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INTRODUÇÃO

“Suicidou-se hoje no pavilhão um doente. O dia está


lindo. Se voltar a terceira vez aqui, farei o mesmo.
Queira Deus que seja o dia tão belo como o de hoje.”
(Lima Barreto, 1956, p. 69).

A arte, como uma significativa manifestação humana e sociocultural,


configura-se como um importante meio de reflexão, discussão e comunicação
acerca do mundo, reconhecendo-o, por vezes, em suas delimitações e demarcações
sociais e psicológicas, culturalmente estabelecidas. No universo artístico, formas de
linguagens diversificadas e métodos de comunicação se estabelecem
continuamente como meios de expressar as interrelações entre arte, sociedade e
indivíduo, buscando compreendê-las, reconfigurá-las e até mesmo questioná-las,
criando novos entendimentos e visões acerca da vida em sociedade.
Compreendendo a arte como esse meio de expressão e reflexão sobre o
universo sociocultural, em suas mais variadas dimensões, propus este trabalho,
buscando reconhecer caminhos de criação e elaboração artística que têm como foco
a discussão sobre questões humanas e sociais emergentes. Trata-se de uma
abordagem teórica acerca dos processos de criação em videoarte, entendendo essa
linguagem artística como uma possibilidade significativa de constituir reflexões,
sentimentos e visões sobre a vida individual e social.
Buscando estabelecer relações entre concepções e práticas artísticas que
estimulam minhas investigações poéticas, este trabalho apresenta resultados de
uma pesquisa intitulada Vale do Piancó: Uma reflexão em videoarte sobre alguns
casos de suicídio, realizada no Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFPB,
como base para a elaboração do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC). Aborda,
assim, uma produção específica em videoarte, fruto de minha trajetória nas artes
visuais e na graduação, onde o cruzamento com o cinema e o vídeo foi de
fundamental importância para que as linguagens visuais artísticas se
internalizassem na minha maneira de ver, descrever e interpretar o mundo.
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A pesquisa tem como objetivo central compreender aspectos artísticos e


concepções geradas a partir de uma experiência poética que aborda uma temática
social e existencial particular: o suicídio. Tema que gerou a série intitulada “Vale do
Piancó”, produzida no período de 2012 à 2013, composta por 3 vídeos em formato
digital que se estabelecem como meios lúdicos sobre os casos de suicídios que
ocorreram tanto na Microrregião como no Vale do Piancó, trazendo a tona, muitas
vezes, um universo onírico sobre tais episódios.
A produção da série “Vale do Piancó” teve como fio condutor uma
compilação de reportagens relacionadas a casos de suicídio que ocorreram na
Microrregião e no Vale do Piancó, na Paraíba, no período de 2011 a 2013. Casos
que me tocaram especialmente por se tratarem de um contexto específico, ou seja,
a zona rural paraibana, meio em que vivi boa parte da minha infância e
adolescência. Estas reportagens foram coletadas em diversos jornais virtuais como
o é-sertao, diamante online, patos online, portal santa Teresinha e principalmente o
portal piancó e serviram de base para a elaboração de vídeos artísticos que
abordam poeticamente problemas e situações dos envolvidos nos casos de suicídio.
Os casos de suicídio, que ocorreram nesse contexto, me instigaram a
refletir, por meio de uma linguagem metafórica e artística, dimensões humanas e
socioculturais que constituem esse universo, abrindo espaço, em suas entrelinhas,
para esboçar considerações sociológicas a partir de Durkheim(1973), Berenchtein
(2013), Meneghel (2010), Carvalho (2011) e Bianca Werlang (2013). Autores que
situam a problemática do suicídio como decorrente, dentre outros fatores, de um
sistema mercadológico/trabalhista e sociocultural, concepção que nos leva a
compreender que a realidade do Vale do Piancó pode se constituir por condições
socioculturais que possivelmente contribuíram para a consolidação desses casos.
Nessa direção, Durkheim (1973), falando a respeito dos elevados números
de suicídios ocorrido na Alemanha advertiu que “se os alemães se matam mais que
outros povos, a causa disso não está no sangue que lhes corre nas veias, mas na
civilização no seio da qual são educados”(Durkheim, 1973, P70), e Soraya de
Carvalho Rigo1 (2013) considera que o sistema mercadológico capitalista é um
importante agente disparador para a tentativa ou ato suicida em si, nesse sentido,
uma educação voltada unicamente para o enquadramento do sujeito em um sistema
econômico-trabalhista pode ser um dos motores de tendências suicidas.
1
Atual coordenadora do Núcleo de Estudo e Prevenção do Suicídio – NEPS – na Bahia
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Considerando o suicídio como esse fenômeno de ordem sociocultural, e o


meu interesse em estabelecer conexões entre a produção artística e os meios para
se estabelecer comunicação e suscitar debates acerca de temas que me
incomodavam, esta pesquisa justifica-se por dar visibilidade aos processos de
criação, consolidados em torno de uma investigação dessa natureza. Já sabemos
que o suicídio é tema de debates e estudos entre os mais diversos campos da
ciência, como a sociologia, psicologia, psiquiatria, antropologia, entre outros que
abordam a temática sobre vários aspectos, porém levantar discussões sobre esse
tema, a partir dos episódios ocorridos da Microrregião e no Vale do Piancó, pela
ótica da videoarte, mais especificamente da série que trata dessa região, é o que
torna significativa a proposição aqui descrita.
Com base nessas perspectivas, esta proposta de pesquisa tem como
alicerce uma pesquisa bibliográfica nas áreas de sociologia, antropologia e
psicologia, cujos autores abordam a temática do suicídio sob a ótica sociocultural; e
na área de artes visuais, com obras que enfocam a arte e a videoarte como
manifestações que discutem a vida em seus aspectos sociais e culturais. Baseia-se
ainda nas minhas experiências pessoais e artísticas, que envolvem desde angústias
e conflitos da minha adolescência até minha aproximação com a literatura e a arte.
Experiências que me levaram a buscar uma compreensão da realidade abordada
neste trabalho, por um caminho pelo qual pude encontrar referências teóricas e
artísticas, traçar novas metas e refletir poeticamente sobre a arte, a vida e o tema do
suicídio.
Para uma melhor sistematização das informações, este trabalho se divide
em quatro capítulos, onde apresento as reflexões em torno da série “Vale do
Piancó”, considerando os desdobramentos teóricos e práticos necessários para a
compreensão do universo da pesquisa.
No primeiro capítulo faço uma abordagem geral sobre aspectos geográficos,
sociais e econômicos da Microrregião e do Vale do Piancó, caracterizando o
contexto onde ocorreram os casos de suicídio, ponto de partida para a elaboração
da série “Vale do Piancó”. Apresento ainda, com base nessa caracterização,
motivações pessoais e reflexões que me levaram a estudar e produzir artisticamente
a partir de tais episódios, observando e inter-relacionando aspectos de minha
história de vida e o contexto da Microrregião e do Vale do Piancó.
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No segundo capítulo apresento considerações sobre a arte e suas


possibilidades de abordagem crítica da sociedade e da vida, apontando para
aspectos antropológicos e poéticos que constituem essa vertente artística. Destaco
ainda a videoarte e as dimensões de sua expressão como meio artístico
problematizador de determinadas realidades sociais. Para isso, exemplifico formas e
usos da videoarte nos mais variados momentos da história da arte contemporânea,
embarcando em uma breve reflexão sobre o papel da arte enquanto agente
sociocultural.
O terceiro capítulo aborda dimensões sociológicas acerca do suicídio,
fundamentando as reflexões sobre o contexto de ocorrência desse fenômeno,
contemplado na série “Vale do Piancó”. A partir de uma discussão bibliográfica, este
capítulo traça perspectivas e concepções sobre o suicídio como uma problemática
sociocultural, buscando compreender as condições humanas e sociais que se
localizam na região enfocada pela série videoartística, objeto desse estudo.
Por fim, o quarto e último capítulo traz as reflexões centrais desse trabalho,
ou seja, as descrições e análises elaboradas a partir da série videoartística “Vale do
Piancó”. Buscando discutir aproximações entre pensamentos e ações inerentes ao
processo de produção artística, este capítulo retrata diálogos, encontros,
inspirações, processos e investigações desencadeadas a partir da abordagem do
tema suicídio e da realidade que provocou as reflexões poéticas contidas na Série.
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CAPÍTULO I

O Vale do Piancó: um olhar sobre a vida e a comunidade

Os problemas de ordem socioeconômica e cultural emergem de contextos


cujas especificidades nos fazem refletir sobre possíveis causas de fenômenos como
o suicídio, decorrentes de determinadas situações sociais e culturais. Considerando
essa perspectiva, o Vale do Piancó insere-se em meu processo de criação e
reflexões artísticas a partir de uma investigação sobre as condições de ocorrência
desses casos de suicídio, considerando este universo específico. Nessa
investigação, pude observar um acentuado crescimento do número de casos
registrados nas reportagens que acessei a partir de março de 2011, onde a maioria
das vítimas eram produtores agrícolas de pequena escala com idade acima de 40
anos.2
Foram cerca de quarenta e quatro casos de suicídio divulgados nas mídias
locais no período de 2011 a 2013. Desse montante, dezesseis ocorreram em 2011,
treze em 2012 e quinze em 2013, mostrando que nesses anos houve um número
considerável de casos, situados em um contexto regional e social específico.
Buscando compreender a realidade que abarca os casos de suicídio
registrados nas reportagens, apresento neste capítulo uma breve caracterização da
Microrregião e do Vale do Piancó, com o objetivo de destacar aspectos
socioeconômicos e culturais que permeiam a vida dos moradores dessa localidade.

1.1 O Vale e a Microrregião do Piancó

O Vale do Piancó é constituído por dezoito municípios: Aguiar, Boa Ventura,


Conceição, Coremas, Curral Velho, Diamante, Ibiara, Igaracy, Itaporanga, Nova
Olinda, Olho d'Água, Pedra Branca, Piancó, Santa Inês , Santana de Mangueira,
Santana dos Garrotes, Serra Grande e São José de Caiana. No total o Vale do
Piancó tem uma população de 170.195 habitantes e seu território ocupa uma área
de 6.339.653 km².

2
Dados coletados em reportagens de diversos jornais virtuais como o é-sertao, diamante
online, patos online, portal santa Teresinha e principalmente o portal piancó.
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Já a Microrregião de Piancó, diferente do Vale do Piancó, apresenta apenas


nove municípios e sua população, segundo o senso do IBGE de 2006, possui 69.538
habitantes e uma área total de 3.285,713 km². Constitui-se por nove municípios:
Aguiar, Catingueira, Coremas, Emas, Igaracy, Nova Olinda, Olho d'Água, Piancó,
Santana dos Garrotes. 3
Devido ao clima bastante quente e seco e as intensas estiagens de chuvas,
muitos de seus municípios estão incluídos na área geográfica da nova delimitação
do semiárido brasileiro (instituído pelo Ministério da Integração Nacional em 2005).
Assim a maior parte da Microrregião e do Vale sofre com risco de seca maior que
60%. A economia da região baseia-se fundamentalmente na agricultura,
principalmente no cultivo do algodão, milho, arroz e feijão.
A Microrregião e o Vale do Piancó situam-se na parte sudoeste do estado da
Paraíba e localiza-se em uma zona climática do semiárido. Em consequência de
uma parcela de seu território possuir terras baixas, é considerado um complexo de
terras alagáveis, justamente porque possui uma bacia hidrográfica rica em solos
naturalmente férteis provinda do Rio Piancó, que banha todo o Vale e abastece toda
a Microrregião, ou seja, um importante agente natural para produção e cultivo do
arroz vermelho.
Com essas características geográficas e climáticas, o cultivo de arroz
vermelho é bastante comum e faz parte da tradição da Microrregião e do Vale do
Piancó, tornando-se, hoje, um importante patrimônio econômico dessa população.
As práticas relacionadas ao arroz vermelho existem nessa região há mais de 50
anos, seja na culinária ou no cultivo de lavouras. Tendo como representação
econômica cerca de vinte municípios que utilizam o arroz de forma direta em seu
cotidiano, que na linguagem popular ficou conhecido como “ouro vermelho”, esse
produto é, hoje, considerado o trunfo econômico dessa população. Nesse sentido, o
Vale do Piancó, juntamente com o Vale do Rio do Peixe (SC) são os maiores
produtores de arroz vermelho do Brasil, sendo também conhecido pela sua
população como "arroz da terra" (Souza e Alcântara, 2014). Desse modo, a
produção do arroz faz do cultivo agrícola o meio econômico fundamental dessa
região, que caracteriza a sua comunidade bem como as suas formas de viver.

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Lembrando que apenas Emas e Catingueira pertencem à Microrregião do Piancó, sendo assim, não
pertencem ao Vale do Piancó.
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Quanto às condições e características culturais dessa região, o Vale do


Piancó é um representante significativo da Paraíba, um estado repleto de fortes
heranças culturais que abriga no seu sertão um universo de práticas, na maioria das
vezes ligadas às tradições da oralidade, presentes na mentalidade e na vida de sua
população. Suas crenças, suas religiosidades, suas culinárias, suas práticas
fitoterápicas e suas organizações sociais se misturam cotidianamente, originando
uma infinita cifra de práticas culturais e, com isso, diversas expressões culturais
materiais e imateriais.
A exemplo da cidade de catingueira, analisada por Pires (2014) podemos
levar em consideração que a Microrregião e o Vale do Piancó possuem inúmeras
manifestações culturais ligadas às religiosidades e mitologias populares. Nessa
localidade predominam, basicamente, três vertentes religiosas, o catolicismo,
dominante, o protestantismo, em constante ascensão e o kardecismo; as demais
religiões não possuem representação numérica considerável, tal como umbanda,
jurema sagrada e candomblé (Pires, 2014). As diversidades religiosas possibilita-nos
compreender o encontro de expressões socioculturais distintas nessa comunidade,
expressos nas celebrações a São Sebastião, terminado em junho, com as festas de
São João, São Pedro e Santo Antônio, quando a população vive uma incidência
maior de chuva, no chamado inverno, e consequentemente o florescer da safra de
diversas frutas da região.
Como exemplo da expressividade e diversidade cultural da localidade,
destaco a história de Inácio da Catingueira, repentista da cidade de Catingueira/PB,
considerado um dos maiores pensadores dessa região. Nascido em uma senzala,
era negro, escravo e analfabeto, porém foi capaz de vencer com sua sagacidade e
inteligência os limites de sua época, derrotando, em um duelo, Romano de Teixeira,
repentista branco, alfabetizado e bastante famoso em sua época4 (SANTOS, 2010).
O importante repentista Inácio da Catingueira é um ícone que representa a
forte produção cultural da Microrregião e do Vale do Piancó, no qual, até hoje se
pode perceber manifestações culturais ligadas e esse cantador das palavras, que se
eternizou na mentalidade, nas lendas e no folclore dessa população. A presença de
negros escravos no sertão paraibano foi uma premissa importante para
entendermos as condições e a diversidade cultural sob as quais se constituiu a

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Conta a mitologia local que a disputa entre os dois repentistas durou oito dias e oito noites sem
intervalos.
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produção artístico-cultural desse povo. Para Diégues Júnior, há nessa região uma
ligação importante entre os negros cantadores, os bantos, e a perpetuação de uma
cultura ligada às práticas da oralidade africana, destacando-se nesse conjunto de
talentos o papel de Inácio da Catingueira (DIEGUES JÚNIOR, 1973, citado por
Santos, 2010)5.
Com base nessa breve contextualização, é possível reconhecer algumas
das condições socioculturais com as quais convive a população da Microrregião e do
Vale do Piancó. A realidade apresentada revela um universo cujas características
possui uma parcela considerável de importância e destaque na constituição artístico-
cultural do estado da Paraíba, devendo ser resaltado seus fazeres gastronômicos,
religiosos, literários, mitológicos e artísticos como expressões importantes para a
consolidação da história cultural de todo o estado da Paraíba.
Nesse sentido é preciso destacar que as condições climáticas, geográficas e
culturais podem ser importantes agentes no entendimento de uma determinada
região, pois são componentes indissociáveis da vida em comunidade. Após
examinar tais condições, teremos novos olhares para pontuar alguns problemas
sócio-políticos que entrecruzam tais condições e com isso ter uma melhor
visualização da região.

1.2 Aspectos socioeconômicos e culturais

Entender alguns aspectos que entrecruzam a vida em sociedade dos


indivíduos vítimas de suicídio e seus familiares residentes tanto na Microrregião
como no Vale do Piancó são pontos importantes que elucidam essa realidade,
interpretada de maneira lúdica, metafórica e fictícia nos vídeos quem compõem a
série Vale do Piancó, que serão analisados adiante. Portanto trazer alguns desses
aspectos a fim de um melhor entendimento da própria Série e dos casos em questão
se faz extremamente pertinente para este trabalho. Assim é preciso refletir sobre
questões sociopolíticas e econômicas, tais como distribuição de terras, modos de
habitação, estrutura social e religiosa etc, relacionadas a essa população a fim de

5
DIÉGUES JÚNIOR, Manoel. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura
Popular em Versos. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1973.
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conhecer um pouco mais as condições sob as quais os casos de suicídio,


motivadores da Série, se consolidaram.
Nessa direção, Bianca Werlang (2013) afirma que o suicídio pode ser
prevenido, evitável e combatido, e para isso é de suma importância que as
instâncias maiores que regem uma sociedade, por meio de seus inúmeros setores
(saúde, educação, lazer, segurança, infra-estrutura etc) designem recursos humanos
e financeiros imprescindíveis a devida prevenção do suicídio e com isso uma melhor
qualidade de vida para população. Por esse motivo é necessário que os municípios
se esforcem para estruturar melhor as cidades e oferecer serviços e condições de
vida e de trabalho adequadas
Considerando, inicialmente, a condição e estrutura socioeconômica em que
vive e trabalha essa população, destaco como uma problemática significativa a
situação das propriedades rurais da região. Uma parte considerável da população
vive em propriedades de terceiros e utilizam dessas terras por meio de um sistema
de terça parte ou meia, ou seja, do montante cultivado por cada família, um terço, ou
a metade, pertencem ao proprietário das terras. Nesse sentido é possível observar
que a baixa qualidade das habitações gera, gradativamente, sentimentos de
desesperanças coletivas e uma provável descrença no poder público, conforme
podemos perceber nos relatos dos moradores da zona rural paraibana:
Todo mundo sabe que pra trabalhar, pra trabalhar junto com a família
precisa de ter uma casa para morar, agora o pior de tudo é a casa
que a gente mora, só tem de casa o nome [...] é uma casa que num
tem piso, que num é cimentada [...] não tem condição nenhuma de
higiene [...] os filhos da gente ficam doente, às vezes, num sei, pode
ser até por causa dos insetos que fica dentro da casa, sabe? uma
casa sem esgoto, uma casa sem piso, uma casa sem higiene
nenhuma só traz doença, só traz consequência ruim pra a família da
gente. E o que é danado pra o trabalhador é que num pode nem
consertar uma casa desse tipo, a gente às vezes fala em consertar,
pede pra aterrar ou atijolar pra ver se diminui mais essa miséria de
inseto na casa, mas num pode, porque o proprietário num deixa, se a
gente pede pra ele fazer, ele não faz e se a gente quiser fazer por
conta da gente num aceita com medo da gente fomentar os direitos
que tem, tem medo que a gente tenha direito a mais que ajeitar uma
casa veia dessa. (O que eu conto do sertão é isso, 1975).

Do cultivo do arroz da terra, fonte importante de renda da região, segundo


Souza e Alcântara (2014), decorrem diversas dificuldades enfrentadas pela
comunidade rural residente no Vale do Piancó, dentre as quais, a falta de
capacitação técnica para produção e cultivo do arroz vermelho, é considerada a
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mais agravante. Nesse caso o processo de produção agrícola nessa localidade faz
com que a maior parte da população mantenha métodos de produção e cultivo com
baixas condições de trabalho, ficando durante horas expostos as altas temperaturas
do sertão paraibano, para que assim possam dar conta de uma produção que os
sustente. Para Souza e Alcântara, tal realidade gera sérios problemas na saúde
pública dessa região, demonstrando que falta apoio e incentivo público para que os
agricultores do Vale tivessem uma melhor condição de trabalho e
consequentemente de saúde.
Nesse sentido, apesar das dificuldades climáticas, o principal problema
encontrado pela população que reside tanto na Microrregião quanto no Vale do
Piancó é a falta de incentivos públicos, sejam em seus aspectos econômicos ou
socioculturais, que, mais uma vez, se evidencia, por meio do presente estudo, como
um importante pilar para construção de uma civilização com boa qualidade de vida.
(Souza e Alcântara, 2014)
Nas cidades da região, as famílias vivem, basicamente dos pequenos
comércios, como servidores públicos e dos auxílios pagos pelo governo, tais como
Bolsa Família, Bolsa Escola, Vale Gás, PETI (Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil), Agente jovem, Programa Leite da Paraíba, no qual cada família cadastrada
recebe diariamente um litro de leite por dia e as demais aposentadorias. Nesse
sentido, mesmo conseguindo melhores acessos aos planos do governo e estando
um pouco mais orientada sobre seus direitos, ainda assim, a população que reside
nestas cidades sofrem de completa falta de estrutura social, pois necessita
sobreviver dos encargos do governo.
Conforme evidencia Pires (2007), nos últimos anos foi possível observar que, a
exemplo de Catingueira, gradativamente ocorre um esvaziamento mássico da
comunidade rural e com isso um drástico êxodo rural. Consequentemente, esse
êxodo leva a um crescimento acelerado e desordenado das cidades, que por falta de
planejamento estrutural dos pequenos centros urbanos não oferecem as condições
básicas necessárias para receber essa população. Essa condição acaba culminando
em uma qualidade de vida bastante precária para tais famílias, que adaptadas à vida
no campo vão trabalhar de maneira irregular no diversos setores da cidade.
Essas condições apresentadas pela comunidade rural da Microrregião e do
Vale do Piancó, podem ser relacionadas com a problemática social que Heck (1994)
demonstrou em seu estudo sobre a comunidade rural alemã de Santo Cristo, RS.
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Nesta localidade, os problemas dos colonos foram piorando na medida em que um


novo modelo agrícola foi se instaurando durante as décadas de 70 e 80. Segundo o
autor, um importante fator para o crescimento de doenças psicológicas e a
desagregação social foi o avanço no processo capitalista de produção agrícola,
levando a desapropriação de pequenas comunidades rurais e consequentemente a
concentração da propriedade de terras nas mãos de manufaturadores, com isso um
maior processo de exploração trabalhista devido ao endividamento financeiro e
monetário, êxodo rural, dissolução da cultura e por último a anomia.
Ainda sobre mudanças sociais bruscas e suas consequências para a
população, Orácio de Aguiar (2012) diz que “As pessoas têm projetos, planos de
vida, e quando esses são quebrados pelas mudanças sociais, os indivíduos perdem
a integração social”. Integração social que é um aspecto fundamental para
convivência em sociedade, gerando um equilíbrio essencial entre necessidades e
recursos disponíveis para a população.
Pires, ao falar sobre a realidade da cidade de Catingueira, relata uma situação
comum a toda a Microrregião e Vale do Piancó. Em suas palavras, Pires afirma:

“conseguir” um emprego na prefeitura é uma grande aspiração da


maior parte da população. O emprego na prefeitura é altamente
valorizado pela estabilidade que implica. Estabilidade é entendida
como a certeza de receber aquele salário no final do mês, o que
possibilita, por exemplo, o planejamento da compra de bens
duráveis. Mas é interessante constatar que esta reconhecida
estabilidade é compatível com o fato de que a cada novo prefeito
ocorrem mudanças drásticas no quadro de funcionários, os quais são
substituídos em função dos laços de amizade ou parentesco com o
candidato a prefeito vitorioso. A necessidade de trabalhar na
prefeitura, já que não há na cidade outros empregadores – senão as
vendas e os bares (que geralmente utilizam mão de obra familiar) –
cria relações de co-dependência entre os políticos e a população
(PIRES, 2007, p. 2).

Essa informação demonstra a dependência do poder público para a população


obter renda na região, resumindo as melhores possibilidades de emprego à
Prefeitura, além dos programas de distribuição de renda já citados. A essa condição
relaciona-se ainda o fato da população local não possuir autonomia com relação à
moradia e as terras, tendo em vista que a comunidade não é proprietária desses
lugares, característica da região que se constitui como uma problemática social
importante. Por esta razão é necessário repensar o processo de apropriação das
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terras afim de que a estrutura espacial da vida cotidiana se organize de tal forma
que as relações de opressões desapareçam gradativamente.
Noutra direção, a Microrregião e o Vale do Piancó são ricos em açudes, que
abastecem diariamente todas as cidades da região, além de servir como lazer para
as famílias, seja da zona rural ou urbana. São estes aspectos geográficos que
caracterizam a região como sendo interiorana e de vida potencialmente rural.
Entretanto, mesmo habitando em uma região de características intrinsecamente
interioranas, as pessoas que residem nas cidades que compõem essa localidade
tendem a depreciar a vida no sítio. Conforme Pires, “ser do sítio” – não importa qual
–, em oposição a morar na cidade, é tido como marca indelével e justificativa para o
fracasso ou a estupidez. Se um menino do sítio tem dificuldades em aprender a ler,
sua professora dirá: ‘Ah, é do sítio’, lavando suas mãos.” (PIRES, 2007, p.7). Assim,
a vida rural nessa realidade é tida muitas vezes como exótica e grotesca, por sua
própria população.
Nesse sentido é necessário estabelecer compreensões gerais sobre as
variadas realidades que se entrecruzam nos contextos sociais da Microrregião e do
Vale do Piancó, pois tais aspectos refletem diretamente nas ações e reações que
um determinado indivíduo pode ter em relação a própria vida. Assim tentaremos
considerar, por meio dos meus relatos e memórias, minha visão sobre a vida no
sertão, trazendo a tona questões que permeiam a compreensão do sujeito e sua
vida em sociedade.

1.3 Memórias e histórias sobre os casos de suicídios

Observando os casos de suicídio ocorridos na Microrregião e no Vale do


Piancó pude perceber situações socioeconômicas recorrentes em todos os
episódios: tratavam-se, basicamente, de trabalhadores rurais ou idosos
aposentados. Ao ler as notícias sobre esses casos, ao refletir sobre a condição
dessa população e o universo sociocultural que a abarca, minhas memórias sobre
condições próximas, com as quais convivi na infância e adolescência, foram
despertadas, proporcionando reelaborações dessa realidade de maneira fictícia e
lúdica nos vídeos que compõem a série Vale do Piancó. Lendo as notícias e
rememorando situações semelhantes, pude perceber, nas entrelinhas de tais
relatos, que a desesperança em uma melhoria na qualidade de vida – social e
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pessoal - se fazia como constante entre as vítimas desses suicídios. Vítimas cujos
sentimentos e situações busquei refletir a partir da produção videoartística.
Ressalvando essa realidade, me veio uma série de questionamentos e
reflexões, baseadas sempre em memórias individuais de um período da infância e
adolescência vivido na zona rural do sertão paraibano. Estas imagens solidificadas
em minha memória estiveram presentes durante todo o processo de pesquisa,
reflexão e criação artística, pois como disse Magritte: “O mundo não é apenas o que
vejo, mas o que sou levado a ver” (MAGRITTE, citado por BALOGH, 2004, p.23).
Por esse motivo, talvez, fossem recorrentes as imagens de depoimentos
desesperançados dos idosos que convivi, em sua maioria, pequenos produtores
rurais, sendo comum ter escutado os relatos sobre a desilusão em relação as
melhorias na qualidade de vida, devido a uma série de circunstâncias sociais nas
quais os idosos estavam inseridos.
É comum encontrar nas pequenas cidades rurais do sertão paraibano uma
terceira idade resignada e desiludida com as melhorias sociais sem, portanto,
projetar grandes transformações na qualidade da vida, levando a uma desilusão em
relação à própria vida. Sem apoio e estrutura, como um espaço coletivo para um
melhor convívio social, qualidade de serviço da saúde e segurança, essa camada da
população demonstra-se exatamente como Durkheim dizia: “Se, nesse caso, o
vínculo que liga o homem à vida se solta, é porque o próprio vínculo que o liga à
sociedade se afrouxou.“ (2004. p266). Essa condição da população idosa, no meio
rural, me faz lembrar de uma situação social extremamente desagradável, sob a
qual viviam as pessoas da terceira idade que habitavam aquela pequena cidade do
sertão paraibano ao qual pertenço.
Para ilustrar esse sentimento, talvez intimamente influenciado pelas minhas
memórias, cito o documentário produzido em 1975, “O que eu conto do sertão é
isso” no qual é possível perceber, nos depoimentos dos entrevistados, um constante
desengano em relação a vida rural no sertão paraibano, como podemos observar no
trecho em quem uma produtora rural relata:

[...] no sertão a situação não dá, porque tudo é de meia, criar


ninguém pode, nem uma cabra pra poder dá leite ao filho ninguém
pode criar, se trabalha muito, pouco o patrão acha [...] Então acho
melhor na cidade e a humilhação é demais [...] então, a situação não
dá, pra pobreza de morar no sítio, porque morre de fome e não dá
lucros, a situação não dá. Quem tem, tem, quem mora no sítio, pra
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quem tem, tem, quem não tem, vai sofrer. O que eu conto do sertão
é isso. (O que eu conto do sertão é isso, 1975)

Nesse sentido é necessário perceber que durante todo o processo de


construção deste material artístico as minhas memórias individuais estiveram
influenciando na própria interpretação dos fatos relatados em tais notícias. Baseado
nisto, é preciso compreender que as interpretações pessoais, juntamente com fatos
transcritos em tais notícias dos jornais locais são de fundamental importância para
se ter uma melhor visualização das situações que me levaram a produzir a série de
videoartes e para se compreender as realidades comuns dos indivíduos vítimas do
suicídio.
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CAPITULO II

Arte e sociedade: perspectivas sócio-antropológicas


para uma reflexão sobre videoarte

Neste capítulo apresento dimensões socioculturais presentes em vertentes


artísticas que se preocuparam em abordar a vida e a sociedade por vias políticas,
sociais e antropológicas. Neste contexto, por meio de uma investigação bibliográfica,
proponho uma reflexão sobre os diálogos possíveis entre arte e sociedade, sob a
ótica antropológica e sociológica, buscando desvelar caminhos que foram
percorridos historicamente pela videoarte, com essa perspectiva.
Nesse sentido, este capítulo ilustra, por meio de comparações e
exemplificações, como a arte se uniu a outros campos do conhecimento,
principalmente o da antropologia e sociologia, tendo como objetivo final trabalhos
artísticos que despertam reflexões acerca de determinadas problemáticas sociais e
humanas abordadas pelos artistas.
Baseado em exemplos, nos quais artistas motivados por discussões sociais e
antropológicas foram capazes de produzir artisticamente com finalidade de refletir
sobre determinados temas da sociedade, poderemos visualizar de maneira mais
concreta e objetiva como a série Vale do Piancó pode se inserir como produto
artístico motor de ponderações sócio antropológicas sobre o tema suicídio.

2.1 Diálogos entre arte e sociedade: perspectivas para uma abordagem


antropológica e sociocultural nas produções artísticas

Revendo parte da história da arte ocidental, é possível observar que muitos


artistas, alguns desses cientes do que faziam, outros intuitivamente, se prontificaram
a buscar impulsos criativos noutros campos do conhecimento, tecendo diálogos
entre a ciência e seus vários campos de reflexões, como uma forma de aproximar-se
com a vida humana e com a sociedade. Dentre esses campos, destaco para essa
abordagem aspectos de uma aproximação da arte com a antropologia e a
24

sociologia, especialmente para tentar compreender criticamente e esteticamente as


condições e situações que geraram minhas reflexões poéticas na série Vale do
Piancó. Nesse sentido como exemplo dessas aproximações inicio minhas
considerações a partir do trabalho de Toulouse-Lautrec6, (1864-1901) que,
despretensiosamente, pode ter atuado como um antropólogo de campo. Obviamente
que esta leitura pode ser feita de maneira comparativa, não afirmativa e conclusiva.
Por exemplo, Storni diz que a antropologia de campo nasceu no início do
século XX e tinha como preocupação fundamental a captação da realidade do outro,
na maioria das vezes tido como “exótico”, da maneira mais fiel possível do real, por
esse motivo os antropólogos de campo “compreenderam que precisavam viver entre
os povos pesquisados, não apenas como hóspedes, mas como nativos. Isso
significou aprender suas línguas, sentir suas emoções, hábitos ... [etc.]” (STORNI,
2006, p.17).
É possível traçar um paralelo comparativo entre as duas atividades – a do
artista investigador e a do antropólogo de campo a partir de Lautrec 7, pois a relação
que um antropólogo de campo tem com o mundo “exótico” à sua volta aproxima-se
com a experiência que Lautrec teve com a realidade de povos destoantes de sua
formação social. Podemos observar a perplexidade de Lautrec diante a realidade
dos grupos sociais com os quais conviveu na carta escrita a sua avó, quando
morava nas periferias de Paris, no qual revela “[...] não consigo me habituar a essa
atmosfera” (MAIOCCHI, 2011, p. 42). Assim é possível considerar que, buscando
resultados e tendo objetivos diferentes, artistas e antropólogos podem atuar no
mesmo campo, utilizando métodos distintos.
Storni ao definir antropologia, diz que esta ciência concentra-se “nos estudos
de culturas de modo geral: [...] padrões culturais compartilhados e que geram
identidades individuais e grupais” (2006, p. 7- 8), nesse sentido é possível
considerar que o principal papel da antropologia é tentar entender e documentar as
diversas formas de relação que o homem mantém com mundo a sua volta,
procurando, nos mais variados contextos sociais e pessoais, impulsos para suas
pesquisas científicas. Também, se entendermos que o artista investigador procura

6
Pintor pós-impressionista e litógrafo francês.
7
Segundo Maiocchi, Toulouse-Lautrec era filho da condessa Adèle e foi educado em um
universo de fartura e luxo, em meio a alta burguesia, porém na juventude foi morar nas
periferias parisienses onde dedicou-se a pintar personagens principalmente do Moulin
Rouge, um cabaré do submundo francês.
25

nas múltiplas formas de contextos sociais imersões poéticas para sua criação
artística, é possível compreender a relação intrínseca que ambas as “ciências”
podem estabelecer entre si. Conforme diz Paul Valéry 8

Ciência e arte são praticamente indissociáveis durante as fases de


observação e de meditação – para se distinguirem nos discursos –,
se aproximam nos momentos da classificação e se separam
definitivamente nos seus resultados (VALÉRY, citado por MALYSSE,
2006, p. 439).

Sobre essa perspectiva apontada por Válery, Malysse explica: “Artistas e


antropólogos compartilham a mesma dimensão prática de suas atividades, nas quais
eles se apropriam do e representam o Outro” (2006, p.741). A dissociação entre arte
e antropologia, segundo o autor, é resultante do pensamento classificador da ciência
do século XX, que dividiu metodicamente os dois campos do conhecimento por meio
de linhas rígidas e intransitáveis, no qual em um extremo estaria a arte e no outro a
ciência, ou seja, arte e ciência não dialogam jamais. Porém esse tipo de
classificação vem sendo questionada tanto pelos artistas quanto antropólogos, que
estabelecem novas fronteiras entre a arte e a ciência a fim de estruturar uma maior
proximidade entre ambos os campos e com isso estabelecer um diálogo mútuo.
Assim, enquanto antropólogos produzem conhecimentos teóricos,
basicamente escritos, os artistas transmitem suas ciências, suas pesquisas, vezes
laboratoriais (nos chamado ateliês) ou em campo, por meio de materiais visuais –
obras de arte. Com isso o diálogo mútuo entre arte e antropologia se faz
extremamente necessário para que ambas as ciências se constituam de maneira
coerente. Pois conforme afirma Malysse: “Os artistas usam as metodologias e
teorias antropológicas como modelos, e os antropólogos dialogam às vezes com as
formas de representação do Outro apresentadas pelos artistas visuais.” (2006, p.
741). Portanto é por meio desse diálogo mútuo que as fronteiras historicamente
estabelecidas entre arte e antropologia podem deixar de existir.
Nesse sentido é preciso salientar que em determinados momentos históricos
a produção de muitos artistas esteve intrinsecamente ligada a outros campos do
conhecimento, fazendo com que a própria arte criasse uma ampliação de suas
fronteiras e com isso uma maior variedade de estudos relacionados, principalmente,
8
Transcrito no artigo Entre arte e antropologia: diálogos e apropriações de Stéphane Malysse,
Schneider, A. & Wright, C. (ed.). Contemporary art and anthropology,
Oxford/Nova York, Berg, 2006
26

com os mais vastos segmentos da ciência e tecnologia. Atualmente é evidente a


forte combinação que existe entre arte, sociologia e antropologia, no qual os artistas,
especialmente os adeptos da arte conceitual e contemporânea no geral,
explicitamente buscam fundamentações para seus materiais artísticos, como afirma
Freire “O trabalho teórico é fundamental, no sentido que fundamenta toda a prática
artística, torna preciso seu sentido, evitando assim o risco da polissemia da imagem”
(1999 p.132).
Por exemplo, podemos observar nos argumentos de Freire (1999), que nos
mostra uma série de estudos sobre artistas que problematizam antropóloga e
sociologicamente sobre seus próprios trabalhos, uma forte tendência ao hibridismo
dos conhecimentos, como no caso da arte conceitual, no qual, segundo Freire “os
artistas reivindicavam para si a responsabilidade intelectual de seus trabalhos... O
artista passa a falar, por ele mesmo, de sua produção, desenvolve conceitos que
sustentem seu processo criativo, articula a realidade da obra à sua interpretação”
(FREIRE, 1999, p.128).
Na medida em que os artistas reivindicaram para si o direito de ter voz sobre
seus próprios trabalhos, de agir criticamente sobre suas obras, eles tomaram
também a responsabilidade de aprender a lidar de forma mais fundamentada com as
diferentes discussões que regem a ciência.
Sobre essa prática, Joseph Kosuth elaborou um texto, em 1975, chamado O
Artista Como Antropólogo, no qual aponta a importância do trabalho artístico na
cultura e sociedade. Segundo Freire, o texto de Kosuth diz:

O artista – como antropólogo- é um estudante da cultura, tem como


tarefa articular um modelo de arte, cujo o propósito é compreender a
cultura, tornando explícita sua natureza implícita, internalizar sua
“explicação” tornando-a novamente implícita e assim por diante...
(KOSUTH, citado por FREIRE, 1999, p.134)9.

Considerando essa dimensão da produção artística, foi possível observar uma


série de artistas que, embasados numa perspectiva multidisciplinar da arte, se
utilizaram de técnicas e aparatos dos mais variados campos do conhecimento, como
a própria antropologia e sociologia, para se obter reflexões mais amplas e resultados
mais satisfatórios, como é o caso do trabalho Visitors Profile (1971-72) do alemão
9
KOSUTH, joseth. Art After Philosothy and After. Collected Wriittings, 1966-1990. Boston: MT
Press,1993,p.124.
27

Hans Haacke. Neste trabalho, o artista se utiliza de questionários em forma de


pesquisa antropológica para executar intervenções urbanas ruas dos Estados
Unidos. Nestes questionários Haacke faz perguntas como: “Você considera que a
bagagem moral dos Estados Unidos está se enfraquecendo ou se reforçando com o
envolvimento desse país com questões da Indochina?” (Freire,1999,p.134)
Segundo Freire (1999), Haacke considerava devidamente importante que o
artista se conscientizasse sobre o papel sociocultural da arte e, principalmente,
visualizasse o perfil sociopolítico do público e do ambiente no qual sua arte estava
imersa. Esse exemplo serve para ilustrar, dentre as inúmeras possibilidades de ver e
refletir sobra a função da arte, uma ideologia muito ligada as questões abordadas
pela sociologia e antropologia, ou seja, o homem enquanto agente e produtor
sociocultural.
Outra artista que, na década de 70, fez diversos trabalhos que mesclavam
discussões do universo da arte a das ciências políticas, sociologia e antropologia foi
a artista, filha de imigrantes poloneses erradicados no Brasil, Anna Bella Geiger.
Segundo Cocchiarale10 foi especificamente em 1973 que os trabalhos de Geiger
questionaram os padrões da brasilidade estereotipada, trazendo a tona uma
discussão sócio antropológica sobre a impossibilidade de se pensar uma identidade
nacional levando em consideração a diversidade dos brasis, sem, no entanto, cair no
engodo de submeter suas obras a uma espécie de ilustração superficial sobre a
discussão.
Em Brasil nativo/Brasil alienígena Geiger é fotografada repetindo com
obediência os gestos dos indígenas dos cartões postais, fazendo colagens com as
duas imagens, foi por meio dessas fotomontagens que a artista pôde atestar a
impossibilidade de ser o Outro – tão caro aos olhos da antropologia. No seu livro de
artista - "História do Brasil" a artista traz, mais uma vez, discussões sobre a
identidade brasileira fazendo intervenções visuais na imagem da tela de Victo
Meirelles (1932-1903), "Primeira Missa no Brasil" (1860). Nesse trabalho Geiger
“contrapõe a cópia gráfica desses indígenas presentes na obra de Meirelles a
imagens fotográficas de indígenas já devidamente aculturados, publicadas pelas
revistas ilustradas da época” (Chiarelli, 2008).

10
Texto originalmente publicado no catálogo da exposição "Anna Bella Geiger: other annotations for
the mapping of the work". BARTELIK, Marek (Ed.). POZA: on the polishness of polish contemporary
art. Hartford, Connecticut: Real Art Ways, 2008, p. 50-59.
28

É importante lembrar que a própria videoarte nasce como força contrária à


televisão, ao cinema e à novela, de um modo geral relacionadas à indústria do
entretenimento (Machado 2003). A videoarte, inicialmente, se propôs a subverter os
meios de comunicação de massa em materiais de cunho político e social, utilizando,
muitas vezes, ideais sócio antropológicos para uma democratização da
comunicação. Por isso, se tornou um meio fortalecido para produção e reflexão de
mensagens coletivas ou pessoais, principalmente, conforme afirma Zanini (2006),
pela sua capacidade de “ir ao encontro de”, pois se utiliza de um material de fácil
locomoção – a matéria digital e/ou virtual, portanto não se predispõe a orçamentos
exagerados para transporte, como no caso das pinturas em tela e esculturas. No
contexto atual, com a ampla variedade de plataformas virtuais de visualização de
vídeo, essa realidade tornou-se ainda mais eficaz.
Nesse contexto, é possível destacar o importante papel de grupos como o
TVDO, que sempre esteve preocupado com questões político-sociais. Este grupo
especificamente, surgido nos anos 80, estava preocupado em produzir formas
alternativas de televisão e com isso uma possibilidade de, através da videoarte,
intervir criticamente na realidade do país. Arlindo Machado os classifica como a
“melhor tradução para a mídia eletrônica do espírito demolidor e anárquico de
Glauber Rocha” (2003, p.16), com trabalhos denominados “reportagens inventivas”
(ITAU CULTURAL, 2014).
As reportagens inventivas do TVDO se tratavam de vídeos de cunho
supostamente documental, porém fugia ao padrão clássico do telejornalismo porque
mudava o foco de tais reportagens para situações marginais que aconteciam
paralelas a um determinado evento. Por exemplo, o Teleshow de Bola (1983) que
preocupava-se em enquadrar a câmera nas reações da torcida e não nos lances
esportivos ou no caso do Quem Kiss (1983) onde o foco principal da matéria
relacionada a um concerto de rock era os cambistas, cantores anônimos, garis etc,
deixando em segundo plano uma provável banda conhecida internacionalmente.
Observando os trabalhos de videoarte realizados ao longo do século XX, é
possível pensar o vídeo como ferramenta de ação social diária, no qual Mello afirma
“sua intersecção com práticas sociais e políticas, que acentuam suas interferências
no cotidiano” (2008, p. 26). Ou seja, por se utilizar de materiais atualmente
acessíveis a maior parte da população, o vídeo digital se faz presente no cotidiano
de muitos indivíduos que o utiliza para registro cotidiano, entretenimento,
29

documentação e materiais artísticos. Nesse sentido, por meio da videoarte, os


artistas puderam encontrar mais um caminho onde poderiam fundir arte com outras
ciências e o próprio cotidiano.
Em outras perspectivas, além da videoarte, produções videográficas de um
modo geral tornaram-se uma importante ferramenta para produção artística e,
principalmente, um meio de crítica social, além de um importante fazer cultural e
antropológico. Como exemplo de uma abordagem mais antropológica do vídeo,
temos o trabalho do videoasta e documentarista Vicent Carelli, intitulado Vídeo nas
Aldeias (1989). Neste trabalho, o documentarista coloca a disposição dos índios
caiapós, do médio Xingu, no Pará, equipamentos de captação videográfica, para que
os próprios atores desse contexto realizem filmagens. Assim a proposta de Carelli
visa possibilitar uma melhor comunicação entre as aldeias e, consequentemente,
mais uma forma de preservação das memórias individuais e coletivas desses povos.
Este trabalho é citado por Machado como um

sistema alternativo de comunicação [...] que lhes permitiu mobilizar


todas as nações indígenas da região numa luta política vigorosa para
impedir o envio de lixo radioativo para a Serra do Cachimbo (Pará),
contra a construção de hidrelétricas no Xingu e para constituir um
lobby indigenista durante os trabalhos da Constituinte de 1988”
(2003, p. 41).

Diante do exposto, é possível observar que por vezes a arte uniu-se a


questões socioculturais, no qual o artista, agindo multidisciplinarmente, busca
referências nos mais variados campos do saber, transformando, assim, seu
conhecimento particular sobre determinada realidade humana em produção visual
artística e também em produção científica, intelectual e política.

2.2 A videoarte e as problematizações de questões sociais e humanas

A videoarte surgiu em um período da história no qual a arte passava por


intensas mudanças, seja na sua proposta enquanto material social ou mesmo no
questionamento sobre suas formas e suportes. Como afirma Balogh, a arte ao longo
do século XX se torna “um questionamento profundo, uma reflexão sobre o próprio
ato de fazer arte, os modos de fazê-la, os meios que a instrumentalizam, os olhares
que a modificam etc.” (2003 p.24). Neste contexto de mudanças, a arte foi se
30

misturando cada vez mais aos equipamentos e aparatos mais próximos do cotidiano,
muitas vezes questionando o acentuado consumismo dos produtos do capitalismo,
foco de importantes debates da geração artística e cultural desse período.
Segundo Zanini (2006) os primeiros experimentos em artes com o suporte do
vídeo foram feitos por Nan June Paik e Wolf Vostell, nos laboratórios da West
Deutsche Rundfunk (WDR). Assim, conforme Zanini (2006) aponta, é preciso
entender o surgimento da videoarte juntamente com o nascimento de uma geração
no qual a difusão do vídeo comercial se tornava exagerada e, como forma
contestadora, a videoarte toma um rumo contrário, sendo usada por artistas como
meio comunicativo não - comercial.
Até os anos 60 a população vivenciava uma cultura de produção
cinematográfica muito distante de sua realidade, pois as produções
cinematográficas, gravadas em 8 e 16 mm, em sua maioria eram megaproduções de
altos custos financeiros (Rush 2006). Assim a disponibilização comercial de câmeras
como a Sony Portapak fez com que artistas, principalmente na Fluxus 11, inserissem
esse novo meio de produção visual no repertório das artes visuais, tornando o vídeo
um suporte tão importante quanto a pintura e a escultura na arte contemporânea.
A produção televisiva realizada nos anos 60 e 70 acentuava cada vez o
abismo que existia entre crítica social e cotidiano, pois, como afirma Zanini (2006), a
televisão não explorou todas as suas possibilidades visuais e se tornou, cada vez
mais, um elemento de massificação e arma a serviço do poder político e econômico
(2006, p.399). Assim, a criação de grupos de artistas que se preocupavam em
estabelecer novas linguagens em artes visuais foi de fundamental importância para
que a videoarte se solidificasse um suporte no mundo das artes visuais, pois,
segundo Zanini, esta realidade significava “a utilização individual do mais poderoso
instrumento de comunicação de nossa época [o vídeo], até então operacionalizado
em níveis comercial e estatal” (2006, p.397).
Diante essa realidade de massificação da cultura pelos meios televisivos e de
entretenimento, Michael Rush (2006) reconhece a videoarte como um meio que
serviu para acabar com abismo que existia entre arte e o cotidiano, ou ainda o que
se rotula por alta e baixa arte. O autor lembra que o desenvolvimento da videoarte
foi um importante salto nesse contexto, pois a videoarte se utiliza, de maneira

11
Movimento artístico urbano e literário originado na década de 60 que se propunha a misturar os
campos das artes visuais com os da música, literatura, teatro e tecnologia.
31

diferenciada e muitas vezes de forma subversiva, de um meio que predomina na


cultura de massa - a televisão. Nesse sentido é preciso entender o surgimento da
videoarte como um novo suporte artístico e em primeira instância como meio
contestador de determinadas realidades, sejam elas sociais ou pessoais.
Sobre este momento histórico, Raymond Bellour (1997, p.60) questiona “A
relação que o vídeo [...] mantém com a televisão não é o duplo histórico do que a
literatura viveu em seu diálogo com a industrialização de imprensa?” Referindo-se
ao período em que a industrialização serviu para desmitificar os livros como obra
inacessível, lançando o romance – folhetim de jornais – como formato em que a alta
e baixa literatura se uniram. Assim, é possível relacionar o momento em que a arte,
por meio do vídeo, se valeu de novos meios para difundir suas ideias. A apropriação
de câmeras portáteis por artistas fez com que a arte pudesse experimentar novas
tecnologias, expandido as possibilidades de sua relação com o público, chegando
até os dias de hoje, no qual é possível observar, como exemplifica Rush, “uma
rápida expansão de práticas artísticas que vão além da escultura e pintura
tradicionais, até a inclusão quase frenética de objetos do cotidiano no cenário da
arte” (2006, p.5).
Mello (2008) reflete sobre a importância dos anos 90 para a ampliação desse
processo de democratização massiva da videoarte. Segundo a autora, no período
inicial do vídeo, considerado de 1940-1980, sua expansão para o cotidiano popular
ainda era bastante restrito e sua circulação se dava apenas em meios alternativos
artísticos, apenas nos anos 90, com a expansão dos computadores, da internet e da
telefonia móvel, o vídeo pôde se tornar uma prática social cotidiana. A partir de
então o vídeo foi se introduzindo cada vez mais no meio artístico e tornou-se um
suporte bastante explorado nos trabalhos de arte; atuando tanto como crítica
ferrenha à televisão, quanto caminho para encontrar um novo vocabulário para a
comunicação em artes visuais.
A trajetória histórica da videoarte demonstra, a partir dessas perspectivas,
uma tendência a um posicionamento crítico, desde o seu surgimento quando se
propôs a questionar os métodos nos quais a TV e o cinema dispunham ao público,
seja em sua forma de produção ou de exibição.
Ao considerar a videoarte, como meio de expressão artística, Machado (2003)
nos revela uma faceta mais atual e significativa quanto à problematização das
questões sociais e humanas pela arte. Para o estudioso, a videoarte possui uma
32

vertente de reflexões extremamente íntimas e subjetivas, que possibilita abordar


conflitos alusivos ao ser humano por meio de construções videográficas que
sugerem um ar afetuoso e pessoal. Dentre o leque de questões pessoais a serem
abordadas, a própria morte e sua variante limítrofe - o suicídio, é referenciada como
tema para tais reflexões. Conforme diz Mello:

E possível observar que surgem nesse momento [geração dos anos


90 e 00] produções muito mais focadas em temas pessoais do que
em temas coletivos [...] o sujeito sente a necessidade de se rever
criticamente, de enfrentar discussões relacionadas ao campo da
micropolítica, às narrativas em primeira pessoa e às questões de
cunho fortemente pessoal (MELLO, 2008, p.111).

A videoarte, por esta perspectiva, pode proporcionar, através de sua poética,


uma sensação de intimidade entre observador e o artista, geralmente imperceptível
nas grandes produções cinematográficas. Como exemplo dessa vertente, as
produções de Vitor Acconci e Bruce Nauman, que viraram as câmeras para si
mesmos com o intuito de causar uma maior sensação de intimidade entre videoasta
e espectador. Nesse sentido, podemos observar que assim como um artista pinta
experimentando texturas e tons a fim de comunicar uma ideia, através da videoarte,
ele experimenta ângulos, cenas e projeções com mesmo intuito. Nesse sentido a
videoarte se prontifica a inverter os meios de tecnologia da câmera para meios de
expressões artísticas, experimentando técnicas e linguagens variadas.
Segundo Dubois “ Vídeo é o ato mesmo do olhar” (2004, p.71), nesse sentido,
a videoarte transmite a visão do artista, seus sentimentos e ideologias, por meio de
imagens partilhadas coletivamente e executa um processo de assimilação e
interpretação destas imagens pelo espectador, que a re-significa segundo seu
própria ato de ver, basicamente pela ótica de suas memórias individuais. Por esse
motivo a videoarte se propõe a utilizar os meios tradicionais de comunicação de
massa a fim de subverter valores e processos cognitivos convencionais.
Desse modo, a videoarte já foi usada nos mais variados seguimentos, como o
exemplo de Pipilott Rist e Cheyl Donegan, videoastas da década de 90, que
costumavam fazer trabalhos criticando a degradação da figura feminina nos meios
de comunicação, e Gary Hill e Bill Viola, que canalizavam a videoarte para expressar
algo mais pessoal e subjetivo (Rush, 2006) Assim tanto no contexto político-social
quanto nos mais intensamente pessoais a videoarte se afirma como meio
33

comunicativo e crítico da sociedade, possuidor de uma infinita possibilidade de


produção e de linguagem.
Para Arlindo Machado (2003), no Brasil a videoarte encontra seu ápice na
década de 1970, justamente em uma época que o cinema entrava em crise. Nesse
período cineastas importantes migraram para o vídeo, pois foi justamente com o
surgimento da televisão que o vídeo ganhou ainda mais força, sendo repercutido nos
campos das artes brasileiras. No país, existiram, basicamente, três momentos para a
videoarte. O primeiro, em que foi usada por artistas plásticos que experimentavam
novos suportes; em seguida a videoarte caminhou pelo ciclo de vídeos
independentes, na maior parte produzida por jovens recém-saídos das
universidades, e por fim, já na década de 90, a videoarte sintetiza os dois momentos
anteriores, usando trabalhos mais particulares, menos militantes, optando por
temáticas mais universais.
As primeiras experiências com videoarte no Brasil se realizou em 1971, na
Galeria Art, porém seu apogeu se deu em 1974, quando a arte conceitual entrava
em vigor, nesse período teremos produções importantíssimas como as de Anna
Bella Geiger, Sônia Andrade, Fernando Cocchiarale, Antônio Dias, Paulo
Herkenhoff, Regina Silveira, Gabriel Borba, entre outros (TEIXEIRA COSTA, 2009;
ZANINI, 2006). Teixeira da Costa (2009) classifica esse período como a geração do
videoteipe e da performance – posteriormente nominada como vídeo-performance.
O ano 1974 foi chave para a videoarte no Brasil, devido aos projetos
executados no MAC/USP, onde artistas do Institute of Contemporany Art da
Universidade da Pansilvania, na Filadélfia, foram convidados para coordenar a
primeira exposição brasileira de videoarte, no qual os artistas que formavam o grupo
RIO, alguns já citado acima, puderam realizar seus projetos com arte e vídeo.
Também em outubro de 1974 foram exibidas diversas videoartes no VII Jovem Arte
Contemporânea, JAC, do MAC/USP.
As décadas seguintes foram de aprofundamento através da melhoria técnica
do vídeo e a ampliação dos usos desse suporte por artistas, que instigados em
conhecer e utilizar os meios de tecnologia nas suas produções artísticas, foram
muito além das possibilidades videográficas inscritas nos manuais de utilização da
máquina e, principalmente, utilizaram esse meio para transmissão de
questionamentos e reflexões sociais e pessoais, como diz Rush:
34

“A videoarte, no final do século XX, assumiu uma posição de


legitimidade, até mesmo de proeminência no mundo da arte... Suas
possibilidades aparentemente infinitas e sua relativa acessibilidade
tornaram-na cada vez mais atraente para jovens artistas que
cresceram em uma era de saturação dos meios de comunicação de
massa. O vídeo é uma maneira de participar de, e reagir ao exagero
dos meios de comunicação de massa; além disso, é um meio
acessível para transmissão de mensagens pessoais” diz Rush (2006,
p.107)

Como vimos, a história da videoarte se apresenta como um contínuo processo


de experimentação de meios e técnicas de captação, edição, exibição, interação etc.
Está ligada ainda as muitas concepções e problematizações sobre questões
humanas e sociais, pois se insere, justamente, em um período de múltiplas formas e
leituras da arte e da sociedade, tendo como fio condutor, basicamente, a ideia de
que a videoarte é um meio para democratizante da linguagem em vídeo e um
importante agente difusor de ideologias e reflexões sobre a vida humana.
35

Capítulo III
Refletindo sobre o suicídio

Entender o suicídio como fenômeno plural que se estabelece meio a uma


sociedade com inúmeras demarcações socioculturais é a linha de pensamento do
livro O Suicídio do antropólogo e sociólogo francês Durkheim (1858 - 1917). Esta
obra de Durkheim serviu como fundamentação basilar para este capítulo, que se
preocupa em trazer a tona reflexões teóricas sobre o suicídio como um fenômeno da
sociedade humana e, mais especificamente, sobre os casos de suicídio ocorridos no
Vale e na Microrregião do Piancó. Apresenta, ainda, importantes reflexões de outros
diversos pesquisadores que tem se dedicado a estudar esse fenômeno por variadas
óticas, tendo como foco a abordagem sociocultural.
Tecendo importantes ligações entre as informações trazidas por
pesquisadores como Berenchtein (2013), Meneghel (2010), Carvalho (2011) e
Bianca Werlang (2013) e os casos de suicídios relatados nos jornais virtuais da
Microrregião e do Vale do Piancó, busquei expor, pelo viés da sociologia,
antropologia e psicologia importantes ponderações para uma compreensão sobre
tais casos. As análises apresentadas neste capítulo visam reconhecer como uma
realidade cultural, econômica e social pode estabelecer condições favoráveis à
prática do suicídio, nesse sentido, trarei considerações teóricas que possibilitaram a
ampliação da reflexão proposta na série Vale do Piancó e suas representações
videoagráficas sobre tais casos.

3.1 O Suicídio: perspectivas para a compreensão de um fenômeno


sociocultural

A palavra suicídio deriva de dois vocábulos latinos: sui (“de si mesmo”) e


caedĕre (“matar”), ou seja, o ato em que um indivíduo tira a própria vida
voluntariamente. O termo foi criado por Desfontaines em 1937 e, apesar de sua
explicação científica, o suicídio pode ser interpretado de diversas maneiras, variando
de acordo com a cultura, região e circunstâncias. Por exemplo, podemos citar o caso
da civilização grega pré-cristã, onde, só após o surgimento das “polis” e a
concepção de “cidade-estado” o suicídio foi considerado como um ato inautorizado
36

e, portanto, uma ação imoral. Porém sabe-se que nesta mesma sociedade existiram
determinadas situações em que o suicídio foi considerado como um ato de virtude,
coragem e nobreza, como nos casos ligados a defesa da pátria (Ribeiro, 2014).
A Grécia, berço da filosofia, certamente serviu de referencial teórico para
muitos filósofos modernos como Sartre (1905-1980). Nos estudos de Sartre o
suicídio é encarado como um ato de extrema liberdade, porém esta liberdade é
encarada como destruidora de todos os outros atos futuros de liberdade, portanto, é
a escolha que aniquila todas as outras possibilidades de escolhas.12 Nesse sentido
estipula-se que o suicídio está intrinsecamente ligado ao ato de refletir e lucubrar,
como afirmou Voltaire, citado por Ribeiro (2014): "O homem é o único animal que
sabe que deve morrer. Triste conhecimento, mas necessário, pois ele tem ideias".
O suicídio, assim, pode ser compreendido por diversas vertentes do
conhecimento e da ciência. Neste trabalho, considerei a perspectiva sociológica por
compreender que uma realidade social específica, como a Microrregião e Vale
Piancó, suscita questões de ordem contextual, merecedoras de uma análise dessa
natureza. Assim, entender o suicídio como ação que se contextualiza em fenômenos
socioculturais e políticos faz parte da leitura de Durkheim sobre o tema, que definiu
esse fenômeno como “todo o caso de morte que resulte direta ou indiretamente de
um ato positivo ou negativo, praticado pela própria vítima, sabedora de que devia
produzir esse resultado” (Durkheim, 2004, p.16). Com isso Durkheim nos mostra que
o suicídio não é apenas uma ação isolada e individual, descontextualizada
socialmente, mas se trata de um fenômeno social, portanto é um problema com no
mínimo dois pilares, um social e um medicinal, sendo assim, um problema de saúde
pública.
As causas sociais relativas ao suicídio são de extrema relevância para a sua
compreensão, como explica Durkheim:

[...] de fato, que existe, para cada grupo social, uma tendência
específica ao suicídio que nem a constituição orgânico-psíquica dos
indivíduos nem a natureza do ambiente natural explicam. Resulta
disso, por eliminação, que essa tendência deve depender de causas
sociais e constituir por si mesma um fenômeno coletivo; inclusive,
certos fatos que examinamos, sobretudo as variações geográficas e
periódicas do suicídio, nos levaram expressamente a essa conclusão
(Durkheim, 2004.p.106).

12
Conceito retirado do artigo Suicídio: Visão filosófica, biológica e religiosa postado em
http://www.webartigos.com/artigos/suicidio-visao-filosofica-biologica-e-religiosa/14102/.
37

Dando ênfase a essas facetas político-sociais que percorrem e entrecruzam


as mais variadas histórias de suicídio, principalmente nas de âmbito nacional,
Bianca Werlang (2013), esclareceu que a experiência clínica e as pesquisas
mostram que não existe uma única explicação que nos leva a compreender o
suicídio, pois existem muitos fatores envolvidos nos comportamentos de um suicida,
estes perpassam por fatores psiquiátricos, religiosos, socioculturais, etc. Conforme
explica Durkheim (1973) que a integração social é mobilizadora da vontade de viver
e agir socialmente.
Assim, Gilberto Orácio de Aguiar (2012) diz que o suicídio “É uma fala
silenciosa à sociedade, um sinal de que a pessoa está dentro de um grupo
formalmente estabelecido, mas simbolicamente sem laços firmes de inclusão”.
Nesse sentido é crucial que o indivíduo que apresenta tendências ao suicídio tenha
um bom convívio familiar e principalmente que esteja integrado socialmente em
algum grupo, além disso, é preciso que o espaço social em que se vive tenha
lugares apropriados para essa interação social.
Durkheim nomeia tal ausência de convívio social de individuação
descomedida e afirma que a falta de integração político-social é um dos principais
fatores para o ato suicida, no qual classifica como suicídio egoísta. Sobre esse
aspecto disse:
Quanto mais se enfraqueçam os grupos sociais a que ele (indivíduo)
pertence, menos ele dependerá deles, e cada vez mais, por
conseguinte, dependerá apenas de si mesmo para reconhecer como
regras de conduta tão-somente as que se calquem nos seus
interesses particulares. Se, pois, concordarmos em chamar de
egoísmo essa situação em que o eu individual se afirma com
excesso diante do eu social e em detrimento deste último, podemos
designar de egoísta o tipo particular de suicídio que resulta de uma
individuação descomedida (DURKHEIM, 1982, p.162).

Sobre esse aspecto, Monalisa Barros mostra que é crescente o número de


suicídios a cada ano em todo o mundo e mostrou que apesar dos fatores que levam
ao suicídio se diferenciarem entre grupos e sociedades, os dados mostram que os
mais vulneráveis são os jovens, os mais idosos e os socialmente isolados, como a
população indígena. Segundo a pesquisadora:

“Os países de baixa e média renda são os que tem maior parte da
carga suicida global, isso inclui o Brasil. São estes também os países
38

que estão relativamente menos equipados para impedir o suicídio.


Eles estão pouco capacitados para acompanhar a demanda
crescente da assistência a saúde mental [...] a prevenção do suicídio
de forma global é possível e esse é um drama possível de ser
evitado” (BARROS, 2013).13

Assim podemos perceber que além de uma boa estrutura para que os elos
sociais se estabeleçam com maior facilidade entre os variados grupos que compõe o
espaço social, é preciso pensar em aparatos médicos adequados para a prevenção
e o acompanhamento de pacientes que demonstram tendências suicidas. Soraya de
Carvalho Rigo (2013) mostrou que cerca de três mil suicídios acontecem por dia em
todo o mundo, fazendo com que o suicídio se torne a terceira causa de morte entre
adolescentes e jovens com faixa etária entre quinze e vinte e nove anos de idade.
Sobre a relação que existe entre os trabalhadores rurais e o suicídio
Meneghel et al (2010) diz que “as pessoas ligadas à ocupação agropecuária e pesca
apresentam maiores coeficientes de mortalidade por suicídio”. Esta relação nos faz
pensar como os modelos de produção de bens e a impactante adequação a um
novo modelo de produção capitalista, voltada para uma acelerada tecnologização da
mão de obra, podem ser fatores cruciais no entendimento de casos de suicídios
relacionados aos trabalhadores rurais deste século. Pois conforme afirma Kalina e
Kovadloff, citados por Ribeiro (2014)14, existe uma cultura suicida referenciada em
nosso tempo, no qual a aceleração dos meios de produção e consumo de bens de
informação são fatores determinantes da própria maneira na qual o trabalhador se
relaciona com o mundo, agora delimitado pelo tempo do lucro e do capital.
Assim ponderou Nilson Berenchtein, no debate online Suicídio: Uma Questão
de Saúde Pública e um Desafio para a Psicologia Clínica. Neste debate o
pesquisador levantou um questionamento importante a respeito do suicídio em uma
sociedade capitalista, perguntando como se constituiu a visão social hegemônica
sobre a morte voluntária em uma sociedade capitalista. Partindo dessa questão,
Berenchtein (2013) comentou que morte em geral é vista como um tabu, como algo
que não se deve ouvir, falar e ver, “dentro disso, uma morte voluntária, o problema
se torna um tanto maior”.

13
Ideia apresentada no debate online Suicídio: Uma Questão de Saúde Pública e um Desafio para a
Psicologia Clínica, disponível em < http://www.fsf.org >.
14
ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. “Suicídio – fragmentos de psicoterapia existencial”. São
Paulo, Ed Pioneira, 1997, p.20.
39

Uma morte voluntária traz a tona um sujeito que caminha na contramão


daquilo que se espera de um indivíduo submergido em um mundo globalizado e
capitalista, pois na lógica capitalista não existe espaço para a tristeza, para a perda,
para o insucesso, para o vazio. Como diz Carvalho Rigo (2013), “existe um
comprimido para tudo”, com isso, gradativamente, a sociedade não tem encontrado
maneiras saudáveis de encarar suas próprias frustações e insucessos, lembrando
que todos nós temos nossos próprios vazios existenciais, tristezas, perdas,
insucessos e estes sentimentos também nos ajudam a se sentirmos vivos. Segundo
a pesquisadora:
[...] esse vazio é essencial para nos manter vivos, idealizando,
buscando alternativas, sonhando e vivendo [...] no mundo com uma
lógica capitalista, onde nessa lógica capitalista é preciso sucesso, um
imperativo de gozo e satisfação, não há lugar para a tristeza [...]
então você tem que ser bem sucedido15.

Assim é preciso entender que o suicídio é um sintoma ecoante e recorrente da


sociedade e que este, por se tratar de uma ação que comunica algo sobre o cenário
sociocultural onde se insere, pode ser interpretado a fim de se estabelecer meios e
mecanismos de reparos. Essa perspectiva nos faz compreender que uma sociedade
mal estruturada pode apresentar predisposições ao suicídio. Portanto, atentar para
questões que permeiam o painel social, tais como cultura, política, religiosidades,
economia etc, é de fundamental importância para que se possa ter uma
interpretação mais lógica, científica e preventiva sobre o suicídio.

3.2 Os casos do Vale do Piancó: refletindo sobre aspectos socioculturais do


suicídio em um contexto específico

Sobre tais questões é importante observar que fatores socioculturais


compõem um importante pilar para a busca sobre o entendimento a respeito dos
suicídios da Microrregião e do Vale do Piancó, que tanto me inquietaram e me
levaram a produzir reflexões poéticas em forma de vídeos.
O montante de casos, ocorridos em localidades próximas, com aspectos
sociais similares, com uma expressiva repercussão e divulgação nas mídias locais,
trazem à tona um assunto delicado: o suicídio. O tema, que chama atenção pelo teor
15
Ideia apresentada no debate online Suicídio: Uma Questão de Saúde Pública e um
Desafio para a Psicologia Clínica, disponível em < http://www.fsf.org >
40

trágico e de comoção pública, muitas vezes é tratado de forma superficial e


especulativa, como pude observar nos jornais analisados. Fato que pode gerar uma
falta de esclarecimentos sobre o tema e repercussões negativas na sociedade
envolvida, dificultando ações preventivas e de combate a esse fenômeno.
Nesse sentido, Durkheim (1973) afirmou que era natural que em regiões com
a mesma constituição social, fenômenos que se repetem, como os casos de
suicídio, podem se multiplicar se divulgados sem maiores esclarecimentos ou
debates sobre a questão. Em seu estudo sobre o suicídio, Durkheim (1973) ainda
mostrou que “um fenômeno de contágio moral só pode produzir-se de duas
maneiras: ou o facto que serve como modelo se espalha de boca a boca por meio
daquilo a que se chama de voz pública, ou são os jornais que o propagam” (1973, P,
138).
Tendo em vista que o jornal era a mídia mais avançada do século XIX, ano
em que o livro de Durkheim fora escrito, destaca-se a importância desse meio de
comunicação e o significativo impacto que pode gerar em determinadas situações e
realidades sociais. Sobre o impacto das mídias e os fenômenos sociais como o
crime ou o suicídio, Durkheim (1973) explicava que:
“O que pode contribuir para o desenvolvimento do suicídio ou do
crime, não é o facto de se falar deles; é a maneira como se fala.
Quando estas práticas são rejeitadas, os sentimentos que inspiram
traduzem-se através dos relatos que delas são feitos e, por
conseguinte, neutralizam mais do que excitam as predisposições
individuais. Mas inversamente, quando a sociedade está moralmente
desamparada, o estado de incerteza em que mergulham inspira-lhe,
relativamente aos actos imorais, uma espécie de indulgência que se
exprime involuntariamente sempre que se referem a tais atos e que
torna o caracter imoral destes menos sensíveis” (1973, P, 143/144).

Baseado nessas ponderações e reconhecendo a necessidade de refletir sobre


os limites, alcance e as formas de divulgar os casos de suicídio, noticiados nos
jornais que inspiraram a produção da série “Vale do Piancó”, destaco aspectos
gerais que caracterizam as reportagens para situar a realidade sob a qual construí
minhas considerações poéticas e artísticas.
Vale ressaltar que apesar de serem consideradas fontes de dados para se
estabelecer uma pesquisa analítica sobre a historicidade dos suicídios, os jornais
(impressos ou virtuais) que circulam na Microrregião e no Vale do Piancó não podem
41

por si só fundamentar fontes de uma ordem metodológica para um estudo


acadêmico. Conforme afirma Carvalho (2011)
Desse modo, considerações especiais devem ser feitas quanto ao
uso proveitoso dos jornais como fontes históricas. Há muito que os
historiadores deixaram de encarar as notícias neles impressas como
simples “imagens parciais, distorcidas e subjetivas” na busca
necessária pelo real (LUCA, 2005: 112). Em se tratando do tema da
morte voluntária, aliás, não há como requerer objetividade absoluta
em qualquer das fontes que se possa lançar mão para a sua
análise[...]. Os vários sentidos e significados com os quais se
apresenta a ideia de suicídio nas notícias, nos artigos, nas peças
literárias, nos anúncios dos jornais– da condenação à apologia; da
tragédia lamentada à possibilidade de redenção –, mostra-nos o
quanto essas representações devem ser problematizadas ao invés
de ratificar possíveis certezas.(2011, p.3)

Assim, as reportagens que serviram de base para este trabalho, embora


reconhecendo seus limites como documento, trazem referências para abordar o
tema do suicídio sob minha perspectiva poética, especialmente no que diz respeito à
numerosa quantidade de casos, a localização das ocorrências e as narrativas
contidas nas entrelinhas destas reportagens. Nesse sentido tanto a quantificação
dos casos de suicídio, como o intervalo de tempo que os intercalavam foram fatores
que me instigaram a pesquisar, problematizar e produzir artisticamente sobre o tema
do suicídio.
Considerando ainda a condição sociocultural que envolve os grupos humanos
e os casos de suicídio, e que Durkheim advertiu que os fatores sociais são
importantes agentes dissipadores de tendências suicidas, lembrando que “a
tendência para o suicídio pode ser criada pelo meio social” (1973, p. 142), destaco
concepções e aspectos sociológicos do fenômeno, com o intuito de contemplar uma
realidade em que elementos sociais, culturais, políticos e ideológicos foram
determinantes para a concretização dos fatos relatados. Neste contexto, a forma
como tais episódios foram abordados pelas mídias revelaram aspectos
socioculturais significativos, que serviram de agentes dissipadores para meus
questionamentos ideológicos e artísticos.
Para isso, buscando compreender os casos de suicídios que ocorreram na
Microrregião e Vale do Piancó, considerei os noticiários abordados como
interpretações pautadas por pontos de vista específicos e informações relativas ao
contexto, pois conforme afirma Ginzburg (2007 APUD CARVALHO,2011, p.06 ) os
periódicos, os folhetins, a literatura etc não podem ser estudados como “documentos
42

históricos, mas como textos entranhados de histórias.” As notícias, assim, relatam os


suicídios, mas podem ser consideradas textos para se analisar as várias facetas da
vida econômica, social e política da Microrregião e do Vale do Piancó. De tal modo
que o maior ou menor destaque que as mídias dão a estes casos de suicídios
permite-nos refletir acerca dos valores sociais e políticos que foram agregados aos
diferentes tipos de leitores daquelas notícias.
As narrativas dos familiares das vítimas de suicídio da Microrregião e do Vale
do Piancó sempre remetem situações semelhantes: Os casos ocorrem sempre em
ambientes íntimos e com ares de isolamento social, conforme podemos perceber
nos exemplos abaixo:
Notícia vinculada no jornal online É SERTÃO na noite de 12 de agosto de
2011.

Jovem comete suicídio no Vale do Piancó.


O rapaz efetuou sucessivos golpes na área do pescoço na
frente da sua irmã. Ele foi socorrido para o hospital da cidade, mas
não resistiu e foi a óbito.
O jovem Manoel Silvestre da Silva, de 26 anos, morador da
cidade Nova Olinda, no Vale do Piancó, cometeu suicídio nessa
quarta-feira (10), cortando sua própria garganta.
De acordo com informações de familiares, o rapaz usou uma
gilete para por fim a própria vida. Manoel cortou a garganta dentro de
casa, onde morava com os pais. Ele foi encontrado pela irmã,
praticando o suicídio, que tentou impedir, mas o jovem já tinha feito
golpes profundos na região do pescoço.
A família socorreu Manoel para o hospital da cidade de
Piancó, porém não resistiu aos ferimentos e foi a óbito. O rapaz foi
enterrado sob muita comoção da família nessa quinta-feira (11), na
cidade de Nova Olinda.

Parte da notícia vinculada no jornal online Patosonline.com na noite de 26 de


agosto de 2011.
Jovem comete suicídio no Vale do Piancó.
A doméstica Josefa da Fonseca de Sousa Santos, de 19 anos,
casada, foi encontrada morta na manhã desta sexta-feira (26) em
sua residência na Rua Francisco Vidal, na cidade de Serra Grande,
no Vale do Piancó.
De acordo com o relatório da polícia militar, o marido da vítima
estava trabalhando e quando chegou em casa encontrou sua esposa
caída no chão com um disparo de arma de fogo na cabeça.

Notícia vinculada no jornal online Patosonline.com na noite de 31 de agosto


de 2011.
Mais uma pessoa comete suicídio no Vale do Piancó.
43

Francisco Neves de Oliveira de 49 anos de idade cometeu


suicídio na tarde da última terça-feira (30) na cidade de Conceição,
localizada no Vale do Piancó.
De acordo com o relatório da polícia militar, o fato aconteceu
por volta das 17 horas quando a vítima estava conversando com
amigos e entrou para tomar banho. Pouco tempo depois, o homem
foi encontrado pelo pai dentro do quarto pendurado em uma corda.
A polícia militar foi chamada e ao chegar ao local do
ocorrido, fez o isolamento da área até a chegada do GEMOL.
Segundo o pai, Francisco Neves sofria de depressão desde
pequeno.

Notícia vinculada no jornal online Portalpianco.com na tarde de 22 de


dezembro de 2011

Número de suicídio no Vale do Piancó preocupa população.


Mais um caso de tentativa de suicídio no Vale do Piancó foi
registrado na madrugada desta quarta feira (21). Desta vez o fato
ocorreu na cidade de Itaporanga, onde o aposentado Acársio Antônio
Olinto, 49 anos, jogou álcool em seu próprio corpo e ateou fogo em
seguida. A polícia foi acionada e agindo rapidamente conseguiu
conter as chamas que tomavam conta do aposentado. O Cabo da
PM Lopes retirou todos os objetos que pudessem ser inflamáveis e
com a ajuda do Sargento Dimaranze utilizaram o extintor de incêndio
da viatura e com isso conseguiram conter a chamas.
O aposentado foi socorrido e levado com vida pelo SAMU e
Polícia Militar para o Hospital Distrital de Itaporanga, mas devido a
gravidade das queimaduras seu Acársio teve que ser transferido para
o Hospital de Trauma em João Pessoa.
Infelizmente, devido a gravidade das queimaduras, o aposentado
Acársio veio a óbito na noite de ontem (21). Com este caso, soma-se
15 suicídios em 9 meses no Vale do Piancó.

Notícia vinculada no jornal online Valedopiancónotícias.co.br na noite de 17


de janeiro de 2013

Professora dona de escola infantil tira a própria vida por


enforcamento. Suicídio aconteceu hoje pela madrugada.
O suicídio na madrugada desta quinta-feira,17, chocou
Piancó. A cidade amanheceu com a notícia da morte de Maria de
Lourdes Oliveira Lima (foto), de 62 anos, professora aposentada e
proprietária da escola infantil Walt Disney.
A professora, que era viúva e vivia com os filhos em uma
casa na Rua Antônio Brasílio, enforcou-se no muro de sua
residência, diante da própria escola que fundou.
Um filho da aposentada chamado Benedito Júnior foi que
encontrou o corpo da mãe e tentou socorrê-la, mas já estava morta.
A Polícia Militar foi acionada e isolou o local até a remoção do corpo
ao IML de Patos. Não houve perícia devido alteração na cena do
suicídio: a corda utilizada no enforcamento foi cortada por familiares
da vítima na tentativa de salvá-la.
Maria de Lourdes, que passava por momentos de depressão,
conforme apurou a Folha (www.folhadovali.com.br), era uma figura
44

conhecida e querida em Piancó, e deixa um legado importante para


história educacional piancoense. Os familiares da educadora estão
profundamente chocados com o fato e aguardam a liberação do
corpo para definir o dia e horário do sepultamento.

Com isso podemos perceber algumas inter-relações que existem entre os


fenômenos socioculturais e as práticas do suicídio, concebendo o próprio suicídio
como fenômeno de causas e consequências múltiplas. Dessa forma discutiremos a
série de videoarte Vale do Piancó, procurando estabelecer vínculos entre estes
casos de suicídios, as minhas memórias afetivas e a minha produção artística.
45

CAPITULO IV

Vale do Piancó: uma poética do suicídio

Instigado pelas discussões socioculturais e pela realidade do tema suicídio na


Microrregião e Vale do Piancó, produzi uma série de vídeos que remetem aos casos
que ocorreram nessa região. Os três vídeos que compõe a série intitulada Vale do
Piancó foram desenvolvidos com uma proposta de comunicar, por meio de poemas
visuais, os casos de suicídio da Microrregião e Vale do Piancó. Estes trabalhos,
predominantemente videoartísticos, mesclam as linguagens do cinema experimental,
vídeo-performance e videoarte, trazendo consigo imagens que, indiretamente,
remetem aos os relatos inseridos nas notícias sobre os casos de suicídio bem como
seu contexto, apresentados ao longo do trabalho.
Considerando essa Série, neste capítulo busco refletir sobre aspectos
poéticos construídos em torno da videoarte e o tema suicídio, a partir do seguinte
questionamento: como o suicídio, compreendido como um fenômeno sociocultural
pode ser abordado pela videoarte, tendo como referência minhas reflexões poéticas
e o universo dos casos de suicídio da Microrregião e Vale do Piancó?
Com base nesta questão, a elaboração deste capítulo tem como objetivo
primordial observar dimensões da construção ideológica, poética e filosófica sobre o
tema do suicídio a partir das problematizações trazidas pela série videoartística.
Com esse foco e buscando um entendimento mais aprofundado da série e as
características de sua elaboração, descrevo e analiso aspectos significativos do meu
processo de despertar poético sobre o tema e a concretização desses elementos na
série Vale do Piancó.

4.1 Primeiras incursões poéticas

Meu processo de criação artística está carregado de memórias individuais,


ou seja, sentimentos e emoções aglutinadas ao longo de todo meu processo de
amadurecimento e, principalmente, formação humana, portanto, um processo
distante de ser concluído. Nesse sentido, para melhor entendimento sobre as etapas
46

de idealização, produção e exposição da série Vale do Piancó se faz necessário


entender o caminhar de todo o processo de amadurecimento artístico.
Buti (2005), citado por Azevêdo (2014), afirma que todo ato criador caminha
entre a intenção e a realização, entre a objetividade e subjetividade, no qual a
realização e finalização de tais criações estão ligadas diretamente as satisfações e
recusas, que, muitas vezes, não são totalmente racionais e conscientes. Essa
dimensão sobre o trabalho artístico aproxima-se das reflexões que pretendo traçar
sobre o meu processo artístico, que pode, a princípio, ser interpretado como uma
forma de comunicação interpessoal carregada de impulsos emocionais, onde os
processos intelectuais e afetivos estão misturados e, por vezes, confusos. Como
afirma Azevêdo:
Escrever sobre o processo artístico pessoal é uma tarefa árdua, pois, como
artista digo que as oscilações entre objetividade e subjetividade são
constantes... Contudo, apesar de virem à tona muitas reflexões contidas na
própria produção artística, ainda ficam em repercussão linhas de forças não
intencionadas as quais o espectador absorve e interpreta e até mesmo o
artista, passado algum tempo, percebe-as (AZEVÊDO, 2014, p1.).

Por esta razão, a tentativa de destrinchar o processo de criação poética neste


trabalho se faz através do reconhecimento de escolhas, possibilidades, habilidades
e experimentações, presentes, por exemplo, em mudanças de suporte, técnica e
reflexões de ordem pessoal, sociocultural e ideológica. Com isso é preciso entender
como, quando e por onde pude estabelecer vínculos de estudos e produção
artística.
Ao retomar o momento em que tive contato com as notícias, relacionadas aos
suicídios ocorridos na Microrregião e Vale do Piancó, é possível compreender que
os meus primeiros impulsos artísticos se constituíram a partir de uma relação afetiva.
Relação que estimulou minha investigação sobre o tema. Estabelecendo conexões
entre a minha própria história de vida e as histórias das vítimas dos suicídios em
questão. O papel da arte em todo esse processo complexo de interpretação de tais
acontecimentos se revela nos encontros, afecções e questões que me comovem e
ao mesmo tempo instigam e orientam meus impulsos emocionais, transcrevendo-os
em materiais artísticos, e videoartísticos, mais especificamente.
Antes desse encontro com o vídeo, desenvolvi desenhos que, talvez, tenham
sido o primeiro motor para meus desabafos poéticos sobre o tema do suicídio. Essa
passagem pelo desenho pode ser compreendida como um primeiro suporte, mais
47

imediatamente acessível para refletir sobre o suicídio. Nessa direção, Almeida


Salles, no livro de Edith Derdyk observa que:

[O desenho não] é um mapa do que foi encontrado, mas um mapa


confeccionado para encontrar alguma coisa. E os encontros,
normalmente, acontecem em meio a buscas intensas. Os desenhos,
desse modo, são formas de visualização de uma possível
organização de ideias [...] (SALLES, 2007,p.35).

Os desenhos de rabiscos foram meus primeiros impulsos criadores que


expeliram ideias, em forma de garatujas e poemas visuais, sobre uma futura criação
artística que envolvesse minha forma preferida de representação visual – as
imagens em movimento.
Porém vale ressaltar que, como explicou o cineasta Eisenstein, sem uma
visão real das circunstâncias envolvidas em uma construção cinematográfica, é
impossível prever ilustrativamente o comportamento dos personagens (ALMEIDA, In:
Derdyk, 2007). Nesse caso a representação fidedigna de uma situação não é
necessariamente precisa, pois se em garatujas o artista ou cineasta consegue
transmitir à sua equipe, ou ao público, os sentimentos e sensações relativas a esta
situação, uma possível comunicação já se estabeleceu.
Nessa direção, Eisenstein afirma que: “às vezes a cena que vai filmar não
terá, em aparência, nada em comum com o desenho” (ALMEIDA, In: Derdyk, 2007,
p. 36). Assim, Os desenhos rabiscos, que premeditaram intuitivamente futuras
produções videoartísticas, serviram como uma etapa inicial para a comunicação
estabelecida entre autor e personagens criados para a Série Vale do Piancó.
Pensando em minha produção de desenhos como etapa que precedia a produção
das videoartes, estes rabiscos remetiam a sentimentos e sensações sem, no
entanto, assumir qualquer compromisso com a forma ou técnica que seria executada
na obra. Tratava-se de uma referência de energia sob a qual o trabalho deveria estar
imerso, sem um compromisso de cumprir, com o vídeo, alguma reprodução do
desenho.
Refletindo sobre essa capacidade do desenho para a produção videoartística,
podemos classificar os desenhos rabiscos que produzi em dois momentos: os
primeiros desenhos, que se concretizaram em folhas de cadernos e serviam como
rascunhos feitos cotidianamente e cujos títulos seguiam a ordem Suicídio #01,
#02[...] e os últimos desenhos rabiscos, feitos em dimensões maiores, explorando
48

outros tipos de papeis, texturas, cores, intervindo digitalmente e dialogando com a


escrita.

Os Primeiros Desenhos:

Figura 01: Suicídio #01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
49

Figura 02: Suicídio #01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
50

Os Últimos Desenhos:

Figura 03: Sem Título 01. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
51

Figura 04: Sem Título 02. Desenho com caneta esferográfica preta sobre papel sulfite
A5.
Fonte: acervo do autor.
52

Figura 05: Sem Título 03. Desenho com caneta esferográfica preta e azul. Desenho
rabisco sobre carta de suicídio de Virginia Woolf/ desenho com intervenção digital.
Fonte: acervo do autor.

Assim, fui navegar pelos mais diversos trabalhos artísticos, em sua maioria
referendados na linguagem contemporânea das artes visuais, porém, acolhidos em
minha memória muito mais por suas proximidades com o relatos pessoais e as
linguagens afetivas, que por sua classificação estética contemporânea. Observando
meus desenhos e buscando relações entre propostas e inspirações nas produções
artísticas contemporâneas, é possível considerar uma aproximação em relação aos
sentimentos acarretados nos meus desenhos e nos trabalhos de Mike Kelley, que
segundo Archer (2008, p. 210):
53

“ Com frequência, Kelley usava objetos feitos em casa, brinquedos


investidos de um amor descomedido por quem se dispusesse a
possuí-los, e que, em sua sujeira acumulada pelo tempo e em seu
abandono, falam de um abandono e uma perda insuportáveis. Suas “
arenas” e “diálogos” do final dos anos 80 e início dos 90, arranjos de
brinquedos espalhados por cima embaixo de colchas tricotadas,
tratam o problema do abandono [...]

Desse modo, percebo aproximações entre a produção de Kelley e os meus


desenhos, considerando-os rabiscos, onde questões que permeiam a solidão e o
abandono humano preenchem a obra de tons intimamente poéticos, no qual a
simplicidade de garatujas e rabiscos se envolve em conceitos intensos que norteiam
uma abordagem artística sobre o suicídio. E assim, como diz Flávia Ribeiro, é “por
meio do desenho que percebo e elaboro questões de meu interesse, como um
pensamento, uma superfície, um corpo, algo que se projeta no espaço” (2007, p.
96). Nesse sentido os impulsos que me fizeram elaborar desenhos rabiscos foram
os mesmos que me instigaram a criar videoartes, ou seja, os vazios existenciais que
permeiam o nosso cotidiano e a possibilidade de suicídio.
Deste modo, considero que os desenhos foram motor inicial para minhas
produções videoartísticas e também são as minhas primeiras materializações
artísticas para questões mais gerais sobre o suicídio. Etapa que permitiu ampliar
meus horizontes artísticos, para em um passo seguinte, delimitar e focar minhas
reflexões para demandas mais próximas - os suicídios da Microrregião e do Vale do
Piancó.

4.2 A série “Vale do Piancó”

No caminho por experimentações poéticas em torno da temática do suicídio,


fui embarcar nas linguagens videoartísticas. Considerando esta forma de arte como
uma significativa possibilidade de abordar questões pessoais e íntimas da vida
humana, destaco a obra de Rafael França, videoartista brasileiro, buscando
reconhecer nos seus vídeos pontos de aproximação com o que eu espero de uma
produção dessa natureza. Segundo Arlindo Machado (2003), devido à morte trágica
e ao curto período de vida como artista reconhecido, Rafael França foi um indivíduo
que ocupou uma posição de passagem na história da videoarte, mas nem por isso
se fez menos importante. Para Machado, os trabalhos de França tem um forte cunho
54

emocional, sendo uma forte referência sobre temáticas afetivo-pessoais em


videoarte no Brasil. Para o autor:
A videografia desse artista gaúcho, uma das mais coerentes e
sistemáticas de toda a história de nossa arte eletrônica, esteve
voltada quase sempre para uma meditação sistemática sobre o tema
da fatalidade da morte. De fato, o tema da morte ( e sua versão
limítrofe: o suicídio) atravessa a obra videográfica inteira desse
realizador, como o páthos que dá unidade e coerência a todo o seu
percursos... os ( personagens ) de Without Fear of Vertigo discutem
as experiências do suicídio e do enfretamento da morte. Ao mesmo
tempo, essa obra, de cunho bastante pessoal, esteve também
centrada numa indagação dramática sobre a questão da
homossexualidade (MACHADO, 2003, p.21).

O vídeo "Prelúdio de Uma Morte Anunciada" (5', 1991), o último trabalho do


artista Rafael França, é uma importante referência para a videoarte Vale do Piancó #
Boa Ventura. Segundo o documentário sobre o artista, do acervo do Videobrasil
(2013), esse trabalho de França foi:

“concluído pouco antes da morte do artista. É um dos únicos


momentos em que a produção em vídeo de França se aproxima do
documento. Com "La Traviata", na dramática interpretação da
brasileira BiduSayão ao fundo, o corpo do artista toca o do
namorado, Geraldo Rivello. Sobre eles, na tela, correm nomes de
amigos mortos pela Aids”16.

A partir desses elementos presentes na obra de França, é possível perceber


certa ligação entre a produção videográfica do artista e os meus trabalhos com
vídeo, mais especificamente a série Vale do Piancó, no qual questões universais
relacionadas à desesperança humana unem-se a sentimentos pessoais e íntimos,
baseadas em minhas próprias memórias individuais.
Por esses caminhos se constituem meus processos de criações em arte, no
qual os ambientes pessoais misturados a sentimentos e memórias formam um
cenário íntimo e afetuoso. Reduzindo o número de personagens, restringindo, na
maioria das vezes, a apenas um, que habita em cenários íntimos, busco expressar
em videoarte temas humanísticos relativos as pessoas comuns, nas suas realidades
cotidianas.

16
Acervo do videobrasil: “Rafael França” Disponível em <http://www.videobrasil.com>. Acesso em:
18 nov 2013.
55

A proposta de produzir vídeos em ambientes íntimos, com baixos orçamentos,


também pode nos levar a relacionar a série Vale do Piancó com o trabalho de Sadie
Benning. A artista, nos anos 90, usou uma câmera de brinquedo para elaborar seu
vídeo, Linving Inside (vivendo encarcerada), registrando o período de três semanas
que se filmou no quarto, sozinha, aos 16 anos de idade, quando abandonou os
estudos. Sobre essa obra Rush comenta: “a inocência e o patético se unem nesta
história da adolescente sentindo-se estranha” (2006, p.105). Nesse sentido é
possível perceber que os vazios existenciais da adolescência se revelam em obras
videográficas, transformando os diários, lugar de desabafos da maioria dos
adolescentes, em vídeos que transmitem, em forma de videoarte, suas mensagens
pessoais.
Assim, baseado nas experimentações da videoarte, tentei expor os meus
sentimentos e visualizações sobre os casos de suicídio que encontrei nos jornais.
Conforme afirma Rush (2006, p.76): “A estética da videoarte, por mais
intencionalmente informal que possa ser, exige um ponto de partida artístico[...]”, o
que nos leva a compreender que as mesmas situações podem servir de diferentes
alavancas, dependendo do ângulo que se observa. Desse modo, os casos de
suicídio ocorridos na Microrregião e Vale do Piancó podem despertar diferentes
reações em quem se depara com tais notícias, porém no indivíduo que procura
despertar suas impulsões artísticas, certamente as circunstâncias o levará a produzir
arte, ou seja, seu ponto de partida artístico foi despertado. Posso assim afirmar que
fui impulsionado a criar a série Vale do Piancó como desdobramento de todo esse
processo de busca por dados e sensibilidade poética para com os casos em
questão.
Imergido no ambiente de pesquisa, levei em consideração para minha criação
videoartística as condições humanas e socioculturais do grupo ou indivíduo
observado nas reportagens que li. Nesse sentido, entendo que relações sociais que
envolvam afinidades, conflitos étnico-raciais, religiosidades, memórias individuais e
coletivas, códigos de ética e valores linguísticos são materiais essenciais para uma
discussão poético-teórica e a criação de um material artístico. Assim, foram diversos
os aspectos da natureza humana que pude coletar nos jornais online da
Microrregião e do Vale do Piancó, através de narrativas que possibilitaram minha
imersão nesse universo, para em um segundo passo produzir vídeos artísticos que
56

sugerissem uma aura sobre tais casos, sem, no entanto, descrever tais casos de
maneira literal ou documental.
Foi por meio de imagens videográficas que procurei expor um sentimento
particular sobre tal tema, poetizando em representações visuais as próprias
circunstâncias que, segundo os relatos inscritos em jornais virtuais, levaram os
indivíduos da Microrregião e do Vale do Piancó ao suicídio. Insatisfação pessoal,
vazio existencial e a esperança de um alívio são temas que se entrelaçam nas
narrativas dessas videoartes. Seus personagens, silenciosos, expõem suas
angústias em tons de desesperanças e suspiros esperançosos em um futuro melhor,
revelado em atos suicidas.
A estética da câmera caseira desfocada da primeira videoarte da série,
intitulada Vale do Piancó # Coremas17, dá o tom de proximidade entre o protagonista
do vídeo, que percorre entre a interpretação e a performance, e o próprio
expectador. Essa estética se aproxima com o que Machado já averiguou em outras
obras no decorrer da história da videoarte:

A maioria dos trabalhos produzidos pela primeira geração de


realizadores de vídeo consistia basicamente no registro do gesto
performático do artista. Dessa forma, consolida-se o dispositivo mais
básico do vídeo: o confronto da câmera com o corpo do artista
(2003,p. 19) [...] A situação mínima de uma performance diante da
câmera, tomada em tempo real num único plano por uma câmera fixa
(2003,p.20) [...] A simplicidade formal, de uso moderado da
tecnologia, de inserção “narcísica” do próprio realizador na imagem e
de auto-exposição pública (MACHADO, 2003,p.15).

Estas propriedades, apontadas por Machado, são as que mais encontram


pontos em comum com a videoarte Vale do Piancó # Coremas, pois esta obra se
mistura bastante com o conceito de performance e também, por ser um vídeo de
uma só cena em tomada única, explora, dentre as amplitudes de experimentalismos
que a videoarte pode proporcionar ao videomaker, o que Rush classificaria como
“um meio de expressão intensamente pessoal”. (2006, p. 103), justamente por se
fazer em ambiente aberto e público, porém deserto e solitário, portanto, pessoal.
Esta videoarte se propõe a ser interpretada como um vídeo alusivo a
ambientes oníricos, se complementando como uma ação performática que se
ausenta da interatividade direta com o público, onde o corpo do artista se defronta

17
Filmado em 2012, duração 04’47”
57

apenas com a lente da câmera, criando um embate entre vídeo e performance, no


que Mello (2008) diz ser videoperformance - o limite entre corpo e câmera, ação e
resultado, início e fim.

Figura 06: Frame do Vídeo Vale do Piancó # Coremas


Acesso: http://youtu.be/ZFgSAkioHGw

É nesse ambiente pessoal e onírico que esse trabalho se concretizou,


tratando o tema “suicídio” de forma subjetiva e criando uma paisagem que levanta
questões sobre o antes e o depois do ato suicida em si, subvertendo assim o papel
do tempo na narrativa videográfica.
Vale do Piancó # Coremas traz imagens impregnadas em um espaço
atemporal, onde não se pode ter certeza se o protagonista já se suicidou e agora
vive um suposto alívio de um pós-morte, ou se ele está executando o ato de se
matar no momento em que o vídeo está sendo filmado. É nessa paisagem única que
essa videoarte se fez, contrastando com as demais videoartes que compõem a série
Vale do Piancó, que na maioria das vezes, ou demonstra flashes e lapsos de
imagens relativas à imaginação do personagem protagonista, ou dá literalmente a
resposta temporal da consumação de um suposto ato suicida.
As outras obras que compõem a Série Vale do Piancó, mesmo submergidas
nas propostas da videoarte, procuram se misturar com outras linguagens do vídeo e
do cinema. Nesses trabalhos – Vale do Piancó # Pedra Branca e Vale do Piancó #
Boa Ventura – é possível perceber narrativas muito mais afeiçoadas com a
58

linguagem cinematográfica que se nomeia curta metragem, principalmente por


apresentar certa métrica típica das leis da continuidade18 cinematográfica.
Na videoarte Vale do Piancó # Pedra Branca19 o roteiro é mais esmiuçado, os
planos mais esquematizados, a fotografia mais polida, entre outros aspectos, porém
essa videoarte foge dos padrões de construções de narrativas clássicas do cinema
20
pela forma como a narrativa é contada.

Figura 07: Frame do Vídeo Vale do Piancó # Pedra Branca


Acesso: http://youtu.be/QfhmoQW1dDQ

Subvertendo as normas das narrativas cinematográficas clássicas, essa


proposta sugere várias conclusões, ficando aberta às interpretações pessoais de
cada expectador. A abordagem traz à tona tanto o jogo do apego que o público terá

18
Continuidade é a consistência lógica das características que perpassam de um plano a outro, ou
seja, uma organização perfeita das posições dos objetos que compõem o cenário, das roupas dos
atores, dos posicionamentos dos personagens etc, estes elementos não devem se alterar nas
mudanças de planos, enquadramentos, focos, cenas etc, a menos que faça parte da ideia do filme
em questão.
19
Filmado em 2013, duração 06’02”
20
Roteiros que seguem a lógica cinematográfica clássica: incialmente são apresentados os
personagens, em seguida são caracterizados os mocinhos e vilões, assim surge a problemática que
os envolvem, vêm-se o clímax do enredo, concluindo-se com a solução da problemática e a moral da
história, ou seja, o desfecho do enredo.
59

ao personagem protagonista, que obviamente não explicita seu fim, como o


envolvimento do expectador ao dar um término ao personagem da trama, decidindo
sobre a morte ou a recuperação do mesmo.
Nesse sentido esta obra inicia onde possivelmente se conclui, porém não se
pode falar em conclusão quando um fim não foi declaradamente dito, como afirmou
Duchamp, quando lhe perguntaram se suas obras Caixa Verde e O Grande Vidro
tinham sido finalizadas: “a palavra finalizar implica uma aceitação dos métodos
tradicionais e toda parafernália que os acompanha.” (DUCHAMP, citado por Cristina
Freire, 2007,p,140)21. Justamente nesse ponto, apresentado por Duchamp, que essa
videoarte desestabiliza o que se espera de uma proposta em vídeo, e assim
caminha numa vertente artística mais poética e contemporânea. Com essa
perspectiva, subverte e confunde o público que há muito anda acostumado com os
arremates e as conclusões extraordinárias e óbvias do cinema tradicional e
apresenta uma proposta aberta ao jogo das interpretações e leituras possíveis do
tema suicídio.
Essa atemporalidade que pode estar presente em uma videoarte foi apontada
por Martin (2006), ao falar sobre o videoartista Bill Viola. Para o autor, o vídeo possui
uma ampla possibilidade de manipulação e a noção de tempo e espaço podem ser
constantemente usurpadas e subvertidas por meio da videoarte. Nesse sentido não
se pode falar em início, meio e fim, nem em duração específica quando se observa
uma videoarte22. Poesia pode não ter tempo, espaço, linearidade, tamanho etc, pois
poesia está muito mais voltada para o nosso plano afetivo, cujo objetivo está
centrado mais em sentir as palavras que entendê-las. Nessa direção encontra-se a
videoarte, assim é Vale do Piancó # Pedra Branca, sem tempo, espaço, métrica,
continuidade etc, pois esta proposta se constitui como poesia e não como prosa.
Ainda sobre essa vertente poética da videoarte, Azevêdo (2014)23 explica:

Quem define o recorte do olhar e onde as imagens se encaixam é o


sujeito, não tendo regras que definem o resultado, mas os pontos de
vista e estes se encaixam no presente, talvez por não ter
propriamente uma estrutura linear em que o tempo não descreva
algo determinado, um começo, meio, fim, ele se afirme sempre em
algum presente e consequentemente em alguma pessoalidade.

21
KUH, Katharine,The Artist’s Voice . Nova York: Harper et Row, 1962, p. 81.
22
Na primeira exibição de Vale do Piancó # Pedra Branca, no Museu Assis Chateaubriand ( MAC-
PB), muitos comentários tiveram o seguinte questionamento: “Eu não entendi o fim do filme”.
23
Ideia apresentada em seu artigo intitulado Intermitência: um processo do “Eu vejo”
60

Por isso é importante lembrar a riqueza de detalhes, da qual Vale do Piancó #


Pedra Branca se compõe. Os planos detalhes24 se fazem presentes, se
aproximando do que Machado explica:

O vídeo acabou se revelando o meio adequado para explorar


questões ligadas aos sentimentos humanos, aos afetos e desafetos,
a toda uma intimidade que se pode ler sobretudo no rosto, no close-
up do personagem, ou nos detalhes dos objetos que traduzem o seu
mundo. Uma outra linha de força do vídeo brasileiro é, portanto, a
obra em tom menor, feita de detalhes íntimos, de paixões secretas,
de sussurros inarticulados, de mãos que se apertam, de gritos mudos
parados na garganta, de angústias ainda não formuladas
(2003,p.43).

Assim é Vale do Piancó #Pedra Branca, uma videoarte repleta de ícones


sensitivos que aos poucos vão revelando a aura afetiva dessa obra, cujas
experiências e desesperanças relacionadas ao amor e o cotidiano se misturam a um
suposto alívio em relação à própria vida do personagem protagonista.
Esse foi o único vídeo da série Vale Do Piancó feito com uma equipe,
composta por dois diretores, um roteirista, dois atores, uma produtora e um diretor
de som. Trabalhar em equipe possibilitou um melhor aprimoramento na produção da
obra, no qual variados palpites, ideias, sugestões puderam enriquecer o trabalho.
Com a equipe, pudemos acrescentar à produção aspectos do teatro e da música,
através de profissionais destas áreas, tal como Raquel Ferreira, atriz que trabalhou
comigo na direção, Kelner Macêdo, ator principal da obra, Eliza Garcia, musicista
que produziu a trilha sonora e, obviamente, os profissionais das artes visuais,
Wagner Falcão e Gabriela Teixeira Adloff.
Em outra perspectiva, Vale do Piancó # Boa Ventura25 apresenta-se como um
vídeo repleto de continuidades e uma trama amarrada, porém é no método de
produção que talvez essa obra se caracterize como videoarte. Esse trabalho foi
produzido em um momento que estive muito próximo das produções de Rafael
França, no qual, mesmo explorando algumas técnicas do cinema, tais como
continuidades, planos e enquadramentos bem delineados e definidos, nunca deixou
de dar a cena principal a videoarte.

24
Plano que enquadra apenas uma parte do corpo do personagem, ou apenas um detalhe do
cenário, ou objeto. Por exemplo, o enquadramento nos olhos do personagem, típico de filmes de
terror.
25
Filmado em 2013, duração 04’11”
61

Figura 08: Frame do Vídeo Vale do Piancó # Boa Ventura


Acesso: http://youtu.be/-C4rttFPGSk

E assim é Vale do Piancó # Boa Ventura, uma obra que dialoga e se apropria
das normas cinematográficas, porém se caracteriza por uma produção de baixíssimo
custo, lembrando que o vídeo foi feito por apenas uma pessoa, que interpretou,
filmou, editou e sonorizou a obra. Proposta artística que se desenvolveu em um dia
chuvoso, onde sozinho, em casa, me debrucei sobre as leituras dos casos de
suicídio que tive conhecimento naqueles tempos. Imergido nesse ambiente pude
estabelecer meios suficientes para criar Vale do Piancó # Boa Ventura. Com uma
Pocket Câmera e um refletor improvisado saí do plano de ideias para a produção da
obra. E assim o fiz.
É importante lembrar que as leituras dos textos que descrevem os casos de
suicídio da Microrregião e do Vale do Piancó foram de fundamental importância para
esse processo de descoberta, desde o enfoque que seria dado aos meus trabalhos
artísticos, que iniciaram com os desenhos rabiscos, até sua culminância com a
videoarte. As circunstâncias que envolveram esses casos, reveladas nas
reportagens por meio de comentários dos jornalistas e dos familiares da vítima,
proporcionaram o desvelamento de cenas e problematizações em torno dessa
realidade, que deram base para um despertar poético sobre as dimensões diversas
do suicídio
62

Assim, foi imerso em tais relatos que pude elaborar pensamentos político-sociológicos e
obras artísticas, a fim de problematizar tais casos por meio de trabalhos poético-artísticos, tendo
como base as experimentações da videoarte.
63

CONCLUSÃO
A realização deste trabalho é fruto de um esforço para a compreensão teórica
de uma produção artística que desenvolvi com base em minhas experiências de
vida, de graduando em artes visuais e videartista. Com base nas discussões
apresentadas, foi possível, neste estudo, compreender aspectos técnicos, estéticos,
poéticos e conceituais presentes na série Vale do Piancó. Os três vídeos analisados
permitiram demonstrar como uma realidade sociocultural pode ser abordada por um
meio artístico e, principalmente, como tais realidades podem ser problematizadas
por variadas óticas, tais como antropologia, sociologia, psicologia e, no meu caso,
artes visuais.
Através das análises apresentadas, percorrer a Microrregião e o Vale do
Piancó levantando alguns aspectos que delimitam tais comunidades, abordadas
pelas óticas dos estudos antropológicos, socioculturais e das artes visuais. Para tal,
fora levantada problematizações a respeito da série de episódios relacionados aos
suicídios ocorridos nestas comunidades, afim de, pela ótica da videoarte, refletir
sobre tais casos.
A Microrregião e o Vale do Piancó faz parte do sertão paraibano e é uma
localidade repleta de fazeres culturais e gastronômicos, porém de 2011 à 2013
sofreu com desencadeamentos de suicídios que ocorriam mensalmente, em um
processo contínuo e gradativo. Nesse sentido, intrigado com tais episódios, fui
pesquisar sobre o tema do suicídio para então perceber que era necessário destacar
as condições socioculturais nas quais tais comunidades se encontravam. A
qualidade de vida baixa, as dificuldades de produção agrícola, os problemas
climáticos, geopolíticos e socioculturais foram, então, apontados como possíveis
agentes influenciadores de tais casos.
A partir dessa caracterização da região que noticiou os casos de suicídio,
revelei o meu encontro com essa realidade, , levantando, experiências e memórias
individuais acerca de boa parte da infância e adolescência vivida no Seridó da
Paraíba, onde pude estruturar diversas óticas poéticas, artísticas, políticas e
religiosas acerca da vida e dos olhares artísticos possíveis sobre as questões
humanas e sociais.
64

Buscando compreender o suicídio como um fenômeno contextual e, portanto,


sociocultural, as reflexões apresentadas nos levaram à compreensão de que a morte
voluntária tem ligações significativas com as condições sociais, econômicas e
culturais dos contextos de sua ocorrência. Com isso, podemos entender que as
formas de organizações político-sociais são de fundamental importância para se
entender a qualidade de vida de um determinado povo e, consequentemente, seus
problemas psicossociais, pois, conforme evidenciado acima, os aspectos políticos,
culturais, religiosos, econômicos e climáticos podem ser determinante na tendência
que um indivíduo pode ter em relação as doenças psicológicas e,
consequentemente, ao suicídio.
A arte, diante essa realidade, apresenta importantes perspectivas para a
abordagem crítica da sociedade. As relações entre arte e sociedade são, assim,
resultado de uma articulação entre produções artísticas e o fazer científico, ligado às
questões sociais e antropológicas. A videoarte e arte conceitual são apontados
como exemplificações concretas destas articulações, pois age como importantes
instigadores de reflexões políticas, sociais e antropológicas.
Assim foi possível entender que o suicídio é um fenômeno que não pode ser
compreendido a partir de uma ótica, estabelecendo consequências matemáticas
para tais casos, pois trata-se de situações muito específicas e, no qual, as mais
variadas ciências se dedicam a estudar, tais como psicologia, medicina, sociologia e
antropologia. Portanto, dentre as inúmeras óticas que se inter-relacionam a respeito
do tema do suicídio, entende-lo como fenômeno sociocultural e político foi à
abordada por este trabalho.
Caminhando, então, por todas essas fontes e estudos pude mostrar ao leitor a
minha trajetória artística, evidenciando minhas influências e meus posicionamentos
ideológicos, traçando, assim, um conectivo entre meus primeiros desenhos até os
últimos trabalhos em videoarte. Com isso expus meus primeiros encontros com o
cinema/videoarte e o desenrolar dessa experiência, tanto em minha vida acadêmica
e artística, quanto na pessoal. Foi por meio de uma leitura sobre meus desenhos
que pude revelar artistas que influenciaram diretamente na minha produção e com
isso trazer a tona a série Vale do Piancó.
Assim cada vídeo que compõe a série Vale do Piancó (Coremas, Boa Ventura
e Pedra Branca) foi esmiuçado afim de trazer reflexões de no mínimo dois pilares, o
da própria videoarte, enquanto desconstrução da tradicional lógica cinematográfica,
65

e o do embasamento poético e político do próprio produto artístico. Com isso pude


expor todo o processo de construção da série, desde sua imaterialidade enquanto
ideia até sua origem, quando, por fim, se fez em videoarte.
66

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