortável, com objetos
o ambiente da UTIP), melhorando o conforto familiares ao paciente. Deficiências visuais e/
do paciente delirante. Além disso, é essencial ou auditivas devem ser corrigidas com o uso
fornecer apoio psicossocial a uma criança com de óculos e/ou aparelhos auditivos [15]. A
delirium e a sua família [3, 50]. literatura também sugere outras intervenções

www.pebmed.com.br
Índice 11
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

não farmacológicas como: otimização da Referências Bibliográficas:


estimulação sensorial (aumentar a interação
1 Alvarez RV. Delirium is a Common
social no delirium hipoativo e transferir os
and Early Finding in Patients in the Pediatric
pacientes com delirium hiperativo para quartos
Cardiac Intensive Care Unit. The Journal of
mais silenciosos); incentivo, quando possível,
Pediatrics, 2018 Jan; 195:206-12.
à ingestão de alimentos e bebidas; atenção à
presença de fecaloma e bexigoma; terapia 2 American Psychiatric Association.
com animais (animal-assisted interventions) e Diagnostic and Statistical Manual of
os diários de UTI [5, 24, 40, 29, 10, 22]. Mental Disorders. 5th ed. Washington, DC:
Com uma abordagem não farmacológica American Psychiatric Association, 2013.
sistemática para tentar minimizar os fatores
de risco, que funcionam como gatilhos para 3 Bettencourt A, Muellen JE.
o delirium, a maioria das crianças apresenta Delirium in Children: Identification,
melhora. Entretanto, se a agitação persiste, Prevention, and Management. Critical
a abordagem farmacológica deve ser Care Nurse, 2017 Jun; 37(3):e9-18.
considerada, com o uso de antipsicóticos e/ou
dexmedetomidina. O uso destes medicamentos 4 Brandão FR, Dalgalarrondo, P.
é off-label: o Food and Drug Administration Instrumentos de Avaliação de Quadros
(FDA) ainda não aprovou o uso de Confusionais (Delirium) em Idosos. In: Neri
antipsicóticos e/ou de dexmedetomidina para AL, Yassuda MS, Cachioni M. Velhice Bem-
o tratamento do delirium em pediatria [36]. sucedida: Aspectos Afetivos E Cognitivos.
3a ed. Campinas: Papirus, 2008. p. 205-9.
Conclusões
Nos últimos anos, o aumento da 5 Burns A, Gallagley A, Byrne J.
conscientização sobre a ocorrência do delirium Delirium. Journal of Neurology,
em crianças tem incentivado mais estudos Neurosurgery & Psychiatry, 2004; 75(3):362-7.
sobre o tema, proporcionando a criação de
ferramentas diagnósticas para sua identificação 6 Capone Neto A. Epidemiologia Geral
precoce e pesquisas sobre a melhor forma do Delirium. In: Gusmão-Flôres D, Capone
de abordagem para prevenção e tratamento Neto A, editores. Delirium no Paciente Grave.
deste distúrbio. A modificação do ambiente, Rio de Janeiro: Atheneu, 2013. p. 9-11.
tornando-o mais hospitaleiro, a redução no
emprego de múltiplos medicamentos e o 7 Capone Neto A, Dalfior L Jr. Delirium:
uso controlado de benzodiazepínicos podem Fatores de Risco. In: Gusmão- Flôres D,
reduzir sua ocorrência. No entanto, mais Capone Neto A, editores. Delirium no Paciente
estudos são necessários para determinar os Grave. Rio de Janeiro: Atheneu, 2013. p. 53-8.
efeitos cognitivos e psicológicos em longo
8 Cano Londoño EM, et al. Delirium
prazo do delirium pediátrico. Além disso,
during the first evaluation of children
estudos de intervenção são necessários para
aged five to 14 years admitted to
estabelecer melhores práticas para prevenção
a paediatric critical care unit. Intensive
e tratamento do delirium em crianças graves.
& Critical Care Nursing, 2018; 45:37-43.
Potenciais Conflitos de Interesses: Os
9 Cavallazzi R, Saad M, Marik
autores declaram não haver nenhum conflito
P. Delirium in the ICU: an overview.
de interesse.
Annals of Intensive Care, 2012 Dec; 2:49.

www.pebmed.com.br
12 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

10 Concord Hospital. Delirium Delirium Assessment By Psychiatrists.


Prevention and Management [Internet]. Psychosomatics. 2017; 58(4):355-63.
2015. [acesso em 15 Jul 2016] Disponível
em: http://www.concordhospital.org/services/ 18 Goben C, et al. Pediatric Delirium
delirium-prevention-and-management. Prevalence and Motoric Subtypes in Critically
Ill Infants and Young Children. Critical
11 Crawford J, et al. Pediatric Delirium. Care Medicine. 2014 Dec; 42(12):A1391.
In: Driver DI, Thomas S. Complex Disorders
in Pediatric Psychiatry: A Clinician’s Guide. 19 Harris J, et al. Clinical
St. Louis: Elsevier, 2018. p. 135-154. recommendations for pain, sedation,
withdrawal and delirium assessment in
12 Cruz JN, et al. Incidência de critically ill infants and children: an ESPNIC
delirium durante a internação em unidades position statement for healthcare professionals.
de terapia intensiva em pacientes pré Intensive Care Medicine. 2016; 42:972-86.
tratados com estatinas no pós-operatório
de cirurgia cardíaca. Revista Brasileira 20 Hipp D, Ely EW. Pharmacological
de Terapia Intensiva. 2012; 25(1):52-7. and Nonpharmacological Management
of Delirium in Critically Ill Patients.
13 Daltro-Oliveira R, Gusmão-Flôres Neurotherapeutics. 2012 Jan; 12(1):158-75.
D, Quarantini LC. Delirium. In: Quevedo J,
Carvalho A. Emergências Psiquiátricas. 21 Holly C, et al. Recognizing Delirium
3a ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. p. 87-99. in Hospitalized Children: A Systematic
Review of the Evidence on Risk Factors
14 Devlin JW, et al. Clinical Practice and Characteristics. The American
Guidelines for the Prevention and Journal of Nursing. 2018 Apr; 118(4).
Management of Pain, Agitation/Sedation,
Delirium, Immobility, and Sleep Disruption in 22 Hosey M, et al. Animal-assisted
Adult Patients in the ICU. Critical intervention in the ICU: a tool for
Care Medicine. 2018 Sept; 46(9):e-825-73. humanization. Critical Care. 2018; 22(22).

15 Devlin JW, Fraser GL, Riker RR. Drug- 23 Humes EC. Delirium. In:
induced coma and delirium. In: Papadopoulos Humes EC, Vieira MEB, Fráguas R
J, Cooper B, Kane-Gill S, et al., editores. Jr, editores; Hübner MMC, Olmos
Drug-Induced Complications in the Critically RD, et col. Psiquiatria Interdisciplinar.
Ill Patient: A Guide for Recognition and Barueri: Manole, 2016. Capítulo 16.
Treatment. Mount Prospect: Society of
Critical Care Medicine, 2012. p. 107-16. 24 ICU-DIARY. ICU-Diary. 2 0 1 2 .
[acesso em 14 set 2018] Disponível em:
16 Faria RSB, Moreno RP. Delirium na http://www.icu-diary.org/diary/start.html.
unidade de cuidados intensivos: uma realidade
subdiagnosticada. Revista Brasileira de 25 Ista E, et al. Sophia Observation
Terapia Intensiva. 2013; 25(2):137-47. Withdrawal Symptoms-Paediatric Delirium
scale: A tool for early screening of delirium
17 Gangopadhyay M, et al. Development in the PICU. Australian Critical Care.
of the Vanderbilt Assessment for Delirium in 2017 Aug; S1036-7314(17):30283-7.
Infants and Children to Standardize Pediatric

www.pebmed.com.br
Índice 13
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

26 Janssen NJJF, et al. On the utility of 34 Morandi A, et al. Consensus and


diagnostic instruments for pediatric delirium variations in opinions on delirium care: a survey
in critical illness: an evaluation of the of European delirium specialists. International
Pediatric Anesthesia Emergence Delirium Psychogeriatrics. 2013; 25(12):2067-75.
Scale, the Delirium Rating Scale 88, and
the Delirium Rating Scale-Revised R-98. 35 Page V, Ely EW. What is delirium
Intensive Care Medicine. 2011; 37:1331-7. in critical care? In: Page V, Ely EW.
Delirium in Critical Care. 2nd ed. Vuylsteke
27 Kaya D. Delirium: From the A, editor. United Kingdom: Cambridge
Past to Present. In: Isik AT, Grossberg University Press, 2015. Chapter 1, p. 1-13.
GT, editores. Delirium in Elderly
Patients. Cham: Springer, 2018. p. 1-5. 36 Patel AK, Bell MJ, Traube C. Delirium
in Pediatric Critical Care. Pediatric Clinics of
28 Kudchadkar SR, et al. Pain and North America. 2017; 64:1117-32.
Sedation Management. In: Nichols DG,
Shaffner DH. Rogers’ Textbook of Pediatric 37 Salluh JIF, et al. Delirium epidemiology
Intensive Care. 5a ed. Philadelphia: in critical care (DECCA): an international
Wolters Kluwer Health, 2016. p. 132-64. study. Critical Care. 2010; 14(6):R210.

29 Lago PM, Molon ME, Piva JP. 38 Salluh JIF, Stevens RS. Aumento da
Síndrome de Abstinência e Delirium conscientização sobre delirium em pacientes
em UTI Pediátrica. In: Piva JP, Garcia criticamente enfermos. Revista Brasileira
PCR. Medicina Intensiva Pediátrica. 2a ed. de Terapia Intensiva. 2013; 25(2):75-6.
Rio de Janeiro: Revinter, 2015. p. 1127-52.
39 Schieveld JN, Janssen NJ. Delirium in
30 Maclullich AM, et al. U n r a v e l l i n g the pediatric patient: On the growing awareness
the pathophysiology of delirium: a of its clinical interdisciplinary importance.
focus on the role of aberrant stress JAMA Pediatrics. 2014 Jul; 168(7):595-6.
responses. Journal of Psychosomatic
Research. 2008 Sept; 65(3): p. 229-38. 40 Schieveld JNM, et al. P e d i a t r i c
delirium: A practical approach. In:
31 Maclullich A, Marcantonio E, Meagher Rey J, editor. IACAPAP e-Textbook of
D. Delirium. In: Michel JP, Walston JD. Oxford Child and Adolescent Mental Health.
Textbook of Geriatric Medicine. 2017. p. 363-71. Geneva: International Association
for Child and Adolescent P s y c h i a t r y
32 Maldonado JR. Acute Brain and Allied Professions, 2015. Chapter 1.5.
Failure: Pathophysiology, Diagnosis,
Management, and Sequelae of Delirium. 41 Shaw RJ, Demaso DR. Clinical Manual
Critical Care Clinics. 2017; 33:461–519. of Pediatric Psychosomatic Medicine:
Mental Health Consultation With Physically
33 Meyburg J, et al. Risk Factors for the Ill Children and Adolescents. Washington, D.
Development of Postoperative Delirium in C, American Psychiatry Publishing, 2006.
Pediatric Intensive Care Patients. Pediatric
Critical Care Medicine. 2018 Jul; 27. 42 Silver G, et al. Detecting pediatric
delirium: development of a rapid
observational assessment tool. Intensive

www.pebmed.com.br
14 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Castro et al
ARTIGO DE REVISÃO Delirium em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica

Care Medicine. 2012; 38:1025-31.

43 Silver G, et al. Pediatric Delirium and


Associated Risk Factors: A Single-Center
Prospective Observational Study. Pediatric
Critical Care Medicine. 2015 May; 16(4):303-9.

44 Smith HAB, et al. Diagnosing


delirium in critically ill children: Validity
and reliability of the Pediatric Confusion
Assessment Method for the Intensive Care
Unit. Critical CareMedicine.2011;39(1):150-7.

45 Smith HAB, et al. The Preschool


Confusion Assessment Method for the ICU:
Valid and Reliable Delirium Monitoring for
Critically Ill Infants and Children. Critical
Care Medicine. 2016; 44(3):592-600.

46 Thom RP. Pediatric Delirium. The


American Journal of Psychiatry Residents’
Journal. 2017 Feb; 12(2):6-8.

47 Traube C, et al. Cornell Assessment of


Pediatric Delirium: a valid, rapid, observational
tool for screening delirium in the PICU.
Critical Care Medicine. 2014; 42(3):656-63.

48 Traube C, et al. Cost Associated


with Pediatric Delirium in the ICU. Critical
Care Medicine. 2016 Dec; 44(12):e1175-9.

49 Trzepacz P, Meagher DJ. Aspectos


neuropsiquiátricos do delirium. In: Yudosfsky
S, Hales R. Fundamentos da Neuropsiquiatria
e Ciências do Comportamento. 2a ed. Porto
Alegre: Artmed, 2015. Capítulo 5, p. 159-231.

50 Turkel SB. Pediatric Delirium:


Recognition, Management, and Outcome.
Current Psychiatry Reports. 2017; 19(101).

www.pebmed.com.br
Índice 15
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

ARTIGO DE REVISÃO medical school, it is important to adapt the


curriculum to meet the needs of this population
Semiologia no paciente com deficiência
group. Semiology is the first contact of the
física
student in training with the care of patients,
Semiology in physically handicapped patient
including those with disabilities, and can
¹Ronaldo Altenburg Gismondi, ²Luís
serve as an important step in the qualification
Otávio Mocarzel, ³Erito Marques de Souza
of the medical professional to attend them. In
Filho, ³Nicholas Cafieiro Peixoto, ³Ana
this article, we reviewed the main steps of the
Carolina Teixeira Pires
physical examination that must be adapted to
¹Professor Adjunto de Clínica Médica
the physically handicapped patient (as Law
e Semiologia da Universidade Federal
Decree 3298/1999).
Fluminense, ²Professor Associado de Clínica
Médica da Universidade Federal Fluminense, Keywords: Physically Handicapped; Physical
³Graduando em Medicina da Universidade Examinations; History Taking, Medical.
Federal Fluminense
Introdução
Resumo: A Lei Brasileira de Inclusão da
A legislação brasileira define a
Pessoa com Deficiência (Lei 13146/2015)
deficiência física como uma alteração que pode
foi promulgada com o intuito de assegurar
ocorrer de maneira completa ou parcial em um
e promover, em condições de igualdade,
ou mais segmentos do corpo humano, levando
o exercício dos direitos e das liberdades
a um comprometimento da função física [1].
fundamentais pelas pessoas com deficiência,
De acordo com informações do censo de
visando sua inclusão social e cidadania. Na
2010 do Instituto Brasileiro de Geografia
escola médica, é importante a adaptação
e Estatística (IBGE), 1,3% da população
do currículo para atender as necessidades
brasileira tinha algum tipo de deficiência
deste grupo populacional. A semiologia é o
física – o que correspondia na época a cerca de
primeiro contato do estudante em formação
2.480.000 pessoas. Quase metade desse total
com o atendimento aos pacientes, incluindo
(46,8%) tem limitações em grau intenso ou
aqueles com deficiência, e pode servir
muito intenso e somente 18% dessa população
como etapa importante na capacitação do
frequenta algum serviço de reabilitação [2,3].
profissional médico para atendê-los. Neste
Dentre as causas para um expressivo
artigo, foram revistas as principais etapas do
número de pessoas com deficiência, destacam-
exame semiológico que devem ser adaptadas
se a violência presente nos centros urbanos
ao paciente com deficiência física, conforme
e rurais, os acidentes de trânsito, bem como
definição do Decreto 3298/1999.
o processo natural de envelhecimento da
população, com várias deficiências decorrentes
Palavras-chave: pessoa com
de acometimento crônico, como o diabetes
deficiência, exame físico, anamnese.
melito e as doenças osteoarticulares [4]. Por
outro lado, a deficiência física, assim como
Abstract: The Brazilian Law on the Inclusion os demais tipos de deficiência, é caracterizada
of Persons with Disabilities (Law 13146/2015) por estigma e preconceito, inclusive por
was enacted with the purpose of ensuring and parte de alguns profissionais de saúde, sendo
promoting, under conditions of equality, the os pacientes com deficiência submetidos a
exercise of fundamental rights and freedoms uma importante privação da participação na
by persons with disabilities, with a view sociedade em diversos campos [5]. Nesse
to their social inclusion and citizenship. At sentido, a Lei 13.146/15 foi promulgada com o

www.pebmed.com.br
16 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

intuito de assegurar e promover, em condições – e não o seu acompanhante. Caso o paciente


de igualdade, o exercício dos direitos e das utilize cadeira de rodas, o ideal é que o
liberdades fundamentais pelas pessoas com médico esteja sentado, para que se olhem
deficiência, visando sua inclusão social e na mesma altura. A coleta de informações
cidadania [6]. com o acompanhante deve ocorrer apenas
Apesar de avanços dessa natureza, quando houver impossibilidade de expressão
a inclusão e o tratamento com equidade de do paciente. Mesmo assim, primeiro deve ser
pacientes com deficiência física ainda consiste tentada a coleta diretamente com o paciente e,
em um grande desafio. No serviço de saúde, no insucesso, é importante explicar-lhe que as
os obstáculos enfrentados atualmente por demais informações serão perguntadas ao seu
esses indivíduos não se limitam à histórica acompanhante.
defasagem estrutural do SUS. Na escola
médica, é importante a adaptação do currículo Sinais Vitais
para atender as necessidades da pessoa Os sinais vitais do paciente são a
com deficiência. A semiologia é o primeiro pressão arterial (PA), frequência cardíaca
contato do estudante em formação com o e respiratória, bem como temperatura.
atendimento aos pacientes, incluindo aqueles Obviamente, no paciente com amputação de
com deficiência, e pode servir como etapa algum membro, não será possível a medida
importante na capacitação do profissional da PA nesse local. Deve-se, então, medi-la
médico para atendê-los. normalmente nos membros presentes. No raro
O objetivo deste trabalho é destacar caso de um paciente não apresentar nenhum
aspectos no ensino da semiologia importantes dos quatro membros, o exame da pressão
no atendimento à pessoa com deficiência. arterial pelo método convencional com o uso
Para este trabalho, o foco serão as pessoas de manguitos ficará inviabilizado. Métodos
com deficiência física conforme Decreto invasivos podem ser pensados, como o uso
3298/1999 (Tabela 1). de cateteres de pressão central, contudo será
válido apenas em situações extremas e em
Anamnese ambiente de internação.
A estrutura e os elementos fundamentais Com relação ao pulso arterial, é
da anamnese e do exame são os mesmos para importante não negligenciar os pulsos mesmo
qualquer pessoa com deficiência. Entretanto, em um coto amputado, pois a doença isquêmica
algumas manobras podem ser, se necessário, arterial pode favorecer ulcerações neste local.
adequadas às limitações físicas que porventura Em relação à temperatura, a boca e o ânus são
possam estar presentes. Todo exame deve alternativas à tradicional medida axilar, ainda
ser explicado para o paciente antes de sua que existam diferenças sutis nos valores desses
sítios. A frequência respiratória normalmente
realização e as eventuais dúvidas devem ser
é medida pela visualização do movimento
adequadamente esclarecidas. Em particular,
da caixa torácica e raramente é afetada pela
durante uma anamnese, um pré-julgamento de presença de deficiência física. Para adaptar
uma pessoa com deficiência pode conduzir a o exame, pode-se encostar a mão no tórax do
graves equívocos, como não valorização dos paciente (e sentir a movimentação da caixa
sintomas, um exame físico incompleto e a torácica) ou até mesmo utilizar a ausculta
perda da empatia na relação médico-paciente. pulmonar para estimar a frequência respiratória.
Um aspecto muito importante é que Ectoscopia
a anamnese deve ser direcionada e coletada Na ectoscopia, obtém-se uma visão
diretamente com o paciente com deficiência global do estado do paciente. Em uma pessoa

www.pebmed.com.br
Índice 17
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

com deficiência, esta é uma etapa fundamental comprometimento importante da respiração.


para avaliar a presença de úlceras de pressão O nervo frênico tem origem entre C3 e C5
(escaras), cicatrizes de procedimentos e com frequência estes pacientes fazem uso
anteriores, sinais indicativos de desidratação da musculatura abdominal como apoio.
e deficiência vitamínica (padrão das unhas, Além disso, a maioria dos pacientes com
turgor de pele, etc.). É imprescindível lesão na medula cervical provavelmente
procurar possíveis sinais indicativos de maus estará traqueostomizada (TQT), o que trará
tratos, tais como hematomas e cicatrizes. peculiaridade na ausculta respiratória. Em
Adicionalmente, na ectoscopia é possível pacientes com TQT, é comum encontrarmos
identificar qual é a deficiência do paciente, para roncos devido ao acúmulo de secreção. Da
que se possa planejar a adaptação do exame mesma forma, a análise da quantidade e
físico subsequente. É importante lembrar que o aspecto da secreção se tornam importantes na
fato do paciente não conseguir se movimentar avaliação médica.
não é motivo para uma ectoscopia incompleta.
Caso o paciente não seja capaz de trocar de Aparelho Cardiovascular
decúbito ou de sentar, o médico deve auxiliar, Na história, é importante frisar que
com apoio da equipe de enfermagem, para que o paciente com lesão medular alta pode não
seu dorso e região perineal sejam examinados. apresentar angina clássica, e os sinais de
É preciso que o médico e a equipe saibam como doença coronariana podem ser atípicos, como
fazê-lo, e sempre perguntar ao paciente qual a dispneia e sudorese profusa – os chamados
forma mais confortável de fazê-lo, percebendo equivalentes anginosos. No exame físico,
que cada pessoa é diferente, embora possa o paciente com deficiência pode necessitar
apresentar o mesmo tipo de lesão ou condição. de auxílio para manobras posicionais, como
Por fim, devemos lembrar de estimar o peso avaliação adequada dos pulsos vasculares na
do paciente, havendo balanças especiais para região cervical e a ausculta cardíaca. Algumas
pacientes que não possam ficar de pé. Estas manobras que necessitam da posição ortostática
balanças são comuns em hospitais de alta podem não ser possíveis no paciente que não
complexidade, mas raramente disponíveis nos consegue ficar de pé, como, por exemplo, a
ambulatórios e consultórios. manobra de acocoramento para identificação
do sopro da miocardiopatia hipertrófica. Por
Aparelho Respiratório fim, um aspecto muito importante é avaliar a
Uma atenção especial nos pacientes presença de hipotensão postural, presente em
com decúbito prolongado, como aqueles com pacientes com disautonomia. A maior parte
lesão medular alta, é a avaliação do aparelho dos pesquisadores recomenda a medida da PA
respiratório, pois podem haver evidências após 3 minutos em ortostase.
clínicas de atelectasia e/ou derrame pleural.
Em ambos, há redução do murmúrio vesicular Abdômen
com macicez à percussão. Contudo, no Para que o exame do abdômen do
derrame há desvio do mediastino (traqueia) paciente com deficiência seja feito com
para o lado contralateral, bem como presença qualidade, é fundamental que se esclareça
de egofonia (voz caprina à ausculta) na borda com precisão se há comprometimento
superior, o que não ocorre na atelectasia. neurológico. Isso porque uma lesão medular
É fundamental também a análise pode comprometer a avaliação de dor (seja
do padrão ventilatório, pois pacientes com hiper- ou hipoestesa) e sinais de irritação
lesão na medula cervical podem apresentar peritoneal. Essa dificuldade pode ser percebida

www.pebmed.com.br
18 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

também em pacientes vítimas de acidente úlceras, sinais de trombose venosa profunda


cerebral vascular, com sequelas de alteração e o estado dos pulsos pediosos e poplíteos.
de sensibilidade. Nesse grupo de pacientes, a Em uma pessoa com deficiência deve-se
alternativa é valorizar a presença de sintomas considerar a presença de possível redução
constitucionais gerais, como febre, calafrio, da sensibilidade, e, portanto, lesões que
astenia, taquicardia, taquipneia, sudorese, podem passar despercebidas pelo paciente. É
inapetência e desconforto. A presença do Sinal importante também avaliar o estado do coto
de Lenander (temperatura retal superando a da amputação, devendo-se procurar sinais de
axilar em 1°C) é um método pouco utilizado flogose ou infecção.
atualmente, mas que pode ser uma ferramenta No exame neurológico, é importante
útil ao diagnóstico de peritonite nesse grupo avaliar a presença de disautonomias, o estado
de pacientes. A dor referida também pode ser da função esfincteriana e a sensibilidade,
utilizada, como, por exemplo, epigastralgia assim como as funções motoras e os reflexos.
e dor periumbilical na apendicite (T6- A avaliação da função cognitiva pode ser
T10) e a dor no ombro em indivíduos com bastante útil para a detecção precoce de
irritação do nervo frênico por infecções no doenças degenerativas. A avaliação da marcha
andar superior do abdome (C4). Por fim, a está prejudicada em pacientes com plegias e
distensão abdominal pode ser um marco de amputações dos membros inferiores. Para
patologia intra-abdominal nos pacientes que aqueles que estejam habilitados a caminhar,
têm a sensibilidade prejudicada, e deve ser como os pacientes com monoplegia/
valorizada. monoparesia ou hemiplegia/hemiparesia, é
O controle esfincteriano dos indivíduos importante auxiliar sua marcha, para evitar
com deficiência pode estar comprometido, desestabilizações e possíveis quedas. Nos
especialmente em pacientes com lesão pacientes plégicos, ainda que não haja a
raquimedular e do sistema nervoso central. Por movimentação ativa, a movimentação passiva
isso, o examinador deve estar atento à presença poderá ser efetuada para avaliação do tônus e
de retenção urinária, cujo sinal clínico consiste da amplitude dos movimentos.
na distensão da bexiga, palpável como uma
massa em região hipogástrica (bexigoma). Da Conclusão
mesma forma, em pacientes constipados deve A semiologia do paciente com
ser avaliada a presença de fecaloma palpável, deficiência apresenta aspectos peculiares
em especial na região do sigmoide (fossa devem ser observados para um melhor
ilíaca esquerda). Caso o paciente disponha atendimento médico. Contudo, nem sempre há
de controle esfincteriano, é adequado que uma aula específica para esse tema nos cursos
se questione sobre a necessidade de urinar de graduação. Com o crescimento da população
anteriormente ao exame, pois a palpação do com deficiência, por diversos motivos, é
abdômen pode produzir desconforto ou até importante a introdução desse tema na grade de
mesmo promover incontinência urinária. Um ensino médico.
outro aspecto importante é o risco de infecções
urinárias com sintomas atípicos e sem queixas
típicas, como disúria.

Outros Aspectos do Exame Físico


No exame dos membros inferiores,
deve-se avaliar a presença de edema,

www.pebmed.com.br
Índice 19
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

Tabela 1. Tipos de deficiência física conforme Decreto 3298/1999.

Tipo Definição

Paraplegia Perda total das funções motoras dos membros inferiores

Paraparesia Perda parcial das funções motoras dos membros inferiores

Monoplegia Perda total das funções motoras de um membro

Monoparesia Perda parcial das funções motoras de um membr

Tetraplegia Perda total das funções motoras dos quatro membros

Tetraparesia Perda parcial das funções motoras dos quatro membros

Perda total das funções motoras do membro superior


Hemiplegia e inferior do mesmo lado

Perda total das funções motoras do membro superior


Hemiplegia e inferior do mesmo lado

Perda parcial das funções motoras do membro


Hemiparesia
superior e inferior do mesmo lado

Perda total ou parcial de um determinado membro


Amputação
ou segmento de membro

Lesão de uma ou mais áreas do sistema nervoso central,


Paralisia tendo como consequência alterações psicomotoras,
cerebral podendo ou não causar deficiência mental

Ostomia Intervenção cirúrgica que cria um ostoma (abertura, ostio)

www.pebmed.com.br
20 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

Tabela 2. Principais aspectos semiológicos no paciente com deficiência.

Região Manobra ou adaptação

Anamnese Coletar com o próprio paciente, e não o seu acompanhante

Pesquisa hipotensão postural



Sinais vitais Amplitude e simetria dos pulsos mesmo nos
cotos em membros amputados

Anemia de doença crônica



Ectoscopia
Avaliação do dorso e dos cotos devido a úlceras de pressão

Atelectasia e derrame em pacientes em decúbito



Respiratório Presença de roncos e aspecto da secreção
em pacientes com traqueostomia

Adaptação das manobras posturais na ausculta


Cardiovascular

Distensão abdominal pode ser sinal de patologia


intra-abdominal em pacientes com sensibilidade prejudicada

Abdômen
Avaliar presença de bexigoma e/ou fecaloma

Pulsos e úlceras em coto



Dor do membro fantasma
Membros
Sinais de trombose venosa profunda
(edema assimétrico e empastamento de panturrilha)

Potenciais Conflitos de Interesses: Os autores declaram não haver nenhum conflito de


interesse.

www.pebmed.com.br
Índice 21
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Gismondi et al
ARTIGO DE REVISÃO Semiologia no paciente com deficiência física

Referências Bibliográficas:

1 Presidência da República (BR).


Decreto 3298 [Internet]. Brasília, 1999.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/decreto/d3298.htm

2 Villela F. IBGE: 6,2% da população


têm algum tipo de deficiência [Internet].
Rio de Janeiro: Empresa Brasileira de
Comunicações (EBC), 2015. Disponível
em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/
noticia/2015-08/ibge-62-da-populacao-tem-
algum-tipo-de-deficiencia Acesso: em 1 jul
2016.

3 IBGE (BR). Censo demográfico 2010.


Brasília: Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística, 2010. [acesso em 03 jul 2016]
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/
estatistica/populacao/censo2010/

4 Costa LCM. Inclusão no curso


médico: atenção integral à saúde das pessoas
com deficiência. 1a ed. Rio de Janeiro: HP
Comunicação Editora, 2015.

5 Human rights of persons with


disabilities [Internet]. Nova Iorque:
Organização das Nações Unidas (ONU).
[acesso em 03 jul 2016] Disponível em: http://
www.ohchr.org/EN/Issues/Disability/Pages/
DisabilityIndex.aspx

6 Presidência da República (BR). Lei


13146 [Internet]. Brasília, 2015. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm

7 Fernandes AC, Ramos ACR, Morais


Filho MC, Jesus M. Reabilitação. 2a ed. Rio
de Janeiro: Manole Editora, 2014.

www.pebmed.com.br
22 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

ARTIGO DE REVISÃO deeply associated to coronary atherosclerosis,


renal failure and cerebrovascular disease.
A importância da pressão arterial na
The SAH in preoperative is related to the
avaliação pré-operatória
increase of risk and severity of cardiovascular
The importance of blood pressure in the
complications and it is an usual cause of
preoperative evaluation
suspension and postponement of surgeries.
¹Arlindo Maico Martins da Silva, ¹Bárbara
This study aims to make a narrative review
Pavan, ¹Bianca Bastos Xavier Nunes e Silva,
of literature on the association of SAH with
¹Camila Tobias Queiroz, ¹Juliana Pereira
cardiovascular complications in perioperative
Lopes, ¹Natália Beatriz Cabrera, ²Ronaldo
and postoperative. It also seeks to evaluate
Altenburg Odebrecht Curi Gismondi
the evidences of determining values to the
¹Acadêmicos de Medicina da Universidade
suspension and postponement of surgeries and
Federal Fluminense, ²Professor Adjunto de
the correct management of antihypertensives.
Clínica Médica da Universidade Federal
Fluminense Keywords: arterial hypertension,
cardiovascular risk factors, perioperative.
Resumo: Segundo a 7ª diretriz brasileira de
hipertensão arterial, a hipertensão arterial Introdução
sistêmica (HAS) é caracterizada por elevação
As complicações cardiovasculares
sustentada dos níveis pressóricos ≥ 140 e/
são as intercorrências clínicas mais comuns
ou 90 mmHg, sendo uma das doenças
após cirurgias não cardíacas e a manifestação
mais prevalentes no mundo. Além disso,
mais comum é o infarto agudo do miocárdio
está intimamente associada à aterosclerose
(IAM). Ao contrário do modelo tradicional,
coronariana, insuficiência renal e doença
no pós-operatório metade dos casos de
cerebrovascular. No cenário do pré-operatório,
IAM são o chamado “tipo 2”, sem placas
a HAS tem correlação com o aumento do risco
ateroscleróticas obstrutivas, e relacionado
e gravidade de complicações cardiovasculares,
com aumento do consumo miocárdico de
sendo uma causa comum de suspensão e/ou
oxigênio. A hipertensão arterial sistêmica
adiamento de cirurgias. O presente estudo visa
(HAS) é um importante preditor de risco, não
realizar uma revisão narrativa da literatura
só pelo risco aumentado de aterosclerose,
sobre a associação da HAS com complicações
como pela pressão arterial (PA) ser um dos
cardiovasculares no perioperatório e pós-
principais determinantes do duplo produto.
operatório. Outrossim, busca avaliar as
Desse modo, o controle da PA é etapa
evidências dos valores determinantes para
fundamental no pré, per e pós-operatório.
o adiamento e suspensão de procedimentos
Sprague, em 1929, foi o primeiro a
cirúrgicos, bem como o correto manejo dos
examinar a relação entre hipertensão e riscos
anti-hipertensivos.
cardíacos perioperatórios. Em seu relato,
Palavras chaves: hipertensão arterial, risco ele descreveu uma série de 75 pacientes
cardiovascular, perioperatório. hipertensos ou com doença aterosclerótica,
submetidos à anestesia, e um terço morreu
Abstract: According to the 7th brazilian
neste período, sendo metade deles por
guideline of arterial hypertension, the
insuficiência cardíaca [1, 2]. Alterações
systemic arterial hypertension (SAH) is the
hemodinâmicas durante procedimentos
sustained increase of blood pressure ≥ 140 or
cirúrgicos são mais pronunciadas em pacientes
90 mmHg, and it is one of the most prevalent
hipertensos. A retirada de anti-hipertensivos
diseases in the world. Furthermore, it is
na véspera do procedimento, bem como dor

www.pebmed.com.br
Índice 23
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

e ansiedade, são fatores que podem agravar encontrados 280 artigos. Após avaliados o
esse cenário. Além disso, já foi demonstrado abstract de 63 artigos, separamos 42 para
que estes pacientes possuem a capacidade analisar o texto completo, sendo selecionados
autorreguladora do cérebro e dos rins 24 artigos. Buscas manuais também foram
prejudicada, tornando-os mais suscetíveis à feitas nas referências bibliográficas dos artigos
isquemia em casos de pressão arterial baixa [1]. encontrados.
Em um grande estudo realizado com
Resultados e Discussão
pacientes candidatos a cirurgias ortopédicas, a
HAS foi a principal causa médica de suspensão
A pressão arterial é um fator de risco para
das cirurgias, correspondendo a 16,2% dos
eventos cardiovasculares no peri e pós-
casos. Em outro trabalho, realizado no Reino
operatório imediato?
Unido, foram enviados questionários para
As principais complicações
488 anestesiologistas contendo cinco casos
cardiovasculares encontradas relacionadas à HAS
clínicos de pacientes com HAS estágios 2 e 3
foram: hipertensão perioperatória, bradicardia,
candidatos a cirurgias eletivas. Como resultado
hipotensão perioperatória e complicações
foi encontrada uma grande variabilidade entre
decorrentes desta, como acidente vascular
os profissionais sobre qual cirurgia deveria ou
encefálico isquêmico, isquemia miocárdica e
não ser cancelada, e quais os níveis pressóricos
disfunção renal. Em um estudo prospectivo
máximos deveriam ser aceitos, demonstrando
multicêntrico de 17.201 pacientes submetidos
a falta de consenso quanto ao assunto [3].
à cirurgia eletiva, foram listados 17 preditores
Portanto, há controvérsia sobre a
significativos de eventos cardiovasculares
necessidade do adiamento de cirurgias por
adversos graves (mortes, desfechos
aumento da pressão arterial no pré-operatório
cardiovasculares e desfecho respiratório) [4]. A
e alguns estudos apontam que medidas para
hipertensão pré-operatória foi associada como
minimizar as alterações pressóricas nos
preditor significativo em poucos casos, porém
pacientes hipertensos seriam suficientes para
quando ocorreu esteve associada a hipertensão
garantir um pós-operatório “tranquilo”.
perioperatória e bradicardia (probabilidades de
Objetivo 1,4 e 1,2%, respectivamente). Além disso, outros
Nosso estudo visa realizar uma estudos mostraram riscos associados à hipertensão,
revisão bibliográfica narrativa, não apenas como, por exemplo, o trabalho de Browner WS,
sobre a relação da HAS com complicações que associou a hipertensão sistêmica ao aumento
cardiovasculares nos períodos peri e pós- na mortalidade perioperatória [5]. Já Sellevold
operatório, bem como a melhor maneira de OF et al. ressaltaram que pacientes hipertensos
proceder com pacientes hipertensos que serão têm maior predisposição para fazer hipotensão
submetidos à cirurgia. no perioperatório, uma vez que já possuem
algum grau de disfunção autonômica [6].
Métodos
Além da pressão arterial elevada,
Trata-se de um estudo de revisão
a hipotensão operatória tem potencial para
narrativa da literatura. Para identificar
causar lesão de isquemia-reperfusão, que
os artigos acerca do assunto, realizou-se
pode se manifestar em órgãos como os rins e o
buscas nas bases de dados bibliográficas da
coração. O aumento na incidência de isquemia
PubMed®, com a seguinte estratégia: “arterial
miocárdica pós-operatória, por exemplo, e
hypertension”, “cardiovascular risk factors”,
um aumento na mortalidade cardiovascular
“perioperative”. Somente foram utilizados
dentro de 30 dias de cirurgia eletiva foram
termos em inglês na busca, na qual foram
identificados em uma pesquisa que examinou

www.pebmed.com.br
24 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

a associação entre hipotensão perioperatória a maioria submetidos à cirurgia abdominal


e complicações cardiovasculares [7-8]. [10]. A estratégia de gestão individualizada foi
Também vale ressaltar que a relação atingir uma pressão arterial sistólica dentro de
entre HAS perioperatória e o risco de 10% do valor normal de repouso do paciente
complicações vai além da simples medida da (grupo de intervenção), comparada com um
PA, uma vez que lesões em órgãos-alvo (LOA) grupo controle considerado “prática padrão”
secundárias à hipertensão também contribuem (descontinuação dos anti-hipertensivos).
para tais agravos. O estudo feito por Lee et al. Foram encontradas taxas significativamente
buscou comprovar esse fato, ao verificar que o mais baixas de disfunção orgânica pós-
aumento da pós-carga ventricular, secundária operatória no grupo de intervenção (38,1%
à hipertensão, pode predispor à isquemia vs 51,7%, respectivamente). Dentre as
miocárdica e infarto, especialmente na presença disfunções orgânicas, a disfunção renal
de coronariopatia e hipertrofia ventricular (classificação RIFLE) ocorreu em 48
esquerda (HVE) [9]. De acordo com Howell et pacientes (32,7%) no grupo de tratamento
al., diversos investigadores demonstraram que individualizado e 71 pacientes (49,0%)
hipertensos com sinais eletrocardiográficos no grupo de tratamento padrão [10].
de isquemia no pré-operatório apresentam Em relação ao controle medicamentoso
exagerada oscilação da PA no intraoperatório. da hipertensão, Dodson GM et al.
Considerando a correlação entre isquemia demonstraram que não há evidências de que
miocárdica e morbidade cardíaca no pós- exista algum anti-hipertensivo de escolha no
operatório demonstrado em diversos estudos, período perioperatório [12]. De forma geral,
esses autores recomendam que o controle da a hipertensão com pressão arterial sistólica
PA no pré-operatório possa contribuir para > 180 mmHg e diastólica > 110 mmHg deve
reduzir isquemia miocárdica nesses pacientes. ser controlada antes da cirurgia. No entanto,
O tratamento em longo prazo da hipertensão na hipertensão leve ou moderada, em que não
tende a restabelecer a reatividade vascular, a há alterações metabólicas ou cardiovasculares
autorregulação da circulação encefálica, além associadas, não existem evidências de que seja
de melhorar estabilidade hemodinâmica. Com benéfico retardar a operação [11-12]. De acordo
base nesses dados, supõe-se que o controle pré- com a 3ª Diretriz de Avaliação Cardiovascular
operatório da hipertensão possa ser benéfico Perioperatória da Sociedade Brasileira de
para o paciente. Cardiologia, a estratégia perioperatória,
para a maioria, deve ser de manter a pressão
arterial dentro de 20% dos valores pré-
Relação entre tratamento da HAS, controle operatórios (desde que este valor não esteja
da PA e risco de eventos cardiovasculares muito descontrolado). Isso reflete uma
no pré, per e pós-operatório flexibilidade no controle, não necessariamente
Considerando, então, que a hipertensão para níveis ditos normais, mas o suficiente
contribui para os eventos cardiovasculares para reduzir a ocorrência das urgências
citados, estudos procuram compreender hipertensivas no período perioperatório [13].
maneiras de diminuir sua ocorrência e até Na tentativa de responder ao dilema da
mesmo evitá-los. Foi demonstrado, por hipertensão pré-operatória imediata como um
exemplo, que uma estratégia individualizada fator de adiamento de cirurgias, foi elaborado
de controle da pressão arterial adaptada à um estudo no Hillel Yaffe Medical Center.
fisiologia do paciente pode reduzir a disfunção Nesse estudo, Weksler et al. selecionaram 989
orgânica pós-operatória. Esse ensaio clínico pacientes com hipertensão não controlada.
randomizado envolveu 292 pacientes, sendo Os pacientes com pressão arterial diastólica

www.pebmed.com.br
Índice 25
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

(PAD) entre 110 e 130 mmHg foram alocados • Casos com PA maior ou igual a 180 x 110
aleatoriamente em dois grupos: 400 pacientes devem ter procedimentos sob anestesia
no grupo controle e 589 pacientes no grupo de suspensos ou adiados e serem encaminhados
intervenção com 10 mg de nifedipino sublingual imediatamente para compensação clínica.
no pré-operatório imediato. O grupo controle
teve sua cirurgia adiada e eles permaneceram
no hospital para controle da PA, e os pacientes
do grupo de intervenção receberam 10 mg de
nifedipino. Os pacientes foram observados por
complicações cardiovasculares e neurológicas
no intraoperatório e nos três primeiros dias de
pós-operatório. Os resultados mostraram que
redução pré-operatória imediata da PA com
nifedipino foi segura e esta medida evitou o
adiamento desnecessário de cirurgias [14].
Por ser a principal causa de adiamento
e cancelamento de cirurgias, a European
Society of Anesthesiology (ESA), Association
of Anesthetists of Great Britain and Ireland
(AAGBI) e British Hipertension Society
(BHS) publicaram recomendações para o
manejo do paciente hipertenso, bem como a
medida da PA antes de cirurgias eletivas. Isso
porque a morbimortalidade de procedimentos
cirúrgicos nem sempre é afetada pelo seu
adiamento para o controle da PA.
• Muitas vezes negligenciado pelos
profissionais de saúde, é de extrema
importância que o ambiente esteja calmo e
com temperatura agradável para o paciente
e que o aparelho de PA esteja devidamente
calibrado;
• Pacientes com PA menor que 140x90
mmHg são considerados normotensos. Caso
a primeira medida seja maior que esse valor,
deve-se aguardar pelo menos 1 minuto, aferir
novamente e considerar o menor dentre os
dois valores;
• Pacientes com PA entre 140x90 mmHg e
179/109 mmHg são considerados hipertensos
de 1º ou 2º grau e não precisam suspender ou
adiar procedimentos sob anestesia, mas devem
ser encaminhados para tratamento clínico;

www.pebmed.com.br
26 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

Classificação
Valores (mm/Hg) Comentário Conduta
da PA

Não há evidências
Não seriam fatores de de benefício no adiamento
risco independentes de cirúrgico se não houver
PAS < 180 e PAD <
HAS estágios 1 e 2 complicações anormalidades
110
cardiovasculares cardiovasculares e/ou meta-
no perioperatório bólicas. Pesquisar lesão de
órgão alvo

Tais pacientes
estariam sujeitos a maior Suspensão da cirurgia e
HAS estágio 3 ≥ 180x110 instabilidade hemodinâ- controle da PA a longo
mica no prazo
período intraoperatório

Como manejar os anti-hipertensivos em mortalidade, enquanto pacientes com risco


cirurgias não cardíacas intermediário ou baixo não [17]. Já o estudo
POISE (PeriOperative ISchemic Evaluation),
Betabloqueador randomizou 8.351 pacientes - em sua maioria
Estudos referentes à utilização de com risco intermediário de complicações
betabloqueador no período perioperatório - para receber succinato de metoprolol ou
são controversos, pois apresentam limitações placebo 2 a 4 horas antes da cirurgia não
que geram discussões. Além disso, os cardíaca. Tal conduta evidenciou menor
betabloqueadores foram mais estudados como morbimortalidade no grupo betabloqueado.
redutores do risco de IAM peroperatório Porém foi observada incidência dobrada
do que para o controle da PA. Estudos de AVC e maior mortalidade global neste
pioneiros de 1990 sugeriram que o uso de grupo. A alta incidência de hipotensão e
betabloqueadores no perioperatório era capaz bradicardia esteve fortemente associada
de reduzir a morbimortalidade cardiovascular à maior mortalidade e também ao AVC
dos pacientes. Porém, três trabalhos [18]. Uma crítica ao POISE foi que no
publicados em 2005 e 2006 não confirmaram desenho o metoprolol foi feito em dose
tal efeito cardioprotetor no perioperatório alta e muito próximo à indução anestésica.
de cirurgias vasculares de pacientes de Por isso, muitos pesquisadores continuam
riscos baixo e intermediário, podendo até a recomendar os betabloqueadores, porém
estar relacionados à maior incidência de iniciados gradualmente e com antecedência
bradicardia e hipotensão neste grupo [15,16]. de mais de 7 dias da cirurgia. Observa-se
Ainda em 2005, um grande estudo grande heterogeneidade entre os estudos,
americano com 782 mil pacientes mostrou principalmente no que diz respeito à posologia
que o efeito cardioprotetor dependia da do betabloqueador utilizado, às dosagens e ao
estimativa de risco cardíaco: pacientes com tempo de início.
risco cardíaco alto apresentaram menor

www.pebmed.com.br
Índice 27
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

Após avaliadas as indicações específicas, cardiovascular, bloqueiam a resposta fisiológica


chegou-se a conclusão que o momento de renina-angiotensina à hipotensão [21].
início deve ser o mais precoce possível Como já comentado, pacientes
(pelo menos 1 semana antes da operação), hipertensos são mais suscetíveis à hipotensão
para que haja tempo hábil para avaliar a durante o intraoperatório do que os normotensos.
resposta hemodinâmica de cada paciente, Além disso, foi demonstrado que esses
evitando bradicardia e hipotensão. Durante episódios são mais frequentes nos pacientes
todo o período perioperatório, deve ocorrer que fazem uso de IECA no pré-operatório e o
monitoração frequente de FC e pressão arterial. risco de episódios hipotensivos graves poderia
Por fim, cabe lembrar que os betabloqueadores justificar a interrupção desse fármaco um dia
não devem ser suspensos no perioperatório antes da cirurgia. Entretanto, a suspensão
de pacientes que os recebem cronicamente, abrupta destes medicamentos muitas vezes é
visto que sua suspensão aguda está associada contraindicada porque, tanto o descontrole da
a importante aumento da mortalidade pós- pressão arterial como a descompensação da
operatória [19]. insuficiência cardíaca, aumentam o risco de
complicações cardiovasculares [22]. Por isso,
Alfa-2-agonistas
diretrizes atuais do Colégio Americano de
Em 2014, o estudo POISE-2 incluiu Cardiologia e da American Heart Association
10.010 pacientes submetidos a operações recomendam a não suspensão de IECA
não cardíacas, que foram randomizados e BRA em cirurgias não cardíacas [21].
para receber clonidina ou placebo no Portanto, deve ser feita uma avaliação
perioperatório de operações não cardíacas. individualizada do paciente e do tipo de
A clonidina em dose baixa, em comparação cirurgia. Pacientes com hipertensão arterial
com o placebo, não reduziu o desfecho leve e/ou cirurgias com previsão de perda de
composto de morte ou infarto do miocárdio líquidos ou sangramento podem se beneficiar
não fatal em adultos submetidos à cirurgia não da suspensão de IECA/BRA. Já pacientes com
cardíaca. Além disso, a clonidina aumentou o hipertensão arterial resistente ou cardiopatas
risco de hipotensão clinicamente importante, em cirurgias com menor potencial de
bradicardia clinicamente importante e hipotensão devem manter o IECA/BRA.
parada cardíaca não fatal. Portanto, não é
Bloqueadores do canal de cálcio
recomendada a introdução deste fármaco
no pré-operatório com o objetivo de reduzir Em metanálise de 11 estudos, que
o risco de eventos cardiovasculares [20]. incluíram 1.007 pacientes, não houve
Inibidores da enzima conversora redução de mortalidade ou de IAM com o
de angiotensina (IECA) e bloqueadores uso de BCC [23]. Outro estudo demonstrou
do receptor de angiotensina II (BRA) aumento da mortalidade perioperatória
Ao diminuir o efeito do sistema com o uso de bloqueadores de canais de
simpático no tônus ​​ vascular, a anestesia cálcio diidropiridínicos. Portanto, o uso de
pode aumentar a dependência dos sistemas bloqueadores de canais de cálcio não está
renina-angiotensina e vasopressor para recomendado para prevenção de eventos
manter a pressão arterial. Inibidores da cardiovasculares no perioperatório de
enzima conversora da angiotensina (IECAs) e operações não cardíacas [24].
bloqueadores dos receptores da angiotensina
II (BRA), comumente usados ​​em pacientes
com história ou fatores de risco para doença

www.pebmed.com.br
28 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

Classe
Comentários Recomendação
medicamentosa

Uso controverso - estudos Iniciar o betabloqueador o mais


heterogêneos precocemente possível (pelo
menos 1 semana antes da ope-
Pacientes com alto risco ração)
cardíaco: associados à menor
Betabloqueador mortalidade Avaliar a resposta hemodinâmi-
ca do paciente
Pacientes com baixo risco
cardíaco: não há benefícios Não suspender no
e há possíveis malefícios perioperatório de pacientes que
usam cronicamente

Diminuem a liberação de
noradrenalina, a PA e FC
Não introduzir clonidina no
Clonidina não reduziu a
pré-operatório com objetivo
Alfa-agonistas incidência de morte ou
de reduzir o risco de eventos
infarto em 30 dias
cardiovasculares
Maior risco de hipotensão
e parada cardíaca revertida

Aumento da mortalidade
Não recomendado para
perioperatória com o uso
prevenção de eventos
Bloqueadores de de BCC em cirurgia de
cardiovasculares em
canais de cálcio aneurisma de aorta
cirurgias de pacientes
normotensos ou hipertensos
Estudos escassos

Não retirar abruptamente


Maior propensão à hipotensão
durante o intraoperatório Manter a medicação até
IECA o dia da cirurgia
Evitar hipovolemia no
perioperatório A otimização da volemia
deve ser feita durante todo
perioperatório

www.pebmed.com.br
Índice 29
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Silva et al
ARTIGO DE REVISÃO A importância da pressão arterial na avaliação pré-operatória

Conclusões 0034-7094. Disponível em: http://dx.doi.


org/10.1590/S0034-70942005000500014.
A relação da HAS com complicações
cardiovasculares no pós-operatório ainda não
4 Forrest JB, Rehder K, Cahalan
é completamente definida e entendida. Os
MK, Goldsmith CH. Multicenter study
trabalhos são muito heterogêneos e, em sua
of general anesthesia. III. Predictors of
maioria, são antigos ou se limitam a pequenos severe perioperative adverse outcomes.
estudos com poder estatístico baixo. Enquanto Anesthesiology. 1992; 76: 3-15.
novas evidências não aparecem, os pacientes
hipertensos devem ser avaliados conforme 5 Browner WS, Li J, Mangano DT.
orientação geral para os outros pacientes. In-hospital and long-term mortality in male
De maneira geral, a hipertensão com pressão veterans following noncardiac surgery. The
arterial sistólica > 180 mmHg e diastólica Study of Perioperative Ischemia Research
> 110 mmHg deve ser controlada antes da Group. JAMA. 1992; 268(2):228-32.
cirurgia.
Não há evidências de que exista algum 6 Sellevold OF, Raeder J, Stenseth R.
anti-hipertensivo de escolha no período Undiagnosed phaeochromocytoma in the
perioperatório. Bloqueadores dos canais de perioperative period. Case reports. Acta
cálcio e alfa-2-agonistas não devem ser usados Anaesthesiol Scand. 1985; 29(5):474-9.
para prevenção de eventos cardiovasculares. A
suspensão dos IECA e BRA deve ser pensada 7 Howell SJ, et al. Predictors of
individualmente. Já os betabloqueadores Postoperative Myocardial Ischaemia. The
devem ser iniciados o mais precocemente Role of Intercurrent Arterial Hypertension
possível para regulação da FC e PA, devendo- and Other Cardiovascular Risk Factors.
se também, ficar atento a essas variáveis Anaesthesia. 1997 Fev; 52(2):107–11.
durante o período perioperatório.
8 Howell SJ, et al. Risk Factors for
Cardiovascular Death within 30 Days after
Potenciais Conflitos de Interesses: Os
Anaesthesia and Urgent or Emergency Surgery:
autores declaram não haver nenhum conflito
A Nested Case-Control Study. British Journal
de interesse.
of Anaesthesia. 1999 Maio; 82(5):679–84.

Referências Bibliográficas: 9 Lee TH, Marcantonio ER, Mangione


CM, et al. Derivation and prospective
1 Palmer BF. Renal dysfunction validation of a simple index for prediction
complicating the treatment of hypertension. N of cardiac risk of major noncardiac surgery.
Engl J Med. 2002; 347(16):1256-1261. Circulation. 1999; 100:1043-9.

2 Sprague HB. The heart in surgery. 10 Futier E, et al. Effect of Individualized


An analysis of the results of surgery on vs Standard Blood Pressure Management
cardiac patients during the past ten years at Strategies on Postoperative Organ Dysfunction
the Massachusetts General Hospital. Surg Among High-Risk Patients Undergoing Major
Gynecol Obstet. 1929; 49:54-58. Surgery: A Randomized Clinical Trial. JAMA.
2017 Out; 318(14):1346.
3 Lorentz MN, Santos AX. Systemic
hypertension and anesthesia [Internet]. Rev. 11 Dodson GM, Bentley WE 4th,
Bras. Anestesiol. 2005; 55(5):586-594. ISSN Awad A, Muntazar M, Goldberg ME.

www.pebmed.com.br
30 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição
ARTIGO DE REVISÃO

Isolated perioperative hypertension: clinicalmortality after major noncardiac surgery. N


implications & contemporary treatment Engl J Med. 2005; 353(4):349-61.
strategies. Curr Hypertens Rev. 2014; 18 Devereaux PJ, Yang H, Yusuf S, Guyatt
10(1):31-6. G, Leslie K, Villar JC, et al; POISE Study
Group. Effects of extended-release metoprolol
12 Fleisher LA, Fleischmann KE, succinate in patients undergoing non-cardiac
Auerbach AD, Barnason SA, Beckman JA, surgery (POISE trial): a randomised controlled
Bozkurt B, et al. 2014 ACC/AHA guideline on trial. Lancet. 2008; 371(9627):1839-47.
perioperative cardiovascular evaluation and
management of patients undergoing noncardiac 19 Hoeks SE, Scholte Op Reimer WJ,
surgery: areport of the American College of van Urk H, Jörning PJ, Boersma E, Simoons
Cardiology/American Heart Association Task ML, et al. Increase of 1-year mortality after
Force on Practice Guidelines. Circulation. perioperative betablocker withdrawal in
2014; 130(24):e278-333. endovascular and vascular surgery patients.
Eur J Vasc Endovasc Surg. 2007; 33(1):13-9.
13 Gualandro DM, Yu PC, Caramelli
B, Marques AC, Calderaro D, Luciana S, 20 Devereaux PJ, Sessler DI, Leslie K,
Fornari LS, et al. 3a Diretriz de Avaliação Kurz A, Mrkobrada M, Alonso-Coello P, et al;
Cardiovascular Perioperatória da Sociedade POISE-2 Investigators. Clonidine in patients
Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. undergoing noncardiac surgery. N Engl J Med.
2017; 109(3 Supl.1):1-104. 2014; 370(16):1504-13.

14 Weksler N, et al. The Dilemma of 21 Roshanov PS, et al. Withholding versus


Immediate Preoperative Hypertension: To Continuing Angiotensin-Converting Enzyme
Treat and Operate, or to Postpone Surgery?. Inhibitors or Angiotensin II Receptor Blockers
Journal of Clinical Anesthesia. 2003 Maio; before Noncardiac Surgery: An Analysis of
15(3):179–83. Crossref, doi:10.1016/S0952- the Vascular Events In Noncardiac Surgery
8180(03)00035-7. PatIents COhort EvaluatioN Prospective Cohort.
Anesthesiology. 2017 Jan; 126(1):16–27.
15 Brady AR, Gibbs JS, Greenhalgh
RM, Powell JT, Sydes MR; POBBLE trial 22 Sellevold OF, Raeder J, Stenseth
investigators. Perioperative beta-blockade R. Undiagnosed phaeochromocytoma in
(POBBLE) for patients undergoing infrarenal the perioperative period. Case reports. Acta
vascular surgery: results of a randomized Anaesthesiol Scand.
doubleblind controlled trial. J Vasc Surg.
2005; 41(4):602-9. 23 Wijeysundera DN, Beattie WS. Calcium
channel blockers for reducing cardiac morbidity
16 Yang H, Raymer K, Butler R, Parlow after noncardiac surgery: a meta-analysis. Anesth
J, Roberts R. The effects of perioperative Analg. 2003; 97(3):634-41.
beta-blockade: results of the Metoprolol after
Vascular Surgery (MaVS) study, a randomized 24 Kertai MD, Westerhout CM, Varga KS,
controlled trial. Am Heart J. 2006; 152(5):983- Acsady G, Gal J. Dihydropiridine calcium-
90. channel blockers and perioperative mortality in
aortic aneurysm surgery. Br J Anaesth. 2008;
17 Lindenauer PK, Pekow P, Wang K, 101(4):458-65.
Mamidi DK, Gutierrez B, Benjamin EM.
Perioperative beta-blocker therapy and

www.pebmed.com.br
Índice 31
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição
ARTIGO DE REVISÃO

ARTIGO DE REVISÃO sistólica do ventrículo esquerdo (VE). A


tecnologia do speckle tracking usada para a
Aplicações Clínicas do Ecocardiograma
análise de deformação miocárdica (strain)
com Speckle Tracking Bidimensional
e da taxa de deformação miocárdica (strain
2D-Speckle Tracking Echocardiography
rate) é objeto de vários estudos científicos
Clinical Applications
que descrevem a mecânica miocárdica. Esta
Alexandre Marins Rocha
técnica consiste na captura e rastreamento
Mestre em Ciências Cardiovasculares pela
de pontos ao ecocardiograma bidimensional
Universidade Federal Fluminense
ao longo do ciclo cardíaco, gerando vetores
Resumo: Novas tecnologias vêm sendo de movimento e curvas de deformação. O
desenvolvidas na área da ecocardiografia speckle tracking foi amplamente validado na
objetivando aumentar a sensibilidade literatura e a maioria dos estudos comparou os
do exame. Assim, a nova tecnologia do achados ao ecocardiograma com aqueles da
speckle tracking vêm cumprindo este papel sonomicrometria e das diferentes modalidades
ainda em ambiente de pesquisa científica. de ressonância magnética [1]. As melhores
Neste artigo, procuramos mostrar as bases correlações foram com strain longitudinal e
conceituais do método e, principalmente, suas menos com strain circunferencial e radial.
aplicações clínicas. Estas começam a surgir Para melhor compreensão da análise
resultantes dos inúmeros estudos que estão de deformação miocárdica a partir das curvas
sendo desenvolvidos com entusiasmo pelos geradas pelo ecocardiograma bidimensional
pesquisadores científicos. com speckle tracking (2DSTE), vamos
descrever sucintamente a conformação da
Palavras-chaves: speckle, tracking, aplicação, banda miocárdica. A banda miocárdica forma
clínica. duas curvaturas – uma basal e outra apical. A
curvatura apical é orientada transversalmente
Abstract: New echocardiographic e a apical oblíqua. As fibras oblíquas que se
technologies have been developed in attempt curvam no ápice têm um segmento descendente
to increment exam’s sensibility. Thus, speckle (a partir dos anéis aórtico e pulmonar) com
tracking has been playing a major role in fibras que se curvam no sentido horário e um
this direction, but still mostly in the research segmento ascendente que se curva no sentido
rooms. In this paper, we showed the conceitual anti-horário. As fibras transversais que formam
bases of speckle tracking and, mostly, its a curvatura basal envolvem os segmentos
clinical applications. Those are the results of ascendente e descendente englobando os
many studies been developed enthusiastically dois terços superiores, mas poupando o terço
by the scientific community. inferior ou apical [2 ,3].
Os equipamentos de ecocardiografia
Keywords: speckle, tracking, clinical, que incorporam a técnica do speckle tracking
application. utilizam, basicamente, duas metodologias
[4]: “block matching” ou análise de um
Introdução conjunto de marcas acústicas (conjunto de
Novas tecnologias ecocardiográficas pixels contendo padrões de rastreamento
vêm sendo desenvolvidas com o objetivo denominados “kernels”). O rastreamento
de aumentar a sensibilidade diagnóstica do dos kernels é realizado por similaridade. Os
ecocardiograma convencional para a disfunção vetores que indicam a velocidade e direção
miocárdica, principalmente a disfunção da movimentação dos kernels resultam da

www.pebmed.com.br
32 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

média dos vetores que formam cada conjunto. em graus/cm.


Devido a processar sinais de radiofrequência, Foi realizada uma metanálise [5] que,
este método deve trabalhar com repetição ao avaliar 2597 sujeitos que participavam de
dos quadros elevada. “Optical flow”, no grupos controle em avaliações de 2DSTE ou
qual se assume que o padrão cinza de cada eram sabidamente hígidos, determinou valores
marca acústica não muda ao longo do tempo. normais para o strain global longitudinal,
A mudança do padrão cinza de um pixel é circunferencial e radial. Os valores normais para
atribuída à movimentação da marca acústica strain global longitudinal variaram entre -15,9
para outra posição. Os vetores que indicam e -22,1%; para strain global circunferencial,
direção e velocidade são obtidos em cada pixel. variaram entre -20,9 e -27,8%; e para o strain
Este método é apropriado para o seguimento global radial entre 35,1 e 59%. Após análise
quadro a quadro das marcas acústicas e das causas de variabilidade entre os estudos,
trabalha com frequência de repetição dos verificou-se que a causa fundamental era a
quadros mais baixa. variação da pressão arterial sistólica. Portanto,
De acordo com os planos ortogonais, nos futuros estudos envolvendo 2DSTE
temos três modalidades de obtidos com o deveremos observar obrigatoriamente os
2DSTE: Strain radial se refere ao espessamento valores da pressão arterial no momento dos
da parede miocárdica durante o movimento exames.
para o interior do ventrículo. Como a espessura
miocárdica aumenta durante o movimento Aplicações clínicas do 2DSTE
para o interior do ventrículo na sístole, o Em primeiro lugar, consideraremos
valor é tradicionalmente positivo. Strain alguns princípios gerais que servirão para
longitudinal se refere à deformação ao longo
o entendimento de diferentes desfechos.
do comprimento do miocárdio durante a sístole
enquanto a base se move predominantemente As fibras longitudinais subendocárdicas
em direção ao ápice. Devido à diminuição são consideradas as mais frágeis em várias
do comprimento durante a sístole, seu valor modalidades de doença. Então, o strain
é negativo. Strain circunferencial mede longitudinal é mais precocemente alterado em
a mudança de comprimento ao longo do relação aos strains circunferencial e radial.
perímetro circular ou circunferencial. Como
Reduções dos strains radial e circunferencial
o perímetro do VE diminui durante a sístole
em estado normal, seu valor é negativo. são mais sensíveis do que as alterações
Todos os parâmetros de strain podem segmentares avaliadas no ecocardiograma
ser individualizados para cada segmento convencional na avaliação de cardiopatia
miocárdico ou podem ser expressados como isquêmica, pois não dependem do observador
strain global, quando se obtém a média de e estão menos sujeitas à variabilidade
todos os valores dos segmentos.
interobservador. As doenças do pericárdio
Movimentos de rotação do miocárdio
causam alteração do strain circunferencial em
também são estudados. A rotação no sentido
horário acontece na base e a rotação no primeiro lugar. A rotação exagerada na sístole
sentido anti-horário ocorre na região apical. é um mecanismo compensatório no caso de
A diferença algébrica entre a rotação basal doença em estágio inicial e causa disfunção
e apical é denominada twist e expressa em diastólica. Untwisting durante o relaxamento
graus. A torção apical é a razão do twist e o
isovolumétrico é prejudicado na disfunção
comprimento da base até o ápice, e é expressa
diastólica. Todos os parâmetros se alteram

www.pebmed.com.br
Índice 33
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

com o progredir das doenças. Um fenômeno subendocárdico do VE em pacientes com IM


interessante é a deformação pós-sistólica que com supradesnivelamento do segmento ST
é uma contração continuada do miocárdio [16]. A diminuição da torção apical do VE é
mesmo depois do fechamento da valva aórtica. preditora de dilatação do VE pós-IM [10,12,13,
É mais detectada pelo strain radial, mas pode 17-19]. O 2D-STE demonstrou ser útil para
ocorrer também com o strain longitudinal. identificar pacientes na fase aguda do infarto
Isto foi notado na miocardiopatia isquêmica, sem supra de ST que podem se beneficiar da
miocárdio atordoado, miocárdio não viável e revascularização urgente (20). Recentemente
também nas miocardiopatias hipertrófica e foi demonstrado que, em infartos antigos,
Takotsubo e na estenose aórtica onde pode ser o strain global é melhor preditor de eventos
devida à isquemia miocárdica de base [6-9]. cardiovasculares adversos do que a FEVE e
Esta deformação pós-sistólica é diretamente o índice de movimentação da parede do VE
proporcional à gravidade da isquemia e (IMVE) [20,21].
persiste em condições experimentais por cerca Estudos de viabilidade miocárdica
de 2 horas após o estímulo isquêmico ter mostraram que as medidas de strain pelo 2DSTE
cessado [10]. são mais objetivas e acuradas que a análise
Agora, abordaremos algumas espe- segmentar visual durante a ecocardiografia
cificidades de cada processo patológico a de estresse com baixa dose de dobutamina.
seguir. O 2DSTE diferencia a contração ativa da
Na miocardiopatia isquêmica, a movimentação passiva por tethering [20].
redução do strain no 2DSTE é mais objetiva No caso da insuficiência cardíaca com
e acurada do que o método tradicional visual fração de ejeção normal (ICFEN), o 2DSTE
[11]. Na doença arterial coronariana (DAC), mostra untwisting reduzido e atrasado do VE
os strains longitudinal, radial e circunferencial em repouso e no esforço [22]. Na clínica, o
estão reduzidos nas áreas isquêmicas [12, strain longitudinal global mostrou ser um
13]. A deformação pós-sistólica detectada melhor preditor de eventos cardíacos em
pelo strain radial se correlaciona com a pacientes com ICC, em comparação com
gravidade da doença [10]. O strain é afetado a FEVE e com dados do Doppler tecidual
pelo tamanho e extensão transmural da área [23]. Além disso, o strain global do VE é um
do miocárdio sob risco. O índice está sujeito poderoso preditor de eventos cardíacos, sendo
a mudanças durante o primeiro mês após o superior à fração de ejeção em pacientes com
evento isquêmico agudo, à medida que diminui insuficiência cardíaca aguda [24].
o edema e a cicatriz necrótica é substituída por O emprego do strain ou strain
tecido colagenoso [14]. rate (SR) pelo 2D-STE pode identificar
No estudo do infarto do miocárdio (IM) alterações da contratilidade segmentar do
o 2DSTE foi bem sucedido em diferenciar VE na forma indeterminada da doença
infarto transmural do subendocárdico de Chagas, em um momento em que
mostrando o strain circunferencial mais baixo estas alterações ainda não são detectadas
no primeiro [15]. Foi notada redução do twist pela ecocardiografia convencional [25].

www.pebmed.com.br
34 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

No estudo de terapia de ressincro- detectar estenose coronariana significativa [11].


nização cardíaca (TRC), foi notado que Na detecção precoce de
combinar a velocidade do strain longitudinal cardiotoxicidade induzida pela quimioterapia,
obtido com Doppler tecidual (DT) com o a redução do strain radial pode ocorrer antes da
strain radial do 2DSTE pode ajudar a predizer redução da FEVE e é associada com alterações
a resposta à TRC [26]. O índice de atraso do histológicas [35]. Recentemente, Sawaya et
strain longitudinal (calculado pela diferença al. [36] demonstraram que uma diminuição
entre o strain de pico e o strain sistólico final) no strain longitudinal, do estado basal aos três
maior que 25% prediz resposta à TRC [27]. A meses do tratamento quimioterápico, foi um
diferença no tempo para se atingir o pico do preditor independente para o desenvolvimento
strain radial entre o septo e a parede posterior de cardiotoxicidade após seis meses do
do VE ≥ 130 ms demonstrou ser preditor início da terapia. A FEVE e os parâmetros
de melhora da FEVE [28]. Foi evidenciado de função diastólica não foram preditores de
no estudo STAR (Speckle Tracking and cardiotoxicidade no grupo estudado [36].
Resynchronization Study) que o strain radial A redução do strain pode ocorrer
foi melhor preditor de resposta da fração de antes de alterações na FEVE na hipertensão
ejeção do VE (FEVE) e sobrevida de longo arterial sistêmica (HAS), diabetes melito
prazo após TRC do que os strains longitudinal (DM), esclerose sistêmica, amiloidose,
e circunferencial [29]. A falta de dissincronia distrofia muscular de Duchenne e síndrome de
pelo 2DSTE anterior à TRC foi associada Kawasaki [37-40].
à morte ou hospitalização por insuficiência No estudo das valvopatias podemos
cardíaca (IC) [30]. encontrar strains radial, circunferencial e
Na miocardiopatia por estresse, longitudinal diminuídos em pacientes com
foi notado strain longitudinal deprimido estenose aórtica grave e FEVE normal.
principalmente nos segmentos O seguimento de longo prazo destes
apicais e médios do VE [9, 32]. pacientes após troca valvar mostrou melhora
Na miocardiopatia restritiva foram significativa dos strains e nenhuma mudança
notados deformação longitudinal e mecânica na FEVE [41]. A redução pré-operatória do
do twist prejudicados [33,34]. strain longitudinal pelo 2DSTE no septo
Na pericardite constrictiva ocorre interventricular (no corte apical de 4 câmaras)
prejuízo da deformação circunferencial do VE prediz uma redução maior do que 10% da
e da torção [34]. FEVE em pacientes com regurgitação mitral
No caso de detecção de rejeição grave crônica [42].
e estenose coronariana em pacientes com No estudo de cardiopatias congênitas,
transplante cardíaco, uma redução súbita maior foi notada redução da rotação basal no sentido
que 15% no strain radial global é associada horário em pacientes com comunicação
interatrial (CIA) [43, 44]. Na Tetralogia de
com rejeição aguda. Diminuição do strain e
Fallot, o strain e strain rate longitudinais
strain rate em repouso e no ecocardiograma globais do ventrículo direito (VD) estão
de estresse com dobutamina são úteis para significativamente reduzidos [45].

www.pebmed.com.br
Índice 35
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

O 2DSTE também se mostrou médio foram significativamente diminuídas em


útil na diferenciação da miocardiopatia pacientes assintomáticos com espessamento
hipertrófica (MCH) e do coração do atleta parietal [55]. Além disso, a strain rate
[11, 46-51]. O coração do atleta apresenta sistólica longitudinal foi diminuída em todos
strain longitudinal e os outros tipos de strain 16 segmentos do VE em pacientes com
normais; o volume diastólico final do VE amiloidose cardíaca, os quais não apresentaram
é aumentado; há aumento do twist de VE; nenhuma anormalidade no ecocardiograma
há aumento da strain rate precoce do átrio convencional [56]. Queda da função sistólica
esquerdo e não há deformação pós-sistólica. longitudinal tem um papel fundamental na
Na MCH, há redução do strain longitudinal; amiloidose cardíaca e pode estar presente
há redução do diâmetro diastólico final do mesmo em indivíduos com resultados normais
VE; há atraso do untwist do VE; há redução no ecocardiograma padrão. Além disso, uma
do strain e strain rate do átrio esquerdo e análise multivariada identificou preditores
a deformação pós-sistólica está presente. independentes do prognóstico de pacientes
A avaliação do strain pelo 2D-STE pode com amiloidose e o pico sistólico do strain
identificar alterações precoces em pacientes longitudinal septal abaixo ou igual a - 7,5%
com miocardiopatia hipertrófica (MCH), os foi associado a prognóstico adverso [57].
quais, aparentemente, apresentam uma função Usando speckle tracking bidimensional,
sistólica ventricular esquerda normal [52]. O foi demonstrado não acometimento apical
strain circunferencial e o strain longitudinal pela amiloidose tanto ATTR (amiloidose
estão reduzidos em indivíduos com MCH não por mutação da transtirretina) quanto AL
obstrutiva, comparados aos controles [53]. diferenciando do padrão da miocardiopatia
Em pacientes com MCH assimétrica, o strain hipertrófica e da estenose aórtica que não
longitudinal do septo é significativamente poupam o ápice. Apenas o strain regional
menor em comparação aos demais segmentos apical foi diferente entre os dois tipos, sendo
do ventrículo esquerdo [54]. Nos casos com significantemente mais baixo em pacientes
MCH e função sistólica do VE normal, o strain com ATTR. Entretanto, nenhuma diferença foi
do AE é preditor de morte e/ou hospitalização vista entre os dois tipos na strain longitudinal
por causas cardiovasculares em 12 meses [54]. global ou na média do strain longitudinal basal
Recentemente, vários parâmetros que e médio [57].
refletem a função miocárdica longitudinal
(strain, strain rate e tissue velocity imaging) Perspectivas futuras
foram indicados como marcadores de Um número cada vez maior de
disfunção miocárdica mesmo antes de resultados obtidos com a pesquisa científica
manifestações clínicas de insuficiência torna o método mais próximo da prática diária
cardíaca em pacientes com amiloidose por com repercussões sobre a decisão clínica.
imunoglobulina de cadeias leves (AL) [54]. Novos aperfeiçoamentos dos softwares
Investigações seriadas revelaram que a strain (3D) e associações a outras técnicas, como
rate sistólica e strain na base e ventrículo a ecocardiografia de perfusão, podem trazer

www.pebmed.com.br
36 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

além de novas aplicações clínicas, uma 7 Voigt JU, et al: Strain-rate imaging
melhor compreensão da fisiologia e mecânica during dobutamine stress echocardiography
cardíaca. provides objective evidence of inducible
ischemia. Circulation. 2003; 107:2120-6.

Potenciais Conflitos de Interesses: O 8 Weidemann F, et al. Defining the


autor declara não haver nenhum conflito de transmurality of a chronic myocardial
infarction by ultrasonic strain-rate imaging:
interesse.
Implications for identifying intramural
viability: An experimental study. Circulation.
Referências Bibliográficas: 2003; 107:883-8.

1 Sengupta P, et al. Left ventricular 9 Heggemann F, et al. Global and


regional myocardial function quantification
structure and function (Basic science for
by two-dimensional strain in Takotsubo
cardiac imaging). J Coll Cardiol. 2006;
cardiomyopathy. Eur J Echocardiogr. 2009;
48:1988-2001. 10:760-4.
2 Torrent-Guasp F, et al: The structure 10 Asanuma T, et al. Assessment
and function of the helical heart and its buttress of myocardial ischemic memory using
wrapping. I. The normal macroscopic structure persistence of post-systolic thickening after
of the heart. Semin Thorac Cardiovasc Surg. recovery from ischemia. JACC Cardiovasc
2001; 13:301-19. Imaging. 2009; 2:1253-61.
3 Buckberg G, et al. Ventricular 11 Dandel M. Echocardiographic strain
torsion and untwisting: Further insights into and strain rate imaging-clinical applications.
mechanics and timing interdependence: A Int J Cardiol. 2009; 132:11-24.
viewpoint. Echocardiography. 2011; 28:782-
804. 12 Shimoni S. Differential effects of
coronary artery stenosis on myocardial
4 D’hooge J. Principles and different function: the value of myocardial strain
techniques for speckle tracking. In: Marwick analysis for the detection of coronary artery
TH, Yu CM, Sun JP, editors. Myocardial disease. J Am Soc Echocardiogr. 2011;
imaging: tissue Doppler and speckle tracking. 24:748-57.
Massachusetts: Blackwell Publishing. 2007,
13 Becker M, et al. Analysis of
p. 17-25.
myocardial deformation based on ultrasonic
5 Yingchoncharoen et al. Normal pixel tracking to determine transmurality in
ranges of left ventricular strain: a meta-
chronic myocardial infarction. Eur Heart J.
analysis. Journal of the American Society of
Echocardiography. 2013; 26:185-91. 2006; 27:2560-6.

6 Claus P, et al: Mechanisms of post- 14 Gupta KB. Changes in passive


systolic thickening in ischemic myocardium: mechanical stiffness of myocardial tissue
Mathematical modelling and comparison with with aneurysm formation. Circulation. 1994;
experimental ischemic substrates. Ultrasound 89(5):2315-26.
Med Biol. 2007; 33:1963-70.
15 Chan J, et al. Differentiation of

www.pebmed.com.br
Índice 37
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

subendocardial and transmural infarction a new prognosticator in patients with heart


using two-dimensional strain rate imaging to failure. J Am Coll Cardiol. 2009; 54(7):618-24.
assess short-axis and long-axis myocardial
function. J Am Coll Cardiol. 2006; 48:2026- 24 Del Castillo JM, et al. Left ventricular
33. two dimensional strain in indeterminate form
of chagas’ disease. Rev bras ecocardiogr
16 Bertini M, et al. Left ventricular
imagem cardiovasc. 2009; 22(1):31-5.
rotational mechanics in patients with coronary
artery disease: Differences in subendocardial
25 Suffoletto MS. Novel speckle-
and subepicardial layers. Heart. 2010;
tracking radial strain from routine black-and-
96:1737-43.
white echocardiographic images to quantify
17 Jang JY, et al. Serial assessment of left dyssynchrony and predict response to cardiac
ventricular remodeling by measurement of resynchronization therapy. Circulation. 2006;
left ventricular torsion using speckle tracking 113(7):960-8.
echocardiography in patients with acute
26 Ng AC, et al. Incremental value of
myocardial infarction. Am J Cardiol. 2010;
2-dimensional speckle tracking strain imaging
106:917-23.
to wall motion analysis for detection of
18 Park YH, et al. Prognostic value of coronary artery disease in patients undergoing
longitudinal strain after primary reperfusion dobutamine stress echocardiography. Am
therapy in patients with anterior-wall acute Heart J. 2009; 158:836-44.
myocardial infarction. J Am Soc Echocardiogr.
27 Tan YT, et al. The pathophysiology
2008; 21:262-7.
of heart failure with normal ejection fraction:
Exercise echocardiography reveals complex
19 Nucifora G, et al. Reduced left abnormalities of both systolic and diastolic
ventricular torsion early after myocardial ventricular function involving torsion, untwist,
infarction is related to left ventricular and longitudinal motion. J Am Coll Cardiol.
remodeling. Circ Cardiovasc Imaging. 2010; 2009; 54:36-46.
3:433-42.
28 Gorcsan J 3rd, et al. Combined
20 Eek C. Strain echocardiography longitudinal and radial dyssynchrony predicts
predicts acute coronary occlusion in patients ventricular response after resynchronization
with non-st-segment elevation acute coronary therapy. J Am Coll Cardiol. 2007; 15:1476-83.
syndrome. Eur J Echocardiogr. 2010;
11(6):501-8. 29 Lim P, et al. Longitudinal strain
delay index by speckle tracking imaging:
21 Antoni ML, et al. Prognostic
A new marker of response to cardiac
importance of strain and strain rate after acute
resynchronization therapy. Circulation. 2008;
myocardial infarction. Eur Heart J. 2010;
118:1130-37.
31(13):1640-7.
30 Tanaka H, et al. Dyssynchrony
22 Nahum J, et al. Impact of longitudinal by speckle-tracking echocardiography
myocardial deformation on the prognosis of and response to cardiac resynchronization
chronic heart failure patients. Circ Cardiovasc therapy: Results of the Speckle Tracking and
Imaging. 2010; 3(3):249-56. Resynchronization (STAR) study. Eur Heart J.
23. Cho GY. Global 2-di-mensional strain as 2010; 31:1690-700.

www.pebmed.com.br
38 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

31 Delgado V, et al. Relative merits of left 39 Bellavia D, et al. Detection of left


ventricular dyssynchrony, left ventricular lead ventricular systolic dysfunction in cardiac
position, and myocardial scar to predict long- amyloidosis with strain rate echocardiography.
term survival of ischemic heart failure patients J Am Soc Echocardiogr. 2007; 20:1194-202.
undergoing cardiac resynchronization therapy.
Circulation. 2011; 123:70-8. 40 Mori K, et al. Myocardial strain imaging
for early detection of cardiac involvement
32 Burri MV, et al. Assessment of in patients with Duchenne’s progressive
systolic and diastolic left ventricular and muscular dystrophy. Echocardiography. 2007;
left atrial function using vector velocity 24:598-608.
imaging in Takotsubo cardiomyopathy.
Echocardiography. 2008; 25:1138-44. 41 Delgado V, et al. Strain analysis
in patients with severe aortic stenosis and
33 Porciani MC, et al. Rotational preserved left ventricular ejection fraction
mechanics of the left ventricle in AL undergoing surgical valve replacement. Eur
amyloidosis. Echocardiography. 2010; Heart J. 2009; 30:3037-47.
27:1061-8.
42. de Isla LP, et al. Chronic mitral
34 Sengupta PP, et al. Disparate patterns
regurgitation: A pilot study to assess
of left ventricular mechanics differentiates
preoperative left ventricular contractile function
constrictive pericarditis from restrictive
using speckle-tracking echocardiography. J
cardiomyopathy. JACC Cardiovasc Imaging.
Am Soc Echocardiogr. 2009; 22:831-8.
2008; 1:29-38.

35 Migrino RQ, et al. Early detection 43 Dong L, et al. Left ventricular torsion
of doxorubicin cardiomyopathy using in patients with secundum atrial septal defect.
two-dimensional strain echocardiography. Circ J. 2009; 73:1308-14.
Ultrasound Med Biol. 2008; 34:208-14.
44 Dong L, et al. Left ventricular
36 Sawaya H, et al. Early detection and torsional deformation in patients undergoing
prediction of cardiotoxicity in chemotherapy- transcatheter closure of secundum atrial
treated patients. Am J Cardiol. 2011; septal defect. Int J Cardiovasc Imaging. 2009;
107(9):1375-80. 25:479-86.

37 D’Andrea A, et al. Associations


45 Li Y, et al. Evaluation of right
between left ventricular myocardial
ventricular global longitudinal function in
involvement and endothelial dysfunction in
patients with tetralogy of Fallot by two-
systemic sclerosis: Noninvasive assessment
dimensional ultrasound speckle tracking
in asymptomatic patients. Echocardiography.
imaging. J Huazhong Univ Sci Technolog
2007; 24:587-97.
Med Sci. 2010; 30:126-131.

38 Galderisi M, et al. Impaired inotropic 46 Butz T, et al. Two-dimensional strain


response in type 2 diabetes mellitus: A strain analysis of the global and regional myocardial
rate imaging study. Am J Hypertens. 2007; function for the differentiation of pathologic
20:548-55.

www.pebmed.com.br
Índice 39
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Rocha
ARTIGO DE REVISÃO Aplicações clínicas do ecocardiograma com speckle tracking bidimensional

and physiologic left ventricular hypertrophy: involvement by standard two-dimensional


A study in athletes and in patients with and Doppler echocardiography. Am J Cardiol.
hypertrophic cardiomyopathy. Int J Cardiovasc 2008; 101:1039-45
Imaging. 201; 27:91-100.
54 Koyama J. Longitudinal myocardial
function assessed by tissue velocity, strain, and
47 Galderisi M, et al. Differences
strain rate tissue Doppler echocardiography
of myocardial systolic deformation and
in patients with AL (primary) cardiac
correlates of diastolic function in competitive
amyloidosis. Circulation. 2003; 107:2446-52.
rowers and young hypertensives: A speckle-
tracking echocardiography study. J Am Soc 55 Kusunose K. Detection of myocardial
Echocardiogr. 2010; 23:1190-8. amyloid involvement using 2-dimentional
speckle tracking echocardiography: utilization
48 Stanton T. Prediction of all-cause of inner and outer myocardial strain and strain
mortality from global longitudinal speckle rate. J Am Coll Cardiol. 2010; 55:A85.
strain: Comparison with ejection fraction and
wall motion scoring. Circ Cardiovasc Imaging. 56 Bellavia D. Independent predictors of
2009; 2(5):356-64. survival in primary systemic (AL) amyloidosis,
including cardiac biomarkers and left
49 Serri K, et al. Global and regional ventricular strain imaging: an observational
myocardial function quantification by two- cohort study. J Am Soc Echocardiogr. 2010;
dimensional strain: Application in hypertrophic 23:643-52.
cardiomyopathy. J Am Coll Cardiol. 2006; 57 Phelan D, et al. Relative apical sparing
47(6):1175-81. of longitudinal strain using two-dimensional
speckle-tracking echocardiography is both
50 Paraskevaidis IA, et al. Two- sensitive and specific for the diagnosis of
dimensional strain analysis in patients with
cardiac amyloidosis. Heart. 2012; 98:1442-8.
hypertrophic cardiomyopathy and normal
systolic function: A 12-month follow-up study.
Am Heart J. 2009; 158(3):444-50.

51 Al Zahrani GB, et al. Doppler


myocardial imaging compared to standard two-
dimensional and Doppler echocardiography
for assessment of diastolic function in
patients with systemic amyloidosis. J Am Soc
Echocardiogr. 2009; 22:290-8.

52 Bellavia D, et al. Detection of left


ventricular systolic dysfunction in cardiac
amyloidosis with strain rate echocardiography.
J Am Soc Echocardiogr. 2007; 20:1194-202.

53 Bellavia D, et al. Evidence of impaired


left ventricular systolic function by Doppler
myocardial imaging in patients with systemic
amyloidosis and no evidence of cardiac

www.pebmed.com.br
40 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

PONTO DE VISTA approach the issues involved among the


divergences between the main medical
Qual a melhor meta de hemoglobina
organizations which are involved in diabetes
glicada para o paciente com diabetes
tipo 2? Conheça as razões por trás das treatments recommendations on what is the
divergências entre as diretrizes best target for glycated hemoglobin (A1c)
What is the best glycated hemoglobin target for nonpregnant adults with type 2 diabetes
for type 2 diabetes patients? Understand the mellitus (DM2).
reasons behind the divergences between the
guidelines
Keywords: Type 2 diabetes mellitus,
Daniele Cristina Tokars Zaninelli
Endocrinologista titulada pela SBEM, Mestre hemoglobin A1C, hypoglycemia, guidance
em Clínica Médica pela Universidade Federal statement.
do Paraná
Introdução
Resumo: Um dos grandes desafios no Estudos de intervenção de longo
tratamento do diabetes é alcançar o equilíbrio prazo comparando tratamento padrão versus
dos níveis glicêmicos sem levar a episódios intensivo do diabetes têm demonstrado
de hipoglicemia. A presença e gravidade de uma clara associação entre pobre controle
complicações e/ou comorbidades, expectativa
glicêmico prolongado e desenvolvimento
de vida, preferências do paciente, além
de complicações microvasculares, e, em
de fatores sociais, devem ser levados em
consideração para a escolha do alvo terapêutico menor grau, macrovasculares. Ao longo da
[4,5]. O objetivo deste artigo é abordar as última década, os efeitos deletérios tanto
questões envolvidas nas divergências entre as da variabilidade glicêmica a curto prazo
recomendações das principais organizações (flutuações diárias da glicose), como das
médicas envolvidas no tratamento do diabetes variações de longo prazo, medidas pelas
quanto ao melhor alvo de hemoglobina glicada
alterações na glicemia de jejum (GJ) e A1C, têm
(A1C) para pacientes adultos, não gestantes,
com diabetes tipo 2 (DM2). sido propostos, embora evidências definitivas
sobre desfechos clínicos significativos
Palavras-chave: diabetes mellitus tipo 2, permaneçam escassas [1].
hemoglobina glicada, hipoglicemia, diretrizes. A escolha do melhor alvo terapêutico
no tratamento do DM2 é um assunto
Abstract: One of the great challenges in complexo, motivo frequente de debate entre
diabetes treatment is to reach balanced especialistas, não havendo ainda unanimidade
glycemic levels without them leading to em sua definição (quadro 1).
hypoglycemia episodes. The presence and
gravity of complications and comorbidities, Desenvolvimento
life expectancy, the patient’s preferences, As principais organizações de
besides social factors, should be taken into saúde envolvidas no cuidado ao paciente
consideration for the choice of the therapeutic com diabetes concordam que as metas e
targets [4,5]. The aim of this article is to estratégias de tratamento devem considerar as

www.pebmed.com.br
Índice 41
Revista Científica PEBMED. 2018. 1ª edição Zaninelli
PONTO DE VISTA Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com diabetes tipo 2?
Conheça as razões por trás das divergências entre as diretrizes

Alvo A1C

Baixo Risco Maioria Alto risco

ADA/EASD 2018 < 6,5% < 7% < 8%

AACE/ACE 2018 < 6,5% < 6,5% 7 a 8%

NICE 2015 < 6,5% < 7% < 7,5%

ACP 2018 < 7% 7 a 8% sem meta

Legenda: American Diabetes Association (ADA); EASD European Association for the Study of Diabetes;
the American Association of Clinical Endocrinologists (AACE); American College of Endocrinology
(ACE); National Institute for Health and Care Excellence (NICE); American College of Physicians
(ACP). Baixo risco: pacientes mais jovens e saudáveis; alto risco: doença de longa data, com mais
complicações e/ou comorbidades; maioria: grupo intermediário.

necessidades e preferências de cada paciente, [7], alertando sobre a preocupação de que, se


no entanto, um conjunto de orientações as mesmas forem amplamente adotadas na
publicado recentemente pelo American prática clínica, o recente progresso no manejo
College of Physicians (ACP), que defende o do diabetes pode ser ameaçado [13].
relaxamento das metas de controle da A1C Cada uma das recomendações do
no DM2, gerou grande discussão, já que as ACP requer comentários específicos. As
mesmas estão em desacordo com aquelas de principais justificativas e/ou divergências
outras organizações profissionais, incluindo a entre as organizações médicas citadas, quanto
American Diabetes Association (ADA) [13]. à escolha do melhor alvo terapêutico com base
Para desenvolver as novas nos níveis de A1C, são comentadas no quadro
recomendações do ACP, os autores avaliaram 2 [3,6,7, 13].
seis conjuntos de diretrizes atuais de outras
organizações, e revisaram ensaios clínicos Quadro 2: Novas recomendações da ACP /
importantes nos quais essas diretrizes justificativas para as mudanças no alvo de
se embasam, o que resultou em quatro A1C para pacientes adultos com DM2 não
declarações-chave [6] (quadro 2). gestantes / divergências.
Logo após a publicação das novas
diretrizes do ACP, uma declaração conjunta
envolvendo a Endocrine Society, ADA, AACE
e American Association of Diabetes Educators
(AADE) foi publicada expressando forte
desacordo com algumas dessas recomendações

www.pebmed.com.br
42 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 1ª edição Zaninelli
PONTO DE VISTA Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com diabetes tipo 2?
Conheça as razões por trás das divergências entre as diretrizes

Justificativas/Divergências

Recomendações ACP 2018 ACP ENDOCRINE SOCIETY/ADA/


AACE/AADE

A abordagem personalizada deve


Deve-se personalizar a terapia de acordo com incluir uma avaliação da duração da
Declaração 1: Os clínicos devem
benefícios e riscos do tratamento, saúde geral doença de cada paciente, expectativa
personalizar as metas para o controle
e expectativa de vida, preferências do paciente, de vida, comorbidades, capacidade de
glicêmico em pacientes com DM 2
carga e custos do tratamento. autocuidado e preferências em relação
às opções de tratamento.

- O tratamento menos intensivo pode


ser apropriado para alguns pacientes,
como aqueles com histórico de
- Mais de metade dos pacientes com DM2 nos
hipoglicemia, comorbidades ou
EUA tem idade avançada, comorbidades,
expectativa de vida limitada.
complicações diabéticas preexistentes, ou
Os pacientes de alto risco são
longa duração da doença;
comuns, mas não são a maioria;

- O tratamento medicamentoso com alvo de


- Embora a orientação da ACP seja de
A1C < 8% produziu os mesmos desfechos
apenas um ponto percentual adicional,
clinicamente significativos que o tratamento
isso pode equivaler a uma diferença
com alvo de A1C < 7% (por exemplo: morte
de quase 30 mg/dL, em média, na
cardiovascular e comprometimento da visão),
glicemia. Em uma análise
mas com um risco reduzido de hipoglicemias,
epidemiológica do UKPDS, pacientes
Declaração 2: Os clínicos devem procurar menor carga de tratamento e custo mais baixo;
com A1C de 7% tiveram risco 21%
alcançar um nível de A1C entre 7 e 8% na
menor de qualquer desfecho
maioria dos pacientes com DM 2. - Nenhum estudo de tratamento para alvo
relacionado ao diabetes, e 37% menor
incluiu os medicamentos mais novos, que apre-
para complicações microvasculares em
sentam efeitos discretos nos níveis de A1C..
comparação com A1C de 8%;
Eles podem reduzir a morbidade e a
mortalidade quando usados como terapia
- Deve-se considerar que os novos
adicional (em vez de tratar o alvo) em
medicamentos e sistemas de monito-
pacientes de alto risco, entretanto, embora
ramento disponíveis para o tratamento
esses medicamentos tenham menor risco de
do DM2 podem ser a chave para um
hipoglicemia, eles podem gerar outros danos,
controle mais estrito das glicemias
acrescentam carga ao tratamento e são caros.
sem aumento do risco de hipoglice-
mias graves, além de poderem
oferecer proteção cardiovascular [10].

www.pebmed.com.br
Índice 43
Revista Científica PEBMED. 2018. 1ª edição Zaninelli
PONTO DE VISTA Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com diabetes tipo 2?
Conheça as razões por trás das divergências entre as diretrizes

- Interpretação equivocada do ACCORD*


pelo ACP; não consideraram os achados
de segurança de estudos como **AD-
VANCE e ***VADT;

- O tratamento farmacológico abaixo desse
- A terapia mais utilizada no DM2 precoce
alvo apresenta riscos substanciais
é a metformina, que não induz hipoglice-
(hipoglicemia, risco cardiovascular segundo o
Declaração 3: Os clínicos devem considerar mia [9] e ainda pode ter outros benefícios;
estudo ACCORD*), além de gerar custos para
a redução da terapia farmacológica em
o paciente;
pacientes com diabetes tipo 2 que atingem - O efeito legado (controle intensivo

níveis de A1C inferiores a 6,5%. precoce da glicemia com benefícios a
- Os autores afirmam que nenhum ensaio
longo prazo, particularmente para aqueles
mostra que atingir níveis de A1C abaixo de
recém diagnosticados com DM2) foi
6,5% em pacientes diabéticos melhora os
negligenciado pelos autores [11];
resultados clínicos

- Existem dados suficientes para sugerir a
ocorrência de complicações microvascu-
lares e macrovasculares mesmo no estado
de pré-diabetes [8].

Declaração 4: Os clínicos devem tratar - Além do controle dos sintomas, é preciso


pacientes com diabetes tipo 2 para minimizar prevenir piora da hiperglicemia que pode
- Quando a expectativa de vida é menor que 10
os sintomas relacionados à hiperglicemia progredir com cetoacidose/hiperosmolari-
anos há poucos benefícios (cardiovasculares/
evitando determinar um nível de A1C em dade e risco de vida;
morte) ao se estabelecer metas de A1C, o que
pacientes com expectativa de vida inferior a
deve ser avaliado em relação aos riscos que
10 anos devido a: idade avançada (80 anos - A1C > 9% pode estar associada à piora
incluem, mas não se limitam, à hipoglicemia e
ou mais), residência em um lar de idosos ou da qualidade de vida, aumento do risco
carga do tratamento;
doenças crônicas (como demência, câncer, de neuropatia dolorosa e suscetibilidade a

doença renal em estágio final, doença infecções bacterianas e fúngicas,
- O objetivo deve ser o controle dos sintomas
pulmonar obstrutiva crônica grave ou portanto, não é apropriado dispensar metas
associados à doença e aos medicamentos.
insuficiência cardíaca congestiva), glicêmicas individualizadas nesse grupo
porque nessa população os danos superam os de pacientes.
benefícios.

www.pebmed.com.br
44 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Zaninelli
PONTO DE VISTA Qual a melhor meta de hemoglobina glicada para o paciente com diabetes tipo 2?
Conheça as razões por trás das divergências entre as diretrizes

Conclusão 8%) podem ser apropriadas para indivíduos de


É importante lembrar que estratégias maior risco [13].
para o controle da glicemia em pacientes com O médico deve assumir o compromisso
diabetes deveriam abordar os três principais de buscar o melhor controle glicêmico,
componentes da disglicemia: hiperglicemia equilibrando riscos, potenciais benefícios
crônica, hipoglicemia e variabilidade e implicações na qualidade de vida de seus
glicêmica; fatores que contribuem para pacientes, que muitas vezes precisam gerenciar
o desenvolvimento e progressão das múltiplas condições crônicas e medicamentos,
complicações da doença [1]. Outros fatores não raro com limitação social e financeira.
de risco também devem ser abordados
adequadamente [12]. Potenciais Conflitos de Interesses:
O autor declara não haver nenhum conflito de
E qual o melhor alvo de A1C para nossos interesse.
pacientes?
Na falta de evidências conclusivas,
uma única resposta correta parece não
existir. Mais do que uma interpretação das
diretrizes ao pé da letra, vale a discussão que
as divergências trazem, levantando pontos
importantes para uma avaliação equilibrada
de riscos e benefícios de curto e longo prazo
na escolha do melhor tratamento para cada
indivíduo.
Como enfatizado na declaração
do ACP, o potencial dano pelo tratamento
desnecessariamente intensivo de pacientes
vulneráveis ​​é uma preocupação real. Por
outro lado, a ADA declara preocupação
quanto ao estímulo à inércia no tratamento,
especialmente entre os pacientes mais jovens,
visto que mesmo elevações modestas de
glicose durante longos períodos de tempo
aumentam substancialmente os riscos de
retinopatia, insuficiência renal, neuropatia,
amputações e eventos cardiovasculares [13].
A maioria das organizações médicas
especializadas sugere que uma meta razoável
de A1C para muitos adultos não gestantes
é < 7%, que metas mais rigorosas de A1C
(como < 6.5%) podem ser buscadas para
indivíduos selecionados, desde que isso possa
ser alcançado sem hipoglicemia significativa
ou outros efeitos adversos do tratamento, e
que metas menos rigorosas de A1C (como <
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

Referências Bibliográficas:
8 Mohammed KA, et al. Cardiovascular
1 C e r i e l l o A , e t a l . G l y c a e m i c and renal burdens of prediabetes in the
variability in diabetes: clinical and therapeutic USA: analysis of data from serial cross-
implications. The Lancet Diabetes
sectional surveys. The Lancet Diabetes
Endocrinology. 2018 Aug.
Endocrinology. 2018 May; 6(5):392-403.
2 Posicionamento Oficial SBD, SBPC-
ML, SBEM e FENAD 2017/2018. Atualização 9 Palmer SC, et al. Comparison of
sobre hemoglobina glicada (A1c) para Clinical Outcomes and Adverse Events
avaliação do controle glicêmico e para o Associated with Glucose-Lowering Drugs
diagnóstico do diabetes: aspectos clínicos e in Patients with Type 2 Diabetes. A Meta-
laboratoriais.
analysis. JAMA. 2016 Jul; 316(3):313-24.

3 ABBASI, J. For Patients With


10 Zheng SL, et al. Association
Type 2 Diabetes, What’s the Best Target
Hemoglobin A1c? JAMA. 2018 Jun; Between Use of Sodium-Glucose Cotransporter
319(19):2367-9. 2 Inhibitors, Glucagon-like Peptide 1 Agonists,
and Dipeptidyl Peptidase 4 Inhibitors With
4 Laiteerapong N, et al. Individualized All-Cause Mortality in Patients With Type
Glycemic Control for U.S. Adults With Type 2 Diabetes. A Systematic Review and Meta-
2 Diabetes A Cost-Effectiveness Analysis.
analysis. JAMA. 2018; 319(15):1580-91.
Annals of Internal Medicine. 2018 Feb;
168(3):170-8.
11 Neda L, et al. The Legacy Effect in Type
5 Conlin PR, et al. Synopsis of the 2017 2 Diabetes: Impact of Early Glycemic Control
U.S. Department of Veterans Affairs/U.S. on Future Complications (the Diabetes & Aging
Department of Defense Clinical Practice Study) [Internet]. Diabetes Care. 2018 Aug.
Guideline: Management of Type 2 Diabetes Disponível em: https://doi.org/10.2337/dc17-
Mellitus. Annals of Internal Medicine. 2017
1144
Nov; 167(9):655-63.
12 Rawshani A, et al. Risk Factors,
6 Qaseem A, et al. Hemoglobin Mortality, and Cardiovascular Outcomes in
A1c Targets for Glycemic Control With Patients with Type 2 Diabetes. New England
Pharmacologic Therapy for Nonpregnant Journal of Medicine. 2018 Aug; 379(7):633-44.
Adults With Type 2 Diabetes Mellitus: 13 Riddle MC, et al. A1C Targets Should
A Guidance Statement Update From the
Be Personalized to Maximize Benefits While
American College of Physicians. Annals of
Limiting Risks [Internet]. Diabetes Care. 2018
Internal Medicine. 2018 Apr; 167(8):569-76.
Jun; 41(6):1121-4. Pondente: Matthew C.
Disponível em: https://doi.org/10.2337/dci18-
7 Endocrine Society. Current Press
0018
Releases. Diabetes organizations strongly
disagree with ACP's higher blood glucose
targets for type 2 diabetes. 2018 Mar 09.

www.pebmed.com.br
46 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

PONTO DE VISTA Introdução


O tratamento da doença hepática O termo Doença Hepática Gordurosa Não
gordurosa não alcoólica Alcoólica (DHGNA) compreende um amplo
Treatment of non-alcoholic fatty liver disease espectro de alterações histológicas que tem
Marcos Viana como denominador comum a esteatose
Residente de Clínica Médica da Universidade hepática superior à 5%. A prevalência de tal
Federal do Rio de Janeiro comorbidade gira em torno de 9 a 45% na
população geral, podendo atingir até 70%
Resumo: Diversas formas de tratamento
dos pacientes obesos e já é o principal fator
foram aventadas, nos últimos anos, com a
etiológico do carcinoma hepatocelular [4].
expectativa de impactar na doença hepática
Sabe-se que sua fisiopatologia tem
gordurosa não alcoólica. A esperança de novas
como pilar a resistência insulínica e, baseado
drogas poderem gerar benefício com o melhor
nisso, diversas formas de tratamento já foram
entendimento da fisiopatologia da doença não se
aventadas, muitas delas com resultados
traduziu em resultados nos estudos analisados.
frustrantes. Sendo assim, faz-se necessário
A perda de peso permanece como o pilar do
uma revisão do que há de novo e o que há de
tratamento e a atividade física também parece
real benefício para o manejo destes pacientes.
mostrar benefício de forma independente.
Como tratamento medicamentoso destaca-se a Desenvolvimento
vitamina E na redução da inflamação hepática
Mudanças no estilo de vida
e a pioglitazona na redução da fibrose.
É, sem dúvidas, a intervenção com mais
benefícios comprovados [1]. A perda de 5%
Palavras-chaves: esteatose, doença hepática
do peso corporal já parece reduzir a esteatose
gordurosa não alcoólica, inflamação, fibrose.
hepática e melhorar os parâmetros metabólicos,
com redução ou remissão da esteatose em
Abstract: Several forms of treatment have 64%. Perdas de peso superiores à 7%, elevam
been proposed in recent years with the a redução da esteatose para 72%, gerando
expectation of impacting on non-alcoholic fatty também redução da necroinflamação hepática
liver disease. The hope that new drugs could e, pacientes que conseguem reduzir mais de
generate benefits with a better understanding 10% do seu peso corporal têm 90% de remissão
of the pathophysiology of the disease did not da esteatose e 45% de remissão da fibrose.
translate into results in the studies analyzed. Além disso, a prática de atividades
Weight loss remains the mainstay of treatment físicas, caracterizada como exercício aeróbico ou
and physical activity also seems to show resistivo, gerou redução no acúmulo de gordura
benefit independently. As a drug treatment intra-hepática independente da perda de peso
vitamin E is highlighted in the reduction of [9]. Apesar da maior parte dos estudos basearem
hepatic inflammation and pioglitazone in the seus dados em atividades aeróbicas, sabe-se que
reduction of fibrosis. os exercícios resistivos são mais bem tolerados
nos pacientes com capacidade funcional reduzida
Keywords: steatosis, non-alcoholic fatty liver
[2]. Quando comparados, não há significância
disease, inflammation, fibrosis.
estatística que mostre superioridade de nenhuma
modalidade de exercício [3].

www.pebmed.com.br
Índice 47
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Viana
PONTO DE VISTA O tratamento da doença hepática gordurosa não alcoólica

Vitamina E fazendo com que alguns autores recomendem


Pode ser considerada como primeira seu uso na DHGNA apesar do fraco nível de
linha no tratamento farmacológico da DHGNA. evidência.
Apesar de não ter efeito na perda de peso e
Estatinas
na resistência insulínica, o uso de vitamina
A hiperlipidemia está comumente
E comprovadamente reduz a inflamação
associada à obesidade e ao diabetes mellitus
hepática e, consequentemente, reduz o nível de
tipo 2 e está presente em 20 a 80% dos pacientes
transaminases. No entanto, não parece haver
com diagnóstico de DHGNA. Tal fato nos leva
melhora significativa na fibrose [4, 10].
a pensar que possivelmente as estatinas teriam
Pioglitazona benefício no tratamento destes pacientes.
A presença marcante da resistência Contudo, estas drogas não foram capazes de
insulínica na fisiopatologia da DHGNA fez reduzir inflamação ou fibrose hepática [12].
com que as tiazolidinedionas surgissem Todavia, cabe ressaltar que a dislipidemia
como opção terapêutica. De fato, a por si só pode ser uma indicação para o uso
pioglitazona mostra benefícios na redução de de estatinas nestes pacientes, que por sua vez
transaminases e, do ponto de vista histológico, se mostrou seguro neste contexto. Ademais,
reduz a esteatose e a inflamação lobular. Em a principal causa de morte nos pacientes com
comparação com a vitamina E, a pioglitazona DHGNA são doenças cardiovasculares e o
mostrou maior benefício na redução da fibrose, uso de estatinas como estabilizadores de placa
enquanto a vitamina E se mostrou superior em aterosclerótica poderia trazer benefícios.
reduzir a inflamação [10]. Entretanto, efeitos
Orlistate
adversos como ganho de peso e retenção
Uma vez que a perda de peso se tornou
hídrica limitam significativamente o seu uso.
um dos grandes pilares do tratamento da
Além disso, o uso prolongado de pioglitazona
DHGNA, o uso de orlistate, um inibidor da
pode gerar uma piora na densidade óssea,
lipase, passou a fazer parte de ensaios clínicos
predispondo à osteoporose.
como forma de tratamento destes doentes.
Metformina Porém, ao contrário do que se pensava, a
Por ser a grande droga do paciente utilização desta droga não gerou melhora
diabético tipo 2, é inevitável pensar que significante nos níveis de transaminases, no
os pacientes com DHGNA também se peso corporal, na sensibilidade à insulina e
beneficiariam do seu uso. Porém, diversos na histologia hepática em comparação com
estudos falharam em demonstrar melhora na placebo [13].
inflamação e fibrose hepática com a utilização
da droga. Uma revisão sistemática de 8 Agonista de GLP-1
estudos controlados e randomizados mostrou Surge como uma possibilidade de
não haver efeitos favoráveis da utilização de terapia adjuvante nos pacientes que possuem
metformina na histologia da DHGNA, embora diabetes mellitus tipo 2, uma vez que melhora
possa ajudar a reduzir a resistência insulínica e o perfil glicêmico e reduz peso e o risco
otimizar a perda de peso [11]. É importante ter o cardiovascular. Seu benefício na reversão da
conhecimento de que a metformina vem sendo lesão hepatocelular parece estar associado
muito estudada fora do contexto de diabetes, à perda de peso [7], porém são necessários
principalmente na prevenção de doenças, e a estudos maiores para o esclarecimento do real
mesma mostrou uma redução de até 56% no papel deste medicamento na DHGNA.
risco de desenvolver carcinoma hepatocelular,

www.pebmed.com.br
48 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Viana
PONTO DE VISTA O tratamento da doença hepática gordurosa não alcoólica

Conclusão the study of liver diseases, American college


Em suma, parece claro que a melhor of gastroenterology, and the American
forma de tratar o paciente com DHGNA é através gastroenterological association. Hepatology.
2012; 55(6):2005-23.
de medidas não farmacológicas, priorizando
redução de peso e prática de atividades físicas, 5 Kantartzis K, Thamer C, Peter A, et al.
aeróbicas e exercícios resistivos. Vale lembrar High cardiorespiratory fitness is an independent
que a maior parte destes pacientes possui predictor of the reduction in liver fat during a
lifestyle intervention in non-alcoholic fatty
comorbidades de alto risco cardiovascular liver disease. Gut. 2009; 58(9):1281-8.
agregadas e o benefício das mudanças no
estilo de vida seria imensurável neste contexto. 6 Peng L, Wang J, Li F. Weight reduction
Como medidas farmacológicas, a for non-alcoholic fatty liver disease. Cochrane
Database of Systematic Reviews. 2011;
primeira linha de tratamento é baseada no 15(6):CD003619.
uso de vitamina E e pioglitazona. Porém, o
uso de medicamentos só está indicado nos 7 Dhir G, Cusi K. Glucagon like peptide-1
pacientes com fibrose maior ou igual à F2 no receptor agonists for the management of obesity
and non-alcoholic fatty liver disease: a novel
FibroScan® ou em pacientes F0/F1 com fatores therapeutic option Journal of Investigative
predisponentes para a progressão da doença. Medicine. 2018; 66:7-10.
A monitorização do tratamento deve ser feita
com a dosagem periódica de transaminases. 8 Gitto S, Vitale G, Villa E, Andreone P.
Treatment of Nonalcoholic Steatohepatitis in
Potenciais Conflitos de Interesses: O autor Adults: Present and Future. Gastroenterology
declara não haver nenhum conflito de interesse. Research and Practice. 2015; 2015.
doi:10.1155/2015/732870.

9 George A, Bauman A, Johnston A, et


Referências Bibliográficas: al. Independent effects of physical activity in
1 Promrat K, Kleiner DE, Niemeier patients with nonalcoholic fatty liver disease.
HM, et al. Randomized controlled trial testing Hepatology. 2009; 50(1):68-76.
the effects of weight loss on nonalcoholic
steatohepatitis. Hepatology. 2010; 51(1):121- 10 Sanyal AJ, Chalasani N, Kowdley KV,
et al. Pioglitazone, vitamin E, or placebo for
9.
nonalcoholic steatohepatitis. The New England
Journal of Medicine. 2010; 362(18):1675-85.
2 Hallsworth K, Fattakhova G,
Hollingsworth KG, et al. Resistance exercise 11 Shyangdan D, Clar C, Ghouri N, et
reduces liver fat and its mediators in non- al. Insulin sensitisers in the treatment of non-
alcoholic fatty liver disease independent of alcoholic fatty liver disease: a systematic
weight loss. Gut. 2011; 60:1278-83. review. Health Technology Assessment. 2011;
15(38):1-110.
3 González-Ruiz K, Correa-Bautista
JE, Izquierdo M, et al. Effects of an exercise 12 Nelson A, Torres DM, Morgan AE, et al.
program on hepatic metabolism, hepatic fat, A pilot study using simvastatin in the treatment
and cardiovascular health in overweight/ of nonalcoholic steatohepatitis: a randomized
obese adolescents from Bogotá, Colombia placebo-controlled trial. Journal of Clinical
(the HEPAFIT study): study protocol for a Gastroenterology. 2009; 43(10):990-4.
randomized controlled trial. Trials. 2018;
19:330. 13 Harrison SA, Fecht W, Brunt EM,
Neuschwander-Tetri BA. Orlistat for
4 Chalasani N, Younossi Z, Lavine overweight subjects with nonalcoholic
JE, et al. The diagnosis and management of steatohepatitis: a randomized, prospective
non-alcoholic fatty liver disease: practice trial. Hepatology. 2009; 49(1):80-6.
guideline by the American Association for

www.pebmed.com.br
Índice 49
www.pebmed.com.br
50 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

RELATO DE CASO presentation of primary biliary cholangitis, with


no positive antimitochondrial antibody, the
Infecção por vírus da hepatite A como diagnosis of autoimmune cholangiopathy was
gatilho para colangite autoimune suggested.
Hepatitis A virus infection as a trigger for
autoimmune cholangitis Keywords: autoimmune cholangitis, hepatitis
¹Angela Cristina Gouvea Carvalho, A, primary biliary cholangitis, variant
²Dayanna de Oliveira Quintanilha Palmer, syndrome.
²Diego dos Santos Garcia, ³Vitor Carvalho
da Nobrega, ³Igor Melo de Almeida, Introdução
³Filippe Pirrone Cunha Colangite autoimune ou colangiopatia
¹Professora titular da anatomopatologia autoimune (CAI) é uma inflamação crônica
do Hospital Universitário Antônio do fígado, podendo ser caracterizada como
Pedro, ²Residente de Clínica Médica uma síndrome variante de hepatite autoimune
da Universidade Federal Fluminense, (HAI) [1], embora tal diagnóstico seja alvo de
³Acadêmico de Medicina da Universidade bastante discussão na literatura. Por definição,
Federal Fluminense as síndromes variantes englobam pacientes
com características de HAI com achados
Resumo: Colangite autoimune ou colangiopatia inconsistentes com o diagnóstico definitivo
autoimune (CAI) é uma inflamação crônica do desta condição [2]. Descrevemos um caso
fígado, podendo ser caracterizada como uma de uma paciente jovem, que apresenta um
síndrome variante de hepatite autoimune (HAI). episódio de hepatite A, evoluindo com quadro
Descrevemos um caso de uma paciente jovem, que colestático arrastado e flutuação nos níveis
apresenta um episódio de hepatite A, evoluindo de transaminases, sempre elevados, que
com quadro colestático arrastado e flutuação poderiam ser explicados por apresentação
nos níveis de transaminases, além de estigmas colestática da hepatite A. Entretanto, estigmas
de autoimunidade clínicos e laboratoriais de autoimunidade clínicos e laboratoriais
que incentivaram pesquisa diagnóstica. Por incentivaram pesquisa diagnóstica, que
apresentar exame histopatológico típico revelou uma histopatologia típica de hepatite
de colangite biliar primária, sem anticorpo autoimune com características sugestivas de
antimitocondrial positivo, foi sugerido o colangite biliar primária, contudo a pesquisa
diagnóstico de CAI. de anticorpo antimitocondrial foi negativa. O
caso configura uma variante rara da hepatite
Palavras-chave: colangite autoimune, hepatite A, autoimune, com um gatilho inesperado para
colangite biliar primária, síndrome variante. tal condição.

Abstract: Autoimmune cholangitis or


Apresentação do Caso
autoimmune cholangiopathy is a chronic
inflammation of the liver and can be characterized Paciente de 19 anos, previamente
as a variant autoimmune hepatitis syndrome. We hígida, apresentou em julho de 2017 quadro
describe a case of a young patient presenting febril acompanhado de náusea, vômitos,
with an episode of hepatitis A, evolving with a colúria e acolia fecal. Procurou atendimento
cholestatic trait and fluctuation in transaminase em emergência, onde foi observada icterícia,
levels, as well as clinical and laboratory devido a colestase, elevação de transaminase
autoimmunity stigmas that encouraged diagnostic e enzimas canaliculares, além de distúrbio
research. Because of the typical histopathological

www.pebmed.com.br
Índice 51
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Carvalho et al
RELATO DE CASO Infecção por vírus da hepatite A como gatilho para colangite autoimune

da coagulação. Os exames de imagem realizados “vidro de relógio” e artrite em punho direito,


(ultrassonografia abdominal e tomografia confirmada por ultrassonografia. Pesquisado
computadorizada de abdome) estavam sem ainda sorologias para hepatites B, C e HIV,
alterações. Foram solicitadas, também, todas negativas.
sorologias para hepatites virais e identificou- Em 01/2018 ainda apresentava
se positividade para hepatite A (IgM). Evoluiu IgM anti-HAV positivo e aumento sutil de
com melhora clínica e laboratorial e recebeu transaminases. Foi investigada com biópsia
alta para acompanhamento ambulatorial. hepática que revelou hepatite crônica, lobular
Retornou para consulta de e da interface, sugerindo o diagnóstico de
acompanhamento em 08/2017 com o relato colangite autoimune (CAI) (Figuras 1 e 2).
de um quadro condizente com fenômeno de Colangiorressonância do mesmo período não
Raynaud. Exames laboratoriais demonstraram identificou alterações obstrutivas em árvore
padrão flutuante de transaminases e enzimas biliar, o que excluiu a
canaliculares, permanência de IgM anti-HAV, possibilidade de colangite esclerosante
FAN positivo 1:80 (padrão pontilhado fino), primária. Apresentou resposta satisfatória ao
imunogobulina G de 2550 mg/dL e outros tratamento com prednisona 1 mg/kg/dia com
marcadores de autoimunidade negativos melhora laboratorial expressiva demonstrada
(anticorpos antimúsculo liso, antiactina, na tabela 1.
antiLKM1 e antimitocondrial). Ao exame
físico apresentava apenas distrofia ungueal em

21/07/2017 23/07/2017 09/08/2017 11/10/2017 08/01/2018

Bb total (mg/ 4,10 1,8 0,6 0,3


-
dL)
Bb direta 0,2
3,46 - 0,5 0,08
(mg/dL)
FAlC (U/L) 741 - 698 126 87
TGO (U/L) 4196 - 437 614 74
TGP (U/L) 1924 - 521 1074 121
GGT (U/L) 1438 - - 215 56
TAP (%) - 58 - 8,677 92,16
PTT (s) - 1,14 - 1,08 0,98

INR - 1,44 - 1,2 1,07


Proteína total
7,10 - - 9,0 8,2
(g/dL)
Albumina (g/
3,13 - - 4,2 4,1
dL)
Globulina (g/
3,97 - - - -
dL)

www.pebmed.com.br
52 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Carvalho et al
RELATO DE CASO Infecção por vírus da hepatite A como gatilho para colangite autoimune

Legenda: Tabela 1 - Quadro de evolução laboratorial. Bb: bilirrubina; FAlC: fosfatase alcalina;
TGO: transaminase glutâmico-oxalacética; e TGP: transaminase glutâmico-pirúvica; Tempo
de Ativação da Protrombina (TAP); PTT: tempo de tromboplastina ativada; INR: razão
normalizada internacional.
nessa condição. Relatamos um caso raro em
que a paciente acabou por desenvolver uma
condição variante da hepatite autoimune,
após um gatilho documentado de infecção por
hepatite A.
A condição estudada, foi inicialmente
chamada de “colangite imune” em 1987
por Bruner e Klinge [1] após um estudo
que evidenciou 3 casos compatíveis com
histopatologia e clínica condizentes com
Legenda: Biópsia hepática colangite biliar primária, porém com anticorpo
antimitocondrial negativo. Michieletti et
al. [5] usou o termo “colangite autoimune”
anos após. Ben-Ari et al. [6] introduziu o
termo “colangiopatia autoimune”. Todos os
citados descreveram casos com as mesmas
características supracitadas. Desde então,
relatos sobre tal condição foram publicados
sendo caracterizados como colangite ou
colangiopatia autoimune.
A CAI engloba os pacientes que
apresentam anticorpo antinuclear (ANA ou
FAN) positivo com ou sem a presença de
anticorpo antimúsculo liso e ainda, apresentam
características clássicas de colangite biliar
Legenda: Biópsia hepática primária (CBP) à biópsia, porém com anticorpo
antimitocondrial (AMA) negativo [7].
Clinicamente, o paciente pode se
Discussão manifestar com fadiga e prurido, além disso
A hepatite A é uma infecção viral, as características laboratoriais de colestase
geralmente de curso benigno, com remissão (elevação de Gama-GT e Fosfatase Alcalina)
espontânea em mais de 90% dos casos. Sabe- estão presentes [1]. Os achados histológicos
se que uma pequena parcela da população podem ser indistinguíveis de CBP, incluindo
pode desenvolver um quadro colestático, alterações como lesão do canal biliar na forma
após a infecção aguda, com uma evolução de colangite e ductopenia com pouca ou
autolimitada. Uma parcela menor ainda, após nenhuma inflamação portal [1, 2].
a infecção aguda pelo HAV, pode acabar por As características histológicas da CAI
desenvolver hepatite autoimune, sendo tal são inflamação portal com lesão do ducto
ocasião relatada na literatura [3, 4]. A infecção biliar, incluindo ductopenia. Pode haver ainda
pelo HAV funcionaria como um gatilho para hepatite da interface e infiltração plasmocitária
os eventos de autoimunidade que culminariam do espaço porta. [5, 6].

www.pebmed.com.br
Índice 53
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Carvalho et al
RELATO DE CASO Infecção por vírus da hepatite A como gatilho para colangite autoimune

O tratamento é empírico e consiste reports in hepatology, India. 2018 Sep


em imunossupressores (azatioprina ou 21; 2014(ID 501530):1-3. [acesso em
prednisona), ácido ursodesoxicólico 01 ago 2018] Disponível em: https://doi.
org/10.1155/2014/501530.
(UDCA) ou uma combinação de ambos.
Resposta aos corticosteroides ou UDCA 2 Ben-Ari Z. Autoimmune hepatitis
é variável e geralmente pobre. De fato, a and its variant syndromes. Gut. 2015 Jan;
maioria dos estudos enfatiza a incapacidade 2001:589-94. [acesso em 01 ago 2018]
de induzir melhora com qualquer droga. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1136/
gut.49.4.589.
Terapia imunossupressora deve ser reservada
principalmente para aqueles indivíduos que 3 SG M, et al. Manifestaciones atípicas
são sintomáticos (icterícia, prurido e/ou mal- de la infección por el virus de la hepatitis
estar) [1]. a. México: Revista de gastroenterología de
Hoje, o termo mais utilizado para se méxico, 2018 Abr/Jun; 83(2):134-43.
referir a CAI passou a ser CBP-AMA negativo,
4. Abdel-Ghaffar TY, et al. Serological
uma vez que pacientes com esta condição markers of autoimmunity in children
parecem ter uma evolução clínica semelhante with hepatitis a: relation to acute and
aos pacientes com CBP clássica. Estudos mais fulminant presentation. European journal of
recentes, questionaram a validade de técnicas gastroenterology & hepatology. 2015 Oct.
de imunofluorescência indireta na pesquisa do
5 Michieletti P, et al. Antimitochondrial
autoanticorpo antimitocondrial [8], uma vez antibody negative primary biliary cirrhosis: a
que, quando usadas técnicas mais específicas distinct syndrome of autoimmune cholangitis.
para a pesquisa de isótopos deste anticorpo, Gut. 1994 Feb; 35:260-5.
o resultado acabou sendo positivo para a
maioria dos pacientes com CAI (mais de 6 Ben-Ari Z, Dhillon AP, Sherlock S.
Autoimmune cholangiopathy: part of the
95%), colocando assim em questão o próprio spectrum of autoimmune chronic active
diagnóstico de tal condição. Essa discussão hepatitis. Hepatology. 1993 Jul; 18(1):10-5.
continua em voga sendo novos métodos de
imunofluorescência colocados à prova para 7 Mvierling J. Primary biliary cirrhosis
a conclusão diagnóstica. Acredita-se que a and autoimmune cholangiopathy. Clinics in
Liver Disease. 2004 Feb; 8(1):177-94.
heterogeneidade das doenças autoimunes
hepáticas, a sensibilidade reduzida dos 8 Podda P, Invernizzi A, Crosignani PM,
exames diagnósticos e o abuso no uso de Battezzati G, Covini G, De Valle A, Larghi M,
sistemas de escores para diagnóstico tenham Zuin M. Comparison of the clinical features
levado a essa dificuldade na distinção exata and clinical course of antimitochondrial
antibody‐positive and ‐negative primary
entre cada entidade desse espectro de doenças biliary cirrhosis. Hepatology. 2003 Dec;
autoimunes [9]. 25:1090-5.

Potenciais Conflitos de Interesses: Os 9 Ozaslan E, Efe C, Ozaslan NG. The


autores declaram não haver nenhum conflito diagnosis of antimitochondrial antibody-
negative primary biliary cholangitis.
de interesse.
Clinics and research in hepatology and
gastroenterology. 2016 Nov; 40(5):553-61.
Referências Bibliográficas:

1 Sharma B, Raina S, Sharma


R. Autoimmune cholangitis: a variant
syndrome of autoimmune hepatitis. Case

www.pebmed.com.br
54 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

RELATO DE CASO After exclusion of etiologies, the diagnosis of


multiple sclerosis was performed. We present
Oftalmoparesia internuclear bilateral
a short neurophysiological revision of medial
secundária a esclerose múltipla
longitudinal fasciculus, brain structure which
Bilateral internuclear ophthalmoplegia due
injury brings INO and etiological differential
multiple sclerosis
diagnosis of it.
¹Mário Luciano de Mélo Silva Júnior,
²Clélia Maria Ribeiro Franco, ³José Luiz Keywords: ocular motility disorders,
de Miranda Coelho Inojosa internuclear ophthalmoplegia, multiple
¹MD, MSc Serviço de Neurologia, Hospital sclerosis, case report.
das Clínicas da Universidade Federal
Introdução
de Pernambuco, ²MD, PhD Serviço de
Neurologia, Hospital das Clínicas da Anormalidades no movimento ocular
Universidade Federal de Pernambuco, ³MD extrínseco são frequentes na prática da
Serviço de Neurologia, Hospital das Clínicas neurologia, sobretudo em indivíduos com
da Universidade Federal de Pernambuco esclerose múltipla [4]. Devido à sutileza
da lesão, por vezes não há queixas clínicas,
Resumo: A oftalmoparesia internuclear
entretanto manifestações exuberantes, tais
(OIN) é uma condição rara, principalmente
como diplopia, nistagmo grave associado
quando bilateral. As etiologias são diversas,
a vômitos e desidratação também podem
mas se destacam as lesões vasculares e
ocorrer.
desmielinizantes. Relatamos um caso de OIN
bilateral que se apresentou na emergência Apresentamos um caso clínico no qual a queixa
clínica como vômitos incoercíveis. Mostramos principal, vômitos – sintoma potencialmente
imagens do exame da motricidade ocular e da trivial –, foi secundária a doença neurológica,
ressonância magnética evidenciando lesão situação na qual o exame da motricidade
mediana pontina posterior. Excluídas outras ocular foi fundamental para o diagnóstico.
possibilidades diagnósticas, o diagnóstico Relato de caso
de esclerose múltipla foi firmado. Fazemos
breve revisão da neurofisiologia do fascículo Homem, 21 anos, previamente
longitudinal medial, estrutura que quando hígido, com história de vômitos incoercíveis
lesada gera o quadro clínico descrito, e do há 3 dias da admissão; adicionalmente
diagnóstico diferencial do OIN. referia “tontura” descrita como turvação
visual no mesmo período. Negava episódios
Palavras-chaves: alterações da motricidade similares prévios ou outras queixas.
ocular, oftalmoparesia internuclear, esclerose Ao exame neurológico, paciente
múltipla, relato de caso. apresentava desidratação e alteração da
Abstract: Internuclear ophthalmoplegia motilidade ocular extrínseca apresentada por
(INO) is a rare clinical condition, mainly when dificuldade na adução de ambos os olhos
bilateral. Etiologic possibilities are varied, but nas miradas horizontais, com convergência
vascular and demyelinating lesions must be preservada (Figura 1), associado a nistagmo
kept in mind. We report a case of bilateral INO do olho em abdução, compatível com
presented in emergency room as uncontrollable oftalmoparesia internuclear (OIN) bilateral.
vomiting. We show images of ocular motricity Associava-se ainda discreta paresia facial
examination and of magnetic resonance which de padrão periférico a direita, ataxia
revealed a median posterior lesion in pons. apendicular nos quatro membros e discretos

www.pebmed.com.br
Índice 55
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Júnior et al
RELATO DE CASO Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária a esclerose múltipla

sinais de libertação piramidal nos membros articulador é o fascículo longitudinal medial


superiores (sinais de Hoffman e Tromner). (FLM) [5]. O FLM é um conjunto bilateral de
Apesar da clínica pouco exuberante, fibras que corre próximo da linha média – o
a investigação por neuroimagem com que justifica a possibilidade de lesões únicas,
ressonância magnética mostrou lesões medianas, poderem afetar ambos os FLMs –
caracterizadas por hipersinal nas sequências da porção mais posterior e superior do bulbo
ponderadas em T2 e FLAIR em regiões até o aqueduto cerebral. Nesse percurso ele
periventriculares, bem como lesões em lobos faz contato entre vários núcleos relacionados
temporais, corpo caloso, corticojustacorticais, ao controle do olhar e posição da cabeça.
pedúnculos cerebelares, tronco e cerebelo, Estudos em neurofisiologia apontam
assimétricas, além de lesão medular de que o comando para olhar para a direita é dado
extensão equivalente a dois corpos vertebrais. pelo centro cortical frontal do olhar voluntário
Apenas algumas dessas lesões tinham captação esquerdo, que se comunica com a formação
do meio de contraste – dentre elas, uma lesão reticular paramediana pontina direita e esta
pontina posterior (Figura 2). Estudo do líquido com o núcleo do sexto nervo direito, o qual
cefalorraquidiano (LCR) mostrou celularidade inerva o músculo reto lateral ipsilateral,
e proteína normais, com ausência de bandas fazendo o olho direito olhar para a direita.
oligoclonais, mas com síntese intratecal de Utilizando o exemplo do olhar hori-
IgG. As provas imunológicas para presença zontal para direita enfatizamos que o papel
de vírus e outros patógenos do sistema do FLM é garantir o movimento sincrônico
nervoso central (SNC) no LCR também foram do olho esquerdo de modo que seja mantido o
negativas. Função hepática, renal e tireoidiana foco do olhar durante a mirada horizontal para
normais. FAN, FR, HBV, HVC, HIV, HTLV, o lado direito. Tal sincronicidade depende
VDRL negativos; B12 e complemento normais. de fibras altamente mielinizadas, rápidas,
Diante dos achados, pulsoterapia presentes neste fascículo para comunicar
com metilprednisolona por 5 dias foi o núcleo do sexto nervo com o subnúcleo
instituída, resultando em melhora substancial do terceiro nervo do olho contralateral para
dos sintomas. O diagnóstico de esclerose ativação do músculo reto medial. Entretanto, a
múltipla foi firmado, pelos critérios mais convergência ocular (adução de ambos os olhos
recentes de McDonald. Paciente recebeu para olhar para um objeto muito próximo, como
alta com planejamento de seguir tratamento a ponta do nariz, Figura 1C) está preservada
ambulatorial para instituição de medicação – evidenciando que não há lesão dos retos
modificadora do curso da doença mediais nem dos núcleos nem do próprio do
terceiro nervo –, pois o movimento de vergência
Discussão
independe do FLM. Nas lesões unilaterais,
Oftalmoparesia internuclear é um o lado da lesão é o lado cujo olho não aduz.
sintoma que pode ter várias etiologias. A A OIN tem alto valor localizatório,
causa mais comum é vascular (acidente lesão do FLM no tronco cerebral, porém a
vascular cerebral), seguida por doenças capacidade de definir etiologia é limitada.
História clínica, sintomas associados e
desmielinizantes (como esclerose múltipla);
neuroimagem são essenciais na investigação.
entretanto, quando bilateral, as causas
desmielinizantes se tornam mais comuns [2].
O surgimento dessa condição depende
da lesão dos circuitos relacionados ao
comando do olhar horizontal, do qual o grande

www.pebmed.com.br
56 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Júnior et al
RELATO DE CASO Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária a esclerose múltipla

Entretanto, algumas condições como miastenia Conclusão


gravis e lesões orbitárias podem mimetizar
o quadro [3], devendo o clínico estar atento A OIN tem alto valor topográfico,
a pistas da história e do interrogatório apesar de pouco valor etiológico. Apesar
sintomatológico. de a etiologia vascular ser mais frequente, a
ausência de fatores de risco cardiovasculares
O diagnóstico diferencial inclui, além
e idade jovem fazem pensar na possibilidade
das doenças vasculares (AVC isquêmico
e hemorrágico) e desmielinizantes, lesões de doenças desmielinizantes. História clínica,
infecciosas (sífilis, neurocisticercose, sintomas associados e neuroimagem serão
toxoplasmose), lesões expansivas (tumores fundamentais na determinação diagnóstica
primários, metástases), trauma, intoxicação desses casos. O prognóstico depende
por drogas (barbitúricos, tricíclicos) e essencialmente da etiologia.
malformação de Chiari [1]. Nos casos de
esclerose múltipla com cometimento do Potenciais Conflitos de Interesses: Os autores
movimento ocular, o prognóstico parece ser declaram não haver nenhum conflito de interesse.
pior [4].

Legenda: OIN bilateral. Note boa convergência a limitação da adução de ambos os olhos no olhar
conjugado horizontal (A e B), mas boa execução do movimento de convergência ocular em C.

www.pebmed.com.br
Índice 57
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Júnior et al
RELATO DE CASO Oftalmoparesia internuclear bilateral secundária a esclerose múltipla

Referências Bibliográficas
1 Karatas M. Internuclear and supranuclear
disorders of eye movements: clinical features and
causes. Eur J Neurol. 2009 Dec; 16(12):1265-77.
PubMed. PMID 19723293.

2 Keane JR. Internuclear ophthalmoplegia:


unusual causes in 114 of 410 patients. Arch
Neurol. 2005 May; 62(5):714-7. PubMed. PMID
15883257.

3 Lin WV, et al. Orbital metastasis


mimicking internuclear ophthalmoplegia: A case
report and review. Can J Ophthalmol. 2017 Aug;
52(4):e149-e151. PubMed. PMID 28774543.

4 Servillo G, et al. Bedside tested ocular


motor disorders in multiple sclerosis patients.
Mult Scler Int. 2014; 2014. PubMed. PMID
24876966.

5 Virgo JD, Plant GT. Internuclear


ophthalmoplegia. Pract Neurol. 2017 Apr;
17(2):149-53. PubMed. PMID 27927777.

www.pebmed.com.br
58 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

RELATO DE CASO Abstract: The round pneumonia, also called


pseudotumor or organized pneumonia, is an
Pneumonia Redonda em adulto: um
atypical radiologic presentation, rarely seen
diagnóstico atípico em uma unidade de
in adults. It is important to differentiate it
pronto atendimento
from abscesses and tumors. The objective of
Adult Round Pneumonia: an atypical
this paper is to report a round pneumonia case
diagnosis in UPA (Unidade de Pronto
in an adult patient in an emergency service
Atendimento)
unit. A chest radiography of a 21-year-old
Caio Cesar Alves Vasconcellos, Juliana
patient with fever, productive cough and
Fernandes, Ana Letícia Barreiros de Lima
thoracic pain showed an “oval” image a
Ferreira Pinto, Carolina Andrade Vitoi,
third below the left lung. The laboratorial
Osmário Oliveira Rodrigues, Thais da
exams revealed leukocytosis and a detour
Silva Soares Beserra, Cassio Destefani
towards the left side. Antibiotic therapy was
Lopes, Alexsander Lopes Fernandes de
established, which culminated in the end of
Vasconcellos, Luís Otávio Mocarzel,
the clinical-radiologic case. This radiologic
Ronaldo Altenburg Gismondi
found often associated with the improvement
Departamento de Medicina Clínica, Hospital
of the clinic-laboratorial case with the
Universitário Antônio Pedro, Universidade
recommended antibiotic therapy is a highly
Federal Fluminense
suggestive towards the infectious etiologies.
As a message, the doctors must be aware to
Resumo: A pneumonia redonda, também
a possible infectious etiology in young adults
chamada pseudotumoral ou pneumonia
with lungs symptoms and rounded aspect
organizada, é uma apresentação radiológica
atípica, raramente encontrada em adultos. masses in chest radiography’s.
A importância do seu diagnóstico está no Keywords: Pneumonia, adults, chest X-ray,
diferencial com tumorações e abcessos. O lung disease.
objetivo deste trabalho é relatar um caso de
pneumonia redonda em paciente adulto em Introdução
uma unidade de pronto atendimento. Trata-se A pneumonia redonda, também
de um paciente de 21 anos com febre, tosse chamada pseudotumoral ou pneumonia
produtiva e dor torácica, cuja radiografia organizada, é uma apresentação radiológica
de tórax mostrava imagem “oval” em terço raramente encontrada em adultos [1]. O
inferior do pulmão esquerdo. Os exames termo surgiu pela primeira vez na literatura
laboratoriais mostravam leucocitose e desvio em meados de 1954, quando foi descrita uma
à esquerda. Foi instituída antibioticoterapia, forma de pneumonia que simulava uma massa
que resultou na resolução do quadro clínico- em 21 crianças [2].
radiológico. O achado radiológico típico A pneumonia redonda é primariamente
associado à melhora do quadro clínico- observada em crianças. Um estudo prévio
laboratorial com a antibioticoterapia adequada mostrou que 75% dos pacientes se encontram
é fortemente sugestivo da etiologia infecciosa. numa faixa entre 0 e 8 anos de idade, enquanto
Como mensagem, os médicos devem estar 90% destes se encaixam numa faixa entre 0
atentos à possível etiologia infecciosa em e 12 anos [3]. Casos em adultos são raros
jovens com sintomas pulmonares e massas de na literatura e uma revisão recente relatou
aspecto arredondado na radiografia de tórax. apenas 31 casos de pneumonia redonda em
Palavras-chave: pneumonia, adultos, adultos, sendo a idade média em 40 (18-61)
radiografia de tórax, doença pulmonar. anos. Apenas dois destes 31 casos foram

www.pebmed.com.br
Índice 59
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Vasconcellos et al
RELATO DE CASO Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico
em uma unidade de pronto atendimento

assintomáticos, descobertos em exames como Micoplasma pneumoniae, Clamidia


radiológicos realizados por outros motivos [4]. pneumoniae, Legionela pneumophila,
O objetivo deste trabalho é relatar o Haemophilus influenzae e M. tuberculosis
caso de um paciente adulto com pneumonia [2]. No caso relatado não foi enviada secreção
redonda. respiratória para cultura, pois não havia
critérios de gravidade e houve melhora com
Relato de caso tratamento.
Paciente masculino, 21 anos de idade A fisiopatologia da pneumonia redonda
procurou a unidade de pronto atendimento ainda não foi elucidada. A teoria mais aceita
(UPA) de sua região se queixando de febre, até o momento diz que o exsudato inflamatório
tosse pouco produtiva e dor do tipo pleurítica alveolar penetraria pelos poros de Kohn e os
em terço inferior de hemitórax esquerdo há canais de Lambert impedindo a distribuição
3 dias. Não havia relato de comorbidades, segmentar das secreções. Posteriormente, com
tabagismo, etilismo, outros vícios ou perda o avançar centrífugo do processo, ocorreria o
ponderal. No exame físico, destacava-se surgimento da imagem segmentar ou lobar [1].
ausculta pulmonar normal e ausência de sinais O quadro clínico da pneumonia
de toxemia. O hemograma revelou leucocitose redonda é normalmente inespecífico,
com neutrofilia e desvio à esquerda (Tabela 1). semelhante a outras etiologias de infecção do
Radiografia de tórax, realizada na admissão trato respiratório inferior, podendo cursar com
(28/09/2016), evidenciava lesão compatível febre aguda, tosse produtiva, dispneia e dor
com massa em base esquerda de formato pleurítica. É comum haver leucocitose com
ovalado, bordos bem definidos e regulares elevação da proteína C reativa [4]. Maldonado
(Figura 1). Foi instituído tratamento com et al. avaliou as apresentações clínicas e
levofloxacino por 7 dias. Em 48h após o radiológicas de 26 casos de pneumonia
atendimento inicial, foi realizada tomografia redonda e todos os pacientes apresentavam
que demonstrava “bronquiectasias com área uma imagem única e focal ao exame
de impactação mucoide e espessamento radiológico. Destes, somente 10 pacientes
peribrônquico no lobo inferior do pulmão (38%) apresentavam os sintomas respiratórios
esquerdo onde também se observa volumosa típicos [6]. No caso relatado, o quadro clínico
opacidade arredondada, área de condensação”. condiz com os relatos na literatura, bem como
Após uma semana, houve expressiva melhora os critérios de diagnósticos laboratoriais e
clínica e nova radiografia de tórax evidenciou radiológicos.
melhora parcial da imagem pulmonar, com A apresentação radiológica clássica
redução do diâmetro da massa. Após cerca de ocorre por uma lesão hiperdensa de bordos
4 semanas, nova radiografia de tórax mostrou regulares, por vezes lobulada ou espiculada,
resolução completa do quadro (Figura 2). de formato frequentemente ovalado ou de
fato redonda, podendo ou não apresentar
Discussão broncograma aéreo. No entanto, somente
Apesar de primariamente observada 17% dos casos de pneumonia redonda
em crianças [3], a pneumonia redonda no caso apresentam esse padrão completo [7]. O mais
em discussão se apresentou em um paciente frequente é a apresentação como massa ou
adulto de 21 anos. Nos casos descritos na nódulo único predominantemente em bases
literatura, o principal agente etiológico é o [3]. Estima-se que somente 1% de todos os
Streptococcus pneumoniae [4]. No entanto, casos de pneumonia em adultos tenham esta
outros microrganismos podem ser isolados, apresentação e, normalmente, trata-se de

www.pebmed.com.br
60 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Vasconcellos et al
RELATO DE CASO Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico
em uma unidade de pronto atendimento

uma forma inicial da doença, o que explica a Tabelas


clínica inespecífica da maioria dos casos [8],
muitas vezes com ausência de tosse ou outros
sintomas respiratórios, o que dificulta ainda Exames
Resultados
laboratoriais
mais o diagnóstico [1].
O diagnóstico da pneumonia
pseudotumoral é, em última análise, de Hemoglobina, g/dL 16
exclusão. A apresentação clínica aguda
associada a exame físico, laboratorial e imagem Hematócrito, (%) 41%
radiológica compatíveis são fortemente
sugestivos [1]. O controle radiológico precoce Leucócitos Totais,
19,300
pós-tratamento é mandatório para diagnóstico (células/mm³)
[9]. Durning et al afirma que a normalização
da radiografia de tórax, após a imagem Bastões, n(%) 965 (5%)
ovalada inicial, é virtualmente patognomônica
de pneumonia redonda [10]. Neutrófilos, n(%) 11,966 (62%)
A pneumonia redonda faz importante
diagnóstico diferencial com carcinoma Linfócitos, n(%) 4,632 (24%)
broncogênico, teratoma [9] e mesmo abcessos
[1]. No entanto, a história clínica e evolução Monócitos, n(%) 1,544 (8%)
radiológica são de grande valia para seu
diagnóstico, ainda mais em se tratando de
Plaquetas, (10³/mm³) 215
paciente jovem não tabagista, sem história ou
achados clínicos de malignidade [2].
Creatinina, mg/dL 0.7
O tratamento é essencialmente
clínico, com antibioticoterapia adequada ao
Ureia, mg/dL 17
perfil epidemiológico local. A melhora tende
a ocorrer entre 10 e 14 dias do início da
terapêutica. Já a melhora radiológica é mais
lenta, ocorrendo entre 6 e 8 semanas [1].

Conclusão
Relatamos um caso de pneumonia
redonda, uma forma de apresentação muito
comum em populações pediátricas, porém
atípica em adultos. Imagem compatível em
paciente com quadro infeccioso e sem fatores
de risco para outros diagnósticos que tem
melhora clínica e radiológica comprovada
após tratamento adequado virtualmente
fecham o diagnóstico desta patologia.

www.pebmed.com.br
Índice 61
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Vasconcellos et al
RELATO DE CASO Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico
em uma unidade de pronto atendimento

Imagens

Legenda: Figura 1 - Radiografia posteroanterior de tórax com imagem hiperdensa de


formato ovalado e bordos bem definidos em base pulmonar esquerda.

Legenda: Figura 2 - Radiografia de tórax em PA evidenciando melhora da imagem após 4


semanas.

www.pebmed.com.br
62 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Vasconcellos et al
RELATO DE CASO Pneumonia redonda em adulto: um diagnóstico atípico
em uma unidade de pronto atendimento

Potenciais Conflitos de Interesses: Os 6 Maldonado F, Daniels CE, Hoffman


autores declaram não haver nenhum conflito EA, Yi ES, Ryu JH. Focal organizing
de interesse. pneumonia on surgical lung biopsy: Causes,
clinicoradiologic features, and outcomes.
Chest. 2007; 132(5):1579-83.
Referências Bibliográficas:
7 Wagner L, Wagner S. Radiologic
1 Gianvecchio RP, Munõz D, Gianvecchio Manifestations of Pneumonia in Adults. 1998;
VAP, Albieri L. Pneumonia redonda, uma (March):723–6.
apresentação radiológica rara [Internet]. Rev
Paul Pediatr. Associação Paulista de Pediatria; 8 Zylberman M, Cordova E, Farace
junho de 2007; 25(2):187–9. [acesso em 23 G. Round Pneumonia in Adults, an Unusual
out 2016] Disponível em: http://www.scielo. Presentation of Lung Parenchymal Infection
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- [Internet]. Clin Pulm Med. 2006; 13(4):229-
05822007000200015&lng=pt&nrm=iso&tlng 31. Disponível em: http://content.wkhealth.
=pt com/linkback

2 Moreno Ruíz NL. Differential diagnosis


of pulmonary mass: round pneumonia. Rev la
Fac Med. Universidad Nacional de Colombia.
2011; 59(1):42-5.

3 Kim Y-W, Donnelly LF. Round


pneumonia: imaging findings in a large series
of children [Internet]. Pediatr Radiol. 14 de
novembro de 2007 [acesso em 25 out 2016];
37(12):1235–40. Disponível em: http://link.
springer.com/10.1007/s00247-007-0654-3

4 Camargo JJ de P, Camargo SM, Machuca


TN, Perin FA. Round pneumonia: a rare
condition mimicking bronchogenic carcinoma.
Case report and review of the literature
[Internet]. Sao Paulo Med J. Associação Paulista
de Medicina; julho de 2008 [acesso em 23 out
2016]; 126(4):236–8. Disponível em: http://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
31802008000400010&lng=en&nrm=iso&tlng=en

5 Silver M, Kohler S. Evolution of a


Round Pneumonia [Internet]. West J Emerg
Med. 19 de novembro de 2013 [acesso em 23
out 2016]; 14(6):643–4. Disponível em: http://
www.escholarship.org/uc/item/2bp32374

www.pebmed.com.br
Índice 63
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição

RELATO DE CASO Ao exame físico, lúcida, anictérica acianótica,


pálida +/4+ levemente taquipneica.
Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de
• PA = 130x70mmhg .
caso
• FC = 86bpm.
Takotsubo cardiomyopathy: case repor
• Ausculta cardiovascular: ritmo
Marcelo Flávio Gomes Jardim Filho
cardíaco regular 3 tempos com b4 de VE,
Médico cardiologista com título de especialista
bulhas normofonéticas sem sopros.
pela Sociedade Brasileira de Cardiologia
• Ausculta respiratória: murmúrio
vesicular presente com sibilos difusos.
Resumo: A cardiomiopatia de Takotsubo é
• Abdome flácido peristáltico sem
uma doença cardiovascular com quadro clínico
visceromegalias.
e eletrocardiográfico compatível com infarto
• Membros inferiores sem edemas panturrilhas
agudo do miocárdio, porém com coronárias
livres.
normais a cineangiocoronariografia.
História prévia de hipertensão arterial
Apresentaremos o caso clínico de mulher
sistêmica, intolerância à glicose e dislipidemia
branca de 74 anos hipertensa prévia com dor
em uso das seguintes medicações: valsartana
torácica na sala de emergência, ECG compatível
160mg 2x/dia, anlodipina 5mg 1x/dia,
com infarto agudo do miocárdio e ausência
hidroclorotiazida 25mg 1x/dia, omeprazol
de obstruções na cineangiocoronariografia
20mg em jejum, puran t4 62,5 mcg/dia,
e abaulamento apical na ventriculografia
selozok 25mg/dia, amytril 10mg a noite.
esquerda.
Foi realizado um eletrocardiograma
Palavras-chave: dor torácica, cardiomiopatia (ECG), que sugeriu zona inativa em parede
de takotsubo, síndrome coronariana aguda, inferior, sem outras alterações dignas de nota.
diagnóstico diferencial. Na primeira dosagem seriada dos marcadores
Abstract: The Takotsubo cardiomyopathy is a de necrose miocárdica foram encontrados os
cardiovascular disease with compatible clinical seguintes valores: troponina t-258 – normal < 50;
manifestations and electrocardiographic with ck massa de 6-normal até 4. Repetiu-se o ECG,
acute myocardial infarction but with normal que já se encontrava alterado com supra de ST
coronarys to cineangiocoronarygraphy. em parede inferior e lateral em fase super aguda.
Clinical case: a 74-year-old caucasian woman, Pensando em IAM inferior killip 1, foi medicada
previous hypertension with chest pain in the com AAS 200mg VO + clopidogrel 300mg VO
emergency room and compatible ECG with + carvedilol 3,125mg VO + atorvastatina 80mg
MI and absence of obstruction on coronary VO e iniciado nitroglicerina IV enquanto o setor
angiography and apical bulging in left de hemodinâmica era acionado.
ventriculography. No estudo hemodinâmico foi revelado
a ausência de doença obstrutiva coronariana e
Keywords: chest pain takotsubo, acinesia anterior e ponta e ínfero-apical com
cardiomyopaty acute coronary syndrome, hipercontratilidade das porções basais e valva
differential diagnosis. mitral competente.
Relato de caso
Mulher, branca, de 74 anos é atendida
na emergência cardiológica de um hospital
particular em Niterói (RJ), queixando-se de
dor torácica com irradiação para o dorso,
logo após se engasgar com um comprimido.

www.pebmed.com.br
64 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Filho
RELATO DE CASO Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso

Legenda: Primeiro ECG. Legenda: Segundo ECG - nota-se corrente de


lesão subepicárdica inferior e lateral.

Legenda: Artéria descendente anterior livre Legenda: Segundo ECG - nota-se corrente de
de obstruções. lesão subepicárdica inferior e lateral.

www.pebmed.com.br
Índice 65
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Filho
RELATOS DE CASO Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso

Legenda: Coronárias sem lesões obstrutivas. Legenda: Coronárias sem lesões obstrutivas.

Legenda: Artéria coronária direita sem lesões Legenda: Balonamento apical na sístole.
significativas.

www.pebmed.com.br
66 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Filho
RELATO DE CASO Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso

procedimentos invasivos, doença sistêmica


grave exacerbada, acidente cérebro-encefálico,
crises convulsivas ou qualquer tipo de dor
intensa [4].
Diagnóstico
A grande maioria dos casos ocorre em
mulheres (90%), após a sexta década de vida, ou
seja, no período pós-menopausa. As principais
características clínico-epidemiológicas
observadas nessas pacientes são: hipertensão
arterial sistêmica (43%), dislipidemia (25%),
diabetes mellitus (11%), tabagismo (23%)
e história familiar de doença cardiovascular
(12%) [5], características mais frequentes em
Legenda: Balonamento apical na sístole. portadores de doença coronariana.
Representa um importante diagnóstico
diferencial da síndrome coronariana aguda
principalmente nas pacientes femininas,
Discussão pós-menopausa, em que há possibilidade de
antecedentes de história aguda de estresse
A cardiomiopatia de Takotsubo,
emocional ou físico geralmente isento de
descrita primeiramente por Dote et al.[1],
fatores de risco importantes de doença arterial
caracteriza-se por apresentar uma disfunção
coronariana [6]. A principal queixa é de dor
transitória do ventrículo esquerdo, após
torácica [7], de início súbito, presente em 91%
forte estresse emocional ou físico, sem
dos casos, seguida por dispneia.
doença arterial coronariana significativa.
Clinicamente não é possível diferenciá-
Esse nome foi dado pela alteração
la do IAM, nem pelo ECG e até pela dosagem
na forma que o coração adquire na fase
de biomarcadores de necrose miocárdica, como
aguda. Takotsubo (em japonês), que significa
a troponina e CK-MB. Nessa cardiomiopatia
uma armadilha com a forma de “pote para
também há elevação em suas dosagens, em
capturar polvos”. Essa forma assumida de
100% dos casos, conforme estudo de Desmet
coração na fase aguda da doença é observada
et al. [8] e Bybee et al. [9]. Esses autores
ao ecocardiograma ou à ventriculografia
revelaram curva enzimática semelhante
contrastada [2]. Outros nomes dados a essa
em ambos os casos. Há também aumento
entidade são síndrome do balonamento
na dosagem do BNP (peptídeo natriurético
apical transitório do VE, cardiomiopatia do
atrial), decorrente da elevação da pressão
estresse ou “síndrome do coração partido”.
diastólica final do VE, assim como no IAM.
Na grande maioria dos casos é
O diagnóstico de cardiomiopatia de
precedida por episódio importante de estresse
Takotsubo define-se após a realização da
emocional, como morte ou doenças graves
cineangiocoronariografia e ventriculografia
de familiares e amigos próximos, perdas
esquerda, que evidenciará ausência de
financeiras, problemas legais, diagnóstico
lesões ateroscleróticas importantes nas
médico trágico, desastres naturais, discussões
coronárias acinesia ou discinesia apical do
acirradas, situações de extrema angústia [3]
VE associado à hipercinesia basal dessa
ou estresse físico, tais como: cirurgias ou

www.pebmed.com.br
Índice 67
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Filho
RELATO DE CASO Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso

cavidade. Essa anormalidade contrátil do o uso de oxigenioterapia, de diuréticos e


miocárdio, que resulta no balonamento apical nitratos, de forma criteriosa, quando houver
ventricular, também pode ser visualizada edema pulmonar. Deve-se usar aminas
ao ecocardiograma e à ressonância nuclear vasoativas em casos de choque cardiogênico,
magnética [10, 11]. com muito cuidado, pela provável
Prasad et al. [12] propuseram, em cardiotoxicidade catecolaminérgica que
2007, os critérios da Mayo Clinic, em que envolve a fisiopatogênese da doença. Pode ser
quatro condições devem estar presentes, necessário o uso de balão intra-aórtico para
obrigatoriamente, para o diagnóstico da estabilização hemodinâmica.
cardiomiopatia de Takotsubo: 1) hipocinesia, Não está indicado uso de drogas
acinesia ou discinesia transitória do segmento fibrinolíticas, como no IAM, já que a
médio do VE com ou sem envolvimento apical; fisiopatologia da cardiomiopatia de Takotsubo
alteração regional da contração estendendo-se não envolve mecanismos tromboembólicos.
para a parede além da irrigada por determinada As drogas mais usadas empiricamente
artéria coronária; estresse desencadeante são os inibidores da enzima conversora de
frequente, entretanto, nem sempre presente; angiotensina, bloqueadores do canal de cálcio,
2) ausência de doença coronariana obstrutiva betabloqueadores e diuréticos. Levando
ou evidência angiográfica de ruptura aguda em consideração o possível mecanismo
da placa ateromatosa; 3) alteração ao ECG fisiopatológico de miocárdio atordoado
recente (supradesnivelamento do segmento mediado por catecolamina, o tratamento a
ST e/ou inversão da onda T) ou leve elevação longo prazo com betabloqueadores pode ser
da troponina; 4) ausência de feocromocitoma uma abordagem apropriada [14].
e miocardite [12].
Prognóstico
Fisiopatologia Conforme observado neste caso, o fator
A hipótese mais provável é que ocorra desencadeante foi estresse emocional gerado
como consequência da elevação aguda das por um engasgo, o quadro clínico apresentado
concentrações séricas de catecolaminas. Após pela paciente. O padrão da coronariografia e
importante estresse emocional ou físico. o aspecto da disfunção miocárdica segmentar
Wittstein et al. [13] consideram a concentração na ventriculografia esquerda levam ao
plasmática de catecolaminas sete a trinta e diagnóstico da cardiomiopatia de Takotsubo.
quatro vezes maior que os valores de referência Quanto à gravidade da doença, a
na fase aguda da cardiomiopatia de Takotsubo cardiomiopatia de Takotsubo é autolimitada
e duas a três vezes maior do que em pacientes e seu tratamento é baseado em medidas
com IAM em classe funcional correspondente básicas de suporte. A grande maioria dos
[11] . pacientes após a fase aguda apresenta boa
evolução clínica, com normalização da
Tratamento função cardíaca em poucas semanas e mínima
O foco principal encontra-se no possibilidade de recorrência, evolução que
suporte hemodinâmico necessário na fase difere completamente do IAM.
aguda da doença, especialmente nos casos Nesse caso, a paciente teve alta cinco
que evoluem com insuficiência cardíaca, dias após a internação recebendo IECA em dose
congestão pulmonar e/ou baixo débito baixa, o que foi permitido pela sua tolerância,
cardíaco e até choque cardiogênico [22]. pois tendia a hipotensão, betabloqueador VO
Akashi et al. [13] consideram apropriado e AAS.

www.pebmed.com.br
68 Índice
Revista Científica PEBMED. 2018. 2ª edição Filho
RELATO DE CASO Cardiomiopatia de Takotsubo: relato de caso

Potenciais Conflitos de Interesses: O 9 Bybee KA, Prasad A, Barsness GW,


autor declara não haver nenhum conflito de Lerman A, Jaffe. AS, Murphy JG, et al.
interesse. Clinical characteristics and thrombolysis in
myocardial infarction frame counts in women
Referências bibliográficas: with transient left ventricular apical ballooning
syndrome. Am J Cardiol. 2004;94(3):343-6.
1 Dote K, Sato H, Tateishi H, Uchida
T, Ishihara M. Myocardial stunnuing due to 10 3. Bybee KA, Kara T, Prasad A,
simultaneous multivessel coronary spasms: a Lerman A, Barsness GW, Wright RS, et al.
review of 5 cases. J Cardiol. 1991;21(2):203-14. Systematic review: transient left ventricular
apical ballooning: a syndrome that mimics ST-
2 Okoshi K, Okoshi MP. Cardiomiopatia segment elevation myocardial infarction. Ann
de Takotsubo. Rev Soc Cardiol. Estado de São Intern Med. 2004;141(11):858-65.
Paulo. 2009;19(1):87-92.
11 Wittstein IS, Thiemann DR, Lima JA,
3 Mesquita CT, Nóbrega ACL. Baughman KL, Schulman SP, Gerstenblith G,
Miocardiopatia adrenérgica: o estresse pode et al. Neurohumoral features of myocardial
causar uma cardiopatia aguda? Arq Bras stunning due to sudden emotional stress. N
Cardiol. 2005;84(4):283-4. Engl J Med. 2005;352(6):539-48.

4 Prasad A, Lerman A, Rihal CS. Apical 12 Prasad A. Apical ballooning


ballooning syndrome (Tako-Tsubo or stress syndrome: an important differential diagnosis
cardiomyopathy): a mimic of acute myocardial of acute myocardial infarction. Circulation.
infarction. Am Heart J. 2008;155(3):408-17. 2007;115(5):e56-9.

5 Gianni M, Dentali F, Grandi 13 Akashi YJ, Goldstein DS, Barbaro


AM, Sumner G, Hiralal R, Lonn. E. G, Ueyama T. Takotsubo cardiomyopathy: a
Apical ballooning syndrome or takotsubo new form of acute, reversible heart failure.
cardiomyopathy: a systematic review. Eur Circulation. 2008;118(25):2754-62.
Heart J. 2006;27(13):1523-9.
14 Pilgrim TM, Wyss TR. Takotsubo
6 Donohue D, Movahed MR. Clinical cardiomyopathy or transient left ventricular
characteristics, demographics and prognosis apical ballooning syndrome: A systematic
of transient left ventricular apical ballooning review. International Journal of Cardiology
syndrome. Heart Fail Rev. 2005;10(4):311-6. 124 (2008) 283-292.

7 Sharkey SW, Lesser JR, Zenovich AG,


Maron MS, Lindberg J, Longe TF, et al. Acute
and reversible cardiomyopathy provoked
by stress in women from the United States.
Circulation. 2005;111(4):472-9

8 Desmet WJ, Adriaenssens BF, Dens JA.


Apical ballooning of the left ventricle: first series in
white patients. Heart. 2003;89(9):1027-31.

www.pebmed.com.br
Índice 69
www.pebmed.com.br
70 Índice
Instituição de pesquisa médica e serviços tecnológicos

Dezembro de 2018

Vous aimerez peut-être aussi