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INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
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Dados coletados em reportagens de diversos jornais virtuais como o é-sertao, diamante
online, patos online, portal santa Teresinha e principalmente o portal piancó.
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Lembrando que apenas Emas e Catingueira pertencem à Microrregião do Piancó, sendo assim, não
pertencem ao Vale do Piancó.
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Conta a mitologia local que a disputa entre os dois repentistas durou oito dias e oito noites sem
intervalos.
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produção artístico-cultural desse povo. Para Diégues Júnior, há nessa região uma
ligação importante entre os negros cantadores, os bantos, e a perpetuação de uma
cultura ligada às práticas da oralidade africana, destacando-se nesse conjunto de
talentos o papel de Inácio da Catingueira (DIEGUES JÚNIOR, 1973, citado por
Santos, 2010)5.
Com base nessa breve contextualização, é possível reconhecer algumas
das condições socioculturais com as quais convive a população da Microrregião e do
Vale do Piancó. A realidade apresentada revela um universo cujas características
possui uma parcela considerável de importância e destaque na constituição artístico-
cultural do estado da Paraíba, devendo ser resaltado seus fazeres gastronômicos,
religiosos, literários, mitológicos e artísticos como expressões importantes para a
consolidação da história cultural de todo o estado da Paraíba.
Nesse sentido é preciso destacar que as condições climáticas, geográficas e
culturais podem ser importantes agentes no entendimento de uma determinada
região, pois são componentes indissociáveis da vida em comunidade. Após
examinar tais condições, teremos novos olhares para pontuar alguns problemas
sócio-políticos que entrecruzam tais condições e com isso ter uma melhor
visualização da região.
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DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura
Popular em Versos. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1973.
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mais agravante. Nesse caso o processo de produção agrícola nessa localidade faz
com que a maior parte da população mantenha métodos de produção e cultivo com
baixas condições de trabalho, ficando durante horas expostos as altas temperaturas
do sertão paraibano, para que assim possam dar conta de uma produção que os
sustente. Para Souza e Alcântara, tal realidade gera sérios problemas na saúde
pública dessa região, demonstrando que falta apoio e incentivo público para que os
agricultores do Vale tivessem uma melhor condição de trabalho e
consequentemente de saúde.
Nesse sentido, apesar das dificuldades climáticas, o principal problema
encontrado pela população que reside tanto na Microrregião quanto no Vale do
Piancó é a falta de incentivos públicos, sejam em seus aspectos econômicos ou
socioculturais, que, mais uma vez, se evidencia, por meio do presente estudo, como
um importante pilar para construção de uma civilização com boa qualidade de vida.
(Souza e Alcântara, 2014)
Nas cidades da região, as famílias vivem, basicamente dos pequenos
comércios, como servidores públicos e dos auxílios pagos pelo governo, tais como
Bolsa Família, Bolsa Escola, Vale Gás, PETI (Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil), Agente jovem, Programa Leite da Paraíba, no qual cada família cadastrada
recebe diariamente um litro de leite por dia e as demais aposentadorias. Nesse
sentido, mesmo conseguindo melhores acessos aos planos do governo e estando
um pouco mais orientada sobre seus direitos, ainda assim, a população que reside
nestas cidades sofrem de completa falta de estrutura social, pois necessita
sobreviver dos encargos do governo.
Conforme evidencia Pires (2007), nos últimos anos foi possível observar que, a
exemplo de Catingueira, gradativamente ocorre um esvaziamento mássico da
comunidade rural e com isso um drástico êxodo rural. Consequentemente, esse
êxodo leva a um crescimento acelerado e desordenado das cidades, que por falta de
planejamento estrutural dos pequenos centros urbanos não oferecem as condições
básicas necessárias para receber essa população. Essa condição acaba culminando
em uma qualidade de vida bastante precária para tais famílias, que adaptadas à vida
no campo vão trabalhar de maneira irregular no diversos setores da cidade.
Essas condições apresentadas pela comunidade rural da Microrregião e do
Vale do Piancó, podem ser relacionadas com a problemática social que Heck (1994)
demonstrou em seu estudo sobre a comunidade rural alemã de Santo Cristo, RS.
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terras afim de que a estrutura espacial da vida cotidiana se organize de tal forma
que as relações de opressões desapareçam gradativamente.
Noutra direção, a Microrregião e o Vale do Piancó são ricos em açudes, que
abastecem diariamente todas as cidades da região, além de servir como lazer para
as famílias, seja da zona rural ou urbana. São estes aspectos geográficos que
caracterizam a região como sendo interiorana e de vida potencialmente rural.
Entretanto, mesmo habitando em uma região de características intrinsecamente
interioranas, as pessoas que residem nas cidades que compõem essa localidade
tendem a depreciar a vida no sítio. Conforme Pires, “ser do sítio” – não importa qual
–, em oposição a morar na cidade, é tido como marca indelével e justificativa para o
fracasso ou a estupidez. Se um menino do sítio tem dificuldades em aprender a ler,
sua professora dirá: ‘Ah, é do sítio’, lavando suas mãos.” (PIRES, 2007, p.7). Assim,
a vida rural nessa realidade é tida muitas vezes como exótica e grotesca, por sua
própria população.
Nesse sentido é necessário estabelecer compreensões gerais sobre as
variadas realidades que se entrecruzam nos contextos sociais da Microrregião e do
Vale do Piancó, pois tais aspectos refletem diretamente nas ações e reações que
um determinado indivíduo pode ter em relação a própria vida. Assim tentaremos
considerar, por meio dos meus relatos e memórias, minha visão sobre a vida no
sertão, trazendo a tona questões que permeiam a compreensão do sujeito e sua
vida em sociedade.
pessoal - se fazia como constante entre as vítimas desses suicídios. Vítimas cujos
sentimentos e situações busquei refletir a partir da produção videoartística.
Ressalvando essa realidade, me veio uma série de questionamentos e
reflexões, baseadas sempre em memórias individuais de um período da infância e
adolescência vivido na zona rural do sertão paraibano. Estas imagens solidificadas
em minha memória estiveram presentes durante todo o processo de pesquisa,
reflexão e criação artística, pois como disse Magritte: “O mundo não é apenas o que
vejo, mas o que sou levado a ver” (MAGRITTE, citado por BALOGH, 2004, p.23).
Por esse motivo, talvez, fossem recorrentes as imagens de depoimentos
desesperançados dos idosos que convivi, em sua maioria, pequenos produtores
rurais, sendo comum ter escutado os relatos sobre a desilusão em relação as
melhorias na qualidade de vida, devido a uma série de circunstâncias sociais nas
quais os idosos estavam inseridos.
É comum encontrar nas pequenas cidades rurais do sertão paraibano uma
terceira idade resignada e desiludida com as melhorias sociais sem, portanto,
projetar grandes transformações na qualidade da vida, levando a uma desilusão em
relação à própria vida. Sem apoio e estrutura, como um espaço coletivo para um
melhor convívio social, qualidade de serviço da saúde e segurança, essa camada da
população demonstra-se exatamente como Durkheim dizia: “Se, nesse caso, o
vínculo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à
sociedade se afrouxou.“ (2004. p266). Essa condição da população idosa, no meio
rural, me faz lembrar de uma situação social extremamente desagradável, sob a
qual viviam as pessoas da terceira idade que habitavam aquela pequena cidade do
sertão paraibano ao qual pertenço.
Para ilustrar esse sentimento, talvez intimamente influenciado pelas minhas
memórias, cito o documentário produzido em 1975, “O que eu conto do sertão é
isso” no qual é possível perceber, nos depoimentos dos entrevistados, um constante
desengano em relação a vida rural no sertão paraibano, como podemos observar no
trecho em quem uma produtora rural relata:
quem tem, tem, quem não tem, vai sofrer. O que eu conto do sertão
é isso. (O que eu conto do sertão é isso, 1975)
CAPITULO II
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Pintor pós-impressionista e litógrafo francês.
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Segundo Maiocchi, Toulouse-Lautrec era filho da condessa Adèle e foi educado em um
universo de fartura e luxo, em meio a alta burguesia, porém na juventude foi morar nas
periferias parisienses onde dedicou-se a pintar personagens principalmente do Moulin
Rouge, um cabaré do submundo francês.
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nas múltiplas formas de contextos sociais imersões poéticas para sua criação
artística, é possível compreender a relação intrínseca que ambas as “ciências”
podem estabelecer entre si. Conforme diz Paul Valéry 8
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Texto originalmente publicado no catálogo da exposição "Anna Bella Geiger: other annotations for
the mapping of the work". BARTELIK, Marek (Ed.). POZA: on the polishness of polish contemporary
art. Hartford, Connecticut: Real Art Ways, 2008, p. 50-59.
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misturando cada vez mais aos equipamentos e aparatos mais próximos do cotidiano,
muitas vezes questionando o acentuado consumismo dos produtos do capitalismo,
foco de importantes debates da geração artística e cultural desse período.
Segundo Zanini (2006) os primeiros experimentos em artes com o suporte do
vídeo foram feitos por Nan June Paik e Wolf Vostell, nos laboratórios da West
Deutsche Rundfunk (WDR). Assim, conforme Zanini (2006) aponta, é preciso
entender o surgimento da videoarte juntamente com o nascimento de uma geração
no qual a difusão do vídeo comercial se tornava exagerada e, como forma
contestadora, a videoarte toma um rumo contrário, sendo usada por artistas como
meio comunicativo não - comercial.
Até os anos 60 a população vivenciava uma cultura de produção
cinematográfica muito distante de sua realidade, pois as produções
cinematográficas, gravadas em 8 e 16 mm, em sua maioria eram megaproduções de
altos custos financeiros (Rush 2006). Assim a disponibilização comercial de câmeras
como a Sony Portapak fez com que artistas, principalmente na Fluxus 11, inserissem
esse novo meio de produção visual no repertório das artes visuais, tornando o vídeo
um suporte tão importante quanto a pintura e a escultura na arte contemporânea.
A produção televisiva realizada nos anos 60 e 70 acentuava cada vez o
abismo que existia entre crítica social e cotidiano, pois, como afirma Zanini (2006), a
televisão não explorou todas as suas possibilidades visuais e se tornou, cada vez
mais, um elemento de massificação e arma a serviço do poder político e econômico
(2006, p.399). Assim, a criação de grupos de artistas que se preocupavam em
estabelecer novas linguagens em artes visuais foi de fundamental importância para
que a videoarte se solidificasse um suporte no mundo das artes visuais, pois,
segundo Zanini, esta realidade significava “a utilização individual do mais poderoso
instrumento de comunicação de nossa época [o vídeo], até então operacionalizado
em níveis comercial e estatal” (2006, p.397).
Diante essa realidade de massificação da cultura pelos meios televisivos e de
entretenimento, Michael Rush (2006) reconhece a videoarte como um meio que
serviu para acabar com abismo que existia entre arte e o cotidiano, ou ainda o que
se rotula por alta e baixa arte. O autor lembra que o desenvolvimento da videoarte
foi um importante salto nesse contexto, pois a videoarte se utiliza, de maneira
11
Movimento artístico urbano e literário originado na década de 60 que se propunha a misturar os
campos das artes visuais com os da música, literatura, teatro e tecnologia.
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Capítulo III
Refletindo sobre o suicídio
e, portanto, uma ação imoral. Porém sabe-se que nesta mesma sociedade existiram
determinadas situações em que o suicídio foi considerado como um ato de virtude,
coragem e nobreza, como nos casos ligados a defesa da pátria (Ribeiro, 2014).
A Grécia, berço da filosofia, certamente serviu de referencial teórico para
muitos filósofos modernos como Sartre (1905-1980). Nos estudos de Sartre o
suicídio é encarado como um ato de extrema liberdade, porém esta liberdade é
encarada como destruidora de todos os outros atos futuros de liberdade, portanto, é
a escolha que aniquila todas as outras possibilidades de escolhas.12 Nesse sentido
estipula-se que o suicídio está intrinsecamente ligado ao ato de refletir e lucubrar,
como afirmou Voltaire, citado por Ribeiro (2014): "O homem é o único animal que
sabe que deve morrer. Triste conhecimento, mas necessário, pois ele tem ideias".
O suicídio, assim, pode ser compreendido por diversas vertentes do
conhecimento e da ciência. Neste trabalho, considerei a perspectiva sociológica por
compreender que uma realidade social específica, como a Microrregião e Vale
Piancó, suscita questões de ordem contextual, merecedoras de uma análise dessa
natureza. Assim, entender o suicídio como ação que se contextualiza em fenômenos
socioculturais e políticos faz parte da leitura de Durkheim sobre o tema, que definiu
esse fenômeno como “todo o caso de morte que resulte direta ou indiretamente de
um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia
produzir esse resultado” (Durkheim, 2004, p.16). Com isso Durkheim nos mostra que
o suicídio não é apenas uma ação isolada e individual, descontextualizada
socialmente, mas se trata de um fenômeno social, portanto é um problema com no
mínimo dois pilares, um social e um medicinal, sendo assim, um problema de saúde
pública.
As causas sociais relativas ao suicídio são de extrema relevância para a sua
compreensão, como explica Durkheim:
[...] de fato, que existe, para cada grupo social, uma tendência
específica ao suicídio que nem a constituição orgânico-psíquica dos
indivíduos nem a natureza do ambiente natural explicam. Resulta
disso, por eliminação, que essa tendência deve depender de causas
sociais e constituir por si mesma um fenômeno coletivo; inclusive,
certos fatos que examinamos, sobretudo as variações geográficas e
periódicas do suicídio, nos levaram expressamente a essa conclusão
(Durkheim, 2004.p.106).
12
Conceito retirado do artigo Suicídio: Visão filosófica, biológica e religiosa postado em
http://www.webartigos.com/artigos/suicidio-visao-filosofica-biologica-e-religiosa/14102/.
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“Os países de baixa e média renda são os que tem maior parte da
carga suicida global, isso inclui o Brasil. São estes também os países
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Assim podemos perceber que além de uma boa estrutura para que os elos
sociais se estabeleçam com maior facilidade entre os variados grupos que compõe o
espaço social, é preciso pensar em aparatos médicos adequados para a prevenção
e o acompanhamento de pacientes que demonstram tendências suicidas. Soraya de
Carvalho Rigo (2013) mostrou que cerca de três mil suicídios acontecem por dia em
todo o mundo, fazendo com que o suicídio se torne a terceira causa de morte entre
adolescentes e jovens com faixa etária entre quinze e vinte e nove anos de idade.
Sobre a relação que existe entre os trabalhadores rurais e o suicídio
Meneghel et al (2010) diz que “as pessoas ligadas à ocupação agropecuária e pesca
apresentam maiores coeficientes de mortalidade por suicídio”. Esta relação nos faz
pensar como os modelos de produção de bens e a impactante adequação a um
novo modelo de produção capitalista, voltada para uma acelerada tecnologização da
mão de obra, podem ser fatores cruciais no entendimento de casos de suicídios
relacionados aos trabalhadores rurais deste século. Pois conforme afirma Kalina e
Kovadloff, citados por Ribeiro (2014)14, existe uma cultura suicida referenciada em
nosso tempo, no qual a aceleração dos meios de produção e consumo de bens de
informação são fatores determinantes da própria maneira na qual o trabalhador se
relaciona com o mundo, agora delimitado pelo tempo do lucro e do capital.
Assim ponderou Nilson Berenchtein, no debate online Suicídio: Uma Questão
de Saúde Pública e um Desafio para a Psicologia Clínica. Neste debate o
pesquisador levantou um questionamento importante a respeito do suicídio em uma
sociedade capitalista, perguntando como se constituiu a visão social hegemônica
sobre a morte voluntária em uma sociedade capitalista. Partindo dessa questão,
Berenchtein (2013) comentou que morte em geral é vista como um tabu, como algo
que não se deve ouvir, falar e ver, “dentro disso, uma morte voluntária, o problema
se torna um tanto maior”.
13
Ideia apresentada no debate online Suicídio: Uma Questão de Saúde Pública e um Desafio para a
Psicologia Clínica, disponível em < http://www.fsf.org >.
14
ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. “Suicídio – fragmentos de psicoterapia existencial”. São
Paulo, Ed Pioneira, 1997, p.20.
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CAPITULO IV
Os Primeiros Desenhos:
Figura 01: Suicídio #01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
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Figura 02: Suicídio #01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
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Os Últimos Desenhos:
Figura 03: Sem Título 01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
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Figura 04: Sem Título 02. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
52
Figura 05: Sem Título 03. Desenho com caneta esferográfica preta e azul. Desenho
rabisco sobre carta de suicídio de Virginia Woolf/ desenho com intervenção digital.
Fonte: acervo do autor.
Assim, fui navegar pelos mais diversos trabalhos artísticos, em sua maioria
referendados na linguagem contemporânea das artes visuais, porém, acolhidos em
minha memória muito mais por suas proximidades com o relatos pessoais e as
linguagens afetivas, que por sua classificação estética contemporânea. Observando
meus desenhos e buscando relações entre propostas e inspirações nas produções
artísticas contemporâneas, é possível considerar uma aproximação em relação aos
sentimentos acarretados nos meus desenhos e nos trabalhos de Mike Kelley, que
segundo Archer (2008, p. 210):
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16
Acervo do videobrasil: “Rafael França” Disponível em <http://www.videobrasil.com>. Acesso em:
18 nov 2013.
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sugerissem uma aura sobre tais casos, sem, no entanto, descrever tais casos de
maneira literal ou documental.
Foi por meio de imagens videográficas que procurei expor um sentimento
particular sobre tal tema, poetizando em representações visuais as próprias
circunstâncias que, segundo os relatos inscritos em jornais virtuais, levaram os
indivíduos da Microrregião e do Vale do Piancó ao suicídio. Insatisfação pessoal,
vazio existencial e a esperança de um alívio são temas que se entrelaçam nas
narrativas dessas videoartes. Seus personagens, silenciosos, expõem suas
angústias em tons de desesperanças e suspiros esperançosos em um futuro melhor,
revelado em atos suicidas.
A estética da câmera caseira desfocada da primeira videoarte da série,
intitulada Vale do Piancó # Coremas17, dá o tom de proximidade entre o protagonista
do vídeo, que percorre entre a interpretação e a performance, e o próprio
expectador. Essa estética se aproxima com o que Machado já averiguou em outras
obras no decorrer da história da videoarte:
17
Filmado em 2012, duração 04’47”
57
18
Continuidade é a consistência lógica das características que perpassam de um plano a outro, ou
seja, uma organização perfeita das posições dos objetos que compõem o cenário, das roupas dos
atores, dos posicionamentos dos personagens etc, estes elementos não devem se alterar nas
mudanças de planos, enquadramentos, focos, cenas etc, a menos que faça parte da ideia do filme
em questão.
19
Filmado em 2013, duração 06’02”
20
Roteiros que seguem a lógica cinematográfica clássica: incialmente são apresentados os
personagens, em seguida são caracterizados os mocinhos e vilões, assim surge a problemática que
os envolvem, vêm-se o clímax do enredo, concluindo-se com a solução da problemática e a moral da
história, ou seja, o desfecho do enredo.
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21
KUH, Katharine,The Artist’s Voice . Nova York: Harper et Row, 1962, p. 81.
22
Na primeira exibição de Vale do Piancó # Pedra Branca, no Museu Assis Chateaubriand ( MAC-
PB), muitos comentários tiveram o seguinte questionamento: “Eu não entendi o fim do filme”.
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Ideia apresentada em seu artigo intitulado Intermitência: um processo do “Eu vejo”
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24
Plano que enquadra apenas uma parte do corpo do personagem, ou apenas um detalhe do
cenário, ou objeto. Por exemplo, o enquadramento nos olhos do personagem, típico de filmes de
terror.
25
Filmado em 2013, duração 04’11”
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E assim é Vale do Piancó # Boa Ventura, uma obra que dialoga e se apropria
das normas cinematográficas, porém se caracteriza por uma produção de baixíssimo
custo, lembrando que o vídeo foi feito por apenas uma pessoa, que interpretou,
filmou, editou e sonorizou a obra. Proposta artística que se desenvolveu em um dia
chuvoso, onde sozinho, em casa, me debrucei sobre as leituras dos casos de
suicídio que tive conhecimento naqueles tempos. Imergido nesse ambiente pude
estabelecer meios suficientes para criar Vale do Piancó # Boa Ventura. Com uma
Pocket Câmera e um refletor improvisado saí do plano de ideias para a produção da
obra. E assim o fiz.
É importante lembrar que as leituras dos textos que descrevem os casos de
suicídio da Microrregião e do Vale do Piancó foram de fundamental importância para
esse processo de descoberta, desde o enfoque que seria dado aos meus trabalhos
artísticos, que iniciaram com os desenhos rabiscos, até sua culminância com a
videoarte. As circunstâncias que envolveram esses casos, reveladas nas
reportagens por meio de comentários dos jornalistas e dos familiares da vítima,
proporcionaram o desvelamento de cenas e problematizações em torno dessa
realidade, que deram base para um despertar poético sobre as dimensões diversas
do suicídio
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Assim, foi imerso em tais relatos que pude elaborar pensamentos político-sociológicos e
obras artísticas, a fim de problematizar tais casos por meio de trabalhos poético-artísticos, tendo
como base as experimentações da videoarte.
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CONCLUSÃO
A realização deste trabalho é fruto de um esforço para a compreensão teórica
de uma produção artística que desenvolvi com base em minhas experiências de
vida, de graduando em artes visuais e videartista. Com base nas discussões
apresentadas, foi possível, neste estudo, compreender aspectos técnicos, estéticos,
poéticos e conceituais presentes na série Vale do Piancó. Os três vídeos analisados
permitiram demonstrar como uma realidade sociocultural pode ser abordada por um
meio artístico e, principalmente, como tais realidades podem ser problematizadas
por variadas óticas, tais como antropologia, sociologia, psicologia e, no meu caso,
artes visuais.
Através das análises apresentadas, percorrer a Microrregião e o Vale do
Piancó levantando alguns aspectos que delimitam tais comunidades, abordadas
pelas óticas dos estudos antropológicos, socioculturais e das artes visuais. Para tal,
fora levantada problematizações a respeito da série de episódios relacionados aos
suicídios ocorridos nestas comunidades, afim de, pela ótica da videoarte, refletir
sobre tais casos.
A Microrregião e o Vale do Piancó faz parte do sertão paraibano e é uma
localidade repleta de fazeres culturais e gastronômicos, porém de 2011 à 2013
sofreu com desencadeamentos de suicídios que ocorriam mensalmente, em um
processo contínuo e gradativo. Nesse sentido, intrigado com tais episódios, fui
pesquisar sobre o tema do suicídio para então perceber que era necessário destacar
as condições socioculturais nas quais tais comunidades se encontravam. A
qualidade de vida baixa, as dificuldades de produção agrícola, os problemas
climáticos, geopolíticos e socioculturais foram, então, apontados como possíveis
agentes influenciadores de tais casos.
A partir dessa caracterização da região que noticiou os casos de suicídio,
revelei o meu encontro com essa realidade, , levantando, experiências e memórias
individuais acerca de boa parte da infância e adolescência vivida no Seridó da
Paraíba, onde pude estruturar diversas óticas poéticas, artísticas, políticas e
religiosas acerca da vida e dos olhares artísticos possíveis sobre as questões
humanas e sociais.
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REFERÊNCIAS
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COSTA, Cacilda Teixeira da. Arte no Brasil 1950-2000: Movimentos e Meios. São
Paulo: Alameda, 2009.
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-
53202007000200008> acessado em 14 de agosto de 2014.
DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004
HECK, MR. Suicídio: um grito sem eco – contexto social de Santo Cristo.
Pelotas: Ed. UFPEL; 1994.
MACHADO, Arlindo. Made in Brasil: Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo:
Itaú Cultural, 2003
MENEGHEL, Stela Nazareth, VICTORIA, Cesar Gomes, FARIA, Neice Müller Xavier,
CARVALHO, Lenine Alves de, FALK, João Werner. Características
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USP. Disponível em < http://www.fsp.usp.br/rsp>. Acessado em 28 de julho de 2013.
O que eu conto do sertão é isso, Direção Francisco Alves, João Octávio Paes de
Barros, José Roberto Novaes, José Umbelino, Maria Rita Assumpção e Romero
Azevedo, in Panorama do curta-metragem paraibano. Produção ABD-PB, João
Pessoa, 2008, DVD, Volume I, Duração 35 min, NTSC, PeB.
PIRES, Flávia Ferreira. Cidade, Casa e Igreja: sobre Catingueira seus adultos e
suas crianças. in
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/campos/article/viewFile/8136/7758>
acessado em 2014
RUSH, Michael. Novas mídias na arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
68