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ORALIDADE E MEMÓRIA: O REGISTRO


AUDIOVISUAL DE A HISTÓRIA DE LÉLIO E LINA DE
GUIMARÃES ROSA
Orality and memory: audiovisual registration of the history of Lélio and
Lina Guimarães Rosa

Eleni Ferreira de Souza Gonçalves*

Elzira Divina Perpétua

RESUMO: Este trabalho aborda as questões da memória e da oralidade na narrativa de


Guimarães Rosa. Adotamos uma análise comparativa entre a novela A história de Lélio
e Lina e o respectivo registro oral – em forma de documentário – feito pelos Grupos de
Contadores de Histórias de Cordisburgo e do Morro da Garça, em Minas Gerais.
Analisamos no texto roseano transposto para o suporte audiovisual o que se mantém em
um e outro e verificamos os possíveis efeitos que causam ao leitor e ao espectador. Na
transposição, se a memória do texto escrito permanece, os elementos da oralidade e da
memória sertaneja adquirem outra dimensão na fala dos narradores. Referenciamo-nos
no livro A memória Coletiva, de Maurice Halbwachs, e na entrevista de Guimarães
Rosa a Gunter Lorenz, na qual o escritor enfatiza aspectos decisivos de sua escrita, sua
relação com a língua e linguagem e sua memória em relação ao sertão.

Palavras-chave: Memória; Oralidade; Literatura; Guimarães Rosa.

ABSTRACT: This paper addresses the issues of memory and orality in Guimarães
Rosa's story. We have adopted a comparative analysis of the novel “The story of Lelio
and Lina”, and their oral record - a documentary - made by the Storyteller groups of
Cordisburgo and Morro da Garça from Minas Gerais. We have analysed Rosa’s text
transposed into the audio-visual support, what remains in one and the other and also
looked at what possible effects it produced in the reader and the viewer. In the
transposition, the written memory of the text remains, with elements of orality and
sertaneja memory acquire another dimension in the speech of the narrators. We used
the book “A memória Coletiva”, by Maurice Halbwachs as a reference, and Guimarães
Rosa’s interview with Gunter Lorenz, in which the writer emphasizes important aspects
of his writing, his relationship with language and speech, and his memory of the
countryside.

Keywords: Memory; Orality; Literature; Guimarães Rosa.

*
Graduanda em Letras, do Departamento de Letras, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, da
Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, Minas Gerais, Brasil.

Professora Adjunta do Departamento de Letras, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais, da
Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, Minas Gerais, Brasil; elzira@ichs.ufop.br

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Walter Benjamin (1987) em O narrador apresenta questões acerca da arte de


narrar, uma arte que, segundo o autor, já estava em vias de extinção no início do século
XX, época em que escreveu o ensaio. O autor define duas modalidades de narradores: o
marinheiro comerciante e o camponês sedentário, cada qual com suas características,
mas que se interpenetram. O marinheiro comerciante é caracterizado como aquele que
viaja, que vem de longe, e tem, portanto, muito o que contar; e o camponês, como quem
não sai de sua terra, que conhece a fundo suas tradições e as histórias de seu povo.
Porém, se esses dois grupos demonstram as famílias de narradores, são os artífices que
aperfeiçoam a arte de narrar. A arte narrativa é como algo oriundo da vida, da arte, das
mãos e do trabalho: “o mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam juntos
na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes de se fixar em
sua pátria ou no estrangeiro.” (BENJAMIN,1987 p. 199).
Benjamim considera o caráter utilitário da narrativa no sentido de esta possuir
um ensinamento moral ou prático. Para ele, as melhores narrativas são aquelas que
menos se distinguem das histórias orais. O narrador retira da experiência aquilo que
conta e incorpora as experiências do que narra.
Quanto à recepção, para Benjamin, quanto mais o ouvinte se esquece de si, mais
se grava em sua memória o que escuta. Há uma relação entre ouvinte e narrador, na qual
está o interesse de conservar o que foi narrado. E é à memória que o narrador e o
ouvinte recorrerão, seja para contar ou recontar uma história. O autor apresenta aspectos
da verdadeira forma de narrar e expõe a diferença entre o que é informação e o que é
narrativa. Esta se abstém de dar explicações, é em si algo como uma semente, com força
latente, capaz de desenvolver-se muito tempo depois; enquanto a informação é imediata
e tem valor apenas no momento.
Este ensaio de Walter Benjamin nos remete de imediato ao escritor Guimarães
Rosa e à sua obra. Suas narrativas são essencialmente retiradas das tradições orais. Ele
transforma as histórias e a linguagem do homem sertanejo em literatura.
Em janeiro de 1965, por ocasião do Congresso de Escritores Latino-Americanos
em Gênova, Guimarães Rosa é entrevistado por Gunten Lorenz. Rosa afirma que não
faz nada além de escrever as histórias que escutava desde pequeno, trazendo para a
escrita as histórias, contos e lendas de sua terra natal. O escritor retira da tradição oral e
de suas experiências a capacidade de escrita singular:

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Nós, os homens do sertão, somos fabulistas por natureza. Está no


nosso sangue narrar estórias; já no berço recebemos esse dom pra toda
vida. Desde pequenos estamos constantemente escutando as narrativas
multicoloridas dos velhos, os contos e lendas, e também nos criamos
em um mundo que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel.
Deste modo a gente se habitua, e narra histórias que correm por nossas
veias e penetra nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma
de seus homens. (LORENZ,1994, p. 33).

Nesse sentido, o escritor pode ser comparado aos dois tipos de narradores
descritos por Walter Benjamim: o marujo e o camponês. Rosa é o marujo que sai, viaja
e volta cheio de experiências da vida como diplomata, médico, soldado; e é, ao mesmo
tempo, o camponês que conhece profundamente a tradição e as histórias de sua terra.1
Para Benjamin, o grande narrador tem suas raízes no povo. Rosa é aquele que
conhece a vida do sertão, ele próprio se considerava como um sertanejo, como afirma a
Lorenz: “Chamou-me o ‘homem do sertão’. Nada tenho em contrário, pois sou um
sertanejo... Se você me chama ‘o homem do sertão’ (e eu realmente me considero como
tal). É que sou antes de mais nada este ‘homem do sertão’” (LORENZ, 1994, p. 30).
Nesse aspecto, podemos ver a arte narrativa como um contínuo fluxo de
movimento entre a tradição e a conservação dela por meio da ficção, como o
percebemos em Rosa em relação à cultura sertaneja e sua oralidade, tal como propõe
Benjamin: o narrador como um artesão que tem o senso prático e do qual resultam as
histórias ligadas às experiências da vida. Para Rosa, “as aventuras não têm tempo, não
têm princípio nem fim. E meus livros são aventuras; para mim, são minha maior
aventura. Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço de infinito. Vivo no infinito; o
momento não conta” (LORENZ,1994,p. 37).
Em certo momento da entrevista a Lorenz, Rosa diz que a literatura tem que
nascer da vida, tem que provir do sangue, do coração;é como algo muito íntimo e vivo
que vem de dentro para fora, como vida internalizada que pode então sair. A narrativa é
como experiência de comunicação que mergulha na vida do narrador para em seguida

1
João Guimarães Rosa nasceu na pequena cidade de Cordisburgo, em Minas Gerais, em 27 de junho de
1908, de onde saiu aos 9 anos de idade para estudar na capital mineira. Formou-se em medicina em 1930
e a exerceu no 9º Batalhão de Infantaria de Barbacena. Durante os anos de 1938 a 1944 exerceu o cargo
de diplomata em países como Alemanha, Colômbia e França.

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ser retirada dele. As obras de Rosa estão ligadas à reminiscência sertaneja e são
exemplos de narrativas que “não se entregam”.
Os narradores recorrem à tradição oral para contar suas histórias. Se para
Benjamin o bom narrador é aquele que menos se distancia das narrativas orais, temos
em Guimarães Rosa um dos melhores exemplos de narrativas baseadas na oralidade.
Nas obras de Rosa, há uma aproximação quase literal da fala do sertanejo.
Para Rosa, não é necessário aproximar-se da literatura pelo lado intelectual. Ele
diz que sobre o sertão não se pode fazer literatura corrente, mas apenas escrever as
lendas, os contos, as confissões. O escritor constrói suas narrativas escritas a partir das
narrativas orais. Ele dá voz ao homem sertanejo em suas obras, mas o faz com a
maestria de quem conhece muito bem os aspectos gramaticais, sintáticos e linguísticos,
transformando em escrita a oralidade do sertão.
Utilizaremos sua novela A história de Lélio e Lina, publicada inicialmente em
Corpo de Baile, para exemplificarmos como são perceptíveis esses variados aspectos na
maneira de escrever de Guimarães Rosa e sua intimidade com a tradição e oralidade
sertaneja. Vejamos como a novela principia:

Na entrada das águas, tempo de afã em toda fazenda- de- gado nos
Gerais, um vaqueiro de fora chegou à do Pinhém. Era de tarde, sob um
rebuço de calor_ o quente de chuva_ quando as nuvens descem com
peso e a camisa se cola em corpo de homem; dia de meio-céu. A pulso
fora o esforço: de trezentas vacas parideiras, quantia delas aviavam
parição, com a passagem da lua; e as boiadas bravas, trazidas de
outros sertões, já ao primeiro trovão de outubro se lembravam de lá e
queriam arribada, se alçando dos enormes pastos sem cercas; carecia
rebatê-las. De torna da lufa, a vaqueirama no pátio vinha de desarrear
e amilhar: ainda ali os onze cavalos se ajuntavam, todos eles
cabisbaixos. Da varanda Seo Sencler tirava conversa com o pessoal. E
o vaqueiro foriço apareceu, montado num animal pampa; um cachorro
seguia-o (ROSA, 1994, p. 717).

No texto, Lélio é um vaqueiro jovem que chega à fazenda de Seu Sencler para
trabalhar, seguido pelo cachorro Formôs, que, posteriormente, se tornará elo entre ele e
Rosalina (Lina), uma viúva que não é mais jovem. A história se passa no sertão do
Pinhém, em Minas Gerais. Os dois são as personagens centrais na narrativa. Já no
primeiro parágrafo, citado acima, podemos observar aspectos da oralidade na narrativa
com o uso de palavras do vocabulário sertanejo e da construção do espaço. Assim, o

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escritor construirá toda a narrativa em questão com variados termos, usados tipicamente
em algumas regiões de Minas Gerais.
Além disso, o leitor pode ter a impressão de estar ouvindo alguém contar a
história, que se aproxima muito das narrativas orais. Isto ocorre porque, por meio da
expressão do narrador, Rosa usa os três tipos de discursos narrativos: o direto, indireto e
indireto livre. Durante o decorrer da narrativa, percebe-se as variações no uso, porém o
discurso indireto livre é o mais recorrente, como veremos adiante. Essa técnica de
escrita leva o leitor a uma aproximação maior com as personagens e com a história, por
permitir o acesso aos pensamentos da personagem que em alguns momentos se
confundem com a voz do narrador.
O aspecto da oralidade nesse exemplo é reforçado pelo uso da reminiscência,
que é marcada pelo tempo verbal. O primeiro verbo (chegou) que marca o tempo da
narrativa em Lélio e Lina está no passado, ou seja, o narrador está rememorando algo
que já aconteceu, está utilizando a memória para contar a história dos protagonistas. Há
vários outros tipos de memória no decorrer da história, como a memória geográfica de
lugares conhecidos, como dos municípios de Curvelo, Uberaba, Lajeado, Paracatu, mas
também de lugarejos e nomes de fazendas como Retiro do São Bento e Fazenda da
Extrema.
A história central se passa na fazenda Pinhém, pertencente a seu Sencler, e na
qual ocorre o desenvolvimento de várias outras pequenas histórias simultâneas. O
narrador mostra ao leitor a vida cotidiana e uma parte da cultura do lugar, com suas
festas, as histórias dos vaqueiros, das prostitutas que ali vivem e das relações de outras
personagens que acontecem enquanto a história principal entre Lélio e Lina vai sendo
contada. O entrelaçamento de histórias é também característica da oralidade; nelas há
um imbricamento de vozes no decorrer da narrativa. Percebemos, então, o modo de vida
dos vaqueiros, as leis que regem a vida sertaneja, deparamo-nos com um tipo de cultura
que remete o leitor à memória cultural do sertão de Rosa.
Assim como em O narrador, de Walter Benjamin, o mestre sedentário e os
aprendizes estão juntos na mesma oficina; Rosa recorre aos velhos vaqueiros de Minas
Gerais, a quem considera homens atilados. Os velhos são também a fonte das tradições
orais. Rosa faz uma junção de tradição e riquezas do linguajar sertanejo, transforma de
forma única o modo de falar do sertão, cria, recria, rememora um estilo de vida de um

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dado lugar. Características da vida sertaneja vão sendo apresentadas ao leitor pelo
narrador onisciente, mas, no decorrer da história, há uma aproximação, e o próprio
narrador passa a ser um personagem oculto e observador dos acontecimentos, graças à
utilização do discurso indireto livre, como em: “Aqueles olhos a gente guardava de cor”
(ROSA, 1994, p. 736) e em “Debaixo dos olhos da gente, o Pernambo se envelhecia”
(ROSA, 1994, p, 794).
Ao recompor a oralidade sertaneja em suas obras, Rosa utiliza vários recursos da
memória. Em A memória Coletiva, de Maurice Halbwachs, o autor faz a distinção entre
a memória individual e a coletiva. Esses dois tipos possuem características próprias,
mas uma é partícipe da outra. Os indivíduos fazem parte desses dois tipos, enquanto
uma é individual e interna, a outra é externa e social. É a partir dos quadros de
referências das percepções que se faz a evocação da memória, a partir do que se
conhece e do que se teve de experiência em que esses quadros de referência são
construídos. A memória se apoia no vivido.
Assim, vemos que Guimarães Rosa recorre à memória individual para a
construção de seus personagens e de suas narrativas, mas, segundo Halbwachs, a
memória é essencialmente coletiva, no caso, a memória do sertanejo e as histórias do
sertão essencialmente preservadas pela tradição oral. Ele se apropria dessa tradição
porque ele próprio conhece tão profundamente o sertão e o homem sertanejo que os
transpõe em literatura, transforma em escrita a oralidade típica com a segurança e a
verdade de quem conhece o que narra.
Se para Walter Benjamin a arte de narrar estava em vias de extinção, temos em
Rosa uma prova contrária a essa afirmação nas narrativas que busca essencialmente nas
tradições orais do sertão a matéria-prima para a construção de suas obras literárias.
Porém, o circuito da obra de Rosa não se faz em mão única, do oral para o
escrito. Há nas cidades de Cordisburgo e Morro da Garça , em Minas Gerais, dois
grupos de contadores de histórias que, a partir dos textos de Rosa, narram a obra com
fidelidade ao texto escrito. São jovens que há mais de 20 anos desenvolvem a arte
narrativa sob a direção das professoras Dôra Guimarães e Elisa Almeida. Algumas
dessas histórias foram registradas em suporte audiovisual, como é o caso de A história
de Lélio e Lina da qual fizemos uma análise comparando-a com o registro escrito.
Foram observadas quais características se mantêm ou se modificam nos dois tipos de

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material. Embora os “Miguilins”, como são conhecidos os contadores, se mantenham


fiéis ao texto escrito, há características relevantes que se modificam quando o leitor está
diante do texto escrito, quando se transforma em espectador diante da narração feita em
vídeo ou, ainda, quando assiste à narrativa ao vivo.
Diante do registro escrito, o leitor pode ser levado a observar com mais cuidado
os elementos que compõem a história, os detalhes de uma paisagem descrita ou de
algum personagem, pois o tipo de suporte, no caso o texto, requer uma leitura isolada.
No suporte audiovisual, o leitor se transforma em espectador. Ele não necessitará
fazer a leitura, mas, sim, escutar a narrativa que passa a ser oral e construir mentalmente
o cenário descrito pelos narradores. São 17 jovens que contam pequenos trechos de A
história de Lélio de Lina. No suporte audiovisual, os contadores usam da performance
para fazer a apresentação da narrativa. Os “Miguilins”, com certas expressões teatrais,
modulam a voz de acordo com a personagem que estão narrando, o que difere da leitura
textual, pois o receptor do texto pode criar em sua imaginação uma voz narrativa ou
outras vozes sem ter interferências ou ser sugestionado por uma voz que narra
oralmente.
O que se preserva e o que se mantém entre o texto escrito e a narrativa oral é a
memória e oralidade, dois aspectos recorrentes na história. Nos dois suportes, a
narrativa é contada a partir do passado, ou seja, estão evocando a memória a partir de
algo que já ocorreu. É evocada também a memória do espaço geográfico que, assim
como aparece no texto, será preservado no documentário.
No texto, a narrativa se passa em uma fazenda; no filme, os “Miguilins” têm
como cenário uma fazenda ao fundo, com gado pastando e, durante o decorrer das
narrativas, o espectador vê pequenos riachos e outros elementos da natureza do lugar, o
que pode levar a uma identificação imediata do espectador, se este conhece o texto da
história; ou mesmo sem conhecer, se o espectador tiver alguma memória em relação ao
ambiente mostrado. Portanto, o espaço geográfico e cultural permanece o mesmo na
narrativa de Rosa e dos “Miguilins”.
A memória cultural é preservada em ambos os suportes. Se em A história de
Lélio e Lina temos o registro da fala peculiar do sertanejo na forma escrita, no filme os
“Miguilins” fazem a transposição do texto literário para a voz com a naturalidade de
quem é da região.

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A oralidade, antes apenas registrada no texto escrito, toma vida nas narrações
orais dos Contadores de Cordisburgo e Contadores de Morro da Garça.
Outro aspecto relevante observado em relação aos dois tipos de material
analisado foi a marcação temporal. Nos dois tipos de suporte o tempo é circular. No
texto, a narrativa começa em outubro e termina em outubro com o fechamento de um
ano. Lélio chega à fazenda e passa por um processo de descoberta do amor e, ao
finalizar seu tempo de estadia, descobre um tipo de amor diverso daqueles que havia
experimentado, parte então com Rosalina para iniciar um novo ciclo. A narrativa escrita
é finalizada com o narrador fazendo referência ao mês de outubro que acabava. No
suporte audiovisual, esse tempo cíclico se manteve com a mesma narradora que iniciou
a história, fechando a narrativa, dando, assim, a impressão ao espectador de um
fechamento circular.
O que esses jovens narradores mostram é que as obras de Guimarães Rosa são
exemplos de narrativas sempre latentes e capazes de “germinar” novamente, pois
possuem em si a essencialidade da oralidade que passa antes pela vida do dia a dia do
homem do sertão. Apresenta, através de seus personagens, um sertão livre de juízos
morais ou de valor, de certo ou errado.
Suas personagens em A história de Lélio e Lina são construídas de forma
amoral, e, como disse Rosa em entrevista a Gunter Lorenz, “eles estão além do bem o
do mal.”. Guimarães Rosa registra, através de suas narrativas, a oralidade e memória
sertaneja, ele é, além do marujo e o camponês, os quais Benjamin se refere, um
sertanejo no sentido de criador das próprias leis em relação ao uso das técnicas de
linguagem, uma linguagem cheia de símbolos e cheia de vida por provir essencialmente
da oralidade,uma linguagem que pode ser transposta em outros tipos de suportes, como
os documentários. Eles são uma das possibilidades de tornar acessível a obra literária de
um escritor como Rosa, mantendo vivos, de certa forma, os aspectos culturais,
geográficos, lexicais, a oralidade e sobretudo a memória em relação ao sertão.

Referências

BENJAMIN, Walter: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.Magia e técnica,


arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.Tradução de Sérgio Paulo
Rouanet. 3.ed.São Paulo: Brasiliense,1987, p 197-221. (Obras escolhidas, v.1)

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HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. 2.ed. São


Paulo: Ed. Centauro, 2013.

LEANDRO, Anita. Lélio e Lina. 1h08min. 2009 (documentário inédito).

LORENZ, Günter. Diálogos com Guimarães Rosa. In: ROSA, João Guimarães. Ficção
completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v.1, p.27-61.

MARTINS, Nilce Maria Sant´Anna. O léxico de Guimarães Rosa. 3.ed. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2008.

ROSA, João Guimarães.A estória de Lélio e Lina. In: Ficção completa. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1994.

ROSA, João Guimarães. Disponível em:


<http://www.releituras.com/guimarosa_bio.asp>. Acesso em: 28 set. 2015.

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