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Estudo mostra que 40% dos presos brasileiros

não foram condenados


por Beatriz Drague Ramos e José Antonio Lima — publicado 08/12/2017 11h29
Mais de 292 mil pessoas estão na cadeia, mas ainda não foram julgadas

Quatro em cada dez das 726 mil pessoas presas no Brasil não foram
condenadas pelo Judiciário. Esses 292 mil homens e mulheres são os presos
provisórios, que foram encarcerados no sistema prisional, mas ainda aguardam
julgamento. A informação é do novo relatório do Infopen, o Sistema Integrado de
Informações Penitenciárias, divulgado nesta sexta-feira 8 pelo Ministério da
Justiça. A quantidade de presos provisórios no Brasil tem variado pouco
recentemente. No levantamento do Infopen de junho de 2014, essa população
representava 41% do total. Em dezembro do mesmo ano, representava 40%.
Em dezembro de 2015, as pessoas sem julgamento somavam 37% do total.
Historicamente, o Brasil tem uma taxa de presos provisórios alta. De 2000
a 2004, a taxa caiu de 35% para 22% do total, mas desde então vem crescendo:
26% em 2004, 32% em 2009 e, agora, 40%. Por estado, a quantidade de presos
sem condenação varia bastante. As unidades da federação com as maiores
taxas são Ceará (66%), Sergipe (65%) e Amazonas (64%), enquanto Roraima
(17%), Amapá (23%) e Distrito Federal (24%) têm as menores taxas. Entre os
mais populosos, a Bahia e Minas Gerais têm as maiores taxas (58%), o Rio de
Janeiro tem 40% e São Paulo, 32%.
Em termos de percentual de presos sem condenação com mais de 90 dias
de aprisionamento, a pior situação é de Sergipe, em que 100% dos presos estão
nessa situação. Alagoas (91%) e Paraná (84%) aparecem na sequência. Na
melhor situação estão Rio de Janeiro (6%) e Distrito Federal (24%).
Em 2015, CartaCapital publicou reportagem sobre estudo do Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) que examinou 1.330 casos de
pessoas presas em flagrante e acusadas de tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
A pesquisa revelou excesso e uso indevido de prisões provisórias, o que gera
um grande peso para o orçamento, um enorme custo humano e agrava o caos
carcerário.
População carcerária cresce 19,5% em dois
anos e chega a 726 mil pessoas
por Beatriz Drague Ramos e José Antonio Lima — publicado 08/12/2017 11h17, última modificação 08/12/2017 12h54
Entre junho de 2014 e junho de 2016, 118 mil pessoas foram parar no sistema
prisional brasileiro. Há praticamente dois presos para cada vaga

Pela primeira vez na história, a população carcerária brasileira


ultrapassou a marca de 700 mil pessoas. Em junho de 2016, havia 726 mil presos
no sistema penitenciário nacional, um crescimento de 19,5% em relação aos 607
mil registrados em junho de 2014. Os dados são do Infopen, o Sistema Integrado
de Informações Penitenciárias, divulgado nesta sexta-feira 8 pelo Ministério da
Justiça.
Como mostra o relatório, o crescimento da população prisional é uma
tendência no atual período democrático brasileiro. Em 1990, eram 90 mil
pessoas presas, número que foi a 232 mil no ano 2000. Em 2010, havia 496,3
mil presos e agora são 726 mil. Se fosse uma cidade, a população prisional seria
a 25ª maior do Brasil, entre João Pessoa, a capital da Paraíba, e Santo André,
na Grande São Paulo. No total, de 1990 a 2016, a população carcerária teve um
aumento de 707%. O estado de São Paulo concentra 33,1% de toda a população
prisional do País, com 240 mil presos. Roraima tem a menor população prisional,
com 2.339 pessoas detidas.
Além de mostrar o tamanho da população carcerária, o Infopen revela que
essas pessoas são submetidas a condições degradantes. Apesar de abrigar 726
mil homens e mulheres, o sistema prisional brasileiro tem apenas 368 mil vagas.
Há portanto 358 mil vagas a menos que o necessário, uma taxa de ocupação de
197,4%, o que significa que há praticamente dois presos por vaga. Ainda
segundo o levantamento, 40% dos presos são provisórios, ou seja, jamais foram
julgados e condenados pelo Judiciário.
A alta do número de presos se dá em um contexto no qual o Brasil é
campeão mundial de assassinatos, com mais de 61 mil registrados em 2016.
Ocorre que apenas 11% dos presos estão encarcerados por homicídio. A maior
parte está detida por crimes contra o patrimônio, como roubo e furto (37%), e por
tráfico de drogas (28%).
Como mostrou reportagem de CartaCapital publicada no início da
semana, somente seis estados do Brasil disponibilizam dados sobre
investigações de homicídios, mas nenhum deles os sistematizam, um descaso
por parte dos governos segundo especialistas.
Em 2015, o Brasil regulamentou as audiências de custódia, cujo objetivo
é apresentar os presos ao Poder Judiciário em até 24 horas após sua prisão. O
instrumento poderia ajudar a reduzir a quantidade de presos provisórios, mas
ainda não é utilizado de forma efetiva em todo o País.
Se cadeia resolvesse, o Brasil seria
exemplar
por André Barrocal — publicado 02/03/2015 04h31, última modificação 03/03/2015 09h59

O País é o segundo que mais prendeu em 15 anos, mas continua sendo


recordista mundial de homicídios

O mineiro A.M.P. foi preso em flagrante em 2013 ao tentar furtar uma moto
no Rio de Janeiro. Dois anos antes, entrara em vigor uma lei que estimula os
juízes a aplicar penas alternativas, entre elas o uso de tornozeleira eletrônica ou
o pagamento de fiança. A ordem de prisão, supunha-se, deveria ficar reservada
a situações mais graves. Para A.M.P., não adiantou. Por ser réu primário e não
ter antecedentes, a promotoria sugeriu uma punição inicial branda, mas a juíza
condenou-o a 12 meses de prisão preventiva, sob o argumento de evitar
ameaças à sociedade, até a decisão final sobre o caso. O rapaz foi solto em
2014 e hoje mora em local incerto, o que impede sua intimação para um
julgamento no qual o Ministério Público propõe anular todo o processo.
A história de A.M.P. é ilustrativa de uma epidemia que tomou conta do
Brasil nos últimos anos. O País ficou viciado em prender e faz pouco caso de
outras soluções, talvez mais produtivas e inteligentes, situação que já causa
desconforto em autoridades. Entre delegacias e presídios, os cárceres
brasileiros amontoavam 581 mil detentos em dezembro de 2013, último dado
oficial disponível. Segundo estimativas extraoficiais, no fim de 2014 esse total já
havia ultrapassado os 600 mil, entre condenados e réus à espera de julgamento.
É a quarta maior população prisional do planeta, atrás de Estados Unidos, China
e Rússia. E cresce em ritmo alucinante. De 1995 a 2010, subiu 136%, porcentual
abaixo apenas daquele registrado na Indonésia (145%). No ritmo atual,
o Brasil chegará ao bicentenário de sua independência com 1 milhão de
reclusos.
O que para alguns parece boa notícia não justifica festejos. O fantasma
da cadeia como punição não tem conseguido conter os assassinatos, o crime
mais danoso que se pode cometer. O País é recordista mundial em homicídios,
cerca de 60 mil por ano. O número só aumenta, apesar do encarceramento
massivo. Foram 37 mil mortes em 1995, 45 mil em 2000 e 56 mil em 2012, último
dado conhecido. “Estamos naturalizando o superencarceramento no Brasil e isso
é preocupante. Prendemos muito e errado. O sistema não consegue se
concentrar nos crimes contra a vida”, diz o diretor do Departamento Penitenciário
Nacional, Renato de Vitto.
Uma parcela ínfima, 12%, está presa por assassinato. O índice de resolução
desse tipo de crime é ridículo, entre 5% e 8% dos casos. O latrocínio, roubo com
morte, representa 3%. O grosso da massa carcerária é formado por criminosos
menos agressivos. Roubo e tráfico de drogas representam cada um 26%. Há
ainda 14% por furtos (roubo sem violência) e 20% de casos considerados leves.
O sistema é um sumidouro de verbas. Entre presídios e unidades
socioeducativas, em 2013 foram gastos 4,9 bilhões de reais, segundo o
último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A despesa média com cada
preso, informa o Depen, situa-se entre 2,5 mil e 3 mil reais por mês (valor
aproximado do investimento anual com alunos da rede pública).
Os gastos não dão conta, porém, da sanha encarceradora. São necessárias 216
mil vagas novas para acomodar em condições decentes a massa hoje presa.
Sem isso, assistem-se à superlotação das cadeias e a um ciclo vicioso. Do jeito
que as cadeias brasileiras estão – lotadas, sem controle do poder público e
entregues ao domínio do crime organizado –, não resta dúvida, dali ninguém sai
melhor, só pior. “Presídio é um ambiente criminógeno. Prender deveria ser
exceção, não regra”, defende o juiz Luís Geraldo Sant’ana Lanfredi, coordenador
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do
Conselho Nacional de Justiça. “O sistema é medieval. Nele não existe nenhuma
possibilidade de ressocialização”, afirma Maria Laura Canineu, diretora no Brasil
da Human Rights Watch, entidade que há um mês divulgou um relatório sobre a
caótica situação no País.
O complexo penitenciário de Curado, no Recife, é o exemplo mais recente
do risco de o encarceramento lotar as cadeias e estas se transformarem em
escolas de crime. O governo de Pernambuco enfrenta uma rebelião desde o
início do ano, motivada pela superlotação. O local tem capacidade para 2 mil
detentos, mas abriga quase 7 mil. Na fúria intramuros, não faltaram foices,
facões e barbárie. O preso Marco Antonio da Silva, de 52 anos, foi decapitado
pelos colegas.
É sintomático que a crise tenha eclodido em Pernambuco. O estado
apostou nas prisões em massa no combate ao crime. Sob o comando do falecido
Eduardo Campos, criou-se o programa Pacto Pela Vida, para coibir
assassinatos. De lá para cá, a população carcerária triplicou. Soma hoje 31 mil.
Suas cadeias aguentam, porém, não mais que 11 mil detentos. A situação ficou
tão crítica que o governo tem repensado sua estratégia. “É importante adotarmos
mais as penas alternativas, para os jovens não serem capturados por quadrilhas
nos presídios”, especula Pedro Eurico, secretário estadual de Justiça.
A tornozeleira eletrônica, de monitoramento por GPS, é uma opção.
Segundo estimativas, 21 mil estão em funcionamento e outras 30 mil, prontas
para uso. É uma opção mais econômica também. Custa 10% das despesas com
encarcerados. Prisão domiciliar é outro caminho, percorrido por 147 mil presos.
Uma lei de 2011 tentou estimular a aplicação de medidas alternativas. Em vão,
pelo que indicam as estatísticas.
A explicação talvez esteja na “cultura do encarceramento”, apontada
recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, como um dos “problemas mais sérios” do Judiciário. Nunca um
chefe da mais alta Corte do País havia se pronunciado assim sobre o tema, nem
perante colegas de toga. A manifestação pública deu-se no lançamento de um
programa-piloto que tentará “quebrar” essa “cultura”.
Desde a terça-feira 24, o Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, o maior
da América Latina, passou a realizar as chamadas audiências de custódia.
Presos em flagrantes têm de ser levados pela Polícia Civil a um juiz em até 24
horas após a detenção. Normalmente o suspeito espera em uma delegacia de
100 a 120 dias, antes do tête-à-têteem São Paulo. Nas audiências, uma equipe
de nove juízes faz uma primeira triagem. Com base nos antecedentes do
acusado, no relato da polícia e na versão do preso, decide se há razões para
uma prisão até o processo ser julgado ou se podem ser aplicadas alternativas.
O procedimento está previsto em tratados internacionais e busca prevenir
sobretudo a tortura. Um efeito colateral positivo poderia ser o desestímulo ao
encarceramento. Ao menos na expectativa de Lewandowski, pois a decisão não
será tomada só com base em papéis.
Uma experiência pioneira no Maranhão levada adiante após a crise em
Pedrinhas, no verão passado, sugere que a iniciativa pode dar algum resultado.
Relatório concluído em janeiro contém um balanço de 84 audiências realizadas
entre outubro e dezembro. Desse total, 48,8% terminaram sem ordem de prisão.
Para o juiz autor do relatório, Fernando Mendonça, o resultado foi positivo. Como
as prisões maranhenses estão dominadas pelo crime organizado, é benéfica a
seletividade no encarceramento e a separação entre quem é perigoso e quem
praticou um crime ocasional ou episódico. Se as audiências forem adotadas
como regra no País, escreveu Mendonça, “ficará para trás o estigma das prisões
abundantes, inúteis e de qualidade técnica duvidosa”.

Nem tudo é otimismo. Responsável por implantar o projeto em São Paulo,


a juíza Márcia Helena Bosch, da Corregedoria do Tribunal de Justiça, vê um
“equívoco” na ideia de que a audiência de custódia vai agir para esvaziar cadeia,
pois há “um problema muito grave de criminalidade”. “A audiência de custódia
tem sido vendida como uma panaceia para o encarceramento e isso não é
verdade”, concorda Paulo Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária. Ele
aponta, porém, outra razão: o conservadorismo de toga. “Os mesmos juízes que
hoje prendem provisoriamente e condenam por motivos absurdos são os
mesmos que estarão na audiência.”
A opção pelas prisões em massa remonta aos anos 80 e 90, em linha com uma
tendência mundial. A ideia de recuperação dos criminosos enfraqueceu-se, em
boa medida, por causa de iniciativas surgidas nos Estados Unidos, a exemplo
da política de tolerância zero. Venceu a “linha-dura”, defensora da segregação
de quem comete um delito. Para Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da
Universidade Federal do Rio de Janeiro e especialista em criminologia, apesar
de seguir uma tendência mundial, o encarceramento massivo no Brasil tem suas
peculiaridades, a começar pelo foco em crimes contra o patrimônio (furtos,
roubos) e drogas. “O aumento do encarceramento aumenta a violência, todos os
estudos mostram isso.”
Segundo o acadêmico, uma medida imediata de desafogo das prisões
deveria ser a descriminalização da posse de drogas, como acontece em Portugal
há anos, no estado norte-americano do Colorado desde 2014 e no Uruguai a
partir deste. A lei em vigor, de 2006, foi um dos principais combustíveis do
abarrotamento das cadeias. Desde sua edição, somaram 100 mil as prisões por
tráfico.
A lei atual criminaliza o uso, embora não chegue a prescrever punição
com cadeia nestes casos. Determina advertências sobre os malefícios,
prestação de serviços comunitários e a participação em cursos educativos. O
problema é existir uma linha tênue de interpretação entre quem é usuário e quem
é traficante, riscada pelo policial, primeiro, e pelo juiz, depois. É bem mais
comum o enquadramento como traficante, crime para o qual a pena é a de
reclusão.
A história do publicitário gaúcho Alexandre Thomaz é um exemplo desse
rigor excessivo. Em 2002, ele descobriu um câncer na garganta. Deixou de sentir
sabores, perdeu a fome e peso. Por conselho médico, descobriu na internet que
a maconha estimula o apetite. Plantou pés de cannabis em um sítio. Em 2009,
graças a uma denúncia anônima, foi preso como traficante. Está em liberdade,
mas responde a processo por tráfico e pode pegar de 5 a 15 anos. “Os cidadãos
não sabem o que é tráfico. Têm uma imagem a respeito, mas não sabem o que
se encarcera como tráfico no Brasil”, explica Carvalho.
Essa mistura da imagem entre usuário e traficante tem alguns
responsáveis, entre eles a mídia, que estimula o clima de medo alimentador das
políticas públicas de encarceramento em massa. O papel de jornalistas no
tratamento da criminalidade dispensado por governos, tribunais e parlamentares
mereceu um estudo em 2012 na Fundação Escola do Ministério Público do
Paraná. O trabalho intitula-se “A influência da mídia no processo penal brasileiro
e seus reflexos no julgamento dos crimes” e deixa os meios de comunicação em
maus lençóis, especialmente aqueles programas “pseudojornalísticos” na linha
Ratinho, Datena e congêneres.
O autor do estudo, Fernando Michalizen, analisou uma série de leis
aprovadas no Congresso e identificou, quase sempre, algum escândalo midiático
por trás. Dois casos relatados: a Lei de Crimes Hediondos surgiu em 1990 após
uma onda de sequestros de figurões, incluídos aqueles dos empresários Roberto
Medina e Abilio Diniz, noticiados sem trégua dia e noite. Quatro anos depois, o
Congresso incluiu na lista de crimes hediondos o homicídio qualificado,
resultante da intenção de matar. Motivo? O assassinato em 1992 da atriz global
Daniela Perez por um colega de novela.
A tentativa de mudar a Lei de Crimes Hediondos para moderar a onda
encarceradora caiu, ela mesma, na armadilha midiática, segundo o estudo. Em
2004, o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, defendeu a revisão da
lei, que lista uma série de crimes que podem ser chamados de “os piores” para
os brasileiros. Homicídio doloso, latrocínio, estupro e extorsão mediante
sequestro ou seguida de morte, entre outros. Para estes, a lei de 1990 não
admitia nem redução da pena após certo tempo de cadeia. Bastos defendia o
combate à cultura do encarceramento e o desafogo dos presídios. Foi alvejado
pela mídia, segundo Michalizen, que enxergou no noticiário uma predileção por
mostrar o ministro como alguém disposto a soltar milhares de criminosos.
A cultura do medo disseminada pelos meios de comunicação é só um dos
obstáculos ao debate do encarceramento massivo. E não só no Brasil. Ministro
da Corte Suprema da Argentina e vice-presidente da Associação Internacional
de Direito Penal, Eugenio Raúl Zaffaroni acredita que o mundo moderno no fundo
gosta da situação. As sociedades atuais são excludentes e precisam se livrar
dos indesejados. Sistema prisional que não recupera ninguém e parece um
matadouro ou uma universidade do crime seria o bueiro perfeito. As elites
políticas e econômicas não sujam as mãos. “Quanto mais se matem os pobres,
melhor. Esse é o programa das sociedades excludentes”, resume Zaffaroni.
Como as prisões provisórias
agravam o caos carcerário
por Marcelo Pellegrini — publicado 23/11/2015 04h25

Estudo aponta para excesso e uso indevido de prisões provisórias por tráfico.
Ao final do processo, apenas 45% dos presos provisórios foram presos
A situação prisional brasileira é caótica, com frequentes violações dos
Direitos Humanos, baixa reinserção social e uma expansão em ritmo acelerado
do número de pessoas presas, o que alça o Brasil à condição de quarto país que
mais encarcera no mundo.
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) revelam que os fatores
que mais contribuem para este rápido crescimento são uma legislação incapaz
de diferenciar o consumo e o tráfico de drogas (crime que mais prende no País)
e o alto número de presos provisórios (41%), aqueles que ainda não
foram julgados e aguardam presos.
O estado do Rio de Janeiro é simbólico desta realidade. De cada quatro
réus acusados de envolvimento com o tráfico de drogas no Rio, três ficaram
presos provisoriamente enquanto aguardavam julgamento em 2013. No entanto,
apenas 45% deles foram condenados a uma pena de prisão. Isso significa
que em mais da metade dos casos as prisões preventivas foram indevidas.
Os dados são de um estudo do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESeC), que examinou 1.330 casos de pessoas presas em flagrante e
acusadas de tráfico de drogas no Fórum da Comarca do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento, se estas detenções desnecessárias fossem evitadas,
cerca de 8 milhões de reais seriam poupados do bolso dos contribuintes
cariocas. Este montante é o suficiente para custear mais de 15 mil alunos do
ensino fundamental no estado.

Além do valor financeiro, há também um custo humano para quem ficou


em média 7 meses detido à espera do julgamento. "Presos provisórios são
mantidos, na maior parte dos casos, em locais muito piores do que aqueles já
condenados", diz Julita Lemgruber, coordenadora da pesquisa e ex-diretora
geral do Sistema Penitenciário fluminense.
"São condições desumanas, com celas superlotadas e dominadas por
facções do crime organizado, que alimentam uma profunda sensação de
injustiça e que pode transformar pessoas acusadas de crimes sem violência em
indivíduos ressentidos. O custo humano é incalculável", afirma.
A explicação por trás do alto índice de prisões desnecessárias, segundo
Lemgruber, reside no conservadorismo do Judiciário e na ausência de uma
defensoria pública eficaz, um direito assegurado por lei.
"Há uma demonização das drogas e dos traficantes na sociedade em geral e no
Judiciário brasileiro, como se eles fossem os responsáveis pelos índices de
violência que vivemos. Quando, na verdade, a violência é uma consequência da
estratégia de guerra que adotamos para lidar com as drogas", afirma. Para ela, a
situação do sistema carcerário no Rio de Janeiro "só não é um escândalo porque
quem está sendo preso é o negro, pobre e favelado".
Além da coordenadora da pesquisa, parlamentares já denunciaram
o processo de criminalização da pobreza no estado, que se faz evidente nas
condenações por tráfico de drogas e nas prisões fluminenses. Entre os presos
no Rio de Janeiro, 71% são negros, enquanto apenas 51% da população
fluminense se declara negra.Pesquisas da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), por sua vez, também reforçam a percepção de que há um perfil
social e racial de quem é considerado usuário de drogas e outro de quem é
considerado traficante, sendo estes: pobres e negros.
"A maioria dos detentos provisórios são réus primários (80,6%), presos
com uma única acusação e desarmados (62,8%), carregando pequenas
quantidades de drogas e, muitas vezes, residentes em localidades onde ocorre
o comércio de drogas", afirma Lemgruber. "Estamos prendendo o pequeno
traficante ou aquele sujeito que é usuário, mas porque mora na favela e é negro
sempre será rotulado de traficante", complementa.
Os dados do estudo comprovam a percepção de Lemgruber. Em um
recorte com 242 casos, o estudo identificou que 68,6% dos réus foram detidos
com menos de 50 gramas de drogas. Um deles foi preso com 1,9 grama de
maconha e foi, posteriormente, condenado por tráfico de drogas apesar de, em
2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) ter considerado 480 gramas de
maconha uma quantidade compatível com o consumo.
A própria Secretaria Nacional de Drogas (Senad), órgão ligado ao
Ministério da Justiça, admite que a falta de critérios objetivos da Lei de Drogas,
que visava despenalizar o porte de drogas para consumo próprio em 2006, teve
um efeito oposto ao proposto: aumentou o encarceramento e imprimiu um teor
racista e social às prisões. Este perfil de presos é constatado em um raio-x do
sistema prisional. Hoje, dois em cada três detentos brasileiros são negros, com
baixa escolaridade e 56% deles são jovens, entre 18 e 29 anos.
Para Lemgruber, uma definição clara baseada nas quantidades de
drogas, que está sendo julgada no STF, é fundamental para evitar prisões
injustas. Um estudo publicado pelo International Drug Policy Consortium, e
desenvolvido pela pesquisadora Juliana Carlos na Universidade de Essex, no
Reino Unido, demonstra que se o critério espanhol de quantidade de drogas
fosse aplicado no Brasil, 69% dos presos por tráfico de maconha estariam livres.
Em comparação com os Estados Unidos, o percentual cairia, mas ainda assim
libertaria 34% de brasileiros.

Sem direito à defesa

Outra razão para que detentos provisórios fiquem mais de 220 dias presos
à espera do julgamento é a falta de estrutura da Defensoria Pública no estado.
Entre os casos estudados, dois em cada três réus foram assistidos por um
defensor público. O tempo médio para a primeira intervenção da defesa, no
entanto, foi de 50 dias.

"O réu demora muito tempo para se encontrar com o defensor, no Rio de
Janeiro, e quem precisa deste serviço são pessoas pobres que não têm nem
clareza de seus direitos", ressalta Lemgruber. Prova disso é que cerca de 97%
desses presos não contavam com nenhuma assistência jurídica no momento em
que o auto de flagrante foi lavrado na delegacia. Estes dados demonstram a
necessidade do estado fluminense investir na contratação de mais defensores
públicos e na estruturação do órgão a fim de garantir o direito de defesa, previsto
em lei. "É preciso estruturar a defensoria para que ela tenha mais defensores e
para que possa contar com o auxílio de outros profissionais, como um assistente
social, por exemplo", afirma a coordenadora.
"Muitas pessoas são presas na rua, sem documentos, e a defensoria não
entra com o pedido de liberdade provisória porque falta documentação. Não
basta aumentar o número de defensores é preciso contar com outros
profissionais que vão às ruas coletar documentos, buscar a família e contatar
testemunhas", explica.

No Rio de Janeiro, a busca por testemunhas a favor do réu é ainda mais


importante do que em outros estados. Isso porque o Tribunal de Justiça do
estado (TJ-RJ) possui uma determinação, chamada de Súmula 70, que sustenta
que a acusação por tráfico de drogas seja sustentada apenas no testemunho
policial. "O déficit de defensores e a Súmula 70 são duas coisas que precisam
acabar porque comprometem a legitimidade do processo penal", argumenta a
ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro.
Em quase 90% dos casos em que a Justiça pediu provas testemunhas,
descobriu-se que em cerca de 77% dos julgamentos as testemunhas citadas
eram fictícias ou sem endereço onde pudessem ser localizadas.
Dos 39 mil presos no estado do Rio de Janeiro, 46% são provisórios. Este
percentual está acima da média nacional (41%) e é mais que o dobro dos
parâmetros considerados razoáveis internacionalmente (20%). Nos últimos 15
anos, o Brasil foi o segundo país que mais prendeu pessoas e viu sua população
carcerária atingir 607 mil presos, em 2014.
Com 726 mil presos, Brasil tem terceira
maior população carcerária do mundo
Publicado em 08/12/2017 - 14:18

Por Andreia Verdélio – Repórter da Agência Brasil Brasília

O total de pessoas encarceradas no Brasil chegou a 726.712 em junho de


2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve um crescimento de mais
de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios, ou seja, ainda não
possuem condenação judicial. Mais da metade dessa população é de jovens de
18 a 29 anos e 64% são negros. Os dados são do Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (Infopen) divulgado hoje (8), em Brasília, pelo
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça.
O sistema prisional brasileiro tem 368.049 vagas, segundo dados de junho
de 2016, número estabilizado nos últimos anos. “Temos dois presos para cada
vaga no sistema prisional”, disse o diretor-geral do Depen, Jefferson de Almeida.
“Houve um pequeno acréscimo nas unidades prisionais, muito embora não seja
suficiente para abrigar a massa carcerária que vem aumentando no Brasil”,
afirmou
De acordo com o relatório, 89% da população prisional estão em unidades
superlotadas. São 78% dos estabelecimentos penais com mais presos que o
número de vagas. Comparando-se os dados de dezembro de 2014 com os de
junho de 2016, o déficit de vagas passou de 250.318 para 358.663. A taxa de
ocupação nacional é de 197,4%. Já a maior taxa de ocupação é registrada no
Amazonas: 484%.
A meta do governo federal era diminuir a população carcerária em 15%.
Com a oferta de alternativas penais e monitoramento eletrônico, segundo
Almeida, foi possível evitar que 140 mil pessoas ingressassem no sistema
prisional. “E quase todos os estados estão com um trabalho forte junto aos
tribunais de Justiça para implementar as audiências de custódia, para que as
pessoas não sejam recolhidas como presos provisórios”, explicou o diretor do
Depen. Além disso, há a previsão da criação de 65 mil novas vagas para o no
próximo ano.
O Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas presas, atrás de
Estados Unidos e China. O quarto país é a Rússia. A taxa de presos para cada
100 mil habitantes subiu para 352,6 indivíduos em junho de 2016. Em 2014, era
de 306,22 pessoas presas para cada 100 mil habitantes.

Tipificação dos crimes


Os crimes relacionados ao tráfico de drogas são os que mais levam
pessoas às prisões, com 28% da população carcerária total. Somados, roubos e
furtos chegam a 37%. Homicídios representam 11% dos crimes que causaram a
prisão.
O Infopen indica que 4.804 pessoas estão presas por violência doméstica
e outras 1.556 por sequestro e cárcere privado. Crimes contra a dignidade sexual
levaram 25.821 pessoas às prisões. Desse total, 11.539 respondem por estupro
e outras 6.062 por estupro de vulnerável.

Perfil dos presos


Do universo total de presos no Brasil, 55% têm entre 18 e 29 anos. “São
jovens que estão encarcerados”, disse o diretor-geral do Depen. Observando-se
o critério por estado, as maiores taxas de presos jovens, com menos de 25 anos,
são registradas no Acre (45%), Amazonas (40%) e Tocantins (39%). Levando
em conta a cor da pele, o levantamento mostra que 64% da população prisional
são compostos por pessoas negras. O maior percentual de negros entre a
população presa é verificado no Acre (95%), Amapá (91%) e Bahia (89%).
Quanto à escolaridade, 75% da população prisional brasileira não
chegaram ao ensino médio. Menos de 1% dos presos tem graduação. No total,
há 45.989 mulheres presas no Brasil, cerca de 5%, de acordo com o Infopen.
Dessas prisões, 62% estão relacionadas ao tráfico de drogas. Quando levados
em consideração somente os homens presos, o percentual é de 26%.

Mais investimentos
De acordo com Almeida, os resultados do Infopen ajudam a direcionar as
políticas públicas para o sistema prisional e na correta aplicação dos recursos
financeiros, tanto da União quanto dos estados. O levantamento, em breve, será
substituído pelo Sistema de Informações do Departamento Penitenciário
Nacional (SisDepen), que vai coletar informações padronizadas e mais eficazes
sobre a situação dos presídios.
Segundo o diretor-geral, o Depen está investindo em políticas públicas
que qualifiquem a porta de entrada, de saída e as vagas do sistema, de forma a
propiciar um “ambiente prisional mais humano”. Almeida disse que o Depen
aplicará mais recursos em políticas de monitoramento eletrônico (tornozeleiras)
e de alternativas penais, para penas diferentes da privação de liberdade, além
de intensificar a implementação das audiências de custódia junto ao Poder
Judiciário. Além disso, as políticas com os egressos do sistema prisional serão
expandidas para que eles voltem a trabalhar.
O governo federal também continuará investindo na reforma, ampliação e
construção de unidades prisionais para que mais vagas sejam ofertadas. Serão
investidos recursos para módulos de saúde, educação e outros tipos de
ambientes “para que as pessoas possam cumprir as penas com maior respeito
à sua dignidade”.
Em dezembro de 2016, o Ministério da Justiça liberou R$ 1,2 bilhão aos
estados, do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), para construção de
presídios e modernizar o sistema penal. A medida veio após a edição da Medida
Provisória (MP) 755, permitindo a transferência direta de recursos do Funpen
aos fundos estaduais e do Distrito Federal. Em agosto de 2015, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que as verbas do fundo não podem ficar com saldo
acumulado. A decisão obrigou o Executivo a liberar o saldo acumulado do
Funpen.
Segundo Almeida, com a aprovação da MP que alterou a Lei
Complementar 79/94, esse ano o Depen vai repassar até 75% do Funpen; 10%
desse total aos municípios (para políticas de reintegração social) e 90% aos
estados, além das transferências voluntárias. O diretor-geral do Depen não
soube precisar os recursos que serão distribuídos até 31 de dezembro.

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