Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
REI:
LUTA DE CORTE E PODER
POLÍTICO
SECS. XVI-XVII
___________________________________________________
Dissertação
de Mestrado em História
JULHO 2008
Escreve-se sempre a história da guerra, mesmo quando se escreve a história da
paz e das suas instituições
Michel Foucault, Em defesa da Sociedade (1978)
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, não posso estar mais grato ao orientador deste trabalho, o
Professor Pedro Cardim, essencial na circunscrição dos problemas e na forma dedicada
como leu e releu os meus textos. Além do mais, vai já sendo lendária a forma generosa
como disponibiliza o seu precioso arquivo pessoal de fontes. Sem a sua orientação não teria
sido possível terminar esta tese.
O professor Nuno Gonçalo Monteiro, com que troquei impressões sobre algumas
das linhas gerais da investigação, foi determinante na construção do tema e no sublinhar da
comunicação política como análise central das relações de poder no Antigo Regime. Ao
Instituto de Ciências Sociais quero também agradecer as excepcionais condições de
trabalho possibilitadas no âmbito de uma bolsa de investigação.
Por último, mas desde sempre, agradeço à Margarida, a quem digo, parafraseando
Ruy Belo, «eu sei sou só isto, mas tu estás aqui».
OS SECRETÁRIOS E O “ESTADO” DO REI: LUTA DE CORTE E PODER POLÍTICO
SECS. XVI-XVII
[THE SECRETARIES AND THE “KING’S STATE”: ROYAL COURT
CONFLICT AND POLITICAL POWER SECS. XVI-XVII]
No século XVI, «secretário do rei» iniciou a sua acção como responsável pela dimensão
«mecânica da escrita» no «despacho régio» e assistiu o soberano, polarizando as funções de
«governo». Deste modo, os secretários foram adquirindo eficácia no tratamento dos «papéis».
Mas esta necessidade de eficácia só pode ser compreendida como resultado de tensões e
conflitos no interior da corte. A evolução do poder régio e a curialização do “sistema político”
decorreu a par do crescimento da estrutura da Secretaria de Estado, verificando-se, em
simultâneo, a exportação do modelo secretarial para outras instituições da Coroa. Esta
generalização das Secretarias e de uma cultura “política” cada vez mais assente na “burocracia”
veio sedimentar, lentamente, um outro paradigma de poder, muito menos afecto aos «modelos
jurídicos» e «polissidonais».
This study underlines the evolution of the role of the «secretary of state» and its
increasing technology, related to the courtier’s conflict and to the structuring of regal power
during the sixteenth and seventeenth centuries.
In the sixteenth century, the «king’s secretary» acted as the one responsible for the
«mechanics of writing» (technical writing in the «royal despatch») and was assisting the
sovereign, polarising the functions of «government». In this way, the secretaries acquired
growing efective efficiency dealing with «state papers». However this need for efficiency can
only be understood if seen as the outcome of conflicts and tension inside the court. The
evolution of royal power and the curialisation of the «political system» went alongside the
growth of the structure of the secretariat of state, and at the same time this secretarial model
was exported for other institutions belonging to the Crown. This standard spreading of
Secretariat offices and a political culture based more and more in a bureaucratic approach
slowly settled another paradigm of power, less related to «juridical models» and «polissidonais».
Therefore, the «secretary of state» occupied a growing space of favour for the
Portuguese Crown, inserting in its genetic code the coordination of the «despatch», and
“modernising” the system (through fiscal intervention, the control of war and regulation of the
“mercês”- payment for the use of honorary titles) as well as the king’s image before his
kingdom. The Secretariat of State emerges from an institution related with the giving of royal
advice, based on aristocracy and strengthened by the military ethos – with all the meanings of
discipline present in war – to become royal advice based on an illusive pacifier of conflict
relationships (widening of commercial practice, growing of business related notaries, fair
judgement of the “mercês”/benefits, careful pondering over decisions). This corresponds to a
«government» practice subject to an abstraction (efficiency in the political response to
intermediates of the King’s power, manipulation of information, tendency to quantify resource
distribution, new forms of power legitimacy and enlargement of royal power, reform of
dominance mechanisms).
During the sixteenth century, the «secretaries of state» fitted into a new social practice,
based on new techniques of dominance: information, decision, representation and distribution;
these techniques defined in detail new effects of power.
This way, the centralisation is confirmed by the secretariat of state, though its
chronology may anticipate the accomplishment of the «leviathan».
ÍNDICE
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1
1. A historiografia e os secretários................................................................................... 7
a) O chanceler-mor................................................................................................................................... 55
b) O «escrivão da puridade».................................................................................................................... 59
ANEXO I ............................................................................................................................. i
ANEXO II .......................................................................................................................... v
ABREVIATURAS e SIGLAS
biblio. - bibliografia
cap. - capítulo
cit. - citado
cod. - códice
coord. - coordenação
cx. - caixa
doc. - documento
ed. - edição
eds. - editores
fl. - folio
fls. - folios
introd. - introdução
leg. - legajo
Liv. - livro
mç. - maço
ms. - manuscrito
nº - número
off. - officina
org. - organização
pp. - páginas
pref. - prefácio
prof. - professor
reg. - regimento
rs - reis
t. - tomo
Tit. - título
ts. - tomos
vol. - volume
0. O quadro historiográfico
O tema do estudo que se apresenta pode ser resumido numa só pergunta: por que meios
e através de que processos se afirmaram na corte do rei de Portugal, entre os séculos XVI e
XVII, servidores especializados – tanto nos «papéis» como no «governo» – denominados
«secretários de estado»?
1Michel FOUCAULT, Les anormaux, Cours au Collège de France, 1974-1975, Gallimard/ Le Seuil, Paris, 1999 ;
L’herméneutique du sujet. Cours au Collège de France, 1981-198, Gallimard/ Le Seuil, Paris, 2001. Com implicações
decisivas para a historiografia institucional ver Il faut defendre la société. Cours au Collège de France. 1976, Gallimard/Le
Seuil, Paris, 1997; Securite, territoire, population Cours au Collège de France. 1978, Gallimard, 2004. Existem edições dos
cursos em português: Os anormais, Martins Fontes, São Paulo, 2005; A Hermenêutica do Sujeito, Martins Fontes São
Paulo, 2004 ; Em defesa da sociedade, Martins Fontes, São Paulo, 1999; Segurança, Território, População, Martins Fontes,
São Paulo, 2008.
1
genealogia dos saberes, as tecnologias de governo e a construção institucional da sociedade.
Embora a obra de Foucault tenha acabado por influenciar muito mais uma epistemologia do
discurso do que a metodologia historiográfica, muitos dos seus famosos livros contêm páginas
decisivas de teoria social, relacionando, definitivamente, o saber, a «ciência» e a escrita com o
exercício do poder .
Portanto, não é possível hoje ignorar que desde o século XVII, a civilização ocidental,
profundamente marcada por uma fulgurante estratégia discursiva jurisdicionalista, tem
encontrado recorrentes dificuldades para efectuar uma crítica dos sistemas de poder
«monárquicos» capaz de interpretar os quadros do direito, construídos, em grande medida, pelas
próprios jurisconsultos seiscentistas. Daí que expressões como «lei», «regra», «proibição»,
«soberania», «delegação», «representação», ou mesmo «poder político», continuem a marcar as
considerações sobre as organizações sociais do poder na época moderna sem a devida
problematização.
2 Michel FOUCAULT, A vontade de saber, História da sexualidade I , Relógio D'Água Editores, Lisboa, 1994, pp. 90-94.
3 Veja-se o clássico estudo de Denis RICHET, La France Moderne, L’esprit des institutions, Flammarion, Paris, 1992,
(primeira edição de 1973), sobretudo pp. 1-22, onde se anunciam muitas das linhas que fariam escola nos trinta anos
seguintes, dando preponderância ao espírito e à coerência lógica das instituições e menos ao seu articulado jurídico.
4 Otto Van HINTZE, « El Comissário en la historia de la administración », (1910), História de las formas Políticas,
2
produção de ideias e mentalidades – levada a cabo por P. Prodi e P. Costa – insuflou novo vigor
explicativo à contextualização histórica do direito5.
A partir desta fecunda metodologia, foram vários os estudos que ao longo da década de
1990, e já depois de 2000, procuraram sistematizar e descrever as inúmeras instituições,
praticando leituras estruturais e localizadas8, construídas a partir da crise do «paradigma
estadualista»9, o que resultou numa historiografia que constatou a pulverização do poder e a
5 J. V. VIVES, «La struttura amministrativa statale nei secoli XVI e XVII», Lo Stato moderno, vol. I, E. ROTELLI &
P. SCHIERA (ed.), Dal Medio Evo all'età moderna, Il Mulino, Bolonha, 1971, pp. 221-240 ; Paolo GROSSI, «Un altro
modo di possederi», l’emersione di forme alternative di proprietá alla coscienza giuridica postunitaria, Giuffré, Milão, 1977;
Bartolomé CLAVERO, Tantas personas como estados. Por una antropología política de la historia europea, Madrid 1986; Pietro
COSTA, Lo Stato imaginario, Metafore e Paradigmi nella Cultura Giuridica Italiana fra Ottocento e Novecento, Giuffré, Milão,
1986; António M. HESPANHA, As Vésperas dos Leviathan, Instituições e poder político, Portugal, sec. XVII, Almedina,
Coimbra, 1994, pp. 21-60.
6 António Manuel HESPANHA, «Justiça e Administração entre o Antigo Regime e a Revolução», Justiça e
MARAVALL, Estado moderno y mentalidad social, 2 vols., Madrid, 1972; Pierre CHAUNU, «L'État», Historie économique
et sociale de la France, vol. I, F. Braudel e E. Labrousse (dir.), PUF, Paris, 1977, pp. 11-228.
9 Uma outra tradição históriográfica na análise dos sistemas de poder dos séculos XVI-XVIII, com uma menor
recepção na historiografia portuguesa, tem insistido em pesquisas sobre a génese do “estado”, sobretudo no âmbito
da historiografia anglo-saxónica, mais preocupada com problemas de dinâmica histórica nacional e com a eficácia
das administrações, historiografia muito influênciada pelos estudos de J. M. Keynes e J. A. Shumpeter. Esta análise
dos processos de construção dos “estados modernos”, tem sido feita quer através da fiscalidade e do financiamento
do sistema político - custos de protecção dos negócios e processamentoda informação - quer pela descrição da
formação dos instrumentos do direito público, aspectos onde os secretários terão desempenhado papel
fundamental, J. STRAYER, On the Medieval Origins of the Modern State, Princeton University Press, Princeton, 1970;
The Rise of the Fiscal State in Europe, c. 1200-1815, Richard Bonney (ed.), Oxford, 1998. Uma boa síntese sobre a
3
fragilidade dos processos de centralização dos séculos XVI e XVII, sendo dada preferência à
descrição dos aspectos antropológicos e semiológicos das «relações políticas» do Antigo
Regime10.
Em todo o caso, tem sido destacado que esta « transformação » da história institucional
(o conhecimento das instituições, das biografias dos principais ministros, da dogmática jurídica)
não colmatou o estudo efectivo do poder como estratégia, conflito e “instrumentalização” do
governo: o trabalho do rei e dos seus ministros, as actividades dos gabinetes, as relações entre os
ministros e secretarias continuam, em larga medida, por conhecer11.
No que diz respeito à Coroa de Portugal, foi através das investigações de António
Manuel Hespanha que a historiografia institucional e a análise do poder iniciou a ruptura com o
«círculo vicioso» da teoria jurídico-política da soberania. Tanto o invulgar aparato empírico
como uma pouco habitual fundamentação teórica permitiram reapreciar explicações históricas
instituídas – algumas profundamente enraizadas desde o século XVII e confundidas com o
próprio discurso da época –, tal como a suposta «centralização régia» dos séculos XV a XVI.
Aliás, Vitorino Magalhães Godinho tinha sintetizado a pluralidade corporativa do reino, num
texto de inultrapassável alcance metodológico publicado em 1965, referindo-se ao poder de um
«rei que reina sobre um território no qual uma multiplicidade de senhores dominam»12.
utilização tardo-medieval e moderna do conceito de estado em Jean DUNBABIN, «Government», The Cambridge
History of Medieval Political Thought, c. 350-1450, J. H. Burns (ed), Cambridge University Press, 1988, pp. 477-519.
Uma excelente actualização e análise crítica das abordagens teóricas ao problema da formação dos Estados em Bob
JESSOP, « The State and the State Building », The Oxford Handbook of Political Institutions, Oxford Univertity Press,
2006.
10 Pedro CARDIM, «Politics and Power relations in Portugal (Sixteenth-Eighteenth Centuries), Parliaments, Estates
and Representation, Vol. 13, nº 2, 1993, pp. 95-108; Jean-Frédèric SCHAUB, «L’histoire politique sans l’état, mutations
et reformulations», Historia a debate, Outros enfoques, vol. III, Carlos BARROS (ed.), Santiago de Compostela, 1995,
pp. 217-235; Jean-Frédéric SCHAUB, «Le Temps et l’État: vers un nouveau régime historiographique de láncien
regime français», Quaderni Fiorentini, Per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, 25, Milano, 1996, pp. pp. 127-181;
Bartolomé CLAVERO, «Tejido de sueños: la historiografia jurídica española y el problema del Estado», Historia
Contemporanea, 12, 1996, pp. 25-47; Paolo GROSSI, «Un Diritto senza Stato, la nozione di autonomia come
fondamento della costituzione giuridica medievale, Quaderni Fiorentini, 25, 1996, pp. 279 e ss.; Pedro CARDIM,
Centralização Política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime, Separata, Nação e Defesa, IDN, nº
97, 1998; Alain GUERY, « Versailles, le phantasme de l’absolutisme (note critique) », Annales ESC, mars-avril 2001,
p. 507-517; Pedro CARDIM, «A Casa Real e os orgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de
Seiscentos», Tempo, vol. 7, nº 13, Julho, 2002 ; Lo Stato moderno in Europa, Istituzioni e diritto, Maurizio Fioravanti (org.),
Editori Laterza, Roma-Bari, 2002; Luca MANNORI & Bernardo SORDI, Storia del diritto aministrativo, Editori
Laterza, Roma – Bari, 2003.
11 Alexandre DUPILET et Thierry SARMANT, «Prélude à la Polysynodie, les projets politiques du chancelier de
4
de domínio régio tem sublinhado sobretudo a dimensão sistémica interna do “jurisdicionalismo”
e a sua eficácia na resolução de problemas de «governo»14. No que diz respeito às relações entre a
estrutura social, a transformação dos sistemas de poder e a emergência e ocaso do
«jurisdicionalismo», muito há ainda para explorar.
Um dos temas decisivos nesta abordagem, mais atenta às « tecnologias de poder », diz
respeito à mutação «governativa» da Coroa ao longo do século XVII e à emergência de uma
nova «prática do mando»15. Como sublinharam os estudos de José Subtil, desde finais do século
XVII, a influência crescente do «cameralismo», as contradições da «burocracia» e o
desenvolvimento de novas «atitudes processuais no tratamento do expediente» vão originar
práticas incompatíveis com o «jurisdicionalismo»16. Neste sentido, torna-se crucial avaliar a
afirmação dos oficias especializados nos «papéis» no decorrer deste processo, bem como
identificar as complexas relações entre o «jurisdicionalismo» (nas suas dimensões exógenas e
endógenas) e as novas técnicas de governo17.
***
14 António M. HESPANHA, «Os juristas como couteiros», Análise Social, 161, 2001, pp. 1183-1209.
15 A crítica da transformação do «governo régio» de um ponto de vista essencialmente «produdivo», com
identificação dos problemas do direito na apropriação das «rendas», foi feita por António M. HESPANHA, O
Estado absoluto, problemas de interpretação, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979.
16 José SUBTIL, O Desembargo do Paço, (1750-1833), UAL, Lisboa, 1996, pp. 183 e ss.
17 Duas recentes sínteses do problema, Carlos GARRIGA, «Orden jurídico y poder político en el Antiguo
Europa do Antigo Regime, colectânea de textos, António Manuel Hespanha (ed.), FCG, Lisboa, 1984, p. 12
5
rei em matéria de graça e governo, na sequência dos oficiais que, desde a idade média,
preparavam o despacho ou “desembargo do rei”»20. Esta descrição lançava o problema da
afirmação do «secretário» como função de poder no conjunto dos órgãos da Coroa: por que
razão surgiam afinidades latentes entre a cronologia da composição dos «secretários de estado»,
como especialistas dos «papéis», e a cronologia da mutação interna das «monarquias
corporativas»? Sabemos, é claro, que os secretários acompanharam a mudança dos paradigmas
de «governo». Combateram o « jurisdicionalismo » no discurso, a « polissidonia » nas decisões e a
« consulta » no estilo. Porém, terão sido um produto ou agente da mudança no que toca ao
exercício do poder régio? Como em muitos dos variados problemas de transformação histórica,
provavelmente, ambas as coisas.
Este estudo procura testar uma hipótese sobre a existência de relações profundas entre a
emergência do «secretário de estado», no contexto da “monarquia jurisdicionalista”, e a erosão
do velho mundo corporativo21.
6
geograficamente, ou com mais estreitas relações cortesãs (Monarquia Católica, reino de França e
o reino de Inglaterra) – esse material deve fornecer um primeiro enquadramento da questão e
deve ser tido em conta antes da apresentação da nossa perspectiva de trabalho sobre o tema.
1. A historiografia e os secretários
a) Os «secretários de estado» na Coroa de Portugal
22 «Observações sobre a verdadeira significação da palavra ‘Privado? De que usão nossos mais antigos documentos e
escritores», Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo XI, Parte II, 1835, pp. 169-176; «Memória sobre os
Escrivães da Puridade dos Reis de Portugal e do que a este officio pertence», Memórias da Academia Real das Sciencias
de Lisboa, t. XII, parte I, 1837, pp.153-218; «Memoria sobre os Chancelleres Mores dos Reis de Portugal,
considerados como primeiros Ministros do Despacho e expediente dos nossos soberanos», Memórias da Academia
Real das Sciencias de Lisboa, tomo XII, parte II, 1837, pp. 91-107.
23 António M. HESPANHA, «O projecto institucional do tradicionalismo reformista: um projecto de Constituição
de Francisco manuel Trigoso de Aragão Morato (1823)», O liberalismo na península ibérica na primeira metade do século
XIX, Sá da Costa, Lisboa, 1982, vol. I, pp. 63-90.
24 História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, t. V, Imprensa Nacional, Lisboa, 1871. pp. 402 e ss.
25 História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, t. I, Lisboa, 1945, pp. 586-589.
26 Gama Barros concebeu a sua História da Administração Pública como um manual de «Direito Administrativo
Portuguez», no âmbito de uma entrada para a Academia Real das Sciencias, Torquato de Sousa SOARES, «Introdução»,
História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV...., p. XXXIII. Por sua vez, Rebelo da Silva veria a sua
obra patrocinada e subsidiada por portaria governamental, Jorge Borges de MACEDO, «A “história de Portugal nos
século XVII e XVIII” e o seu autor», História de Portugal nos século XVII e XVIII…, p. 21. Não por acaso, os dois
historiadores eram “filhos” da «política administrativa» e da «economia política» do “estado liberal”, associando «o
estado economico do paiz» com a «administração geral», Ana Isabel BUESCU, O milagre de Ourique e a História de
Portugal de Alexandre Herculano, uma polémica oitocentista, INIC, lisboa, 1987, sobretudo, «1846-1857: o tempo de uma
polémica», pp. 18-29.
7
Na verdade, a emergência do «Estado liberal» no século XIX – onde se formou o
«espírito da inquirição historiográfica» – ao identificar a administração com uma suposta
« neutralidade do poder » foi relegando os aspectos funcionais do sistemas monárquicos para a
história do direito – erigindo-se esta num laboratório da ciência de governo – onde o vínculo aos
estudos da dogmática jurídica impediu a análise da emergência do secretário como um problema
sobre a prática do poder com implicações que atravessariam todo o corpo social e todos os
âmbitos do saber. Esta conjuntura afectou definitivamente os quadros historiográficos, tornando
as secretarias de estado reféns da história do direito, fazendo com que a caracterização histórica
dos secretários acompanhasse a fortuna das disciplinas da administração.
Num plano mais abrangente, mas muito menos atento aos problemas «administrativos»,
foram surgindo estudos com informações parcelares acerca dos secretários. Entre os mais
relevantes contam-se as obras de Eduardo Brazão29 sobre a diplomacia, ou o monumental
estudo de Jaime Cortesão, sobre o “governo brasileiro” de Alexandre de Gusmão, estudos que,
8
não versando directamente sobre as secretarias de estado, contêm páginas importantes sobre os
fundamentos institucionais do ofício de secretário30.
A partir dos anos oitenta, a já citada renovação dos estudos institucionais iniciou a
colocação do problema em termos mais sistemáticos. Uma boa síntese do estado da questão foi
publicada por António Barbas Homem e Duarte Nogueira36. As mais significativas páginas sobre
30 Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, 4 vol., Livros Horizonte, Lisboa, 1984 (1ª edição de 1959, 9 vols. com
abundantes documentos anexos).
31 O Conselho da Índia, contributo ao Estudo da Historia da Administração e do Comércio do Ultramar nos principios do século
9
a administração e produção documental do século XIV-XV, com especial relevo para o
Desembargo Régio, foram publicadas por Armando Luís Carvalho Homem, onde se colhem
elementos de extrema importância metodológica para a relação entre as conjunturas de reinado e
o perfil dos ofícios de escrita37. Pedro França Reis publicou uma das poucas teses universitárias
acerca das secretarias de estado, versando uma análise genérica, ensaiando uma perspectiva
sociológica e arriscando mais uma prosopografia dos diversos secretários do que um estudo da
génese e funcionamento das secretarias, na sua relação com os problemas históricos mais
determinantes38. Importa ainda referir o importante estudo de caso de Teresa Vale sobre o
secretário D. Fr. Manuel Pereira, onde se procura uma integração da biografia no contexto
cultural, sem que, no entanto, haja uma consideração específica dos problemas da secretaria de
estado39.
O denso trabalho de Diogo Ramada Curto sobre o discurso político possui o mais
completo enquadramento da inserção político-cultural da escrita, desenvolvendo algumas
distinções fundamentais para a genealogia das secretarias como a emergência do “conselho
técnico” em torno das “finanças” e do «governo dos oficiais»40.
37 O Desembargo Régio (1320-1433), INIC-Centro de História da Universidade do Porto, Porto, 1990. Ver ainda o
importante texto, Armando L. C. HOMEM; Luís Miguel DUARTE & Eugénia Pereira da MOTA, «Percursos na
Burocracia Régia (séculos XIII-XV)», A Memória da Nação, Francisco Bethencourt e Diogo Ramada Curto (org.), Sá
da Costa, Lisboa, 1991.
38 Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal de D. João IV a D. José I (subsídios para o seu estudo sócio-jurídico), Tese de
10
militares estabeleceu alguns princípios fundamentais para a análise das secretarias, naquilo a que
autora chamou a «economia da mercê»43.
Para lá destes estudos específicos, não podíamos terminar este breve quadro sem referir
as recentes biografias dos reis de Portugal, publicadas pelo Círculo de Leitores, instrumentos
fundamentais para as leituras conjunturais da «administração», sobretudo nos casos onde se
esboçam as principais tendências dos secretários do rei e das secretarias de estado45. Merecem
especial destaque as páginas dedicadas por Nuno Monteiro ao problema dos primeiros-
ministros, pela análise estrutural do valimento, directamente relacionada com o favoritismo e a
questão da ascensão dos secretários46. Muito recentemente, a síntese de José Subtil fornece o
levantamento sistemático mais completo em torno da formação da secretaria de estado, bem
como uma preciosa arqueologia dos titulares dos cargos, feita com base no Registo Geral de
Mercês47.
43 Fernanda OLIVAL, As Ordens Militares e o Estado Moderno, Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-1789), Estar,
Lisboa, 2001, pp. 120-151. A autora tem vindo, nesta leitura, a polemizar com António Hespanha, sendo este mais
inclinado a denominar o fenómeno como «economia da graça». A diferença estaria no plano material, onde a
redistribuição das mercês, segundo Olival, além de limitação ao poder régio pela dimensão jurídica da propriedade
do ofício, podia surgir no âmbito da corte como instrumento político da Coroa e, portanto, dos «secretários das
mercês». António M. Hespanha vê aí uma maior indisponibilidade das mercês, destacando, no plano da dogmática, a
dimensão graciosa do serviço, «incindível de uma constelação maior» («graça, gratidão, serviço, mercê»). Esta
questão é de primeira ordem se recordarmos, como também afirma António M. Hespanha, que os ofícios da corte
mantêm total dependência da confiança régia, podendo ser usados - mormente no caso das secretarias - como factor
de «governo», António M. HESPANHA, «Depois do Leviathan…», p. 59.
44 Pedro CARDIM, «Centralização Política e Estado na Recente Historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime»,
CRUZ, D. Sebastião, 2006; Amélia POLÓNIA, D. Henrique, 2005; Fernando BOUZA ÁLVAREZ, D. Filipe I, 2005;
Fernanda OLIVAL, D. Filipe II, 2006; António OLIVEIRA, D. Filipe III, 2005; Leonor Freire COSTA & Mafalda
Soares da CUNHA, D. João IV, 2006; Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso IV, 2006; Maria
Paula Marçal LOURENÇO, D. Pedro II, 2007; Maria Beatriz Nizza da SILVA, D. João V, 2006 e Nuno G.
MONTEIRO, D. José I, Círculo de Leitores, 2006.
46 Nuno G. MONTEIRO, D. José I…, sobretudo a secção «Primeiros-ministros no século XVIII ? Historiografia e
11
Uma aturada análise da historiografia sobre a emergência dos secretários na Monarquia
Católica fornece uma cartografia da “modernização administrativa” centrada sobre a corte do rei
católico. É hoje bem conhecido que, no conjunto das formações «políticas» da Europa moderna,
os secretários do «mundo castelhano» se destacaram cedo no plano do “governo”. A partir do
reinado de Carlos I esteve em curso uma generalização do secretário como principal figura da
« administração régia », facto que marcou o perfil da corte, onde, por exemplo, a tipificação
documental pode ser apontada como uma das mais destacadas marcas dessa marca política e
civilizacional. Alguns destes factos não escaparam à historiografia oitocentista.
Ainda no século XIX quase todas as leituras históricas, muito marcadas pelo positivismo
institucional, apontaram para o protagonismo dos secretários na definição das “práticas de
governo”48. O trabalho precursor de Bermudez de Castro49 inscreve-se no âmbito desta
valorização liberal da «política administrativa». Esta valorização do «político» levantou um
primeiro nível de problemas “sociais”. Desse modo, emergiu um primeiro nível de sensibilidade
ao funcionamento da corte como chave de leitura histórica. Não obstante, o percurso do
secretário de Felipe II, Antonio Pérez, é apresentado na leitura de Castro sobretudo como drama
palaciano, cujas acções dos cortesãos – secretários, príncipes ou conselheiros – são qualificadas
numa grelha de “análise política”. Daqui decorreu que os «erros» dos personagens históricos
fossem avaliados a partir da longevidade junto do «poder», o que quase sempre equivaleu, na
análise de Bermudez de Castro, a uma associação entre “estadualização” e «bom governo»50.
48 F. COS-GAYÓN, Historia de la administración pública en España en sus diferentes ramos, (1851), Instituto de Estudios
Administrativos, Madrid, 1976 e do mesmo autor o Cuadro sinóptico de todos los secretarios de Estado y del Despacho y
Ministros de los Reyes de España desde Fernando é Isabel hasta 1850, Madrid, 1853. Ver ainda G. Desdevises du DEZERT,
L’Espagne de l’Ancien Regime, Les Institutions, Paris, 1899.
49 D. Salvador BERMUDEZ de CASTRO, Antonio Perez, Secretario de Estado del Rey Felipe II, Establecimiento
12
contudo, se podem descobrir as primeiras tentativas de identificar estruturas sociais actuando
sobre os indivíduos. Por outra lado, as valiosas edições documentais como a de Carlos Riba
García53 em torno da Correspondencia privada de Felipe II con su secretario Mateo Vázquez, ou a
publicação da «Defensa de Antonio Perez contra los cargos que se le imputaron en el processo
de visita», com estudo introdutório de Gustav Underer, vão procurar explicar a acção dos
secretários no plano mais vasto dos problemas de comunicação e da emergência da burocracia54.
Deve ainda destacar-se o artigo de Helmut Georg Koenigsberger, onde são desenhados
alguns dos tópicos determinantes para o estudo das secretarias, em estreita relação com a análise
dos “métodos de governo” de Felipe II: a “obsessão” com o registo escrito, o factor tempo na
circulação documental e suas repercussões na “legitimidade política”, permitem lançar uma
crítica sólida à visão predeterminada da burocracia como factor paralisante divulgada pela «black
legend». Contudo, a “política” permanece como principal grelha de análise apesar da tentativa de
integração dos problemas do “governo régio” e dos seus servidores num plano mais vasto, quer
pela conjectura dos projectos para a territorializar o poder, quer pelo estudo dos problemas
“administrativos” colocados ao projecto imperial universalista da Monarquia Católica55. Num
âmbito semelhante, o estudo de Hayward Keniston procurou estudar as raízes da “modernização
castelhana”, desenvolvendo temas como a capacidade de trabalho dos secretários e o ethos
letrado, o favor régio e os problemas da corte e do favoritismo, da ascensão social e da estrutura
social da burocracia, o que permitiu colocar definitivamente o tema dos secretários como tópico
dominante da historiografia sobre o governo castelhano do século XVII56.
A partir dos anos sessenta a historiografia dos secretários vai conhecer o mais notável
impulso no conjunto da historiografia europeia, com vários trabalhos de fôlego, e abrindo a
análise a uma perspectiva metodologicamente mais informada. Em primeiro plano, Tomás y
Valiente, com o seu tratamento dos secretários como elementos intermédios na mecânica do
valimento57. Depois, José António Escudero, cuja massa de informação publicada nos seus
incontornáveis quatro volumes, sobre os Secretarios de Estado y del Despacho, se vai tornar num
instrumento de primordial importância58. O trabalho de Escudero veio colocar, entre outras
53 Carlos RIBA GARCÍA (ed.), Correspondencia privada de Felipe II con su secretario Mateo Vázquez, 1567-1591, Madrid,
1959.
54 Gustav UNGERER, A spaniard in Elizabethan England: the correspondence of Antonio Pérez's exile, Tamesis Books
Limited, London, 1975; Gustav UNGERER, La defensa de Antonio Pérez contra los cargos que se le imputaron en el Proceso de
Visita (1584), Diputación Provincial, Institución Fernando El Católico, Zaragoza, 1980.
55 H. G. KOENIGSBERGER, «The statecraft of Philip II», European Studies Review, I, 1971, pp. 1-21.
56 Hayward KENISTON, Francisco de los Cobos, Secretary of the Emperor Charles V, Pittsburgh, 1960.
57 TOMÁS Y VALIENTE, Francisco, Los Validos em la monarquía española del siglo XVII, Estudio institucional, Instituto
13
questões, a importância do secretário na defesa da acção do rei, estudando as solidariedades e os
canais de comunicação ente oficiais, os processos de selecção das consultas ou os aspectos que
potenciavam a diferenciação de funções burocráticas no interior do sistema de governo. Deve
ainda considerar-se as páginas consagradas por José Antonio Maravall aos secretários de estado.
Considerando o processo de construção de uma “mentalidade social”, Maravall enquadra as
alterações encabeçadas pelos secretários, como a quantificação e o registo exaustivo, no conjunto
dos mecanismos de produção de novas formas de legitimidade régia59.
A identificação destes processos conduziu a historiografia a uma nova reconfiguração do
jurídico. Assim, os estudos de Garcia Marin60, Lovett61, Barrios62, Bermejo Cabrero63 e Martínez
Robles64, vão inverter o discurso dogmático da jurisprudência seiscentista – cuja doutrina política
valorizava o rei como fonte de onde procedia toda a autoridade dos ministros – para sublinhar
que «tanto o rei como o reino se caracterizam pela própria actuação dos ministros»65. Assim, o
questionamento do direito vai dar origem a uma valorização da “burocracia” nos mecanismos de
reprodução do poder na Monarquia Católica.
59 José Antonio MARAVALL, Estado moderno y mentalidad social (siglos XV a XVII), Madrid, 1972.
60 Jose GARCIA MARIN, La Burocracia Castellana bajo los Austrias, Ediciones del Instituto Garcia Oviedo,
Universidad de Sevilla, 1976.
61 A.W. LOVETT, Philip II and Mateo Vázquez de Leça: the Government of Spain (1572-1592), Genebra, 1977.
62Feliciano BARRIOS, «La creación de la secretaría del registro general de mercedes en 1625», AHDE, LXVII
1987.
65 Jose GARCIA MARIN, La Burocracia..., pp. 44 e s.
66 J. H. ELLIOTT, El Conde-Duque de Olivares, Editorial Crítica, Barcelona, 1990, pp. 56 e pp. 291 e ss.
67 Pablo FERNANDEZ ALBALADEJO, Fragmentos de monarquia, Trabajos de historia política, Alianza Universidad,
Madrid, 1992.
68 Francisco BENIGNO, La sombra del rey, Validos y lucha politica en la España del XVII, Alianza Editorial, Madrid,
1994.
69 BOYDEN, James M., The Courtier and the King, Ruy Gómez da Silva, Philip II, and the Court of Spain, University of
14
genealogia dos secretários de estado como produto da luta cortesã. Por exemplo, a necessidade
de Filipe II se apoiar num conjunto de conselheiros leais, auxiliando-o na imposição da disciplina
do «corpo político» terá potenciado o enraizamento de secretários junto do rei, pelo que as
tensões como o valimento – tal como tinha já salientado Tomás Y Valiente – apenas poderiam
ser entendidas no plano conjuntural dos equilíbrios da corte. Em todo o caso, a relação entre
secretários e validos é um dos mais complexos temas historiográficos que apenas a revalorização
do “político”, devidamente enquadrada por uma larga consideração das estruturas sociais,
permitiria aprofundar. Voltaremos a este tema ao longo do estudo.
O pano de fundo cultural inerente a todos estes cenários foi destacado pelos trabalhos de
Fernando Bouza sobre a dimensão histórica das práticas de escrita, abrindo uma perspectiva da
cultura no sentido sociológico, informado quer pelos tipos weberianos quer pelas teorias
foucaultianas das formas «doces do poder». Os seus estudos sublinham a importância da escrita
na formação do príncipe, no crescimento da corte e mesmo na constituição de um poder
especificamente moderno, onde as «consultas escritas y secretários papeleros» deterninaram o
perfil da «administração» 72.
O estudo coordenado por J. Elliott e L. Brockliss, The World of the Favourite marcou a
especificidade do elo entre monarca e « ministros papelistas » na produção de um mundo
político com práticas concretas, abrindo o inquérito historiográfico sobre os processos de
«decisão política» às zonas sombrias do favorecimento, do afecto e da insinuação cortesã73.
I.A.A. Thompson destacou a importância de estudar comparativamente a afirmação dos
secretários e do seu processo de territorialização do poder em meados do século XVI, comum
70 J. MARTÍNEZ MILLAN, «Grupos de poder en la corte durante el reinado de Felipe II: la facción ebolista»,
Instituciones y elites de poder en la monarquia hispánica durante el siglo XVI, Martinez Millan (dir), Universidad Autonoma,
Madrid, 1992, pp 137-197.
71 Veja-se Mia J. RODRÍGUEZ-SALGADO, The changing face of Empire, Charles V, Philip II and Habsburg authoriy,
XV-XVII), Editorial Sintesis, Madrid, 1997 ; Fernando BOUZA ÁLVAREZ, Comunicación, Conociemento y Memoria en
la España de los siglos XVI y XVII, Salamanca, 1999; Fernando BOUZA ÁLVAREZ, El Libro y el Cetro La Biblioteca de
Felipe IV en la Torre Alta del Alcázar de Madrid, Instituto de História del Libro y de la Lectura, Madrid, 2005.
73 The World of the Favourite, J. H. Elliott e L. W. B. Brockliss (eds.), New Haven, Yale University Press, 1999.
15
aos secretários de estado em Portugal, França e Inglaterra74. Aprofundando estas pistas, António
Feros Carrasco procurou marcar o problema da informação e da legitimidade “ministerial” na
produção de especialistas em «papéis»75. Feros analisou também as particularidades do sistema de
corte na produção de soluções institucionais adequadas a essa conflitualidade específica,
analisando a emergência de validos e favoritos com a mutação das práticas governo76. É o caso
do processo de criação de “organismos” como Junta de Tres ou, em 1585, da Junta de Gobierno,
também conhecida por Junta de Noche, onde secretários, como Mateo Vázquez, se destacaram no
desbloquear dos circuitos de consultas dos conselhos77.
74 I.A.A. THOMPSON, «El contexto institucional de la aparición del ministro-favorito», The World of the Favourite…,
pp. 25-41.
75 A. FEROS CARRASCO, «Imágenes de maldad, imágenes de reyes: visiones del favorito real y el Primer Ministro
en la literatura política de la España moderna, c. 1580 – c. 1650», The World of the Favourite…, pp. 293-319.
76 A. FEROS CARRASCO, «Twin Souls: monarchs and favorites in early seventeenth-century Spain», Spain, Europe
and Atlantic World, Essays in honour of John H. Elliott, Cambridge University Press., Cambrdige, 1995, pp 27-47
77 Antonio FEROS CARRASCO, Kingship and Favoritism in the Spain of Philip III, 1598-1621, Cambridge University
324-327
79 M.V. LÓPEZ-CORDÓN, «Instauración dinástica y reformismo administrativo, la implantación del sistema
Imperio de Carlos V. Procesos de agregación y conflictos, B.J. Garcia Garcia (dir.), Madrid, 2000, pp. 83-96 ; ESCUDERO, J.
A., Felipe II, el rey en el despacho, Editorial Complutense, Madrid, 2002.
81 Los Validos, José Antonio Escudero (coord.), Dykinson, Madrid, 2004, sobretudo pp. 15-34.
16
observar-se a evolução institucional sem seccionar, por exemplo, Áustrias e Borbons. López
Córdon sublinha, por isso, que as leituras defensoras de uma “absolutização” bourbónica do
governo, talvez tenham exagerado a existência de efectivas ruptura, sendo que estas reformas
terão sido também uma reacção dos Conselhos ao peso dos secretários, sinal de que as alterações
institucionais das secretarias terão obedecido não só a estímulos de “governo” proto-iluminista
mas também à dinâmica interna do conflito cortesão82.
Dando larga atenção a este plano da técnica documental, são vários os trabalhos que
sublinham a precoce «burocratização» da Monarquia Católica bem como as implicações da
tipificação documental na modelação do «governo»86. Com os trabalhos de Lorenzo Cadarso,
82 Ver também M.V. LÓPEZ-CORDÓN, «Administración y política en el siglo XVIII, las secretarías del despacho»,
Chronica Nova, nº 22, 1995, pp. 185-209; M.V. LÓPEZ-CORDÓN, «Secretarios y secretarías en la edad moderna, de
las manos del Príncipe a relojeros de la Monarquía», Studia Historica. Historia Moderna, 15, 1996, pp.107-131.
83 Susana CABEZAS FONTANILLA, «Un ejemplo atípico en el proceso de producción documental moderna, El
secretario del rey en le Consejo de Inquision», Documenta & Instrumenta, 1, 2004, pp. 9-20.
84 José Luis GONZALO SÁNCHEZ-MOLERO, «Mateo Vázquez de Leca, um secretario entre libros, 1, El
bibliográfica.
17
Maria Alvarez Coca87, M. Gomez Gomez88 ou Feliciano Barrios89 surge em todo o esplendor a
«monarquia de papeles» e a relevância da burocracia90, dando seguimento aos trabalhos clássicos
de Garcia Marin91.
Por outro lado, tem sido destacado que a cristalização da prática documental régia deve
ser entendida também como história da transformação de um procedimento judicial. Assim o
estudo interno da documentação tem permitido destacar o papel dos secretários na adaptação de
formas escritas da decisão jurídica mas sem as garantias de interferência no processo que o estilo
da prática político-administrativa garantia às partes92. Neste âmbito, os estudos de Paola Volpini
procuraram interpretar os conflitos entre letrados no processo mais generalizado de
especialização político-administrativa, destacando-se os conflitos entre fiscais e secretários como
luta entre os representantes primordiais dos interesses dos soberanos93.
Em suma, a historiografia recente tem apontado para o estudo das práticas “papelistas”,
a análise da multiplicação de ‘oficinas documentais’, ligadas aos diversos tribunais de corte –
criados pela necessidade de alargar poderes –, procurando surpreender a origem de uma
87 M. J. ÁLVAREZ COCA, «La Cámara de Castilla : Secretaria de Gracia y Justicia. Problemas archivísticos y de
investigación histórica », El tercer poder, Hacia una comprensión histórica de la justicia contemporánea española, Frankfurt,
1992, pp. 1-32.
88 GÓMEZ GÓMEZ, M., Forma y expedición del documento en la Secretaría de Estado y del Despacho de Indias, Sevilha, 1993.
89 Feliciano BARRIOS PINTADO, «La creación de la Secretaría del Registro general de Mercedes en 1625», Anuario
XVI-XVII) », Tiempos Modernos, Revista Electrónica de Historia Moderna, N° 5, 2001, pp. 1-29; Pedro Luis LORENZO
CADARSO, La documentación judicial en la época de los Austrias, Estudo Archivistico y diplomatico, Cáceres, 1999.
91 GARCÍA MARÍN, Jose., «El dilema ciencia-experiencia en la selección del oficial público en la España de los
Austrias», en Actas del IV Symposium de Historia de la Administración, Madrid 1983, pp. 261 a 280.
92 Para um bom levantamento deste processo ver Pedro Luis LORENZO CADARSO, El documento real en la época de
los austrias (1516-1700), Universidad de Extremadura, Servicio de Publicaciones, Cáceres, 2001. Para os fundamentos
do expediente régio ver José Luis RODRÍGUEZ de DIEGO, « Evolución histórica del expediente », Anuário de
História del Derecho, t. LXVIII, 1998, pp. 475-490.
93 Paola VOLPINI, «I conflitti di precedenza nella dinamica politica, fiscale e segretario nella monarchia spagnola
del seicento», Annali di Storia moderna e contemporanea, 9, 2003, pp. 509-532; Paola VOLPINI, Lo spazio politico del
«letrado». Juan Bautista Larrea magistrato e giurista nella monarchia di Filippo IV, Il Mulino, Bologna, 2004.
18
civilização estruturada pela escrita – um labirinto de papéis onde só o secretário parecia possuir o
mapa de saída.
O estudo das secretarias de estado tem sido um ponto sensível na historiografia francesa,
tocando o problema do perfil “absolutista” do regime monárquico e o domínio central daquilo
que viria a ser designado uma precoce emergência do “estado” através do paradigma comissarial.
Ainda no século XVII, no contexto da luta de corte, foi publicada, em 1668, uma Histoire de
Secretaire d’État escrita por Antoine Fauvelet du Toc, «Secrétaire des finances» de um irmão de Luís
XIV, no momento em que procuravam dignificar-se os secretários e fortalecer a “burocracia
régia”94. Tal como no caso Português ou Espanhol, também a evolução historiográfica francesa
– salvaguardando algumas pequenas diferenças cronológicas, pouco significativas – não
apresenta especiais particularismos. No século XIX, a vaga liberal de construção do estado
geraria os seus frutos procurando justificar o poder «administrativo» dos «ministérios», através
do trabalho institucional de H. de Luçay95. A história seguia o habitual caminho no sentido de
uma narração da “centralização estatal”.
94 Histoire des secrétaires d'Estat, contenant l'origine, le progrès et l'établissement de leurs charges, avec les éloges (...) et généalogies de
tous ceux qui les ont possédées jusqu'à présent, par le sieur Fauvelet Du Toc, C. de Sercy, Paris, 1668. Em todo o caso, como
mostram os estudos de Orest Ranum, o texto de Fauvelet du Toc permanece ainda como o mais relevante depóstio
de informação sobre o tema.
95 H. de LUÇAY, Les Origines du pouvoir ministériel en France, Les Secrétaires d’État depuis leur instituition jusqu’à la mort de
Louis XV, Genève, (1881), Paris, 1976, onde constam os nomes dos ofícios, o registo dos nomes, biografias e
pequenas genealogias, datas de serviço, sendo o clássico manual administrativo.
96 François BLUCHE, «L’origine sociale des sécrétaires d’État de Louis XIV (1661-1715)», XVII siècle, 3 , 42-43,
126, nº 2, 1968.
98 N. M. SUTHERLAND, The French Secretaries of State in the Age of Catherine de Medici, University f London Historical
Studies, 1962.
19
a evolução do cargo num mais vasto horizonte de conflitos. Com Orest Ranum surgiu a primeira
reconstituição institucional das secretarias, com uma rigorosa crítica documental e uma estreita
preocupação com a raiz filológica dos ofícios, na linha da história do direito, assim como um
criterioso levantamento do raio de acção dos secretários99. Por outro lado, o trabalho de R.
Mousnier, embora tocasse a produção documental e a “burocracia régia”, não especificava qual a
funcionalidade das secretarias no âmbito do poder régio, preocupando-se, sobretudo, com a
desmontagem dos modelos marxistas de transição na sua imprópria adequação ao Antigo
Regime, lembrando que os ofícios régios da época moderna eram antes do mais dignidade e não
função100.
Não obstante estes significativos esforços, que tocaram a formação secretarial do século
XVII, uma recensão publicada em 1968 à obra de N. Sutherland, da autoria de Denis Richet,
afirmava que, das instituições formadas ao longo do século XVI, os secretários permaneciam em
larga medida um campo por explorar, não obstante os grandes traços da sua evolução serem
conhecidos101.
A obra de Richard Bonney, na medida em que procurou casar a preocupação de
Mousnier com a “especificidade” dos ofícios da época moderna com uma aturada preocupação
com modelos sistémicos, veio reforçar uma leitura dos secretários num enquadramento mais
vasto. Apesar das crescentes críticas do “absolutismo”, como modelo explicativo, que iam
emergindo, o reinado de Luís XIV era lido como reforço da autoridade régia, processo onde a
apropriação do rendimento fiscal, a inspecção das províncias ou a aplicação da lei régia teriam
potenciado os diferentes secretários como primeiros “ministros do reino”102.
A partir dos anos oitenta, a vaga de estudos marcados pelo jurisdicionalismo, colocou a
dinâmica da corte, e os seus conflitos jurisdicionais103, como principal chave da leitura política na
época moderna, lançando dúvidas sobre a “centralização” alcançada pelo rei de França, a eficácia
das intendências e da própria burocracia régia104. A par desta recolocação dos problemas da
territorialização do poder dos servidores do rei, o estudo dos secretários passou a ser
99 O. RANUM, Richelieu and the councillors of Louis XIII, A study of the secretaries of State and superintendents of finance in the
ministry of Richelieu (1635-1642), Clarendon Press, Oxford, 1963. Ver, sobre o assunto, Donald KELLEY, Foundations
of Modern Historical Scholarship, Columbia University Press, New York, 1970, pp. 212 e ss.
100 R. MOUSNIER, « Le Conseil du roi de la morte d’Henri IV au gouvernement personnel de Louis XIV», La
20
enquadrado pela nova “genealogia administrativa” dos problemas fiscais, desenhada por Richard
Bonney105. No mesmo sentido, a leitura de Françoise Bayard sublinhou a importância da fusão
entre matérias financeiras e competências administrativas no estabelecimento das secretarias106.
105 Richard BONNEY, The king’s debts, Finance and politics in France, 1569-1661, Clarendon Press, Oxford, 1981.
106 Françoise BAYARD, Le monde des financiers au XVIIe siècle, Flammarion, Paris, 1988
107 Les Figures de l’administrateur, Institutions, réseaux, pouvoirs en Espagne, en France et au Portugal, 16e-19e, Robert
Descimon, Bernard Vincent, Jean-Frédèric Schaub (ed.), Editions de l’école des hautes études en sciences sociales,
Paris, 1997, pp. 1-16.
108 Robert DESCIMON «L'homme qui signa l'édit de Nantes: Pierre Forget de Fresnes», Bulletin de la Société de
Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 118, Genèse de l’État Moderne, 1997, pp. 55-68.
111 Olivier PONCET, Pomponne de Belllièvre (1529-1607), un homme d’etat au temps de guerres de religion, Paris, 1998, p. 357.
21
e senhoriais. Nesse texto, Davies chamou a atenção para a riqueza dos arquivos senhoriais:
cópias de correspondência, cartas originais recebidas, ordens, notas de pagamento de tropas,
versos satirizando a política da corte, representações das assembleias, periódicos de outros
reinos ; destacando os vectores de acção dos secretários: a fidelidade no serviço e a
especialização; a responsabilidade sobre os papéis ; a manutenção do despacho ; a representação
do senhor112.
112 Joan DAVIES, « The Secretariat of Henri I, Duc de Montmorency, 1563-1614 », The English Historical Review,
entre 1558 e 1559). No último quartel do século XVI as secretarias de estado vão-se especializando em torno de
atribuições da Casa Real, como a «gendarmerie» ou a correspondência dos negócios estrangeiros. Neste sentido, entre
1589 e 1626 sedimenta-se o secrétariat d’État aux affeires étrangères que vem a adquirir um certo ascendente. Com Luis
XIII e Richelieu reforça-se o crescimento do protagonismo e a especialização dos secrétaires d’État em guerre, marine,
maison du roi, affaires étrangères, Fanny CONSANDEY & Isabelle POUTRIN, Monarchies espagnole et française, 1550-
1714, Atlande, Paris, 2001, sobretudo pp. 376 e ss.
116 Thierry SARMANT et Mathieu STOLL, «Le style de Louvois : formulaire administratif et expression personnelle
dans la correspondance du secrétaire d’État de la Guerre de Louis XIV», Annuaire-bulletin de la Société de l’histoire de
France, 1999, p. 57-77. Ver ainda Fanny COSANDEY et Robert DESCIMON, L’absolutisme en France : histoire et
historiographie, Paris, Seuil, 2002, p. 12-14.
22
amplo estudo sobre os ministros da guerra, onde se incluem os secretários, constituindo um
instrumento de trabalho fundamental para futuros estudos comparativos117.
117 Les ministres de la guerre, 1570-1792, histoire et dictionnaire biographique, Thierry Sarmant (dir), Belin, Service historique
de la défense, 2007.
118 Michel ANTOINE, Le coeur de l'État, Surintendance, contrôle général et intendances des finances 1552–1791, Fayard, Paris,
2003.
119 Emmanuel PÉNICAUT, Faveur et pouvoir au tournant du Grand Siècle : Michel Chamillart, ministre et secrétaire d’État de
Stéphane Gal, Jacques De Monts de Savasse (dir.), PUG, Collection La Pierre et l'Ecrit, Grenoble, 2004.
121 Jean-Frédéric SCHAUB, La France Espagnole, Les racines hispaniques de l’absolutismo français, Éditions du Seuil, Paris,
2003.
122 O problema é complexo e apenas um monumental estudo comparativo poderia clarificar a questão. Na verdade,
em 1559, os ministros de Felipe II que negociavam a paz no reinado de Henrique II de França apresentavam-se
como «secretários de estado». Segundo Francisco Morato, um erudito português do século XIX, os «secretários do
rei de França» passaram então «a designar-se também de Estado». Morato dava conta de que havia na época quem
23
retomam, desta feita, a influência francesa das « reformas » bourbónicas das secretarias de estado
na Monarquia Católica, depois de 1700, recordando que, da mesma forma, teriam sido as Juntas
“espanholas” a inspirar a polissidonia francesa123.
defendesse a «antiguidade do título em França e que teria sido a administração da Coroa Francesa a influencier a
nomenclatura castelhana», Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 59.
123 Alexandre DUPILET et Thierry SARMANT, « Prélude à la Polysynodie, les projets politiques du chancelier de
Pontchartrain en 1712 », Revue d’histoire du droit français et étranger, n° 4, 2005, pp. 657-678.
124 Mémoires sur l'Établissement des Secrétaires d'Estat et des Clercs Notaires et Secrétaires du roy et Secrétaires des Finances, Orest
Ranum, BnF ms. Cinq Cents Colbert 136/Ms. Fr. 18236, www.ranumspanat.com/secretaries_presentation.htm
(2006).
24
“governo administrativo”. O inquérito da eficiência da monarquia administrativa, feito na
perspectiva da génese da especificidade inglesa, e do revolução “estatal” dos Tudor, sem uma
tradição historiográfica de comparação com as monarquias europeias, marcou de forma vincada
os textos publicados em língua inglesa125.
Em todo o caso, os scholars fizeram surgir dois rumos clássicos de análise: por um lado o
estudo biográfico dos mais destacados secretários, por outro a tentativa de reconstituir a função
governativa dos secretários no seio do poder régio. Em 1913, Edward Raymond Turner
publicou um estudo sobre o Cabinet na perspectiva da eficácia do governo, destacando a
importância dos círculos restritos de decisão e os conjuntos de conselheiros secretos convocados
pelo rei para o tratamento de negócios secretos e despacho127. Ainda no início do século XX, a
emergência do interesse pelos aspectos “burocráticos” do governo conduzem ao estudo de dois
relevantes textos de finais do século XVI, onde surgem algumas indicações sobre a génese do
secretary of state128.
125 A estrutura das secretarias inglesas na transição do século XVI para o século XVII corresponde grosso modo à
das monarquias e reinos ibéricos: um secretary of state com dois oficias assistentes (um principal, funcionando como
braço direito do secretary of state tendo acesso às principais matérias e controlando expediente dos «foreign affairs,
military problems», e um segundo oficial, com responsabilidades menores tratando de assuntos ordinários, cifras,
matéria na área da «inteligence». Em 1625 fala-se de «Junta for foreign affair» onde parece haver uma clara dimensão
de simpatia entre os «spanish affairs» e as próprias soluções administrativas da monarquia católica, Edward
Raymond TURNER, «The Developmentof the Cabinet, 1688-1760», The American Historical Review, vol 18, nº 4,
1913, pp 751-768; No mesmo sentido, G. UNGERER, A Spaniard in Elizabethan England: the correspondance of Antonio
Pere’z exile, 2 vols., London, 1974-1978.
126 Os primeiros estudos em torno das secretarias de estado em Inglaterra confirmam uma colagem à perspective
«administrative», Robert SOUTHWELL, The history of the revolutions of Portugal from the foundation of that Kingdom to the
year 1667, John Osborne, Londres, 1740; N. LUTTRELL, A Brief Historical Relation of State Affairs from September 1678
to April 1714, 6 vols., Oxford, 1857; C. S. S. HIGHAM, The Principal Secretary of State: A Survey of the Office from 1558 to
1680, Manchester, 1923; M. A. THOMSOM, The Secretaries of State 1681-1782, Oxford, 1932.
127 Edward Raymond TURNER, «The Development of the Cabinet, 1688-1760», The American Historical Review, vol.
C. READ, Mr. Secretary Walsingham and the policy of Queen Elizabeth, I, Oxford, 1925 e Nicholas Faunt, «Nicholas
25
Rompendo com a perspectiva biográfica e genealógica, que tendia a absorver a
historiografia de princípios do século XX, os estudos de Florence Evans vão destacar-se por
uma análise dos «emolumentos» dos secretários, procurando também identificar as resistências
do ofício inglês medieval no âmbito dos papéis – o Principal Secretary – ao longo do século XVII.
Esta reconstituição das tendências e persistências institucionais, permitiria, em parte, cortar com
o enfoque providencialista do secretary como statesmen129.
Neste plano surge também o magistral trabalho de Conyers Read sobre a acção palaciana
dos secretários, abundantemente documentado por fontes coetâneas, com destaque para o tema
da espionagem e da manipulação. O autor funde a análise biográfica do secretário com a acção
diplomática, respigando aspectos conjunturais – como as repercussões da acção dos secretários
na noite de S. Bartolomeu, as ligações com as Províncias Unidas ou o confronto do reino de
Inglaterra com a Monarquia Católica. Em todo o caso, as críticas podem ser direccionadas para a
pouca problematização dos confrontos cortesãos, sem a devida contextualização com os
aspectos específicos da mentalidade da época moderna130. No âmbito de uma perspectiva
biográfica, mais atenta às implicações sociológicas dos percursos individuais, merece ainda
destaque o estudo de R. Wernham, uma documentada análise da ascensão de William Davison,
um obscuro servidor que ascende a principal secretary no reinado de Elisabeth, em 1586131.
Nos anos cinquenta, o monumental estudo de Geoffrey Rudolph Elton apontou para
uma analítica da transformação institucional que iria fazer escola e cristalizar uma leitura clássica
da “estadualização” do poder régio, com claro destaque para os secretários132. Neste sentido, a
criação do «estado» independente e soberano, a formação de uma monarquia constitucional com
supremacia régia no parlamento, a par de uma burocracia moderna, seriam vectores muito
valorizados pela abordagem de Elton. Este processo, historicamente definido no século XVI
pelo combate com a supremacia político-constitucional do papado e pela emergência do
parlamento como fonte de legitimidade, resultaria num fenómeno determinante para o assunto
que aqui nos ocupa: uma suposta construção administrativa «more efficient and bureaucratic and
Faunt’s Discourse Touching the Office of Principal Secretary of Estate, &c. 1592.», The English Historical Review, 20,
1905, pp. 499-508. Beale e Faunt, autores dos textos desempenharam funções como secretários “particulares” do
secretary of state, Francis Walsingham, no final do século XVI, tendo os textos citados sido modelares na formação de
uma prática dos secretários do rei, bem como na defesa da maior estruturação da secretaria de estado.
129 Florence M. Greir EVANS, «Emoluments of the Principal Secretaries of State in the Seventeenth Century»,
English Historical Review, 35, 1920, pp. 513-528; Florence M. Greir EVANS, The Principal Secretary of State, A Survey of
the Office from 1558 to 1680. Manchester University Press, Manchester, 1923.
130 C. READ, Mr. Secretary Walsingham and the policy of Queen Elizabeth, 3 vols., Oxford, 1925.
131 R. B. WERNHAM, «The Disgrace of William Davison », The English Historical Review, vol. 46, nº. 184, 1931, pp.
632-636.
132 G.R. ELTON, The Tudor Revolution in Government: administrative changes in the Reign of Henry VIII, (1953), Cambridge
26
less dependent on the kings household». Assim, a importância do principal secretary como centro
da administração, enquanto detentor do selo privado do rei e do sinete, coabitou com a
depreciação do peso “administrativo” da casa real, sofrendo estas alterações “racionalizadoras”.
A leitura de Elton, seguindo de perto os estudos de Weber, refere o processo como uma
passagem para uma utilização dos «national bureaucratic methods and instruments». Assim, o
ano de 1530 terá assinalado a substituição dos servidores do rei por uma separação territorial
mais alargada do secretary of state133. Embora não seja difícil entrever aqui algum exagero sobre a
eficácia transformacional, levada a cabo pelo “toque de midas” racionalizador da administração
escrita, influenciado pelo tom weberiano, as intuições de G. Elton são, em grande medida, das
mais solidamente informadas.
133 G.R. ELTON, The Tudor Revolution in Government…, pp. 415-425. Uma boa crítica das considerações de Elton,
considerando a utilização historiográfica da “burocracia” na época moderna, Revolution Reassessed: Revision in the
History of Tudor Government and Administration, Christopher Coleman and David Starkey,(eds.), Oxford, 1986.
134 Alan G. R. SMITH, «The secretaries of the Cecils, circa 1580-1612», The English Historical Review, vol. 83, nº 328,
3», Bulletin of the Institute of Historical Research, 31, 1958, 203-210; F. G. EMMISON, Tudor Secretary, Sir William Petre at
Court and at Home, Harvard University Press, Cambridge, 1961.
27
institucional do cargo é muito escassa, a disposição da informação on-line permite hoje aceder a
uma enciclopédica massa de informação documental sobre as secretarias de estado inglesas136.
A partir dos anos noventa, o processo global de afirmação das democracias liberais
contemporâneas conduziu a historiografia a uma inevitável recuperação da «história política», o
que permitiu à «história institucional» – mais informada metodologicamente, recuperar algum
terreno perdido com o “economicismo” dos anos sessenta e setenta. São vários os estudos que
regressam à importância dos secretários e dos “gabinetes políticos” na condução dos
acontecimentos, com a inevitável emergência da diplomacia. O trabalho de F. Platt aponta para a
especialização do principal secretary nos «foreign affairs», no governo da rainha Elisabete do,
indicando a supremacia das matérias diplomáticas no perfil dos oficiais: selecção, treino e
direcção do corpo diplomático, elaboração da correspondência, inventariação e arquivo do
material produzido pelos diplomatas ingleses138.
Por sua vez, a análise dos organismos de governo (Conselhos, Secretarias, Parlamentos)
resultou na historiografia anglo-saxónica numa genealogia de estudos sobre a eficácia do
«estado» como criação transversal decorrente da “legitimidade política”, do monopólio da força
e da construção de exércitos e do financiamento e agilização do sistema fiscal139.
136 Office-Holders in Modern Britain, Volume 2, Officials of the Secretaries of State 1660-1782, London, 1973,
C. Cross and others (ed.), Law and Government under the Tudors. Law and Government Under the Tudors: Essays Presented to
Sir Geoffrey Elton, Cambridge University Press, Cambridge, 1988, pp. 163-177.
138 F. Jeffrey PLATT, «The Elizabethan "Foreign Office"», The Historian, Vol. 56, 1994
139 A título de exemplo, as colectâneas de estudos dirigidas por Richard Bonney, Economic Systems and State Finance,
Oxford University Press, Oxford, 1995 e The Rise of the Fiscal State in Europe, c. 1200-1815, Oxford University Press,
Oxford, 1999.
28
momento de analisar os secretários. Paul Griffiths procurou perceber a importância da selecção
da informação na condução dos métodos de «governo régio», apontando para a emergência do
“público” e do “privado”, fenómeno que deve ser lido em estreita articulação com o segredo.
Griffiths propõe o estudo da formação de opiniões públicas, da percepção da autoridade, e da
especulação, fornecendo um quadro de análise institucional que pode finalmente ultrapassar o
cada vez mais inócuo – quando aplicado ao mundo moderno – conceito de “política”140. Neste
sentido os estudos de Blair Worden e Anthony Grafton procuraram identificar a estreita relação
entre a escrita e a fundamentação política da técnica, inquirindo a ciência e o humanismo
filosófico nas suas relações com a mutação dos sistemas de poder141.
Por outro lado, alguns trabalhos de fôlego procuraram reconstituir, num quadro
cronológico alargado, a acção de um conjunto de oficiais e de ofícios especializados em “papéis”.
Perspectivando uma análise do recrutamento, do perfil profissional, bem como discutindo a
actuação dos oficiais e as formas de registo, o estudo de Jacqueline Vaughan, sobre os clerks do
“Conselho Privado” dos Tudor, procura estabelecer uma relação estreita entre as prestações
individuais dos oficiais e a sedimentação institucional do cargo142. Também a análise de Patrick
Collinson sobre Robert Beale, como vimos, um leal servidor com um longo tempo de controlo
sobre os papéis e diplomacia da rainha Elisabete, procura identificar de que forma o percurso
individual do oficiais afecta a memória institucional do cargo, procurando ultrapassar a por vezes
artificial dicotomia entre serviço patrimonial e serviço burocrático143.
140 Paul GRIFFITHS, «Secrecy and authority in late sixteenth and seventeenth century London», The Historical
Journal, nº 40, Cambridge University Press, Cambridge, 1997, pp. 925-951.
Oxford, 1997. Numa perspectiva bem mais informada do ponto de vista metodológico, assim como explorando os
aspectos sistémicos do sistema de poder, o enfoque institucionalista, a representação e as práticas do poder, são
analisados os processos de transformação np governo, assaz polémicos na historiografia inglesa, onde os secretários
e o sistema burocrático adquirem enorme relevância. O estudo de M. Braddick apresenta alguns relevantes dados
comparativos, Michael J. BRADDICK, State Formation in Early Modern England c. 1550-1700, Cambridge University
Press, Cambridge, 2000. Um conjunto de ensaios de G. Bernard vem submeter a crítica a relativismo institucional e
os excessos do pós-modernismo mergulhando no habitual relativismo político iinverso: um tratamento linear dos
problemas políticos, da monarquia, a com factores como a liderança ou a conflitualidade cortesão baesadas apenas
nas ambições psicologistas do poder, G. W. BERNARD, Power and Politics in Tudor England, Aldershot and
Burlington, Ashgate, 2000.
141 Anthony GRAFTON, Defenders of the Text: The Traditions of Scholarship in the Age of Science, 1450-1800, Harvard
University Press, Harvard, 1991; Blair WORDEN, The Soldiers, Writers and Statesmen of the English Revolution, Ian
Gentles, John Morrill and Blair Worden (ed.), Cambridge University Press, Cambridge, 1998.
142 Jacqueline D. VAUGHAN, Secretaries, Statesmen and Spies, The clerks o the Tudor Privy Council, c. 1540-c.1640,
29
historiográfica144. Na verdade, o autor coloca o problema burocrático na devida perspectiva: a
delegação da autoridade, fruto de um desejo de tudo observar e da inabilidade para confiar em
observações de outros sujeitos, resultando na disciplina da vigilância. Assim, o estudo procura
relacionar o trabalho “burocrático” com o produto desse trabalho – o documento – sem cair nos
modelos demasiado abstractos dos tipos weberianos, que opõem de forma pouca satisfatória o
estado patrimonial dos secs. IV-XVIII ao estado burocrático, secs. XIX-XX, de forma a
observar de que forma a época moderna produz um tipo específico de burocracia.
***
144 Brandon W. CHRISTOPHER, «“Officious men of state”, Early modern drama and early english bureaucratic
seu âmbito de influência acabou por ficar acantonado em nichos do saber (Psicologia, Ciências da Educação).
Apenas na década de 1990 começou a verificar-se um novo interesse pelas leituras de Foucault no âmbito das «áreas
duras» das ciências sociais. A título de exemplo, ver The Foucault Effect, Studies in Governmentality, Michel Foucault,
Graham Burchell, Colin Gordon, Peter Miller, University of Chicago Press, Chicago, 1991. Além disso a publicação,
já depois de 2000, dos seus cursos no Colégio de França estão a generalizar um Foucault muito mais acessível aos
problemas metodológicos do institucionalismo. Sobre o curso de Foucault, Il faut defendre la société, e suas implicações
na história institucional moderna, ver António M. HESPANHA, «Marginalia sobre dois seminários de história do
poder», Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 4.6, 2003, pp. 165-193
30
possui verdadeira história, como, depois de Foucault, também a história do poder não possui
verdadeira representação formal, nem nos conteúdos do direito, nem nos conteúdos da
linguagem. Há, pois, que procurar um outro campo de análise, a conflitualidade, onde tanto a
linguagem como o direito terão sido, sobretudo, os instrumentos da luta.
Deste modo, seguimos duas pistas centrais que têm aliás uma longa linhagem de estudos
nas ciências sociais: a perspectiva do conflito como motor dos sistemas de governo patrimoniais
e o papel da formação da corte nos séculos XVI e XVII como processo determinante nos usos
sociais da época moderna147.
Deve reconhecer-se que as instituições não são meras produções de sentido. Antes
resultam de enfrentamentos reais entre grupos e indivíduos onde concorrem diferentes tipos de
força que variam de acordo com a estrutura social e o meio histórico determinado. Por sua vez, a
produção institucional age sobre os paradigmas discursivos. Assim, todo o paradigma discursivo
– e o jurídico é sobretudo uma forma de linguagem, uma jurisdictio, dizer o direito, pronunciar o
juízo, falar – resulta de produções institucionais. Mas as mutações institucionais resultam das
relações específicas entre os indivíduos e da reprodução dessas relações. Neste sentido, a
relevância do «secretátio de estado» na época moderna decorre de uma produção institucional
que não só resulta numa nova forma de descrever o poder, como inter-age com novas formas de
147 Estas linhas, apesar dos estudos centrais de Foucault e Elias que aqui fornecem a principal orientação teórica no
tratamento dos secretários, foram determinadas em muito graças aos estudos de Werner SOMBART, Luxus und
Kapitalismus, Munique, 1922 e Niclos POULANTZAS, Pouvoir politique et classes sociales, Paris, 1971. Ambos os estudos
têm tradução portuguesa.
31
relação entre os grupos. Daí que o jurisdicionalismo enquanto fenómeno prático-discursivo
deixe de fora uma série de fenómenos determinantes. Como é compreensível, não trataremos
aqui das razões que levam à recomposição social dos grupos e das suas relações mas apenas da
materialização institucional dessas relações de poder. Em todo o caso, nessa materialização de
novas relações de poder é necessário ultrapassar o âmbito dos discursos.
Como é bom de ver, estamos sobretudo no campo das produções ideológicas sobre o
poder. Não estamos, contudo, a regressar à metáfora topográfica da ideologia como super-
estrutura do modo de produção. Aceita-se que apenas por motivos de análise se podem
seccionar as relações de poder da produção de ideias sobre o poder. É sabido que o conceito de
ideologia é problemático. No entanto, seria inútil recusar os ultrapassados conceitos de
ideologia, ou mesmo de «aparelhos ideológicos do estado» (neste caso, do poder régio), não os
substituindo por uma explicação sobre as transformações da eficácia dos servidores do rei na
época moderna. Sobretudo se pensarmos que o caminho para interpretar a longevidade das
instituições “monárquicas” tem sido, sobretudo, uma recuperação da teologia medieval dos “dois
corpos do rei” ou uma leitura muito optimista das virtualidades representativas do cerimonial e
do poder simbólico das imagens da realeza. Um bom exemplo disto é a crítica feita por P.
Bordieu da «oposição mecânica», frequentemente estabelecida na explicação institucional, entre
«meio» e «consciência», pretendendo Bourdieu substituir a dita causalidade por «uma espécie de
cumplicidade ontológica»148. Se é necessário reconhecer que o mecanicismo da primeira oposição
é problemático, esta utilização de um conceito tão complexo como «ontologia», para relacionar o
meio social com a produção de mentalidades, vem colocar ainda mais problemas.
Assim, podemos estabelecer um primeiro ponto: este estudo segue em busca, não das
efectivas razões das transformações sociais, mas da sua materialização ideológica nas instituições
régias (neste caso, numa em particular, a «secretaria de estado»). Porém, a tese aqui defendida
assenta precisamente numa leitura da formação de ideologias na época moderna: a produção de
uma instituição, «a secretaria de estado» vai desempenhar um papel fundamental na produção
das relações institucionais. Por outras palavras, a ideologia não é apenas uma ilusão resultante da
hegemonia cultural (de ressonâncias Gramscianas) de um grupo dominante (neste caso, os
letrados ou os juristas ao serviço do rei). A ideologia integra a própria alteração das relações
sociais, fazendo confundir a realidade do poder com a sua formulação, ocultando os conflitos e
tornando “aceitáveis” as relações de força.
148 Pierre BOURDIEU, O poder simbólico, (1989), Difel, Lisboa, 2001, p. 83.
32
Porque razão é necessário alterar a ocultação das relações de poder, de força, numa nova
produção institucional? Precisamente porque as relações sociais se alteraram e é necessário
torná-las compreensíveis, reduzi-las a uma nova materialidade. Se quisermos utillizar a
conceptualização de Douglass North, as instituições resultam dos alinhamentos entre as
organizações (associações mais espontâneas e menos consensuais dos grupos) de acordo com a
capacidade de selecção da informação operada pelos grupos que detêm o comando sobre as
relações sociais149. No caso da época moderna, o rei e o seu círculo íntimo de “favoritos” seria,
nitidamente, uma organização detentora do comando, podendo esse comando, contudo, assumir
diferentes formulações institucionais conforme o equilíbrio entre os grupos. Eis porque razão a
«secretaria de estado» é determinante para o entendimento das mutações institucionais no século
XVII. O «secretário de estado» encontra-se no coração de uma nova materialização das relações
de poder: uma nova instituição, com os seus instrumentos, o seu discurso, mas também as suas
relações de força que não devem ser reduzidas ao discurso.
Concretizando.
Carlos Garriga, um historiador institucional, num texto denso, bem elaborado, mas
sintomático, propõe a recuperação da “teologia” e do “direito” como dados antropológicos
locais – i.e., dependentes da história e não de uma natureza histórica dada de uma vez por
todas151. Neste sentido, o “poder político” na época moderna – já de si uma formulação tão
inadequada como “estado” – surge descrito como a capacidade de leitura e declaração de uma
ordem jurídica assumida como existente. Esta inadequação dos conceitos contemporâneos, não
obstante a pertinência de alertar para um uso cuidado da linguagem histórica, tem surgido como
obsessão que pretende dar conta do fosso intransponível entre as «claves» de leitura do passado,
«tan ajenas a las nuestras», e a especialização profissional dos historiadores. Assim, Garriga,
149 Douglass NORTH, Institutions, Institutional Change and Economic Performancel, Cambridge University Press,
Cambridge, 1990, pp. 8-16.
150 Ver a título de exemplo as explicações de António M. HESPANHA, «Depois do Leviathan...», pp. 56-57.
151 Carlos GARRIGA, «Orden jurídico y poder político en el Antiguo Régimen», Istor, IV, 16, 2004,
http://www.istor.cide.edu/archivos/num_16/dossier.html.
33
fazendo-se eco da mais informada historiografia institucional152, defende que, para as sociedades
da época moderna, por baixo da complexidade e subtileza da elaboração jurisprudencial,
figuraria uma ideia capital para a configuração politico-jurídica: a ideia de que o poder político
está «sometido a – y limitado por – el derecho». Acontece que, esta é, precisamente, uma ideia
que podia ser adequada ao “estado liberal”, ou ao estado de direito democrático do século XX.
152 Relembre-se que esta não é, de todo, a perspectiva adoptada por António M. HESPANHA, «Las categorias de lo
politico y de lo juridico en la epoca moderna», Ius Fugit, Revista interdisciplinar de estudos historico-jurídicos, 3-4, 1996, pp.
63-100, onde o jurídico é devidamente enquadrado na sua função ideológica. Conforme clarificou António M.
Hespanha, as construções dogmáticas dos juristas, e o seu significado “político”, funcionaram como instrumentos
de «constituição/expropriação do poder político» faltando explicar «porquê e de que maneira têm peso prático no
terreno da luta política», António M. HESPANHA, «Representacion dogmatica y proyectos de poder», La Gracia del
derecho, Economia de la cultura en la edad moderna, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1993, p. 63.
153António M. HESPANHA, «Para uma teoria…», p 46-47. O processo de dissolução da estrutura política
«pluralista» deve ser colocada à luz dos conflitos entre grupos sociais e das lutas concretas pelo poder, sabendo que
a questão colocada nos termos das classes feudais e burguesas não responde – é hoje evidente – à complexidade do
jogo político-social. Não deve cair-se numa dimensão socialmente «assexuada» da Coroa – projecção de uma
suposta “neutralidade” embrionária da regulação moderadora do “Estado contemporâneo” p. 49. Assim as questões
fundamentais da explicação, levantadas nos anos oitenta por António Hespanha, continuam, em larga medida, por
esclarecer: i) sobre a autonomia do político; ii) sobre a dinâmica própria das transformações político-institucionais;
iii) sobre a interferência das trocas materiais; iv) sobre a interferência dos aspectos ideológicos, p 58.
34
de poder aos efeitos do direito. Por outras palavras, no momento de analisar a composição do
poder, e não os seus efeitos, parece-nos que o direito, na sua variedade de sedes (ou «estados»,
para utilizar um conceito da época), responde a estímulos exteriores ao plano “jurídico”.
Isto explica todo um universo de práticas do poder excluído pela dogmática e pelo
“jurisdicionalismo”. Como ensina António M. Hespanha, num texto claríssimo a esse respeito,
existe uma distorção na aceitação das finalidades discursivas do direito: o sistema dogmático do
direito comum, dos séculos XVI e XVII, era incapaz de integrar instituições que não resultassem
descritivas segundo critérios de justiça. Apenas no âmbito jurisdicional (iurisdictio e imperium) se
colocavam as interpretações dos textos, englobando «actividades de poder (ou agentes de poder)
que se consideravam jurisdicionais»154. A «opulência doutrinal da literatura jurídica» sobre estas
matérias opõe-se, com estranheza para o historiador das instituições, à «indigência quanto às
«funções políticas» não integráveis no conceito de jurisdição – funções “fiscais”, “financeiras”,
“militares”, “economico-politicas”, de “polícia”155.
A questão é de primeira importância para o nosso tema, pois explica a pouca atenção
conferida aos «secretários de estado», ausentes, por exemplo, das sínteses de direito erudito
como as Ordenações do reino. No entanto, é inegável – é o que tentaremos demonstrar – que a
sua efectivação no exercício do poder é de primeira instância, mesmo que a grelha jurisdicional
seja inadequada para entender o seu processo de afirmação nos séculos XVI e XVII156.
Neste sentido, convém clarificar que não é o mesmo descrever factores de poder, na
disputa e multiplicação de uma série infinita de relações entre indivíduos (onde o jurídico é
apenas uma ínfima parte do processo), ou descrever os meios pelo qual esse poder se difunde e
se materializa ideologicamente (onde o jurídico, convém reconhecer, ocupa, na época moderna,
uma posição importante). Como expressão do poder comunicativo, ou, quisermos, expressão do
poder na linguagem “política” dos séculos XVI e XVII, o jurídico reinou, de facto. Porém,
assiste-se nas “mutações administrativas”, em curso desde meados do século XVII, ao seu ocaso
como padrão de comunicação157. Por outro lado, como dissemos, pode dizer-se que também o
paradigma liberal-constitucional se encontra atravessado pelo direito. Pode mesmo, com alguma
«regidos por normas diferentes e enquadrados por um marco-teórico dogmático próprio», o que conferia ao rei uma
capacidade de manobrar com certa arbitrariedade, digamos, de forma extraordinária, «liberto do constrangimento
dogmático da jurisdição». Assim, os juristas viam neste terreno o mundo da “tirania” régia e do procedimento
abusivo, o que explica, em parte, os ataques sofridos pelos «secretários de estado» ao longo do século XVII,
António M. HESPANHA, «Representacion dogmatica y proyectos de poder…», pp. 71-72.
157 Peter BURKE, Languages and Communities in Early Modern Europe, Cambridge University Press, Cambridge, 2004.
35
dedicação, encontrar-se uma supremacia do “jurídico” em todos os tempos históricos ocidentais.
Como não o fazer, estudando sociedades que apenas são capazes de pensar o poder através do
caldo católico-romano, onde, como P. Prodi tão bem mostrou, impera a matriz da justiça?
Porém, nunca é demais lembrar que não existe total homologia entre o poder e os
discursos sobre o poder. Por isso, importa identificar que as condições específicas de uma dada
transformação institucional num contexto histórico, como a emergência da secretaria de estado
nos séculos XVI-XVII, não pode reduzir-se a conflitos jurisdicionais. Assim, parecem existir
razões para reconhecer que uma utilização generalizada do jurídico, como explicação dos
mecanismos do poder, nos deixa à porta das mudanças mais subterrâneas operadas no interior
do campo jurídico. Relações de poder que estavam em profunda articulação, não só com a
dogmática jurídica mas com outro tipo de discursos e relações presentes nas sociedades da época
moderna.
Com efeito, apenas na equação das alterações sociais e dos conflitos se explica porque
razão o “jurídico” é eficaz, não como campo dotado de uma produção de sentido autónoma,
mas em articulação com o meio-social. Duas conclusões: a) o meio social, a forma e a eficácia do
jurídico dependem mais de uma “crítica da terra” (análise das relações entre grupos, luta pelos
recursos, análises que não devem ser reduzidas à “economia”) do que das “crítica do céu” (a
hipotética eficácia semiológica do jurídico e da teologia); b) a erupção do jurídico como
explicação das relações sociais no Antigo Regime depende, em grande medida, de um ocaso das
teorias historico-sociológicas marxistas e da sua inadequação às relações de poder no Antigo
Regime.
Assim, e concluindo, é necessário clarificar, num segundo ponto, de que se fala quando
se fala de poder, sob pena de se esvaziar de todo o conceito de poder e cair numa utilização
indistinta de “política”.
A começar saliente-se, uma última vez, a não correspondência entre origem do poder e
os discursos sobre o poder, ressalvando-se, uma vez mais, que o poder não é substância nem
propriedade, seja esta propriedade expressa pelo direito, pela lei, pela espada ou pelo ouro.
36
Neste sentido, sabendo que o poder não é propriedade adquirida, mas resultado de uma
permanente “guerra social”, infinitamente actualizada na construção e transformação
institucional – onde se utilizam “armas” muito diversas – é necessário entender que a suposta
omnipresença do jurídico soçobrou no mapa das conflitualidades não resolvidas158. De acordo
com Foucault, o poder é sobretudo mecanismo, procedimento, relação. Desta forma, «nem a
dialéctica (como lógica de contradição), nem a semiótica (como estrutura da comunicação)»
podem dar conta destas relações tensas, desta «inteligibilidade intrínseca dos confrontos». A
“dialéctica” marxista teria evitado a «realidade aleatória e aberta» da evolução social reduzindo-a
ao esqueleto hegeliano da razão; e a “semiologia” tem sido uma maneira de evitar o seu carácter
violento, sangrento e mortal, reduzindo-a à forma apaziguada e platónica da linguagem e do
diálogo», como vimos, solução formalizada na institucionalização do jurídico como factor de
explicação159. Não é de estranhar que algumas críticas recentes ao “jurisdicionalismo”, pouco
avisadas, surjam precisamente no cruzamento da história colonial, onde a memória dos
confrontos – como a escravatura – gera os equívocos mais traumáticos.
Neste sentido, a utilização, de uma forma unívoca, da expressão «Coroa», tende a tornar-
se pouco operacional para a descrição dos poderes em confronto no campo de acção da
«secretaria de estado». Na verdade, esta consideração da Coroa como realidade unívoca, que
neste trabalho não pode ser alvo de uma crítica aturada, pelo que manteremos a sua utilização,
deve-se ainda à circunstância cultural do Portugal oitocentista – onde se formou o «espírito da
inquirição historiográfica» – ao identificar a administração com uma suposta « neutralidade do
poder », facto que foi relegando o «sistema monárquico para» a história do direito, onde o
vínculo aos estudos da dogmática jurídica, e a crítica liberal das monarquias corporativas,
impediu a análise dos aspectos disfuncionais da «administração» e a descrição da emergência do
secretário como um fenómeno de “disrupção” – e conflito – no interior da própria “Coroa”.
Estes problemas encontram-se bem documentados nos estudos de Pierangelo Schiera, pelo que
não é necessário determo-nos mais nesta questão160.
158 Sobre a conflitualidade ministerial na corte ver o trabalho modelar de Charles FROSTIN, «L’organisation
ministérielle sous Louis XIV, cumul d’attributions et situations conflictuelles (1690-1715)», Revue historique de droit
français et étranger, 1980, n° 2, pp. 201-226.
159 Michel FOUCAULT, Em defesa da sociedade…, pp. 20 e ss.
160 Uma síntese em Pierangelo SCHIERA, «Sociedade de «estados », de «ordens» ou «corporativa», Poder e
37
Resta dizer que os «secretários de estado», emergem nesta fractura entre dispositivos de
poder, onde se confrontam velhas práticas e novos mecanismos de dominação que atravessam
todos os saberes tradicionais, incluindo o jurídico. Os secretários vão constituir uma nova
dimensão institucional, onde o controlo da comunicação e o bio-poder – como conjunto de
técnicas de controlo das populações – vão emergir como novo paradigma161. Veremos com mais
detalhe esta evolução no desenvolvimento do texto.
Parece evidente que esta investigação teria sempre que estabelecer alguns princípios de
leitura dos dados, de forma a surpreender o problema da afirmação das «secretarias de estado»
como questão específica no âmbito das monarquias corporativas, mas também, como vimos, de
forma a não utilizar indiscriminadamente o jurídico como valor central de toda a efectivação do
poder.
161 Ver sobretudo Michel FOUCAULT, População, segurança, território…, pp. 1-2, pp. 87-115.
162 «Prefácio» à versão original de As Vésperas do Leviathan, 1º volume, edição de autor, 1986.
163 Não são causa do modo de produção – projecção ideológica de uma qualquer estratificação social –, «nem
instrumento da apropriação do sub-produto social». Para uma crítica das leituras economicistas de Marx, António
M. HESPANHA, A história do direito na história social..., p. 33.
164 Foucault colocou com clareza a questão: «Creio que aquilo que se deve ter como referência não é o grande
modelo da língua e dos signos, mas sim da guerra e da batalha. A historicidade que nos domina e nos determina é
belicosa e não linguística. Relação de poder, não relação de sentido. A história não tem “sentido”, o que não quer
38
Para tal é necessário aplicar o sistema de corte ao problema específico dos secretários do
rei.
Daí que, em primeiro lugar, seja necessário estabelecer alguns princípios da sociedade de
corte para estruturar a análise aqui adoptada.
Em primeiro lugar, deve tomar-se a concepção da corte como uma sociedade onde as
relações entre indivíduos (familiares, simbólicas) geram códigos de dependência recíproca e cuja
reprodução supõe um equilíbrio móvel de tensões167. Em segundo lugar, os cortesãos não
deixam de estar em oposição, por vezes até à morte, e de estabelecer ligações muito vastas com
os territórios mais vastos de onde emerge a sociedade de corte. Assim, a afirmação de um ofício
como o «secretário de estado» da Coroa de Portugal resulta, em simultâneo, da vida global do
reino e das suas extensões imperiais, dos projectos de poder individuais e da “vida” de um
sistema social – a corte – que reage também sobre o indivíduo com os seus mecanismos
concretos. As consequências para a descrição institucional são óbvias, uma vez que, para uma
justa consideração de um tipo cortesão – o «secretário de estado» – deveria esboçar-se: a) uma
descrição da relação entre a evolução global das sociedades (grupos humanos e seus processos) e
a corte; e b) uma descrição sobre os efeitos resultantes da acção dos indivíduos no contexto do
funcionamento da «casa do rei».
dizer que seja absurda ou incoerente. Ao contrário, é inteligível e deve poder ser analisada nos seus detalhes mais
pequenos», Michel FOUCAULT, «Nietzsche, la généalogie, l’histoire», Dits et écrits I, 1954-1975, Gallimard, Paris,
2001, pp. 1004-1024.
165 Norbert ELIAS, A sociedade de corte, (1969), Estampa, Lisboa, 1995, pp. 91-119.
166 Jean-Pierre SAMOYAULT, Les bureaux du secrétariat d’État des Affaires étrangères sous Louis XV, Paris, Pedone,
1971; Françoise DREYFUS, L’Invention de la bureaucratie : servir l’État en France, en Grande-Bretagne et aux États-Unis
(XVIIIe-XXe siècle), La Découverte, Paris, 1999.
167 Pedro CARDIM,, «A Casa Real e os orgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de Seiscentos»,
39
sendo consensual que a produção de novas “ficções” institucionais, como a «secretaria de
estado», ou numa perspectiva mais vasta a Coroa, explica o “engrossamento do aparelho
político-administrativo”. Da mesma forma, a consequente expropriação dos “poderes políticos”
dos corpos periféricos – causa dos motins e revoltas que vão surgir na Europa do séc. XVII,
com «as revoltas de natureza nobiliárquica anti-central» – estará intimamente ligada à emergência
do «secretário de estado»168. Como é evidente, este processo não pode aqui ser tratado nas suas
implicações mais profundas, embora deva estar presente como pano de fundo, cenário sem o
qual não pode entender-se o crescimento da “burocracia” em torno do rei e a consequente
“curialização” do sua entourage aristocrática. Tudo isto decorrendo num complexo jogo de
relações, onde as mercês e a atribuição de ofícios, a construção de equipamentos político-
administrativos – em suma, a operacionalidade do sistema de poder e os seus custos – adquirem,
como veremos, um lugar determinante. Pode dizer-se que é também deste caldo social que as
«secretarias de estado e mercês» vão surgir na corte da Coroa de Portugal no final do século
XVI.
A intensificação do rei como cabeça do reino, por meio de uma “abstracção” do seu
poder, que implicou a separação da nobreza das restantes “classes”, explica-se pela evolução de
grupos lutando pelo protagonismo de corte, grupos que se pretendem escolhidos pelo
“Príncipe”, de acordo com um complicado jogo de parcialidades, com respectivas valências e
ramificações no reino. Conforme ensinou N. Elias, este equilíbrio de forças permitia ao rei estar
no vértice do sistema e regular o restante conjunto. Por outro lado, o rei era também uma
produção do conjunto, o que vem colocar em causa, como bem viu Bourdieu, a inapropriada
dicotomia entre social e individuo170. Na verdade, a corte é a forma historicamente determinada
da mais relevante produção institucional do poder nos séculos XVI-XVIII. Embora Pierre
168 Retomamos aqui a perspectiva de António M. HESPANHA, «Para uma teoria…», p 46-56.
169 No seguimento dos textos de F. NIETZSCHE, Para Além do bem e do mal, «todo o ser vivo quer expandir a sua
força, a própria vida é vontade de poder». No mesmo sentido, um texto muito elogiado por Karl Popper, publicado
por Bertrand RUSSEL, O Poder, uma nova análise social, (1938), Fragmentos, Lisboa, 1990, «Só percebendo que o
amor ao poder é a causa das actividades importantes nos assuntos sociais é que a história, quer seja a antiga ou a
moderna, pode ser interpretada correctamente», p. 13.
170 Esta questão aponta para uma outra genealogia de problemas, determinante para a formação de imagens
historiográficas sobre a formação de instituições que relevam da querela entre individualismo metodológico
(cristalizações do pensamento liberal e individualista de Stuart Mill e Jeremy Bentham, através dos estudos de
Joseph Schumpeter ou F. Hayek) e o combate desse individualismo pelos críticos da economia política como Marx,
linhas depois retomadas por Althusser. A este respeito ver Geoffrey HODGSON, Economics and Institutions, Polity
Press, Cambridge, 1994, p. 56 e ss.
40
Bordieu tenha apontado para uma leitura algo “maquinal” do sistema, não reconhecendo ao rei
uma certa proeminência sobre o funcionamento das hierarquias, a verdade é que os conflitos
apenas se explicam mantendo uma hierarquia real de posições. Como explicou magistralmente
Foucault, a partir de uma crítica de Thomas Hobbes, onde não há diferença não há luta. De
outro modo, como se explicaria a luta de corte se não pela vontade de obter uma posição de
destaque junto do rei? É certo que podemos tentar distinguir entre uma supremacia do rei e uma
percepção cortesã da supremacia do rei aspectos que, tal como no jurídico, poderiam não
corresponder totalmente. Contudo, as próprias relações entre os diferentes grupos cortesãos
exprimem-se em termos de «hostilidade e a sua história é uma história de lutas de grupos,
parcialidades, classes se quisermos utilizar o termo despido da usa unicidade político-
económica»171. Com efeito, «cada forma de dominação é o reflexo de uma luta social e a
concretização da partilha do poder dela resultante»172.
Com efeito, estes pressupostos são de primeira importância para a leitura da emergência
do «secretário de estado». Conforme recordou Peter Burke, os secretários e validos foram por
muito tempo mal compreendidos, identificados no plano simplista do tacticismo cortesão,
crescendo à sombra de um rei fraco, sem que a estas análises correspondesse uma justa
consideração do sistema de corte173. Com efeito, os secretários, como teremos oportunidade de
explicar, «surgiam também como mecanismos para iludir a formalidade do sistema». Burke
refere-se ao papel social como conceito que explica muito do perfil da actuação dos tipos
históricos como resposta a uma tensão entre conflitos sociais e necessidades gerais174. Desta
171 Chartier aponta para uma distanciação de Elias relativamente Marx, mas também à escola histórica liberal. Roger
CHARTIER, A história cultural, Difel, Lisboa, 2002, pp. 108 e ss.
172 Como bem viu Elias, as formas sociais decorrem de conflitos prévios, estruturam-se a partir da cristalização da
força. É o mesmo sentido que vimos Foucault conferir às instituições como prolongamento da «guerra por outros
meios». Num sentido contrário, as teorias de Bordieu apontam para uma dimensão excessivamente sistémica do
funcionamento da corte como sistema social fechado, muito próximo da reflexão de Luhman, que nos parecem
falhas de dados históricos empíricos e de um conhecimento adequado das possibilidades de actuação do rei, Pierre
BOURDIEU, O Poder simbólico..., pp. 84-84. Ou seja, nem todo os participantes da cadeia de relações de corte,
beneficiavam das mesmas capacidades de actuação sobre as instituições, sendo que o rei, não sendo «absoluto» não
era também um mero vassalo, convém recordar. Claro que se abriam perspectivas de funcionamento do sistema que
podiam por em causa a legitimidade régia (veja-se a queda dos secretários de estado de Portugal e do próprio D.
Afonso VI). Ver a já citada biografia de D. Afonso VI, por Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM. Contudo,
estas situações resultavam de fragilidades que fossem consideradas evidentes – à luz do saber jurídico da época –
constituindo raríssimas excepções ao funcionamento do sistema que, em geral, depositava no rei uma larga
discricionariedade de poder, ainda que, em última análise, esse poder resultasse do funcionamento global do sistema,
inversão que, parecendo um barroquismo, não o é pois coloca o poder na campo dos conflitos e não na zona dos
sistemas simbólicos. Há portanto que distinguir entre um sistema corporativo onde o rei assume o fecho da
abóbada, na feliz expressão de Braudel, mantendo – apesar de todos os limites hoje conhecidos – uma forte
capacidade de intervenção sobre o sistema, e um mundo maquinal e estruturado por relações «informatizadas» que
nos parecem mais próximos das sociedades mediatizadas do século XX e menos das sociedade de corte do século
XVII.
173 Peter BURKE, History & Social Theory, Polity Press, Cambridge, 1992, pp. 47-48.
174 Peter BURKE, History & Social Theory ..., pp. 49 e ss.
41
forma, a corte, como horizonte de produção institucional dos diferentes níveis de poder do rei
(conselhos, tribunais, secretarias, ofícios da casa real), será considerada sobretudo na sua
dimensão conflitual e hierárquica.
No que toca às razões pelas quais estes valores estruturam a acção dos cortesãos,
entrando mesmo em conflito com o «jurisdicionalismo», e afirmando os secretários como
oficiais determinantes do sistema, deve ter-se em conta, ao longo do estudo, o capital de
mudança que acompanha o sistema de corte, não o reduzindo a uma outra “estrutura fechada”
que substitua o “jurisdicionalismo”.
175 António M. HESPANHA, «La Corte», La Gracia del derecho…, pp. 177-201.
176 Diogo Ramada CURTO, A Cultura Política em Portugal (1578-1642), Comportamentos, ritos e negócios, 2º vol., Tese de
Doutoramento em Sociologia Histórica, FCSH, UNL, Lisboa, 1994.
177 Pedro CARDIM, «Amor e amizade na cultura política séculos XVI e XVII», Lusitânia Sacra, 2º série, t. XI, 1999.
178 António M. HESPANHA, «La Corte...», p. 179.
42
clara diferença entre o modelo patrimonial (onde prevalece a hereditariedade do ofício, a
protecção do segredo, a economia familiar, o vínculo pessoal, a unidade de interesses) e o
modelo burocrático (abstracção, o vínculo a uma «entidade política», a abertura e sistematização
da informação, a disparidade de interesses) o «secretário de estado» destaca-se precisamente por
ocupar um lugar ambíguo nessa transição. Na verdade, como tivemos oportunidade de salientar,
os secretários vão emergir num momento em que a produção de «mercadorias», a monetarização
da economia, e o controlo do território, se estão a generalizar socialmente no reino de Portugal,
provocando uma torrente de «papéis» no sentido da corte179. Não por acaso, a utilidade vai andar
a par com a abstracção do sistema de «governo», no momento em que o «valor», também na sua
expressão abstracta, começa a penetrar as relações económicas, substituindo-se a dominação de
pessoas por pessoas “sacralizadas” (a corte) por uma dominação de estruturas sociais
“sacralizadas” (o sistema burocrático)180.
179 As relações entre política e economia na formatação institucional da «administração» têm ganho novo vigor nos
últimos anos. A bibliografia é abundante. Ver, a título de exemplo, State and Trade: Government and Economy in Britain
and the Netherlands since the Midle Ages, S. GROENVEL & M. WINTLE (eds.), Zutphen, 1992; M ‘t HART, The
Making of a Bourgeois State, War, Politics and Finance during the Dutch Revolt, Manchester, 1993; DE VRIES and A.
Vander WOUDE, The First Modern Economy Sucess, Failure, and Perseverance of Dutch Ecomony, 1500-1815, Cambridge,
1997; David ORMROD, The Rise of Commercial Empires, England and the Netherlands in the Age of Mercantilism, 1650-
1770, Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
180 Anselm JAPPE, As aventuras da mercadoria, Antígona, Lisboa, 2006, p. 127 e ss. A tese de Werner Sombart sobre o
desenvolvimento do sistema de corte sublinha o papel da transformação transversal das relações amorosas, em
profunda articulação com o luxo e a própria dinâmica do «capitalismo», no sentido Braudeliano da expressão,
Werner SOMBART, Luxo y capitalismo, (1913), Alianza Editorial, Madrid, 1979. É claro que a adequação desta leitura
genérica dos principais vectores desta evolução da corte – como a decadência da instituição da cavalaria, a
urbanização e « funcionalização » da nobreza, a « centralização política » da polissidonia, a complexificação do
sistema de arquivos e despacho documental e a monetarização – depende da evolução conjuntural de cada uma das
diferentes cortes europeia, SOMBART, Luxo y capitalismo, pp. 10-11. Para o caso português, o trabalho de Ramada
Curto sobre o discurso político confirma a generalidade deste processo, Diogo Ramada CURTO, O discurso político
em Portugal…pp. 142 e ss. Há, contudo, alguns aspectos a matizar. Mafalda Soares da CUNHA, «Relações de poder,
patrocínio e conflitualidade e conflitualidade. Senhorios e municípios (século XVI-1640», Municípios no Portugal
Moderno, Mafalda Soares da Cunha e Teresa Fonseca (eds.), Colibri-CIDEHUS, Lisboa, 2005, pp. 87-108 e Nuno G.
MONTEIRO, O Crepúsculo dos grandes, A casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1850), INCM, Lisboa,
2003, pp. 246 e ss. insistiram na implantação territorial da nobreza e no carácter meridional da corte, o que teria
significado um lento desenvolvimento destes factores expresso, por exemplo, na separação dos sexos e numa
inusitada austeridade dos costumes palacianos, pelo menos até ao século XVII. O assunto permanece sem estudo
adequado, sendo que a informação se baseia muito em relatos de viajantes, sempre complexo na sua crítica interna,
porque muito sensíveis à construção «exótica» do observado. Os relatos dos secretários do rei no século XVI
apontam para uma relativa proximidade nas relações cortesãs entre secretários e rainhas e mesmo entre amas da
rainha e oficiais do rei.
43
Neste particular aspecto da especificidade cortesã, considerada como problema m torno
do processamento da informação, Ramada Curto salienta que a corte supõe «actos de
comunicação» e um «padrão de racionalidade», onde a «interdependência dos agentes» o «sistema
de etiqueta», o «exercício quotidiano», o «autocontrole», a «repressão das pulsões e o cálculo ou a
avaliação das posições em que cada um se contra» definem-se como valores estruturantes181.
Com efeito, o facto do controlo da informação constituir um tipo de poder, «característico do
cortesão», «nas redes dos fidalgos, nas suas terras e mesmo no ultramar que vão ter extensões
nas gazetas, novas de Corte e nos periódicos» confirma o que ficou dito no que respeita ao lugar
determinante do «secretário de estado», quer quanto à extensão da eficácia territorial da luta de
corte, quer quanto à dimensão fundamental da expansão no potenciar do volume de papéis.
Tudo isto deve conduzir-nos a uma observação dos secretários do rei como elementos
decisivos no interior do sistema cortesão. Estes servidores dos papéis vão actualizar o papel do
rei no sistema de corte, segundo os novos dados da expansão, da monetarização, da guerra
moderna, acentuando, pela ficção informacional, a suposta neutralidade funcional do poder182.
Postas as questões teóricas que subjazem à recolha dos dados sobre o tema, finalizamos
com a apresentação das principais fontes utilizadas, seguindo-se uma curta apresentação do
percurso escolhido para o alinhamento e tratamento das questões elencadas nesta introdução.
44
núcleos da «Secretaria de Estado» no Archivo General de Simancas para o caso da Monarquia
Católica.
Por outro lado, é sobejamente conhecido que não se conservaram as colecções dos
hipotéticos arquivos de Lisboa das secretarias de estado dos séculos XVI-XVIII – suspeita-se
que vária documentação pode estar dispersa por diferentes núcleos arquivísticos, se não se
perdeu quase totalmente no terramoto de 1755184. As colecções epistolares dos secretários que se
conservaram são intermitentes e fragmentadas, de difícil leitura histórica – devido a essa mesma
fragmentação cronológica – e muito disseminadas por núcleos e arquivos, além de que muito
omissas quanto ao funcionamento institucional, reportando-se sobretudo à comunicação
informal e conjuntural dos problemas de “governo”. Além disso, o carácter ambíguo, “público-
privado”, dessa documentação de Antigo Regime contribuiu para a sua dispersão, sabendo que
os secretários, pelo menos até meados do século XVIII, utilizavam com alguma indistinção o
espaço da corte e o espaço doméstico para produzir e arquivar os seus materiais.
184Albano Alfredo de Almeida CALDEIRA, «Memória sobre o serviço do Registo de Mercês», Boletim das Bibliotecas
e Archivos Nacionais, Coimbra, 2º ano, 1903; Luiz Teixeira de SAMPAYO, O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Coimbra, 1926; conde de TOVAR, «O Arquivo do Conselho de Estado», Anais da Academia Portuguesa de
História, II série, Vol. II, Lisboa, 1960, pp. 61 e ss.
45
recrutamento social dos letrados da Corte, sobre a prática diplomática dos arquivos do Antigo
Regime, sobre os circuitos dos «papéis» nos séculos XVI-XVII, dificultam uma «reconstrução
institucional» das secretarias de estado.
Em todo o caso, foi possível recolher dados determinantes através das fontes
administrativas (Ofícios, Avisos, Decretos, Cartas) dispersas pelo magma normativo presente no
Jus Lusitaniae tendo em conta os padrões de autoria e assinatura dos respectivos «secretários de
estado»185. Por outro lado, uma variedade de arbítrios sobre questões institucionais pôde ser
recolhido em colecções da Torre do Tombo como os Manuscritos de São Vicente ou os Manuscritos
da Livraria. Além disso, recorremos às colecções de correspondência, pertencentes a
«secretários de estado», depositadas no Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou ainda a numerosas
cartas dirigidas aos secretários do rei, inventariadas no Corpo Cronológico. Na Biblioteca da Ajuda,
consultaram-se sobretudo os Livros do Governo e as Colecções de Papéis e Cartas de secretários.
Merecem ainda destaque as Collecções de epistolografia da Biblioteca Pública de Évora.
185 Toda a produção normativa da Coroa citada ao longo do texto, sem indicação da referência bibliográfica, pode
ser encontrada, através de busca pela data da norma, em http://www.iuslusitaniae.fcsh.unl.pt.
186 Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores e o breve reinado de D. António, 1956, Academia Portuguesa de
46
Em seguida, apresenta-se, ao longo dos capítulos II, III e IV, uma descrição da
conflitualidade entre grupos. Esta descrição pretende identificar a evolução das parcialidades de
corte, tentando surpreender alguns traços dos restantes poderes com significativa representação
– cidades, aristocratas, negociantes, eclesiásticos, oficiais da milícia, oficiais ultramarinos – e a
forma como vão afectando a “formação” do secretário. A formação institucional da Secretaria
de Estado será aqui caracterizada na sua expressão mais tradicional – enquadramento normativo,
funções, raio de acção – mas tentando surpreender o “direito” na espessura dos seus interesses e
em articulação com as lutas palacianas.
Por último, o capítulo VI procura identificar os valores que presidiram à implantação dos
«secretários de estado» no seio da corte, tentando desenhar o “círculo” da sua afirmação, fugindo
à causalidade linear, mas tentando identificar as estratégias da sua afirmação. Quer recuperando a
eficiência da sua relação de dominação com os outros poderes concorrentes (cortes, câmaras,
tribunais, conselhos), quer surpreendendo os principais elementos de uma nova sciencia do
governo, forma emergente de dominação moldada, em grande parte, pelos saberes que os
secretários vão adestrando na sua prática quotidiana.
I
GENEALOGIA DA CORTE E ESCRITA DO PODER
47
Portugal para escolher, como instrumento do seu governo, um oficial com experiência dos
“papéis” e dos «negócios públicos» – liberto de constrangimentos “político-jurídicos” – passível
de encabeçar um prática do poder, fora dos circuitos conhecidos e controlados pelos restantes
cortesãos. Apenas por uma cuidadosa aproximação à emergência dos ofícios da escrita nos
séculos XIV-XVI (notário, chanceler, escrivão da câmara, escrivão da fazenda, secretário do rei,
escrivão da puridade, secretários particulares dos reis, secretário de estado) será possível entrever
o jogo de sombras disputado entre os monarcas e os poderes concorrentes no reino, entre os
séculos XVI-XVII. Jogo que resultou das estratégias de ascensão dos indivíduos, em parte
decorrentes de lógicas corporativas do mundo letrado, em parte fruto da conjuntura específica
de cada um dos reinados - dada a importância da confiança régia na estruturação da Corte189.
189 Fundamentais os trabalhos clássicos de A. G. DICKENS, The Courts of Europe, Politics, Patronage and Royalty, 1400-
1800, London, Thames & Hudson, 1977 e H. G. KOENIGSBERGER, «Republics and Courts in Italian and
European Culture», Past and Present, 83, 1979, pp. 32-56.
190 Jack GOODY, A lógica da escrita e a organização da sociedade, Edições Setenta, Lisboa, 1987, pp. 57-59.
48
como sabemos, o direito romano assumiu uma relativa continuidade191. Segundo Bernardo Sá
Nogueira, a importância das «instituições romanas» na confecção de instrumentos públicos -
como por exemplo o officium tabellionatus - deveu-se à tradição «romano-vulgar», popularizada
pelo costume e pela «formatação «académica» do “direito justinianeu”. Progressivamente, os
soberanos vão utilizar a lex regia que os jurisconsultos clássicos atribuíam ao imperador para
circunscrever a produção escrita dos documentos192.
Quais as razões desta eficácia?
Por um lado, faziam curso os aspectos relacionados com a contagem dos “instrumentos
humanos do poder”, onde os censos, o controlo das famílias, das casas, dos homens disponíveis
para a guerra, das trocas comerciais, da coordenação de armazéns, do racionamento alimentar,
impunham a especialização do registo. Por outro lado, a escrita revelava-se o principal recurso na
progressiva implantação de “formas doces” do mando, criando uma magia inerente à grafia dos
signos, associando o carisma da propriedade com a expressão da beleza.
Mas esta “utilidade” da escrita veio colonizar o desenvolvimento da função de serviço ao
poder do rei, já em franco desenvolvimento nas sociedades de cultura oral. Temos, por isso, que
distinguir entre a funcionalidade social do ofício e a funcionalidade social da escrita.
No que toca à construção de uma mundividência do ofício.
O «ofício» difundiu-se como recurso do poder régio, decorrente de um sentido de dever,
numa primeira fase enquanto noção abstracta (o serviço de um determinado negotium, no sentido
de uma actividade servindo o dever humano de acção, no serviço, na ajuda ao próximo) vindo
depois a adquirir a carga semântica associada à administração da res publica193. Contudo, esta
adaptação do fundo jurídico romano não deve ser exagerada nas suas consequências históricas,
pelo menos para cronologias anteriores ao século XVI. Não obstante a influência das Partidas de
Afonso X – saturadas do romanismo de origem bolonhesa e canalizando muita da influência do
“direito justinianeu”, renovado pelos comentadores e glosadores –, apenas com a explosão
191 Para um levantamento genérico destas continuidades ver a obra clássica de Franz WIACKER, História do Direito
Privado Moderno, FCG, Lisboa, 2004, pp. 15-38. Mais recentemente uma boa síntese em Hagen SCHULZE, État et
Nation dans l’histoire de l’Europe, Seuil, Paris, 1996, pp. 1-42. Para os processos de codificação do direito romano, bem
como as suas principais linhas de evolução, ver Mário BRETONE, História do Direito Romano, Estampa, Lisboa,
1990, pp. 263-299.
192 Bernardo de Sá NOGUEIRA, Tabelionado e instrumento público em Portugal, Génese e Implantação (1212-1279), I vol.,
49
filológica dos “renascimentos” decorrerá uma assimilação plena da teoria dos ofícios públicos de
tradição romana194.
Como é sabido, o serviço do rei na transição para a época moderna foi profundamente
informado por esta concepção do ofício. A importância do vínculo pessoal, da pouca relevância
do pagamento (merces, mercenarius), a identificação entre o ofício e a nobilitação, a honra, conferiu
ao serviço uma concepção “patrimonialista”. Além disto, o campo semântico do «ofício público»
foi também informado por aspectos mais mecânicos da vida social (officium, ministerium) com
raízes quer no direito romano quer no direito canónico, onde existiam raízes das ideias de
fidelidade e competência – em ordem à obtenção dos resultados pretendidos – o que conferiu às
estruturas de «governo» uma dimensão mais funcional e dinâmica195.
Tanto a divisão das matéria a «governar» como a manutenção do segredo nas técnicas de
poder foram, gradualmente, impondo a eficácia dos especialistas da escrita196. A formação dos
oficiais da Coroa de Portugal, empreendidos pelo ensino na esfera da Igreja, consistiu no ensino
trivial (o trivium – gramática, lógica e retórica) onde o manejo da língua seguiu de perto a
constituição do poder. Os «escrivães» ou «notários» (funções que primeiro emergiram
formalmente na esfera do poder régio) foram sendo escolhidos sobretudo entre eclesiásticos,
especialistas por excelência nas “artes da palavra”197. Não será de mais sublinhar o papel fulcral
da mundividência eclesiástica na formação dos primeiros oficiais régios que eram eles mesmos,
194 No século XI, a influência do direito romano fez-se também pelos eclesiásticos que, com profundo
conhecimento do direito justinianeu, ocuparam diversas dioceses na Península. Gama Barros fez uma interessante
arqueologia da legislação medieval, relacionando essa geometria jurídica com a influência romana, quer por meio da
reforma justiniana, quer por meio dos códigos visigóticos. A consequência da introdução da língua vernácula nos
actos públicos, na transição do século XII para o século XIII, terá tido consequências determinantes na
preponderância dos ofícios da escrita, porque a uma nova agilidade dos oficiais, escrevendo na sua língua materna,
terá correspondido a aproximação entre o «tempo político» da vontade do rei e a produção dos seus efeitos,
expressos nas normas, Henrique G. BARROS, História da Administração Pública em Portugal..., t. III, pp. 113-117.
195 Sobre a teoria do ofício público ver António M. HESPANHA, História das Instituições..., pp. 384-398.
196 Um bom exemplo desta reflexão em torno do segredo, do auxílio régio, e da importância da manipulação dos
«papéis políticos», em Secretum, Secretorum, nine english versions, Oxford University Press, 1977, um texto pseudo-
aristotélico que penetrou na cultura medieval europeia pela tradução árabe e depois pelas várias versões latinas. As
adaptações do texto inglês são diversas, sendo a mais comum reveladora dos problemas em questão: «The Book of
the Science of Government, on the Good Ordering of the Statecraft».
197 Um exemplo da profunda ligação entre o exercício da análise de textos, da eficácia do cuidado de si, e do
governo da «República», na monumental obra Henri de LUBAC, Exégèse Médiévale, Les quatre sens de l’Écriture, 4 vols.,
Aubier, Paris, 1959-1964.
50
em grande medida, monges ou sacerdotes198. Segundo José Mattoso, «desenvolveu-se na
comitiva régia o grupo de clérigos com funções religiosas e técnicas» processo que remonta ao
reinado de D. Afonso Henriques199. É indiscutível que a generalização do registo escrito, fosse
no elenco do direito régio, fosse na fixação dos ofícios, introduziu nas linguagens do poder um
carácter transformador. A escrita reduziu particularidades e padronizou a comunicação. Também
o registo das decisões concelhias (posturas) envolveu novas dimensões do serviço escrito
(escrivães, tabeliães ou notários) num sistema de poder cada vez mais fundamentado pela
comunicação escrita. A carta redimensionou o espaço passível de ser governado, originando a
crescente dependência de enormes grupos humanos perante os que detinham a capacidade de ler
e escrever200.
198 A prática da “administração” eclesiástica desempenhou um papel modelar nos círculos cortesãos,
fornecendo uma espécie de protótipo para a formação institucional dos “Estados modernos”. O segredo, além de
elemento fundamental na construção etimológica do conceito de secretário, manteve-se como uma característica
estrutural no exercício do ofício. «Guarda o secretario os segredos quando os calla» dizia Bluteau, não escamoteando
o profundo significado “político” da afirmação. Segundo Cassiodoro, os «secretários deviam ser como as gavetas,
que nunca se abrem, senão quando necessita o senhor de alguma coisa». A associação entre a palavra latina
secretarium, e o antiquíssimo significado de «Archivo», já presente no Código de Justiniano, impregnava o ofício com
uma característica muito específica: a capacidade de ser depositário de informação e a possibilidade de escolha na
selecção desses materiais. O secretário não só acumulava como seleccionava e arrumava a informação, detendo o
poder de, no mesmo sentido privilegiado, condicionar o acesso a essa mesma informação. As referências das
«Sessões do Sínodo Lateranense de 642 – Sub titulis quinque – Secretariorum», como revela Bluteau, confirmavam a
estreita relação entre os “ofícios políticos” e um fundo cultural eclesiológico no seio do qual a Teologia revelava
uma crucial importância. Este facto nem sempre se encontra devidamente valorizado pelos historiadores, no
momento de descrever os ofícios régios a partir de uma perspectiva institucional. Para uma síntese da tratadística
moral e teológica na História Institucional Moderna ver António M. HESPANHA, Panorama Histórico da Cultura
Jurídica Europeia, Publicações Europa-América, Mem Martins, 1997, pp. 15-57.
199 José MATTOSO, Identificação de um país, Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, II, Composição, Lisboa,
Estampa, 1985, pp. 99-100. Ver ainda Henrique G. BARROS, História da Administração Pública em Portugal dos séculos
XII a XV…, t. III, pp. 219 e ss. e Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis e regentes
de Portugal desde os antigos tempos da Monarquia até à aclamação de el-Rei D. João IV», História e Memorias da
Academia Real das Sciencias de Lisboa, 2ª série, T. I, parte I, 1843, p. 28.
200 António M. HESPANHA, «Centro e Periferia nas estruturas administrativas de Antigo Regime», Ler História, nº
8, 1986. Para uma abordagem sobre as raízes antropológicas do fenómeno, o trabalho magistral de Jack GOODY,
The domestication of savage mind, Cambrige University Press, Cambridge, 1977.
201 Seguimos aqui a interpretação de Fernando BOUZA ÁLVAREZ, Del escrivano a la Biblioteca…, p.75. Para uma
aplicação dos problemas do “livro” à dinâmica de corte, ver, do mesmo autor, El Libro y el Cetro…, pp. 13 e ss.
51
rei não suprimiu totalmente o conflito pela legitimidade da escrita. Porém, o “documento”
adquiriu uma notável relevância e passou a figurar como o mais sistemático instrumento do
conflito202.
Os estudos fundamentais de Ana Isabel Buescu chamaram a atenção dos historiadores para a
importância da «persistência e do prestígio do manuscrito» nas estratégias de afirmação da
Coroa203, onde sobressaíam escrivães e secretários204. Sob a “sacralidade do manuscrito”,
decorrente de um mundo organizado de forma patriarcal numa base rural, a escrita ia permitindo
um lento domínio do espaço e dos homens, sobretudo pela construção de cada vez maiores
segmentos de documentação (Arquivos e Tombos), onde a compilação da informação permitiu
conduzir, enumerar, analisar, as diferentes realidades da vida social205. Processo que pode ser
descrito como uma “territorialização” da vontade régia, assente sobre uma dimensão projectual
que foi conhecendo ao longo dos séculos XV e XVI uma dimensão cada vez mais elaborada, no
sentido de obter conhecimentos sistemáticos. Processo que, em certa medida, foi possibilitando
um conhecimento analítico dos domínios reais e das suas fronteiras e que pode explicar,
também, o processo de crescente intermediação na cobrança das rendas senhoriais. Esta
dinâmica, sabemo-lo hoje, esteve directamente relacionada com os instrumentos de
conhecimento do território e a mutação do sistema de poder, independentemente da divisão
cronológica que se pretenda adoptar para descrever o trânsito entre o paradigma corporativo e o
paradigma estadual206.
Na verdade, terra e gente foram adquirindo uma espessura escrita. Reflexão “política”,
enumeração, escrita e poder régio, foram factores em profunda articulação na gestação dos
reinos ibéricos207, que culminaram em sistemas de poder mais complexos, tanto na sua rede de
domínios, como na execução de relações ou no controlo empreendido pelos cada vez mais
atractivos novos centros de poder - as cortes régias. Tal como mostrou Rita Costa Gomes, a
manuscrita em Portugal na Época Moderna, uma sondagem», Memória e Poder, Ensaios de História Cultural (Séculos XV-
XVIII), Lisboa, Cosmos, 2000.
205 Uma síntese desta evolução em Rita MARQUILHAS, « Escrita e administração» primeiro capítulo de A Faculdade
das Letras, Escrita e Leitura em Portugal no século XVII, INCM, Lisboa, 2000, pp. 14-32.
206 Para uma crítica do processo a partir dos «condicionamentos estruturais do poder político» e da «estrutura
administrativa em España moderna », Actas del II Symposium de Historia de la Administracio, Madrid, 1971, pp. 294 e ss.
52
corte, o rei, e os seus oficiais especializados na produção documental, cumpriam um importante
papel na estruturação dos territórios208.
Porém, a Corte não era um lugar onde o poder brotasse de forma unívoca. Os modelos
de «governo», tal como os seus instrumentos, foram profundamente afectados pela “luta” entre
vários grupos. Conflito motivado quer pela tensão entre coroa e a aristocracia, na delimitação de
espaços de domínio, quer pelo acesso aos recursos (simbólicos e materiais) disponibilizados pelo
reino. A variação das funções de poder, decorrente das relações de conflito entre os indivíduos,
foi originando diversos modos de aplicar o poder, com outras tantas formas de entender a
redacção e a produção de «papéis». É desta multiplicação de funções formais na produção
documental régia, e da respectiva “luta” no acesso aos assuntos de «governo», que trataremos em
seguida.
208 Sobre a dimensão territoral da curialização, em especial numa época de cortes itinerantes, ver a nova edição do já
clássico estudo de Rita Costa GOMES, The Making of a Court Society. Kins and Nobles in Late Medieval Portugal,
Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
209 Nas Cortes de Évora de 1372 os povos pediram ao rei que as «cartas» passassem de forma inequívoca pela
53
Na produção de uma sociedade de Corte, os conflitos entre parcialidades, e mesmo entre
oficiais do rei, devem ser colocados em primeiro plano. Para levar a cabo uma distinção entre os
oficiais da escrita devem ser tidos em conta alguns problemas resultantes do estudo da
organização “administrativa” e do funcionamento da Corte. Como notou António Hespanha,
num artigo seminal acerca das relações entre centro e periferia, todos os sistemas de poder são
contraditórios e habitados por estratégias, tecnologias, instrumentos que correspondem às
«tensões reais dos grupos em presença»212.
Em todo o caso, a narrativa conflitual que vai seguir-se neste estudo, e atendendo ao seu
carácter cortesão, deve ser lida como ponto de chegada de inúmeras tensões organizadas sobre o
território (reino e conquistas) – que aqui não é possível analisar por razões de circunscrição
temática. Esta ressalva tem muita importância, sob pena de reduzirmos os conflitos à
dramaticidade pseudo-emocional dos indivíduos na “luta” palaciana. Como é óbvio, o «Paço»
tem aqui o seu lugar. Mas não é menos certo que os acontecimentos da Corte são, em diversas
ocasiões, o rendilhado espumoso de um oceano profundo.
Nas Cortes das primeiras dinastias da Coroa de Portugal, a designação dos oficiais da
escrita foi oscilando no seu significado. Tanto o «chanceler» como o «notário» auxiliavam os
monarcas nas contestações ao direito exercido pela Santa Sé, a nobreza, ou o domínio senhorial
eclesiástico. Estes servidores tornaram decisiva a sua influência, de tal modo que os “ministros
de Roma”, quando pretendiam atingir os direitos régios, não hesitavam em responsabilizar os
responsáveis pelos «papéis» dos reinos e monarquias como os principais ministros do poder.
Pelos séculos XI-XII os «notários» do rei tinham uma relevante preeminência sobre «escrivães» e
«secretários», no âmbito das tradições “administrativas” oriundas dos Concílios Toledanos213.
Em todo o caso, podemos identificar três tipologias de oficiais tardo-medievais determinantes na
construção “administrativa” dos «secretários de estado»: chanceler-mor, escrivão da puridade e
secretários do rei.
Deste modo, para entender melhor como as vicissitudes da Corte afectaram o perfil do
secretário de estado no período moderno, deve antes passar-se em revista a evolução das
principais características jurisdicionais dos ofícios relacionados com os «papéis» do rei.
54
a) «Chanceler-mor»
Importa reter desta primeira conjuntura “administrativa” dois dados relevantes: i) todos
os ofícios documentais se encontravam no século XIII subordinados ao «chanceler d’Elrei» ou
«chanceler da Corte» (ou mesmo no caso apresentado vedor da chancelaria); ii) a interferência de
D. Pedro I na prática do despacho do chanceler e dos seus servidores fez-se através da criação
de um ofício lateral ao chanceler (o vedor da chancelaria) aglutinando as suas funções e
acrescentando a esse novo vedor uma maior dimensão de execução, confirmada pelas assinaturas
das cartas régias217.
214 Com D. Sancho I o cargo de chanceler era já o terceiro na hierarquia dos oficiais régios, ascensão confirmada
pela continuidade do magister Julião, chanceler-mor com preponderância até ao principio do reinado de D. Afonso II
nas questões de «governo» e «justiça», Henrique da Gama BARROS, História da Administração Pública..., t. III, p. 219.
215 Armando L. C. HOMEM, «Subsídios para o estudo da administração central no reinado de D. Pedro I», Portugal
nos finais da Idade Média, Estado, instituições, sociedade política, Livros Horizonte, Lisboa, 1990, p. 63 e ss. O estudo de
Carvalho Homem chama a atenção para um facto de extrema relevância, se quisermos perspectivar a mutação dos
ofícios do ponto de vista da “luta”: a nomeação de um novo ofício – o «vedor da chancelaria», desempenhando as
funções tradicionalmente consagradas ao chanceler, resultou de uma remodelação de servidores por D. Pedro I,
feita a partir de 1361. Este novo vedor da chancelaria teria uma participação bem mais activa nas decisões régias,
além da tradicional utilização dos selos no processo de confirmação documental.
216 Sobre a actuação do chanceler na corte, Marcello CAETANO, Lições de História do Direito Português…, p. 153 e ss.
217 Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães...», p. 159.
218 Ver Judite Antoniete Gonçalves de FREITAS, «Temos por bem e mandamos», a burocracia régia e os seus oficiais em
meados de Quatrocentos (1439-1460), Dissertação de Doutoramento em História da Idade Média, Faculdade de Letras,
Universidade do Porto, Porto, 1999, vol. I, pp. 88-96.
55
porque se entendia que quanto aos ofícios da «puridade», assim como o capelão mediava a
relação entre Deus e o rei, o «chanceler-mor» era o privilegiado mediador entre o rei e os
homens, no que tocava a «coisas temporais»219. Cabia ao «chanceler-mor», aferir da
legalidade das decisões régias em face das normas já fixadas, tendo como referência essencial as
OA. Esta acção fazia-se sentir sobretudo no circuito interno das deliberações; desde a emissão
da decisão régia, até ao momento da selagem definitiva em documento formal220. Como
veremos, existiram particularidades e indefinições de competência quanto à forma de despachar
«negócios» ou quanto à hierarquia de posse dos selos régios, aspectos que foram estimulando
disputas com o escrivão da puridade e os secretários221. Em caso de dúvida em matéria de
«graça», era o «chanceler-mor» quem devia expor directamente ao rei o problema. Em matéria de
«justiça» devia conduzir à questão à «Mesa da Relação» a que o acto pertencesse222.
219 Desenvolvimento do tema em Henrique G. BARROS, História da Administração Pública…, t. III, p. 230 e ss.
220 Pedro França REIS, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal …, pp. 20-32.
221 Desde o reinado de D. João I existiam o selo do camafeu, o dos contos (decorrente da autonomia e
especialização deste órgão em relação á Casa do rei), o da câmara e o da puridade. Sobre o funcionamento da
Chancelaria no fim da idade média, com descrição das tipologias documentais, Vasco Rodrigues dos Santos
Machado VAZ, A boa memória do monarca, os escrivães da chancelaria de D. João I (1385-1433), Dissertação de Mestrado,
Faculdade de Letras Universidade do Porto, Porto, 1995.
222 Tinha ainda o poder de «conhecer as suspeições» postas aos Desembargadores ou a outros oficiais da corte.
Confirmava documentação importante como a apresentação das Igrejas ou provimento de ofícios (tabeliães,
escrivães, procuradores, contadores, inquiridores e porteiros), Henrique G. BARROS, História da Administração
Pública…, t. III, p. 231. Com as Ordenações Manuelinas (OM), Livro I, Título II, nº 7, são referidas as suspeições dos
Vedores da Fazenda, Desembargadores e todos os oficiais da Corte.
223 Sobre o complexo problema das edições das OM ver João José Alves DIAS, «A primeira impressão das
Ordenações Manuelinas, por Valentim Fernandes», Portugal, Alemanha, África, Do Colonialismo Imperial ao Colonialismo
Político, Actas do IV Encontro Luso-Alemão, Edições Colibri, Lisboa, 1995, pp. 31 e ss.
224 Pela consagrada associação entre nobreza e serviço do rei dispunha-se que o «chanceler» fosse «de boa linhagem,
e bom siso, discreto, e letrado, e vertuoso, de sã vontade, boa consciencia, e justo, e de gracioso e bom acolhimento
das partes, pera que os que com elle teuerem que neguociar sem algua dificuldade o virem requerer; e de tal
entendimento, e memoria, que saiba conhecer erros e minguoas das escripturas, que por elle ham de passar, e que se
lembre que nom sejam contrarias huas das outras; e que inteiramente guarde os segredos da Justiça (...)», OM, Liv. I,
Tit. II.
225 Nos casos em que a carta a corrigir estivesse assinada pelo rei, o chanceler devia procurar directamente sua
magestade para que aí, na presença real, colocasse as dúvidas que tivesse.
226 O porteiro da Chancelaria encerraria esse material num saco, levando-as depois rapidamente à Casa da
56
«sinais públicos» e testemunhar como «tabeliães públicos». Devia «dar juramento» a todos os
ofícios dignos de registo na Casa Real, incluindo o «escrivão da puridade», tal como a todos os
conselheiros do rei, validando com a sua assinatura e selo a concretização da nomeação régia227.
Ainda no reinado de D. Manuel executou-se a «Leitura Nova da Chancelaria Régia», que
simplificava o tratamento documental e procurava fornecer mais rigor à informação em
circulação228. A emergência da «Casa do Cível», com chancelaria própria, encurtou o alcance da
«Chancelaria» no que diz respeito ao expediente em matéria de «justiça»229.
Todavia, não se julgue que estas alterações enfraqueceram de forma total o papel da
Chancelaria no processo legislativo. Até ao século XVII, o «chanceler-mor» continuou a
beneficiar de grande protagonismo no que respeito à confirmação documental, embora fosse
perdendo protagonismo na decisão. De acordo com as Ordenações Filipinas devia «conhecer os
erros e faltas das escrituras», vendo com boa diligência todas as coisas que os Desembargadores
do Paço, Vedores da Fazenda, Desembargadores da Fazenda, Provedor mor das Obras e Terças,
e todos os oficiais da Corte, cujos despachos tinham que passar pela Chancelaria, tirando as
cartas e sentenças da Casa da Suplicação. Se a carta ou sentença a selar fosse contra as
Ordenações ou Direito, o chanceler-mor podia não selar, colocando na carta um comentário
(glosa) a fim de ser corrigida230. Prova de que estes poderes eram exercidos na luta de corte são
composição social dos titulares do cargo ver Pedro França REIS, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal…, p.
32-33 e notas. No reinado de D. João III, esta nova configuração da Chancelaria afectaria o «chanceler-mor»,
«chanceler da Casa da Suplicação», «juiz da Chancelaria» e «desembargadores do Paço». Registaram-se em 1548
algumas perturbações na assinatura e numeração dos Livros devido ao facto de o chanceler-mor não reunir
condições para o fazer. Sobre as conotações económicas do registo em Chancelaria, Maria Leonor G. da CRUZ, A
Governação de D. João III, a Fazenda Real e os seus vedores, Centro de História da UL, Lisboa, 2001, pp. 193 e ss.
Permanecem com interesse os trabalhos de Pedro de AZEVEDO, «Os livros da Chancelaria mor da Corte e do
reino », Archivo Histórico Portuguez, vol. IV, pp. 449 e ss e José PESSANHA, Uma rehabilitação historica – Inventários da
Torre do Tombo no século XVI, Archivo Histórico Portuguez, vol. III, pp. 287 e ss.
230 Ordenações Filipinas (OF), Liv. I, Tit. II, nº 2.
57
os inúmeros conflitos entre a Chancelaria e os Secretários de Estado na promulgação de leis e
mercês régias durante o século XVII.
Para concluir esta breve caracterização, podemos dizer que a perda de influência do
«chanceler-mor» se explica por duas ordens de razões: i) o aumento da participação do rei na
administração escrita em detrimento das ocupações militares (criando outros oficiais em torno
da Câmara régia) foi esvaziando o poder da Chancelaria, organismo outrora especializado na
emissão documental e com assinalável autonomia devido à pouca participação dos monarcas nos
processos letrados; ii) num outro plano, o carácter «formalista» do ofício, muito marcado por
conhecimentos “diplomáticos” foi relegando o «chanceler-mor» para uma posição subalterna
dentro do sistema da Corte.
b) O «escrivão da puridade»
58
A emergência do «escrivão da puridade» marca de uma forma mais significativa o perfil
da escrita do poder ao longo do período moderno232. Na verdade, as suas competências vão
desenvolver-se em torno do despacho, numa mais alargada gama de matérias. No Antigo
Regime, a «puridade» era identificada com a intimidade do segredo. A importância desta relação
entre segredo e poder era confirmada na memória popular através de um conhecido adágio: «a
quem dizes a tua puridade, dás a tua liberdade». Também segundo uma famosa «ode» de Luís de
Camões «os furtos da puridade eram furtos secretos, secretas comunicações»233. Neste sentido, a
«puridade» do príncipe, estava associada à declaração da sua vontade afirmando-se o segredo
como tópico chave da «república»234. Como bem se vê, a «puridade» abria o percurso deste oficial
para uma outra dimensão do poder régio.
232 Seguimos de muito perto o excelente trabalho de Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães da
Puridade…, pp.153-218. Henrique G. BARROS, História da Administração Pública…, t. III, pp. 221-229, resumiu a
informação dos três estudos de Morato, que são em grande medida ainda a base do trabalho de Paulo MERÊA, Da
minha Gaveta…pp. 1 e ss. Em sentido contrário, Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos Históricos,
Tomo III, vol. 6, Lisboa, 1961.
233 Rafael BLUTEAU, «Puridade», Vocabulário Portuguê e Latino, 1720, vol. VI, pp. 832-833.
234 Fr. Francisco do Santíssimo SACRAMENTO, Epitome..., p. 9.
235 «Regimento» no reinado de D. Pedro I, em 1361. Segundo o conde de Tovar, a denominação não surge no
Regimento mas numa Carta Régia dada em Portel a 20 de Dezembro de 1362, Conde de TOVAR, «O Escrivão da
Puridade», Estudos …, pp. 31-36.
236 No reinado de D. Pedro I surge pela primeira vez a designação de «escrivão da puridade». De acordo com
Francisco Morato, «Gonçalo Vasques de Goes» surge nas «Crónicas» de Fernão Lopes como «Privado d’ElRei».
Quanto às competências do cargo neste reinado justifica-se uma longa citação pelo seu carácter modelar: conta o
cronista que todas as petições enviadas ao rei «hião á mão do Escrivão da Puridade, e elle as dava a hum Escrivão
qual lhe prazia o qual tinha o cargo de as repartir, e dar cada uma aos Desembargadores, a que pertencião. As
petições que eram desembargos de commum curso, aqueles por que havião de passar, mandavão logo fazer as
Cartas a seus Escrivães. As petições que eram de graça e mercê, que pertencião á sua fazenda, fazia-as por um dos
Vedores em ementa a seu Escrivão; e escrito ficava na não do Desembargador, que depois as desembargava com
ElRei; e o Chanceler estava presente quando podia », Fernão LOPES, Crónica de D. Pedro I, cit. por Francisco
Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães da Puridade...», p. 162.
59
ao «chanceler» e circunscrito, no seu exercício, a linhas vagas que variavam segundo a
distribuição do poder na Corte237.
Segundo Rita Costa Gomes, esta ascensão dá-se no sentido de uma “personalização” do
poder que visou responder aos espartilhos da tramitação processual, onde, como vimos, os
237 Luís Rebelo da SILVA, História de Portugal nos séculos XVII e XVIII…, vol. V, pp. 406-407
238 Sobre o processo, Armando L. C. HOMEM, O Desembargo Régio, (1320-1433), INIC, Porto, 1990.
239 Contudo, a questão da propriedade do «selo régio» é um assunto complexo, Francisco Trigozo MORATO,
60
oficiais da câmara do rei adquiriram proeminência sobre a Chancelaria243. Deste modo, na
segunda metade do século XV, o «escrivão da puridade» agregou uma série de poderes antes
dispersa por diferentes oficiais da corte. O conde de Tovar, no precioso estudo que consagrou
aquele ofício dividiu as novas atribuições em três grandes áreas: «cortes», «negócios externos» e
«assuntos militares»244. Começavam a definir-se em torno dos oficiais de escrita um conjunto de
matérias determinante no «governo» do reino e na produção de «papéis».
243 Para uma boa síntese sobre a estabilização da corte régia e a emergência do «escrivão da puridade», Rita Costa
GOMES, The making of a court society..., pp. 42-46.
244 Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos …, pp. 80-87.
245 João da Silveira iniciou as funções de «escrivão da puridade» desde o final do reinado de D. Afonso V. Nobilitou-
se, tornando-se também chanceler do rei e embaixador de missões delicadas. Foi agraciado com o título de Barão do
Alvito, padrinho de princesas e regedor da Casa da Suplicação, seguindo como «escrivão da puridade» depois da
ascensão definitiva de D. João II ao governo do reino em 1481. Desempenhou o mesmo cargo até à sua morte,
decorrida em 1484. Sobre a ascensão social do «escrivão da puridade», IAN/TT, Chancelaria de D. João II, «D. João da
Silveira, Carta de Barão do Alvito», Liv. 6, fl. 126v; «Carta para ele e seus descendentes se chamarem Dom», Liv. 19,
fl. 146; «Carta para fazer uma fortaleza nas suas terras do Alvito», Liv. 3, fl. 42v; «Carta para as suas terras serem
baronia e se chamar senhor de Alvito», Liv. 1, fl. 98; «Carta para suceder nas terras da Coroa», Liv. 6, fl. 126v;
«Doacção de Aguiar, Ouriola e seus Direitos, Jurisdições», Liv. 6, fl. 227; «Doacção de Alvito e suas rendas,
Jurisdições», Liv. 6, fl. 125; «Doacção das Jugadas de Coimbra», Liv. 26, fl. 91.
246 Eduardo d’Oliveira FRANÇA, O poder real em Portugal e as origens do absolutismo, Universidade de S. Paulo,
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, S. Paulo, 1946, pp. 150-156. Sobre a dinâmica adinistrativa Manuela
MENDONÇA, D. João II, um percurso humano e político nas origens da modernidade em portugal, Estampa, Lisboa, 1991, pp.
309-380. Ver a título de exemplo os números aí apresentados sobre a redução de títulos após o crescimento
verificado no reinado de D. Afonso V, pp. 377 e ss.
61
provocar comoção entre os oficiais régios. Fernão da Silveira, «escrivão da puridade», foi julgado
à revelia e condenado a «cruel morte natural»247. Além da grave condenação, a sentença referia o
elevado grau de traição de um homem que tinha sido criado pelo rei desde «moço pequeno»,
sendo-lhe sempre concedida «muita honra», «mercê» e «muita renda». A gravidade da traição
deste oficial era agravada pelo facto de ser depositário dos «segredos e comsselhos» do rei, tendo
servido muitas vezes como «escrivão da puridade»248. Fernão da Silveira conseguiu escapar para
terras gaulesas, mas aí foi assassinado em 1489, por ordem e pagamento do rei. A obstinação do
rei em perseguir o «escrivão da puridade» não terá sido apenas uma questão de fúria vingativa. A
sua aniquilação, a milhares de quilómetros de distância, cinco anos depois dos violentos
acontecimentos de Palmela, explica-se por aquilo a que mais tarde se designaria “razão de
estado”249. Como bem viu Joaquim Romero Magalhães, um «escrivão da puridade» « não podia
deambular, desafecto ao Reino, pelas cortes da Europa, encerrando informações preciosas »250.
Durante o século XV, além do «escrivão da puridade», outros oficiais da Câmara do rei
ganharam um assinalável protagonismo. De acordo com um estudo de Vasco Vaz, sobre o
247 Rui de PINA, Croniqua delrei Dom Joham II, Atlântida, Coimbra, 1950, Cap. XXXVII, pp. 56-63.
248 Rui de PINA, Croniqua delrei Dom Joham II…, Cap. XXXVII, pp. 56-63.
249 Entendida aqui como mera justificação de uma dada acção política, se bem que o conceito seja polissémico. Ver
por todos Raison et Déraison d’état, Yves Charles Zarka (dir.), Presse Universitaires de France, Paris, 1994.
250 Uma boa síntese dos acontecimentos em Joaquim Romero MAGALHÃES, «Os Régios Protagonistas do Poder»,
No Alvorecer da Modernidade, (1480-1620), História de Portugal, vol. III, Estampa, Lisboa, 1997, 437-443.
251 Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos …, p. 61.
252 Note-se que grande parte da informação recolhida no estudo do conde de Tovar deve-se a um manuscrito,
solicitado por D. Afonso V a Álvaro Gonçalves, versando precisamente sobre as «normas antigas que se
observavam nos reinados» acerca das competências do «escrivão da puridade». Conforme sintetizava Álvaro
Gonçalves, o rei mudava os «encarregos [dos ofícios] de huns em outros». O material recolhido dos reinados de D.
João I e D. Duarte seria usado na elaboração do primeiro «Regimento do escrivão da puridade dado em 1540»,
Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos …, p. 75 e documento transcrito em apêndice, pp. 158-161.
62
despacho de D. João I, os escrivães da Câmara e os escrivães da Fazenda, oficiais práticos,
voltados para o despacho quotidiano, vinham adquirindo crescente protagonismo253. Esta
multiplicação de ofícios agudizava a conflitualidade da Corte. O exercício do poder foi
conferindo ao rei uma dimensão mais “burocratizada”, modificando a natureza simbólica da sua
legitimidade, monopolizando espaços cada vez mais alargados de acção.
Para entender estes ritmos de mutação institucional, bem como a emergência de um ethos
administrativo da Coroa, deve procurar-se o sentido da “luta” de Corte.
No final do século XV, o rei de Portugal, D. João II, começou a ser, na feliz expressão
de Joaquim Romero Magalhães, «alguma coisa mais do que um senhor»254. Este «qualquer coisa»
prendia-se com a produção de uma ideia de poder régio baseada no conceito de “arbitragem”.
Nesta perspectiva, não deve espantar-nos o sacrifício do «escrivão da puridade»: parte da sua
função, como da explicação da sua rápida ascensão, prendeu-se com as virtualidades da sua
utilização como “testa de ferro” dos conflitos no contexto da expropriação dos direitos
“particulares” por uma soberania régia em ascensão.
Assim sendo, que competência foram então mantidas pelo «escrivão da puridade» no
reinado de D. Manuel I?
Em primeiro lugar, a importância do segredo régio continuava a impor que o cargo devia
ser exercido pelas pessoas com mais prática e habituadas aos assuntos do despacho. Em 1521 as
253 Vasco Rodrigues dos Santos Machado VAZ, A boa memória do monarca, os escrivães da chancelaria de D. João I (1385-
63
Ordenações Manuelinas256 confirmaram a dimensão honorífica do ofício. Devia assistir a todos os
actos públicos da Corte, reduzindo-os a escrito e certificando-os, sendo por vezes nomeados
«escrivães da paridade», especificamente para esses actos. Tal com o «regedor», o «governador»,
o «chanceler-mor» e o «vedor da Fazenda», o «escrivão da puridade» gozava, nesta época, de
privilégios, graças e mercês, e liberdades” contemplados nas Ordenações, tirando partido de ser
uma das pessoas «mais chegadas» ao soberano no exercício do seu ofício257. Segundo o
Testamento de D. Manuel I, ficava estabelecido que, até o Príncipe D. João chegar aos vinte
anos e assumir o governo do reino, devia o «escrivão da puridade» substituir o conde de Vila
Nova na função de confirmar os «Alvarás» que tocassem à «Justiça». Contudo, confirmou-se a
redução da sua intervenção, ficando remetido a matérias «forenses».
Com D. João III, o cargo de «escrivão da puridade» sofreu novas convulsões. Depois de
D. António de Noronha258 foi nomeado D. Miguel da Silva (de Meneses), filho de D. Diogo da
Silva (de Meneses), primeiro conde de Portalegre e, como vimos, também «escrivão da puridade»
de D. Manuel I, o que confirma o acentuar dos laços de hereditariedade na transmissão do cargo.
As suas competências diplomáticas levaram-no a Roma onde alargou as suas influências na Santa
Sé e obteve a inclusão na lista de promoção cardinalícia de Paulo III em Setembro de 1539259.
Regressado à Corte, D. João III, talvez desagradado com um processo que decorreu á sua
margem, nunca permitiu que D. Miguel voltasse a Roma para ser investido cardeal. Este, sem
outra solução à vista, saiu de Portugal em 1541 em direcção a Roma, não obstante as tentativas
empreendidas por D. João III para travar o seu caminho260. Aí foi investido cardeal e não mais
regressou ao reino. Este incidente provocou uma ruptura na continuidade das nomeações. O
«escrivão da puridade» voltava a desobedecer ao monarca, tirando partido pessoal do acesso
nomeado pelo rei como procurador no «Tratado de Casamento entre a Infanta D. Isabel e o Imperador Carlos V»,
segundo a procuração escrita pelo secretário do rei, António Carneiro, efectuada a 6 de Outubro de 1526, Francisco
Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães...», pp. 196-197.
259 Sobre a evolução da actividade diplomática em meados do século XVI ver Pedro CARDIM, «A diplomacia
portuguesa no tempo de D. João III, Entre o Império e a reputação», D. João III e o Império, Actas do Congresso
Internacional comemorativo do seu nascimento, Lisboa, 2004, pp. 627-660 sobre D.Miguel da Silva ver p. 631 e biblio. aí cit.
260 O rei demitiu o «escrivão da puridade» das suas funções, confiscou todos os seus bens, considerando o novo
cardeal romano impróprio para herdar ou legar bens do reino, e impondo severas penalizações para quem
comunicasse com D. Miguel da Silva ou tratasse negócios seus. De nada valeram as instâncias diplomáticas da Santa
Sé. D. João III chegou mesmo a tentar várias soluções para conflituar a relação entre o cardeal o papa, sem sucesso.
Segundo a Carta do rei o «escrivão da puridade» ter-se-ia ausentado do reino sem a devida autorização, indo a Roma
para ser investido cardeal sem que, entretanto, tivesse entregue no Paço as «cartas e escrituras de grande substancia
e segredo que, como escrivão da puridade que era, em seu poder tinha», facto que conduziu à sua desnaturalização e
suspensão do cargo que até aí tinha ocupado, Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães», p. 197 e
ss. e Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal…, pp. 661-669 e extensa bibliografia aí citada.
64
privilegiado aos corredores do poder. A dimensão patrimonial do ofício chocou com a
instrumentalização régia e o serviço do reino.
Este incidente foi rapidamente aproveitado por outros oficiais da Corte. Na ausência do
«escrivão da puridade», serviam os «secretários do rei», ou «secretários da câmara», tal como
aconteceu com António Carneiro e depois com Pedro de Alcáçova Carneiro, os primeiros
secretários a ocuparem de forma muito vincada o espaço da Corte261. O tratamento informal das
matérias, nas áreas da «Fazenda», «Mercês», «Petições» e «Cartas Régias» passou a ser controlado
por esta família de secretários, correspondendo a sua actuação a uma nova fase da “escrita
régia”. Como veremos com mais detalhe, os secretários faziam aqui a sua entrada de leão no
espaço privilegiado do despacho régio, provocando um conflito endémico com os «escrivães da
puridade», tensão que duraria, pelo menos, até cerca de 1600262.
c) O «secretário do rei».
Vimos como na organização dos oficiais régios, pelos séculos XIII-XIV, além do
«escrivão da puridade», um outro conjunto de ministros desenvolveu competências no controlo
dos «papéis» do rei. Denominados «escrivães» assumiam responsabilidades «mecânicas» no
despacho da «Câmara do rei». Como é sabido, esta dimensão mecânica tinha um sentido de
ofício técnico, pouco qualificado socialmente. Esse conjunto de servidores preparava e redigia
todo o despacho relacionado com os assuntos do monarca – na sua dimensão de “grande
senhor” – no âmbito da sua «Câmara» ou «Gabinete263. Podemos estabelecer o reinado de D.
Dinis (1279-1325) como o primeiro momento onde surge, com prova documental, a designação
de «secretário». Esta referência, pela raridade do termo à época, pode ser lida como forma de
distinção de um dos redactores documentais. Segundo Aragão Morato, no século XIV, o ofício
261 Pedro França REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de Portugal…, p. 58 e ss. Alcáçova Carneiro serviu nas
funções de «escrivão da puridade», exercendo esse ofício sobretudo depois da morte do pai, António Carneiro,
Secretário de D. Manuel e D. João III. Contudo, e não obstante o seu desempenho pontual nestas funções, o seu
percurso será tratado no contexto dos secretários do rei.
262 Com D. João II, a tensão entre o «secretário» e o «escrivão da puridade» era já manifesta. Na «Fórma da
Omenagem, que fazem os Alcaides móres dos Castelos das Cidades e Villas dos Reynos», o «preito e menagem»
devia ser lido «alto» pelo «Escrivão da Puridade ou o pelo Secretario». Em todo o caso, seria o Escrivão da Puridade
a assinar o documento, «e eu (...) Escrivão da Puridade que esta menajem por mandado do dito Senhor fez escrever,
e estive ao tomar della, e tambem assiney». Ver J. J. L. PRAÇA, Colleção de leis e Subsidios para o estudo do Direito
Constitucional Portuguez, vol. I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1832, p. pp. 102-103. Veja-se ainda Garcia de
RESENDE, Chronica de el-Rei D. João II, Biblioteca de Classicos Portuguezes, Lisboa, 1902, cap. XXVII.
263 A. H. de Oliveira MARQUES, Portugal na crise dos Séculos XIV e XV, Nova História de Portugal, vol. IV, Editorial
65
de «secretário» era ainda inferior ao de «escrivão da Câmara» (ou «escrivão d’Elrei») e, claro, ao
«escrivão da puridade»264.
264 Distinção concedida a «Estevão da Guarda pelos seus serviços ao rei», trabalhando como fiel depositário do
segredo régio e responsável pelo despacho. Foi «Escanção mor, Procurador na trégua e concordia com o Infante Fr.
Francisco Brandão», Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis e regentes de Portugal
desde os antigos tempos da Monarquia até à aclamação de el-Rei D. João IV», História e Memorias da Academia Real
das Sciencias de Lisboa, 2ª série, t. I, parte I, 1843, pp. 28 e ss.
265 Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários...», p. 32.
266 Lopo Afonso, surgiu como «Secretário d’Elrei» em 1440 e em 1442 foi «enviado» a Castela. A 5 de Março de
1444 recebeu o provimento de «escrivão da puridade», Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os
Secretários dos reis...», p. 30.
267 Judite Antoniete Gonçalves de FREITAS, «Temos por bem e mandamos...», pp. 103-104.
66
Porém, como é sabido, devemos entender estas designações de ofícios como «mercês»
que nem sempre tinham correspondência com uma funcionalidade especificamente
formalizada268.
Por exemplo, no século XV, o escrivão da Fazenda comportava uma dimensão fluida.
Podia, por vezes, a sua actividade confundir-se com a de um auxiliar coordenador do despacho
dos Vedores da Fazenda. Podia também acumular funções com o ofício de «escrivão da câmara»
e surgir na esfera do rei e dos mais altos oficiais da «Câmara régia». Mas podia ainda ser
estritamente afecto aos «vedores da Fazenda», apenas despachando assuntos de fazenda. No que
diz respeito ao despacho, a produção de documentos régios, continuou a ser controlada pelos
«escrivães da puridade», seguidos de perto pelos «escrivães da Câmara» e pelos «escrivães da
Fazenda». Apenas no final do século XV começa a estabilizar-se uma tendência muito constante
do cursus honorum da “burocracia” régia: os «escrivães da Câmara» de maior destaque no serviço
do rei, passavam a «escrivães da Fazenda» e depois a Secretários do rei269. Na verdade, os
«secretários» reconheciam ainda superioridade aos «escrivães da puridade», talvez em matéria de
conselho e condução de matérias, mas a partir do reinado de D. João II, davam já ordens aos
«escrivães da Câmara», ficando estes cada vez mais voltados para os assuntos “particulares” do
rei, com competências em matéria de redacção e execução prática dos “papéis”. Com a
emergência de um despacho corrente, acentuava-se a diminuição de influência da Chancelaria no
processo de decisão sobre «ordens régias», a não ser, por vezes, nos aspectos formais ou na
articulação jurídica das normas270.
268 Sobre o estatuto do serviço na Câmara régia nos fins da idade média ver Rita Costa GOMES, The making of a court
«Secretário» de D. Afonso V e sua «longa criaçam». Acompanhou o rei em África, nas representações diplomáticas e
em batalhas com Castela. A figura de Álvaro Lopes merece um estudo de caso. Veja-se o estudo do Conde de
TOVAR, As Memórias de Álvaro Lopes Secretário de lRei D. João II, Lisboa, 1932 e ainda Frazão de VASCONCELOS,
Alguns Subsídios sobre Álvaro Lopes de Chaves, Secretário dos Reis D. Afonso V e D. João II, Separata da Revista de
Arqueologia, vol. II, Lisboa, 1936.
67
O reinado de D. João II correspondeu a um forte investimento da Coroa nos
«secretários». Para tal terão contribuído os acontecimentos traumáticos, atrás descritos, vividos
com o «escrivão da puridade». Pedro da Alcáçova, aproveitando a queda em desgraça de Fernão
da Silveira, foi quem mais se destacou no controlo dos «papéis» do rei, servindo também como
«notário público»272. Este «secretário» daria origem à linhagem dos Alcáçova Carneiro, família
que marcaria de forma irreversível a eficácia dos «secretários do rei»273. Porém, a memória dos
«escrivães da puridade» estava ainda demasiado viva para que pudesse decretar-se o fim das suas
virtualidades “administrativas”. Por outras palavras, existia ainda demasiado capital político nas
valências do «escrivão da puridade» para que o rei abdicasse de recorrer a essa funcionalidade na
disposição dos equilíbrios de Corte. Os «estilos» e a memória da actuação destes dois “tipos” de
servidores iriam marcar a “luta” entre cortesãos durante mais de um século. É deste conflito,
entre «secretários do rei» e «escrivães da puridade», que trataremos em seguida.
272
António Caetano de SOUSA, Provas, t. II, pp. 123 e ss.
273
Pedro da Alcáçova, sogro de António Carneiro, foi escrivão da Fazenda de D. João II, antes de ser secretário de
D. Manuel. António Carneiro, seu genro, foi «Capitão Donatário da Ilha do Príncipe e do Conselho do Rei,
Comendador da Ordem de Cristo». Casou António Carneiro com uma filha de «Pedro d’Alcaçova e teve como filho
Pedro de Alcaçova Carneiro». Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», pp. 41-42.
68
II
O SECRETÁRIO: O SERVIÇO DO REI E DO REINO
NA FORMAÇÃO DE UM SERVIDOR (1530-1578)
A morte do rei e a transição de reinados não afectou esta evolução. Com D. Manuel I os
«secretários» continuaram a conduzir as práticas jurídico-testamentárias ocupando-se em muitos
274IAN/TT, Chancelaria de D. João II, «António Carneiro, Carta de Escrivão da Câmara Real», Liv. 17, fl. 4 ;
Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 40.
69
outros assuntos de «governo». Na primeira década do século XVI, António Carneiro despojou o
«escrivão da puridade» do auxílio da decisão régia275. Porém, a indeterminação processual era
ainda grande. Para este primeiro momento na emergência do «secretário», como ministro
determinante na condução dos «papéis» do rei, concorreu o crescimento dos assuntos associados
às «conquistas», começando a mencionar-se, na documentação, a especificidade do despacho das
«matérias da Índia», em franca ascensão no reino276. Também a fixação da Corte e a emergência
de uma mais activa vida cortesã generalizou o cargo no âmbito dos serviços prestados a pessoas
reais277. A carta de nomeação de António Carneiro como «secretário» de D. Manuel, dada em 16
de Abril de 1509, invocava já a posse de todos os privilégios dos «Secretarios dos Reis seus
Antecesores». Nesta altura foi dado ao «secretário» o controlo sobre os registos da Chancelaria,
estabelecendo-se uma primeira ligação entre o «despacho da Índia» e o processo de concessão de
mercês. Estas novas competências, além de confirmarem formalmente a concessão de
«privilégios» aos «secretários», consagravam também uma nova “dignidade cortesã” do ofício.
275 BA, 51 – 5 – 60, «Índices de várias histórias civis, indez das guerras da flandres por Antº Carnº», fls. 77v-86v,
onde se verifica a especialização dos «secretários» no aconselhamento do rei em assuntos «politicos».
276 IAN/TT, Chancelaria de D. João III, Liv. 42, fl. 97. A Carta de nomeação de «secretário» passada a Pedro Alcáçova
Carneiro, a 16 de Março de 1530, refere os serviços prestados nesta época, por seu pai, no «despacho da Índia».
277 IAN/TT, Chancelaria de D. Manuel I, «Secretario de El Rey, Carta a Jorge Garcês», Liv. 26, fl. 12v; «Secretario do
Infante D. Afonso, Carta a Afonso Dias», Liv. 25, fl. 127v; «Secretario do Príncipe, Carta a Francisco Carneiro», Liv.
10, fl. 48v.
278 Sobre o «governo» de D. João III, Ana Isabel BUESCU, D. João III, Círculo de Leitores, 2005, pp. 181-190 e
70
Com efeito, a ascensão dos «secretários» decorria de uma transformação nas
características do «despacho». O expediente dos «negócios» tinha vindo a avolumar-se,
tornando-se mais complexa a sua resolução. Numa época em que a configuração dos cargos
dependia, em grande medida, da realidade conjuntural, alguns oficiais de Corte – «secretários»,
«escrivães da Câmara» e «escrivães da Fazenda» – tinham aproveitado o enfraquecimento do
«escrivão da puridade», e os consequentes momentos de indeterminação de competências, para
ganharem espaço, chamando a si o maior número de «matérias».
António Carneiro, o «secretário» que tinha adquirindo maior relevo no espaço da Câmara
régia, vai apostar no fortalecimento do seu cargo, ganhando legitimidade nos actos da decisão e
constituindo-se no mais importante coordenador do despacho de D. João III. Nas palavras de
Joaquim Romero Magalhães, os «secretários» actuavam na «sombra», tentando potenciar a sua
crescente – mas ainda frágil – valia cortesã. Lembre-se que os seus «privilégios», apesar de serem
confirmados nas «Cartas de nomeação» não tinham qualquer reconhecimento formal nas
Ordenações do reino. Apesar desta fragilidade formal, procuravam distribuir as «migalhas de poder
que o rei deixava cair», sugerindo influências e multiplicando relações com os potenciais
peticionários279.
Em primeiro lugar deve notar-se uma clara preponderância nos negócios ultramarinos:
controlo sobre o negócios de escravos280, sobre a partida de navios para a costa africana281 e
armação das frotas, providências sobre as equipagens, regulação dos canais de comunicação com
os vice-reis da Índia, onde se reportava a situação daquele estado e a despesa dos ofícios da
Fazenda Real282. Depois, o já clássico «governo» dos negócios diplomáticos, sendo que o
secretário trocava correspondência com os embaixadores, tendo acesso a importantes notícias
das mais diversas cortes, controlando os pagamentos dos ordenados dos enviados e as despesas
diplomáticas em geral, regulando a publicação de assentos de paz e a ratificação de tratados283.
Esta importância era notada pelo enviado de Castela que sublinhava a importância do secretário
e respectiva presença num «Conselho secreto» onde se decidiam as principais matérias de
279 Joaquim Romero MAGALHÃES, «Os Régios Protagonistas do Poder», No Alvorecer da Modernidade…, pp. 449-
452.
280 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 4, n.º 102.
281 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 34, n.º 22.
282 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 66, nº 12.
283 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 50, nº 85, mç. 6, n.º 13, mç. 36, nº 98 e mç. 21, nº 51.
71
«governo»284. Sintomático deste protagonismo nas relações diplomáticas é o facto da rainha de
Castela escrever, em 1527, a António Carneiro, pedindo ao rei, por intermédio do secretário, a
nomeação de António de Azevedo Coutinho, enviado da corte de Portugal, como chanceler-mor
do reino285.
No que toca a uma maior extensão deste poder aos «povos» do reino, surgem,
igualmente, os primeiros indícios, através dos pedidos dos Concelhos ao secretário, no sentido
de conservarem privilégios (1533) ou rogando por intervenção que impedisse a «imposição de
Justiças» (1526)292. Neste sentido, emergem também funções relacionadas com o governo da
Fazenda293, como o controlo sobre a valia do pão e linho dos campos de Coimbra (1517), sobre
a entrega de bens de Fazenda, rendimentos de mosteiros, negociações fiscais em senhorios –
como a dízima do pescado em terras do duque de Bragança – arrematação e dívidas de contratos
(1527), pedidos para decisões sobre capelas (1528)294, tomada de contas nos almoxarifados
284 Correspondance d’un Ambassadeur Castilhan au Portugal, dans les annés 1530, Lope Hurtado de Mendoza, comentário e
apresentação Aude Viaud, CCCG, Lisboa-Paris, 2001, pp. 90 e cartas onde o secretário é citado, pp. 400-437.
285 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 37, nº 34.
286 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 6, nº 61, mç. 12, n.º 45, mç. 40, nº 46.
287 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 26, nº 75
288 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 36, nº 97, mç. 48, nº 33, mç. 36, nº 87.
289 Por exemplo, entre o arcebispo de Braga e os corregedores (1523), IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 29, n.º
121.
290 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 20, n.º 14, mç. 19, n.º 19, mç. 8, n.º 124 e Parte I, mç. 14, n.º 61, mç. 21,
n.º 13.
291 Na ausência dos arcebispos (sobretudo por morte), o secretário podia mesmo tomar decisões sobre a nomeação
de ofícios e arrendamentos de terras, IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 49, nº 46 e mç. 13, nº 70.
292IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 34, n.º 1, mç. 54, nº 15.
293 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 21, n.º 44, mç. 26, n.º 51, mç. 37, nº 6 e mç. 43, nº 87.
294 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 38, nº 41 e nº 58, mç. 41, nº 126, mç. 44, nº 93.
72
(1530) ou mesmo notícias sobre os negócios dos mercadores (preços, quantidades
transaccionadas e modo de pagamento)295.
Para além do crescendo informal deste poder “executivo”, um outro tópico deve ser tido
em conta nesta fase do processo.
295 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 39, nº 79, mç. 45, nº 80.
296 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 39, nº 78.
297 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 25, nº 125.
298 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 34, n.º 61
299 Tal como sucede em 1528, pedindo-se ao secretário que «mude» o meirinho de Campo Maior para Estremoz,
(1515-1568), revistas e anotadas por Ernesto de Campos de Andrada, Imprensa Nacional de Lisboa, Lisboa, 1937.
73
momentos chave no processo de ascensão político-social destes oficiais. Por conseguinte, a
descrição da vida do «secretário» impõe que nos demoremos um pouco no seu comentário.
Como era de esperar, o facto desencadeou protestos. Não há razões para duvidar da
animosidade, relatada por Alcáçova Carneiro, que os Conselheiros tinham pelo recém
promovido «secretário». Durante os processos de votação, e perante a importância das matérias
discutidas, punham os olhos no «secretário», mostrando na suspensão do voto, e «nos mais
303 O mais completo estudo sobre os modelos educativos da «Casa real», na sua relação com a virtude cortesã, Ana
Isabel BUESCU, Imagens do Príncipe, Discurso normativo e representação (1525-1549), Cosmos, Lisboa, 1996, pp. 131-135.
304 Relações de Pero de Alcáçova Carneiro..., p. IX.
305 Relações de Pero de Alcáçova Carneiro..., p. X
306 Relações de Pero de Alcáçova Carneiro..., p. XI.
74
gestos que para isso faziam», o seu desacordo perante o facto de se discutirem assuntos tão
relevantes ante a inexperiência e a juventude daquele oficial. De acordo com o «secretário», em
muitas ocasiões, o rei dissimulava e mandava que continuasse a discussão e as votações. António
Carneiro, nessa época ainda o «secretário» mais influente, manifestava a sua preocupação perante
a inaudita situação, temendo pelo futuro do filho, facto que assinala as dificuldades encontradas
pelos «secretários» no seu processo de ascensão307.
Depois da morte de António Carneiro, Pedro da Alcáçova Carneiro foi adquirindo uma
maior autonomia no «despacho» régio.
Apesar de D. João III ter cometido a um dos mais poderosos cortesãos, o Conde do
Vimioso, D. Francisco de Portugal, a elaboração das cartas sobre as matérias mais relevantes, o
rei estabeleceu também que o conde fosse secundado por Pedro de Alcáçova Carneiro. Ocupou-
se o «secretário» nesta assistência entre os dezassete e os vinte e dois anos, trazendo as cartas ao
Conselho do rei, lendo e corrigindo as «matérias» segundo a decisão dos conselheiros308.
Sempre que o rei se ausentava da Corte, seguia-o o seu jovem «secretário». Apoiado por
influentes aristocratas, como o conde da Castanheira, D. António de Ataíde, então muito
próximo do rei, o «secretário» foi adquirindo influência no Conselho. Durante as deslocações da
Corte era uma outra destacada figura da aristocracia, o conde do Vimioso – como vimos,
responsável pelo despacho – quem financiava o «secretário». Apesar da conflitualidade latente
entre estes dois cortesãos – o conde do Vimioso e o Conde da Castanheira – Alcáçova Carneiro
manteve o relacionamento estreito com ambos, não perdendo nunca o equilíbrio entre as duas
parcialidades.
307 Em diversas ocasiões, o desconforto de António Carneiro terá levado o velho «secretário» a «acenar para que o
seu filho abandonasse a sala», acção que o rei normalmente impedia, confiando na estreita relação que mantinha
como o «moço secretário», Relações de Pero de Alcáçova Carneiro..., p. XII.
308 Relações de Pero de Alcáçova Carneiro..., p. XIV.
75
perturbação, dada a sua inexperiência. Não é necessário sublinhar que a redacção destas
«lembranças» pressupunham escolhas determinantes para a evolução do «governo» régio309. Os
documentos eram depois verificados com o Infante D. Luís, os dois condes, e a Rainha D.
Catarina. Beneficiando da experiência destes cortesãos, e adestrando a sua escrita nas reuniões
desta cúria régia, o «secretário» foi alargando a sua influência a áreas que não estavam, cerca de
1530, cometidas à sua jurisdição, tanto nos «despachos das pessoas» («Partes» e «Mercês»), como
nas matérias de «Fazenda». Nesta altura, o «secretário» passou a monopolizar o «despacho».
Quando o rei escrevia para D. Catarina – como sabemos, determinante no «governo» do reino310
–, qualquer que fosse a matéria, costumava estar presente Alcáçova Carneiro, velando pelo
segredo, «fecho» e transporte das cartas. Os documentos escritos por mão régia (ao «Papa», ao
«Imperador», aos «Reis», aos «Príncipes» e «Princesas»), eram todos notados pelo «secretário» que
elaborava as minutas, material que o rei depois emendava e reorganizava311.
76
cardeal a selar cartas com selo de cera pendente317. Na verdade, as decisões em torno da
legitimidade documental no espaço da corte eram dominadas pelo secretário.
Os mais influentes cortesãos tinham notícia de um testamento, ditado pelo rei, e redigido
pelo «secretário», onde constavam os contornos de uma hipotética regência. Esses
«apontamentos» – sejam eles falsos, originais ou semi-verdadeiros – mesmo incompletos,
revelaram-se determinantes para o alinhamento das parcialidades na configuração da regência e
para a estabilização do reino, sendo de imediato aceites como fiéis319.
Reyno destituîdo de successor capaz, que o governasse, foraõ convocados em 14. de Junho ao Palacio por ordem da
Rainha Dona Catarina os Duques de Bragança, e Aveiro, os Condes da Castanheira, e Vimioso, O Regedor da Casa
da Suplicação, o Baraõ de Alvito, o Chanceler môr Gaspar de Carvalho com os Vereadores do Senado de Lisboa.
Estava presente a este gravissimo Congresso Pedro de Alcaçova Carneiro, Secretario de Estado, o qual sendo
preguntado, se El Rey fizera testamento, onde deixasse expressa a sua vontade à cerca da regencia da Monarchia?
Respondeo, que a intempestiva accelaraçaõ, com que a morte o privara da vida, lhe impedira naõ acabar os
apontamentos, que para este fim tinha começado, os quaes sendo vistos, e examinados por todas as pessoas, de que
se compunha taõ authorizada Assemblea, os julgaraõ por legaes, e verdadeiros», Diogo Barbosa de MACHADO,
Memórias para a Historia del rey D. Sebastião, t. I, Off. Joseph Antonio da Sylva, Lisboa, 1736, p. 30.
320 Diogo Barbosa de MACHADO, Memórias para a Historia del rey D. Sebastião…, pp. 33-42.
77
Na verdade, são vários os factos que confirmam a posição cada vez mais destacada do
«secretário». O tom de adulação presente nas cartas do embaixador em Roma, Lourenço Pires de
Távora, a Pedro de Alcáçova Carneiro traduzia a sua posição privilegiada na Corte, o que nas
palavras de Romero Magalhães «só se entende com os muito poderosos»321. No mesmo plano,
D. Catarina conferia às cartas redigidas pelo punho de Pedro de Alcáçova Carneiro o mesmo
significado «cortesão» das cartas escritas pela própria mão da rainha322. Esta proximidade entre
D. Catarina e Alcáçova Carneiro decorria de uma combinação de interesses, tendo o «secretário»
desempenhado papel determinante na protecção dos direitos da «Regente»323. Assim, enquanto
durou a regência, Alcáçova Carneiro foi sempre o único «secretário da Rainha» adquirindo como
oficial maior do despacho um poder muito destacado324.
Os «secretários», através da família Carneiro, tinham obtido uma vitória provisória. Mas
o seu protagonismo, não obstante o controlo sobre diversas matérias e variados oficiais da
Corte, assentava sobre «mercê régia», pelo que o cargo de «secretário» continuava a ter uma
dimensão ambígua. Queirós Veloso relembra que Frei Luís de Sousa nos Annaes de ElREi Dom
João Terceiro se referia à «secretaria de Pedro d’Alcaçova», facto que documenta a dimensão
321 Joaquim Romero MAGALHÃES, «Os Régios Protagonistas do Poder», No Alvorecer da Modernidade…, p. 534.
322 BPE, «Papéis de Manoel de Melo, Monteiro-mor», CXI/I-II.
323 Queirós VELOSO, «A política castelhana da Rainha D. Catarina de Áustria, o Casamento da filha com o filho de
Carlos V», Estudos Históricos, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1950, p. 130.
324 Francisco Morato, no seu estudo clássico, afirma que Miguel de Moura nunca foi «Secretário da Rainha», pois, no
discurso sobre a sua vida, confessava que, por ordem de D. Catarina, apenas teria levado uns papéis ao Conselho,
«cujo Secretário era Pedro d’Alcaçova». Morato baseia-se num manuscrito de Alcáçova Carneiro – à época na sua
posse – original escrito em Lisboa, a 4 Outubro de 1566, que confirmava o desempenho destas funções. Francisco
Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 46.
325 No acto «público» da eleição do cardeal D. Henrique, a 23 de Dezembro de 1562, foi Pedro de Alcáçova
Carneiro quem desempenhou as funções de «escrivão da puridade», recebendo o selo das armas reais e entregando-
o ao cardeal, continuando como «Secretário do rei cardeal», até pelo menos 1566, Diogo Barbosa de MACHADO
Memórias para a Historia del rey D. Sebastião..., pp. 31 e ss.
326 «Alvará de 17 de Novembro de 1561 assinado “Raynha”», [Museu Britânico. Add. 20 846, fl. 116], cit. por Conde
78
patrimonial deste controlo sobre os papéis, situação passível de ser alterada em caso de quebra
de confiança do rei327.
Escrivães... », p. 199.
330 Doutor em Teologia, era reitor da Universidade de Coimbra desde 1554. Referendou a primeira carta como
«escrivão da puridade» a 28 de Fevereiro de 1571. Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos…, pp. 68-
69.
331 Ver por todos Joaquim Veríssimo SERRÃO, Itinerários de El-Rei D. Sebastião (1568-1578), Academia Portuguesa
CAETANO, «História da Administração central, local e corporativa », Estudos de História da Administração Pública
Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 1994, pp. 317-319.
333 Sobre este atribulado período a síntese de Maria Augusta Lima CRUZ, D. Sebastião, Círculo de Leitores, 2006, pp.
148-156.
79
corte de D. João V, escreveu no seu dicionário que não havia melhor remédio para diminuir os
poderes de um valido do que criar ao seu lado um «escrivão da Puridade», logo acrescentando
que, no caso concreto da regência do cardeal D. Henrique, este arbítrio, bom em si mesmo,
tinha afinal correspondido a « desfazer um valido para fazer outro »334.
334 Rafael BLUTEAU, «Puridade», Vocabuário Português e Latino, vol. VI, pp. 832-833.
335 Memorial de Pero Roíz de Soares, M. Lopes de Almeida (ed.), Coimbra, 1953, p. 44.
336 Jornada del-rei dom Sebastião à África, Crónica de dom Henrique, INCM, Lisboa, 1978, p. 21.
337 Jornada del-rei dom Sebastião à África, Crónica de dom Henrique…, p. 22 e ss.
338 Queirós VELOSO, D. Sebastião, 1554-1578, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1945, p. 86.
80
anónimo da Biblioteca Pública de Évora, um incidente com uma Dama do Paço339, casada com
um tio de Gonçalves da Câmara, a ditar um rude golpe na sua posição na Corte. D. Margarida de
Noronha, a referida Dama, depois de enviuvar casou numa posição muito inferior340. O
«escrivão da puridade» tomou o caso a peito, mandando prender D. Margarida341. Perante o
incidente, os familiares de D. Margarida de Noronha moveram influência junto de D. Catarina
que intercedeu junto de D. Sebastião. O rei, já num processo de afastamento do «escrivão da
puridade» tratou com rudeza o caso. Entrando o «escrivão da puridade» quando a Rainha D.
Catarina e o rei conferenciavam, D. Sebastião terá perguntado com que autoridade se fizera
aquela prisão. De acordo com o relato anónimo, Martim Gonçalves da Câmara «foi correndo
pelo Paço, saindo para fora, sem atinar com as portas, por onde queria sair, tendo tantas vezes
entrado por elas, e nunca mais voltou ou se atreveu a tornar ao Paço, marchando logo para fora
da Corte. El rei o não chamou mais, e tanto a rainha como D. Henrique se aborrecerão dele, de
maneira que nem o seu nome queriam ouvir»342.
Episódios como estes terão minado a confiança que o rei depositava no seu «escrivão da
puridade».
339 D. Margarida de Noronha - filha de D. Pedro de Noronha, senhor de Vila Verde e de sua mulher D. Violante da
Silveira - casada com António Gonçalves da Câmara, todos das primeiras famílias do reino. Depois de enviuvar, D.
Margarida passou para o Paço da Rainha, D. Catarina, mulher de D. João III.
340 Marçal Nunes da Costa, que também era viúvo, com filhos de D. Vera Gentil, filha de Gaspar Palha, que fora
de El rey D. Sebastião», cod. 592, nº 10, onde se pode ainda ler: «(...) foi algemada nas mãos, e posta sobre huma
mula albardade, sahio de sua caza, acompanhada da justiça, que a foy levando pela Rua direita da Sé, e hindo
defronte da porta da Igreja de S. António atirou-se ao chão, cuidando que a queriam matar em alguma praça
pública».
342 BPE, «Motivo porque acabou o Ministério de Martim Gonçalves da Câmara…», cod. 592, nº 10, os relatos do
fim do “ministério” de Martim Gonçalves da Câmara levantam inúmeros problemas de interpretação. A validade do
documento aqui citado pode mesmo ser posta em causa se pensarmos que Martim Gonçalves da Câmara surgirá no
momento da negociação de Portugal por Felipe II como um forte opositor da solução proposta pelo enviado da
Monarquia Católica, Cristóvão de Moura. De resto, esse facto pode ter originado a produção de “manuscritos
políticos” contra o antigo «escrivão da puridade».
81
“influência da fortuna” – sem dúvida, a principal inimiga da estratégia cortesã. Em 1576 o antigo
«escrivão da puridade» abandonou o Paço sem qualquer voto de confiança do rei343.
Como se pode constatar, e numa primeira visão de conjunto sobre os processos que
estamos a descrever, existia uma grande indeterminação institucional quanto a estes ofícios de
escrita. Ofícios sem «Regimento» eram ainda, sobretudo, instrumentos modelados pelos seus
titulares e pela luta de corte. O percurso de Martim Gonçalves da Câmara mostra bem até que
ponto as sociedades curiais podiam suportar imprevisíveis e fulgurantes carreiras “políticas”
desenvolvidas no seio de uma estrutura familiar de poder. Fica também claro como, por vezes,
era precário e contraditório o poder do rei, podendo ser subalternizado no despacho dos
negócios, ainda que o monarca continuasse a deter a “chave” da posse sobre os ofícios346.
VII, Ulyssipone, 1682, «Como El Rey pode tirar os officios da Iustiça & da Fazenda sem ser obrigado à satisfaçam»,
pp. 462, informação de feitos em que se disputavam ofícios de escrivão da fazenda e escrivão da Coroa, em
questões de hereditariedade e disputa, PEGAS, Commentaria..., t. VII, pp. 467-524. De igual forma há copiosa
informação sobre a suspensão de oficiais «acusados de erros», PEGAS, Commentaria..., t. VII, pp. 525-552. Duas
excelentes abordagens do tema em, António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 502-522 e Fernanda OLIVAL, As
Ordens Militares e o Estado Moderno, Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-1789), Estar, Lisboa, 2001, pp. 126 e ss.
82
2. O «Reino» e a «Índia»: os «secretários» e a construção do
«despacho».
Segundo o clássico estudo de Aragão Morato existiu, no século XVI, uma primeira
divisão de «escrivaninhas» entre Reino e Fazenda348. No entanto, não se encontram registos de
cartas passadas a «secretários da Fazenda». O que Aragão Morato procurava destacar seria a
emergência da escrita da Fazenda – confundindo-a com uma «Secretaria» – matéria que tinha
adquirido um especial relevo no «despacho», quer pelo tratamento de matérias ligadas à
“administração” do império, quer pelo maior destaque do despacho relativo à apreciação de
«mercês»349. Este antigo costume de resposta às «petições», apanágio do vínculo entre rei e
vassalos, tendia a fixar-se como acto pertencente à esfera dos «secretários». Todo este avolumar
da informação levaria a Coroa a produzir divisões no tratamento das matérias.
Foi em torno dos assuntos da «Índia» que se produziu uma primeira divisão de relevo.
Assim, surgiu uma primeira referência formal, associando o «secretário» com a «Índia», tal como
consta do «Alvará de 16 de Março de 1530» criando o « hoffycio de secretareo », ordenando o rei
que todos os « despachos e cousas das ditas partes da Índia e de todos hos outros reynos e
Administração Ultramarina no século XV», Anais de História de Além-Mar, II, CHAM, Lisboa, 2001, pp. 91-102.
83
provenceas » fossem cometidos a este oficial350. Para este trabalho foi nomeado Pedro de
Alcáçova Carneiro que servia como «secretário» do rei351. Apesar de não existir uma divisão
formal em torno do despacho das «cousas da India», sendo tratados os seus negócios pelo
mesmo «secretário do Reino», um largo conjunto de competências «ultramarinas», herdadas das
funções de António Carneiro, iam sendo associadas a um conhecimento específico com os seus
circuitos próprios. O «governo» da chegada dos galeões352, os assuntos de guerra e diplomacia no
«Estado da Índia»353, os «negócios da Fortaleza da Mina» (1559)354, o governo do Brasil e a
resposta às tentativas de ocupação do rei de França355, as ordens sobre «gente e matimentos para
armadas» (1561)356, as notícias sobre a cidade de Tânger e as movimentações de guerra no norte
de África (1562)357, eram matérias por vezes associadas a uma esfera de decisão independente
dos assuntos do reino.
Habsburg Brazil, 1580-1640, University of Southern California, 1974, pp. 45-48; António M. HESPANHA, As
Vésperas..., pp. 237-239 e 245.
359 Ana Isabel BUESCU, D. João III..., p. 220 e ss.
360Francisco Rebelo da SILVA, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII…, vol. V, pp. 402 e ss.
84
cisão no «despacho» da Fazenda – nessa época misturado com as matérias da «Índia» e do
«Reino» – de modo a separar as despesas do provimento das restantes matérias. Divisão
correspondente à separação entre a atribuição de mercês, feita no espaço da Câmara régia, e o
tratamento da matéria ordinária, efectuado nas Vedorias361. Todavia, cerca de 1569, existiriam
apenas duas separações claras, ainda que nesse momento sem confirmação documental: «Reino»
e «Índia». De acordo com o exaustivo estudo de Francisco Mendes da Luz, a separação de uma
«Repartição da Índia» decorreu do avolumar dos «papéis» ultramarinos nas «escravaninhas dos
escrivães da Fazenda e do Reino»362.
Terá sido apenas depois de Pedro da Alcáçova Carneiro ser afastado da Corte que, pela
primeira vez, se deu a nomeação efectiva de um «secretário da Índia». Seria um escrivão da
Fazenda, Duarte Dias de Meneses, a tomar conta deste novo segmento do «despacho»363. Apesar
da Carta referir a data de 15 de Novembro de 1571, ordenava o pagamento dos «vencimentos do
ofício deste Julho de 1569», atribuindo-se a posse das matérias da «Repartição da India Minas
Guine Brasyl e Ilhas»364. A par deste reconhecimento formal, confirma-se uma certa distinção do
cargo por meio da «escrituração do acto de menagem» do Vice-Rei do Estado da Índia, feita daí
em diante pelo «secretário da Índia»365. Quanto às matérias do «Reino» – «negocios e cousas da
Repartição do Reino e Africa e embaixadas» – foram cometidas a outro escrivão da Fazenda,
Miguel de Moura, nesse mesmo ano de 1571366. Com a morte de Duarte Dias de Meneses em
África, em Agosto de 1578, passou o «secretário do Reino» a ocupar-se do «despacho» da Índia,
«correndo com ambas as repartições» até o ano de 1584367.
Com efeito, a «Índia» impunha-se como uma matéria da maior importância, sobretudo
no âmbito das mercês. Tanto mais que Duarte Dias de Menezes, «secretário da Índia», terá
desempenhado funções como «secretário do Reino», talvez em virtude do crescente
361 Maria Leonor G. da CRUZ, A Governação de D. João III, a Fazenda Real e os seus vedores, Centro de História da UL,
Lisboa, 2001.
362 IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, «Carta a Duarte Dias», Liv. 27, fl. 343v; Francisco M. da LUZ,
fl. 218
364 IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião, Doacções, Liv. 27, fl 343 v.
365 Francisco Mendes da LUZ, O Conselho da Índia…, p. 72.
366 IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião, Liv 25, fl. 205v.
367 Francisco M. da LUZ, O Conselho da Índia…, pp. 72-75.
85
protagonismo de Miguel de Moura, que aspirava ascender a uma posição de coordenação geral
de maior prestígio cortesão368.
Cumpre agora observar com mais detalhe o percurso de Miguel de Moura uma vez que a
sua ascensão na Corte corresponde a uma fase determinante da emergência dos «secretários».
Numa biografia, marcada pelo tom das «relações de serviços», diz ter sempre rejeitado o
encargo de receber «petições», porque «este genero de occupação repugnava a sua natureza», isto
apesar da rainha D. Catarina ter pretendido nomeá-lo para o efeito. Este contraditório
comportamento – que levava os ministros da corte a disputarem um cargo, para depois
renunciarem – pode explicar-se pelo controlo das respostas às «petições» e mesmo pelo ethos do
serviço onde a obtenção da «mercê» podia não corresponder a um exercício efectivo do cargo372.
Um dos muitos exemplos diz respeito à forma como Moura disputou o «despacho das mercês»
com João Álvares de Andrade. Numa outra dimensão, Miguel de Moura dizia-se avesso ao trato
com «multidões», tarefa a que não podia eximir-se o responsável pelas «petições». Este cargo
acabava por ser ocasionalmente desempenhado por diferentes oficiais da Câmara régia, tal como
sucedeu com Sebastião Dias, André Soares ou Manuel Quaresma Barreto373.
368 Duarte Dias de Meneses terá passado um «Alvará», feito em Évora a de 21 de Outubro de 1573, cit. por
Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os secretários dos reis...», p. 53. No mesmo sentido, Luís Rebelo da
SILVA, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII..., vol. V, pp. 408-409.
369 Órfão, foi criado pelo conde da Castanheira. Para uma visão alargada do percurso biográfico de Miguel de Moura
ver Francisco de Sales LOUREIRO, Miguel de Moura, 1538-1599, Secretário de Estado e Governador de Portugal, Lourenço
Marques, 1974.
370 Expressa por exemplo na representação do mando régio em Cortes: «e eu Miguel de Moura do Conselho de S.A.
seu Secretario; me mandou S.A., que de sua parte propuzesse, e dissesse aos ditos Estados, que a causa, por que
mandou chamar as Cortes, (como S.A. lho já comunicou) foi para tratar da quietação, e assocego destes Reynos »,
«Auto das Cortes de Lisboa, congregadas no ano de 1579, pelo Senhor Rei D. Henrique, com os Juramentos, que
nelas se prestarão», J.J.L. PRAÇA, Colleção de leis e Subsidios …, pp. 148-151.
371 Sobre o início do serviço de Miguel de Moura, Francisco de Sales LOUREIRO, Miguel de Moura..., pp. 109 e ss.
372 Para um abordagem extensa da «economia da mercê», Fernanda OLIVAL, As Ordens e o Estado Moderno..., pp. 26
e ss.
373Manoel Quaresma, escrivão da Fazenda, desempenhou o serviço ocasional nas petições, sendo depois Vedor da
Fazenda. Terá desempenhado funções como secretário na visita ao Alentejo (1573), na jornada a Guadalupe (1576)
e em África (1578) onde morreu, Luís Rebelo da SILVA, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII..., vol. V, p.
408.
86
No entanto, o pouco prestígio da «mechanica da escrita» permitia, por outro lado, que os
«secretários» se impusessem por uma estratégia de desempenho “técnico”. Foi o que se verificou
com um diverso número de matérias, como a alteração da moeda – a questão dos «patacões» –,
onde o «secretário» mostrou capacidade de mando e destreza na produção documental de um
assunto tão delicado como as alterações monetárias. Todavia, a “dissimulação” cortesã
permanecia como factor determinante. Daí que o «secretário» tenha evitado acompanhar D.
Sebastião, numa viagem do rei a Almeirim. Não tendo a sua reputação devidamente
fundamentada, temeu afastar-se do seu ambiente, não arriscando o “confronto” com os
exigentes “itinerários régios”. A capacidade de medir com exactidão o tempo “político”, optando
por uma intervenção enérgica ou por um recuo estratégico, era um factor determinante para o
“sucesso” dos secretários. É certo que Miguel de Moura se tinha notabilizado em matéria de
Fazenda, sobretudo pela capacidade de tratar a informação e determinar a alteração da moeda.
Porém, não hesitava em considerar-se um «ministro cortesão» com tudo o que isso significava de
jogo político propriamente dito.
Se é um facto que o «secretário» ia lançando as suas raízes de uma forma cada vez mais
profunda, não é menos verdade que o «escrivão da puridade» parecia ainda capaz de corporizar
uma solução na organização do «despacho», misturando elementos do valimento, a partir de um
recrutamento socialmente mais qualificado, impondo por isso maior hierarquização quanto aos
oficiais da câmara régia. Por oposição, o «secretário», com a sua actuação de cariz «mecânico»,
em crescente articulação com o tratamento de questões de Fazenda e a monopolização dos
«papéis» do Conselho do rei, ia sedimentando a sua eficácia na cultura da Corte. Neste sentido, é
necessário observar de que forma a criação do Conselho de Estado potenciou o perfil do
«secretário», tarefa que levaremos a cabo nas próximas páginas.
87
3. A emergência do «Conselho de Estado» e os «secretários do
estado».
Deste modo, devem reconhecer-se em primeiro lugar alguns aspectos que colocam a
criação do Conselho de Estado no âmbito da neutralização dos «secretários».
No que diz respeito à Coroa de Portugal, segundo Maria do Rosário Cruz, o Conselho de
Estado pretendia impedir que o rei se servisse de um só colaborador, mas também
responsabilizar a acção do soberano «a nível interno», regulando o funcionamento da Corte
através de uma assembleia376. Tal como Francisco Sales Loureiro recorda, a criação do Conselho
de Estado trazia um certa carga de «neutralização política» pelo menos como era entendido pelos
374 Neste sentido, as sugestões de Lourenço Pires de Távora, cit. por Pedro CARDIM, «A diplomacia...», p. 659 e
bibliografia aí citada.
375 Feliciano BARRIOS PINTADO, El Consejo de Estado de la Monarquía española, 1521-1812, Madrid, 1984; M.J.
RODRÍGUEZ-SALGADO, The Changing Face of Empire, Cambridge University Press, Cambridge, 1988; José
António ESCUDERO, «El Gobierno de Carlos V hasta la muerte de Gattinara, Canciller, consejos y secretarios», El
Imperio de Carlos V, Procesos de agregación y conflitos, Bernardo Garcia Garcia (dir.), Fundación Carlos Amberes, Madrid,
2000, pp. 83-96.
376 Maria do Rosário CRUZ, As Regências na menoridade de D. Sebastião, Elementos para uma História estrutural, vol. I,
INCM, Lisboa, 1992, pp. 71-73, para o problema do estatuto dos conselheiros do rei desde o reinado de D. João II,
pp. 63-68.
88
«três Estados» nas Cortes de 1562-1563 onde se pedia que na formação do conselho não
houvesse precedências nos votos377.
Estes aspectos interessam ao tema que nos ocupa na medida em que a formação do
Conselho de Estado pode ser vista como uma tentativa de neutralizar o “valimento” de um
ministro da Corte, fosse o «escrivães da puridade» ou o «secretário». No caso dos «secretários», o
perigo revestia-se de uma especial visibilidade, em relação a um passado recente, onde
despontava o exemplo de Pedro da Alcáçova Carneiro. A complexidade da relação entre o
«secretário do rei» e o Conselho de Estado torna-se bem patente se pensarmos que o Conselho
do rei começa por ganhar maior protagonismo durante a regência do cardeal D. Henrique,
opositor declarado do protagonismo adquirido pelo «secretário» Alcáçova Carneiro. Do mesmo
modo, o ano da formalização do Conselho, através do «Regimento do Conselho de Estado»,
dado em 1569, é, como ficou dito, precisamente o ano da reactivação do «escrivão da puridade»,
através de Martim Gonçalves da Câmara378.
377 Francisco de Sales LOUREIRO, D. Sebastião, antes e depois de Alcácer Quibir, Lisboa, 1978, p. 45.
378 Isto apesar da formalização do cargo apenas se ter dado em 1571, depois da neutralização de Alcáçova Carneiro.
379 Luís Rebelo da, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII…, pp. vol. V, 396-397.
89
No que diz respeito ao estatuto destes «secretários», não deve confundir-se a sua posição
cortesã com aquela ocupada pelos «secretários» do rei. A elaboração de um «Regimento do
Conselho de Estado», em 1569, respondia essencialmente à criação de um órgão sinodal que era
uma reacção à concentração do poder «ministerial». Pouco tempo depois, em 1571, seriam
nomeados como «secretários» Duarte Dias de Meneses e Miguel de Moura, oficiais que podiam
servir eles próprios no Conselho de Estado ou enviar oficiais menores da sua «Repartição». A
situação era muito fluida, dependente das conjunturas e das matérias a discutir. Além disso a
menção de um «secretário do Conselho de Estado», não generalizou a designação documental
«Secretário de Estado», nomenclatura que, como veremos, se generalizou num contexto distinto.
Duas conclusões podem ser tiradas. Por um lado, no que diz respeito à assistência ao
despacho pode concluir-se que podiam participar nesse trabalho outros oficiais, “«secretários»
do secretário titular” – como o próprio Miguel de Moura veio a possuir – escrivães da Câmara,
escrivães da Fazenda ou outros oficiais que os monarcas solicitassem383. Por outro lado, a
margem de intervenção destes oficiais já implicava alguma possibilidade de opinião no que toca à
elaboração dos «Pareceres». O reconhecimento que os conselheiros faziam da existência de mais
«razões», na expressão escrita dos seus votos, dos que as que tinham sido dadas oralmente,
sugere um importante trabalho de composição “técnica” do voto.
380 Miguel de Moura afirmou que, em diversas ocasiões, a rainha D. Catarina ordenou que abrisse «a porta de noite
para lhe levar papeis, estando já o Paço fechado, com os moços do monte fora, e ele com cama feita, e sem mando»,
Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura …, p. 107.
381 Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura …, p. 121.
382 Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura…, p. 114.
383 Refere Miguel de Moura que Lopo Soares já antes da nomeação formal de «secretário» participava nos Conselhos
de D. Sebastião e D. Henrique, Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura…, pp. 125 e ss.
90
Não obstante, o «secretário do Reino» podia coincidir com o secretário do Conselho de
Estado. Em 1570, os «Assentos copiados de hum livro delles feito pelo secretário Miguel de
Moura e assinados pelo Conselho de Estado (…)» revelam uma viva actividade do «secretário»
presente no Conselho. Os temas aí tratados versam sobre diplomacia, fortificação das praças e
assuntos militares384. Com efeito, o «secretário» Miguel de Moura utilizava a discussão das
matérias mais relevantes do Conselho de Estado para potenciar as relações no Paço, onde os
cortesãos reconheciam que «uns que eram do Rei, outros da Rainha e outros ainda do Cardeal e
que, somente ele [Miguel de Moura] era de todos os três».
Em todo o caso, os «secretários» podiam insinuar-se no serviço régio sem ser através do
Conselho de Estado. Tanto mais que, como bem notou António M. Hespanha, o Conselho de
Estado não desempenhava nesta época papel de coordenação. Tanto Pedro da Alcáçova
Carneiro como Martim Gonçalves da Câmara assumiram uma dimensão “ministerial” que
transcendia o trabalho de assistência ao Conselho de Estado385
384 Documentos Inéditos para a História do Reinado de D. Sebastião, Joaquim Veríssimo Serrão (ed.), Separata do Boletim
da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1958, p. 66.
385 António M. HESPANHA, As Vésperas..., p. 289.
386 Francisco Mendes da LUZ, O Conselho da Índia…, p. 71
91
Quando D. Sebastião partiu para África deixou no reino quatro Governadores,
juntamente com o «secretário» Miguel de Moura. Este ficou responsável pela difícil transição do
«governo régio», entre o rei ausente e o cardeal D. Henrique, sendo que este recusava o peso do
«mando», agravando-se esta situação com proliferação de decisões que não apoiava. Segundo D.
Sebastião, o «secretário» representava uma solução para «reduzir» as relações familiares a relações
“políticas” ; « não de tyo e de afilhado a padrinho mas como Rey a Infante, e Senhor a Vassalo »
387
. A mediação de Miguel de Moura interpunha na relação familiar uma dimensão institucional.
O «secretário» tinha privilégios idênticos a todos os Governadores, tanto no voto como no
assento, acedendo às chaves do «selo régio»388. O facto de lhe não ser concedido o título de
governador foi justificado pelo rei, nas palavras de Moura, com a necessidade do «secretário»
ficar mais livre para mediar o «governo» sobre o reino, deixando-o por «governador dos
governadores»389. Contudo, talvez D. Sebastião soubesse ser de pouca prudência – podendo
mesmo ser considerado um acto de «tirania», mostrando extremo desrespeito pelos costumes da
Coroa – nomear formalmente um mero «secretário» como Governador do reino.
CRUZ, As Regências na menoridade…, vol. I, pp. 103-114. Sobre a complexa questão da manipulação das presidências
do Desembargo do Paço ver António M. HESPANHA, História das Instituições…, p. 357 e ss., sobre a
fundamentação político-jurídica do Desembargo, ver João Pinto RIBEIRO, Lustre ao Desembargo do Paço, I, Oficina
de José Antunes da Silva, Coimbra, 1729, pp. 45-50.
392 Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura …, p. 125.
92
acentuando também a comunicação, no decorrer do despacho, com outros tribunais do reino,
onde os escrivães da câmara desempenhavam um papel essencial393. Na verdade, pode distinguir-
se aqui uma tentativa para forçar um sistema disruptivo a uma “cerebração” que hierarquizasse
as decisões e disciplinasse os processos de circulação documental. Contudo, o horizonte dessa
mutação estava ainda distante.
A verdade é que a morte do rei D. Sebastião, nos areais do norte de África, em 1578, deu
origem a uma crise dinástica que voltaria a agitar a configuração do «despacho» e a distribuição
dos poderes na corte.
Na verdade, não surpreende que o Cardeal D. Henrique, a pouco mais de um mês da sua
coroação, mandasse prender a 2 de Outubro de 1578, um antigo «secretário», Pedro da Alcáçova
Carneiro, intimando-o a responder a uns «Apontamentos» assinados pelo Corregedor da Corte,
Rui de Matos de Noronha, em que lhe eram imputadas graves culpas na precária situação
“económica” do reino e na própria «jornada de África»395. Além disso, era ainda acusado de ter
angariado meios financeiros de forma lesiva para todos os «estados» do reino396. Segundo
Queirós Veloso estes «Apontamentos», e mesmo a «ordem de prisão» do cardeal, respondiam a
uma opinião corrente no reino, à qual seria imprudente não dar seguimento. O «secretário»,
Pedro da Alcáçova Carneiro lembrava que o tratamento era inadequado e que mesmo os
«Apontamentos» não referiam nenhuma das acusações mais graves normalmente imputadas aos
«secretários» – não existia «traição, nem roubo, nem rompimento de segredo»397.
A verdade é que, neste último quartel do século XVI, apesar de um frágil estatuto
jurídico, o «secretário» afirmava o seu poder na Corte, o que lhe garantia, apesar dos
Corte. António Perez, «secretário» de Felipe II seria envolvido num processo semelhante.
397 Queirós VELOSO, O reinado do Cardeal D. Henrique..., p. 70.
93
“ostracismos” e dos “processos”, uma recorrente eficácia. Daí que perante os graves contornos
da “crise dinástica”, os «secretários» Pedro da Alcáçova Carneiro e Miguel de Moura vão ser
chamados a desempenhar um papel fundamental, como se em torno do «secretário» gravitasse já
um pouco da simbólica presença do poder, conferida pelo domínio dos «papéis», outrora
pertencente ao rei. Com efeito, começa a verificar-se um lento processo de «sacralização» do
poder do «secretário», decorrente do domínio sobre os «negócios» – as operações obscuras, os
pequenos favores nos conselhos, os ofícios solicitados, o controlo das informações de serviços –
ainda que no meio de uma encarniçada “luta” que iria colocar em causa os limites da
«monarquia» e a própria legitimidade do poder régio. O capítulo que se segue, procura descrever
este atribulado processo.
94
III
“MODERNIZAÇÃO POLÍTICA” E CONFLITO DE
«JURISDIÇÕES»: A CONSOLIDAÇÃO (1578-1640).
Portugal dos Filipes (1580-1668) », Portugal no Tempo dos Filipes, Política, Cultura, Representações (1580-1668), Cosmos,
Lisboa, 2000, p. 23.
95
A importância destas modificações levou António M. Hespanha a associar o «governo»
dos Áustrias a uma «“modernização” da constituição política portuguesa»400. Neste capítulo III
trataremos de descrever a actuação dos «secretários» e dos principais ofícios da escrita do rei em
todo este processo.
400 António M. HESPANHA, «O governo dos Áustrias…», pp. 50 e ss. Veja-se ainda Mafalda Soares da CUNHA,
«O Império Português no tempo de Filipe III. Dinâmicas Político-Administrativas» investigação realizada no âmbito
do projecto Optima Pars II – As elites portuguesas de Antigo Regime, Projecto POCTI/HAR/35127/99 financiado pela
FCT/MCTES, (inédito).
401 Duas excelentes análises deste conturbado período em Fernando BOUZA ÁLVAREZ, Portugal en la Monarquia
Hispanica (1580-1640), Filipe II, las cortes de Tomar y la genesis del Portugal Catolico, 2 vols., Universidad Complutense,
Madrid, 1987 e Carlos J. Margaraça VEIGA, Poder e Poderes na crise dinástica (1578-1581), (Dissertação de
Doutoramento), FLUL, 1999.
402 Pedro CARDIM, «Política e identidades corporativas no Portugal de D. Filipe I», Estudos em homenagem a João
filipino (1580-1640), Difel, Lisboa, 1991 e Jean-Frédéric SCHAUB, Le Portugal au temps du comte-duc d’Olivares (1621-
1640), le conflit de juridictions comme exercice de la politique, Casa Velázquez, Madrid, 2001.
96
Neste sentido, pareceu a vários dos mais influentes cortesãos em Madrid, que a definição
da estrutura administrativa podia transformar-se num problema sério, se a mutação não fosse
mediada por oficiais bem integrados nos «complicados» processos de «despacho» dos
portugueses. O duque de Alba, por exemplo, olhava com pouca tranquilidade para o problema
da tramitação dos papéis portugueses, temendo pelo impacto que a demora da assimilação dos
processos provocaria no governo404.
404 Fernando BOUZA ÁLVAREZ, Portugal en la Monarquia hispânica..., pp. 261-369 e p. 370.
405 Toda a questão jurídica evoluiu sobre este pano de fundo, Mafalda Soares da CUNHA, «A questão jurídica na
crise dinástica», No Alvorecer da Modernidade…, pp. 465-472.
406 Fernando BOUZA ÁLVAREZ, «La magestad de Felipe II, Construcción del mito real», La Corte de Felipe II, José
dizendo que seriam de «virgens» a fim de pagar a Miguel de Moura os seus serviços, uma vez que o influente
secretário se encontrava obcecado pela obtenção de relíquias, Fernando BOUZA ÁLVAREZ, D. Filipe I, Círculo de
Leitores, 2005, p. 115.
97
se preocupava em obter os serviços de um «secretário». O representante do Rei Católico em
Lisboa dava conta de uma conversa onde Pedro de Alcáçova Carneiro confidenciava poder
garantir a adesão do reino de Portugal de uma forma pacífica. O historiador Queirós Veloso,
num extenso e detalhado estudo sobre o reinado do cardeal D. Henrique, notou a importância
fulcral deste antigo «secretário», cuja experiência e influência terá sido um elemento fundamental
no sucesso da integração. Não por acaso, Cristóvão de Moura viria a referir-se a Alcáçova
Carneiro como «diabólico personaje»408. Claro está que esta animosidade se devia também ao
caríssimo preço a que o «secretário» fazia pagar os seus serviços, consciente do seu saber
“técnico” e da sua rede de influências bem enraizada na arquitectura “político-administrativa” do
reino. Porém, restam muitas dúvidas sobre o papel primordial de Alcáçova Carneiro no
estabelecimento da comunicação entre a corte de Portugal e os oficiais de Felipe II409.
O “capital político”, conferido por longos anos no «despacho» dos reis de Portugal,
decorria da longa experiência de Alcáçova Carneiro em redigir «papéis» – fossem «Consultas»,
«Respostas», «Resoluções» ou as «ementas» do Conselho do rei – sobre delicadas «matérias de
estado», para não falar da extensa documentação que estes servidores mantinham nos seus
arquivos. «Secretários» como Alcáçova Carneiro tinham acesso a informação privilegiada que,
além do mais, guardavam durante muito tempo, uma vez que despacham em casa e mantinham
consigo os papéis das «secretarias» que lhes pertenciam, segundo a dimensão patrimonial dos
seus ofícios410. Daí que alguns anos mais tarde, no momento da morte deste influente
«secretário», o conde de Portalegre, D. João da Silva, afirmaria, numa carta a Cristóvão de
Moura, que não existia ministro no mundo que mais tempo tivesse «asistido á los Consejos y al
manejo de las cosas de Estado»411.
Com efeito, o Rei Católico, com um largo conhecimento da crescente importância dos
«papéis» no «governo» da monarquia, não hesitou em efectuar todos os esforços para obter o
favor destes dos dois mais relevantes «secretários» portugueses: Pedro da Alcáçova Carneiro e
Miguel de Moura. Exemplo da eficiente colaboração que se estabeleceu entre D. Filipe I e os
«secretários» foram as negociações efectuadas por Miguel de Moura, trabalhando com os
98
embaixadores da Monarquia Católica a «Concórdia Real» de 1579, onde se procurava actualizar
os artigos de Lisboa de 1499412. Com efeito, este trabalho de “arqueologia jurídica” era terreno
fértil para os «secretários» brilharem, dado o seu domínio dos arquivos e a sua capacidade de
simplificação de conteúdos, bem como a agilidade na produção de sínteses de «Votos» e
«Pareceres». Percebe-se que, neste ponto, pelo menos durante o período do «governo Áustria
(entre 1579 e 1640), a formação jurídica – sobretudo por um certo adestramento na prolixidade
– fosse menos eficaz na hora de expressar num documento escrito, de cariz “constitucional”,
uma variedade de princípios de «governo». É verdade que a especulação jurisdicional estruturava
o “campo" onde evoluía a “luta” de Corte. Contudo, sob esta omnipresença da «justiça», emergia
uma racionalidade diversa, menos afecta aos «direitos» e mais sensível a uma extensão do «direito
régio» como veículo dos interesses “administrativos”.
412 Para um resumo do complicado processo de negociação ver Fernando BOUZA ÁLVAREZ, D. Filipe I…, pp.
69-74.
413 José Maria de Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores e o breve reinado de D. António, 1956, Academia
99
os oficiais da Corte415. Todas as parcialidades em confronto tentavam adquirir os serviços destes
especialistas documentais.
Nesta altura, também Felipe II, acercando-se de Portugal, pretendeu agir com mais
determinação nesta “guerra de «papéis»”, comunicando a Cristóvão de Moura que, chegando a
Badajoz, precisaria de um «secretário» português, com prática na coisas de Portugal, capaz de
redigir «Cartas» e «Decretos»418. Cristóvão de Moura sugeriu dois escrivães da Fazenda: Nuno
Álvares Pereira, já conhecido do rei, e Lopo Soares – como vimos, um oficial do «secretário»
Miguel de Moura419. O rei preferiu Nuno Álvares Pereira, dado o seu domínio do castelhano, e
nomeou-o seu «secretário». Este movimento de captação de oficiais da escrita revela bem a
importância dos «papéis» na captação da “legitimidade de «governo»”. Numa segunda fase da
negociação de Portugal, foi a Nuno Álvares Pereira que o «secretário» de Felipe II em Madrid,
Gabriel de Zayas, pediu nomes de «ministros» portugueses para o «despacho» das matérias mais
415 Relembre-se que ficava consagrado no documento que todas as «Cartas», «Provisões», «Alvarás» e «Papéis»,
deviam ser assinados pelos Governadores. Os documentos mais importantes seriam assinados pelos cinco e os
restantes por apenas três. Todas as «Provisões» de «Justiça» e «Fazenda» deviam ser lidas por um escrivão da fazenda
«dos mais lidos e práticos», ficando o escrivão sentado – no despacho dos governadores com os oficiais respectivos
das matérias – num «escabelo arredado da mesa», com outro «diante que porá os papéis», escrevendo o que fosse
necessário. No entanto, as movimentações de corte e a consequente produção de «papéis» provinham de origens
muito diversas, Queirós VELLOSO, O interregno dos Governadores..., p. 149.
416 BPE, «Cartas de Miguel de Moura a Manuel de Mello, Monteiro-mor», cod. CXI / 1 – 11, nº 36.
417 Em Maio de 1580, foi este secretário quem, numa primeira fase, negociou com Cristovão de Moura a forma da
escolha e juramento do novo rei. Bartolomeu Fróis escreveu inúmeras cartas a Cristovão de Moura, em nome dos
Governadores, tentando gerir uma difícil situação no reino, Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores …, p.
142 e ss.
418 Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores..., p. 95.
419 Queirós VELOSO, D. Sebastião…, pp. 274-275.
100
importantes como «Estado, Fazenda, Governo e Justiça»420. Não restam dúvidas sobre a eficácia
dos «secretários» neste contexto. Na verdade, em momentos de mutação dinástica, os cortesãos
sabiam que esta “dança” de «secretários» significava jogar o acesso a importantes «mercês».
Não obstante esta emergência da eficácia do «secretário», que temos vindo a sublinhar, a
constatação da sua importância não correspondeu à sua imediata consagração como o mais
relevante oficial da Corte. Devido à dispersão de poderes na Coroa de Portugal, o ofício de
«secretário» conheceu mesmo um recuo, do ponto de vista formal, nestes anos de negociação
“constitucional”, fruto da necessidade de criar uma nova legitimidade “administrativa” que fosse
capaz de, como ficou dito, moderar o acesso aos «papéis» – regulando o trabalho das secretarias
– e restaurar a antiga tradição reinícola da «escrita da puridade».
Claro que, do ponto de vista prático, a situação era muito mais versátil. Os dois
«secretários» mais influentes do reino tinham aumentado as suas competências. Miguel de Moura
multiplicou-se na redacção de «instrumentos públicos». Além da «Concórdia de 1579 – já
referida – copiou também os «25 capítulos do Memorial das Cortes de Almeirim» para
comunicação às Cortes de Tomar, misturando, desta forma, os seus serviços com a génese
420 Queirós VELLOSO, O interregno dos Governadores..., p. 202. Nesta fase, o desempenho do «secretário» Nuno
Álvares Pereira foi crucial. Se tomarmos como exemplo um dos vários documentos por si redigidos, o Advertimiento
cerca de las cosas que se han pedido por parte de los Duques de Braganza, observamos a importância das matérias sobre as
quais estes secretários esgrimiam argumentos. Utilizando a linguagem jurídica para defesa dos propósitos de Felipe
II, os papéis versavam sobre as formas de jurisdição real, em matéria de «Fazenda» e «Justiça», tratando problemas
relacionados com as rendas do rei no âmbito dos senhorios. Sobre o importante desempenho de Nuno Álvares
Pereira junto de Felipe II, na avaliação dos pedidos de «mercês» da duquesa de Bragança em troca da renúncia ao
trono de Portugal, Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores…, 1956, pp. 263-265 e 274. Sobre o mesmo
assunto ver ainda Fernando BOUZA ÁLVAREZ, D. Filipe I…, pp. 181-183.
421 BACL, Relación de lo que pasó com Bartolomé Froiz, secretario de Estado, y lo que respondieron sobre ello don
Cristobal de Mora y Molina. De Almeirim, a 21 de Março 1580, Ms. 467, fl. 299.
101
“constitucional” do «Portugal Católico»422. Também Alcáçova Carneiro, fruto do seu trabalho de
bastidores durante o ano de 1579, assumiu, definitivamente, o estatuto de Vedor da Fazenda e
conselheiro do vice-rei423. Começou por ver levantado o desterro a que tinha sido submetido
pelo cardeal, fazendo parte dos que, primeiramente, juraram e reconheceram Felipe II como D.
Filipe I, rei de Portugal nas Cortes de Tomar de 1581424. Pouco tempo depois foi reconduzido a
todos os ofícios e dignidades e agraciado com o título de conde da Idanha425.
A nomeação formal de um novo «escrivão da puridade», em 1582, deve ser lida neste
contexto. Como se explica o regresso deste ofício sem nomeação formal desde o reinado de D.
João III?
Faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em homenagem aos Profs. Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz,
Coimbra, 1983, pp. 1-20.
425 IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Confirmações Gerais, «Alvará para mandar vir da Índia 6 quintais
de cravo», Liv. 3, fl. 192; «Carta das Alcaidarias mores de Campo Maior», Liv. 13, fl. 99; «Carta de Conselheiro», Liv.
2, fl. 155; «Carta de Privilégio de Desembargador», Liv. 1, fl. 172v. Veja-se ainda Queirós VELOSO, O reinado do
Cardeal D. Henrique..., pp. 79-80.
426 Enviando este antigo «escrivão da puridade», como especialista na negociação política, os Governadores
pretendiam controlar o «braço popular», uma vez que era temida reacção violenta. Gonçalves da Câmara tinha sido
sete anos «ministro omnipotente de D. Sebastião». Aí discursou aos Procuradores dos Conselhos, pedindo que
colaborassem com os Governadores, «aceitando com igual justiça todos os pretendentes à sucessão», Chronica do
Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura…, Lisboa, 1840, p. 140.
102
fundamentar esta posição427. A acção de Martim Gonçalves da Câmara explica, em parte, a
decisão do novo rei, D. Filipe I, de voltar a nomear um oficial que pudesse neutralizar o antigo
«escrivão da puridade» e travar a dispersão documental. Deste modo, a nomeação formal de um
novo «escrivão da puridade» correspondeu ao processo de normalização do «despacho»
permitindo, em simultâneo, utilizar um cargo tradicional da Coroa de Portugal para submeter o
trabalho dos «secretários». Assim, foi o «escrivão da puridade» quem leu o «juramente, preito e
menagem», com que D. Felipe I formalizou o pacto com os principais “grupos” do reino
durante as Cortes de 1581. Foram mantidos nas mãos do «escrivão da puridade» – no respeito
pelo costume cerimonial dos portugueses – o domínio sobre os «selos da puridade», depositados
sobre uma almofada assente num estrado pequeno, estando Moura sentado num degrau do
« estradinho junto da dita almofada».
Miguel de Moura foi mais rápido a impor os seus serviços, sendo formalmente nomeado
«escrivão da puridade» de D. Filipe I em 1582428. Claro que a sua prática como «secretário» terá
tido influência na escolha. Todavia, Miguel de Moura, dando seguimento a esta prática de
submissão dos «secretários», procurou a partir desse momento, e sobretudo na composição do
seu percurso biográfico, menosprezar a sua actividade de «secretaria», explicando que a sua
nomeação como «escrivão da puridade» pretendeu sublinhar a superioridade de um ministro que
coordenasse todo o despacho do reino. Sabemos, contudo, o quanto Miguel de Moura procurou
desqualificar o «escrivão da puridade» entre 1569 e 1578429. Na verdade, a “luta” de Corte tudo
transfigurava. Ou, pelo menos, quase tudo.
Com efeito, Gonçalves da Câmara acabou por não conseguir recapturar, daí em diante,
os espaços de poder no Paço. Este momento reveste-se de particular importância pois pela
primeira vez um «secretário», formalmente empossado em Chancelaria, reúne também a
nomeação formal como «escrivão da puridade». Ao fazê-lo, mesmo que apostado em valorizar o
seu novo cargo, acaba por, paradoxalmente, estabilizar a posição dos «secretários». Esta
427 Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores…, pp. 9-11. Em todo o caso, Martim Gonçalves da Câmara
parece ter apoiado as parcialidades anticastelhanas (p. 74) atacando Felipe II no conselho de Estado e conseguindo a
criação, em 1580, de uma Junta da Defesa do Reino (p. 75). Redigiu uma carta que alguns Governadores terão
assinado «sem ler» em que se incitavam os prelados a que, por meio do baixo clero, exortassem as populações a
defenderem com armas o reino (p. 76), propondo também a venda de jóias da coroa para o pagamento de soldados
(p. 116).
428 Por «Carta» de 15 de Dezembro de 1582 foi formalmente nomeado: os «dedicados serviços de Miguel de Moura,
do Conselho de Estado, pelos quais se faz merce do meu officio de escryvao da puriydade, assi pello modo e
maneira, e com aquelles poderes, superiorydade, preheminencias, autorydade, Honras, graças, priuilegios, merces e
franquezas », Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Escrivães da puridade...», pp. 217-218.
429 No «Auto do Levantamento e Juramento de Felipe II» esteve presente Miguel de Moura do Conselho de Estado
«que servia de seu Escrivão da Puridade», sendo notários publicos Lopo Soares e Valério Lopez, J.J.L. PRAÇA,
Colleção de leis e Subsidios…, p. 182.
103
acumulação decorria também do processo que, entre 1578 e 1583, sob a superfície da aparatosa
conflitualidade, tinha conduzido a escrita régia a uma nova fase do seu desenvolvimento.
Outro dos aspectos que importa destacar nesta consolidação dos «secretários», prende-se
com o crescente protagonismo dos escrivães da Câmara régia, passando estes, em diversas
ocasiões, a desempenhar o ofício de «secretário». Os escrivães da câmara do rei, bem como os
escrivães da Fazenda430, vinham adquirindo um crescente protagonismo. Convém recordar que
vinham crescendo exponencialmente desde o reinado de D. Sebastião, acompanhando a
multiplicação de «papéis» e constituindo um “exército de servidores”431.
Com efeito, a actuação dos escrivães da Câmara régia vinha crescendo em intensidade
desde meados do século XVI. A fixação da Corte em Lisboa e o crescimento exponencial do
«despacho» potenciou o seu poder. Estes oficiais tinham o seu âmbito de acção associado aos
«papéis» que o rei tratava sem necessidade de grande assentimento institucional, i.e., sem que
fosse necessário – em princípio – o complexo de tramitação comum a outros órgãos da
monarquia como o Desembargo do Paço ou a Chancelaria. Porém, esta fluidez de acção causou
problemas no controlo do processo documental. É certo que o aumento do volume dos papéis
beneficiou, em primeiro lugar, a sua influência dos escrivães. A sua multiplicação veio, contudo,
acentuar os problemas de harmonização entre autonomia e controlo hierárquico. Por outras
palavras, num reino em mutação, com os vínculos de fidelidade régia enfraquecidos, cuja
430 A título de exemplo, foram dois Escrivães da Fazenda que citaram os pretendentes, naturais do reino, à Coroa de
Portugal em fevereiro de 1579. Francisco Serrão, irmão do Provincial da Companhia de Jesus, citou D. Catarina e
Nuno Álvares Pereira citou D.António, Prior do Crato, Queirós VELOSO, O Reinado do Cardeal D. Henrique, p. 177.
431 Sobre os escrivães, ver as cartas de nomeação IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, escrivães da
Câmara Real: «Carta a Álvaro Fernandes de Mello», Liv. 20, fl. 341v; «Carta a António Moniz de Fonseca», Liv. 38,
fl. 209v; «Carta a Baltazar Vaz Ramos», Liv. 44, fl. 277v; «Carta a Bartolomeu Fróis», Liv. 2, fl. 24; «Carta a Jorge
Lobato», Liv. 3, fl. 146v; «Carta a Francisco Nunes de Pavia», Liv. 42, fl. 387; «Carta a Gaspar Beleagoa», Liv. 42, fl.
351; «Carta a João da Costa», Liv. 37, fl. 280v; «Carta a João Ribeiro», Liv. 39, fl. 18; «Carta a João de Seixas», Liv.
16, fl. 139v; «Carta a Lopo Soares», Liv. 39, fl. 163v; «Carta a Lourenço de Figueiró», Liv. 43, fl. 92; «Carta a Manoel
Antunes», Liv. 43, fl. 68v; «Carta a Manoel Godinho de Castelo Branco», Liv. 38, fl. 212v; «Carta a Miguel de
Moura», Liv. 15, fl. 142; «Carta a Nicolau Luís de Azevedo», Liv. 22, fl. 198v; «Carta a Pantaleão Rebelo», Liv. 19, fl.
57v; «Carta a Pedro da Costa», Liv. 46, fl. 166; «Carta a Pedro Sanches», Liv. 12, fl. 67; «Carta a Pedro de Seixas»,
Liv. 45, fl. 102v; «Carta Rodrigo Sanhes», Liv. 45, fl. 206; «Carta a Roque Vieira», Liv. 39, fl 154; «Carta a Sebastião a
Costa», Liv. 19, fl. 311v; «Carta a Simão Borralho», Liv. 44, fl. 62; «Carta a Valério Lopes», Liv. 10, fl. 109v. Quanto
aos escrivães da Fazenda: «Carta a Diogo Velho», Liv. 15, fl. 231v; «Carta a Duarte Dias», Liv. 1, fl. 218; «Carta a
Álvaro Pires», Liv. 2, fl. 24; «Carta a Bartolome Fróis», Liv. 2, fl. 24; «Carta Francisco Serrão», Liv. 32, fl. 148; «Carta
a Gabriel de Moura», Liv. 32, fl. 38v; «Carta a Jerónimo Mexia», Liv. 2, fl. 406v; «Carta a João Castilho», Liv. 34, fl.
160; «Carta a Jorge da Costa», Liv. 34, fl. 188v; «Carta a José Lobo», Liv, 37, fl. 250; «Carta a Lucas Salvago», Liv. 9,
fl. 102; «Carta a Manuel Soares», Liv. 14, fl. 589v; «Carta a Martinho Vaz», Liv. 10, fl. 390; «Carta a Sebastião da
Costa», Liv. 19, fl. 251.
104
negociação implicava um grande volume de informação – bem como a necessidade de eficácia,
na redacção e elaboração de documentos “constitucionais” – o trabalho destes escrivães foi
determinante. Um exemplo desta importância prende-se com as reuniões de cortes, onde os
escrivães da câmara adquiriam revelo no trabalho documental, tanto nas funções de «notários
públicos» na sessão de abertura, como no processamento da informação apresentada pelos
estados432.
432 Visconde de SANTARÉM, Memórias e alguns documentos para a História e Teoria das Côrtes Geraes, (1824), Imprensa
da Portugal-Brasil, Lisboa, 1924, p. 22.
433 Nuno SENOS, O Paço da Ribeira, 1501-1581, Editorial Notícias, Lisboa, 2002, pp. 131-135.
434 Nuno SENOS, O Paço da Ribeira..., pp. 137-138
435 A título de exemplo, em 1581 o Arquiduque Alberto assistiu em Tomar, a partir dos seus aposentos, observando
por uma janela, o juramento de D. Filipe I, «rodeado pelos seus mordomos e os da sua Câmara », Fernando
BOUZA ÁLVAREZ, Cartas para duas infantas Meninas, Portugal da Correspondência de d. Filipe I para as suas filhas (1581-
1583), CNCDP, Dom Quixote, Lisboa, 1998, p. 74.
436 IAN/TT, Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, escrivão da Câmara Real, «Carta a Bartolomeu Fróis», Liv. 2, fl.
24; (Confirmações Gerais) escrivão da Câmara Real, «Carta a Lopo Soares», Liv. 39, fl. 163v e ainda escrivão da
Fazenda Real, «Carta a Bartolomeu Fróis», Liv. 2, fl. 24.
105
«Alvarás», «Regimentos» ou «Provisões» se não estivessem devidamente habilitados, ordenando-
se ao Desembargo do Paço que controlasse o procedimento437.
Por outro lado, a protecção da informação, expressa pelo controlo no acesso aos
«papéis», preocupava cada vez mais a Coroa. Proibia-se o envio de moços para transporte da
documentação aos desembargadores, prevendo-se que seriam os próprios escrivães a entregar
todo o material440. Quanto aos escrivães da Fazenda, estavam obrigados às mesmas prescrições,
diferenciando-se apenas a observância de uma tabela própria de emolumentos a cobrar pelas
«Cartas», «Alvarás» ou outras escrituras441.
«despacho» – a antiga pretensão da Coroa para que se não executassem «Portarias» ou «Cartas», sem a devida
confirmação régia, isto sob pena de proibição perpétua de exercício do ofício.
440 OF, Liv. I, Tit. XXIV, nº 1-48.
441 Os escrivães no momento de emitir padrões de Juro (títulos de «dívida pública») recebiam 500 reis, cobrando o
mesmo rendimento dos «Padrões de tença e «Provisões» passadas pelo rei como Governador dos Mestrados das
Ordens». Pelos «Alvarás» de tenças, 400 reis; pelas «Cartas», 200 reis; por outros «Alvarás», 60 reis; pelas «Cartas de
Ofício», 100 reis por cada; pelas «Cartas por renunciação» ou «Alvará de lembrança», 200 reis; OF, Liv. 1, Tit.
LXXXII, nº 1-11.
106
Como vimos, vários oficiais podiam despachar, conforme solicitação do rei ou conforme
a qualidade dos negócios. Estava nesta particular situação toda a matéria de «Graça». No que diz
respeito ao volumoso trabalho de assistência às «petições» – de acordo com o «Regimento do
Arquiduque Alberto», dado em 1583 – era formalmente atribuído o seu controlo a um escrivão
da Câmara, sendo este a encaminhar o assunto para os «ministros» respectivos442. Neste sentido,
Aragão Morato refere no seu clássico estudo que as «mercês» continuavam a merecer uma certa
especificidade “administrativa” sendo, durante o «governo» do Arquiduque Alberto, o escrivão
da Câmara, Francisco Serrão, o responsável pelas «petições»443.
Como temos visto, a “crise dinástica” lançou sobre a circulação dos «papéis», e a decisão
política, um forte abalo. Este foi um tempo de alguma indeterminação quanto à nomeação de
«secretários». Ainda que a ausência de fontes não permita clarificar totalmente as inúmeras
dúvidas sobre este período, passaremos a uma identificação institucional dos «secretários» do
«Reino» e da «Índia» e dos «secretários» da transição entre 1580 e 1583, servidores que terão
actuado junto dos Governadores e vice-reis de Portugal no Paço da Ribeira – dada a sua
importância na consolidação do «secretário de estado» –, deixando para a secção 3 o caso
particular do «secretário» do Conselho da Índia e para a secção 4 os «secretários» do Conselho de
Portugal.
ou outros ofícios, para ajudantes de escrita (escreventes) de escrivães e tabeliães, almotacés em três meses, letrados
sem todos os requisitos) «Cartas» de doação de terras, confirmações de jurisdição, Alcaidarias mores, «Cartas» de
Privilégio; «Alvarás» ou «Provisões»; e «Alvará» que valha como «Carta» (sem tempo limitado), OF, Liv. I, Tit.
LXXXII, nº 12-19.
445 Faziam-no também em vários tribunais, como o Desembargo do Paço ou o Conselho da Fazenda. Manuel
Álvares Pegas, no seu Comentário ás Ordenações Filipinas, refere que eram enquadrados juridicamente pelo
disposto quanto aos Escrivães do Desembargo do Paço, bem como pelo Regimento do Desembargo do Paço, OF,
Liv. I, Tit. XXIV.
107
Quanto aos «secretários» com participação no «despacho» entre 1579 e 1581.
446 A referência pertence à Crónica de Felipe II de Castella, cit. por Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os
Secretários dos reis...», p. 63. Também Queirós VELOSO, O interregno dos Governadores…, p. 122, cita uma carta de
Cristóvão de Moura em que refere Bartolomeu Fróis como «secretário de estado».
447 Francisco MORATO, «Memória sobre os secretarios dos reis...», p. 55
448 Santiago LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., p. 117.
449 Segundo documento original pertencente a Francisco MORATO, «Memória sobre o secretários dos reis...» p. 54
450 Joaquim Veríssimo SERRÃO, Governo dos Reis Espanhóis (1580-1640), Vol. IV, História de Portugal, Lisboa, 1978, p.
15.
108
Miguel de Moura. Seria então necessário prover novos «secretários» que trabalhassem sob alçada
do «escrivão da puridade» em concordância com o «Regimento de Arquiduque Alberto».
Antes de mais, é importante notar que o «Regimento» consagrava, ainda que de forma
implícita, a notável ascensão social de dois dos antigos «secretários» da Coroa, Moura e Alcáçova
Carneiro. Entre os 33 capítulos, com data de 31 de Janeiro de 1583, mencionava-se um conselho de
governo, composto por três dos conselheiros de Estado: o Arcebispo de Lisboa, D. Jorge de
Almeida e nada mais, nada menos, do que esses antigos «secretários» – Pedro de Alcáçova
Carneiro, agora Vedor da Fazenda, e Miguel de Moura, agora «escrivão da puridade». É
necessário assinalar que, cobertos com o “manto” da escrita da puridade e da Vedoria da
Fazenda, os «secretários» atingiam o mais alto lugar do «governo» do reino.
109
que se pretendia introduzir com o conceito de «estado» dizia respeito à conservação do status real
mas, cada vez mais, remetendo para acções “voluntárias”, activas, e não apenas como gestão
corrente dos negócios que vinham à presença do rei. Despachar as «coisas de estado» seria agir
não só de uma forma conservativa, quanto às prerrogativas dos corpos, mas defender a
generalidade das posses do rei (o seu «estado») entendidas como corpo da «República». Ocorria,
portanto, a fusão entre os «corpos» e o «corpo» o que, paradoxalmente, como veremos,
produziria o início de uma separação mais vincada entre «particularidades» e «público», separação
que nascia, precisamente, da reacção dos corpos à inclusão do seu «governo», da sua jurisdição,
no âmbito do «estado» do rei. Porém, deve esclarecer-se que esta menção às «cousas de Estado»
se relacionava com as «matérias da Índia», “território jurídico” onde – mais do que em qualquer
outra zona – devido à maior fragilidade do costume, se deu uma maior especialização com uma
rápida acumulação de poderes por parte dos secretários453.
453 Para uma perspectiva mais moderada quanto a estes efeitos, António M. HESPANHA, «Justiça e
administração…», pp. 381-468. Também destacando os aspectos disruptivos das conquistas face ao poder régio,
uma boa síntese recente, António M. HESPANHA, «Depois do Leviathan…», pp. 55-66.
454 IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, «Secretário de Estado, Carta a Cristovão Soares», Liv. 16, fl. 168v
455 BA, 44-XII-46, fls. 19-19v.
110
“trabalho mecânico” de escrita da norma ou a uma intervenção mais activa na sua construção
jurídica456. Em 1584, uma carta, dirigida a Lopo Soares, dá nota dos sensíveis conflitos na corte,
destacando-se o secretário na redacção de «papéis» e na estabilização do processo político457. Na
verdade, Lopo Soares trocou correspondência com os bispos do reino, decidiu em matéria de
pequenos ofícios de justiça (1591), e controlou os negócios diplomáticos em Roma458. Na década
de 1590 começou também a destacar-se Cristóvão Soares que, pelo menos desde 1593, assinou
como «secretário» diversas «Cartas Régias»459. Em 1598 trata dos requerimentos ao rei e aos
governadores de Portugal460. Cerca de 1603, despacha assuntos muito diversos: sobre os limites
da jurisdição do colector apostólico; queixas sobre corregedores; consultas de comendas461;
diversas solicitações de pagamentos devidos por oficiais régios; negócios com os bispos a
propósito de jurisdições e pedidos de adiamento de sindicâncias de juízes de Fora462. Com efeito,
Cristóvão Soares vai ter um papel determinante na sedimentação formal do ofício, de tal modo
que, em 1606, o duque de Lerma escreve ao secretário de estado informando-o ser conhecedor
da sua pontualidade e dando notícia de que seria retribuído pelo seu serviço463.
Porém, não é fácil reconstituir o trabalho da «Repartição do Reino» nesta fase, dada a
fluidez entre as «matérias». Por diversas ocasiões, «secretários» da Índia, como Diogo Velho,
efectuaram «despacho» nas matérias do «Reino», assinando documentação diversa.
111
sem distinção, a qualquer destes oficiais, os «privilégios dos Desembargadores», facto que
assinala uma diferença fundamental relativamente às Ordenações Manuelinas e que confirma a
ascensão dos «secretários» no espaço do Corte464
Manuel Álvares Pegas, no seu comentário às Ordenações Filipinas parece também não
resolver a questão, mencionando, sem grande distinção formal, diferentes terminologias:
«secretários do rei», «secretários de estado», «secretários do príncipe» reflectindo, como é sabido,
a tradição dogmática dos textos latinos, por vezes sem grande correspondência com a realidade
organizativa dos actos de poder465.
Com efeito, a indistinção era muito acentuada. Não muitas décadas depois, em
comentário manuscrito a estas referências, Tomé Pinheiro da Veiga, Procurador da Coroa de D.
João IV, referia que em Agosto de 1645 não se conhecia nas «Secretarias de Estado» o exacto
significado daquela referência das Ordenações466. Isto dá nota da dificuldade em estabelecer, com
exactidão, qual o estatuto dos oficiais do «despacho». No entanto, tudo aponta para que esta
distinção, presente nas Ordenações Filipinas, se referisse às diferenças entre «secretários» (com
posse formal do cargo – que podiam ou não assistir ao Conselho de Estado) e os oficiais que,
junto do Governo em Lisboa, despachavam negócios no espaço da câmara, que podiam ser
escrivães da Fazenda, da Câmara, ou mesmo oficiais dos «secretários»467.
464 OF, Liv. 1, Tit. II, nº 59. Além disso, as Ordenações referiam ainda que os «secretários» podiam trazer os seus
contendores à Corte, OF, Liv. 3, Tit. V, nº 2.
465 Manuel Álvares PEGAS, Commentaria..., t. I, Ulyssipone, 1669, pp. 415-416. Sobre o poder dos «escritos dos
secretários», «Secretarij status, & munerum tenentur jurare; Secretarijs Principis credendum est; Secretarijs scientia
habetur pro scientia Principis; Epistola Secretarij Status circa munera, & benefici facta à Principe alicui, plenè
creditur, & per illam solum justificatur; Quod etiam amplia procedere in Secretarijs status, & munerum de quibus. In
quo aduerte quod secretarij Principis in his quae dicunt, credendum esta, ut tenet. Ubi etiam quod ipsorum scientia
habetur pro scientia Principis ibi multus resert; Quare Epistola Secretarijs status circa munera, & beneficia facta à
Principe alicui, plenè creditur, & per illam solum justificatur». Também Manuel Álvares PEGAS, Commentaria..., t. X,
Ulyssipone, 1689, pp. 65-66, «Utrum ex Epistola Secretarij Regis, in qua afferit Regem fecisse concessionem alicui,
probetur concessionem fuisse factam, ita ut ex illa possit petere bona in Epistola, & assertione comprehensa, & in
judicio actionem proponere contra possessorem talium bonorum titulum à Rege postea habentem?».
466 Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 64.
467 Apesar de Aragão Morato negar o estatuto de «oficiais públicos» ao «secretários» “particulares do rei” –
decorrente de uma visão destes oficiais segundo os critérios formalistas da “adminstração liberal”.
112
seus próprios «secretários», tal como sucedeu com Miguel de Moura que, durante o reinado do
cardeal D. Henrique, terá enviado por diversas vezes Lopo Soares468.
Postas estas distinções, mais ou menos fluidas, entre 1580 e 1599 podemos avançar na
caracterização das secretarias em Lisboa.
A emergência de uma nova terminologia pode datar-se entre os anos de1600 e 1602.
Nesta época, conhecemos com algum detalhe a organização do «despacho» em Lisboa, através
da correspondência trocada entre ministros do rei (o vice-rei em Lisboa e o duque de Lerma em
Valhadolid) a propósito da divisão das secretarias no Conselho de Portugal. O vice-rei, Cristóvão
de Moura, dava conta da existência de dois «secretários» despachando no reino: « o secretario
que agora chamamos de Estado », em substituição da expressão «secretário do Reino», e o
secretário das «matérias da Índia», onde confluíam os «negócios ultramarinos» e a apreciação,
registo e despacho de mercês469.
Deste modo, destacava-se pela primeira vez, e de forma clara, um «secretário de estado»,
na época Cristóvão Soares470.
resistências, tanto de ordem processual – pela dispersão da informação – como de ordem organizativa – pela
disseminação do poder sobre a documentação régia. Assim, em 1586, D. Filipe I reafirmou a «Provisão» de D.
Sebastião para que os escrivães da Câmara não pudessem assinar «Cartas», «Provisões» ou «Alvarás». Na verdade,
inúmeros documentos eram assinados na câmara régia, sem a devida aprovação. Foi ordenado ao Desembargo do
Paço e à Chancelaria que não confirmassem qualquer documento deste tipo, sem verificar se o processo de
aprovação seguira o curso normal (assinatura confirmada pelo rei).
472 Francisco Mendes da LUZ, O Conselho da Índia..., pp. 378 e ss.
113
«governo» de D. Filipe II, na Corte da Monarquia Católica473. É certo que aos «ministros» e
tribunais portugueses tinha sido conferida alguma autonomia no «despacho». Porém, muitas
eram as «cédulas» firmadas sem passarem pelos vice-reis ou pelo Conselho de Portugal. Os
«papéis» eram dirigidos aos escrivães da Câmara e aos escrivães da Fazenda e por eles eram
despachados474. Esta situação representava um certo descontrolo do «governo» Áustria,
sobretudo se pensarmos no que isto significaria de consequências para os processos de
atribuição de «ofícios» e «mercês».
473 Sobre esta conjuntura, Fernando BOUZA ÁLVAREZ, «A saudade dos reinos e a semelhança do rei», Os vice-
reinados de príncipes no Portugal dos Filipes», Portugal no Tempo dos Filipes..., pp. 111-126.
474 Sobre a evolução do «despacho», ver Fernando BOUZA ÁLVAREZ, D. Filipe I..., pp. 230-238.
475 D. Miguel de Castro, arcebispo de Lisboa; conde Portalegre, D. João da Silva, conde de Santa Cruz, D. Francisco
Mascarenhas; conde de Sabugal, Duarte de Castelo Branco, e Miguel de Moura que, como ficou dito, viria a fazer
parte deste colégio de governadores entre 1593 e 1599.
476 Joaquim Veríssimo SERRÃO, «A chegada do vice-rei D. Cristovão da Moura em 1600. Um documento Inédito»,
Colectânea de Estudos em Honra do Prof. Doutor Damião Peres, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1975, pp. 205-
213.
114
vão ser reduzidos os oficiais da Câmara régia, o que correspondeu a uma rápida ascensão de
escreventes e oficiais maiores e menores actuando na dependência das secretarias de estado477.
477 A consulta dos Índices das Chancelarias, embora não permita tirar conclusões definitivas permite uma sondagem
das nomeações destes ofícios IAN/TT, Chancelaria de Felipe II, Padrões e Doações, escrivães da Câmara Real: «Alvará a
Bartolomeu Fernandes», Liv. 28, fl. 110; «Carta Duarte Correia de Sousa», Liv. 32, fl. 221; «Carta a Sebastião
Perestrelo», Liv. 11, fl. 176v. Quanto aos escrivães da Fazenda Real: «Carta a Gaspar Fernandes Redovalho», Liv. 8,
fl. 220; «Carta a João Álvares Soares», Liv. 28, fl. 70v; «Carta a Luís Álvares de Azevedo», Liv. 31, fl. 136v; «Carta a
Manuel de Azevedo», Liv. 16, fl. 284; «Carta a Mateus Pires», Liv. 9, fl 240; «Carta a Pedro de Paiva», Liv. 12, fl.
272v; «Carta a Sebastião de Abreu», Liv. 29, fl. 215v; «Carta a Sebastião Perestrelo», Liv. 11, fl. 176
478«Alvará de 13 de Dezembro de 1604» reconfirmou o estabelecido no «Alvará de 1601», uma vez que a prática não
tinha cessado. O rei mandou então expressamente ao vice-rei que fizesse cumprir a proibição e fizesse o registo
deste «Alvará» nos Livros do Desembargo do Paço, Casa da Suplicação, Relação do Porto, Conselho da Índia,
Conselho da Fazenda e Mesa da Consciência, ordenando ainda o envio dos «treslados» do «Alvará», assinados pelo
Doutor Pedro Barbosa do Conselho de Estado e chanceler-mor do reino, aos ouvidores e corregedores das
Comarcas, para uma eficaz difusão do conteúdo legislativo, impondo, como o «Alvará», que se reformava o valor de
«Carta régia» (sem embargo das OF, Liv. 2, Tit. XL).
115
3. As «matérias ultramarinas» no Conselho da Índia e o controlo da
Fazenda pela Secretaria de Estado.
A criação do Conselho tem sido vista como parte de um movimento mais vasto de
recrudescimento dos conselhos mas também como resposta à necessidade de voltar a criar
correspondências entre os órgãos da monarquia em Valhadolid e o «despacho» em Lisboa482. É
neste sentido que deve ser lida a vontade de clarificar as «matérias de estado» no contexto do
“império”. Com efeito, em 1604, foi ordenado a Diogo Velho, «secretário» da «Índia, Brasil,
Mina e Guiné», que entregasse ao novo tribunal todos os papéis que tivesse em seu poder.
Embora não exista «Carta de confirmação», foi João Brandão Soares que substituiu
Diogo Velho nas «matérias» da Índia, desenvolvendo o seu trabalho no âmbito do Conselho em
1604483. Não é muito claro qual o destino da secretaria da «Repartição da Índia» mas tudo indica
que o seu despacho passou a ser tramitado pelo novo Conselho. Na verdade, existe um conjunto
de servidores que despacharam na secretario do Conselho484, mas que surgem também a assinar
479 Joaquim Veríssimo SERRÃO, Governo dos Reis Espanhóis..., pp. 63-68 e bibliografia citada.
480 Joaquim Veríssimo SERRÃO, Governo dos Reis Espanhóis..., p. 67 e notas.
481 Regimento de 3 de Agosto de 1604, dado por Felipe II. Uma cópia do «Reg. de 25 de Julho de 1604», Valhadolid,
encontrava-se depositado na Torre do Tombo, no século XVIII, Liv. 2 das Leys, fol. 7, António Caetano de
SOUSA, HGCRP, vol. VII, Coimbra, 1949, p. 110. Ordena-se a entrega de uma cópia impressa do Regimento a
cada um dos Conselheiros e ao Secretário do Conselho da Índia. Francisco Mendes da LUZ, O Conselho da Índia...,
pp. 402 e ss.
482 Para um enquadramento genérico destas correntes historiográficas, Diogo Ramada CURTO, «Filipe III (II de
272v; «Secretário do Conselho da Índia, Carta a António Velles», Liv. 18, fl. 22; «Secretário do Conselho da Índia,
Carta a João Brandão Soares», Liv. 17, fl 51; «Secretário do Conselho da Índia, Carta a Pedro da Costa», Liv. 17, fl.
32
116
matérias no momento em que, dissolvido aquele órgão, em 1614, foi recuperado
provisoriamente o cargo de «secretário do Estado da Índia», exercido por oficiais como Pedro da
Costa, António Velles de Cimas485 ou António Campelo486.
Não era fácil disciplinar procedimentos enraizados na prática da Corte. Desde há muito
que os assuntos ultramarinos eram disputados tanto pelos escrivães da Fazenda como pelos
«secretários» do Reino. O «Regimento» de 1604 assinalava que o Conselho devia despachar todas
as matérias e negócios das “terras ultramarinas”, assim de «Estado e Governo, como de Guerra,
Justiça e Fazenda, e Eclesiásticas, e de qualquer outra qualidade que pertencessem aos Estados
da Índia, Brasil, Guiné, Ilhas de São Tomé, Cabo Verde, Angola, exceptuando as Ilhas da
Madeira e Açores, bem como os lugares de África»487. Esta nova forma do «despacho» procurava
remediar as necessidades das conquistas, centralizar os avisos e informações do império, de
forma a saber se aquilo que o rei mandara prover fora efectivamente cumprido. De forma a dar
seguimento a esta intenção, a regulamentação régia foi esclarecendo, mais incisivamente, o
funcionamento da Secretaria tentando “funcionalizar” a sua estrutura : ninguém poderia aí
escrever para além dos oficiais, sendo que estes dependiam totalmente dos «secretários»,
podendo ser despedidos a qualquer momento488.
485 AHU, Reino, cx. 2, pasta 37. Assinou como «secretário» um «Regimento» de 29 de Janeiro de 1607, bem como
diversos «Alvarás» e «Cartas» até 1611, Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p.
72.
486 Assinou como secretário pelo menos um Alvará de 27 de Março de 1612, Francisco Trigozo MORATO,
Conselho da Índia, de 13 de Agosto de 1605 », publicada por Francisco Mendes da LUZ, O Conselho da Índia..., pp.
402-403.
489 «Carta Régia de 30 de Junho de 1607».
490 «Carta Régia de 20 de Julho de 1607».
117
Este tipo de interferências decorria da complexidade do circuito documental,
complexidade que os recorrentes esforços dos oficiais em Madrid ou em Vallhadolid não
conseguia simplificar. Fernanda Olival, numa recente biografia de D. Filipe II, descreveu parte
desse complicado processo. Qualquer vassalo podia entregar «petições» no Paço da Ribeira ou
na casa do vice-rei, lugares a partir dos quais o escrivão da Câmara encaminharia o material
peticionário para o Tribunal respectivo491. Normalmente, uma segunda instância, levava as
petições a subirem em «Consulta» ao vice-rei e conselheiros de estado, com «Pareceres» redigidos
pelo «secretário de estado» ou pelo «secretário da Repartição da Índia», sendo posteriormente
assinados pelos vice-reis. Segundo a recomendação régia de D. Filipe I, quando se tratava de
«petições» sobre «mercês» relevantes, ou matérias de «governo» de maior importância, os
«papéis» deviam seguir ainda para a Corte da Monarquia Católica, a fim de se consultar o rei, por
intermédio do Conselho de Portugal. Em Valhadolid, e depois novamente em Madrid, os
«secretários do Conselho de Portugal» controlavam toda a tramitação, devolvendo a resposta
final ao vice-rei em Lisboa. A partir desta «Consulta» régia, um dos «secretários» em Lisboa
remetia a informação para o Tribunal respectivo, atingindo-se o final do circuito com a
devolução da decisão às «partes».
Nesta breve descrição que temos vindo a desenhar, deve ser tido em conta, tanto a
complexidade inerente aos diferentes tipos documentais como as particularidades do
funcionamento «polissidonal» da monarquia. Lembre-se que os «secretários do Conselho da
Índia» trabalhavam em estreita colaboração com a «secretaria de estado», por onde se
despachavam as «matérias de estado» e o «serviço ordinário» do vice-rei, complicando ainda mais
o circuito peticionário destas matérias492.
491 Fernanda OLIVAL, D. Filipe II, Círculo de Leitores, 2006, pp. 134-140.
492 IAN/TT, Chancelaria de Felipe III, «Secretário do Conselho da Índia, Carta a António Campelo», Liv. 17, fl. 272v.
493 Santiago de LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., pp. 225-228
118
«Secretário de Estado da Repartição da Índia, Brasil, Mina, Guine», trabalhando na dependência
do Conselho da Índia494. Por outro lado, o caso de Duarte Dias mostra como a divisão de
«matérias» era pouco circunscrita, havendo uma grande fluidez entre os assuntos ultramarinos e
o tratamento das «petições» e «mercês»495.
Apesar da sua aplicação não se ter verificado, o «Projecto» permite descrever a evolução
do despacho no Conselho da Índia bem como as ligações com o «despacho» do reino498.
494 IAN/TT, Chacelaria de Filipe II, Liv 20, fl. 187v. A «Carta» é de 27 de Setembro de 1609.
495 IAN/TT, Chancelaria de Filipe II, Liv 23, fl. 158v. Continou no serviço pelo menos até 1623, despachando
também matérias de Fazenda. Assinou «Cartas Régias», em 1624, Leis de 1625 e 1628, um «Aviso» em 1625,
«Cartas» dos Governadores para o rei em 1625. Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos
reis...», pp. 70-73.
496 AHU, Reino, cx. 1, pasta 87 e pasta 120.
497 AHU, Reino, cx. 1, pasta 148.
498 «Projecto de Novo Regimento do Conselho da Índia», publicado por Francisco M. da LUZ, O Conselho da Índia...,
pp. 524-576.
499 «Projecto de Novo Reg. do Conselho da Índia»..., pp. 549-550.
119
maior dificuldade. Ao «secretário» menos experiente eram cometidos os «despachos» de «mercês
e ofícios»500. Quanto aos processos de circulação documental, o «Projecto» era muito minucioso,
respondendo à crescente formalização de um trabalho de «secretaria», integrando a preocupação
com a rapidez e autonomia do processo e cortando, em parte, com o conceito de «Repartição».
O conjunto de «Cartas» e «Despachos», enviados ao Conselho, seria controlado pelos
«secretários», devendo este – em caso de notificação – dar seguimento de forma pronta às
«Consultas» consideradas urgentes. Os «secretários» devia ainda gerir a recepção e arquivo das
diferentes vias desta correspondência, bem como zelar pelo envio de contínua informação do
Conselho para as «conquistas»501, além de redigir as «Consultas» onde figurariam os resultados
das atribuições de «mercês», cabendo ao rei sancioná-las de forma definitiva. É fácil depreender
que os «secretários» adquiriam capacidade para influenciar decisões, controlando o circuito das
«Consultas» entre Presidente, conselheiros e rei502.
conflitualidade em Madrid entre Moura e Lerma, Joaquim Veríssimo SERRÃO, Governo dos Reis Espanhóis…, pp 79-
81.
504 Fernanda OLIVAL, D. Filipe II…, pp. 130-131.
505 AHU, Reino, cx. 1, pasta 158. Ia sendo comum fazer «Requerimentos» ao «secretário de estado» para que
importância jurisdicional – com o Conselho de Estado, confundindo-se a actuação deste último tribunal com a
prática de um «Conselho de Governo» formado por três conselheiros.
120
Em todo o caso, a delimitação das «matérias ultramarinas» permanecia por resolver,
ameaçando transformar-se num problema insolúvel. Em Junho de 1615 foi nomeado Vice-Rei o
conde de Salinas, D. Diogo da Silva, servindo interinamente D. Miguel de Castro, arcebispo de
Lisboa. O Conselho de Portugal produziu dois «Regimentos», um de 14 de Agosto de 1615 e
outro de 21 de Março de 1616, onde se verificava a necessidade de clarificar o tratamento dos
assuntos da Índia507. Entretanto, em 1616, foi ordenado que as matérias ultramarinas fossem
novamente enquadradas por um «secretário da Índia»508. Na época, continuava a ser Rui Dias de
Meneses o único «secretário da Índia» formalmente empossado509. O facto é que o encerramento
do Conselho deve ter precipitado os «papéis» da «Índia» num caos institucional. Com efeito, logo
em 1617, surgiu uma nova ordem alertando o vice-rei para o descuido a que tinham chegado os
«negócios» ultramarinos510. No mesmo sentido, o «Regimento» concedido ao vice-rei conde de
Salinas, D. Diogo da Silva, tinha sido previsto que os assuntos ultramarinos fossem tratados em
dois dos dias do despacho semanal, com a presença do «secretário de Estado da Repartição da
Índia»511. O recurso não surtiu efeito e o vice-rei respondeu a esta pressão disciplinadora com a
demora dos circuitos portugueses, incluindo a própria secretaria de estado512. Por sua vez, o
«secretário de estado» defendia-se com a morosa tramitação do Conselho de Portugal, dizendo
que, recentemente, tinham sido despachadas em Lisboa mais de mil «Consultas», permanecendo
a maioria sem resposta513.
23, fl. 158v. surge na documentação, «Alvara de lembrança de uma capela a seu filho de 1633, como do Conselho
do rei, Secretário do rei, Escrivão da Fazenda e Confirmações, e Secretário das Mercês e Estado da Índia»,
Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 78
510 «Carta Régia de 5 de Dezembro de 1617».
511 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, 2674, carta 285.
512 AHU, Reino, cx. 2, pasta 8. A morosidade explica-se entre outras coisas pelo facto de, como vimos, a secretaria de
121
bem como as mercês, emanadas pelos tribunais deviam seguir debaixo de assinatura régia514. Ora
este tipo de generalização do direito régio, procurava unificar um «política» normativa através da
sistematização da informação, de modo a que os Tribunais actuassem de forma consertada.
Assim, no que dizia respeito à generalidade do «despacho», os Tribunais deviam ser avisados das
resoluções tomadas. Apenas as «Provisões» dos «negócios» cuja principal matéria residisse nos
próprios Tribunais deviam aí ser despachadas o que, como é bom de ver, resultava numa
enorme ambiguidade de competências515. Estas medidas esbarravam no moroso tempo de
resposta de um «governo manuscrito», criando ainda mais problemas de comunicação. De forma
a corrigir esta desarticulação endémica, ainda em 1618, equacionou-se novamente a
correspondência das secretarias de Lisboa e do Conselho de Portugal.
A situação era de tal forma decisiva que, em 1619, a viagem de D. Filipe II a Portugal
teve como uma da mais notáveis preocupações solucionar os problemas de tramitação
“burocrática”. A nomeação de D. Manuel de Castelo Branco, conde de Vila Nova, como
«escrivão da puridade», pode eventualmente ser vista como uma tentativa de voltar a uma
solução de coordenação com alguma tradição no reino516. Todavia, esta nomeação destinava-se
apenas à coordenação cerimonial, passando por «actos e juramentos» na forma «em que servirão
os outros escrivães da puridade»517. Por um lado, estes «actos» não representavam agora o
mesmo que na anterior crise dinástica. Por outro lado, o «secretário de estado» tinha adquirido,
por força da praxis castelhana, uma posição muito mais consistente, estatuto que, nessa mesma
visita, foi consagrado por uma outra simbologia de igual ou superior representatividade à
coordenação dos «actos e juramentos»: D. Filipe II ordenou que tanto nas «Audiências» como
nas «comidas públicas» pudessem estar presentes os «Grande do reino, Conselheiros de Estado,
Presidentes de Tribunais, Vedores da Fazenda, o Regedor, o Governador, os Oficiais da Casa
Real e os Secretários de Estado»518.
514 «Carta Régia de 15 de Novembro de 1618», contendo «Ordens» assinadas pelos duques de Lerma e Uceda.
Remessa de cópias das «Ordens Régias pelos Secretários dos Tribunais, Mercês, Ordens Gerais, tenham assinatura
Régia».
515 No contexto desta ambiguidade de competências, Francisco Trigozo Morato sugere alguns secretários que terão
servido ocasionalmente: António Sanches de Farinha terá assinado documentos como secretário, Francisco Trigozo
MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 77. Além disso, de acordo com o papel de Diogo Soares,
também Marcos Tinoco, que viria a ser Secretário do Conselho Ultramarino, depois de 1643, AHU, Reino, cx. 11-A,
pasta 5, e Francisco Coelho e Manuel Pereira, teriam também despachado como secretários, «mas de pouca
consideração no seu ofício», o que explica a sua ausência das fontes administrativas, BPE, «Documentos vários,
Papel que Diogo Soares escreveu ao rei de Castela sobre sujeitos de Portugal», CV / 2 – 19.
516 «Alvará de 13 de Julho de 1619».
517 Conde de TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos …, pp. 72 e ss.
518 Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários...», p. 72.
122
Em todo o caso, a vinda do rei, pouco acrescentou ao funcionamento do «despacho»,
aplicando-se em 1620 uma sentença do Desembargo do Paço, de 19 de Março de 1619, que
procurava resolver dúvidas sobre a tutela das «matérias do Estado da Índia e partes
ultramarinas»519. Na verdade, a generalização da designação «secretários de estado» a todos os
«secretários» – bem como a crescente importância do secretário das «matérias de estado» – vinha
provocando conflitos entre Rui Dias de Meneses e Cristóvão Soares. Rui Dias de Meneses, filho
do «secretário da Índia», Duarte Dias de Meneses, reclamava para si o «despacho das cousas da
índia»520. Por sua vez, o «secretário de estado», procurava alargar o «governo» a todos os campos
da decisão. Os conflitos não foram completamente resolvidos pois uma nova «Carta Régia»
procurava clarificar, em Julho de 1621, que competia ao «secretário de Estado das cousas da
Índia» despachar as «Cartas Patentes dos Governadores Ultramarinos»521.
519 «Carta Régia de 14 de Janeiro de 1620». O conflito remontava a 1600 com o anterior «secretário da Rpartição da
referentes às rendas para o fabrico e apresto das naus da Índia e aos seus mantimentos.
523 AHU, Reino, cx. 3, pasta 65.
524 AHU, Reino, cx. 5, pasta 11. Em 1622 o Conselho da Fazenda despachava o ofício de guarda-livros da Secretaria.
123
pretendia disciplinar o oficialato. Através dos textos normativos de 1621525, 1622526 e 1623527,
pretendia-se que os «secretários» – bem como outros ministros de «Justiça» e «Fazenda» –
actuassem sob uma vigilância mais apertada, declarando posses e vencimentos. Deste modo,
todos os «secretários com exercício», e os restantes ministros528, antes de receberem os
documentos formais das suas nomeações («Títulos» e «Provisões») deviam apresentar nos
Conselhos e Tribunais – onde eram exarados os documentos – relação e inventário de todos os
bens que tivessem ao tempo em que entravam no serviço régio. Do mesmo modo, sempre que
se verificassem promoções, os «secretários» seriam obrigados a renovar o «inventario de bens e
fazenda», com nota do «crescimento ou diminuiçam» que eventualmente ocorresse529. O
controlo dos «secretários» revestia-se de importância capital, uma vez que todas estas medidas
poderiam revelar-se infrutíferas se os especialistas na produção documental encontrassem meios
de passar os «Títulos» e «Cartas patentes» sem a respectiva apresentação dos bens530.
meus Secretários com exercício, Desembargadores, Corregedores do Cível e Crime da Corte, e da Relação da Casa
do Porto, e todos os ministros do Conselho de minha Fazenda».
529 BA, 51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, vol. I, «Livro das Cartas de S. Mag escritas ao Governo de
2 de Agosto de 1631 até 31 de Dezembro do ditto ano». Note-se a recomendação do mesmo rigor para os oficiais
da Casa Real com especiais responsabilidades sobre dinheiro entre os quais se contavam maioritariamente ofícios de
escrita: «os escrivães da Fazenda e da Câmara, escrivães do Crime, escrivães do Publico e escrivães do Judicial».
Como não podia deixar de ser, a «Carta» terminava com especial recomendação para os ministros que assistiam ao
«despacho, resolução e maneio das matérias e negócios (...) de qualquer qualidade e dignidade e condição que
fossem», sem excepção alguma. Eram também obrigados a dar relação dos seus bens, no seguimento de dez dias a
seguir à publicação da «Ordem».
530 «Carta Régia de 5 de Março de 1625», proibia-se que, não podendo os Governadores passar certidões, não se
124
conflitos nas suas terras533. Esta influência criava uma rede muito variada de interesses. Apenas
uma intervenção alargada do «secretário de estado» do Conselho de Portugal conseguiria
imprimir à secretaria de estado em Lisboa uma mais estreita subordinação dos secretários do
reino aos desígnios olivaristas.
125
partes, assumindo grande relevo na comunicação entre rei e o Conselho, intermediação
potenciada pela ausência de um «Presidente». Assim, todos os «papéis» trocados entre a Coroa
de Portugal e a Corte da Monarquia Católica deviam passar pelas mãos do «secretário» do
Conselho de Portugal, constituindo-se, este, no «cérebro» da comunicação entre os
«portugueses» e o governo régio em Madrid536.
Com efeito, não obstante estes “mecanismos de segurança”, não tardou muito até que
Pedro Álvares Pereira, filho do primeiro «secretário» do Conselho de Portugal – Nuno Álvares
Pereira, que tinha servido até à data da morte, em 1586 – transcendesse o estatuto de «secretário»
do Conselho, unindo a esse ofício o «voto» de conselheiro. A sua grande influência junto do
vice-rei em Lisboa permitiu a multiplicação das suas ligações na Corte de D. Filipe II,
constituindo-se no principal interface da comunicação. Nesta altura, a conflitualidade no processo
126
de «despacho» decorria da actuação de uma Junta da Fazenda que procurava controlar o trabalho
dos Conselhos. Apanhado nesta “guerra” entre Juntas e Conselhos, o «secretário» Pedro Álvares
Pereira, acabou por ser fortemente atacado pelo «secretário de estado» de D. Filipe II, Pedro de
Franqueza e em 1602, no contexto da reforma do Conselho de Portugal, foi afastado da
«secretaria»538. Todavia, o protagonismo alcançado por Pedro Álvares Pereira terá acelerado a
modificação do «despacho», sobretudo no que tocava a «matérias de mercês».
538 Santiago de LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., pp. 114-117 e notas.
539 Santiago de LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., uma boa síntese do problema no clássico
trabalho de Antonio DOMÍNGUEZ ORTIZ, Política e Hacienda de Felipe IV, Madrid, 1960. Têm sido muito
destacados os aspectos relacionados com a pressão financeira decorrente da guerra e não tanto os aspectos
relacionados com a estrutura distributiva da riqueza. Um boa crítica em J. E. GELABERT, La bolsa del rey, Rey, reino
y fisco en Castilla (1598-1648), Barcelona, 1997.
540 «Decreto 11 de Maio de 1602», do duque de Lerma sobre a «divisão das Secretarias de Estado no Conselho de
Portugal em Madrid». Por estarem no reino Francisco de Almeida e Luís de Figueiredo, ordena que se escrevam
«Cartas» para que compareçam em Madrid e guardem segredo das nomeações até chegarem», [AHNM, Estado, Liv.
81, fl. 99], publicado por Francisco M. da LUZ, p. 375.
541 D. Martim Afonso Mexia teve uma fulgurante ascensão social. Seguiu «Letras», estudou na Universidade de
Salamanca, onde foi «Lente de Teologia». Voltando ao reino, foi «beneficiado» em S. Salvador de Elvas, chantre de
Guimarães, desembargador e prelado de Tomar, «agente dos Negócios do reino» em Roma, passando depois a
deputado da Mesa da Consciência e Ordens. Foi ainda Bispo de Leiria, Bispo de Lamego, Bispo de Coimbra, além
de Governador do reino entre Setembro de 1621 e 30 de Agosto de 1623, data da sua morte, António Caetano de
SOUSA, HGCRP, vol. VII, p. 110; Luís Rebelo da SILVA, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII…, vol. III, p.
565. Para uma síntese biográfica, Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal…, vol. III, pp. 763, 829 e
839.
542 Foi ele a coordenar a elaboração do «Reg. do Conselho da Índia» dado em Valhadolid a 25 de Julho de 1604.
543 IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, «secretário de estado, Carta a Fernando de de Matos», Liv. 9, fl. 334v e Liv.
12, fl. 311v. Irmão de Afonso de Lucena (secretário da duquesa de Bragança e pai de Francisco de Lucena), cónego
da Sé de Lisboa e Évora, secretário de Ordens e de estado no Conselho de Portugal em Madrid, e conselheiro
Eclesiástico.
544 IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, «secretário de estado, Carta a Luís de Figueiredo», Liv. 7, fl. 271v.
545 IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, «secretário de Estado, Carta a Francisco de Almeida de Vasconcelos», Liv. 10,
fl. 163
127
Corte do Rei Católico, factor que reforçava a dimensão funcional das secretarias. No entanto,
recusava-se qualquer diferenciação hierárquica entre os diferentes «secretários de Estado»,
reforçando o peso corporativo da “burocracia” o que, de certa forma, contrariava a
funcionalidade pretendida.
128
ofícios», enquanto Francisco de Almeida voltou a servir como «secretário de petições, mercês,
Fazenda, usando ambos o título de «Secretário de Estado», sem hierarquia ou precedências entre
eles, desaparecendo do Conselho os escrivães da Fazenda e sendo reduzido a um, o número de
escrivães da câmara549. Estas alterações, que pressupunham a nomeação de um Presidente –
medida que não chegou a efectivar-se –, não resolveram a enorme conflitualidade em torno da
decisão, muito agravada pela secretaria do Conselho da Índia que, em Lisboa, vinha aumentar
ainda mais o envio de «papéis» para o centro da Monarquia com as consequentes pressões
“burocráticas.”
549 Santiago de LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., p. 175 e ss. Seguimos de muito perto o
trabalho do autor.
550 BPE, «Carta de Fernão de Matos remettendo a El-Rei os despachos para os nomeados para Conselho Geral»,
129
os «ofícios de Capitão das naus da Índia» e todos os ofícios superiores de Fazenda passaram a
depender da secretaria de Estado do Conselho de Portugal552. No ano de 1614, Fernão de Matos
foi substituído pelo sobrinho, Francisco de Lucena553. Filho de um antigo oficial da Casa de
Bragança554, desde cedo formado nos “corredores do poder”555, surgiu com naturalidade na
secretaria de Estado556. Este novo «secretário» veio potenciar a capacidade de trabalho da
«secretaria»557, criando ligações com o secretário de estado em Lisboa, Cristóvão Soares558.
Causalmente ou não, o certo é que, em 1615, um «Decreto» do duque de Lerma remetia
novamente os conselheiros a uma situação de fragilidade, encerrando o Conselho e ordenando
que o «despacho» continuasse nas mãos dos dois «secretários».
para o serviço da Casa de Bragança aos 27 anos de idade. Foi a Casa de Bragança que assegurou tenças e mercês
para a continuação dos seus estudos jurídicos em Coimbra, António Caetano de SOUSA, HGCRP, t. IV, p. 452. Foi
ainda desembargador do duque na corte de Vila Viçosa, notabilizando-se como secretário da duquesa D. Catarina,
em defesa dos seus direitos sucessórios. Cavaleiro e comendador da Ordem de Cristo, alcaide-mor das vilas de
Portel e Evoramonte. Escreveu com Félix Teixeira as Allegações de Direito que se oferecem ao muito alto, e muito poderoso Rei
D. Henrique Nosso Senhor, na causa da sucessão destes Reinos, por parte da Senhora D. Catharina sua sobrinha filha do Infante D.
Duarte seu irmão a 22 de Outubro de 1579, impressas em Almeirim em 1580. Para uma interpretação da reflexão política
de Afonso Lucena ver Paulo MERÊA, «A ideia da origem Popular do poder nos escritores portugueses anteriores à
Restauração», Estudos de História do Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 1923, pp. 229-246.
555 Assistiu à visita de Felipe II a D. Catarina; à recepção ao Arquiduque Alberto em 1584; à passagem por Vila
Viçosa da primeira embaixada japonesa mandada a Roma; conviveu com a hospedagem em Outubro de 1601, a
Rainúncio, 4º duque de Parma; participou na cerimónia religiosa da ordenação e sagração de D. Alexandre, irmão do
duque, apresentado arcebispo de Évora; tomou parte nas festas do casamento de D. Teodósio com D. Ana Velasco,
Francisco MORATO, «Memória sobre os secretarios dos reis...», p. 87.
556 IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe II, Liv. 29, fl. 321v. A «Carta» de 28 de Agosto de 1614 foi elaborada por
Francisco Barbosa, oficial da secretaria e assinada por Francisco de Almeida Vasconcelos a 23 de Agosto de 1614.
O documento pressupunha algumas limitações no serviço, dada a ligação do secretário à Casa de Bragança. Quando
tratasse de coisas tocantes a pessoas e casa do duque D. João «em qualquer maneira e por remota que fosse» não
correriam por Francisco de Lucena, nem se acharia presente ao despacho. Devia receber 400 000 rs de ordenado
não podendo receber das partes direitos nem percalços alguns.
557 Sobretudo, agilizando a assinatura régia, BPE, «Carta de Francisco de Lucena remettendo à assinatura régia uns
despachos para a visitação do Santo Officio no Brazil», cod. CV / 2 – 9, fl. 385 e «Carta de Francisco de Lucena
remettendo á assinagtura regia uma carta para os inquisidores de Évora, Valladolid, Julho de 1615», cod. CV / 2 – 9,
fl. 358.
558 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 116, nº 63.
130
O valido de D. Felipe III defendia um «governo» “feito «de perto»”, o que equivalia a
reforçar as ligações com o reino de Portugal, centrando a tramitação de toda a documentação
das instituições portuguesas numa secretaria em Madrid. Claro está que este modelo implicaria
reformas em Lisboa, reforçando o Conselho de Estado que actuava junto dos Governadores. A
determinação de falta de «segredo» no Conselho de Portugal, assinalada por «Decreto», em 1621,
foi, possivelmente, um expediente para acelerar estas mudanças e legitimar um futuro
«secretário» da confiança do conde-duque de Olivares559. Na verdade, como temos visto, o
crescimento do expediente acentuava a preocupação de controlo sobre os oficiais. Assim, em
1627, foi decidido que o Conselho de Portugal devia remeter ao rei, todos os Sábados, a lista dos
«despachos» de todo o expediente ordinário lavrado durante a semana, tanto no que tocasse ao
«Governo como à graça». O rei mandava também consultar a hipótese de criar um «fiscal» para
controlo das decisões em matéria de «Fazenda»560. É neste contexto de construção de inúmeros
instrumentos de sindicância do «despacho» que vai surgir o novo enquadramento institucional
das secretarias. O conde-duque de Olivares começou por colocar em prática a funcionalidade
dos «secretários», no que diz respeito à sua deslocação. Daí que, em 1628, o «secretário de
estado» Francisco de Lucena tenha sido enviado a servir no reino, a fim de negociar
contribuições para o socorro da Índia e para a defesa do Brasil. Todavia, logo em 1629, no
Porto, Lucena viu-se envolvido num motim, encontrando muitas dificuldades para apaziguar a
situação561. Após estes incidentes com o «secretário», a Coroa procurou minimizar os danos
intensificado a protecção aos «ministros»562.
feito no Porto ao Secretário de Estado». Procurou regular-se a devassa do Desembargo do Paço dirigindo uma
apertada relação a executar pelo corregedor do Crime da Corte, com alçada na cidade de Porto, Gabriel Pereira de
Castro, apelidando de “insulto” a acção perpetrada no Porto contra Francisco de Lucena, «Carta régia de 25 de
Julho de 1630». Uma pronta «Consulta» do Desembargo do Paço deu sequência ao «papel» redigido pelo corregedor
do Crime da Corte – recomendando-se a «importância do negócio e conclusão da devassa», achando testemunhas,
procedendo contra quem tentasse «demorar ou encobrir o processo», «Carta Régia de 30 de Junho de 1636».
131
Portugal, Marçal da Costa, um oficial com experiência em matérias financeiras563, bem como na
secretaria das mercês564. Esta nomeação seguia a intenção de chamar para as secretarias do
Conselho de Portugal oficiais com experiência na Fazenda de Portugal, permitindo aceder aos
meandros do «governo» em Lisboa565.
Para além desta preocupação mais nítida com um levantamento rigoroso da Fazenda,
continuavam por solucionar os problemas do «despacho» no Conselho de Portugal. Entre 1630
e 1631 foram produzidas mais pelas normativas566, numa fase em que o conflito em torno da
divisão de matérias atingia o seu auge567. Tal como nas secretarias em Lisboa, também no
Conselho de Portugal o controlo das «mercês» representava um dos pontos determinantes da
“luta” de Corte, facto que levantava resistências fortíssimas à implementação de qualquer
disciplinamento. Isto porque na perspectiva dos «secretários» responsáveis pelas «provisões, o
«despacho das mercês» impunha a jurisdição em «matérias de estado», sendo que os «secretários
563 BA, 51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, vol. I, «Livro das Cartas de S. Mag escritas ao Governo de
2 de Agosto de 1631 até 31 de Dezembro do ditto ano», «Carta [d’El rei sobre a repartição das secretarias e ofícios
fl. 49v. Serviu como Secretário de Estado entre Abril e Agosto de 1631». Na verdade, esta fugaz passagem pela
secretaria de estado em Madrid, tendo em conta que nos seus livros constaria, mais tarde, o registo de tenças
avultadas – sem menção dos serviços justificativos –, levaria o historiador Luís Rebelo da Silva a suspeitar das
intenções desta nomeação. Gratificações à parte, parece claro que a sua breve ida a Madrid se inscreve num
processo de recolha de informação sobre a situação da Fazenda Real. Regressaria a Lisboa ainda no ano de 1631,
obtendo o título formal de «secretário», Luís Rebelo da SILVA, História de Portugal dos séculos XVII e XVIII…, t. III,
pp. 390.
564 AHU, Reino, cx. 1, pasta 152, Em Novembro de 1614, Marçal da Costa surge no controlo de «papéis» muito
relevantes, por ordem do vice-rei de Portugal, arcebispo de Braga, D. Aleixo de Meneses, no sentido de estes serem
consultados e analisados. Em Maio de 1622, Marçal da Costa, transmitiu, por escrito, ordens dos governadores do
Reino, D. Diogo de Castro e D. Diogo da Silva, dirigindo-se ao conselheiro de Estado, e vedor da Fazenda, Rui da
Silva, AHU, Reino, cx. 3, pasta 69.
565 AHU, Reino, cx. 3, pasta 78, transmitindo a solicitação dos governadores do Reino sobre a existência de escrivães
extravagantes da Fazenda ou sobre o estado dos navios, AHU, Reino, cx. 3, pasta 90. Existem ainda diversos
«Ofícios» de Marçal da Costa ao vedor da Fazenda Real, Luís da Silva, transmitindo ordens dos governadores do
Reino (D. Diogo de Castro e D. Diogo da Silva) sobre outras matérias ultramarinas. Tanto mais que, como temos
sublinhado, era comum os oficiais guardarem em sua casa documentação muito relevante, AHU, Reino, cx. 4-A,
pasta 10. Note-se, por último, que Marçal da Costa tinha acesso aos Livros da Casa da Índia, que eram muitas vezes
requisitados pelo Conselho da Fazenda.
566 «Novo Reg. a 15 de Outubro de 1630», confirmado pelo «Alvará de 28 de Julho de 1631», sobre a incapacidade
de separar as competências dos «secretarios», Francisco Manuel de MELO, Aula Política, Curia Militar: Epístola
Declamatoria ao Serenissimo Principe D. Theodozio, & Politica Militar, Mathias Pereira da Sylva, Lisboa, 1720, p. 11.
567 Sobre este complexo debate, BA, 51 – IX – 11, Do Governo de Espanha, tomo III, Dos Tribunais e Ministros pertêcêntes a
Portugal e desputas entre ele, «Duuidas dos Secretarios, Lembranças de Afonso de Lucena a El-Rei sobre a repartição
das Secretarias que residem no conselho de Portugal» fls. 37-37v; «Ordem de S.M. com a resolução das duvidas que
moveram os dois secretários de Estado e das Mercês – sobre o que toca a cada uma das suas secretarias, 11 Março
de 1660», fls. 41-42v; «Secretarios do Conss.º sobre a entrega dos papéis, sobre a entrega dos papéis das Secretarias
de Estado e das Mercês aos Secretarios Afonso de Lucena e Francisco de Almeida, 12 de Janeiro, 1660», fl. 43-43v ;
«Decreto de S.M. pela o qual manda cumprir inviolavelmente a ordem de 11 de setembro de 1631 para os
secretários se avisarem uns aos outros dos despachos, Buen Retiro, 1662, 31 de Janeiro», fl. 45; «Ordem de S.M. aos
Secretários das Juntas fixas e Tribunais para se avisarem uns aos outros dos despachos, Madrid, 1631, 11 de
Setembro», fl. 46. Veja-se também, BA, 51 – VI – 11, «Decreto de sua Magestade acerca do libelo que se deu contra
Gaspar de Faria Severim, Secretário das Mercês acerca do título de Marquês em França, Lisboa, 1662, 11 de
Outubro, Lisboa, 1663, 17 de Janeiro», nº 122; BA, 51 – VI – 20, Miscelânea, 25, «Proposta de nomes de pessoas para
os cargos de Secretário de Estado e Secretário das Mercês», fl. 63.
132
de estado» defendiam a anexação do «despacho das mercês» de forma a unificar a dimensão
prebendial das monarquias sob o título de «assuntos de Estado»568. Com a agravante de qualquer
um dos «secretários» ser o ponto de chegada de vastas redes de pressão, trabalhando para
canalizar prestígio político-económico. A situação agudizava-se. Os «secretários» disputavam a
decisão, sendo claro que uma capacidade de intervenção eficaz teria que passar por um novo
plano “burocrático”, usando o «despacho» do «governo» nas secretarias de uma forma
transversal.
Nas páginas seguintes descreveremos como este estado de coisa colocava o desempenho
dos «secretários» no seu zenith, marcando o triunfo das secretarias de estado mas também a sua
trágica queda.
Para dar curso ao plano do conde-duque de Olivares, no que tocava à “burocracia” dos
assuntos portugueses, foi nomeado como «secretário de Estado, Fazenda e Justiça», Diogo
568 «Carta régia 19 de Setembro de 1631» sobre a «Repartição das Secretarias» «para melhor e mais breue despacho»,
uma vez que o disntinção entre «matérias ultramarinas» e a «Fazenda» representava outro problema insolúvel, BA,
51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, vol. I, «Livro das Cartas de S. Mag escritas ao Governo de 2 de
Agosto de 1631 até 31 de Dezembro do ditto ano», fl 49v.
569 «Decreto de 19 de Setembro de 1631».
133
Soares, um antigo escrivão da Fazenda570 com larga experiência no «governo» do reino571. O
«secretário» passava a ser o centro do «despacho», substituindo o «Presidente» e intermediando a
comunicação entre o Conselho de Portugal, Lisboa, o Valido e o rei. De igual foram, eram-lhe
cometidas as provisões dos cargos de «governo» competência que depois das «meias anatas» –
imposto sobre os ofícios –, passava a ser uma fonte de rendimentos considerável. Estas
mutações têm sido observadas de um ponto de vista “cínico” e julgadas do ponto de vista dos
réditos. Contudo, a formação de uma “cabeça” do despacho, numa posição de superioridade
face aos restantes «secretários» e devidamente remunerada – de forma a imunizar o “técnico” da
corrupção e das pressões clientelares, contrárias às intenções do valido – correspondeu a uma
clara “politização” da decisão régia, tentando dotá-la de uma blindagem institucional mais eficaz
e libertá-la das pressões informais.
Esta colocação de Diogo de Soares na secretaria de estado foi acompanhada por uma
nova configuração das secretarias572. Gabriel de Almeida Vasconcelos seria o «secretário de
Estado das Mercês, Ordens e Padroados» e Luís Falcão o «secretário de Estado da Índia e
Conquistas»573. Também se designava formalmente em Lisboa um novo escrivão da Fazenda,
Miguel de Vasconcelos, confirmando-se o regresso de Marçal da Costa à escrivaninha do Registo
das Mercês, subconjunto da secretaria das mercês em Lisboa. Diogo Soares deveria elaborar um
«Livro» onde seria registada toda a evolução da Fazenda Real de Portugal, pelo menos desde o
início do reinado de D. Filipe III. Logo no ano seguinte, em 1632, uma «Provisão» estabelecia
que as contas de todas as matérias despachadas no reino deviam ser enviadas para o «secretário»
Luís Falcão574. Duas tendências podem destacar-se: a nova configuração servia o propósito de
570 Sobre a actuação de Diogo Soares como escrivão da Fazenda e escrivão do Conselho da Fazenda, em 1612, a
propósito do provimento de ofícios, AHU, Reino, cx. 1, pasta 103 e em 1618, AHU, Reino, cx. 2, pasta 78.
571 Genro de Miguel de Vasconcelos por parte de sua terceira mulher D. António de Melo e Vasconcelos, e também
cunhado dele por parte de sua segunda mulher, D. Mariana de Eça, filho de João Alvares Soares, Vedor da Fazenda.
Chegou a Madrid em 1631 por recomendação de Manuel de Moura, marquês de Castelo Rodrigo. Francisco Ferreira
NEVES, Testamento de Diogo Soares Secretário de Estado em Espanha no ano de 1640 e fundador do mosteiro de Serém, Aveiro,
1952, pp. 10-11. A 23 de Agosto de 1649, Diogo Soares fez testamento, vindo a morrer apenas alguns dias mais
tarde, a 29 de Agosto de 1649 em Madrid, na casa onde vivia na rua de Ortaleza. No mesmo dia foi aberto e lido o
seu testamento a requerimento de sua mulher, D. Antónia de Melo. Sobre a actuação de Diogo Soares, Jean-
Frédéric SCHAUB, Portugal na Monarquia Hispânica..., pp. 81 e ss. Para uma análise mais detalhada, Jean-Frédéric
SCHAUB, Le Portugal..., pp- 226-240.
572 BA, 51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, Vol. I, «Carta d’El rei sobre a repartição das secretarias e
ofícios na seguinte forma: Gabriel de Almeida Vasconcelos – a de Mercês, Ordens e Padroados; Diogo Soares – a
Secretaria de Estado, Fazenda e Justiça; Luís Falcão – Secretaria de Estado da Índia e Conquistas; Miguel de
Vasconcelos – o ofício de Escrivão da Fazenda; Marçal da Costa – ofício de Escrivão do Registo de Mercês, 1631,
19 de Setembro, Sobre o Conselho de Estado», fl. 51v-52.
573 A Luís Falcão tinha sido dada anteriormente «mercê do título de secretário» para que ajudasse os secretários do
Conselho de Portugal nas suas «ausências e impediementos», IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, Liv. 25, fl. 66. Para
a análise da actuação de Luís Falcão em comunicação com os escrivães da Câmara Régia, AHU, Reino, cx. 6, pasta .
O título de «secretário da Índia e conquistas» viria extinguir-se com a sua morte em 1632.
574 «Provisão de 16 de Novembro de 1632».
134
uma maior preocupação com os aspectos contabilísticos; além da formação desta rede de
“técnicos, quase todos afectos à Fazenda, a construção da malha assentava sobre uma mesma
clientela centrada no secretário de estado em Madrid575.
575 BA, 51 – VI – 2, «Carta d’El Rei D. Filipe III sobre o provimento de Miguel de Vasconcelos e Brito da serventia
de Secretário de Estado de Portugal, 1635, 8 de Junho», fl. 450.
576 BA, 51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, vol. I, «Cópia do Regimento que SM mandou dar ao novo
Conselho de Portugal em 3 de Março 1633», fls. 8 -14. Este Reg. seria utilizado na prática “administrativa” do
Conselho pelo menos até 1662. Estabelecia-se desde logo que todos os provimentos de «governos, Prelazias,
Presidencias, Capitanias, e de quaisquer cargos de justiça como de fazenda», seriam consultados pelo Conselho,
precedidos de consulta e parecer do Vice-rei vonta-se depois.
577 BA, 51 – X – 1, Governo de Portugal pelo Conde de Castro, vol. I, «Cópia do Regimento que SM mandou dar ao novo
Conselho de Portugal em 3 de Março 1633», fl. 9. Em matérias específicas podia existir alternativa a este formato.
Por exemplo, um oficial especializado em Fazenda punha ‘as vistas’ nas «Provisões» tocantes à Fazenda mas não nas
«Cartas», ainda que as fizesse o escrivão da Fazenda. Nas «Cartas» seria um conselheiro. Todas estas práticas
respondiam a uma tensão entre eficácia e memória política como se vê pelo confronto que se faz de uma Carta de
Pedro Álvares Pereira de 29 de Novembro de 1603.
578 BA, 51 – X – 1, «Cópia do Reg. que SM…», fl. 10. O «papel» refere que a princípio «não votavam os togados
mais que nas questões de justiça, e isto se conforma com o uso dos Romanos, em que os Conselheiros letrados só
votavão no civil».
579 BA, 51 – X – 1, «Cópia do Reg. que SM…», fl. 12. Os correios ordinários seriam despachados da corte cada
quinze dias, às quartas-feiras, e o «secretário de estado» a quem tocasse despachá-los, devia enviá-los logo que os
tivesse em seu poder e em ordem.
135
daqueles oficiais. Deste modo, os conselheiros tinham indicações para seguir de perto o
«despacho», obrigando os «secretários» a dar pronta notícia do seu conteúdo.
Outro dos aspectos determinantes prendia-se com a comunicação entre o rei e o reino de
Portugal. Das «Resoluções» tomadas pelo rei, em negócios e matérias consultadas, ou do
resolvido pelo Conselho (conforme o «Regimento»), deviam ser produzidas «Cartas» assinadas
«por mão régia e não em outra forma». Proibia-se que o Conselho de Portugal ou os seus
«secretários» dessem resposta às «partes» (fosse em «despachos» ou «negocios»). Deviam ser
inequivocamente remetidos ao reino para que fossem o vice-rei e os Tribunais a comunicar a
decisão. Daí que se recomendasse particular cuidado na rapidez necessária para os «despachos»
das «Cartas do vice-rei e consultas dos Tribunais portugueses581.
136
implicassem jurisdição de mais do que um «secretário» seria o «secretário de estado» do
Conselho a definir quem seguiria o processo de redacção e publicação582.
Cerca de 1631, Cristóvão Soares, o oficial que acompanhara o «despacho» durante quase
trinta anos, deixara de intervir no «despacho» e no «governo»584. Logo surgiram os antigos
problemas sobre a divisão de competências em matéria ultramarina – sobretudo no plano das
«mercês» –, conflito entre o «secretario de estado da Índia», Lucena e escrivão da Fazenda,
Miguel de Vasconcelos585. Desde 1631 que o escrivão da Fazenda, substituto de Diogo Soares
nesse mesmo cargo, vinha aumentando o seu poder de influência. Em todo caso, uma «Provisão
Régia» de 1632 determinou que se dirigissem à «Secretaria de Estado da Índia e Mercês» todo os
negócios do «Estado, governo, justiça e fazenda das partes ultramarinas»586. Todavia, após a saída
de Cristóvão Soares, Miguel de Vasconcelos iria iniciar o cerco à secretaria de estado, com
consequências decisivas para o perfil da instituição.
É preciso fazer notar que estes conflitos decorriam num plano de grande indeterminação
entre as competências de cada «secretário». No que toca à estabilização do «despacho da
mercês», apesar da existência de um verdadeiro surto normativo, a necessidade de, em
137
simultâneo, garantir a «justiça distributiva» e «comutativa», e obter os proveitos das imposições
sobre os cargos, tornava o problema das competências numa matéria de extrema complexidade.
Neste sentido, em 1632, os «secretários» eram obrigados a responder às «partes» no espaço de
oito dias, logo após baixarem as «Consultas» ou «Decretos» com atribuição de «mercês», para que
fossem devidamente cobrados os tributos, sob pena de não ser possível levantar as «Cartas de
Mercê» na Chancelaria587. Isto evidenciava a necessidade de o trabalho “burocrático” ter em
conta as imposições pagas pelos agraciados. Esta necessidade de recolher as imposições foi
pressionando o funcionamento “burocrático” do sistema – notificação rápida, mesmo que fora
do reino, onde devia comunicar-se aos «vice-reis, Presidentes, Governadores ou Ministros», a
mercê concedida, tirando para isso recibo do aviso – e, por isso, concorrendo para a separação
de matérias.
587 «Carta Régia de 1 de Dezembro de 1632». Sobre os «secretários de estado» escreverem às partes para que
138
«petições», procurando obter uma circunscrição formal590. Na verdade, estes problemas evoluíam
num plano mais vasto: o forte debate em Madrid acerca do modelo de «governo» de Portugal,
discutindo-se o «vice-reinato de sangue ou natural», ou ainda o número de Governadores no
caso de se optar por uma solução colegial. Esta indeterminação «governativa» merece destaque
pois dela decorreu, em parte, o crescimento exponencial da influência do «secretários» em Lisboa
a partir de 1633. Finalmente, em Junho deste ano, foi estabelecido o «governo» do reino pelo
Conselho de Estado, até que se nomeasse um outro responsável, o que veio a suceder a 22 de
Julho, altura em que tomou posse D. Diogo de Castro, conde de Basto591.
590 Cit. por Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários...», p. 74.
591 «Carta Régia de 10 de Junho de 1633».
592 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633».
593 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. XI.
594 António M. HESPANHA, As Vésperas..., p. 246.
139
chegar ao rei595. Quanto à passagem das decisões pelos Tribunais, apenas excepcionalmente, o
«secretário» deveria utilizar urgência, enviando directamente a Madrid «Carta» e «Provisão»
assinada pelo Vice-Rei596. Relembrava-se que todas as «Consultas» do Vice-rei – incluindo
aquelas que subiam a Madrid – seriam elaboradas pelos «secretários» e encaminhadas aos
respectivos Tribunais. Já as «petições de mercês» directamente feitas ao rei, seriam encaminhadas
por um escrivão da Câmara régia também para os Tribunais respectivos, sem, no entanto,
possibilidade desse escrivão despachar ou fazer portaria597, proibição que cobria também a acção
dos «secretários» numa tentativa de evitar a concessão de excessiva liberdade a estes oficiais598.
595 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. XLVII. Devia ocorrer de forma mais sistemática, em
todos os dias (exceptuando «feriados de Igreja»), de Abril a Setembro, às sete horas da manhã, e desde Outubro a
Março pelas oito horas, seguindo-se três horas de tabalho.
596 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. XLII.
597 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. XXVIII.
598 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. XLIII.
599 «Reg. do Conde de Basto de 18 de Julho de 1633», Tit. LXXIII
600 Tinha sido este oficial a endereçar uma carta a D. Filipe III noticiando que o «Governo» do reino se encontrava
parado Cit. por Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários...», p. 76-77.
140
os mais papéis resolutos pelo rei» no caso de não ser possível, em tempo curto, apresentá-los à
apreciação régia601. Procurava afectar-se o «secretário de estado» à estratégia de Madrid, por
intermédio do reforço do Conselho de Estado. Simultaneamente, o conde-duque procurava
resolver o problema da divisão de competências entre secretários, ordenando que os «despachos
ordinários» efectuados cada semana fossem, essencialmente, destinados às «cousas da india e
parte ultramarinas»602.
Com efeito, as dificuldades do momento podem ser caracterizadas pela famosa cena do
desespero de Olivares «dando com a cabeça pellas paredes de como se hade formar o governo
desse reino»603. Qualquer que fosse a solução, o controlo das «secretarias» era já uma realidade
determinante de qualquer modo de «governo». Assim, uma das principais recomendações da
Princesa Margarida, chegada a Lisboa em Dezembro de 1634 para tomar posse como vice-
rainha, era a intensificação do «despacho» com uma correspondente diminuição do número de
«ministros» nele envolvido, o que veladamente, corresponderia à emergência do secretário de
Estado, Miguel de Vasconcelos como «cabeça do governo»604. Substituindo na secretaria de
estado Filipe de Mesquita, Miguel de Vasconcelos asseguraria confidência e solidez de
comunicação com os propósitos do governo régio em Madrid605. Terá sido o «secretário de
estado» em Madrid, Diogo Soares, a coordenar a estratégia de substituição de Felipe de
Mesquita, argumentando que a sua condição eclesiástica não era compatível com o exercício do
cargo de «secretário», servindo em todos os «actos de joelhos aos pés dos príncipes»606.
de Secretário de Estado de Portugal, 1635?, 8 de Junho», fl. 450; IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, «Carta de 29 de
Setembro de 1634», Liv. 40, fl. 32.
605 Para identificação dos novos alinhamentos entre parcialidades em Lisboa e Madrid, em torno da dupla
Vasconcelos Soares, António de OLIVEIRA, «O atentado contra Miguel de Vasconcelos em 1634», O Instituto,
Revista Científica e Literária, Separata dos Volumes CXL-CXLI, 1980-1, pp. 10-26.
606Apesar de afastado do controlo da secretaria, Felipe Mesquita terá continuado a servir como «secretário» até
1636, Francisco Manuel de MELO, Epanaphoras, Imprensa Nacional, 1960, p. 77
141
de forma a intensificar o secretário de estado como «valido» do «governo»607. Por outro lado, a
própria secretaria das mercês, que, como vimos, vinha adquirindo protagonismo desde 1631,
sofreu a subordinação da secretaria de estado. Em 1636, foram considerados nulos todos os
ofícios da Fazenda passados pelo «secretário das mercês»608. Mas o processo não ficaria por aqui.
Os atritos nas cadeias de comunicação adensaram-se609. Nesse mesmo ano de 1636, uma ordem
do «secretário do estado», Miguel de Vasconcelos, reproduzida pelo Desembargo do Paço, dava
nota de que o Chanceler-mor travava na Chancelaria os Alvarás de perdões e comutações,
desrespeitando ordens emitidas ordens pelo Conselho de Portugal e devidamente assinadas em
Lisboa610. A resposta do «secretário de estado» não se fez esperar e confiscou o recebimento de
salário do Chanceler-mor611. Também a dissolução do Conselho de Portugal e a consequente
criação de «Juntas» responsáveis pelos «assuntos portugueses» – uma em Madrid e outra em
Lisboa, com Diogo Soares e Miguel de Vasconcelos à frente de cada uma delas, respectivamente
– confirmou uma certa indiferença pela tradição “constitucional” do reino612.
Mântua veio governar este reino, sobre os talentos dos ministros e fidalgos dele, e quando a nobreza de Portugal
matou a Miguel de Vasconcelos se achou este papel na secretaria que lho tinha mandado», fl. 163.
610 «Provisão de 17 de Novembro de 1628».
611 «Carta Régia de 14 de Fevereiro de 1636». A «Carta Régia de 19 de Fevereiro de 1638» reafirmava o disposto
2006, p. 41 e ss.
613 BA, 51 – X – 3, Governo de Portugal, vol. III, «Carta do Secretário de Estado Miguel de Vasconcelos para o 1º
Conde de Castro D. António de Ataíde pedindo-lhe os papeis sobre o empréstimo da nobreza, que lhe entregou
Simão Freire, como afirma do escrito junto que mandou ao 2º Conde do Prado D. Luís de Sousa, 1635, 22 de
Novembro», fl 167v.
614 BPE, «Documentos vários, Cartas de Miguel de Vasconcelos a Diogo Soares, Carta de Diogo Soares Madrid, 29
de Junho de 1633», CV / 2 - 19, fl. 104.
615 IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I, mç. 120, nº 32.
142
«apresto e socorro da Índia», o que significava uma odiosa recolha de fundos, mas também
amplos poderes616. Todavia, com o poder do «secretário de estado», cresciam,
proporcionalmente, as resistências dos poderes concorrentes, agudizando-se o conflito, com a
constatação de que todos os despachos da Corte de Madrid eram dirigidos ao «secretário de
estado»617.
que os cem anos decorridos entre o fim do século XVI e o fim do século XVII correspondiam a uma época de crise
financeira, não por acaso marcados pela intensa reflexão do modelo “político-administrativo”. Vem isto a propósito
da explicação mais vasta da evolução das secretarias durante o período 1580-1640, como atracção a um modelo
“político-institucional” imposto pela eficácia “administrativa” dos «secretários» afectos ao governo régio. Daí que se
deva integrar a “modernização constitucional” do «governo Áustria», bem como os desenvolvimentos da revolta de
1640, num contexto mais vasto de factores explicativos (sobretudo o financiamento do sistema de «governo»). É de
grande utilidade regressar a alguns textos clássicos, Queirós VELOSO, «A perca da independência – factores
internos e externos que para ela contribuíram», Congresso Mundo Português, vol. VI, 1940, pp. 9 e ss.; Jaime
CORTESÃO, «A Economia da Restauração», Congresso do Mundo Português, vol. VII, Lisboa, 1940, pp. 671-687;
Virgínia RAU, «Fortunas ultramarinas e nobreza portuguesa no século XVII», Revista Portuguesa de História, t. VIII,
Coimbra, 1959, pp. 1 e ss. ; Joel SERRÃO, Em torno das condições económicas de 1640, Separata de Vértice, nº 88 a 91,
1950 – 1951.
621 Os conspiradores entraram no Paço, perseguiram o «secretário de estado», apunhalaram-no e balearam-no,
atirando o corpo pela janela. Depois, a fúria do povo, concretizou-se na simbólica profanação do cadáver:
arrancaram-lhe as barbas e furaram-lhe os olhos, despiram o corpo, calças e sapatos e deste modo o arrastaram pela
praça do palácio levando-o depois da praça até ao rossio, pelas ruas enlameadas. Ali deixaram o corpo naquela noite,
onde esteve desde sábado até Domingo ao anoitecer, altura em que o Hospital da Misericórdia enviou uns irmãos
que o levaram mal coberto com um pedaço de estopa. «Este fue el fin de un Ministro, cuya felicidad elevo a mandar
todo aquel Reino, y cuyo desacuerdo de aver crecido tanto, desde tan poco, le trajo a la mas lastimosa desdicha.
Sucesso que deve tener advertidos a muchos», Fr. Antonio SEYNER, Historia del Levantamento de Portugal, Pedro
Lanaja y Lamarca, Impressor del reino de Aragon, Zaragoça, 1644, pp. 60-61
143
estatua do Principe, fazião o delicto incapaz de reconciliação» mostrava, com clareza, que se
encontrava em trânsito para o «secretário de estado» muita da dimensão “sagrada” e “política”
do rei622.
622
Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez. Vida, e Morte, Dittos e Feytos de El-Rei Dom João IV, Centenário da
Restauração, Rio de Janeiro, 1940, p. 264.
144
IV
AS “REBELIÕES DE CORTE” E A CONSOLIDAÇÃO DO
«ESTADO DO REI»: O TRIUNFO (1640-1706)
623 De Marcello CAETANO, «O Governo e Administração Central após a Restauração», História da expansão
portuguesa no mundo, vol. III, Ática, Lisboa, 1937, pp. 189 e ss. a Luís Reis TORGAL, Ideologia Política e Teoria do
Estado, vol. II, Coimbra, 1982, pp. 94-104.
624 Maurizio FIORAVANTI, «Stato e costituzione», Lo Stato moderno in Europa, Istituzioni e diritto, Maurizio Fioravanti
145
1. O secretário responde pelo rei.
Na verdade, nos primeiros meses após 1640, por motivos de estabilidade do sistema de
poder, o rei optou por não alterar muito a estrutura “administrativa”. De acordo com a visão de
Francisco Manuel de Melo, o rei «aconselhado do secretario Lucena», formalmente agraciado
com o favor régio desde 6 de Dezembro de 1640, optou por «não tirar o officio nem fazer
mercê» aos ministros da Coroa, assegurando alguma continuidade, mas mantendo a expectativa
de gratificações futuras626. Deste modo, a 31 de Janeiro de 1641, Francisco de Lucena foi
nomeado «secretário de estado»627. A análise da «Carta Patente» confirma a evolução do
«secretário de estado» num plano diverso da assistência ao Conselho de Estado, tal como vinha a
suceder desde o século XVI. Com efeito, a «Carta Patente» possibilitava a Francisco de Lucena
«servir o ditto officio, e dele usar, em tudo e por tudo, como dito é, sem duvida nem embargo
algum» facto que, não extravasando muito a formalidade deste tipo de documentação, deixava,
contudo, uma certa discricionariedade ao exercício do poder628. Neste sentido, ao contrário do
que sucedia na Monarquia Católica, onde a direcção do «governo» recaiu sobre nobrezas
intermédias ou mesmo de topo, o «secretário de estado» da Coroa de Portugal consolidava uma
certa dimensão de valimento no exercício do seu cargo629. A escolha de Lucena devia-se não só à
proximidade com a Casa de Bragança, mas também a uma larga experiência da “burocracia”
régia. Todavia, logo surgiram insinuações sobre as suas supostas ligações à Corte de Madrid630,
onde permanecera o seu filho, o «secretário» do Conselho de Portugal, Afonso de Lucena.
«secretários de estado» na ruptura de 1640 esteve longe de ser unívoca. João Pinto Ribeiro leu no conflito com os
«secretários Soares e Vasconcelos» o conflito letrados versus nobres, não apoiando a imagem da nobreza como
particular sofredora do ódio dos «secretários». Um e outro foram julgados como perseguidores dos “nobres e
menores”, explicando-se esta actuação pela vontade de vingança da morte do letrado e pai de Vasconcelos, Barbosa
de Luna, Luís Miguel OLIVEIRA, João Pinto Ribeiro, O Estado e a Socieade na Perspectiva de um Letrado, Dissertação de
Mestrado, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1991, pp. 57-58.
630 Correu entre os criados da Casa de Bragança que já seu pai, também havia traído os interesses da casa ducal,
recebendo benefícios de D. Filipe II, Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez..., pp. 70-71.
146
Na verdade, estas tensões decorriam das prerrogativas que o «secretário de estado» foi
chamando a si, agravadas por decisões que chocavam a cultura política dominante na Corte de
D. João IV631. A título de exemplo, veja-se a defesa que Francisco de Lucena fez da sua
jurisdição de «secretário de estado» a propósito das alterações do valor da moeda632. Daí que logo
nas Cortes de 1642, os «procuradores dos povos» tenham proposto acusações contra o
«governo» régio – acusações personalizadas no «secretário de estado» – o que resultou num
processo de averiguação de culpa633.
Este ambiente de crítica, se bem que motivado pela intrusão da secretaria de estado em
matérias tradicionalmente cometidas às Cortes, resultava antes de mais – sabemo-lo hoje com
alguma certeza – da “luta” pelo controlo do processo de decisão. O conde do Vimioso – um dos
principais lesados pela recente actuação do «secretário» – reunido com o ‘estado da nobreza’,
acusou Francisco de Lucena de favorecer o «governo» de Madrid e de fazer nomeações
despropositadas para os ofícios régios634. Francisco Manuel de Melo, no seu relato dos
acontecimentos, referiu a utilização de expressões violentas, a cargo dos acusadores, expressões
tais como «Piloto perfido» e «maliciozo», acusando-se o «secretário» de introduzir junto do rei
«venenozas informaçoens» de onde «procedia o descredito em que se odiavão os mayores do
Reyno»635. Em todo o caso, o conflito decorria da luta pelo controlo dos papéis de governo.
Mais uma vez, o ethos burocrático em emergência, ao lançar mão de um perigoso incitamento
anti-nobiliárquico para reforçar os seus poderes, tinha despertado a animosidade de vários
aristocratas.
Como bem sintetizaram Mafalda Soares da Cunha e Leonor Freire Costa, a forma como
o «secretário de estado» fundamentou o seu poder em termos “absolutos”, actuando com uma
espécie de “omnipresença governativa” – agravada pelo afastamento do rei dos Conselhos –,
631 Petição de Francisco de Lucena dirigida ao Conselho da Fazenda. Alega que, como «secretário de estado», tem
direito a dois escravos, tal como os seus antecessores Lopo Soares, Cristóvão Soares e Miguel de Vasconcelos
tinham cada ano no contrato de Cabo Verde. O caso foi deferido. Lucena auferia nesta época 60.000 rs por ano.
632 BA, 51 – VI – 1, Papéis Vários, «Ofícios de Francisco de Lucena para o Chanceler-mor, Fernão de Cabral sobre a
ter travado a ascensão “político-militar” do conde do Vimioso, D. Afonso Portugal, esforçando-se o «secretário de
estado», junto de D. João IV, para que a nomeação de Vimioso como Governador-general das armas do reino não
fosse concretizada, Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV, Círculo de Leitores, 2006, p.
131.
635 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez…, pp. 129-130.
147
levou Francisco de Lucena a coleccionar ódios na Corte e mesmo entre os aclamadores636.
Segundo Francisco Manuel de Melo, a forma de «despacho» utilizada pelo «secretário» era
crescentemente criticada. Aproveitando o facto das mudanças dinásticas originarem uma grande
quantidades de papéis sobre «negócios de partes», fruto da necessidade de legitimação dos novos
reis – que os vassalos exploravam multiplicando as «petições», a cujo despacho «não bastavão os
dias inteyros» – Francisco de Lucena potenciou a sua influência. Deste modo, depois de
convencer D. João IV, monopolizou a decisão sobre as «petições» dirigidas ao rei, assinando
decisões em nome do soberano e remetendo-as, depois, aos Tribunais respectivos637.
Mas o ponto crucial para a nossa história reside no facto de variadas figuras da Corte
entenderem, de forma cada vez mais consensual, que a actuação do «secretário de estado» gerava
uma «equivocação entre os mandos do Rey e do Menistro»638. Segundo os críticos de Lucena, era
este quem mandava, pois assinava as normas régias, defendendo-se depois, segundo os mesmos
críticos, com a invocação da majestade do príncipe – «Manda El rey». Já se vê qual a conclusão
desta leitura: acusavam Lucena de «maquinação», tentando travar a sua ascensão, uma vez que –
todos o sabiam – cada vez mais, o «secretário» era não só a «voz», como o «Império» do rei639.
Além desta forma de governo, pouco consentânea com o costume régio, acrescia o facto de
Lucena não ter “fidalguia” que aplacasse um pouco a novidade da sua actuação. Quando talvez
nada o fizesse prever, repetia-se o processo de Miguel de Vasconcelos.
D. João IV ainda tentou contemporizar, mas a pressão sobre o rei não permitiu uma
intervenção apaziguadora. Na verdade, durante os dramáticos acontecimentos da execução dos
principais titulares do reino Francisco de Lucena, juntamente com a Rainha, não deixou D. João
IV vacilar diante das súplicas dos cortesãos640. Sem dúvida, a memória destes factos pesou na
radicalização do discurso contra a actuação do «secretário de estado». A acção contra Lucena
pode enquadrar-se na vaga de críticas crescentes, empreendida com mais vigor pelos
“libertadores de 1640”, perante o peso excessivo dos «letrados» na decisão régia, integrando-se
636 Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 141.
637 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez... p. 130.
638 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez...p. 131.
639 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez... p. 132.
640 Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 130 e ss. Seriam executados o marquês
de Vila Real e o duque de Caminha, seu filho, perante as lágrimas da duquesa de Caminha.
148
num discurso mais vasto de reivindicação, nos órgãos da Coroa, no sentido de aumentar os
conselheiros especializados em armas641.
Neste sentido, foi aberto processo contra o «secretário de estado», tendo o cuidado de
incluir nos testemunhos os delitos mais graves no que respeitava ao seu ofício642. Toda a
estrutura da acusação indica que o processo contra Lucena, inflamado pelo discurso anti-
nobiliárquico, resultava sobretudo do cunho excessivamente “político”, que o «secretário» tinha
conferido ao processo de decisão, “politização” – deve reconhecer-se – decorrente de um
recém-legitimado «governo régio»643. Neste sentido, o desrespeito pelas «partes» e a quebra de
segredo eram acusações que seguiam o mesmo argumentário das críticas outrora proferidas
contra Miguel de Vasconcelos. De acordo com a leitura de Francisco Manuel de Melo, a reacção
do «secretário de estado», dirigindo ao rei palavras violentas que identificavam os seus inimigos,
mostra como era claro o fosso entre um «governo de políticos» e o auxílio jurisdicional dos
«grandes do reino»644. Invocando a sua humildade, procurou chamar a atenção para a
desproporção das forças e caracterizar-se com um defensor do «poder régio». Contudo, a
estratégia dos seus opositores passava por corroer precisamente o apertado vínculo entre rei e
«secretário»645.
641 Ver a título de exemplo a forma como vários documentos, de validade no mínimo duvidosa, identificaram a
actuação de Vasconcelos e Soares com os ‘vícios’ letrados, BA, 51-VI-39, «Parecer de Diogo Soares por ordem do
conde duque a el rei de Castela quando a princesa de Mântua veio governar este reino, sobre os talentos dos
ministros e fidalgos dele, e quando a nobreza de Portugal matou a Miguel de Vasconcelos se achou este papel na
secretaria que lho tinha mandado», fl. 163. Sobre a complexidade da actuação dos letrados, Luís Miguel OLIVEIRA,
João Pinto Ribeiro..., pp. 67 e ss.
642 Manuel Francisco António Coelho da ROCHA, Ensaio sobre a História do Governo …, p. 169.
643 Para isso teria contribuído uma actuação de tom marcadamente «castelhano. Vejam-se as «Cópia dos Regimentos
do Conselho de Portugal», anotadas pelo «secretário de estado», Francisco de Lucena, BA, 51 – IX – 11, Do Governo
de Espanha, t. III, «Dos Tribunais e Ministros pertêcêntes a Portugal e desputas entre ele, sec. XVI-XVII», fls. 29-36.
644 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez..., p. 135.
645 BA, 51- IX - 8, «D. Joao IV e Conjura do Secretário de Estado, 1643 ?, fls. 6-11.
646 BNL, «Cópia da sentença condenatória de Francisco Lucena», ms. 512, fls. 275v; BA, 51 – II – 31, «Sentença
porque foi degollado Francisco de Lucena Secretº de Estado d’El Rey D. Ioão o 4º, Lisboa, 1643, 21 de Abril».
647 BNL, «Cópia da sentença condenatória de Francisco Lucena», ms. 512, fls. 275v. Quanto à pouca limpeza de
mãos foi acusado de «receber peitas e ser corrupto, fazer nomeações falsas, vender despachos e assuntos de governo
além do uso de dinheiro da fazenda da Coroa para fins pessoais».
648 BNL, «Cópia da sentença condenatória…», fls. 275v, «Impediu que se mostrassem a D. João IV documentos
importantes; apropriou-se de atribuições régias no terreno dos hábitos de ordens militares; de não ter ordem no dar;
permitiu a publicação de livros contra a Igreja Católica, sem passar pelo Santo Ofício; tratava as partes com
«grandes descortesias»; abusava da soberania para com os ministros da justiça».
149
acção prejudicial à nobreza649. Além disso, eram-lhe ainda imputadas a produção de «Decretos» e
«Portarias» apenas com assinatura do «secretário de estado», bem como a aprovação de despesas
da Fazenda Régia sem qualquer outra deliberação, apenas com confirmação da ordem pelo seu
sinal. Estas acusações apontam para um exercício do poder não muito diverso daquele que tinha
dominado a década de 1630, sendo que a liberdade normativa era considerada «o maior excesso,
que podia commetter um Secretario»650.
Por conseguinte, não são necessárias grandes reflexões para analisar a razão da queda em
desgraça do «secretário de estado». Lanier, o enviado francês em Lisboa, no seu relato dos
acontecimentos, mostra como o rei, ao não se pronunciar oficialmente sobre os acontecimentos
e ocupando-se pessoalmente do «despacho», procurou demarcar-se do seu «secretário», de modo
a salvaguardar a sua posição perante uma percentagem considerável da Corte e dos
«procuradores do terceiro estado».651.
Neste período decisivo, deve ter-se em consideração a actuação dos «secretários» que
actuavam no espaço da câmara régia, pois desempenharam um papel decisivo utilizando a sua
influência junto do rei para minar a posição de Francisco de Lucena. Estes oficiais, de
proveniências diversas mas quase todos ligados ao «despacho» da Casa de Bragança – ao
contrário de Lucena, afastado das secretarias aristocráticas, desde pelo menos 1614, para servir a
Coroa – foram monopolizando o espaço da Corte.
649 BNL, «Copia de una Carta que un Cavaller de Portugal, Barcelona, 1643», ms. 512, fls. 176-176v. Original com
representação do momento em que Francisco de Lucena é degolado com um punhal, perante o juíz de vara e dois
guardas. Contém uma tradução catalã da sentença de morte do «secretário de estado» onde é qualificado como
principal «ministro do rei de Portugal» e inimigo da Casa de Bragança. Tinha sido acusado: do uso de feiticeiras
contra o rei; de prisão inadequada, na torre de Belém, do jesuíta Manso, imputando a razões para tal ao medo da
divulgação de informações do tempo de Madrid; de ter colaborado na fuga de D. Fernando de Lodenha; prestado
falsas informações sobre a prisão do seu filho, Afonso de Lucena, em Madrid; dado protecção a pessoas suspeitas
vindas de Castela; ter desviado correspondência para os generais dos exércitos; cometido infidelidade ao não avisar
o infante D. Duarte da revolta de 1640 em Lisboa; ter perseguido Matias de Albuquerque por este ter apreendido
cartas comprometedoras.
650 BNL, «Copia de una Carta que un Cavaller de Portugal...», fls. 176-176v
651 Com todo o tipo de assuntos, no «despacho» dos pedidos endereçados pelas Cortes e o seu renvio para os
diversos conselhos e tribunais a que tocavam. Esse trabalho ocupava-o desde manhã até à noite, hora a que se
retirava, «Correspondance diplomatique de François Lanier résident de France à Lisbonne, 1642-1644», François
Lanier e Paulette Demerson (org.), Arquivos do Centro Cultural Português, vol. XXXV, 1996, pp. 785 e ss.
150
António Pais Viegas652, «secretário da casa de Bragança», havia transitado para o Paço, no
momento da rebelião de 1640. Segundo a História de Portugal Restaurado, nos primeiros tempos da
nova dinastia, assistia o rei nos «negócios maiores»653. Apesar de nunca ter obtido a nomeação
para o ofício de «secretário de estado» – note-se que a posse do cargo produzia efeitos
contraditórios no que toca ao prestígio cortesão – vinha despenhando oficiosamente trabalho na
secretaria654. Fazia parte do Conselho privado do rei que reunia todos os dias, destacando-se na
redacção de panfletos políticos. Importa lembrar que o seu título de «secretário da casa de
Bragança», fidelizando o seu exercício à «pessoa real» e permitindo o acesso aos negócios do
reino, o resguardava de críticas a que os secretários de estado estariam mais expostos. Pais
Viegas vinha assumindo particular destaque na redacção de panfletos “legitimistas” da nova
dinastia, envolvendo-se progressivamente na tomada de decisão.
Num plano distinto, Pedro Vieira da Silva, um magistrado que se tinha destacado na
oposição a Miguel de Vasconcelos, nomeado procurador da Fazenda depois de 1640, tinha
652 Segundo António Caetano de Sousa, António Pais Viegas desempenhou funções como «secretário de estado».
Foi alcaide-mor de Barcelos e comendador de Nª Sª da Caridade de Évora. Esteve ao serviço da Casa de Bragança
antes e depois da Restauração. Natural de Manjões, Lisboa, filho de Sisenando de Freitas Freire e de D. Maria de
Lacerda, oriundos de famílias nobres de Beja. Morreu em 1650. Ver António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol.
VII, p. 129 e Pedro França REIS, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal …, p. 183.
653 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado, António Álvaro Dória, edição e notas, vol.
129
655 Escrivão da Câmara do rei (1641), seu mantieiro, comendador de S. Pedro de Babe, Comendador dos Azeites e
Lagares da Vila de Soure da Ordem de Cristo, alcaide mor de Borba, e provedor da Obras que se fizesse, por conta
da Fazenda Real, escrivão da Câmara da Mesa do Desembargo do Paço e membro do Conselho da Fazenda (1647-
1648). Filho de Agostinho Pires Cavide, escrivão da Almotaçaria de Vila Viçosa entre 1586 e 1598, sem nobreza
conhecida, Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 70 e pp. 96-97. Segundo
António Caetano de Sousa foi «secretário de estado» e do Conselho da Fazenda, António Caetano de SOUSA,
HGCRP, vol. II, pp. 397-399 e vol. VII, p. 129, terá tido a serventia da Secretaria de Estado sem que recebesse
nomeação formal.
656 Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI, Círculo de Leitores, 2006, p. 54
657 IAN/TT, Manuscritos de S. Vicente, «Memoria que se pedio dos negocios pertencentes à Secretaria de Estado», vol.
António Cavide, Lisboa, 1656, 15 setembro», fls. 155-164. A mercê tinha sido propriedade de Miguel de
Vasconcelos, IAN/TT, Chancelaria de D. Filipe III, «Alvará das Saboarias de Tomar», Liv. 29, fl. 110v.
151
iniciado o serviço interino na secretaria de estado, pouco depois do início das suspeições contra
Francisco de Lucena. Este importante oficial da Corte, a que regressaremos com mais detalhe,
começou por ouvir testemunhas e conduzir o processo contra o «secretário de estado»659. Como
veremos, será por seu intermédio que D. João IV restabelecerá a normalização do «despacho»,
pelo que a sua influência na condenação de Lucena terá sido decisiva.
659 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. II, pp. 27-28.
660 «Correspondance diplomatique de François Lanier...», pp. 785 e ss.
661 No início de 1643, estes cortesãos mandaram prender Pedro Bonete o qual, depois de torturado, lançou suspeitas
sobre o «secretário de estado». Pelos relatos coevos facilmente se depreende que os interrogatórios foram
conduzidos de forma premeditada – tendo sido obtida informação incriminatória, através da violenta pressão sobre
Bonete, (Lucena teria recebido cartas do conde-duque de Olivares e do seu filho Afonso, ainda a desempenhar o
ofício de «secretário do Conselho de Portugal» em Madrid).
662 José Emídio AMARO, Francisco de Lucena…, pp. 183 e ss.
663 EFO, IV, 1ª parte, p. 429.
664 «Correspondance diplomatique... », p. 754 e ss.
152
Em menos de três anos, dois «secretários de estado» foram assassinados na decorrência
de “lutas” de Corte. Não restam dúvidas de que algo de muito significativo se passava quanto à
mutação dos “paradigmas de governo” e da orgânica “administrativa”.
665 Coincidência de funções entre o Conselho privado do rei (que reunia todos os dias e tinha fronteiras políticas
cada vez mais dominante no processo de decisão, além de que os conselheiros de Guerra não recebiam nomeação
formal, ficando dependentes do secretário, ainda que apenas «burocraticamente ». Segundo Caetano de Sousa, os
conselheiros nomeados para «o Conselho de Guerra não tiram Carta ou Patente do lugar, o qual exercitam somente
por aviso do secretário de estado», juntando-se o facto dos membros efectivos do Conselho de Estado – onde o
«secretário de estado» vinha adquirindo protagonismo – serem também conselheiros de Guerra, o que resultaria
num obstáculo à construção de uma “direcção política” própria do Conselho de Guerra, cit. por Pedro França
REIS, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal …, p. 235.
153
das secretarias – tidas em geral como marcos de sucesso numa história do reforço dos
«secretários de estado» – foram também uma forma de circunscrever a actuação do «secretário»,
procurando limitar o crescimento de uma só secretaria de estado e remetendo – através de uma
maior prescrição das suas funções – o perfil do cargo aos originários aspectos “burocráticos”668.
Por outro lado, como é conhecido, apesar das intenções expressas pelo «Alvará» de 1643,
as novas indicações normativas não corresponderam a uma efectiva demarcação das respectivas
competências, o que explica que estas intenções de circunscrição “burocrática” dos «secretários»
eram rapidamente ultrapassadas pela vocação de “coordenação” que o cargo vinha acumulando
desde o início do século XVI669.
É certo que se verifica uma certa moderação inicial dos poderes do «secretário de
estado», fixando-lhe bem as competências na regulação dos seus poderes sobre o reino –
impedindo que este oscilasse para o valimento – e enquadrando novamente as matérias de
«graça» num outro secretário, ao qual era formalmente conferida a área das mercês. Contudo,
começa a observar-se um entendimento mais “activo” na concepção das «matérias de estado» e
uma mais assumida dimensão monopolizadora na definição daquilo que são matérias de
«governo», aspecto consagrado pela expressão «negócios públicos» – com um claro sentido de
assuntos referentes ao «bem comum». Com efeito, no que tocava a «matérias de Estado», a
Coroa passava a considerar formalmente um conjunto de matérias mais alargado e isto tanto no
reino como em todos os Senhorios e Conquistas.
668 Agradecemos a Leonor Freire Costa as sugestivas indicações em torno desta interpretação. Apesar de extravasar
o âmbito cronológico deste estudo, pode dizer-se que também o Regimento de 1736, tido como momento
fundacional das secretarias de estado – do ponto de vista de um «governo político » – surge como reacção ao
poderio alcançado por Diogo de Mendonça Corte Real. Temos neste momento em elaboração um estudo sobre o
tema.
669 «Alvará de 29 de Novembro de 1643». A divisão de matérias era justificada pela mais fácil «comprehensão, e
expedição dos negocios que no tempo presente accresceram tanto nesta Corôa, como é notorio».
154
Em primeiro lugar, o controlo da diplomacia, quer no tratamento do processo de
comunicação com os enviados, quer no tratamento das matérias externas670. Em segundo lugar,
o controlo sobre a comunicação normativa e a circulação dos «papéis»671, acentuando-se o rigor
da elaboração das normas e do seu transporte e regulação. Assim, a secretaria ia perdendo a sua
dimensão patrimonial começando a constituir-se numa entidade funcional. A título de exemplo,
os «papéis» passavam agora a ser fechados «em maço apartado», com sobrescrito identificativo:
«A El-Rei Nosso Senhor, pela Secretaria de Estado»672. Em terceiro lugar, a «Guerra»
propriamente dita e seu expediente, onde se assumia claramente uma dimensão de coordenação
militar: «Mandar Armadas, ou Esquadras, assim para os mares do Reino, como nos diferentes
territórios marítimos, fazer Exercitos, ou facções por terra». Em quarto lugar, a representação
«nos actos publicos» da Corte ou outros, segundo as atribuições do «escrivão da puridade»,
«tomando preitos, e homenagens, de qualquer Governo, Fortaleza, ou Capitania». Por último, o
quinto aspecto prendia-se com a atribuição dos ofícios de «governo», criando, desde logo, uma
certa permeabilidade com a secretaria das mercês, ainda que a fosse regulada uma circunscrição,
com benefício para a secretaria de estado, quanto à hierarquia dos provimentos673.
670 «Alvará de 29 de Novembro de 1643», «Toda a correspondencia com outros Principes em materia de paz ou
guerra, contractos, casamentos, alianças, instruções, avisos públicos, ou secretos, enviados a Embaixadores,
Comissarios, Residentes, Agentes, ou quaisquer outras pessoas encarregues deste tipo de negócios».
671 «Alvará de 29 de Novembro de 1643», «Avisos de palavra, ou escritos, sobre materias tocantes ao reino e
senhorios régios, controlo sobre os Regimentos, Ordens, Cartas, endereçadas aos Vice-Reis, Governadores dos
Reinos, Provincias, e Praças Ultramarinas)».
672 «Alvará de 29 de Novembro de 1643».
673 Do ponto de vista da provisão de ofícios, ficavam cometidos à secretaria de estado os «Vice-Reis, Governadores
de Reinos, Provincias e Praças, assim no Reino, como Ultramarinas, Generaes das Armadas, Almirantes, e todos os
Officiaes grandes, de paz, e guerra, pelos quaes, com alguma superioridade, se administra o governo publico, como
são os Presidentes dos Tribunaes, Conselheiros, Secretarios, e Escrivães delles, Desembargadores, Ministros da
Camara desta Cidade, e quaesquer outro de igual poder e jurisdicção», bem como a criação de «novos títulos Títulos,
nomeações de Bispados, e Prelazias, Officios da Casa Real, logares do Santo Officio, Reitor, Cadeiras Grandes, e
despachos semelhantes da Universidade de Coimbra».
155
produzido em 1644 dando notícia de que as «Provisões» passariam a ser «sobrescritas pelos
secretário» e assinadas pelo rei, sem «vista» de quaisquer outros ministros674.
Além desta circunscrição, convém salientar que a estrutura da secretaria de estado tendia
para uma maior complexificação, por meio da multiplicação e delimitação de tarefas de um
conjunto de servidores cada vez mais numeroso (oficiais maiores, oficiais menores, porteiro,
guarda-livros, escreventes). Cumpre lembrar que, apesar da sua assistência no «despacho» do
Conselho de Estado, a função do «secretário» tendia a desligar-se progressivamente dos aspectos
“mecânicos” do trabalho escrito. Assim, mesmo quando colaborava no trabalho “burocrático”
do Conselho, as suas funções prendiam-se com a selecção dos assuntos, a coordenação das
votações e a colocação dos «papéis e negócios» em nome do rei675.
Para o ponto que nos ocupa, basta lembrar que a dignidade de «secretário de estado»
conferida ao titular da secretaria das mercês tinha sérias implicações nas respectivas
competências. É conhecido que a secretaria de estado das mercês tinha como primeira
competência o despacho de mercês em «matéria de graça». Nessa secretaria seriam apreciadas
todas as «Consultas, Despachos, Decretos e Ordens, Cartas e papéis» que não fossem matéria de
156
Estado, conforme referia o Alvará de 1643. Ou seja, a sua competência abrangia, além da
matéria tradicional de graça régia – o que nem sempre correspondia a uma circunscrição clara –
todos os negócios que não pertencessem à secretaria de estado das matérias de estado – no
sentido de «negócios públicos». Havia, como é evidente, grande indeterminação em tudo isto,
sendo que esta identificação por exclusão de partes677, deixava uma enorme margem de manobra
à actuação do titular da secretaria das mercês. No plano das praxis política, esta nova dignidade
conferida às matérias de ‘mercês e expediente’, que seguia o peso crescente da dimensão
prebendial da monarquia, normalmente associada ao despacho da Índia, resultava de uma
amputação à secretaria de estado que tinha adquirido essas competências no período final do
«governo» Áustria. Por outro lado, como vimos, algumas das «matérias ultramarinas», disputadas
desde fins do século XVI – como as nomeações dos vice-reis da Índia – foram definitivamente
cometidas à secretaria das «matérias de estado». Convém lembrar que esta deficiente
circunscrição de matérias resultou, como bem viu um autor de inícios do século XVIII, da
«semelhança» que os negócios teriam «entre si», pois a divisão correspondia mais a uma divisão
do poder dos «secretário» do que a uma efectiva especialização do «despacho»678.
Em suma, cabia ao «secretário das mercês» dirigir os processos no âmbito daquilo que
pode ser designado como o nível baixo e intermédio dos «ofícios da republica»679. Deviam
também ser apreciadas as «Consultas» de «dipensas de leis, de devaças e alçadas», «Consultas
sobre provimento de benefícios militares, quitas de dívidas à fazenda Real, pagamento de Obras
Públicas, rendimento de sizas, mercês de hábitos das três ordens, tenças, capelas, bens vagos em
matéria de ausentes e confiscados»680.
677 «Alvará de 29 de Novembro de 1643», «E todas as mais Consultas, Despachos, Decretos, e ordens, que se
houverem de passar, e receber, cartas, e papéis, que não forem das materias referidas, e do despacho das mercês que
eu fizer, por serviços ou graça, não sendo das que ficam apontadas, se expedirão pela Secretarias das Mercês, e
Expediente, que assim se chamará».
678 Luís Caetano de LIMA, Geografia histórica de todos os estados soberanos de Europa, , vol. I., Off. de Joseph Antonio da
Sylva, Lisboa, 1734-1736. Ver ainda a título de exemplo as concorridas listas de candidatos BA, 51 – VI – 20,
Miscelânea, 25, «Proposta de nomes de pessoas para os cargos de “secretário de estado»e Secretário das Mercês», fl.
63.
679 Os escrivães das Câmaras do Reino, do Público, Judicial e Notas, ofícios relativos a sisas, ao cível da Corte e
cidade de Lisboa, almoxarifes e escrivães, tesoureiros bem como todos os ofícios de Justiça e Fazenda, Desembargo
do Paço, Conselho da Fazenda, Junta dos Três Estados, Mesa da Consciência, excepto os ministros e secretários
que se proviam pela Secretaria de Estado. Também competia às «Mercês» o provimento dos lugares militares até
tenente-Coronel de Infantaria ou Cavalaria, incluíndo estes.
680 «Alvará de 29 de Novembro de 1643».
157
«petições» ou ao nível da Câmara régia. Por exemplo, no que tocava a mercês, em caso de
menção da mercê de Conde ou algum «título», devia o «secretário das mercês» escrever ao
«secretário das matérias de estado» para que a «Carta» respectiva fosse passada pela sua
secretaria. Do mesmo modo faria o «secretário de estado» quando na sua secretaria se
mencionasse alguma mercê inferior. Porém, não era fácil implementar esta circunscrição pois
existia um largo leque de matérias onde as competências se interpenetravam. Note-se que na
secretaria de estado se faziam mercês inferiores sem que fosse enviado da secretaria das mercês
qualquer aviso nesse sentido. Também pela secretária das mercês se despachava matéria
relevante de comércio e diplomacia como a expedição de «passaportes» de naus «estrangeiras e
portuguesas», a fim de passarem pela Torre de Belém681.
Para além desta divisão entre secretarias de estado e mercês surge na década de 1640 uma
separação do trabalho “burocrático” no âmbito da confirmação documental. A assinatura régia e
o processo de autenticação das decisões constituíam matéria delicada. Vimos que uma das
principais acusações contra o «secretário de estado», Francisco de Lucena, tinha sido a sua
desregrada produção de «Decretos» e «Portarias» sem legitimação do rei. De qualquer modo,
apesar da eliminação de Lucena, não era fácil resolver esta disrupção da autoridade normativa
dos «secretários», em curso desde finais do século XVI e muito combatida pelo direito régio
durante a Monarquia Católica. Deste modo, a separação da «Assinatura» surgiu como ponto
culminante de um processo normativo, no sentido de controlar a produção de decisões682.
Pretendia esta regulação alcançar um equilíbrio entre a agilidade do «despacho» e o controlo
hierárquico da produção documental.
681 «Alvará de 29 de Novembro de 1643». Os documentos eram normalmente passados pelo secretário do Conselho
Ultramarino e confirmados pela secretaria das mercês, AHU, Conselho Ultramarino, cx. 1, doc. 5.
682 «Carta Régia de 6 de Setembro de 1616», Sobre a produção de «Provisões» em casos urgentes, assinadas pelos
desembargadores do Paço, vedores da Fazenda, conforme o seu objecto, para valerem por quatro meses, dentro dos
quais subiriam outras à «Assinatura Real» e se recolheriam as primeiras; «Carta Régia de 15 de Novembro de 1618»,
Ordens assinadas pelos duques de Lerma e Uceda, sobre remessa de cópias das «Ordens Régias pelos Secretários
dos Tribunais, Mercês, Ordens Gerais, para que tenham Assinatura Régia»; «Carta Régia de 17 de Junho de 1619»,
sobre a «Assinatura de Despachos pelo Vice-Rei»; «Decreto de 26 de Abril de 1621», sobre «Declarações nos
Diplomas que subirem à Assinatura Real»; «Carta Régia de 9 de Junho de 1623», sobre «Requisitos nas Provisões,
que do Conselho da Fazenda subissem à Assinatura Real»; «Carta Régia de 10 de Março de 1632» sobre a
«Assinatura dos papéis tocantes à Índia»; «Carta Régia de 30 de Abril de 1636», sobre a negação da «Real Assinatura
em dois Alvarás, cujas matérias deviam ser consultadas previamente»; «Carta Régia de 18 de Abril de 1639»,
juntando «Provisões para subirem à Assinatura Real e ordenando o envio dos despachos que as precediam».
158
Com efeito, D. João IV criou, «para mais alivio dos Secretarios e utilidade dos vassalos»
um novo «secretário da assinatura»683, para onde eram remetidos todos os «papéis» lavrados
pelos tribunais, centralizando o demorado processo da assinatura do monarca e impondo às
decisões destes Tribunais, de forma mais expedita, a confirmação régia. Tudo indica que este
«secretário» actuava no espaço da câmara régia, sem «Carta Patente», mas centralizando a
comunicação entre os Tribunais e a assinatura régia. Ficavam exceptuados os «papéis»
expressamente consagrados pelo «Alvará» de 1643 à secretaria de estado e à secretaria das
mercês e expediente, uma vez que a circulação deste material estava já cometida ao respectivo
secretário, responsável por fazer chegar a matéria à presença do rei684. Assim, o «secretário da
assinatura» devia conduzir ao rei todos os «Alvarás, Provisões, Cartas e perdões lavrados por
quaisquer tribunais» para serem por mão régia rapidamente assinados, impedindo deste modo
que toda essa documentação, não directamente atribuível ao estado e mercês, repousasse
demoradamente pelas gavetas dos Tribunais, casas dos conselheiros e corredores da Corte685.
via normal.
686 Pedro Vieira da Silva, doutor em leis por Coimbra, deputado do fisco, nomeado em 1627 desembargador da
relação do Porto, e em 1629, desembargador dos agravos, oficial da Casa da Suplicação de Lisboa, destacado no
Algarve para a punição dos levantamentos de 1637 e 1638. Depois da aclamação de D. João IV foi procurador da
Fazenda, nomeado «secretário de estado» em 1642. Pedro Vieira da Silva já estaria em funções pelo menos desde a
prisão de Francisco de Lucena, EFO, IV, 1ª parte, p. 501.
687 António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol. VII, p. 129.
688 «Correspondance diplomatique de François Lanier...», pp. 734 e ss.
159
“particular” do «secretário» o que contribuiu para criar na Corte uma memória, quase
consensual689, do intenso trabalho realizado nesta fase de “fundamentação administrativa” da
Coroa690.
No que toca ao seu desempenho na configuração de «matérias», Vieira da Silva
potenciou, de forma muito vincada, duas das áreas tradicionalmente cometidas ao Conselho de
Estado, mas que tinham sido consagradas de forma inequívoca no «Alvará de 1643»: a
diplomacia e a guerra.
Vejamos, em primeiro lugar, a actuação do «secretário de estado» em matéria de guerra.
A principiar a sua actuação, Vieira da Silva pretendeu uma articulação com os restantes
poderes que, nestas áreas, concorriam com a secretaria de estado (Governadores de Armas,
Desembargo do Paço, Conselho de Guerra) discorrendo sobre as «levas», recomendando aos
desembargadores o controlo dos recrutamentos nas comarcas, dando conselhos sobre a
nomeação de ministros, assinado ordens para a deslocação dos terços pagos, multiplicando
medidas sobre as fortificações691. Além disto, o financiamento da «guerra da restauração»
permitiu ao «secretário de estado» estreitar a comunicação com as câmaras o que tinha sérias
consequências no enraizamento institucional do cargo, alargando a sua influência às elites
concelhias de todo o reino.
Num segundo plano, a diplomacia.
Evaldo Cabral de Melo chamou a atenção para o papel do secretário, cerca de 1648, no
contexto de uma «Junta»692 criada para despachar matérias relativas a negócios estrangeiros
(tratando entre outros, o problema da paz com os Estados Gerais a propósito dos territórios no
nordeste do Brasil), exemplo, entre outros que poderíamos citar, que atesta o facto do
«secretário de estado» ultrapassar gradualmente a mera coordenação do «despacho» ou o simples
condicionamento indirecto dos processos burocráticos. Na verdade, o seu exercício institucional,
para lá do prestígio ocasional do titular do cargo, acercava-se cada vez mais de largos poderes no
âmbito da decisão importantes «negócios» ao nível diplomático.
689 BPE, «Avisos de Pedro Vieira da Silva ao Conde de Santa Cruz, 1648, ao Camareiro-mor, Conde de Vila Nova e
ao marquês Mordomo-mor, 1648; ao Marquês de Gouveia, 1648; ao Estribeiro-mor, Pedro Guedes de Miranda,
1648», cod. CIV / 1 – 17, fls. 430 a 443; cod. CIX / 1 – 13 e CVI / 2 – 10.
690 IAN/TT, Manuscritos de São Vicente, «Memória de todos os negócios que dos tribunais pertencem à Secretaria de
Estado, e referência aos vários secretários de Estado e seu relevo», vol. 12, fls. 521-522.
691 IAN/TT, Colecção de São Vicente, «Parecer do secretário de estado Pedro Vieira da Silva, dado à Raynha D. Luísa,
Soure, – partido favorável à guerra com os Estados Gerais - o conde de Odemira, o conde de Penaguião e o
«secretário de estado», Pedro Veira da Silva, Evaldo Cabral de MELO, O Negócio do Brasil, Portugal, os Países Baixos e o
Nordeste (1641-1669), CNCDP, Lisboa, 2001, p. 128.
160
Em terceiro lugar, podemos destacar um terceiro aspecto determinante na actuação de
Pedro Vieira da Silva. Pedro Cardim destacou no seu trabalho sobre as cortes e a cultura política
de Antigo Regime, a enorme preponderância do secretário na concepção do cerimonial693. Esta
preocupação – dimensão fundamental neste período de “refundação” dinástica – levou o
«secretário de estado» a uma especialização na elaboração dos «Regimentos» que enquadravam
cerimónias da monarquia, permitindo-lhe aceder aos códigos mais representativos do poder,
como é sabido, aspecto central numa sociedade de Corte694.
Em todo o caso, a actuação do «secretário de estado», tal como se pré-anunciava no
«Alvará» de 1643, é ininteligível sem a ponderação da actuação do «secretário das mercês». Na
verdade, para além de Pedro Vieira da Silva, desde 1643 que o «secretário de estado das mercês e
expediente»695, Gaspar de Faria Severim696, se ocupava no «despacho das petições». Desde logo,
os dois «secretários» iniciaram um atribulado conflito de jurisdição sobre diversas matérias, como
por exemplo a crucial divisão entre «Fazenda» e «Mercês» na área da diplomacia.
693 Pedro CARDIM, Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pp. 63-65.
694 BA, 51 – VI – 9, «Aviso de Pedro Vieira da Silva, em nome de S.M. para os fidalgos, participando a morte do
princípe D. Teodósio, para acompanharem o seu corpo até Belém», fl. 23v.
695 IAN/TT, Chancelaria de D. João IV, Liv. 13, fl. 375.
696 Nascido em Évora, filho de Francisco de Faria Severim, executor-mor do reino e escrivão da Fazenda Real, e de
sua mulher, D. Joana da Fonseca e sobrinho Manuel Severim de Faria, chantre da catedral de Évora. Casou com D.
Mariana de Noronha, filha de D. Francisco de Noronha, comendador de S. Martinho de Frazão, Pedro França
REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de Portugal…, p. 182.
697 Apoiando a tendência para a separação entre as matérias de justiça e as de graça e mercês o texto de Fr.
Francisco do Santíssimo SACRAMENTO, Epítome…, p. 58, reporta esta tendência ao reinado de D. Dinis (sec.
XIII).
161
suas ambições de acumulação de capital político-económico. Em todo o caso, começa verificar-
se de forma mais notória, uma fractura entre concepções de «governo» assentes sobre a eficácia
da contenção orçamental (regulada pela transversalidade das decisões) e concepções de
«governo» controladas por uma maior divisão entre matérias e respectiva proliferação de
«secretários» (onde a eficácia do mando, e a construção da legitimidade do poder régio, se
alicerçava, em primeiro lugar, na liberalidade das remunerações que deviam merecer a dignidade
de uma secretaria específica). Assim, a autonomização da secretaria das mercês não colocava
apenas limitações à actuação do «secretário de estado», mas implicava uma outra concepção do
«governo».
162
Pedro Vieira da Silva descreve depois as atribuições que a secretaria das mercês e
expediente vinha apropriando como as nomeações em postos de guerra700. Alegava que, embora
em teoria coubesse à secretaria de estado decidir sobre estas matérias, quem as despachava
ultimamente era a secretaria das mercês que tinha sido criada apenas para aliviar a secretaria de
estado das «couzas que não tocauão a estado», mas que crescentemente se transformava na
própria secretaria de estado701.
Regressando ao plano da “luta” de Corte, importa sublinhar que, não obstante o que
ficou dito sobre concepções de «governo», as tensões entre parcialidades continuavam a marcar
o ritmo da evolução das secretarias, sem outra lógica que não o acaso do conflito e a vontade de
poder. O «secretário das mercês», Faria Severim e o «secretário», António Cavide, trabalharam
para travar a ascensão de Vieira da Silva. Apesar da eficácia de Pedro Vieira da Silva, muito
apreciada na corte, a especialização do «secretário de estado» no cerimonial, e a consequente
questão quotidiana dos tratamentos, tinha as suas repercussões nos equilíbrios do Paço. Deste
modo, apesar do fortalecimento de competências do «secretário de estado», a sua actuação
700 IAN/TT, Manuscritos de S. Vicente, «Queixa dirigida à regente D. Luísa…», fl. 662v, criação de cargos de cavalaria,
manter armadas e esquadras, nomeação de governos (no ultramar), desembargos, despacho de títulos, todos os
ofícios (grandes) de paz e guerra, castelos e alcaidarias-mores e donatários das terras com jurisdição.
701 IAN/TT, Manuscritos de S. Vicente, «Queixa dirigida à regente D. Luísa…», fl. 663- 668.
702 BGUC, «Sobre o afastamento de Pedro Vieira da Silva (1656-1658)», ms. 714, fl. 84.
703 BPE, «Cartas de Gaspar de faria Severim, 29 de Janeiro de 1648», cod. CVI / 2 – 10, fl. 215 e «Cartas de Gaspar
163
gerava inevitáveis descontentamentos, rapidamente aproveitados pelo secretário das mercês e
expediente704.
704 BA, 51 – VIII – 32, fls. 57-58v. Uma Carta do visconde de Vila Nova de Cerveira para o «secretário das mercês»,
com data de Outubro de 1650, encerrava queixas acerca do modo como aquele era tratado pela Secretaria de
Estado. Dizia que não só não lhe eram enviadas instruções, mas sim aos corregedores da Comarca, não sendo
tratado como bacharel, como não beneficiava, nas cartas que lhe eram endereçadas, de tratamento adequado à sua
posição.
705 AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 37. Em 1644, um escrito do escrivão da Câmara Real servindo no Desembargo do
Paço, António Cavide, ao secretário do Conselho Ultramarino, Afonso de Barros Caminha, ordenava que as «Cartas
Régias» não fossem alteradas.
706 Uma nova proposta de António Cavide sobre o comércio viria a resultar na criação da Companhia Geral do
Comércio do Brasil. Sobre o «governo» de D. João IV, o «despacho» régio e a Companhia Geral do Comércio,
Leonor Freire COSTA, O transporte no Altântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580-1663), vol. I, CNCDP,
Lisboa, 2002, pp. 477-493.
707 O «secretário de estado» seria Pedro Vieira da Silva, tendo sido também procurador da Fazenda. Tinha nesta
época cerca de 45 anos. O outro era o «secretário das Mercês», Gaspar de Faria Severim: «a sa charge de Secrétaire
des Grâces, apartiennent toutes les affaires des Isles, Brézil, Indes et conquestes.». O terceiro seria António Cavide,
que tinha ao tempo 39 anos. Com uma relação de grande confiança com o rei, partilhava com ele muitos segredos
«C'est luy qui reçoit toutes les pétitions ou requestes que l'on présente au Roy aux audiances publiques qu'il donne
les mardy et jeudy à tout le monde indiféremment, les autres jours au matin aux nobles jusques à onze heures.»,
«Correspondance diplomatique de François Lanier...», p. 795.
708 Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 212.
709 BA, 50-V-37, «Aviso do Confessor de S.M. sobre haver um novo “secretário de estado» para servir na falta do
164
No que diz respeito ao conflito entre «secretário de estado» e «secretário de estado das
mercês», a morte de D. João IV em 1656 veio acelerar o processo de enfrentamento entre os
dois oficiais. Ângela Xavier e Pedro Cardim destacaram que depois da morte do rei se verificou
uma tendência para o «secretário de estado» chamar a si as matérias de «governo e Justiça»,
conseguindo o secretário das mercês» monopolizar a análise das matérias financeiras, o que se
traduziu num certo impasse710O testamento do rei estabeleceu a regência da rainha D. Luísa, e o
seu «secretário» pessoal, António Cavide, estreitou a ligação com Gaspar de Faria Severim, facto
que potenciou ainda mais a influência deste último na Corte711. Porém, o processo foi
conturbado e merece que, nesta fase posterior a 1656, nos detenhamos, novamente, na sua
análise.
Nesta época era já evidente um maior peso institucional da secretaria de estado. Porém, a
decisão sobre qual o «secretário» a controlar a secretaria de estado dependia da conjuntura
cortesã e da confiança do rei. A «junta nocturna», inspirada pela junta de noche da Monarquia
Católica, reunia na secretaria de estado decidindo-se as matérias por voto. Apenas as matérias
onde surgissem dúvidas ou as que tivessem grande relevância seriam colocadas na presença da
rainha pelo «secretário de estado», Pedro Vieira da Silva712. Relembre-se que era também o
«secretário de estado» quem corporizava o mando régio, escrevendo ou levando pessoalmente
ordens às mais importantes figuras da aristocracia. Assim verificou-se um primeira fase onde os
secretários representaram uma bicefalia do «governo» que vinha já desenvolvendo-se desde 1643.
Cerca de 1653, Pedro Vieira da Silva tinha tentado reforçar o seu poder nas secretarias com a
nomeação do seu filho, Martim de Távora de Noronha, para a assistência na secretaria de Estado
utilizando-o no controlo «dos papéis das mercês». Contudo, utilizando o mesmo método do
«secretário de estado», o «secretário das mercês» conseguiu também o auxílio formal do seu filho,
Pedro Severim de Noronha713, continuando a acumular clientelas, fruto do acesso às petições.
710 Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, p. 106. BA, 51 – VI – 11, «Ofício de Gaspar de
Faria Severim para o regedor sobre a confirmação dos Tratados e continuação da amizade e comércio entre
Portugal e Inglaterra, paço, 1660, 11 de Outubro», nº 87.
711 BA, 51 – VI – 11, «Decreto de S.M. para que o Regedor da Casa da Suplicação dê o despacho necessário para se
sentenciar a causa entre o marquês de Gouveia e Gaspar de Faria Severim sobre a jurisdição do ofício de Mordomo-
mor, Lisboa, 1658», nº 41; BA, 51 – VI – 11, «Decreto de S.M. anulando o decreto de 28 de Julho sobre a causa
entre o marquês de Gouveia e Gaspar de Faria Severim, mandando que a causa corra nos termos ordinários, Lisboa,
1658», nº 49; BA, 51 – VI – 11, «Decreto de S.M. mandando suspender, até nova ordem, o decreto que mandava
setenciar até às férias a causa que corre entre Gaspar de Faria Severim e o Marquês de Gouveia, Lisboa, 1658», nº
61.
712 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. III, p. 17.
713 IAN/TT, Chancelaria de D. João IV, Liv. 25, fl. 65 ; António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol. VII, p. 130. Pedro
Severim de Faria, filho herdeiro de Gaspar de Faria Severim, foi nomeado «secretário das Mercês» por «Alvará de 24
de Setembro de 1653». AHU, Reino, cx. 11-A, pasta 29.
165
Com efeito, entre 1660 e 1661, Pedro Vieira da Silva sentiu-se numa posição
crescentemente fragilizada, uma vez que a rainha deixara de o receber e era Gaspar Severim de
Faria, na secretaria das mercês, quem verdadeiramente controlava o «despacho» da secretaria de
estado714. Contudo, a influência de António Conti, um ministro que alcançara protagonismo
insinuando-se na Câmara do infante D. Afonso, veio baralhar os dados da “luta” entre os dois
experientes «secretários». No momento em que a rainha regente se preparava para entregar o
«governo» do reino, em 1662, Conti recebia ministros estrangeiros e «tinha em seu poder os
papéis mais importantes da secretaria de estado»715. Foi apresentado à rainha um «Parecer» do
«secretário de estado», onde se resolvia prender Conti e a sua parcialidade, no momento em que
o Infante D. Afonso estivesse com a rainha no «despacho», preparando o mesmo Pedro Vieira
da Silva a fundamentação «pública» da operação716. Com a concordância da rainha, a efectiva
expulsão de Conti da Corte precipitou o avanço de um outro fidalgo da Câmara de D. Afonso, o
conde de Castelo Melhor. Esta nova parcialidade, a caminho do «governo» do reino, sofreu a
oposição do «secretário de estado», Vieira da Silva, que terá tentando furtar-se a despachar as
nomeações de seis novos conselheiros de estado717. Reunido o Conselho tomaram providências
para preparar a tomada de posse do «governo» por D. Afonso, segundo a forma e o estilo do
reino. Chamado novamente, o «secretário de estado» ter-se-á oposto a este processo.
714 Processo em andamento desde pelo menos 1652, AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 54; EFO, VI, 1ª parte, p. 24, onde
se constata o crescente protagonismo do «secretário de estado das Mercês e Expediente» em Abril de 1661 quando,
comunicando directamente com o senado da câmara, ordenou que se fizesse uma festa em Lisboa para celebrar a
coroação do rei de Inglaterra, além de que Pedro Vieira da Silva via-se obrigado a pedir documentação a Gaspar de
Faria Severim, de modo a resolver os seus problemas de «despacho».
715 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. IV, p. 59
716 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. IV, pp. 61-64.
717 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. IV, pp. 72-73.
718 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. IV, p. 75
166
“processo político”. No turbilhão destes acontecimentos nenhum dos dois secretários conseguiu
assegurar a transição. Apesar da progressiva “funcionalização” das secretarias, na sociedade de
Corte a confiança régia permanecia como um valor determinante e nenhum dos dois secretários
beneficiava de grande favor junto de D. Afonso VI.
719 Fernando PALHA, O Conde de Castelo Melhor no exílio, Lisboa, 1883; D. Francisco de Sousa e HOLSTEIN, O
Conde de Castelo Melhor em Londres, Porto, 1916; Edgar PRESTAGE, Correspondência do conde de Castelo Melhor com o
Padre Manuel Fernandes e outros, Coimbra, 1917; Eduardo BURNAY, O conde de Castelo Melhor, as suas presumidas relações
com os alquimistas mágicos, filósofos, moedeiros falsos e envenenadores do século XVII, Coimbra, 1923; Edgar PRESTAGE,
Castel melhor e a Rainha D. Francisca, Coimbra, 1930; Edgar PRESTAGE, A «Catastrophe de Portugal» e o Tratado da Liga
de 1667 com a França, Lisboa, 1939; Mário de Sampaio RIBEIRO, 1667-1668, a destronação de el-Rei D. Afonso VI e a
anulação do seu matrimónio, Lisboa, 1938. Mais recentemente, para um perfil bastante detalhado do «governo» do
«escrivão da puridade», Francisco da S. de V. e SOUSA, O Ministro de Afonso VI, Luís Vasconcelos e Sousa, 3º conde de
Castelo Melhor, Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa, 2001.
720 Veja-se ainda Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, pp. 163 e ss. Para uma análise
do discurso jurídico do «secretário de estado», BPE, «Falla do Dr. António de Sousa Macedo no juramento de D.
Afonso VI», cod. CV / 1 – 6 a fl. 219 e cod. CV / 1 – 7 a fl. 145.
167
estado721. O novo «secretário de estado» serviria o conde de Castelo Melhor, ainda não
empossado formalmente como «escrivão da puridade», operacionalizando o controlo sobre as
«Consultas» do Conselho de Estado, vendo todas as «Cartas» e «Decretos», controlando o
expediente régio722.
721 BNL, Fundo Geral, «Memorial de Ministros», fl. 65v. António de Sousa Macedo, foi baptizado em 1606 no Porto,
veio com poucos anos para Lisboa com o pai, estudando no Colegio de Santo Antão dos jesuítas. Destacou-se nos
estudos de direito civil em Coimbra. Tal como uma boa parte dos secretários da segunda metade do século XVII, o
novo «secretário de estado» iniciou o percurso administativo como «secretário» ao serviço da Casa de Bragança. Foi
servidor nas «consultas do Desembargo do Porto» antes de 1640, multiplicando-se depois em “escritos políticos”,
na defesa dos direitos de D. João IV à Coroa. Nomeado Desembargador da Relação do Porto, foi provido para a
Casa da Suplicação, sendo Desembargador dos Agravos, de que tomou posse em 11 de Janeiro de 1646 o seu pai o
Desembargador Gonçalo de Sousa de Macedo. Feito Comendador de Santiago de Souselas na Ordem de Cristo e de
S. Eufémia de Penela na Ordem de Avis, Alcaide-mor da Vila de Freixo de Numão. Fidalgo da Casa Real e do
Conselho de S. M. Trabalhou como secretário da embaixada enviada a Londres (na qual seguiam Antão de Almada
e Francisco de Andrade Leitão) no âmbito da defesa diplomática do duque de Bragança, erigido cabeça do reino de
Portugal. Caso invulgar de sofisticada formação jurídica, maravilhou-se em Inglaterra com a Biblioteca da
Universidade de Oxford. Aí discorreu com o rei sobre os meandros formais da legitimidade jurídica de D. João IV.
Em Londres estabeleceu ligações fortes com comerciantes, mais tarde membros do Parlamento. Morreu a 1 de
Novembro de 1682. Para uma análise detalhada, Edgar PRESTAGE, Dr. António de Sousa de Macedo, Residente de
Portugal em Londres (1642-1646), Separata do Boletim da Segunda Classe, vol. X, Academia das Sciencias de Lisboa,
1916. Cartas de Sousa Macedo nas quais se baseou Prestage em BPE, cod. CVI / 2 – 8. O «Alvará» de «secretário»
foi passado a 7 de Setembro de 1662, IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso VI, Liv. 27, fl. 371.
722 BA, 51 – VI – 9, Miscelânea, «Cartas de António de Sousa Macedo para o Marquês mordomo-mor sobre o
provimento de Agostinho da Silva no lugar de cirurgião do número, vago por morte de Francisco Nunes, Paço,
1662, 11 e 15 de Novembro com as respectivas respostas», fls. 51-51v; BA, 51 – VI – 15, «Carta de António Sousa
de Macedo para o Secretário do Infante D. Pedro, António Cavide, dando-lhe instruções sobre a audiência de
despedida que o Infante quer dar ao Embaixador de Inglaterra, 1663, 29 de Agosto», fl. 187
723 Luís de Vasconcelos e Sousa nasceu em 1636. Entrou para o serviço do rei após o golpe de 1662, quando D.
Afonso recebeu da mãe o poder. Gentil-homem da Câmara, foi chamado pela Rainha-Regente. Governou, a
princípio, numa tripartição do poder, com Sebastião César de Meneses (bispo eleito do Porto) e com o 6º conde de
Atouguia, D. Jerónimo Coutinho, conseguindo isolar-se no mando. Por «Carta de 21 de Julho de 1662», exerceu o
cargo de «escrivão da puridade» até 23 de Novembro de 1667, com funções confirmadas pelo «Reg. de 12 de Março
de 1663». Com o golpe de D. Pedro, irmão de D. Afonso VI, a 23 de Novembro de 1667 não conseguiu
permanecer junto do novo regente. Morreu em 1720.
724 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. IV, p. 79. Deve notar-se que para a
elaboração da «Carta» de nomeação não foram encontrados documentos que pudessem fundamentar a sua
estrutura. Desse modo, o rei ordenou ao «secretário de estado» que a carta fosse elaborada a partir das
recomendações do Conde de Castelo Melhor.
168
ordens do «escrivão da puridade» de plenitudine potestatis e «poder real, «sem embargo de qualquer
ordenação, lei ou privilégio de qualquer outro ofício ou regimento que neste se derrogue em
todo ou em parte»725. O problema é que, de acordo com uma sugestiva frase do autor da
Catatrophe do Reino de Portugal, «o valimento» opunha-se à «conservação da republica», o que
conduzia todos os «validos» a uma «idade critica», onde a «republica, acodindo a sua vida,
arruinaria o valimento & o sepultaria»726. Daí a preocupação em legitimar o cargo e inscrevê-lo
na longa linhagem dos ofícios portugueses. A obra de Fr. Francisco do Santíssimo Sacramento,
Epitome unico da dignidade de grande y maior ministro da Puridade, impressa em 1665, vem cumprir esta
função de enquadramento do «escrivão da puridade», pretendendo combater uma veemente
crítica contra o modelo castelhano muito difundida na Corte. Na verdade, não era fácil
contornar estes ataques, uma vez que a actuação dos «ministros» régios corria num sentido
“castelhanizado”, no sentido comissarial, verificando-se até algumas proximidades directas dos
novos protagonistas com figuras do «governo olivarista». Veja-se, como exemplo, o facto de
Castelo Melhor estabelecer como assistente do «despacho», Rui de Moura Teles, um «ministro»
que havia estado muito próximo de Miguel de Vasconcelos727.
169
«Consultas» e «papéis» vindos do Conselho de Estado para o rei730 ou circulando nos
conselhos731; indicações sobre o funcionamento dos oficiais no momento da nomeação do
«escrivão da puridade»732 e no respectivo «Regimento»733.
Na verdade, o governo de Castelo Melhor foi alvo de ataques muito semelhantes aos que
se verificaram contra os «secretários» Miguel de Vasconcelos e Francisco de Lucena, o que
permite interpretar o período decorrente entre 1662 e 1668 como um novo momento de
“modernização” do «governo». Deve salientar-se que as críticas da Corte seguiam sobretudo
duas linhas de argumentação, muito semelhantes às verificadas no passado quanto à acção dos
ministros “castelhanizados”: o «escrivão da puridade» era acusado de utilizar mecanismos
“políticos” alternativos à ordem polissidonal – implementando uma coordenação do «despacho»
tendencialmente executiva – assim como criticado por ter sido o protagonista de um ataque
«desonroso» aos privilégios dos «Grandes do Reino» – quer através do ostracismo cortesão quer
pela nomeação de pessoas «indignas» para ofícios de relevo734. Daí que a sua margem de acção se
tenha progressivamente estreitado, obrigando os «secretários de estado» a desdobrarem-se em
escritos “políticos” de legitimação do “regime”.
170
múltiplos e inevitáveis conflitos com um grande número de peticionários735. Se este facto
representava uma dificuldade acrescida para a progressão cortesã do «secretário de estado» era
também a prova constituída de que o peso do seu trabalho voltava a definir grande parte das
decisões do rei. Claro que as disputas comuns com os Conselhos, em torno dos processos
“burocráticos” dos peticionários, foram rapidamente aproveitadas na luta interna que atravessava
a Corte736.
735 John COLBATCH, An Account of the Court of Portugal, Under the Reign of the present King Dom Pedro II, with Some
Discourses on the Interests of Portugal, with Regard to other Sovereigns, London, 1700, pp. 87 e ss.
736 AHU, Reino, cx. 12, pasta 7.
737 AHU, Reino, cx. 11-A, pasta 29.
738 AHU, Reino, cx. 12, pasta 7.
739 Em 1647 já se decidira aumentar a propina do «secretário de estado das mercês e do expediente», Gaspar de
Faria Severim, EFO, V, 1ª parte, p. 73. Severim, «depois que entrou no expediente dos papéis», fez acrescentar ao
seu rendimento «8 moios de cevada, de 64 alqueires cada moio», EFO VI, 1ª parte, p. 547 ss.
740 Pedro Severim de Noronha encontraria a morte num episódio singular: cruzando-se uma noite com o rei D.
Afonso VI, não o tendo reconhecido, gerou-se uma pequena escaramuça, tendo sido assassinado pelo soberano,
Ângela Barreto XAVIER, «El rey aonde pode...», p. 55.
171
continuavam a representar fortíssimos “activos políticos” – ainda mais quando conspiravam
contra o «governo» régio, o que parece ter sido o caso. O «secretário de estado» António de
Sousa Macedo, e o «secretário» António Cavide, terão coincidido na opinião de que Gaspar de
Faria Severim propunha o retorno da regência de D. Luísa – a sua maior influência na Corte –
assim como a prisão do Conde de Castelo Melhor, utilizando para tal uma acusação sobre gastos
não autorizados741.
741 Gastão de Melo de MATOS, «Um Processo Político do Século XVII», Congressp do Mundo Potuguês, vol. VII,
Lisboa, 1940, pp. 645-647.
742 BA, 51 – VI – 11, «Decreto de sua Magestade acerca do libelo que se deu contra Gaspar de Faria Severim,
Secretário das Mercês acerca do título de Marquês em França, Lisboa, 1662, 11 de Outubro e 1663, 17 de Janeiro»,
nº 122 e nº 124, respectivamente.
743 BPE, «Pareceres do Conde de Castelo Melhor a D. Pedro II, sobre a confederação contra a Hespanha e França»,
cod. CIII / 2 – 26, fl. 119v; cod. CV / 1 – 1, fl. 145; cod. CXXX / 2 – 6, fls. 26v-32v.
744 Por meados de 1664, António de Cavide, suposto partidário do conde de Castelo Melhor, recebeu do arcebispo
Sebastião César de Meneses a informação de que «se tramava um movimento contra o Escrivão da Puridade», na
qual estariam envolvidos os secretários das Mercês, os Severins, Gastão de Melo MATOS, «Um Processo
Político…», pp. 639 e ss.
745 BA, 51-X-6, «Parecer de Pedro Vieira da Silva sobre a petição do “secretário de estado» António de Sousa
Macedo pedindo para seu filho a mercê do título de Barão», fl. 271.
172
Melhor, foi atacado pelo seu «governo» supostamente “tirânico”746. Seria este processo também
uma reacção contra a “burocracia” que ocupava as secretarias de estado? Aparentemente a “luta”
entre parcialidades decorria menos da fragilidade do próprio rei do que do “estilo” castelhano do
«governo».
Resta saber se, sob a superfície da “luta” de Corte, as mutações promovidas pelo
«escrivão da puridade» estariam ou não a entrar numa contradição profunda com a cultura
“política” dominante. Na verdade, sabemos que Pedro Fernandes Monteiro, procurador dos
Povos por Lisboa – já envolvido no passado na eliminação de Francisco de Lucena – confessou
mais tarde que parte das acusações contra os secretários decorriam apenas de uma “luta” entre
cortesãos747. Terá o alinhamento das parcialidades respondido apenas a relações clientelares
(laços familiares, interesse político-económico, relações de afecto) ou estariam estas relacionadas
com modelos distintos de «governo»? Sendo assim, qual o verdadeiro peso das ideias sobre o
exercício do poder régio – onde os «secretários» e a sua participação no «despacho» emergiam
como tema dominante – no âmbito da “luta” de Corte? A pergunta remete para os difíceis
problemas da emergência da “burocracia” no contexto das “lutas políticas” – assim como o
papel do conflito entre corpos e secretarias de estado na produção ideológica do poder –
aspectos que abordaremos na última parte deste estudo. De qualquer modo, não é difícil ver
aqui, para lá das conjunturais lutas cortesãs, as dores de parto de um novo sistema social em
direcção a um novo paradigma de funcionamento.
746 Ângela Barreto XAVIER, «El Rei aonde póde...», pp. 19-20. Estudos recentes têm destacado os conflitos cortesãos
e a afirmação dos validos na perspectiva dos modelos políticos das sociedades de corte, Paul GRIFFITHS, «Secrecy
and authority in late sixteenth anda seventeenth century London», The Historical Journal, 40, Cambridge, 1997, pp.
925-951; David M. LOADE, Tudor Government: Structures of Authority in the Sixteenth Century, Oxford University Press,
Oxford, 1997; Antonio FEROS CARRASCO, Kingship and Favoritism in the Spain of Philip III, 1598-1621, Cambridge
Univesity Press, Cambridge, 2000.
747 Fernandes Monteiro, um dos principais incitadores dos «Povos» em 1668 confessaria no seu Testamento,
redigido em 1673, ter caluniado o «escrivão da puridade», conde de Castelo Melhor, além de ter participado na
destruição intencional de Francisco de Lucena, «tudo por inveja e ambição». Roque Monteiro de Paim, filho de
Pedro Fernandes Monteiro, na sequência da publicação do primeiro tomo da História de Portugal Restaurado de D.
Luís de Meneses, escreveu uma carta ao autor onde se queixava do tom violento com que seu pai fora tratado na
obra, afirmando que Monteiro não tinha sido o único a instruir processos contra inocentes. Este facto vem,
paradoxalmente, confirmar a veracidade da acusação, Ângela Barreto XAVIER, «El Rei aonde póde...», pp. 73-74.
Sobre estes conflitos veja-se Monstruosidades do Tempo e da Fortuna, (1669-1671), vol. II, Porto, 1939, pp. 51-52, Ângela
Barreto XAVIER e Pedro CARDIM, D. Afonso VI..., pp. 237-238.
173
3. Os «secretários de estado» e a funcionalização da Secretaria de
Estado.
Embora não existam dados muito claros, pode dizer-se que tinha vindo a consolidar-se,
desde o reinado de D. João IV, o hábito de um «secretário», geralmente actuando na Câmara
régia, controlar o processo de assinatura do rei, facto que levaria Fr. Francisco do Sacramento a
afirmar a existência de três secretários (estado, mercês, assinatura) com competências distintas,
cerca de 1666748. As razões para a quase inexistência de informações sobre a secretaria da
assinatura prendem-se com o próprio sentido do conceito de secretaria tal como era utilizado no
século XVII. Por outras palavras, sabemos que a acepção “contemporânea” de «Secretaria» –
como conjunto de oficiais com «Carta patente», «Regimento» e consequente definição da
estrutura oficinal – surge apenas no final do século XVIII. O facto de o processo da assinatura
pertencer a uma lógica especificamente seiscentista – mais conjunturalmente situada –, nascida
174
sobretudo no espaço da intimidade do rei e extinta ao longo da primeira metade do século
XVIII, resulta numa maior escassez de fontes para o seu estudo – ao contrário das «matérias de
estado» e «mercês», conservadas pela própria evolução do sistema de poder que veio a privilegiar
estas expressões do «despacho». Assim, não é fácil reconstituir o trabalho de assistência à
assinatura régia. Porém, não há dúvidas de que a cultura política seiscentista distinguia, de forma
clara, a especificidade da secretaria da assinatura, sendo que, no final do reinado de D. Pedro II e
início do reinado de D. João V, o secretário da assinatura continuava a ter as incumbências tal
como foram definidas a partir de 1643, despachando com o rei todas as manhãs749.
António Cavide serviu nestas funções durante o reinado de D. João IV750. Após um
interregno durante a regência da rainha D. Luísa – em que depois de 1656 serviu António de
Sousa Tavares, Desembargador do Paço – D. Afonso VI voltou a chamar António Cavide para a
Secretaria da Assinatura751. Depois de 1668, já na época de governo de D. Pedro II, Cavide
permaneceu como secretário do rei e membro Conselho da Fazenda, porém apenas como
detentor de títulos honoríficos que já não correspondiam a uma actuação efectiva junto do rei752.
Após a morte de António Cavide, surgem na secretaria da Assinatura, João de Roxas de
Azevedo753, ministro com experiência diplomática754 e secretário pessoal do infante, e também
Liv. 25, fl. 94. Cavide chegou a ser equacionado para a secretaria de estado em 1668, isto após o afastamento de
António de Sousa Macedo e do Conde de Castelo Melhor, numa conjuntura em que se falou também de Pedro
Fernandes Monteiro e Pedro Vieira da Silva para a Secretaria de Estado. Em 1673, chegou mesmo a ser preso
depois de o seu nome ser referido em comprometedores «papéis» apreendidos pela Junta da Inconfidência. As
indefinições acerca da actuação dos «secretários de estado» foram, em muitos casos, manifestas e impedem um
levantamento taxativo dos seus titulares, Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, pp. 203 e ss.
752 Sobre a «conjura de 1673» e o envolvimento de António Cavide na política de corte ver Maria Paula Marçal
LOURENÇO, D. Pedro II, Círculo de Leitores, 2007, pp. 147-148. Sobre as prisões de 1673, com uma análise do
processo de António Cavide, já falecido na data da produção do documento, ver AGS, Estado, Leg. 2631.
753 Natural de Madrid ou Buenos Aires, filho de Pedro de Roxas. João Roxas de Azevedo, estudou na Universidade
de Coimbra (segundo França Reis é o primeiro oficial letrado com nomeação, nascido fora da monarquia) e foi um
dos mais destacados aliados de D. Pedro II na conjura de 1667. Fez com António Cavide parte da Junta da Casa do
Infantado com poderes idênticos aos outros tribunais da Coroa. Foi secretário de Francisco de Sousa Coutinho nas
suas missões diplomáticas (embaixador extraordinário em Roma e Plenipotenciário à Paz de Nimega). Foi secretário
da Casa do Infante D. Pedro, passando, depois deste chegar à regência, a desembargador do Paço, sendo depois
«secretário da assinatura» e chanceler-mor do reino, IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, Liv. 48, fl. 3, António
Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 404. Em 1684 foi investido familiar do santo ofício, Maria Paula Marçal
LOURENÇO, D. Pedro II..., p. 78 e p. 105. Pedro França REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de Portugal..., p. 218.
175
José de Faria755, um ministro especializado em Fazenda e arquivos, que chegaria a «secretário de
estado» interino na década de 1690756. As estreitas ligações entre estes ministros vão contribuir
para a fusão entre secretarias, conotando o exercício dos «secretários» com um plano mais vasto
de blindagem da produção documental757. Neste sentido, verifica-se um crescimento sem
precedentes do trânsito entre secretarias que culminará na nomeação dos dois «secretários» com
um maior tempo de serviço régio – Bartolomeu de Sousa Mexia758 e Diogo de Mendonça Corte
Real759. Os dois passarão pelas três secretarias do reino e assegurarão uma tranquila continuidade
“burocrática” entre os reinados de Pedro II e D. João V760.
É importante notar que um dos mais destacados secretários da assinatura, João Roxas de
Azevedo, representou um papel fundamental na eliminação do valimento de Castelo Melhor em
1667, conotando a confirmação régia, durante a regência de D. Pedro, com uma sustentação
jurídica do poder do rei. Isto queria dizer que as limitações documentais ao poder régio – antes e
depois da produção desses actos de poder – começavam a ser esvaziadas de alguns princípios
754 BA, 51 – VI – 11, «Decreto de S.M. para o Regedor (da Casa da Suplicação) comunicando-lhe a mercê que fez a
João de Roxas de Azevedo do lugar de Desembargador extravagante da Casa da Suplicação, como prémio do bom
serviço de Secretário das embaixadas de França e Roma, lisboa, 1668, 9 de Jan.».
755 Conselheiro da Fazenda e guarda-mor da Torre do Tombo. Segundo a Leitura de Bacharéis, a sua família seria
das «melhores do reino», especialmente pelo pai, Manuel de Faria de Barcelos, escrivão do Juízo Eclesiástico.
Membro do Conselho de Estado e do Conselho da Fazenda, foi enviado extraordinário na Corte de Madrid, guarda-
mor da Torre do Tombo, por «Carta» de 25 de Janeiro de 1695, IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, Liv. 39, fl. 221.
756 António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 403.
757 Luís Caetano de LIMA, Geografia histórica de todos os estados soberanos de Europa..., vol. I, pp. 250 e ss.
758 BNL, Fundo Geral, «Memorial de ministros», «Bartolomeu de Sousa Mexia», F 1240, fl. 87v. Nasceu em Lisboa.
Foi desembargador das Ilhas, desembargador da relação do Porto. Passou para a Casa da Suplicação onde foi
ministro dos Agravos, obtendo lugar no Conselho da Fazenda. Foi ouvidor da Casa de Bragança e do Infantado.
No auto do Juramento de D. João V, a 1 de Janeiro de 1707, assistiu como membro do Conselho de S.M. e do
Conselho da Fazenda sendo seu «secretário da assinatura, Mercês e Expediente», tendo como alunos, D. Miguel e
D. José, filhos legítimados de D. Pedro II.
759 BNL, Fundo Geral, «Memorial de ministros», «Diogo de Mendonça Corte Real», F 1240, fl. 134. Nasceu em Tavira
em 1658 e estudou, em Coimbra, Direito Canónico. Terminados os estudos em 1686, foi corregedor e provedor da
Comarca do Porto, começando a servir em 1691. Foi durante o reinado de D. Pedro II, enviado extraordinário aos
«Estados da Olanda» e depois à corte de Madrid, onde residiu alguns anos. Voltando para o reino foi nomeado
conselheiro da Fazenda, sendo depois nomeado por D. Pedro II, «secretário das mercês» e, mais tarde, «secretário
da assinatura e expediente». Seria «secretário de estado» de D. João V até o ano da morte, 1736. Casou com D.
Teresa de Bourbon, filha dos condes de Avintes. Descendia dos Sequeiras de Monforte do Alentejo, IAN/TT,
Chancelaria D. Pedro II, «Secretário das Mercês, Carta a Diogo de Mendonça Corte Real», Liv. 56, fl. 101v; António
Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VIII, p. 174.
760 A 15 de Abril de 1707 seriam confirmados dois novos «secretários de estado e das mercês», «sendo já velhos».
Diogo de Mendonça Corte Real transitou da «secretaria das mercês para a secretaria de estado», «conseruando o
expediente da guerra». Bartolomeu de Sousa Mexia passou da «assinatura para a secretaria das Mercês», com carta de
propriedade, Gazeta em forma de carta, José Soares da Silva, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1933, pp. 102-103. O autor
sublinha o facto de com estas nomeações «se privaram de esperanças tantos, e tam fortes opozitores». As razões
prendiam-se com a estabilidade das secretarias onde «não quizerão uer caras de nouo» mudando «para a mesma
cabeceira».
176
dominantes na política de Corte ao longo dos últimos séculos (autonomia da Chancelaria,
revisão de sentenças, apelo para Cortes). Este esvaziamento fazia-se por meio de uma
monopolização dos diferentes níveis da recolha de informação e elaboração documental. A
secretaria da assinatura era, enfim – apesar do seu trabalho de sombra e das suas muitas
insipiências no controlo dos poderes documentais dos tribunais de Corte – uma primeira
erupção de um exercício do poder como “dispositivo de comunicação” vocacionado para a
correspondência entre a decisão do rei, a rapidez do processo e a hierarquização dos «papéis»
dos Tribunais.
Segundo Ângela Barreto Xavier, os «Pareceres assinados pelo «secretário» – qual carta de
aptidão retórico-política – serviam, antes do mais, os seus próprios interesses, o que permite
surpreender os «secretários» no plano da “política real”763. No entanto, estes «Pareceres»
redigidos pelo «secretário do infante» discutiam também aspectos determinantes da ordem
jurídica do reino – como a possibilidade de as Cortes elegerem o rei. O que pretendo destacar
761 Devia o infante D. Pedro assumir o título de rei e a coroa, retirando a Afonso VI todas as qualidades régias
(fundamentando-se a acção no direito do reino e da renúncia do rei) ou devia apenas substituir o rei no governo.
762 António M. HESPANHA, «Marginalia sobre dois seminários de história do poder», Themis, Revista da Faculdade de
sendo remetidas para um papel simbólico, ideia que podemos conotar com as posições “regalistas”. Embora isto
funcionasse mais como princípo retórico pois este valor simbólico era, pelo mesmo Azevedo, conformado com a
possibilidade de as Cortes serem «Tribunal de reis», Ângela Barreto XAVIER, «El Rei aonde póde…», pp. 36-48.
177
prende-se com esta nova categoria de juristas, adestrados num saber menos afecto à dogmática
dos livros de referência e mais susceptíveis de suportar as pretensões do poder régio. Se é
verdade que vinham surgindo casos similares, como Pedro Vieira da Silva ou António de Sousa
de Macedo, a novidade decorria de uma maior atenção aos factores de comunicação entre
secretarias e poder régio. Com efeito, esta aliança forjava um novo “discurso” em que o poder
do rei emergia de forma mais “musculada”, sustentado por novas técnicas de “comunicação
política”. Por outro lado, como temos vindo a sugerir, as matérias diplomáticas reforçavam o
território político dos secretários, onde a experiência de cortes europeias ampliava o seu leque de
saberes. Depois de 1668, o trabalho de João Roxas de Azevedo como secretário da assinatura
juntou ao controlo dos assuntos externos – estabelecimento de ministros enviados a diversas
Cortes – a comunicação com o «secretário de estado» e a confirmação das decisões de «governo»
do reino764. Este movimento centrípeto, fechado sobre a Câmara régia, reforçou a já referida
“política de gabinete”. Deve ainda notar-se que esta proximidade dos «secretários da assinatura»
em relação ao rei, não limitada por «Regimento» próprio, potenciava, uma outra vez, a
emergência do «secretário» fora do Conselho de Estado. Como bem refere Paula Marçal
Lourenço, deve ver-se aqui um primeiro esforço – como coordenação geral das «matérias de
governo» – no sentido de gerar «Consultas» unívocas, fazendo proliferar «o direito escrito e
erudito de proveniência régia»765.
Assim, a acção de Joaquim Roxas de Azevedo revela que a comunicação entre as três
secretarias determinava o aumento do protagonismo da secretaria da assinatura, de onde partiria
sobretudo o esforço de agilizar a produção documental dos tribunais da Corte, pressionando os
«ministros» a finalizarem os processos e levando directamente ao rei as «Consultas» já
elaboradas, homogeneizando os conteúdos normativos e criando canais de comunicação com as
«matérias de estado» (sobretudo guerra, diplomacia e fazenda), tentando, enfim, cumprir o
desígnio já tentando por Pedro Vieira da Silva durante a regência de D. Luísa766.
Perante este reforço da assinatura régia, que consequências para a secretaria das mercês?
Como temos vindo a sublinhar, uma boa parte do controlo sobre o «expediente» –
relembre-se que esta era a expressão para designar o acto específico de controlar o circuito
documental – estava cometido a esta secretaria. Assim, ao destacar a assinatura, a Coroa
procurava também concentrar os esforços de controlo na decisão prebendial. Com efeito, as
178
«matérias de mercês» vinham sofrendo alterações normativas desde a década de 1630. Além
disto, como ficou dito, os ministros do rei começavam a posicionar-se perante as matérias de
«graça», tendo em conta objectivos mais estratégicos – animados pela conservação do «Estado
Real», conforme era referido no Regimento do Conselho de Estado de 1645 – pelo que, os
«secretários das mercês» tinham vindo a transitar, de forma comum, para o serviço da secretaria
de estado, afinando a sua leitura da liberalidade régia de uma forma mais transversal. Verifica-se,
portanto, a dupla tendência já enunciada: maior circunscrição das decisões régias em matéria de
«mercês» – com uma subalternização em relação ao tópico do «governo comum» – e uma maior
circulação do pessoal político da secretaria, o que levava a uma lenta ruptura entre o exercício
pessoal do cargo e o ethos secretarial do ofício, significando isto a intensificação de um ethos do
serviço «público» do rei.
Desde 1662 que as «matérias de mercês» vinham sendo enquadradas pela necessidade de
comunicação entre secretarias. O «Regimento da secretaria das mercês», dado em 1671,
especificou os serviços dignos de serem agraciados, regulamentando e exigindo provas da
efectiva prestação do serviço, e definindo a tramitação processual767. O «secretário» não poderia
aceitar senão papéis autênticos – elaborados e assinados pelos titulares de cargos régios –
registando o tipo e a data das certidões. Isto significava que o «secretário» deveria verificar se a
documentação era produzida por instituições da Coroa, a fim de evitar falsificações, impondo-se
a apresentação das provas dos serviços: no caso dos serviços militares, certidões e folha da
Auditoria Geral de Guerra; no caso de os serviços pertencerem à Índia, Brasil e parte
ultramarinas, deviam ser passados pelos escrivães e secretários dos capitães das fortalezas,
escrivães das naus, secretários dos generais e capitães-mores. O «secretário» devia também
controlar o volume de mercês em apreciação evitando que, sendo despachada uma petição – de
resposta contrária à satisfação dos vassalos –, voltassem a ser apresentados os mesmos «papéis»
sem referência do «despacho» anterior e consequente decisão. Pretendia-se uma atenção mais
estreita ao historial de cada peticionário, de forma a neutralizar mecanismos de contorno – ou
esvaziamento – das decisões régias. Neste sentido, outro exemplo destacado do esforço
normativo e arquivístico foi o «Decreto» produzido em 1681, no sentido de reformar o Registo
das Mercês – dando maior efectividade à organização do “histórico das mercês atribuídas” –
179
baseando-se o trabalho de recuperação nas Chancelarias do Real Arquivo, e das Ordens
Militares, no Livro das contas da Chancelaria depositado no Conselho Ultramarino.
Já referimos que outro dos aspectos determinantes na evolução da secretaria das mercês
diz respeito ao facto do seus «secretários» passarem a actuar no âmbito de um “gabinete régio”.
Assim, durante o reinado de D. Pedro II, qualquer dos três «secretários» que desempenharam
funções no «despacho» das mercês serviram também, ocasionalmente, interinamente, ou mesmo
formalmente, como «secretários de estado» ou como «secretários da assinatura». Vejamos
brevemente esta fluidez de serviços.
Pedro Sanches de Farinha foi designado formalmente secretário de estado das mercês e
expediente e foi nessa condição que coordenou a elaboração do importante «Regimento da
secretaria das mercês»768. Em algumas ocasiões despachou interinamente «matéria de estado», no
impedimento do «secretário de estado», pelo menos desde a morte de Gaspar de Faria Severim
até ao período em que servia o fragilizado D. Frei Manuel Pereira, entre 1680 e 1686769. João
Roxas de Azevedo, depois de passar pela secretaria da assinatura, despachou também como
«secretário das mercês» após a morte de Sanches de Farinha. Também Roque Monteiro de Paim,
destacando-se como secretário na década de 1680, serviu por diversas vezes nas três
secretarias770. Por morte de João de Roxas de Azevedo foi Bartolomeu de Sousa Mexia, também
com experiência na assinatura, quem passou a servir no «despacho das mercês»771. O serviço
deste último «secretário»772 seria ainda dividido com Diogo de Mendonça Corte Real que, depois
de uma «enviatura» em Madrid, passou a trabalhar no «despacho» secretaria das mercês e na
768Sucessor de Pedro Severim de Noronha na Secretaria das Mercês e Expediente, filho de António Sanches de
Farinha. Letrado mas não de formação universitária, Pedro França REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de
Portugal…, p. 213. Severim de Noronha serviu como escrivão da Câmara Real, tendo desempenhado a função de
«notário público» nomeado no acto de entrega dos selos régios a D. Afonso VI, BGUC, «Cerimonial da entrega dos
selos reais, pela rainha D. Luísa a D. Afonso VI», nº 518, fls. 111; IAN/TT, Chancelaria de D. Afonso VI, «Secretário
das Mercês e Expediente, Carta a Pedro Sanches Farinha», Liv. 28, fl. 372.
769 Pedro Sanches Farinha despachou em 1663 e 1685 como «secretário de estado», AHU, Reino, cx. 12, pasta 36.
770 Sobre Roque Monteiro de Paim uma boa síntese em Paulo Drumond BRAGA, D. Pedro II, (1648-1706), uma
biografia, Tribuna, Lisboa, 2006, pp. 144-145.
771 BA, 51 – IX – 30, «Avisos de Bartolomeu de Sousa Mexia para o Arcebispo de Lisboa, D. João de Sousa, 1708»,
«Cartas para El rey, Roma, e Pessoas Grandes. Do Arcebispo D. João de Sousa», fls. 311 e ss.; BA, 51 – IX – 35,
«Parecer [sobre o pleito que corre entre os Procuradores da Coroa e Casa do Infantado com D. Miguel Luís de
Meneses por causa de uns bens da Casa de Vila Real] de Roque Monteiro Paim e Bartolomeu de Sousa Mexia,
Original, Lisboa, 13 de Novembro de 1698», fls. 161-161v; BA, 51 – II – 78, «Ofícios de Diogo de Mendonça
Corte-Real, Bartolomeu de Sousa Mexia e António Rebelo da Fonseca para o Conde do Redondo, 1708-1717», fls.
6, 26, 42, 100, 220, 230, 288, 406. Algumas das cartas mais relevantes encontram-se inventariadas e resumidas, Os
manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil, vol. II, Virgínia Rau e Maria Fernanda Gomes da Silva,
Universidade de Coimbra, Coimbra, 1954, «Cartas de Bartolomeu de Sousa Mexia para o duque do Cadaval» sobre
«Pareceres» do marquês de Fronteira e do conde-general da armada, sobre os poderes da Mesa do Desembargo do
Paço e sobre a Junta do Comércio, 1713-1719», «Escritos das Secretarias».
772 António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 404.
180
assistência da secretaria de estado. Na verdade, confirma-se a exponencial fluidez e comunicação
entre as secretarias, onde se verificou uma certa absorção da secretaria da assinatura no âmbito
da secretaria das mercês e expediente773.
Antes do mais, deve dizer-se que, perante o reforço da comunicação entre secretarias,
sobra como consequência para a secretaria de estado uma preeminência do seu titular na
coordenação da “decisão política”. O sinal evidente desta preeminência é a ausência de controlo
normativo sobre a secretaria de estado, assistindo-se, pelo contrário, à produção casual de
normas reprimindo os limites colocados ao «secretário de estado», o que corresponde ao
arranque para uma nova intensificação dos seus poderes, fruto da maior discricionariedade na
actuação dos secretários. Poderia opor-se o facto de também na secretaria da assinatura se não
verificar intensificação normativa, não fosse a já notada tendência para a assinatura ser integrada
no despacho das mercês e expediente, bem como o seu carácter mais localizado no espaço da
Câmara régia. Também no que toca à despatrimonizalização do ofício do «secretário de estado»,
se verificam indícios de uma maior separação entre as idiossincrasias pessoais dos secretários e
os estilos da secretaria.
773 Luís Caetano de LIMA, Geografia histórica de todos os estados soberanos de Europa...., vol. I, pp. 250 e ss.
181
representar um instrumento primordial, cujo controlo se torna fortemente apetecido, no que
toca ao domínio do poder na Corte.
Postas as condições gerais do enfoque, dividiremos a análise por três áreas. A forma do
«despacho» e possíveis alterações, o elenco das competências e, finalmente, o perfil da actuação
dos ministros.
Quando o rei não estava presente faziam-se declarações pelos conselheiros sendo o
«secretário de estado» quem registava a informação, levando-a ao rei, cujas decisões eram
Notas sobre Portugal no início do periodo joanino», Análise Social, Vol. XXXV (157), 2001, pp. 961-987.
777 Paulo Drumond BRAGA, D. Pedro II…, p. 142 e ss.
182
transformadas em «Decretos». Mas isto não significa que o «secretário de estado» fosse apenas
um secretário assistente do Conselho de Estado, conforme escreviam os enviados franceses.
Importa lembrar que no contexto da luta cortesã, interessava à diplomacia francesa potenciar o
papel do Conselho de Estado onde dominavam dois aristocratas ligados à “política francesa”778.
Numa outra perspectiva, e de acordo com Edgar Prestage, era o «secretário de estado»
quem convocava o Conselho de Estado – responsável por todas as matérias políticas e
diplomáticas779. Embora não se pronunciando no Conselho, propunha os assuntos para
«despacho régio», recebendo toda documentação do serviço do rei, apresentando-a e recolhendo
ordens para a redacção das repostas, assinadas somente por si. Isto demonstra bem como a
subalternização honorífica do «secretário de estado» podia não significar muito em termos
práticos. Se juntarmos a isto a desagregação da arquitectura social em curso, talvez esta
preeminência honorífica do Conselho de Estado, no pronunciamento de «Pareceres» orais, não
significasse, depois, grande capacidade de intervenção nos processos de decisão. As «Consultas»,
elemento que fixava a deliberação afectando o sentido da «Resolução» régia, pertenciam, em
todo o caso, à pena do «secretário». O relato atribuído a Jonh Colbatch nota a este respeito que
o «secretário de estado» despachava bem mais rapidamente que o Conselho de Estado780. Na
verdade, o auxílio consultivo começava a separar-se do processo de emissão das decisões, o que
obriga a analisar a secretaria de estado cada vez mais no plano da produção documental e da
selecção da informação. A ausência das «Consultas» do Conselho de Estado impede o cabal
confronto entre a produção normativa do rei e os «Pareceres» dos conselheiros e as eventuais
indicações dos «secretários». Contudo, parece certo que as queixas sobre a lentidão do Conselho
se multiplicavam na Corte, o que só podia potenciar o papel dos «secretários»781. Acresce a isto a
opinião coeva, não muito rara, diga-se, de que o «secretário de estado» representava no reino de
Portugal o mesmo que o privado da Monarquia Católica782. De qualquer modo, uma sondagem
778 Sobre estes alinhamentos ver Edgar PRESTAGE, «The mode of government in Portugal during the Restauration
period», Mélanges d’études portugaises, 1949, pp. 263-270; Gastão de Melo MATOS, Espiões e Agentes Secretos nos Princípios
do século XVIII, Oeiras, 1931; Ana Maria Pessoa O. ANTUNES, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 1º Duque do Cadaval
(1638-1727), Tese de Mestrado, FLL, Lisboa, 1998.
779 Edgar Prestage, «Memórias sobre Portugal no reinado de D. Pedro II», Separata do Arquivo Histórico de Portugal,
1935, p.20.
780 A este nível as informações são por vezes contraditórias. A título de exemplo, Colbatch refere que todos os
assuntos de consideração eram discutidos no Conselho sendo rara a decisão sem esta participação colegial. Segundo
Colbatch, essa importância do Conselho de Estado devia-se ao facto de vários dos membros serem ainda os
mesmos que tinham alçado D. Pedro II ao trono, derrubando D. Afonso VI. Por causa disso, o rei sentia que, de
alguma maneira, teria que partilhar com eles o seu poder, John COLBATCH, An Account…, pp. 165-179.
781 Os negócios eram discutidos diversas vezes, durando cada sessão cinco ou seis horas restando, no fim, ainda
183
sobre o exercício do «governo» no âmbito da secretaria de estado permitirá concretizar algumas
destas intuições.
Por último importa verificar o perfil de actuação dos «ministros» que serviram na
secretaria de estado neste período. Novamente, a ausência de colecções sistemáticas de
correspondência e dos arquivos do Conselho de Estado, levanta problemas de análise e obriga a
fazer deduções sem uma base documental segura. Acresce a esta ausência, o desconhecimento
sobre o estatuto formal de inúmeros secretários. Contudo, como ficou dito, a abordagem aqui
seguida opta por uma leitura alargada do serviço na secretaria de estado, optando por referir
todos os servidores, mesmo quando não empossados formalmente com «Carta Patente» ou
783 EFO, X, 1ª parte, «Carta do secretario de Estado Mendo de Foyos Pereira ao Presidente do senado da camara,
Julho de 1700», p. 29.
784 EFO, X, 1ª parte, p. 60.
785 EFO, X, 1ª parte, «Carta do secretario de estado Roque Monteiro de Paim ao Presidente do senado da camara,
1702», p. 131.
787 EFO, X, 1ª parte, «Aviso do secretário de estado Roque Monteiro de Paim ao Presidente do senado da camara,
184
«Alvará», uma vez que, perante a cultura jurisdicionalista, e ainda mais se tivermos em conta o
tempo longo na mudança do paradigma administrativo, a posse formal de um título honorífico
nem sempre teve correspondência com a importância efectiva dos actos de poder. Neste sentido,
como veremos, o critério da nomeação formal revelar-se-ia muito ineficaz, dado o conjunto de
«secretários» que concorreram para a consolidação da funcionalização da secretaria sem posse
formal como «secretário de estado» (João Roxas de Azevedo, José de Faria) assim como, pelo
contrário, a existência de secretários com posse formal do ofício – até pela sua qualidade social –
nada indica sobre o contributo para o perfil dos «secretários» (veja-se o caso de D. Tomás de
Almeida) revelando-se irrelevantes do ponto de vista de uma história institucional das secretarias
de estado.
790 IAN/TT, Miscelâneas Manuscritas, «Secretaria de Estado D. Afonso VI », nº 491, fls. 197, 211-212 e 214.
791 Pedro Sanches de Farinha, que servia como «secretário das mercês», ocupou interinamente a Secretaria de Estado
em 1668, Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, p. 213.
792 Para o enquadramento deste processo, Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, pp. 220-
221.
185
Azevedo e António Cavide (a que já nos referimos) e Francisco Correia de Lacerda793, antigo
preceptor do infante D. Pedro, que acabou por receber o favor régio794.
Ao nomear para «secretário de estado» um oficial com uma longa ligação ao rei, D. Pedro
II quis assegurar a homogeneidade do centro de decisão. Logo em 1669, já Correia de Lacerda
controlava as operações em torno da viagem de D. Afonso VI para a Ilha Terceira, zelando pelo
apaziguamento da Corte795. Auxiliado por Pedro Sanches de Farinha, contribuiu para estabilizar a
regência de D. Pedro, durante o período mais atribulado da luta pelo poder796. Até 1673, Pedro
Sanches Farinha e Francisco Correia de Lacerda coexistiram como «secretários», trocando papéis
e informações várias sobre o «governo». Por volta de 1674, Correia de Lacerda, cuja ascensão se
devera em grande parte ao marquês de Marialva – falecido entretanto – e ao conde de Vilar
Maior – acossado agora pelo duque do Cadaval e pelo marquês de Fronteira – começou a perder
a sua influência na Corte797.
A intensificação dos poderes de Francisco Correia de Lacerda não se fez sem a oposição
específica de inúmeros “grupos políticos”. As Cortes de 1674, onde se discutia um perdão geral
aos cristãos-novos – questão fulcral para o financiamento da monarquia que se arrastava desde a
ruptura de 1640 – colocaram novamente o problema dos limites do poder do rei no
estabelecimento e revogação das «leis do reino». Entre 1662 e 1674, perante estas convulsões nos
fundamentos do “sistema político”, os «secretários de estado» – como detentores da prática do
poder e da memória da sua transmissão – acabaram por surgir como os mais qualificados oficiais
em matéria de “alta política”. Em todo o caso, a agitação cortesã colocava constantes desafios
aos titulares desse poder formal. Durante as mesmas Cortes de 1674, um «papel» redigido pelos
procuradores dos povos atacava de forma veemente o «secretário de estado». Para Maserati, o
793 Figura próxima do conde de Vilar Maior, aristocrata em ascensão política. Sobre a nomeação de Lacerda
murmurou-se que esta se devia à influência do conde Manuel Teles da Silva no sentido de fazer vingar as suas
decisões, Ãngela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, pp. 221. Veja-se ainda BA, 51 – II – 15,
Miscelâneas differentes, «Fala que ao Sr. Infante D. Pedro fez o mestre que El-Rei lhe nomeou (Francisco Correia de
Lacerda)»; BA, 51 – VI – 12, Papéis Jurídicos e Políticos, «Carta de Francisco Correia de Lacerda para Dinis de Melo (de
Castro) sobe a resolução de S.A. de proibir a saída para Castela de toda a sorte de mantimentos, Lisboa, 1 de Abril
de 1680»; BA, 51 – VI – 1, Notícias Biográfias de Francisco Correia de Lacerda; IAN/TT, MNE, Madrid, Despachos (1668-
1750), «Cartas do secretário de estado Francisco Correia de Lacerda ao enviado em espanha Duarte Ribeiro de
Macedo, 1678» e «Cartas do secretário de estado Francisco Correia de Lacerda ao enviado em Espanha Duarte
Ribeiro de Macedo, 1679», Cx. 612.
794 Monstruosidades do Tempo e da Fortuna, (1662-1669), vol. I Porto, 1938, pp. 97-99.
795 Monstruosidades do Tempo e da Fortuna, (1669-1671), vol. II, Porto, 1939, p.9.
796 Ver IAN/TT, MNE, Madrid, Despachos, «Cartas do secretário de estado, Francisco Correia de Lacerda ao enviado
em Castela, Duarte Ribeiro de Macedo, 1679», Cx. 612; IAN/TT, Miscelâneas Manuscritas, «Pedro Sanches de
Farinha, Secretaria de Estado, 1670, nº 491», fl. 186 ; BPE, «Carta do Secretário de Estado Francisco Correia de
Lacerda ao Marquês de Fronteira, comunicando-lhe a nomeação de Conselheiro de Estado, 30 de Agosto de 1679»,
cod. CV / 2 – 14.
797 AGS, Estado, «Carta de Maserati de 29 de Agosto de 1678», Leg. 2634.38.
186
enviado da Corte de Madrid e autor de um relato sobre os acontecimentos, o «secretário de
estado» terá chorado perante a leitura do documento, receoso das ameaças e das consequências
de um motim798. Nessa altura, um dos mais destacados representante do estado dos Povos,
Mendo de Fóios Pereira, defendeu uma posição conservadora no que tocava às mudanças das
«leis da República», protagonizadas pela «secretaria de estado»799. Como veremos, este
procurador do estado do povo seria mais tarde também nomeado como «secretário de estado».
O episódio ilustra as duas importantes características, já sublinhadas, nesta fase do “processo
político”. Em primeiro lugar, as «secretarias de estado» assumiam de forma mais visível decisões
“activas” entrando em conflito com as prerrogativas «corporativas». Em segundo lugar, a técnica
jurídica confundia-se com um saber político, tornando a categoria dos «letrados» cada vez mais
difusa tanto nas suas estratégias sociais como na produção da identidade jurisdicional.
187
secretaria das mercês e expediente e a secretaria da assinatura. O facto de serem por vezes vários
os «secretários» a despachar, sem estarem formalmente cometidos a uma das secretarias, resulta
da nova dinâmica de decisão – o «gabinete do rei» – onde oficiais emergiam sobretudo numa
perspectiva “funcional”. Não sendo os secretários apenas funcionários de um poder estruturado
em «Regimento» e transversal à Corte, a sua nomeação ia perdendo muito do carácter
patrimonial.
Deve notar-se que, nesta conjuntura, a tensão cortesã potenciou ainda mais o reforço
dos «secretários». Entre aqueles que cresciam “politicamente” na estrutura da secretaria,
destacava-se sobretudo Roque Monteiro de Paim, notabilizando-se no combate contra as
tentativas de derrubar D. Pedro II805. Importa lembrar que o rei tinha chegado ao poder num
complexo “processo político”, o que levou à necessidade de se rodear de oficiais fiéis, de “baixo
nascimento” e muito agressivos na “luta” de Corte. Uma das primeiras preocupações do
«gabinete do rei» prendeu-se com a anulação da rede de ‘confidentes’ da diplomacia espanhola.
Maserati, o enviado de Madrid, comunicava à sua Corte a pressão cada vez maior da secretaria
de estado806.
Pedro Cardim e Ângela Barreto Xavier destacam o clima de terror vivido no Paço, quer
perante a iminência de um golpe levado a cabo pelas parcialidades afectas a D. Afonso VI, quer
pela intimidação que os dois secretários, Monteiro de Paim e Sanches de Farinha, semeavam na
Corte807. Com efeito, a «secretário de estado», reforçada pelo temor régio, insinuava-se junto dos
803 AGS, Estado, Leg. 2632, servia como «secretário de estado», sendo-lhe despachado título formal para o efeito,
«Carta de Maserati de Novembro de 1677».
804 BA, 54-IX-9, «Carta a Mendo de Foyos Pereira, enviado de Portugal em Madrid, sobre uns papéis que Mendes
de Foyos enviou a S.A. sobre o protesto que fez o enviado de Englaterra dizendo que S.A. louvou o acerto e
prudência que se houve quanto ao sucesso de Buenos Aires», fls. 99 e ss.
805 Foi membro do Conselho de Estado, do Conselho da Fazenda e secretário de D. Pedro II, António Caetano de
188
conselhos e reduzia a estrutura da decisão808. Roque Monteiro de Paim, auxiliado por dois dos
mais influentes aristocratas, o duque de Cadaval e o marquês de Gouveia, controlava as
negociações diplomáticas, monopolizando um muito vasto conjunto de informações809, tratando
de assuntos mais “operacionais” quer no que tocava ao cerimonial, quer na agilização das
decisões internas810. Com a morte de D. Afonso VI em 1683 e a consequente Coroação de D.
Pedro II, a situação estabilizou, sendo que os poderes da secretaria de estado continuaram a
anexar funções de «governo» com crescente relevo nos aspectos diplomáticos. Com esta
influência nos «negócios estrangeiros» acentuou-se a tendência de D. Pedro II para escolher
«secretários de estado» com experiência diplomática811.
808 AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 94; BA, 51 – VI – 26, Miscelânea de História Eclesiástica de Portugal, «Carta de Pedro
Sanches de Farinha para Mendo de Foios Pereira sobre El-Rei D. Pedro II Mandar propor a letrados e ministros se
é conveniente criar um Bispado em Beja, Salvaterra, 1689, 24 de Dezembro», fls. 2-3, «Pareceres dos letrados
Sebastião de Magalhães, Bartolomeu de Quental, Roque Monteiro de Paim e Mendo de Foios Pereira sobre não ser
conveniente a criação do novo bispado de Beja, 1690, 5-11 de Janeiro», fls. 4-7; BA, 51 – VI – 34, Papéis Vários,
Pareceres de Roque Monteiro de Paim, «Parecer de José de Faira», «Parecer de Mendo de Foios Pereira», «Carta de Roque
Monteiro de Paim a Mendo de Foios Pereira, 1701», fls. 103-123.
809 AGS, Estado, «Carta de Maserati de 1 de Julho de 1680», Leg. 7052.
810 BA, 51-XI-3, «Correspondência de Fr. Manuel Pereira, secretário de estado, para Mendo de Fóios Pereira,
enviado de Portugal em Madrid (1681-1685)», nº 55-57 e BA, 52-XI-10, «Correspondência de Fr. Manuel Pereira,
secretário de estado…», nº 56-156.
811 Luis Teixeira de SAMPAIO, O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Coimbra, 1925, p. 95.
812 Nasceu em Tomar em 1643, pertencendo a uma família com representantes na magistratura durante várias
gerações. O pai teve assento na Casa da Suplicação. Inscreveu-se em ‘Instituta’ a 5 de Fevereiro de 1658, com
quinze anos. Matriculou-se na Faculdade de Cânones a 14 de Outubro de 1659, recebendo o grau de bacharel a 1 de
Março de 1666. Em 1673 Mendo de Foios Pereira foi escrivão do Senado da Câmara de Lisboa. Foi ainda
corregedor do Cível de Lisboa. Entre 1679 e 1686 foi enviado na Corte de Madrid. Casou com Juliana Maria Jordão
filha de Frutuoso Barboza Jordão. Morreu em Lisboa a 7 de Setembro de 1707. A mais completa informação
biográfica em António CRUZ, «Introdução», Cartas de Mendo de Fóios Pereira ao enviado de Portugal em Castela (1670-
1686), Centro de Estudos Humanísticos, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1963, pp. 8-9. Veja-
se ainda EFO, VII, 1ª parte, p. 462.
813 IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, «Secretário de estado, Carta de 20 de Agosto de 1686 a Mendo de Fóios
Foyos Pereira)», cod. CV / 2 – 9, fl. 139; cod. CVII / 1 – 1, fl. 97; cod. CVII / 1 – 6, fl. 51; cod. CXIII / 1 – 1, fl.
177; cod. CXXX / 2 – 1, fl. 77; BPE, «Carta de Mendo de Foyos Pereira ao marques de Fronteira, cod. CV / 2 – 14,
fl. 63; BPE, Cartas ao conde de Unhão, cod. CXX / 2- 4 ; IAN/TT, Secretaria de Estado, Entradas e Hospedagens,
1698-1709, «Cartas de Mendo de Foios Pereira e Roque Paim, de 1696 até 1703», Liv 634.
815 Edgar PRESTAGE, «Memórias sobre Portugal…», pp. 7-32.
189
Capitanias do Brasil816 e aos contratos da Fazenda Real817. A correspondência do «secretário de
estado» mostra a sua capacidade de negociação e a importância decisiva dos seus «Pareceres»818.
Cerca de 1702, Mendo de Fóios Pereira e Roque Monteiro de Paim, perderam por
motivos de saúde a sua influência na Corte. O rei nomeou José de Faria, oficial com experiência
do «despacho» no Conselho da Fazenda, na secretaria da assinatura, enviado extraordinário à
corte de Madrid, guarda-mor da Torre do Tombo819e Cronista mor do reino820. Apesar de ter
servido pouco tempo, uma vez que morreria em 1703, José de Faria é bem a síntese do processo
que temos vindo a descrever. Aliava à experiência no acompanhamento da assinatura régia, o
conhecimento das matérias de Fazenda, prática da diplomacia e dissimulação em cortes
estrangeiras, domínio dos arquivos e, ainda, trabalho na constituição da memória política,
destacando-se como cronista, o saber tipo na fundamentação do poder régio821.
Foios Pereira…», nº 171; BA, 47-XII-4, «Carta de Mendo de Foios Pereira à duquesa de Saboia», fls. 272-276.
819 IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II,«Carta de 25 de Janeiro de 1695», Liv. 39, fl. 221.
820 António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 403.
821 BPE, «Notas de José de Faria aos enviados de França, Inglaterra, Hespanha e Hollanda, sobre as disposições
relativas aos navios belligerantes, Resposta dp residente Hollandez, José Daniel Tanais», cod. CIV / 2 – 8, fls. 55 v e
ss.; BPE, «Carta do Secretário de Estado de Portugal dando conta do que disse ao Embaixador de França, sobre as
salvas, e a desnecessidade de virem os officiaes de guerra, que a França se haviam pedido, Lisboa, 19 de Setembro
de 1702», cod. CIII / 2 -16, fl. 66.
822 Filho de Martim Teixeira de Carvalho, de Amarante. Pelos Teixeiras descendia de Pedro Luís Teixeira, escrivão
da Fazenda de D. João II. Cavaleiro da Ordem de Cristo, escrivão da Fazenda. Veja-se o importante documento,
BA, 50-V-36, «Regimento da Letra de Luís Teixeira de Carvalho, Oficial da Secretaria sobre o que havião de fazer
el-rey D. Affonso e o infante D. Pedro quando morreo seu pai el-rei D. João 4º, do Conselho do Rei», fl. 586.
823 IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, Liv. 17, fl. 290v.
824 AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 92.
190
rio da Prata ou a definição dos tratados de comércio825 – potenciavam a acção dos secretários de
estado, oficiais especializados na diplomacia com acesso a uma incomensurável rede de
informações de Fazenda.
Um última palavra para a excepção que confirma a regra, nesta tendência para uma
crescente preponderância dos secretários no capítulo da decisão régia. No final do reinado de D.
Pedro II serviram ainda dois «secretários de estado»: D. António Pereira da Silva826, a partir de
1703, e D. Tomás de Almeida, entre 1705 e 1706, ano da morte do rei827. Estes dois eclesiásticos,
de qualidade social superior à de quase todos os titulares que serviram nas secretarias desde
1640, desempenharam funções sem que isso significasse grande relevância político-
administrativa, o que lhes retira importância quanto ao perfil da secretaria de estado. É claro que
o pouco tempo de serviço terá concorrido para essa apatia contrastante com os restantes
servidores, muito mais activos na prossecução das estratégias do rei e do seu «gabinete». Em
todo o caso, pode concluir-se que, nos últimos anos do reinado de D. Pedro II, as secretarias
adquiriram um estilo autónomo, servindo nelas mais do que um «secretário», o que não
significou um enfraquecimento do papel do «secretário», mas antes um exercício do poder mais
diluído na eficácia da estrutura, menos patrimonializado.
No final do século XVII, o «secretário de estado» emergiu como o oficial mais poderoso
do reino, mesmo que disputando com alguns órgãos colegiais as matérias de «governo». Vimos
como a “luta” de Corte se relacionou com esta genealogia do ofício. Falta verificar, numa
perspectiva mais abrangente como a eficácia do secretário de estado aproveitou e potenciou as
mutações estruturais nas secretarias dos restantes órgãos da Coroa.
825 Roque Monteiro de Paim revelou-se um dos pilares do acordo assinado em 1702. Correu na Corte que a sua
adesão aos «Tratados» teria sido alimentada por acções venais, com participação na compra e venda de jóias, Maria
Paula Marçal LOURENÇO, D. Pedro II…, p. 220.
826 IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, «Carta de 2 de Setembro de 1703», Liv. 45, fl. 239. Filho de Francisco Pereira
da Silva, Senhor da Casa de Betiandos, foi cónego Doutoral de Évora, bispo de Elvas e depois do Algarve, doutor
em Teologia pela Universidade de Coimbra, membro do Conselho de Estado, deputado do Santo Ofício e da Junta
dos Três Estados. Faleceu em 17 de Abril de 1715, António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 403; Pedro
França REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de Portugal…, p. 240.
827 D. Tomás de Almeida nasceu a 11 de Setembro de 1670. Filho dos 2ºs condes de Avintes, D. António de
Almeida, neto do 3º conde dos Arcos. Bispo de Lamego (6 de Dezembro de 1706), bispo do Porto (30 de Setembro
de 1709), 1º Cardeal Patriarca de Lisboa. Recebeu «Carta de secretário de estado» a 3 de Março de 1705. Foi
desembargador da Casa da Suplicação no Porto, membro do Conselho de Estado, sumilher da Cortina de D. Pedro
II, deputado a Mesa da Consciência e Ordens, deputado do Santo Ofício, chanceler-mor do reino. Morreu a 27 de
Fevereiro de 1754. Pedro França REIS, Conselheiros e Secretarios de Estado de Portugal…, p. 241. De acordo com
António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol VII, p. 404, D. Tomás de Almeida serviu como «secretário das Mercês e
Expediente». Veja-se ainda IAN/TT, Chancelaria de D. Pedro II, «secretário de estado, Carta a D. Tomás de Almeida»,
Liv. 30, fl. 79; BA, 51 – VI – 46, Miscelânea, vol. VII, «Aviso do Secretário de Estado, D. Tomás de Almeida para o
Conde Mordomo-mor com instruções tocantes à função da Coroação de El-Rei, Paço, 1706, 29 de Dezembro», fl.
5.
191
V
A ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO REINO E A
PREEMINÊNCIA DOS SECRETÁRIOS
192
de diversos tribunais do reino (Chancelaria, Casa do Cível, Casa da Suplicação, Mesa da Consciência
e Ordens ou mesmo as reuniões de Cortes) deve-se à sua menor influência na configuração de um
“poder secretarial” do «estado do rei».
Assim, nesta secção segue-se a caracterização dos ofícios de escrita nos referidos organismos
da Coroa, descrevendo em seguida alguns dos restantes secretários de instituições determinantes na
“burocratização da comunicação política”. Começamos pela evolução da escrita no «despacho» da
Fazenda.
828 Virgínia RAU, A Casa dos Contos, FLUC, Coimbra, 1951 e Maria Leonor G. da CRUZ, A Governação de D. João III,
a Fazenda Real e os seus vedores, Centro de História da UL, Lisboa, 2001.
829 De importância seminal as páginas de António M. HESPANHA, «A Fazenda», O Antigo Regime…, pp. 211.
830 Marcello CAETANO, «O Governo e Administração Central após a Restauração», História da expansão portuguesa
na corte com os seus contadores e escrivães. Uma excelente descrição do processo em Virgínia RAU, A Casa dos
Contos…, pp. 65-69.
833 José SUBTIL, «Administração central da Coroa», No Alvorecer da Modernidade…, pp. 80-81.
193
A 5 de Outubro de 1584, no sentido de aperfeiçoar o tratamento da Fazenda real, Felipe II
promulgou um «Regimento da Fazenda», onde se optava por uma separação do «despacho» por áreas
geográficas: «reino, açores e madeira»; «India, Mina e Guiné»; «Contos, terças e Conquistas de África»
– cada tribunal (mesa) foi constituído com Juiz e dois escrivães da Fazenda. Perante as inúmeras
queixas de morosidade no «despacho», o Vice-rei Cardeal Alberto promulgou um novo «Regimento
do Conselho da Fazenda», a 20 de Novembro de 1591, centralizando todas as matérias e negócios da
Fazenda que corriam pelos tribunais do «Reino», «África», «Índia» e «Contos». O «despacho» passava
a ser assegurado por quatro repartições: «Negócios do reino» (Índia, Mina, Guiné, Brasil, S. Tomé e
Cabo Verde); «Mestrados das Ordens Militares e das ilhas dos Açores e da Madeira»; «Casa dos
Contos, contribuição das Terças e restantes lugares de África». Cada repartição era liderada por um
escrivão, comparecendo este às reuniões do Conselho para nelas ler os papéis e petições, registar e
escrever os despachos deliberados pelos Conselheiros da Fazenda834.
O Conselho foi constituído por um vedor da Fazenda, quatro conselheiros – dois deles
obrigatoriamente «letrados» – e quatro escrivães835. Cada escrivão tratava dos «papéis» de cada
jurisdição, e devia estar presente no Conselho apenas quando fossem tratadas matérias da sua
atribuição, com excepção de matérias que impusessem cruzamento de assuntos836.
superior a um mês, o rei devia nomear outro escrivão. De acordo com o Regimento de 1584, os escrivães podiam
votar. Contudo, a partir do Regimento de 1591 deixaram de poder fazê-lo, Joseph Newcombe JOYCE, Spanish
influence on Portuguese administration…pp. 159-161
837 Devia ser mantido profundo segredo pelo vedor, conselheiros e escrivães da Fazenda «em tudo o que se tratar,
praticar, e resolver (...) sem conhecimento das partes ou pessoa alguma, ainda que seja oficial régio - o
conhecimento das matérias era estritamente reservado aos membros do Conselho e ao rei », Systema ou collecção dos
regimentos reaes, vol. I, na Off. de Miguel Manescal, Lisboa Occidental, 1718, pp. 241-246.
194
Vimos ao longo do capítulo III como, a partir de 1604, o trabalho de escrita da Fazenda
estreitou relações com a secretaria de estado. Com efeito, foi a partir desta comunicação que se
instituiu a assistência de um secretário no Conselho da Fazenda ao longo do século XVII. Na
verdade, a preocupação com a quantificação, a determinação de regras sobre a circulação das
«Consultas» entre os secretários dos Conselhos838, a exportação de escrivães da Fazenda para os
quadros da secretaria de estado, confirmam esta matéria como o primeiro veículo em torno do qual a
eficácia dos «secretários» inoculou o «despacho» régio, multiplicando-o pelos tribunais. Vimos
também que, em estreita relação com as práticas de «despacho» da Fazenda, emergiram as «matérias
da Índia».
838 AHU, Reino, cx. 7. Cerca de 1635, uma «Carta Régia» de D. Filipe III procurou mais uma vez regular a forma de
despachar os negócios do Conselho da Fazenda nos impedimentos do presidente. Em 1637, o licenciado Gaspar
Gomes da Costa dava notícia, através de um Requerimento a Felipe IV, de que um «despacho», relativo à sua
«Provisão» como médico de Soldados do Presídio do Rio de Janeiro, se tinha perdido na Secretaria do Conselho da
Fazenda, AHU, Rio de Janeiro, cx. 1, doc. 84.
839 Francisco Mendes da LUZ, «Introdução», Regimento da Casa da Índia, ICALP, Lisboa, 1992, pp. 29-33. Ver ainda
Registo da Casa da Índia, vol. I, Introdução e Notas do prof. Luciano Ribeiro, Agência Geral do Ultramar, 1954.
840 Importa recordar que o «Regimento da Casa da Índia», aqui citado, através de um manuscrito do século XVIII,
depositado no AGS, corresponde a um período mais tardio do que aquele que compreende o corte cronológico
deste estudo, embora se possa afirmar que a estrutura do despacho seria aproximadamente a mesma.
841 Regimento da Casa da Índia…, pp. 190-191. A importância estrutural do trabalho de escrita na Casa da Índia para
195
assuntos da «Índia, Mina e Guiné» originou, em 1509, uma separação das matérias, altura em que o
número de escrivães cresceu (três para «Índia», dois para a «Mina e Guiné»)842.
Ao longo do século XVI deu-se um acentuado crescimento das instituições relacionadas com
a navegação das «Índias». No mesmo sentido, multiplicou-se uma “burocracia” que permanece em
larga medida por estudar. À excepção do excelente trabalho de Susana Münch Miranda, fornecendo
preciosas informações acerca do «despacho» da Índia na Corte, não têm sido produzidas análises
sobre o tema843. Importa referir que este é um ponto precioso para medir o alcance “político” dos
«secretários», uma vez que a ponderação do peso de uma “burocracia” (central e periférica) associada
ao «governo» das conquistas (tanto do ponto de vista alfandegário, como militar, como ainda de
suporte institucional da “colonização”) e as suas ligações às Repartições da Corte, permitiria avaliar
com mais propriedade o poder efectivo dos «secretários».
842 Regimento das Casas das Indias e Mina, Damião Peres, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1947, p. 3.
843 Susana Münch MIRANDA, A Administração da Fazenda Real no Estado da Índia (1517-1640), Dissertação de
Doutoramento em História da Expansão e dos Descobrimentos Portugueses (séculos XV-XVIII), UNL, FCSH,
Lisboa, 2007, pp. 289-345. Embora o seu estudo verse sobre a administração do Estado da Índia, são preciosas
algumas das informações sobre a corte que podem aí ser recolhidas.
844 Cristovão Rodrigues de OLIVEIRA, Lisboa em 1551, Sumário, Apresentação e notas de José Felicidade Alves,
Índia, Guiné e da Mina» (quatro escrivães do Juízo da Mina em oito oficiais); «Juízo da Alfândega» (cinco escrivães
em dez oficiais); «Juízo da Moeda» (dois escrivãs em cinco oficiais); «Corretores das Mercadorias» (um escrivão em
vinte e quatro oficiais), «Casa da Índia» (oito escrivães em quinze oficiais), «Casa da Mina» (um escrivão em três
oficiais), «Casa do Armazém, do Reino e Armaria» (dois escrivães em trinta e dois oficiais), «Casa do Armazém, da
Índia e Guiné» (quatro escrivães em oito oficiais), «Casa do Armazém dos Mantimentos» (um escrivão em três
oficiais), «Almoxarifado da Ribeira» (um escrivão em nove oficiais), «Casa da Alfândega» (cinco escrivães em
dezassete oficiais), Cristovão Rodrigues de OLIVEIRA, Lisboa em 1551…, pp. 84-91.
196
entre 1604 e 1614) não homogeneizaram a resposta a esta profusão de «papéis», decorrente do
crescimento urbano das «conquistas» e do aumento do tráfego marítimo846.
846 Pelo «estado em que se achaõ as couzas da India; Brazil, e Angola e mais Conquistas, (...) e se chame [o novo
tribunal] Conselho Ultramarino, em que sirva o Prezidente o Vedor da Fazenda da repartição da India, e de
Secretario o Escrivão da Fazenda da mesma repartição com o ordenado (...) que cada um deles tinha no Conselho
da Fazenda», documento do «Livro que deve estar no Conselho Ultramarino para nelle se escreverem os Autos das
posses (...)», cit. por Ana Ria Amaro MONTEIRO, Legislação e Actos de Posse do Conselho Ultramarino, 1642-1830,
Universidade Portucalense, Porto, 1997, pp. 35-36.
847 Sobre o Conselho Ultramarino, António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 255-256 e biblio. cit. Mais
recentemente Erik Lars MYRUP, The Rule from Afar, The Overseas Council and the making of Brazilian West, 1642, 1807,
Phd dissertation, Yale University, 2006.
848 O Presidente, os conselheiros e o secretário do Conselho Ultramarino gozariam dos privilégios consignados nas
Ultramarino, Pascoal de Azevedo, sobre os seus serviços como capitão-mor e governador do Rio de Janeiro, Angola
e capitanias da repartição do Sul do Brasil, no momento do pedido de mercês de acrescentamento da tença do
hábito de Cristo, AHU, Rio de Janeiro, cx. 298, doc. 4 e cx. 5, doc. 491.
197
estado potenciou a capacidade de decisão do secretário do Conselho. Voltaremos a este assunto no
último capítulo. Quanto ao tema que nos ocupa importa dizer que o crescimento do número de
oficiais da secretaria do Conselho Ultramarino cresceu ao longo do século XVII, aumentando a
capacidade de resolução das matérias e estreitando-se a relação directa entre as câmaras ultramarinas
e o secretário do Conselho.
856 «Reg. de 22 de Dezembro de 1643». António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 256-257 e bibliografia citada.
857 Segundo António Caetano de Sousa, o secretário do Conselho de Guerra beneficiava do estatuto de secretário do
rei e não do Tribunal, António Caetano de SOUSA, HGCR, vol. VII, p. 108. Em todo o caso, em 1655, o secretário
do Conselho de Guerra recebeu todos os privilégios que tinham o regedor e desembargador da Casa da Suplicação,
conferidos pelas Ordenações, tal como tinha sido efectuado em relação ao secretário de estado, «Decreto de 13 de
Agosto de 1655». Além disso tanto o «Alvará de 7 de Agosto de 1647», respeitando a ordenados dos Oficiais do
secretário do Conselho de Guerra, bem como uma «Carta» de D. João IV para André de Albuquerque, sobre os
emolumentos das «Patentes» e «Alvarás» a serem pagos ao secretário do conselho de guerra em 1654, confirmam a
sua acção, BA, 51 – VI – 12, Miscelânea, 10, Papéis Jurídicos e Políticos, «Carta d’El-Rei D. João IV para André de
Albuquerque», nº 5.
858 «Reg. do Conselho de Guerra de 22 de Dezembro 1643», Cap. III.
859 «Reg. do Conselho de Guerra de 22 de Dezembro 1643», Cap. VI.
860 Edgar PRESTAGE, «Memórias sobre Portugal…», p. 21-22
861 «Reg. do Conselho de Guerra de 22 de Dezembro 1643», Cap. XVI.
198
Guerra e os «Governadores de Armas» das Províncias862. Como se previa no «Regimento», a
definição das matérias de guerra a despachar era em muitas ocasiões coordenada pelo secretário de
estado que assim potenciava o carácter “político” da secretaria do Conselho de Guerra, permitindo
que esta participasse da decisão régia.
A Junta dos Três Estados surgiu na sequência do «Alvará» de 18 de Janeiro de 1643, segundo
o que se havia assentado em Cortes em 1642863. O seu secretário devia coordenar o «despacho»
relacionado com a administração dos tributos e consignações em matéria de guerra, bem como um
conjunto de informações relativas à administração militar (armazéns, fortificações)864. Consultava
directamente o rei, em articulação com o «secretário de estado», sobre «matérias» do financiamento
militar865. No final da guerra, depois de 1668, o secretário continuou a trabalhar no controlo das
«dívidas particulares» da «Repartição dos três estados», procurando também disciplinar os
pagamentos das contribuições acertadas ao longo da guerra com instituições influentes como o
Senado da Câmara866.
Através de um processo movido pela Inquisição ao «secretário da Junta dos Três Estados»,
Manuel Rodrigues da Costa, é possível destacar, a título de exemplo, o protagonismo desenvolvido
por este oficial. Qualificado como muito «áspero», as testemunhas afirmam-no «Rico e poderoso»867.
O controlo sobre a vasta rede dos feitores do assento – i.e., os homens que, em cada uma das
cidades e vilas do Alentejo, estavam ao serviço de Manuel Rodrigues da Costa para recolha dos
impostos – possibilitava aceder a enormes somas monetárias, podendo além disso “gerir” as
nomeações de uma considerável rede de oficiais de recebimento. Terá sido este o padrão de actuação
deste secretários, movimentando matéria preciosa a respeito das dívidas das contribuições,
beneficiando de vastas somas passíveis de serem utilizadas em investimentos próprios.
862 Cartas dos governadores da província do Alentejo a El-Rei, vol. II, ed. e pref. P. M. Laranjo Coelho, Academia
Portuguesa da História, Lisboa, 1940, p. 145. Abundante documentação sobre a intervenção dos «secretários de
estado» em matéria de guerra, IAN/TT, Conselho de Guerra, «Secretaria de Guerra», «Livros de Refisto», Liv. 1.
863 António M. HESPANHA, As Vésperas..., pp. 241-242 e biblio. cit.
864 António Caetano de SOUSA, HGCRP, vol. VII, p. 108.
865 IAN/TT, MNE, «Correspondência de Sebastião de Carvalho e Melo para o Conde de Unhão », 1753-1755,
«Papel intitulado Breve noticia da Junta dos tres Estados, bens que administra, e forma da sua administração, assim
em as suas cobranças; como em a sua arrecadação, e despesas; Tribunaes. Casas de despacho, Ministros, e officiais
que lhe são sujeitos, leis e ordens que observa», cx. 954; EFO, V, 1ª parte, p. 517.
866 EFO, VII, 1ª parte, p. 368.
867 IAN/TT, Inquisição de Lisboa, «Processo contra Manuel Rodrigues da Costa, cristão-novo, secretário da Junta dos
199
e) Os secretários dos «estados ultramarinos»
Quer os «secretários dos Governadores do Estado da Índia», desde o século XVI, quer os
«secretários do Estado do Brasil» ao longo de todo o século XVII (mais tarde «secretários do
Governo Geral do Brasil»), bem como os «secretários dos governadores» das diversas Capitanias,
sobretudo a partir do século XVIII, alcançaram uma relevância que prefigurou a função desses
ministros como ‘primeiros ofícios do governo’. Com efeito, o estudo dos «secretários» da
“administração ultramarina”, revela uma experiência “política” que conferiu aos «secretários» dos
diversos governadores do império português um lugar fundamental nesta genealogia da eficácia do
secretário que procuramos aqui desenhar. Relembre-se, no entanto, que nem sempre esta eficácia foi
coincidente com os planos da Coroa868.
868 Sobre a caracterização da pulverização “política” das conquistas, António M. HESPANHA, «Os modelos
institucionais da colonização portuguesa e as suas tradições na cultura jurídica europeia», A União Ibérica e o Mundo
Atlântico, Lisboa, Edições Colibri, 1997, pp. 65-71; António M. HESPANHA, «A Constituição do Império
Português, Revisão de alguns enviesamentos correntes», O Antigo Regime nos Trópicos, Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 2001, pp. 163-188.
869 Veja-se o artigo seminal de Luís Filipe THOMAZ, «Estrutura política e administrativa do Estado da Índia no
200
utilizados como poderosa “arma”871. Desta forma, pode ser dito que, do ponto de vista da descrição
“política”, o «secretário do Governo» controlava os dados fundamentais dos «governos»
ultramarinos, descrevendo a actuação do Governador e funcionado como um importante limite
desse poder. O perfil de actuação dos «secretários do estado da Índia», os «secretários do estado do
Brasil» e os «secretários do governo de Angola» confirmam a relevância institucional destes secretário
bem como a sua considerável autonomia jurisdicional.
O ofício de «secretário do estado da Índia» é mencionado pela primeira vez em 1505, como
«secretário da Índia», o que por vezes gera alguns equívocos quanto às referências em Chancelaria,
uma vez que a designação confirmava, em primeiro lugar, um vínculo ao rei em matérias da Índia872.
Competia-lhe descrever as ocorrências mais relevantes do «governo do estado da Índia», em especial
a actuação do vice-rei. Devia auxiliar o «despacho», desempenhando a mediação entre o vice-rei e os
restantes oficiais. Por isso, a nomeação dos «secretários» decorria do processo de escolha desses
mesmos governadores ou vice-reis873. O «secretário do estado da Índia» presenciava a abertura das
«vias» de sucessão e procedia ele mesmo à abertura em caso de morte do governador, tratando da
correspondência, da redacção das «Ordens» e fazendo a comunicação entre oficiais e o vice-rei874.
Cabia-lhe ler em voz alta o conteúdo dessas «vias» e fazer um «auto de aceitação» do novo
governador nomeado. Outras tarefas relevantes eram a participação nas embaixadas a reinos
orientais, nas entradas dos vice-reis em Goa ou nas procissões mais importantes, assistindo os
governadores e vice-reis875.
871 Por exemplo, a «Carta Régia de 17 de Dezembro de 1701», dirigida ao governador D. Fernando Martins
Mascarenhas de Lencastre (1699-1703), na qual se discute a entrega dos livros da secretaria do Governo ao
desembargador Cristóvão Tavares de Moraes. A resposta é clara quanto à restrição da informação: «(…) fizestes
bem em não mandares entregar os livros da secretaria a este ministro para os ver em sua casa, pois este não era justo
que saíssem da secretaria», AHU, Registo de Cartas Régias, cód. 257, fl. 85. No Reg. passado ao secretário de Angola
reforça-se o Reg. do próprio governador, como mostra o artigo 17º. Também se percebe a importância que é dada
às diferenciações entre tipologias documentais, possuindo cada um dos seus livros específicos. Agradeço a Josemar
H. de MELO as preciosas informação sobre as secretarias ultramarinas.
872 Gaspar Correia utiliza apenas a expressão «secretário do governador» ou «secretário da Índia» e Diogo do Couto
utiliza a expressão «secretário de estado» (contudo, esta utilização de Diogo do Couto prende-se com a designação
coeva à redacção dos textos e não tem eco na documentação quinhentista). Sobre o assunto, Catarina Madeira
SANTOS, “Goa é a chave de toda a Índia”, Perfil político do Estado da Índia, CNCDP, Lisboa, 1999, pp. 173-174.
873 Miguel Vicente de ABREU, Catálogo dos Secretários do Estado da Índia Portuguesa, Nova Goa, 1866.
874 Bailey W. DIFFIE & George D. WINIUS, A Fundação do Império Português (1415-1580), vol. II, Vega, Lisboa,
1993, p. 109.
875 Catarina Madeira SANTOS, “Goa é a chave de toda a Índia…, pp. 175-176.
201
grupo de oficiais assumir a plenitude do despacho e o controlo do governo através da constituição
de uma «Mesa»876. Nesse contexto, as «Provisões» eram redigidas pelo secretário de acordo com a
experiência adquirida na secretaria do governo da Índia877. A importância do secretário no exercício
do governo cresceu de forma considerável. Esta especialização teve um momento revelador quando
em 1698 o arquivo da secretaria do estado da Índia foi agilizado pelo secretário, através da criação de
diversos «Livros» como o do registo das cartas escritas ao Vice-Rei, bem como de sofisticados
instrumentos de consulta de forma a localizar rapidamente conteúdos normativos e matérias
relevantes processadas em «Consultas»878. A actuação do «secretário de estado da Índia», dada a sua
relevância institucional, e mesmo o peso da dimensão simbólica da «Índia» no imaginário
jurisdicional do reino, marcaria a configuração dos restantes «secretários» do Império879.
876 Constituída pelo capitão da cidade, D. Diogo de Almeida, o bispo, também vedor da Fazenda e o chanceler,
doutor Francisco Toscano, além do «secretário da Índia».
877 João de BARROS, Ásia, Dos Feitos que os Portugueses fizeram no Descobrimento e Conquista dos Mares e Terras do Oriente,
(4ª ed), Conforme a edição princeps, iniciada por António Baião e continuada por Luís Filipe Lindley Cintra, Lisboa,
INCM, 1974, [Dec. II, Liv III, Cap. IX], p. 142; Gaspar CORREIA, Lendas da Índia, Porto , 1975, vol. I , p. 567, vol.
III, pp. 727-728, vol. IV, p. 639, vol. III, pp. 12-13, vol. IV, pp. 658-659, vol. III, p. 535; Diogo do COUTO, O
Primeiro Soldado Prático, introd. e ed. António Coimbra Martins, CNCDP, Lisboa, 2001, pp. 378-383; Livro das Cidades
e Fortalezas que a Coroa de Portugal tem nas partes da India, e das Capitanias, e mais cargos que nelas há, e da Importancia delles,
ed. preparada por Francisco Paulo Mendes da Luz, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, Lisboa, 1960, fl. 9v.
878 Inventariação das «Consultas com repartição das margens que se lançam às respostas e do registo dos regimentos
assim do governo como de todos os ministros e oficiais, o das homenagens e interrogatórios por onde se tiram as
residências a que deu forma». Além disso criou mais dois livros «com perfeita arrumação e clareza dos alfabetos».
Os alfabetos eram índices de expressões que permitiam localizar informação relevante. O secretário deu também
uma definição formal à convocação dos conselheiros, prelados, ministros e outras pessoas práticas; efectuou registo
das propostas e acentos; e fez uma relação dos cargos e ofícios daquele reino com distinção dos ordenados e
emolumentos, AHU, Conselho Utramarino, Registo de Oficios, Cod. 123, f. 122. Para um desenvolvimento do tema,
consulte-se o importante estudo, Josemar H. MELO, A Secretaria de Governo da Capitania de Pernambuco como parte do
aparelho burocrático colonial, 2006, (inédito).
879 «(...) para se poder bem governar será conveniente haver nele um secretário, assim como há na Índia que tenha a
seu cargo os papéis daquele governo com que se dará melhor expediente dos negócios e serem mais bem
encaminhados, cessando os inconvenientes que se tem experimentado por não haver pessoa permanente neste
ofício, nem arquivo em que se guarde os ditos papéis, ficando por esta causa os governadores que entram naquele
Estado faltos de notícias dos negócios começados», AHU, Conselho Ultramarino, «Registo de Ofícios», cód. 113, fl.
186 e Josemar H. MELO, A Secretaria de Governo da Capitania de Pernambuco…, pp. 163 e ss. Sobre o contexto da
criação da Secretaria do Estado do Brasil, Pedro PUNTONI, «Bernardo Vieira Ravasco, secretário do Estado do
Brasil, poder e elites na Bahia do século XVII», Modos de Governar, Ideias e Práticas Políticas no Império Português - Séculos
XVI-XIX, Alameda, São Paulo, 2005, pp. 157-178.
202
Deve dizer-se, contudo, que nesta época trabalhavam na secretaria do governo geral um
oficial maior e um oficial menor, por vezes um oficial “papelista”, sendo possível a existência de
ajudantes que possuíssem boa escrita – escreventes – contratados em picos de trabalho, de acordo
com o que se praticava no reino. O controlo sobre a memória da prática “político-administrativa”
dava-lhe capacidade para impor a sua opinião ao Conselho do «estado» do Brasil e ao próprio
Governador880. A construção do território, o crescimento urbano, a densificação do comércio, gerou
uma profusão de ofícios e respectiva necessidade de registar os serviços prestados naqueles
territórios.
Uma última palavra para descrever, em traços muitos gerais, a emergência, na segunda
metade do século XVII, do «Secretário do governo de Angola».
Tal como noutros territórios ultramarinos, também nas «conquistas» da costa africana foram
as «elites locais» a pressionar o crescimento da malha administrativa885. Em 1656, os oficiais da
Câmara da «Cidade de São Paulo da Asumpção do reino de Angola» escreveram ao Conselho
Ultramarino sugerindo o provimento de um secretário. Contudo, apenas em 1688 surgiu a nomeação
de um secretário para o «governo» de Angola. O «Regimento» que circunscrevia as funções do
secretário seguiu de uma forma geral as competências cometidas as outros «secretários» da
“administração” ultramarina, destacando-se apenas, além da normal vigiar e registo dos principais
actos de governo, a indicação para elaborar «listas de todos os oficiais e soldados». Estas listas
deviam ser enviadas ao Conselho Ultramarino para controlar a ‘gente de guerra’ do reino de
880 Sobre esta capacidade de invocar o arquivo da secretaria, Pedro PUNTONI, «Bernardo Vieira Ravasco...», pp.
174-175.
881 AHU, Rio de Janeiro, cx. 5, doc. 522.
882 AHU, Rio de Janeiro, cx. 9, doc. 49.
883 AHU, Rio de Janeiro, cx. 6, doc. 14.
884 AHU, Rio de Janeiro, cx. 6, doc. 13.
885 Eunice Jorge da SILVA, A administração de Angola, século XVII., 2. vols, dissertação de Mestrado, Faculade de
203
Angola886. Ao longo do século XVIII, tal como nas capitanias do Brasil, ou no estado da Índia, o
«secretário do governo de Angola» continuou a crescer em influência, constituindo-se como
elemento estruturante da “administração” e importante elo no equilíbrio local – limitando a
jurisdição do governador.
886 AHU, Conselho Ultramarino, «Livro de regimentos», cód. 169, fl. 83.
887 «Alvará de 24 de Agosto de 1613» registava toda a documentação exarada, «Cartas de Pergaminho», «Perdões»,
«Alvarás» e «Provisões», «Cartas de Mercês», «Cartas» passadas pelo Desembargo do Paço, registando tudo isto em
«Livros». Devia zelar pelo registo correcto, evitando falsificações sob pena de perca do ofício. Havendo cartas
passadas por oficiais régios sem selo real, devia o escrivão fazer uma ‘ementa’ que levaria ao rei, «ao menos duas
vezes por semana» registando todas essas cartas. O rei conferia e só depois era levado material ao chanceler-mor.
Este devia conferir, no momento da selagem das cartas, se tinham sido registadas na ementa régia, OF, Liv I, Tit.
XIX, nº1-11.
888 Controlava a saída das «Cartas» com o recebedor mediante pagamento – sendo-lhe prescrito o modelo de
arrecadar as dízimas das sentenças, guardando as cartas que não fossem requisitadas pelas partes; ficando
subordinado ao chanceler que tinha decisão em matéria de dúvida do processo dos «papéis», OF, Liv. I, Tit. XX, nº
1-6.
889 Dava as «Cartas» perante o recebedor, registando a receita de acordo com tabela fixada. Em caso de dúvida sobre
pagamentos seria o chanceler a decidir a matéria juntamente com os desembargadores. Tinha a seu cargo a
distribuição de todos os instrumentos de agravo, «Cartas» para testemunhas, datas de convocatória, convocação dos
feitos cíveis e crime, OF, Liv. I, Tit. XLIV nº 1-2.
890 Deviam ser lestos nas audiências, de modo a que as partes não perdessem tempo. Ficavam sujeitos ao Reg. dos
escrivães da corte e ao disposto para os escrivães do Desembargo do Paço, OF, Liv. 1 Tit. 24 e OF, Liv. I, Tit.
XLVI, nº1.
891 Devia, antes de o chanceler poder selar as cartas, colocar o registo de pagamento no documento, registando antes
no «Livro de Recebimento» como o chanceler tinha recebido a «Carta», OF, Liv. I, Tit. LXI nº 1. Por «Assento de 7
de Janeiro de 1712», o «secretário da Mesa do Desembargo do Paço», na repartição das Justiças, seria agraciado com
o pagamento das mesmas propinas dos desembargadores. A decisão era, aliás, confirmada por «Carta» do «secretário
de estado», facto que sublinha o trajecto de eficácia que estes secretários tinham feito na Corte.
204
dos Feitos do Rei892 ou, ao nível local, o escrivão da Câmara893 e o escrivão da Almotaçaria894; são
apenas alguns exemplos dos muitos servidores que inundavam o reino, contribuindo para fazer da
circulação dos textos escritos o maior instrumento de comunicação “política”895. Na verdade, ao
longo do século XVII esta progressiva “racionalização” da ordem escrita, esta “mecanização” do
registo das identidades dos vassalos, alcançada pela escrita dos actos quotidianos da vida dos
indivíduos, vai potenciar em vários outros domínios o peso dos especialistas nas decisões
institucionais.
892 Um exemplo do poder “burocrático”, que temos vindo a destacar, pode ser observado: devendo os escrivães dos
Feitos do rei fazer «rol» de todos os feitos e apresentá-lo ao procurador da Coroa, vendo que o juiz dos Feitos da
Coroa, ou o procurador, não eram diligentes no desembargo e nos requerimentos, podiam estes escrivães fazer um
outro «rol», colocando a data do início e o dia da chegada à corte e apresentando, depois, esta lista de avaliação ao
regedor, ou ao próprio rei, para desembargo lesto e repreensão do não cumprimento por parte do juiz e procurador.
O escrivão dos Feitos do Rei devia elaborar as «Cartas» de quaisquer diligências, levando-as ao juiz para assinatura e
devolvendo-as depois ao solicitador para as fazer selar. Feitas as sentenças definitivas, devia o escrivão encarregar-se
do processo de assinatura e selo na Chancelaria, levando-os, depois de finalizados, ao procurador da Coroa ou da
Fazenda, conforme a matéria, elaborando depois arquivo com as sentenças dadas para seguir o registo da Torre do
Tombo, OF. Liv. I, Tit. XXIII, nº 1-4.
893 Estava encarregado de reduzir a escrito o expediente da vereação. Guardava a chave da arca onde se
encontravam os padrões dos concelhos (de pesos e medidas) – o procurador teria a outra chave. No reino devia
fornecer ao almotacé-mor os nomes das vintenas, ou dos lugares e casas a fim de levantar «Alvarás» com a
quantificação dos lugares para se fazerem tributos à corte (como as quantidades de palha devidas à Coroa), OF, Liv.
I, Tit. XVIIII, nº 4 e nº 39. Competia ainda aos escrivães da Câmara «redigir as cartas, autos, diligencias, petições,
papéis e todas as coisas que tocarem às Cameras das Cidades, Vilas e lugares de suas comarcas ou dos Corregedores
e Juizes e mais justiças das comarcas no que tocar a seus oficios e “bem commum”», Manuel Álvares PEGAS,
Commentaria..., «Dos Escrivães dante os Desembargadores do Paço & dos Agravos, & Corregedores da Corte, &
outros Desembagadores», Tomo III, Ulyssione, 1671, pp. 513-516. Sobre os escrivães da Câmara, ver também João
Pedro FERRO, Para a História da Administração Pública na Lisboa Seiscentista, Lisboa, 1996.
894 Encarregue de escrever perante os almotacés em matéria de coimas e achadas, de almotaçaria, de pesos e
medidas.
895 António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 175-176.
896 Sobre o Desembargo do Paço, apesar de o alvo cronológico do estudo não coincidir com o arco temporal aqui
abordado, uma excelente análise em José SUBTIL, O Desembargo do Paço, (1750-1833), UAL, Lisboa, 1996, onde
pode confrontar-se a análise aqui esboçada com uma visão mais centrífuga do Desembargo Régio.
205
Na verdade, os escrivães da Câmara Régia participavam no «despacho» do Desembargo do
Paço. As «Provisões» efectuadas no espaço da Câmara Régia, ou mesmo em coordenação com as
secretarias de estado, eram levadas pelos escrivães e confirmadas pelos desembargadores, através de
«vistas». Além disso, os escrivães, afectos ao «despacho» do Desembargo do Paço, deviam
comparecer nos dias cometidos às suas Comarcas sendo presente regularmente um outro escrivão
estritamente afecto ao tribunal, o escrivão da mesa897. Os escrivães da Câmara Régia auxiliavam os
desembargadores no expediente ordinário deste Tribunal que compreendia uma vasta gama de
matérias com preponderância para «graça» e mecanismos de autenticação de «cartas de mercês» e
«benefícios régios». Assim, além do vínculo directo ao rei que vimos já com algum detalhe, os
escrivães da Câmara capitalizaram o seu relevo também neste trabalho de escrita do Desembargo do
Paço, interferindo em diversas ocasiões em benefício das «partes», recusando actos de escrita e
defendendo os interesses dos câmaras no seio da Corte898. Claro que este enraizamento territorial,
através de ligações às cidades, podia colidir com os interesses político-burocráticos do rei. Em todo o
caso, importa aqui destacar-se a afirmação de uma linguagem própria dos oficiais da escrita e da
omnipresença de uma tecnologia manipulada por secretários e escrivães nas instituições do reino.
Um outro exemplo desta afirmação prende-se com o trabalho de redacção documental nas
reuniões de Cortes.
A fim de elaborar toda produção documental, eram eleitos secretários em cada um dos
estados: eclesiásticos no segundo dia, a nobreza sem dia fixo, e os Povos no primeiro dia. Estes
secretários deviam escrever todos os dias os «Assentos» respeitantes ao deliberado no respectivo
«braço» das Cortes, elaborar registos do acordado com assinatura de todos os participantes, ler ou
propor os «Decretos» através dos quais o rei comunicava com os estados899. Quando surgiam
matérias muito relevantes onde as decisões requeriam o acordo dos três estados, os secretários
deviam formar «Consulta» que transitaria pelos braços reunidos, a fim de se conferir a decisão final
assinada por todos900. Eram estes secretários os responsáveis pela correspondência oficial em nome
das Cortes com o «secretário de estado»901, respondendo aos ofícios da secretaria de estado, levando
as «Consultas» à presença do rei e desempenhando funções determinantes no cerimonial, no
momento de receber enviados dos restantes «braços das Cortes» sempre que as circunstâncias o
exigissem, como por exemplo na circulação de «Consultas» gerais902. Não é demais sublinhar a
importância adquirida por estes «secretários» no âmbito da sua identidade corporativa – destacando-
897 OF, Liv. Tit. III; «Lei de 27 de Julho de 1582», «Novo Reg. do Desembargo do Paço». Sobre o assunto uma boa
síntese em José SUBTIL, «Governo e Administração», O Antigo Regime…, pp. 145-149.
898 AHU, Reino, cx. 11-A, pasta 19.
899 Visconde de SANTARÉM, Memórias..., pp. 36.
900 Visconde de SANTARÉM, Memórias..., p. 37.
901 Pedro CARDIM, Cortes e cultura política..., pp. 121-122.
902 Visconde de SANTARÉM, Memórias..., pp. 30-31.
206
se ao nível da representação dos «estados», erigidos em mediadores da comunicação entre a cabeça e
o corpo do reino. No que respeita ao secretário da nobreza, note-se que o eleito desempenhava as
funções de «Presidente do estado» em Cortes903.
Outra das dimensões fundamentais da escrita do poder prende-se com o «secretário do
Conselho Geral do Santo Ofício» e a assunção de um poder “secretarial”.
Na sua génese, a “escrita” da Inquisição beneficiava de autonomia. A sua configuração
jurídica foi dada pelo «Regimento do Conselho Geral do Santo Ofício» redigido em 1569, quando era
Inquisidor o cardeal D. Henrique904. Além de um secretário, nomeado pelo Inquisidor, tinham algum
relevo os notários dos diferentes Tribunais da Inquisição (Lisboa, Coimbra, Évora, Goa, Lamego)
também por vezes denominados na documentação «secretários da Inquisição»905. Porém, durante a
integração do reino de Portugal na Monarquia Católica surgiu o secretário das Causas da Inquisição
em Madrid, fruto do esforço de acção de D. Felipe I para modelar o funcionamento “burocrático”
da inquisição ao estilo espanhol906. Com o duque de Lerma e o conde-duque de Olivares foram
acentuadas as ligações entre os assuntos da secretaria do Santo Ofício e o «secretário de estado»,
procurando que fosse este a desempenhar funções como «secretário da Inquisição»907. Depois de
1640, «os secretários de estado» continuaram a desempenhar funções como «secretários da
Inquisição», aprofundando o estilo secretarial do «despacho», por comunicação directa com o
Inquisidor e a Câmara Régia, evitando assim os Conselhos e Tribunais908.
Uma outra dimensão fundamental na afirmação dos «secretários» prende-se com o serviço
nas «secretarias dos estados» dos membros da família real.
Em primeiro lugar, a secretaria da Casa do Infantado e da Casa da Rainha.
O «secretário da Casa do Infantado» – instituição criada na segunda metade do século XVII,
destinada a providenciar os «bens» dos infantes – permutou influências com a secretaria de estado,
no âmbito da assistência às pessoas reais. A secretaria da Casa do Infantado era formada por
ministros com experiência no «despacho» dos tribunais da Coroa, normalmente constituída por cinco
oficiais, numa estrutura muito semelhante à secretaria de estado909. Com efeito, vários dos seus
«secretários» transitaram para o serviço do rei (António Cavide ou João de Roxas de Azevedo)
«por muitas mãos», uma vez que tinham sido sempre tratadas pelos inquisidores gerais imediatamente com os reis,
ou por pessoa das que tivessem «maior lugar diante o rei». Em 1608 recomendava-se que fosse o secretário Fernão
de Matos a tratar dessas matérias.
907 IAN/TT, Conselho Geral do Santo Ofício, mç. 42, doc. 5.
908 IAN/TT, Conselho Geral do Santo Ofício, Liv. 136 e 137.
909 Maria Paula Marçal LOURENÇO, A Casa e o Estado do Infantado 1654-1706, Centro de História da Universidade
207
contribuindo para esbater as particularidades dos “estilos” entre estas secretarias, homogeneizando o
“espírito corporativo” de uma prática política do «estado do rei».
No que diz respeito à secretaria da Casa da Rainha, com uma estrutura semelhante à Casa do
Infantado, deve notar-se o protagonismo de alguns dos seus «secretários» como, em 1663, o Doutor
Belchior do Rego de Andrade. Uma vez que a rainha governava a sua Casa em clausura, o secretário
alcançou relevante protagonismo no «governo» dos bens910. Sobre esta liberdade de actuação na
Câmara (fosse em torno do rei ou da rainha) muito foi já avançado e não voltaremos a demorar-nos
nessa questão. Cumpre apenas lembrar que estes «secretários» das pessoas reais, acedendo ao
património régio, contribuíam para “sacralizar” o serviço “burocrático” em torno dos bens da
Coroa, despachando só com a rainha ou os Infantes e beneficiando de amplos poderes911.
Num último nível de importância, relativamente ao potenciar da secretaria de estado, mas
não do “estilo burocrático”, importa considerar as secretarias das Universidades.
Tanto o secretário da Universidade de Coimbra como o secretário da Universidade de Évora
integraram alguns aspectos da prática do secretário de estado, como o destaque na condução dos
cerimoniais. Por outro lado, desenvolveram saberes relacionados com inventários de indivíduos,
arquivos fundamentais no controlo da reprodução social912 – compilações baseadas nos Livros de
Matrícula, onde eram coligidas informações sobre a proveniência geográfica e social (nome do pai)
dos alunos e professores. A documentação “administrativa” das Universidades permite identificar o
aumento do expediente e o crescente protagonismo destes «secretários» ao longo do século XVII913.
Que conclusões retirar destas descrições?
O elenco destes secretários e escrivães, aqui ponderados de forma diversificada, pretendeu
clarificar o carácter instrumental do poder secretarial. Por outras palavras, podemos considerar a
afirmação do secretário como a modelação de um poder emergente numa série de instituições,
mesmo naquelas não directamente controladas pelo poder régio, no decorrer da “burocratização”
das relações sociais. Assim, o seu triunfo corresponde à formação de um estilo, de uma forma de
significar o poder, mesmo que do lugar onde emerge (o Desembargo do Paço, a Universidade, ou o
quanto servisse de Mestre de Cerimónias». Por «Consulta» da Mesa da Consciência e Ordens, o secretário da
Universidade de Coimbra solicitou que a mercê passasse a ser vitalícia. A licença foi-lhe concedida apenas enquanto
servisse como Mestre de Cerimónias, o que não significava uma acumulação com o cargo de secretário, IAN/TT,
Chancelaria de D. Afonso VI, «Carta de Secretário e mestre de Cerimónias da Universidade de Coimbra a João Correia
da Silva», Liv. 27, fl. 103. Sobre o secretário e escrivães da Universidade de Évora, Queirós VELOSO, A
Universidade de Évora, Elementos para a sua História, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1976, pp. 53-54 e BPE,
«Estatutos da Universidade de Évora», cod. CXIV / 2-31; BPE, «Rol dos priuilegios da U. De Coimbra e dos
privilegiados da U de Euora» e «informação que se deu...por ordem de S.M. em 628, sobre a Fundação do Collegio e
Uniuersidade d’Euora. Pessoas, rendas e obrigações», cod. CV/ 2-15.
208
Conselho Geral do Santo Ofícios) ele possa ser um trunfo a opor ao poder do rei. Por outro lado,
deve clarificar-se que a emergência desses secretários, no caso da Coroa de Portugal, tende a
potenciar a influência do «secretário de estado». Fosse pelas relações estreitas tecidas entre outras
instituições régias e a própria secretaria de estado – na transmissão da informação, na tramitação dos
processos, na migração de oficiais maiores e menores –, fosse pela difusão de um ethos do poder
sobre os «papéis», sentido corporativo que o secretário directamente provido na defesa do «estado
do rei» potenciou como nenhum outro. Na verdade, acercámo-nos aqui, com mais propriedade, de
uma tendência já enunciada (c. I) em que a dissolução das formas tradicionais de representação do
poder dependeram, em primeiro lugar, das modificações na técnica de governo, onde a mutação da
comunicação oral para a comunicação escrita, quer no sentido material, quer no sentido simbólico,
gerou contradições na distribuição social do poder. Vejamos, na perspectiva dos paradigmas de
governo, qual o resultado destas tendências.
Nesta segunda secção, interessa verificar de que forma a exportação da prática dos
«secretários» já descrita – e mesmo a imposição do próprio «secretário de estado» na assistência
escrita de variadas instituições –, ao generalizar-se aos órgãos de «governo» e “representação” dos
«corpos» do reino, vem minar os fundamentos do “jurisdicionalismo”. Neste sentido, a
caracterização do discurso a propósito dos «secretários» procura sinalizar as principais mutações na
representação cultural do poder.
914 Tradução portuguesa, Michel FOUCAULT, A ordem do discurso, Relógio de Água, Lisboa, 1997.
209
da sua autonomia e tentando surpreendê-los no âmbito dos conflito sociais, bem como integrá-los
numa intertextualidade mais vasta, recusando a galeria dos autores eminentes915. Todavia, a crítica de
Foucault destinava-se menos à “gestação” seiscentista ou setecentista do “discurso político” e muito
mais à suposta objectividade da metodologia científica em geral e das ciências sociais em particular916.
Ângela Barreto Xavier, ao estudar os tópicos do “discurso político” na Cortes de 1668, deu conta de
várias dificuldades em aplicar o método de Foucault aos discursos de Antigo Regime: a difícil
delimitação do «saber político»; as profundas relações daquela linguagem “política” com a moral; a
fluidez do «arquivo» dos textos seiscentistas, textos atravessados por um oceano de referências; ou a
contraditória «historicidade das noções de “texto”, “autor” e “livro”» aí presentes917. Para já não falar
de toda a “economia cultural” da produção historiográfica que Foucault desenvolveria, até com
alguma violência contra os historiadores, no artigo «Nietzsche, a Genealogia e a História»918.
Postas estas dificuldades, o caminho aqui seguido contorna, talvez um pouco grosseiramente,
estes complexos problemas da produção do discurso, pretendendo apenas sondar, de forma breve,
os conteúdos textuais a propósito da generalização dos «secretários» sobretudo nas instituições
régias, sem a preocupação de qualificar esses discursos no conjunto das relações sociais ou de tecer
grandes considerações ao nível da sua arquitectura interna. Digamos que se pretende apenas recolher
o “estado da questão” no século XVII, de forma a identificar os pontos “sensíveis” da caracterização
dos «secretários» enquanto agentes de um “poder”.
Não seria lógico iniciar esta secção sobre o discurso em torno do «secretários» sem uma
alusão a Maquiavel, autor que, directa ou indirectamente, afectou a produção de inúmeros textos
sobre «secretários»919. O facto de ter sido Maquiavel, ele próprio um secretário, a formular em
915 Sobre o discurso e respectivas repercussões na representação do poder, Pietro COSTA, Iurisdictio, Semantica del
potere politico medioevale (1100-1433), Milano, 1969; Quentin SKINNER, «Significação e compreensão na história das
ideias» (1969), Visões da Política, Difel, Lisboa, 2005; The Languages of political theory in early-modern Europe, Anthony
Pagden (org.), Cambridge University Press, Cambridge, 1987; Pierre LEGENDRE, Le désir politique de Dieu, Études
sur les montages de l’état et du droit, Fayard, Paris, 1988; António M. HESPANHA, «Una historia de textos», Sexo barroco
y otras transgressiones premodernas, Alianza, Madrid, 1990. Sobre o discurso político seiscentista em Portugal, o clássico
estudo, Diogo Ramada CURTO, O discurso político em Portugal (1600-1650), Lisboa, 1988. No contexto ibérico, Xavier
GIL PUJOL, «Del Estado a Los Lenguajes Políticos, del Centro a la Periferia, Dos Décadas de Historia Política
sobre la España de los siglos XVI y XVII», El Hispanismo Anglonorteamericano: Aportaciones, problemas y perspectivas sobre
Historia, Arte y Literatura españolas (siglos XVI-XVIII), Jose Manuel de Bernardo Ares (org.), Córdova, POSCC, 2001,
pp. 883-918.
916 M. DEAN, Critical and effective histories: Foucault's methods and historical sociology, Routledge , 1994.
917 Ângela Barreto Xavier, El Rei aonde póde..., pp. 21-28.
918 Michel FOUCAULT, «Nietzsche, la généalogie, l’histoire», Dits et écrits I, 1954-1975, Gallimard, Paris, 2001, pp.
1004-1024.
919 Quentin Skinner, The Foundations of Modern Political Thought, vol. I, The Renaissance, Cambridge, Cambridge
University Press, 1978 e Harvey C. MANSFIELD, Machiavelli’s Virtue, Chicago, University of Chicago Press,1996.
Para a recepção em Portugal, Martim de ALBUQUERQUE, A Sombra de Maquiaval e a Ética tradicional Portuguesa,
Faculdade de Letras, Lisboa, 1974. Para o mais completo enquadramento de Maquiavel no tecido cultural tardo-
medieval, recusando uma galeria dos “grandes autores”, Pietro COSTA, Civitas, Storia della Cittadinanza in Europa,
vol. I, Dalla Civiltà Comunale al Settecento, Laterza, Bari, 1999.
210
termos «polémicos», uma concepção de poder algo “exótica” – ainda que destinada a momentos
extraordinários das «Repúblicas» quatrocentistas – reveste-se de pleno significado. Vimos que as
raízes da transformação do «governo» se prenderam com os processos de curialização. Sabemos que
«Repúblicas» da Península Itálica, como Florença ou Veneza, influenciaram os reinos da Península
Ibérica. Neste sentido, se colocarmos Maquiavel no contexto dos «secretários» quatrocentistas e
quinhentistas, vemos matizado o referido exotismo dos seus textos. O secretário florentino terá
formulado em termos claros e sintéticos, no contexto de uma cultura propensa ao “debate cívico”, o
que Álvaro Lopes ou António Carneiro praticavam em Lisboa, no século XV, junto do rei de
Portugal920. O que nos interessa destacar são os sinais teóricos de uma transformação silenciosa, em
que a especialização na redacção de documentos foi gerando os seus frutos numa literatura sobre a
organização do poder.
211
Em primeiro lugar, a dimensão da escrita como poder. Diversos textos colocam o problema
do «despacho», da redacção de cartas e da sua importância na sedimentação do poder régio923. A
proliferação de menções textuais aos «secretários» começou com a preocupação da linguagem dentro
do espaço da Corte924.
No início do século XVII, Francisco Rodrigues Lobo, por meio de um texto muito denso,
Corte na Aldeia e Noites de Inverno, destacava a centralidade da redacção de cartas na política cortesã925.
Em Portugal, no entanto, não abundavam textos similares. Em todo o caso, José Adriano Freitas de
Carvalho afirma que, apesar de serem raros os tratados portugueses sobre a epistolografia, do século
XVI e XVII, abundavam tratados publicados em Madrid, Veneza, Roma ou Florença926.
Com esta profusão de textos sobre a excelência da escrita nos usos do poder, seguiu-se a
emergência de textos sobre a selecção dos oficiais régios. Isto porque a ponderação acerca da
selecção dos ministros tendeu a casar-se com os elogios do secretário como especialista da escrita e
do tratamento da informação927. Surgiram então diversos problemas a solucionar: de que forma o rei
resolveria os negócios que não compreendia? Perante a profusão da escrita, como seleccionaria os
seus ministros e que qualidades deviam existir nesses servidores? Que relação devia o rei manter com
esses ministros e de que forma esses ministros se deveriam relacionar com os conselhos e
conselheiros? Devia o rei remeter a outros servidores os seus negócios? Que matérias deviam ser
despachadas pelos ministros e quais deviam ser atribuídas aos oficiais especializados em papéis? As
respostas foram apontando com monotonia para uma preponderância do secretário como voz
fundamental em todas estas escolhas.
Assim, ao longo do século XVII, foram surgindo diversos textos onde se descreve o
secretário como «o coração do rei». Este tópico – cada vez mais disseminado – era o sinal da
preeminência que o secretário ia alcançando na cultura política da época. Em 1619, um «Memorial»
redigido por um secretário da Monarquia Católica pretendia defender a preeminência destes oficiais
923 António de GUEVARA, Aviso de Privados, 1539 e Epistolas Familiares, Valladolid, 1542; António de
TORQUEMADA, Manual de Escribientes, (anterior a 1562), 1970; Giovanni Battista GUARINI, Il segretario, 1594.
924 Bartolomeo Zucchi, L’idea del segretario, (1600), Veneza, 1614; Juan FERNÁNDEZ ABARCA, De las partes y
calidades con que se forma un buen secretario, Lisboa, 1618; F. GONZÁLEZ TORNEO, Prática de escribanos, Alcalá de
Henares, 1640; González GÓMEZ DE LA MORA, El secretario em diez y seis discursos, que comprehendem a todo o genero
de ministros, Madrid, 1659; Diego GONZÁLEZ VILLARROEL, Examen y prática de escribanos, Madrid, 1661; Gabriel
PÉREZ DE BARRIO, Secretario y Consejero de Señores y Ministros, Madrid, (1613), 1667; Del segretario del Signor Panfilo
Persico libri quattro ne’quali si tratta dell’arte, e facoltá del segretario, 1674.
925 Publicada em 1619, em Lisboa, por Pedro Craeesbeck.
926 José Adriano Freitas de CARVALHO, «Introdução», Corte na Aldeia e noites de Inverno, Francisco Rodrigues Lobo,
tienen sus veces, Valencia, 1619; Fr. Jacinto de DEUS, Braquilogia de Príncipes, (1671), nova ed. Hipólito Raposo, Porto,
1946.
212
sobre o conjunto dos restantes oficiais régios928. Desta forma entrevemos uma descrição muito
exaustiva dos problemas jurisdicionais que se colocavam à ascensão dos secretários como ministros
indicados para os «negocios publicos». A consciência de que este exercício considerava graves
conflitos impunha, segundo o secretário Diego Valderrama, a construção de imunidades sobre a
«justiça ordinária». As características do exercício deste ofício – a comunicação familiar que, por
escrito e por palavra, mantinham com o rei, a autoridade das afirmações régias que certificavam –
impunham que, pertencendo ao Conselho do rei, desempenhasse funções na elaboração de relações
de «Ordens», «Memoriais de partes», «Resoluções», «Consultas».
Como temos vindo a observar ao longo deste trabalho de forma exaustiva, mesmo sem voto,
a autoridade do secretário residia na configuração do consultado, hierarquizando os argumentos e as
notícias das «Resoluções», adestrando-se manejo dos «papeis». Por isso, Valderrama afirmava que a
mão que tinham os secretários na direcção dos «negócios públicos» era superior aos que votavam.
Exemplificando, sublinhava a influência dos «secretarios de Estado», dos «secretários de Guerra», ou
especialmente do «Secretario del Patronazgo» e da «secretaria de la Camara», oficiais que mantinham
a comunicação directa das «Resoluções» com o monarca, sem que os presidentes dos diferentes
Conselhos ou os conselheiros tivessem acesso a essa informação, antes de ser comunicada às
«partes»929.
Esta perspectiva foi fazendo o seu caminho. Bermudez de Pedraza, um outro influente
secretário da Monarquia Católica, publicou em 1620 um texto muito disseminado e com várias
edições, El secretario del Rey930 e, em 1635, um importante panfleto, Panegírico legal, preeminencias de los
Secretarios del Rey, deducidos de ambos derechos931. Pedraza introduzia um outro elemento metafórico
muito sugestivo. Ao comparar os secretários a «pilotos», «que com industria y vigilância atienden al
govierno destas ancoras politicas [Consejo de Estado e Consejo de Guerra]», sublinhava a sua
capacidade de condução dos reinos. Note-se que a metáfora apontava para duas importantes
928 A polémica vinha no seguimento de um processo dos «Alcaldes» sobre Juan de Paz del Rio, «Secretario de
Hazienda», BA, 51 – IX – 10, Governo de España, tomo II, Da Casa Real e Grandes de Castella e Iurisdições, «Sobre las
preheminençias de los Secretarios de Su Magestad” [pelo Lic. D. Diego de Tovar Valderrama, s.l., 20 Outubro de
1619», fls. 2-4. Juan Valderrama, filho do «secretário Iorge de Tovar Valderrama, secretário da Monarquia Católica
(Felipe II e III) durante 52 anos. Sobre a relação entre os conflitos dos secretários com outros oficiais régios e a
emergência das temáticas do «bom governo», Paola VOLPINI, «I confliti di precedenza nella dinamica politica,
fiscale e segretario nella monarquia spagnola del seicento», Annali di Storia moderna e contemporanea, 9, 2003, pp. 509-
532.
929 BA, 51 – IX – 10, Governo de España, t. II, Da Casa Real e Grandes de Castella e Iurisdições, «Sobre las
Andrés de Santiago, onde se reuniu o Panegírico. A 3ª edição de Madrid, em 1720, impressa por Padilla, também
incluíu o Panegírico. A edição de 1696, em Nápoles, por Domingo Antonio Panino, apenas incluiu o texto de 1620 e
uma apresentação em italiano. Na Biblioteca da Ajuda existe uma «Cópia dos privilégios dos secretários de estado e
guerra na Coroa de Castela», recompilados por «Francisco Bermudes de Pedrasa no livro Secretario d'El Rey», BA,
50-V-36, fls. 299v-306.
213
mutações: não só os secretários pretendiam ser encarados como decisores, escolhendo «los negócios
que han de resoluerse, y el quando, siendo los árbitros de la matéria y del tiempo, y los instrumentos
imediatos a V.M. en la correspondência se sus Reynos» como a insistência no tópico da navegação –
notando os conhecimentos “técnicos” do piloto – apontava para uma outra scientia – que não a justicia
– na delimitação da política, reforçando a “acção” do «governo» e não apenas a sua dimensão
conservativa932.
Com efeito, adensavam-se duas temáticas: o conflito entre uma política régia “ofensiva” dos
direitos dos vassalos e a eficácia dos secretários, qualificada como “ardilosa”. Na verdade, apesar dos
inúmeros textos em que o secretário parece triunfar como um consensual ministro no serviço do
reino, outros textos há que apresentam uma imagem bem diferente.
932 Francisco BERMUDEZ de PEDRAZA, Panegírico legal, preeminencias de los Secretarios del Rey..., pp. 4-4v.
933 Sobre as críticas aos escrivães – onde pode ser englobada uma tendência de repugnância pela escrita – com as
suas «falsidades e extorsões» e a tendência das revoltas (vejam-se os tumultos de 1637) para visar os cartórios e
arquivos, António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 451-453.
934 Lisboa, na Oficina de Lourenço de Anvers, 1647.
935 Discurso Politico…, pp. 327-328.
936 Francisco Manuel de MELO, Aula Política…, pp. 87.
214
obterem privilégios indevidos e desequilibrar os poderes na Corte. Esta crítica sublinhava ainda o
facto de o rei despachar sem falar pessoalmente com os conselheiros, para além do inconveniente da
perigosa quebra de segredo daí resultante, sendo que «no aposento donde El Rey despachava, & na
alcova do Conde Duque topavão pela manhã os varredores muytos papéis destes serrados, donde se
comprehendião as consultas dos mayores pontos da Monarchia»937. Da mesma forma, a famosa
crítica de Diogo do Couto, no Soldado Prático, depreciava a diminuição da audiência e da relação oral,
facto que levava a que os reis não tivessem conhecimento de coisas relevantes para o bom governo
de seu Reino, «assi polas não verem, porque não pode ser verem tudo, como polas não praticarem
com quem as tratou, viu, apalpou, porque o que mais falta aos reis é quem lhe fale verdade nestas
cousas»938. Fernando Bouza Álvarez nota que a par do crescimento do peso dos secretários e da
escrita, surgiram uma série de tópicos utilizados no discurso que passavam por uma demonização da
utilização de «papéis». A função dos reis não seria passarem o tempo a «ler e a escrever» mas sim
reinar directamente, sendo «públicos» e acolhendo os súbditos que vinham em busca de «remédios
para as suas necessidades»939.
Tomás y Valiente, num estudo clássico, colocou bem o problema do valido, ou do privado,
como era também hábito designar-se, identificando o caminho para aclarar a questão: a
perspectivação destes «ministros devia apostar numa redução dos aspectos psicológicos, observando
privados; de outro género de privados; Se é bom que os reis tenham mais do que um privado; Das qualidades dos
privados; Como se hão-de haver os reis com os privados; Se os parentes e amigos dos privados hão-de ser excluídos
dos ofícios; Conclusão com algumas advertências para os reis e privados; advertências para privados e conselheiros»,
Frei Juan de SANTA MARIA, Tratado de República y Polícia Christiana..., Valencia, 1619.
941 Existe uma vasta bibliografia sobre o tema pelo que não dedicaremos muito tempo à questão. Ver por todos, El
mundo de los Validos, J. H. Elliott & L. Brockliss (org.), Taurus, Madrid, 1999.
215
o valimento como uma produção do sistema político942 e na redução dos aspectos individualistas,
relacionado os validos e privados com a actuação dos grupos de Corte943. Podemos ainda acrescentar
a valorização dos aspectos semiológicos, identificando as diferenças entre as designações entre
«valido» e «secretário». Neste sentido, a qualificação de valido não corresponde ao mesmo nível de
qualificação de secretário. A designação de secretário adquiriu muito rapidamente, no discurso
político – e mesmo na produção normativa da Coroa – uma dimensão técnica e prática. Já o valido
evoluiu num plano de qualificação mais simbólica, não tendo qualquer correspondência formal em
«cartas de nomeação». Em todo o caso, existem alguns pontos institucionais que é necessário
comentar.
Em primeiro lugar, fez curso a ideia de que o valido actuava como um coordenador de
secretários. Tanto na Monarquia Católica como na Coroa de Portugal, os secretários foram
normalmente subalternizados pelo valido, subalternização decorrente de duas tendências nem
sempre estruturais mas, apesar de tudo, dominantes: a) a menor qualidade social dos secretários,
provenientes de segmentos universitários e urbanos, sendo o valido normalmente recrutado na alta
nobreza de Corte; b) a maior especialização “mecânica” do secretário, obrigando-o a submeter-se ao
nobre cortesão, numa sociedade estratificada em torno da sacralização do “ócio”. Na verdade, na
Coroa de Portugal, o valimento correspondia a uma qualificação do exercício “político” podendo um
secretário de estado ser acusado de «valido», como sucedeu como Miguel de Vasconcelos, na década
de 1630 ou mesmo a emergência de Francisco de Lucena, após 1640, confirmando-se a dimensão
afectiva e actuante do valimento, protagonizada por um secretário944. Neste caso, a Coroa de
Portugal apresenta uma certa especificidade, já que tanto Tomás y Valiente como José Antonio
Escudero afirmam que o valido adquiriu na Monarquia Católica uma força de actuação institucional
que o secretário nunca logrou alcançar945. Em Portugal, o valido foi em diversas ocasiões um
«secretário de estado», costume tendencial até quase final do século XVIII. Em grande medida, a
especificidade da Coroa de Portugal prendeu-se com a necessidade de criar uma “forma” oposta ao
do valimento castelhano. Porém, do ponto de vista da actuação cortesã, os secretários utilizaram
942 Um bom enquadramento estrutural das repercussões políticas do afecto, Antonio FEROS CARRASCO, «Twin
Souls: monarchs and favorites in early seventeenth-century Spain», Spain, Europe and Atlantic World, Essays in honour of
John H. Elliott, Cambridge University Press, Cambridge, 1995, pp. 27-47e Pedro CARDIM, O poder dos afectos, Ordem
amorosa e dinâmica política do Antigo Regime, Dissertação de Doutoramento, UNL, FCSH, 2000.
943 Francisco TOMÁS Y VALIENTE, Los validos en la monarquía española del siglo XVII, Instituto de Estudios
Politicos, Madrid, 1963, sobretudo pp. 34-40. A questão foi tratada de forma exaustiva em Francisco BENIGNO,
L’Ombra del Re, Ministri e Lota Politica nella Spagna del Seicento, Marsilio, Veneza, 1992.
944 A título de exemplo, a proximidade de Francisco de Lucena com o rei expressa numa pulseira oferecida pelo
Secretário ao rei, e que D. João IV usava diariamente – sublinhando a estima pelo seu Secretário, Leonor Freire
COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 134.
945 Neste sentido, TOMÁS Y VALIENTE, Los validos..., pp. 54-55; José António ESCUDERO, Los secretarios…, vol.
I, pp. 223-233; José António ESCUDERO, «Introducción. Privados, Validos y Primeros Ministros», Los Validos,
José Antonio Escudero (coord.), Dykinson, Madrid, 2004, pp. 15-34.
216
recursos similares ao governo “castelhanizado”. Neste mesmo sentido, Pedro Vieira da Silva
desenvolveu um estilo de actuação muito próximo do valimento. O próprio secretário de estado
redigiu, em 1667, um papel onde tratava a «iurisdição authoridade e por que modo» governavam os
«primeiros ministros ou ajudadores dos Reys» a que então chamavam «validos ». Elogiava como
melhor «valido» o duque de Lerma e como melhor «secretario da Corte de Portugal em Madrid,
Fernão de Matos»946.
Por conseguinte, nas últimas décadas do século XVII, o «secretário de estado» da Coroa de
Portugal, recebeu no plano informal do poder, a confirmação desta antiga influência, atingindo uma
preponderância na Corte que só teria paralelo no caso da Monarquia Católica com os secretários das
reformas bourbónicas, ainda que estas rupturas venham a ser matizadas pela historiografia
especializada na “administração”947. Na verdade, considerado como «Primum Mobile» de todo o
reino, a dimensão do «secretário de estado de Portugal era a do «privado castelhano»948. A expressão
era elucidativa. Segundo a cosmologia aristotélica, para além do Primum Mobile não haveria
movimento, nem tempo, nem lugar. Deus, o motor primordial, (o rei) impulsionaria uma rotação no
Primum Mobile (que John Colbatch comparava ao secretário de estado). Este, por sua vez, transmitiria
o seu movimento às restantes esferas (os corpos do reino).
Quais as razões destas diferenças de modelo? Tem sido consensual a ideia de que a
“descerebração” política da Monarquia Católica atingiu níveis que em Portugal se não verificaram949.
Neste sentido, os «validos» terão correspondido a uma mais complexa estrutura de mando – daí a
necessidade de nobilitação social que pudesse defender-se de forma mais eficaz perante um mar de
conflitos. Talvez por isso, em Portugal, na segunda metade do século XVII – perante o crescimento
“burocrático”, o desenvolvimento das secretarias de estado, mas também uma certa revitalização da
polissidonia – tenha sido tentada uma solução de coordenação através da recuperação do «escrivão
da puridade» com as características do valimento castelhano – alta qualificação social,
complexificação da estrutura de decisão ao nível do gabinete e coordenação de um conjunto de
secretários subalternos950. No entanto, a questão mais importante prende-se com a fractura na
prática do poder e não tanto com uma particularidade institucional do «secretário de estado» na
Coroa de Portugal. A questão a sublinhar prende-se com a emergência de uma nova tipologia de
946 IAN/TT, Manuscritos de S. Vicente, «Papel de Pedro Vieira da Silva sobre a jurisdição do primeiro ministro», nº 12,
fls. 813-814.
947 Ver por todos M. V. LOPEZ-CÓRDON, «Secretarios y secretarías en la edad moderna, de las manos del
Príncipe a relojeros de la Monarquía», Studia Historica. Historia Moderna, 15, 1996, pp. 107-131.
948 John Colbatch, An Account…, p. 179.
949 António M. HESPANHA, História das Instituições…, pp. 345-350.
950 Fr. Francisco do S. SACRAMENTO, Epitome…, p. 5.
217
acções levada a cabo por um oficial do rei951. Nesse sentido, tanto «secretários de estado» como
valido apontaram para o mesmo sentido, apesar das eventuais diferenças de legitimação social que
apenas um estudo comparativo e detalhado – entre o modelo social e a produção do oficialato da
Coroa de Portugal e da Monarquia Católica – poderia relevar952.
Concluindo. Como ficou claro, uma sondagem do discurso em torno dos secretários revela a
emergência de uma nova concepção dos usos do poder régio e da sua própria fundamentação.
Qualquer que fosse a caracterização do secretário – como herói ou vilão, como factor de equilíbrio e
violência, como encarnação da decisão virtuosa ou como exemplo da ambição desregrada – os textos
apontavam para uma mutação na prática do «governo». Os discursos, críticos ou apologéticos, são a
poeira de uma luta que iria produzir um novo equilíbrio institucional. A ascensão do secretário seguia
o seu curso, com enorme tensão e conflito, gerando a habitual galeria de ficções e verdades, erguidas
pelos diferentes grupos em confronto.
Para completar a nossa história, resta identificar, no capítulo que se segue, como a “luta” de
Corte se estruturou em torno de quatro grandes vectores: normativização; decisão; representação;
distribuição. Estas quatro áreas fundamentais, que aqui pretendemos identificar, constituíram novos
«operadores de dominação» – para utilizar a expressão de Foucault – transversais a todos os
conflitos. Foi sobretudo através destes novos mecanismos de saber/poder que se produziram os
fundamentos de uma suposta nova racionalidade do «governo», dando origem a uma nova scientia do
poder e transformando o modelo das relações de força. Os secretários conduziram a ficção da
origem do poder do «jurista» para o «político».
951 IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Papel de Pedro Vieira da Silva sobre a jurisdição do primeiro ministro», nº. 12,
fls. 813-814.
952 Para uma síntese desta tendência, Ricardo OLIVEIRA, «Valimento, privança e favoritismo: aspectos da teoria e
cultura política do Antigo Regime», Revista Brasileira de História, vol. 25, nº 50, São Paulo, 2005, pp. 217-238.
218
VI
A “POLÍTICA” NAS VÉSPERAS DO «ESTADO»
953 Depois de uma longa evolução dentro da orgânica política das monarquias modernas, a «Secretaria» era
naturalmente associada ao ofício do secretário. Era também o espaço físico, a casa em que costumava o secretário
assistir e despachar, «como em Lisboa a Secretaria de Estado». Em algumas «Repúblicas, bem governadas, onde os
ofícios são anuais, o de Secretario é perpetuo», para que apenas ele fosse o único registo das deliberações e o
depositário inviolável do segredo, «o qual he a alma dos negocios e o espirito que hua vez sahido, nunca mais volta».
Deste modo, o «secretário de estado» surge na edição do Vocabulario Portuguez e Latino, num texto claro e denso,
como o homem político por antonomásia, Raphael BLUTEAU, Vocabulario Portuguez e Latino, vol. VII, Lisboa, Off.
de Pascoal da Sylva, 1720.
219
sentimento dominante dos «Povos», ouvidos por mecanismos tradicionais como a «audiência régia»,
a resposta a «petições» ou as Cortes; e o Auxilium at que consilium que dizia respeito à relação recíproca
dos conselheiros com o soberano, conforme o ancestral pacto entre os maiores numa «cúria régia»954.
Estes elementos fundamentavam um processo de «governo», partilhado, pulverizado, passivo e
conservativo, mas desmultiplicado em miríades de relações de poder por todo o reino, desde a Corte
aos recônditos lugarejos rurais do reino. Convém lembrar que as elucubrações jurídicas da soberania
não expressavam a sede do poder, gerando dominações. Pelo contrário, eram a cobertura ideológica,
produzida pela vida social, que espelhava as relações de poder existentes de facto.
O que vai ocorrer ao longo do século XVII é a lenta desagregação destes fundamentos,
substituídos por novas legitimidades de poder, decorrentes da alteração material da relações sociais
onde a “escrita” desempenha uma das dimensões que irão estruturar a transformação. Pretendemos
identificar as raízes destes novos “operadores de dominação”, a partir dos quais a secretaria de
estado vai emergir no conjunto institucional da Coroa. Como tem sugerido António Hespanha, a
preeminência dos secretários tem uma relação complexa com a desagregação da ordem jurídico-
política corporativa955, não devendo ser reduzida a metáforas mecanicistas. A perspectiva aqui
seguida pretende relacionar a genealogia das secretarias de estado com a transformação dos
fundamentos do «governo». De acordo com Foucault, esta mutação não deve ser procurada apenas
na ordem jurídica e na “prática” simbólica dos Tribunais e Conselhos mas também nas formas
sociais de produção dos sujeitos, ou seja, em nova formulações das relações de poder entre os
indivíduos.
954 Os Conselhos eram entendidos como expressão do corpo do rei, detentores de dignidade, autoridade e
aconselhamento, mas não do poder próprio em sentido estrito, Luca MANORI & Bernardo SORDI, Storia..., pp. 47
e ss. Embora existisse uma divisão entre conselho régio, na tradição da cúria do rei, e conselho representativo, que
originará a prática dos Parlamentos e Cortes, dicotomia existente mas exageradamente vincada pela historiografia
liberal, ver por todos, José Liberato Freire de CARVALHO, Ensaio Historico-Politico sobre a Constituição do Reino de
Portugal, Paris, 1830. Uma excelente síntese da evolução do governo régio e discussão em cortes em António M.
HESPANHA, «As Cortes e o reino», Cuadernos de Historia Moderna, nº 11, 21-56, Universidade Complutense de
Madrid, 1991, pp. 21-56. A abordagem mais completa pertence a Pedro CARDIM, Cortes e Cultura Política…,
sobretudo pp. 97-119.
955 Onde o exercício do poder – dominium iurisdictionis – se traduzia numa multiplicidade de «estados» (no sentido de
estatutos jurídicos, privilégios) não necessariamente coincidentes com os indivíduos. Por outras palavras, eram as
qualidades funcionais dos indivíduos (pai, senhor, eclesiástico, magistrado ou rei) em relação ao todo – «República»
– aquilo que constituía o objecto do poder, sendo este poder, em princípio, expresso pelos direitos e só
extraordinariamente pela “força da necessidade”. É em torno desta necessidade que vai construir-se uma nova
ordem de legitimidades, procurando unificar as sedes do direito, António M. HESPANHA, «Le droit du quotidien»,
Conférences Marc Bloch, 1997, [on-line], 24 Junho 2006, http://cmb.ehess.fr/document123.html.
220
protagonizando a criação de novos dispositivos de linguagem para as sujeições: a) normativização –
pela subordinação das opiniões ao conhecimento dados (papéis) constituindo uma liturgia
burocrática (sacralização das ordens escritas); b) decisão – pela subordinação dos Tribunais do reino
ao gabinete, através da apologia da decisão rápida e inequívoca; c) simbolização – por uma ascensão
simbólica (cerimonial de Corte e diplomacia), em que o secretário reforça a sua constelação de
recursos “políticos”; d) distribuição – por uma transformação dos problemas “económicos”, onde a
função doméstica da “oiconomia” e a atribuição de «mercês» vão perder o seu carácter «particular»,
processo em que os «secretários de estado» procuram que o «estado do rei» ocupe todo o espaço da
«República», isolando as decisões do “cérebro” como garante do bem comum do “corpo”,
associando a “economia da graça” ao «governo» do reino.
Tal como Rodrigues Lobo anotou na sua obra Corte na Aldeia, escrever não era outra
coisa que suprir com um instrumento, por meio da arte e das mãos, o que com a voz se não
podia exprimir, alcançando dimensões (no tempo e no espaço) que a voz não podia alcançar956.
Desta forma, entre os factores que caracterizaram a formação do «poder» nos reinos e
monarquias da época moderna, para além dos processos estruturalmente enraizados na formação
do que viria a ser o “estado”, hoje bem descritos por uma extensa bibliografia – tanto no que
toca ao monopólio da violência coerciva, como na formação de equipamentos político-
administrativos –, talvez não tenha ainda sido chamada a devida atenção para a monopolização
da “escrita”. Por outras palavras, é necessário sublinhar o valor da “escrita” e da normativização
do discurso através do registo, no estabelecimento da ordem proto-estadual – o controlo das
identidades e a distribuição dos recursos. Na linha do que afirmou António Hespanha,
chamando a atenção para a ‘civilização da carta bolata’, a multiplicação de «papéis» manuscritos
correspondeu ao triunfo de um função político-social – os «secretários do rei» – cujo raio de
acção, até bem entrado o século XVIII, foi atingindo segmentos cada vez mais alargados.
Seria essencial empreender uma verdadeira avaliação do circuito dos «papéis» na sua
relação com a construção do poder das secretarias de estado. No entanto, essa análise apenas
956 Francisco Rodrigues LOBO, Corte na Aldeia, Ulisseia, s/d, pp. 87-117.
221
seria possível se os Arquivos das secretarias tivessem chegado intactos até nós957. Como tal não
se verificou – tendo desaparecido, decerto, grande parte da documentação no terramoto de 1755
– resta elencar os tipos de documentos em circulação procurando decifrar esta materialização
escrita do poder, verificando com que grau de dominação o secretário de estado interferiu na
construção dessa linguagem. Note-se que a apresentação das normas utilizadas pela Coroa e
Tribunais do reino, entre o final do século XVI e o início do século XVIII, corresponde a uma
malha, cumulativa, onde se entrecruzavam diferentes sedes de poder. Assim, o elenco que se
segue pretende mapear o controlo normativo detido pela secretaria de estado.
Ao longo do século XVII, as «Cartas de Lei» foram sendo aplicadas aos «negócios
públicos» com registo solene do nome próprio do rei, vigorando perpetuamente até revogação
explícita. O rei podia também expressar uma norma através de «Cartas» – tendo a mesma
“força” das «Cartas de Lei» – que funcionavam como providências temporárias cujo efeito devia
durar mais de um ano, devendo a assinatura estar confinada ao artigo «o Rei», «a Rainha», ou «o
Príncipe, El Rei». Qualquer destes documentos, pelo menos depois de 1643, podia formalmente
ser expedido pela Secretario de Estado, não sendo obrigatória a passagem pela Chancelaria959.
Quanto à publicação das «Leis», tendo o mesmo objecto da «Carta de Lei» ficou
estabelecido em 1521, com as Ordenações Manuelinas, alguma formalidade na sua produção
957 Não existem informações seguras quanto às colecções que constituíam o Arquivo da Secretaria de Estado. Uma
parte considerável dos «papéis» da Secretaria de Estado devem actualmente constar do fundo Reino do Arquivo
Histórico Ultramarino, sendo que os códices manuscritos da Biblioteca da Ajuda terão também, decerto, uma
considerável parte da Secretaria de Estado seiscentista. No IAN/TT, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o
Ministério do Reino guardam importantes volumes de correspondência dos «secretários de estado». Ver para o caso
da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, com considerações de ordem mais genérica, Luiz Teixeira de SAMPAYO,
O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Subsídios para o Estudo da Diplomacia Portuguesa, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Coimbra, 1925.
958 Sobre as tipologias documentais, José Sintra MARTINHEIRA, «Principais tipologias diplomáticas da
Administração central de Antigo Regime», Catálogo dos Códices do Conselho Ultramarino relativos ao Brasil existentes no
Arquivo Histórico Ultramarino, FCG, Rio de Janeiro, 2001, pp. 32 e ss.; Nuno Espinosa da SILVA, História do Direito
Português, Fontes de Direito, FCG, Lisboa, 2000, pp. 315-319; sendo a melhor a de Josemar de MELO, A Secretaria de
Governo da Capitania de Pernambuco…, pp. 144-147. Em todo o caso, estes textos reproduzem, quase integralmente,
duas outras listagens publicadas no século XIX, Francisco Coelho de Sousa SAMPAIO, «Prelecções de direito
pátrio, público e particular...», (1794), Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime, António M. Hespanha (ed.), FCG,
Lisboa, 1984, pp. 408-413 e Domingos Alvares Branco Muniz BARRETO, Indice Militar de Todas as Leis, Alvarás,
Cartas Régias, Decretos, Resoluções, Estatutos, e Editais, Promulgados desde o ano de 1752, até o anno de 1810, com as curiosas
declarações da maior parte das Ordens, Cartas Regias, e Provisões, expedidas, particularmente para o Brasil, desde o ano de 1616 em
diante, Impressão Régia, Rio de Janeiro, 1812, p. 300 e ss., sendo ainda de grande utilidade os comentários de M.A.
Coelho da ROCHA, Instituições de Direito Civil Portuguez, t. I, (8ª edição), Lisboa, 1917, pp. 16-19.
959 M.A. Coelho da ROCHA, Instituições de Direito Civil Portuguez..., p. 17.
222
(circunscrevendo-se o tempo de entrada em vigor da norma – oito dias para a Corte e três meses
para o resto do reino)960. A autenticação da «Lei» fazia-se através da Chancelaria, condição
obrigatória de validação estabelecida desde D. João III em 1534 e ampliada nas Ordenações
Filipinas961. As leis podiam também ser assinadas pelos secretário de estado quando expedida pela
secretaria de estado962.
Numa dimensão mais circunstancial, com menor dignidade, embora a fluidez fosse
muito acentuada, surgiam os «Alvarás», aplicando-se sobretudo a duas situações: indicação para
o registo de mercê, vigorando durante um ano a aplicação do benefício963; ou funcionando como
«Lei» – tendo a mesma autoridade desse formato – mas aplicando-se apenas durante um ano. A
prática das secretarias não seguia este escrúpulo temporal, podendo encontrar-se «Alvarás» que
vigoravam mais de um ano, de acordo com a fórmula extraordinária « e este Me praz, que valha
como Carta de Lei, posto que seu efeito haja de durar mais de um ano, sem embargo das
Ordenações ». Os «Alvarás» deviam ser validados pela Chancelaria embora, também aí, a prática
corrente contornasse esta imposição964. Tal como as «Cartas de Lei» e as «Leis também», também
os «Alvarás» foram ao longo do século XVII produzidos através da secretaria de estado.
No que diz respeito à «Carta Régia» pode dizer-se que, desde 1640-1642, o nível de
interferência da secretaria de estado era considerável. Dada a antiguidade da sua produção no
reino, não se aplicava a necessidade de «Consulta». Eram expedidas pelo rei, autorizadas com
assinatura, declarando a sua vontade e, por isso, aplicando-se mais livremente a actos
voluntaristas de «governo». Expedidas com um «Aviso», e assinadas pelo artigo «Rei», «Rainha»
ou «Príncipe», as «Cartas Régias» serviam os interesses dos secretários de estado pois, ao
inscreverem-se numa decisão do rei – ou do seu grupo de decisão –, eram frequentemente
utilizadas para contornar as «Consultas» dos tribunais quando eventualmente apontavam num
sentido contrário à vontade da secretaria. Além disso, o facto de se inscrever no protocolo inicial
o destinatário da norma garantia uma maior objectividade do poder.
960 João José Alves DIAS, «A comunicação entre o poder central e o poder local, a difusão de uma lei em 1532»,
existir Presidente do Tribunal deviam assinar dois ministros desse orgão. Os ministros e presidentes dos Tribunais
punham o visto, ou assinavam o seu nome, logo acima da subscrição da Carta, abaixo do local onde devia assinar o
soberano.
963 OF, Liv. II, Tit. XL. Utilização muito antiga, pelo menos desde as Cortes de 1371, daí as inúmeras cartas de
ofício designadas por Alvará, Henrique G. BARROS, História da Administração Pública em Portugal..., t. I, p. 137.
964 Declarando-se no documento que valesse como se tivesse passado pela Chancelaria.
223
A «Provisão» era utilizada para materializar ordens do rei provendo algo em sentido
restrito. Podia resultar da expressa autoridade do rei, na sequência de «Consulta» que subia à
Câmara régia965, ou ser concedida em jurisdição própria a um Tribunal do reino. De uma forma
geral destinava-se a ordens expedidas pelos Tribunais ou Conselhos conferindo mercês, cargos,
dignidades ou ofícios, ou mesmo expedição de instruções ou autorizações para o exercício de
uma “profissão”966. Principiando pelo nome do rei, como as «Cartas», tinham assinatura régia,
beneficiando de toda a autoridade nas matérias próprias da competência dos Tribunais, servindo
de decisão aos requerimentos que fizessem as «partes». As «Provisões» não eram propriamente
normativas, aspecto que competia ao «Príncipe», mas participavam as normas produzidas pelo
rei (assinadas pelos Conselheiros do Tribunal onde eram expedidas). Não podiam derrogar
«Leis», mas apenas dispensar das mesmas, contudo, de forma casuística ou conjuntural. Na
sequência de recursos normativos mais circunstanciais – como «Decretos» e «Resoluções»,
instrumentos que veremos em seguida – podiam também ser expedidas «Provisões» no sentido
de alagar o conhecimento a todo o reino. Porém, também neste caso a «Provisão» não substituía
esses produtos, remetendo-se sempre para o «Decreto» ou «Resolução» a que se referia. Na
verdade, as «Provisões» actuavam no sentido de generalizar ou acentuar um acto de poder, sem
necessidade de repetição do processo de elaboração967. No âmbito da actuação da secretaria de
estado, a utilização de «Provisões» aumentará significativamente podendo aplicar-se à
recuperação de «Ordens régias» já produzidas, mas necessárias à estratégia do «gabinete do rei».
Era este o conjunto de normas mais utilizado na expressão do poder régio, até meados
do século XVII968. Como vimos, os «secretários de estado» beneficiavam de alguma capacidade
de interferência na sua elaboração. Se é certo que no caso das «Provisões» os Tribunais e
Conselhos beneficiavam de larga autonomia nos actos do poder, também a secretaria de estado –
confirmando-se a partir de 1643 como um órgão da Coroa – podia chamar a si essa prerrogativa.
Em todo o caso, é sabido que a utilização destes recursos impunha uma prática jurisdicional que
965 OF, Liv. 1, Tit. III, nº 8 e «Regimento do Desembargo do Paço de 1582», nº XXII.
966 OF, Liv. II, Tit. XLIII e Liv. V. Tit. XI.
967 Segundo Bluteau, «Provisão» era uma «Patente, Alvará ou Título, com que alguém era provido em algum
benefício, ou ofício (...)». O desembargador do Paço dispensava em nome do rei, através de «Provisão», algumas leis.
Os Tribunais (seculares ou eclesiásticos) podiam também passar «Provisões» em comum entende-se por nomeação,
eleição, presentação, confirmação, instituição e colação de um benefício», Rafael BLUTEAU, Dicionário..., vol. VI, p.
808. Josemar H. de MELO, A Secretaria de Governo da Capitania de Pernambuco…, p. 192, recorda que as «Provisões»
também podiam ser passadas pelos governadores das capitanias.
968 A um nível um pouco mais «neutro» do ponto de vista da ordem, mas não do seu processo de decisão, a «Carta
Patente» divulgava a concessão de títulos, postos militares, podendo também ser assinadas pelo secretário de estado.
Tanto as «Pragmática», reformando abusos, sobretudo em torno de vestidos, luto, funerais, cerimonias, carruagens,
como os «Estatutos», regulando corporações podiam também ser recursos utilizados pela secretaria de estado, desde
que assinados pelo rei.
224
pressupunha inúmeras dificuldades, a começar pelo respeito dos «estilos» institucionais da
própria Coroa. Sobre isto António Hespanha dedicou elucidativas páginas, não restando grande
dúvida sobre os condicionamentos sofridos pelo rei e o seu círculo em muitos destes actos de
poder969.
Num nível ainda mais autónomo, os «Avisos» ou «Cartas dos Secretários», generalizados
na segunda metade do século XVII, constituíam ordens expedidas pelos «secretários de estado»,
Ultramarino em matéria de mercês de Bispados das conquistas, depois de consultadas as matérias, davam origem a
«Portarias» que o presidente assinava. Do presidente seguiam para o «secretário de estado» para aí se passarem as
cartas de apresentação.
225
em nome do soberano, directamente ao presidente de Tribunais ou aos Conselheiros de um
Tribunal, ou mesmo a qualquer magistrado, corporação ou particular, pelo qual se ordenava a
execução das reais ordens. A dificuldade em lidar com esta “novidade” era tal que os «Avisos»
das secretarias de estado sofreram ao longo do século XVII, e até bem entrado o século XVIII, a
forte oposição de juristas como Manuel Álvares Pegas ou Ribeiro Sanches. Estes esforçavam-se
por qualificar o «Avisos» como simples «Mandados» sem força de «Lei». O facto de a assinatura
do rei não constar dos «Avisos» abria lugar a esta severa oposição972. Porém, a situação era
contraditória uma vez que os «Avisos» das secretarias de estado eram em muitos casos
considerados ordens do rei, mesmo quando não continham assinatura régia (reconhecimento de
juramento de Cortes, ordem de serviço aos conselheiros de estado, convocatórias de pessoas
com voto em Cortes, confirmação de serviço ao presidente do Senado da Câmara de Lisboa).
Daí que em diversas ocasiões, os «Avisos» fossem utilizados para estabelecer novas disposições e
até derrogar leis973. Se é verdade que estas práticas eram consideradas pelos juristas um «abuso» –
invocando-se contra os «Avisos» as mesmas limitações aplicadas às «Portarias» – a abundante
documentação produzida pelas secretarias de estado e pelas secretarias dos conselhos confirmam
o poder crescente dos «Avisos» ao longo da segunda metade do século XVII974.
No que diz respeito à hierarquização dos oficiais régios, surge uma outra categoria
normativa, os «Ofícios», usados para correspondência dos assuntos correntes entre o oficialato.
Respondeu a uma necessidade de expedição ágil, sem um grande formalismo processual,
permitindo a rápida comunicação interna entre oficiais do rei. Em forma de coluna vertical tinha
uma margem para anotação e desdobrava-se em quatro, sendo ainda lacrado. Permitia que os
oficiais fossem organizando registos actualizados da vida interna das secretarias – instrumento
muito útil aos secretários na consulta dos actos de «governo». Era utilizado recorrentemente na
comunicação entre as secretarias dos conselhos, requerendo documentos e sendo entregue em
mão por um oficial ou através de correio975. Também os «Requerimentos» e «Representações»,
podiam ser usados pelos «secretários de estado» para exercer pressão sobre Tribunais e
Conselhos, ou na solicitação de documentação, ou dando seguimento a pedidos de mercês. Os
972 BNL, FG, Discursos Vários Jurídicos, António Ribeiro dos Santos, cod. 4677, «Se os Reaes Avisos das Secretarias
Podem ter Força de Lei», fls. 240-244. O texto de Ribeiro dos Santos advoga a impossibilidade dos «Avisos»
valerem como força de lei o que demonstra que esta era uma questão quente até finais do século XVIII.
973 M. A. Coelho da ROCHA, Instituições de Direito Civil Portuguez..., p. 18.
974 Depois de criado o Conselho de Guerra, os seus conselheiros não «tiravam Carta ou Patente do lugar», mas
apenas exercitavam o ofício pelo «Aviso» expedido pelo «secretário de estado», António Caetano de SOUSA,
HGCRP, vol. VII, p. 108. Sobre a validade jurisdicional dos «Avisos», «Carta Régia de 23 de Junho de 1649»; «Aviso
de 25 de janeiro de 1706»; «Decreto de 12 de março de 1706»; «Decreto de 4 de Abril de 1735».
975 Sobre a evolução em Castela, Pedro Luis LORENZO CADARSO, «La correspondencia administrativa en el
226
«Ofícios», mais genericamente utilizados por todos os secretários das instituições da Coroa, mas
sem o carácter solene dos «Avisos», ou dos «Mandados», podiam também recuperar ordens,
constantes de «Portarias» e «Avisos» dos «secretários de estado» ou mesmo «Escritos» dos
secretários dos Tribunais ou Conselhos976.
Num nível semelhante de autonomia, a «Ordem Régia», era expedida sobretudo para
colmatar imperfeições ou resistências na aplicação de decisões do rei. Daí que surja muitas vezes
promovida pelos «secretários de estado», ministros com influência no despacho, ou mesmo por
um tribunal, no sentido de voltar a orientar uma decisão para um destino específico979.
976 José Sintra MARTINHEIRA, «Principais tipologias diplomáticas da Administração central…», pp. 32 e ss.
977 Visconde de SANTARÉM, Memórias..., p. 36.
978 Para simplificação documental das «cédulas» e dos «albalaes» surge o «Real Decreto», Pedro Luis LORENZO
dentro do âmbito da expedição de documentos que contornavam os processos administrativos com fácil expedição,
pretendia transmitir directamente uma ordem do monarca a quem a deveria executar.
227
«Regimento» do Conde Basto de 1663 já recomendava que os secretários pressionassem os
conselheiros a elaborar «Pareceres», no processo de «Consulta», que produzissem resultados
unívocos, o que aponta para uma circunscrição da autonomia das próprias «Consultas» como
expressão do ponto de vista de todas as «partes»980. Neste sentido, quando o Tribunal não
produzia «Parecer», ou este se arrastava, poderiam ser produzidas «Resoluções» dadas como
«Despachos» ou «Portarias» assinados pelos secretários de estado981.
Resta sublinhar o efeito paradoxal dos «Regimentos» no que toca à relação com a
secretaria de estado. O «Regimento» circunscrevia, de modo geral, o «governo» de uma sede
institucional, uma «direcção» do poder982, sendo, assim, a norma que enquadrava as obrigações
dos Tribunais, da Casa Real, dos magistrados ou dos oficiais régios983. Conforme a sua
elaboração, podiam conferir mais ou menos poderes de actuação às instituições da Coroa.
Sabemos que em diversas ocasiões (v. III, IV) os «secretários de estado» coordenaram a
elaboração destes «Regimentos», o que lhe conferia o poder de moldar a actuação dos Tribunais
ou dos ofícios negociando, eventualmente, a forma do articulado jurídico e afectando o controlo
da “burocracia” da instituição criada à secretaria de estado984.
revendo o estilo das «Resoluções» sobre os pedidos dos vassalos, as diversas ordens, a ponderação do material
normativo – «Leis», «Decretos» – de modo a gerar decisões mais “blindadas”.
985 Armando L. C. HOMEM, «Subsídios para o estudo da administração....», pp. 50 e ss.
228
Na verdade, esta memória – os «estilos» dos Tribunais – colocou uma cunha entre a
vontade do rei e dos seus ministros da escrita e o produto final do «despacho», gerando uma
memória “burocrática” das decisões, organizada em torno das «Consultas» do tribunais, memória
que passaria a constituir uma dogmática prática dos direitos reais, rapidamente invocada como
instrumento de oposição à vontade do rei986. Daí que, segundo D. Francisco Manuel de Melo, na
Corte dos Áustrias, o rei teria tentado dominar os Tribunais precisamente através da substituição
das «Consultas» pelos votos em «papéis secretos e avulsos» manipulados pelos secretários e
validos, não se registando a processo de decisão987. Por outro lado, António Hespanha salientou
que a produção deste saber, expresso nas «Consultas» deve alertar-nos para não confundir a
“política” da Coroa – da Corte – com a “política do rei”988. No entanto, assim como no conjunto
das instituições da Coroa, os interesses dos «secretários de estado» nem sempre eram
coincidentes com o Conselho de Estado, ou outros Conselhos e Tribunais, assim também nestes
mesmos Conselhos, nem sempre os interesses dos presidentes e conselheiros eram coincidentes
com os interesses dos secretários e escrivães989. Podia mesmo tecer-se em volta do «secretário de
estado» uma rede abrangendo secretários e escrivães de outros Tribunais, o que dotava os
redactores das «Consultas» de uma capacidade para neutralizar a oposição dentro dos conselhos.
Precisamente por isso, o significado “político” das «Consultas» é ambíguo, sendo mais
um instrumento dependente de outras relações de força – a própria legitimidade da decisão
assente nas relações conflituais da Corte – do que um entrave permanente ao poder do rei. Esta
memória das «Consultas», sintetizadas em «ementa» ou «rol», serviam em primeiro lugar os
interesses dos escrivães e secretários dos Tribunais e Conselhos, que as seleccionavam conforme
o interesse. Vejam-se os «Avisos» expedidos pela secretaria de estado sobre a forma e regras das
«Consultas dos Tribunais»990.
Além disso, deve ter-se em conta o facto da «Consulta» poder ser solicitada por «Aviso»
do «secretário de estado», oferecendo-se a possibilidade de condicionar a perspectiva sobre a
986 Ver António manuel HESPANHA, História das Instituições…, pp. 351-356 com dois organigramas do despacho
oficiais régios do mundo da escrita: António Correia, oficial da Secretaria de Estado, Pantaleão Figueira, escrivão do
Cível do Porto e depois escrivão da Chancelaria da Corte, Luís Pereira de Barros, contador da Fazenda, Gastão de
Melo de MATOS, Panfletos do século XVII, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1946, pp. 21 e ss. Acerca da
relação entre o «secretário de estado» e o controlo de oficiais, secretários e escrivães das instituições da coroa,
detentores da memória da ordem, «titularidade da terra, genealogia das famílias, dos direitos do rei e das liberdades
das terras», António M. HESPANHA, As Vésperas…, p 522.
990 «Aviso de 17 de Janeiro de 1635».
229
matéria a consultar. Pelo menos a partir de D. Manuel I, deviam constar também os nomes dos
conselheiros que emitissem parecer diferente ao sentido geral do Conselho ou Tribunal – o que é
bastante revelador quando às limitações da «Consulta» como instrumento de oposição ao rei.
Podiam constar ainda os «Pareceres» dos procuradores da Coroa e/ou da Fazenda – consoante a
matéria – podendo, a partir de meados do século XVII, serem solicitados os «Pareceres» de
outros ministros – aspecto que iria constituir outro expediente para contrariar o sentido de voto
dos Conselhos.
991OM, Liv. V, Tit. LVIII, nº 1, Henrique G. BARROS, História da Administração Pública em Portugal..., t. I, p. 137.
992HESPANHA, As Vésperas..., pp 498-522. Também aqui convém sublinhar que, no final do século XVII, também
as Secretarias de Estado produziam «Assentos», BA, 51 – VII – 46, «Assento da Secretaria de Estado sobre não ser
conveniente que o Visitador Apostólico (Patriarca de Antioquia), que vai à China, passe aqueles domínios de S.M.
sem mostrar ao dito Senhor os poderes que leva, Lisboa, 24 de Março, 1702», pp. 460-463.
230
justificação do pedido993. Recordemos que Francisco de Lucena foi neutralizado com petições
apresentadas em Cortes. Também o «Memorial» podia ser utilizado para oposição à “política” do
rei, sugerindo alternativas às decisões. Baseava-se numa finalidade informativa apresentada pelas
«partes» – inspirando-se tanto em formas epistolares, em práticas literárias como em argumentos
político-jurídicos, escolásticos, retóricos ou mesmo teológicos. O carácter pouco técnico levou a
que os «Memoriais» fossem utilizados por Vice-reis, Governadores, Ministros, adaptando-os
com formas mais afectivas bebidas na epistolografia clássica994.
Se esboçamos este panorama geral sobre os recursos normativos é porque ele permite
perspectivar o problema do poder das secretarias de estado em duas direcções: em primeiro
lugar, a generalização do formalismo e hermetismo do «governo» ou a constituição da memória
burocrática dos Tribunais, ainda que reforçasse a identidade desses órgãos diante do rei, não
torna unívoco a oposição à política régia. Por outras palavras, importa dizer que o grupo dos
«letrados», composto por indivíduos de variada proveniência – conselheiros, escrivães,
secretários, desembargadores, procuradores – não constituía uma classe homogénea. Neste
sentido, o elenco dos recursos normativos constitui-se como uma paleta de recursos que podia
ou não ser utilizada de acordo com relações de força, concretizadas por outros instrumentos
(ligações pessoais, capacidade de distribuir recursos, capacidade de decisão). Neste caso, apenas
o confronto desta descrição, quer com os níveis de utilização dos recursos normativos pelos
«secretários de estado», quer com a avaliação do seu efeito na dominação dos poderes
concorrentes, pode descrever a eficácia ou ineficácia das oposições dos Conselhos e Tribunais a
um poder centrípeto no espaço da Corte.
993Em Castela chegou a distinguir-se entre «Petición» (quando o peticionário ou solicitante pede, invocando uma lei
do reino); «Súplica» (quando é apenas um pedido genérico); «Memorial» (quando o pedido surge longamente
justificado por uma argumentação), Pedro Luis LORENZO CADARSO, «La correspondencia administrativa en el
Estado…», pp. 21 e ss. Veja-se ainda Juan M. CARRETERO ZAMORA, «Algunas consideraciones sobre las Actas
de las Cortes en el reinado de los Reyes Católicos, Actas de las Cortes de Madrid de 1510», Cuadernos de História
Moderna, nº 12, 1991, pp. 13-45.
994 Pedro Luis LORENZO CADARSO, « La correspondencia administrativa en el Estado…», pp.27-28.
231
A título de exemplo veja-se a sintomática leitura de Pedro Álvares Pereira, secretário do
Conselho de Portugal quando explicava, em 1600, que o avolumar do «despacho», se devia ao
facto de o duque de Lerma, por desconfiança, entregar todos os «papéis» ao «secretário de
estado», Pedro Franqueza995. O controlo dos «papéis» assumia contornos bem definidos quando
os próprios «papéis» dos Conselhos eram retidos pelos «secretários de estado», ou numa
demonstração de força, fazendo lembrar a sua importância no processo da decisão, ou para se
inteirarem acerca de assuntos que, com a devida utilização, poderiam guindá-los a posições de
extrema relevância, como eram por exemplo as propostas de variação da moeda, as mudanças de
tributos, as listas de nomes para mercês régias ou o estabelecimento de precedências996. Em todo
o caso, a prova da relatividade dos recursos normativos - dependentes de outros poderes,
equacionados em seguida - faz-se, por exemplo, através da voracidade dos enviados das Cortes
europeias em interceptar a correspondência informal dos «secretário de estado» em Lisboa997.
Pelo que a correspondência entre o poder dos secretários sobre a informação, e a sua
efectividade jurídico-política, terá que ser avaliada, tanto pela sua quota parte de participação no
processo normativo de decisão, como pela capacidade de submeter os outros poderes
concorrentes no espaço da Corte.
Vimos como a manipulação normativa poderia gerar efeitos de dominação. Todavia, esse
processo não é legível historicamente se não for acompanhado pelo seu efeito colateral: a
avaliação da utilização desses recursos pela secretaria de estado. Ao controlar os significados da
escrita, o «secretário de estado» pretendeu excluir outros potenciais utilizadores, sobretudo os
mais directos concorrentes na expressão do poder régio (Conselhos e Tribunais da Corte). A
ascensão das secretarias passou por minar, na segunda metade do séc. XVII, as prerrogativas de
órgãos como o Conselho de Estado, o Conselho de Fazenda ou o Desembargo do Paço –
instituições que «dispensavam leis, fundavam estilos e assentos como norma jurídica equivalente
232
ao direito régio»998. Como é sabido, os Tribunais eram soberanos em grande parte das suas
apreciações, sofrendo apenas recurso através da súplica ao rei (onde ocorria nova intervenção do
tribunal). Mas também sabemos, depois da magistral análise de António Hespanha, que a
«impunidade dos conselhos e tribunais palatinos sofria, pelo menos desde 1641, tentativas de
limitação»999, além de que os respectivos «Regimentos» dos Tribunais, vinham sendo, em muitas
ocasiões, redigidos e elaborados por «secretários de estado». Além de que está por provar que as
decisões dos Tribunais não pudessem ser contrariadas na secretaria de estado. Assim, não deve
esquecer-se que, nessa única apelação para o rei, também poderia emergir um secretário na
Câmara ou no Gabinete, influenciando as decisões sobre o recurso.
Estado, os escritos do juiz dos Feitos da Fazenda, Pedro Vieira da Silva, ao secretário do Conselho Ultramarino,
Marcos Rodrigues Tinoco, um antigo oficial da Secretaria de Estado. O filho de Pedro Vieira da Silva, depois
«secretário das mercês e expediente», manteria boa correspondência com o secretário do Conselho Ultramarino. Um
aviso de 1656 confirma isso mesmo, AHU, Reino, cx. 11-A, pasta 29.
233
maior» podia, pontualmente, aceder aos «papéis», por exemplo em «matéria de cifras». Tanto as
Ordenações Filipinas, como diferente legislação extravagante recomendou crescentemente um
controlo sobre os «papéis» entregues pelos escrivães nas secretarias1002. Quanto à relação entre a
secretaria de estado e as restantes instâncias de despacho do Coroa verificou-se uma tendência
de controlo sobre a circulação de «papéis» e delimitação de competências em «matérias públicas».
Por outro lado, foi sendo garantido pelos secretários que os oficiais da «secretaria de estado»
seriam de extrema confiança, sendo impossível interceptar informações, tal como era habitual
com outro tipo de instituições1003. Isto comprova o carácter diferenciado da secretaria de estado,
crescentemente mais funcionalizada e hierarquizada que os Conselhos.
234
severidade aos conselheiros de estado ordens do vice-rei1006. Segundo o «Regimento» do
Conselho de Estado de 1645, quando as matérias subiam para apreciação à «Câmara régia», era
executado assento num «Livro da Secretaria do Conselho de Estado». Assim, o secretário de
estado podia adequar a transmissão das informações do Conselho de Estado à sua estratégia1007.
No reinado de D. João IV, Francisco de Lucena desempenhava uma dimensão fulcral na
coordenação entre o Conselho de Estado e o Conselho Privado do rei, devido ao controlo da
“burocracia” central1008.
1006 AHU, Reino, cx. 6. pasta 5, «Carta» a D. Estevão de Faro, sobre a má qualidade dos biscoitos que tinham sido
adquiridos para a alimentação nas naus
1007 «Reg. do Conselho de Estado de 1645».
1008 Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 134.
1009 Theodosio de SANTA MARTHA, Elogio Historico da Illustrissima, E Excellentissima Casa de Cantanhede Marialva,
Chefe dos esclarecidos Menezes, e Telles..., Manoel Soares Vivas, Lisboa, 1751, p. 469.
1010 Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, p. 118.
1011 O marquês de Fronteira, o conde de Vilar Maior e o duque do Cadaval, Ângela Barreto XAVIER & Pedro
235
Num nível fundamental de oposição, pela tradição de embargos aos actos do poder
régio, deve ser equacionada a Chancelaria.
1014 As «Cartas» e «Alvarás» que não passassem pela Chancelaria não teriam efeitos “executivos”, sendo estabelecidas
multas para os oficiais régios infractores (juízes, corregedores desembargadores, contadores, tesoureiros,
almoxarifes), OM, Liv. II, Tit. XX. Tantos as «Cartas» como os «Alvarás» deviam levar na subscrição toda a
substância do que neles se continha, declarando-se de nenhum efeito aqueles que não cumprissem este princípio,
OF, Liv. V, Tit. XX.
1015 OF, Liv.I, Tit. II, nº 3. Estando preso Tomás Fernandes na cadeia da Cidade de Évora e tendo-lhe sido
concedido perdão real do degredo de toda a vida para Angola, na sequência da morte de António Luís, foi travado o
perdão pelo chanceler-mor e pelo Desembargo do Paço com o argumento de que, segundo as Ordenações, apenas o
Desembargo do Paço podia decidir perdões
1016 «Carta Régia de 18 de Agosto de 1638».
1017 IAN/TT, Desembargo do Paço, Livro de Correspondência, (1636), Liv. 13, fl. 134.
1018 A «Carta Régia de 24 de Agosto de 1633» tinha esclarecido o assunto de forma defintiva. A «Provisão de 30 de
Novembro de 1607», onde se reforçara os embargos em Chancelaria tinha sido revogada pela «Ordem de 17 de
Novembro de 1618» e pelo «Novo Reg. do Conselho de Portugal de 1633». Claro que este emaranhado normativo
confirma que, em muitos casos, a questão se resolvia pelas relações de força no interior da corte, uma vez que a
profusão de normas servia para todos os sentidos da argumentação. Nesse aspecto, os secretários acumulavam
influências.
1019 «Carta Régia de 14 de Fevereiro de 1636».
236
Chancelaria que desse andamento ao processo com a maior brevidade1020. Mais uma vez, apesar
do fim trágico de Lucena, em 1643 foi confirmada a proibição de embargar as «Cartas de Lei» na
Chancelaria1021.
1020 BA, 51 – VI – 1, Papéis Vários, «Ofícios de Francisco de Lucena para o Chanceler-mor, Fernão de Cabral sobre a
moeda e suas respostas, 1642». Na sua «Carta» à Chancelaria constava a seguinte ordem: «Tenho entendido que o
Juiz dos Povos inadvertidamente embargou na Chancelaria a lei que mandei passar sobre se cunhar a moeda velha, e
da Chancelaria se remeteram os embargos ao Desembargo do Paço e porque a nenhuma pessoa nem Ministro e
muito menos ao Juiz do Povo he licito embargar as leis gerais a Mesa sem admitir os embargos faça tornar a
Chancelaria a ley para que se selle» fls. 105-110. O chanceler invocava precisamente a dogmática jurídica: a moeda
podia ‘fazer-se’ sem a autoridade do rei mas conferir-lhe valor apenas as Cortes o deveriam permitir, «V.Mag não
tem obrigação de defender o reino com o que não he justo», «Carta de 12 de Fevereiro de 1642». Assim era no
plano jurídico. Acontece que a decisão final de casos como este podia pender para um ou outro lado de acordo com
“expedientes” muito pouco, ou nada, jurídicos.
1021 «Regimento de 17 de Fevereiro de 1624» e «Decreto de 16 de Fevereiro de 1642».
1022 Sobre o Desembargo do Paço, «Reg. de 27 de Julho de 1582; «Carta Régia de 9 de Março de 1605»; «Carta Régia
237
parte, da jurisdição sobre a concessão de ofícios1025. Com D. João IV era comum decorrerem
reuniões entre os desembargadores do Paço, o rei tomando o secretário de estado grande parte
das decisões1026. Num conflito a propósito de uma lei sobre a alteração da moeda, a apreciação
pelos desembargadores do Paço sofreu a contestação do «secretário de estado», escrevendo este
uma violenta «Ordem Régia» obrigando a Mesa do Desembargo do Paço a fazer tornar à
Chancelaria a referida lei para aprovação1027.
O controlo sobre os «papéis» das conquistas, com especial destaque para a atribuição de
ofícios, constituiu o nervo da tensão entre as secretarias de estado e o Conselho Ultramarino1031.
Cumpre lembrar que a criação do Conselho, entre 1642 e 1643, respondeu a uma necessidade de
1025 IAN/TT, Desembargo do Paço, «Registo das consultas do Desembargo do Paço junto da Secretaria de Estado,
remetida aos secretários e aos escrivães da fazenda e câmara e que, daí em diante, os papéis destinados ao Conselho
da Índia fossem remetidos ao Conselho da Fazenda, à Mesa da Consciência e Ordens, e ao Desembargo do Paço.
238
organizar os «papéis» que corriam pelas secretarias de estado. Neste sentido, o Conselho
começou por pedir ao rei que ordenasse o envio de todos os «papéis relativos à Índia e às
conquistas presentes na secretaria das mercês e nos demais conselhos e tribunais». O rei acedeu e
ordenou à «secretaria de estado e mercês» que remetesse esses papéis1032. No entanto, a ambição
dos secretários de estado e das mercês sobre o “poder” do Conselho Ultramarino pode medir-se
pelos inúmeros problemas que logo foram colocados ao «despacho» das conquistas. Enquanto
os conselheiros ultramarinos reivindicavam a aplicação do «Regimento do Conselho das Índias
de 1604» onde se concedia a «Consulta» e «eleição» dos «cargos dos bispados e os lugares
eclesiásticos das conquistas»1033, o «Regimento» de 1643 dispunha que as mercês, depois de
consultadas pelo Conselho Ultramarino, e despachadas pelo rei, fossem remetidas ao secretário
das mercês para passar os despachos que emanassem das resoluções. Os conselheiros opunham-
se a partilhar o processo de decisão com o secretário das mercês ou o secretário de estado – cuja
interferência podia ser decisiva no momento em que o rei produzia a «Resolução» das
«Consultas». Não podendo contrariar esta tendência, os conselheiros enviaram para o rei duas
cópias do seu «Regimento» para que, colocadas essas cópias nas secretarias de estado e na
secretaria das mercês e expediente», estas secretarias não interferissem excessivamente na
circulação documental e agissem de acordo com o estipulado1034. Por outro lado, a secretaria de
estado procurava neutralizar o conselho e em 1645, um «Aviso» do secretário de estado, Pedro
Vieira da Silva, ao presidente do Conselho Ultramarino, ordenou que se remetesse à secretaria de
estado uma lista de pessoas subordinadas ao Conselho, bem como listas de todos os criados dos
conselheiros e mais pessoas que neles servissem1035.
O aumento dos oficiais em serviço foi seguido de perto pelo secretário de estado, que,
em 1646, escrevia ao secretário do Conselho Ultramarino comunicando a necessidade de copiar
«Consultas» e reenviá-las para a secretaria de estado1036. Assim, a rápida multiplicação do
expediente levou a que em 1657 fossem requisitados a D. João IV mais oficias para servirem na
secretaria do Conselho, processo sempre vigiado de perto pela secretaria de estado1037. Esta
prática manteve-se e foram vários os pedidos feitos pelos secretários de estado aos secretários do
oficias. Em 1734 foi solicitado um Porteiro que servisse também como guarda-livros reproduzindo a orgânica da
secretaria de estado, AHU, Conselho Ultramarino, cx. 2, doc. 220.
239
Conselho Ultramarino pedindo cópias de «Consultas»1038. Daí que se estreitassem as ligações
entre secretarias de forma a evitar a demora dos processos em consulta1039. A relação entre a
secretaria de estado e a secretaria do conselho ultramarino reforçou o peso de ambos os
secretários, secundarizando a posição dos conselheiros que viam muitas vezes as «Consultas»
serem seleccionadas segundo o interesse da secretaria de estado, impondo mesmo o circuito da
assinatura real, não permitindo a interferências dos conselheiros1040.
240
estado, sendo depois consultado o Conselho Ultramarino1048. A partir de 1683, data da coroação
de D. Pedro II, intensificou-se o controlo da secretaria de estado sobre todos os Conselhos e
Tribunais do reino1049, sendo que as «Consultas» mais relevantes das matérias ultramarinas como
avaliação de medidas de «governo» solicitadas pelos governadores eram remetidas para o
«secretário de estado»1050. Este correspondia-se intensamente com o presidente do Conselho
Ultramarino e coordenava a prioridade das «Consultas»1051. Daí que cerca de 1703 fossem
habituais os «Pareceres» do Conselho Ultramarino relembrando que inúmeras matérias já tinham
sido tratadas por «juntas na Secretaria de Estado» e fazendo notar que a informação
disponibilizada devia afectar a resolução1052. No âmbito das nomeações de ofícios de guerra, o
«secretário de estado» solicitava ao Conselho Ultramarino «Pareceres» sobre os processos de
avaliação dos candidatos, sendo que a confirmação formal se fazia pela secretaria de estado.
1048 Códice Costa Matoso, Luciano Figueiredo & Maria Verônica Campos (coord.), vol. 1, Fundação João Pinheiro,
Centro de Estudos Históricos e Culturais, Belo Horizonte, 1999, p. 331. O «Reg.» do ouvidor-geral do Rio de
Janeiro, lavrado no Conselho Ultramarino, em 1669, assumia já a estreita comunicação entre as Secretarias. O
aumento dos rendimentos do secretário do Conselho foi assegurado pelas propinas que as câmaras das comarcas de
todas as conquistas tinham que pagar, sendo compelidas ao efeito pelos ouvidores, AHU, Conselho Ultramarino, cx. 2,
doc. 195. Mesmo as correições e visitas, em caso de infracção, eram remetidas ao rei, pelo secretário do Conselho
Ultramarino. Sobre esta questão, ver a importante tese de licenciatura de Marília Nogueira dos SANTOS, Deste seu
servidor leal e dedicado : a correspondência de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral do Estado do Brasil
(1690-1694), UFF, Niterói, 2004.
1049 AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 86 e cx. 1, doc. 88.
1050 AHU, Rio de Janeiro, cx. 6, doc. 26
1051 AHU, Rio de Janeiro, cx. 6, doc. 27.
1052 AHU, Rio de Janeiro, cx. 7, doc. 75 e D. 780. Ver também AHU, Conselho Ultramarino, Consultas do Rio de
241
Continuando a descrever a “redução” de um conjunto de instituições, deve ter-se em
conta a relação atribulada da secretaria de estado com a Mesa da Consciência e Ordens durante a
integração na Monarquia Católica.
Um aspecto central desta avaliação sobre o fortalecimento dos actos de poder com sede
na secretaria de estado diz respeito aos magistrados.
Um primeiro exemplo diz respeito ao influente juiz dos feitos da Coroa da Casa da
Suplicação – curiosamente futuro secretário de estado – Pedro Vieira da Silva1061. Na década de
1056 «Carta Régia de 31 de Dezembro de 1603» e «Carta Régia de 3 de Outubro de 1610»; António M. HESPANHA,
As Vésperas..., pp. 251-252.
1057 «Carta Régia de 8 de Maio de 1637».
1058 «Carta Régia de 29 de Novembro de 1638».
1059 «Carta Régia de 14 de Outubro de 1639». Os escrivães da mesa tinham um mês para enviarem à Secretaria de
Historicas e Politicas, Eclesiasticas e Seculares do Reyno de Portugal, t. 1º compilado e escrito pela mão de D. Josefa Juliana
de Mendonça Monterroy e Mascarenhas, cod. 11365, fls. 60. Tendo que julgar se os bens que as Igrejas possuíam
com encargos de missa, denominados aniversários, se compreendiam debaixo das leis que proibiam as Igrejas de
possuírem fazendas de pais sem licença dos reis, Vieira da Silva julgou não estarem as Igrejas debaixo destas leis,
afirmando o mesmo quanto a processos específicos relativos a variadas igrejas, aprecidados em anexo.
242
1630, o Juiz produziu uma «Sentença» negando a incorporação de uma porção considerável de
rendimentos pela secretaria de estado. Os «secretários de estado», Diogo Soares e Miguel de
Vasconcelos, não permitiram a escrita e publicação da «Sentença» mandando que o Juiz e
adjuntos votassem novamente o caso. Repetindo-se a votação ordenaram que o Juiz escrevesse
um papel com os fundamentos das «Sentença» para se remeter a Madrid. Apesar dos magistrados
de Madrid terem corroborado a decisão do Juiz dos feitos da Coroa, na sequência do processo,
Vieira da Silva foi enviado para Castelo Branco por «despacho» do «secretário de estado.
1062 «Assento CXI de 11 de Agosto de 1663». «Resolução porque Sua Magestade sustenta a Relação na sua antiga, e
devida auctoridade, em virtude de huma proposta, com que a mesma Relação lhe representou as suas antigas
prerogativas, como Tribunal Supremo da Justiça I. de não receber avizos de Sua Magestade pelos Secretarios de
Estado, senão por Decreto: 2. de estar na posse de não ser chamada, mas honrada com a presença dos Reis, quando
elles hão por bem presidir na Relação ao Julgado de algum Feito, 11 de Agosto de 1663». Na sequência de OF. Liv.
I, Tit. I, nº 37 e 38.
1063 «Aponsentação de 6 de Fevereiro de 1666».
243
devia permitir o livre comércio do pão1064. No início do século XVIII verifica-se o aumento do
número de «Ordens» destinadas à Casa da Suplicação, como por exemplo as medidas acerca das
desordens na cidade de Lisboa, em que se ordenava ao conde regedor da Casa da Suplicação que
nomeasse ministros criminais1065. Assim, não obstante o prestígio dos juristas na circunscrição do
campo “político”, avaliando das prerrogativas ordinárias e extraordinárias do poder régio,
começa a verificar-se, entre o último quartel do século XVII e o início do século XVIII, o
aumento das situações em que a necessidade da intervenção, ainda que não justificada
dogmaticamente, potencia «Decretos», «Escritos» e «Avisos» dos «secretários de estado»
enquadrando a acção dos magistrados.
Num âmbito algo diferenciado, deve indicar-se a situação de ingerência dos «secretários
de estado» ao nível de instituições mais dificilmente disciplináveis pelo direito régio. Assim
passaremos em revista o caso da Inquisição, das Cortes e das Câmaras do reino.
1064 Tendo ambos a opinião que «os almocreves poderiam comprar pão para carregarem suas bestas e o levarem a
qualquer parte do reino» não devendo as câmaras impor necessidade de licenças. «Declarações que El-Rei Nosso
Senhor manda fazer a todos os Julgadores das Comarcas» de 11 de Agosto de 1695.
1065 EFO, X, 1ª parte, «Carta de Agosto de 1702 do secretario de estado José de Faria ao Presidente do senado da
camara», p. 131.
1066 Através de «Provisão» de ministro e secretário dos referidos negócios ao secretário de estado, IAN/TT, Conselho
tempo de D. João V, e um breve juizo crítico sobre os secretário de estado, Pedro da Motta e Silva, António
Guedes Pereira e Marco António de Azevedo Coutinho», Cv/ 1 – 7, fl. 114v-118.
244
Outro dos aspectos centrais no domínio das secretarias de estado prende-se com a
comunicação entre o rei e as câmaras do reino. Se pensarmos que nos núcleos urbanos o poder
da Coroa se efectivava de uma forma mais “macia” – sobretudo no plano ideológico – dada a
posse destas terras ser geralmente pertença da Coroa e não senhorial, veremos que as cidades,
por via de uma concepção «proto-racionalista, treinada nos métodos “burocráticos” e nos
processos quantitativos de avaliação» cederam mais rapidamente à capacidade de influência das
secretarias de estado, sobre a influência dos escrivães e das suas redes de influência1068. A imagem
“maquinal” do reino como “república das repúblicas” terá potenciado a intervenção dos
«secretários de estado» no controlo financeiro das câmaras, sensibilizando os concelhos para os
problemas gerais da Fazenda na sua articulação com a tributação1069.
Neste sentido, e sendo a análise aqui esboçada centrada na Corte, utilizaremos o Senado
da Câmara de Lisboa, até pelo seu carácter de cabeça da «República» – em crescendo desde 1630
– para perspectivar a influência da secretaria de estado no âmbito “cidade”. O Livro de reis – onde
se anotavam as mais significativas ordens – possui diversas normas onde se verificam acertos
sobre o modo de «governo» da cidade, ordenadas e assinadas pelos «secretários do rei», primeiro,
e, mais tarde, pelos «secretários de estado»1070.
secretário, e subscrita por Miguel de Moura, escrivão da puridade, pp 85-86. «Reg. dos Procuradores da Cidade, 10
de Outubro de 1592» e «Provisão contendo o Reg. dos Procuradores da Cidade» passada pelo escrivão (João de
Araújo) e subscrita pelo «escrivão da puridade», Miguel de Moura, onde evidentemente surgem as preocupações de
registo em Tombo, vigia da prestação de contas do tesoureiro da cidade, registo das rendas da cidade alugadas,
despacho das demandas e seu registo em livros, p. 89. «Reg. provisório da Câmara, Lisboa, 5 de Setembro de 1671»,
«Francisco Correia de Lacerda o fez escrever» onde se verifica (41 capítulos) um extenso controlo das acções da
câmara, p. 179.
245
como a ordem para devolução de «privilégios» – permitindo que os oficiais de Lisboa voltassem
a entender em matéria de Almotaçaria1076 – ou mesmo a extinção das Alfândegas dos «portos-
secos»1077. Em terceiro lugar, deve ainda considerar-se a produção dos «Alvarás» de nomeação
dos presidentes e vereadores do Senado1078, o consequente estabelecimento de mercês1079 ou de
indicações sobre medidas a tomar em desavenças1080. É certo que esta produção normativa se
enquadra no conjunto normativo da Coroa, não apontando para os clássicos instrumentos dos
secretários de estado com os «Decretos» e «Portarias». Em todo o caso, indicam o crescente
protagonismo dos escrivães, como redactores, e dos secretários, como oficiais que põem em
prática a decisão do rei, confirmando a cristalização da autoridade em torno da secretaria.
Na verdade, estes foram usando a sua influência para alcançar sucessivas «Sentenças»
contra o Senado, obrigando os oficiais da Câmara a pagar o valor de propinas,
1076 DAHCL, no seguimento de uma «Carta Régia de 30 de Julho de 1518», e «Carta de confirmação de 17 de
Dezembro de 1575» ordenado por Duarte Dias (secretário) e assinada por Martim Gonçalves da Câmara, p. 78.
1077 DAHCL, retira a «merce feita» em Tomar 1581, ao «levantar dos portos secos para que mercadorias e fazendas
não pagassem direitos» uma vez que desta merce feita à câmaras «resultava somente o proveyto particular... e não ao
geral dos povos..» resolvendo o rei «reduzir esta merçe a cousa de que todos recebessem benefficio...», «Carta Régia
6 de Outubro de 1590» e «Carta Régia de 12 de Outubro de 1590». É enviado o contador-mor dos contos do rei
para restabelecer os portos secos nas câmaras do reino. Documento assinado em Lisboa por Miguel de Moura,
secretário do Reino, p. 79.
1078 DAHCL, diversos «Alvarás» e «Provisões» de nomeação, assinadas por secretários, para provimento do
presidente do Senado da Câmara. A título de exemplo, «Alvará de nomeação, Lisboa, 22 de Junho de 1591»,
estabelecimento de um «presidente fidalgo» e «seis vereadores letrados», «secretário Lopo Soares fez escrever», p. 82.
1079 DAHCL, «Carta Régia de 24 de Julho de 1618», sobre certa prerrogativa do presidente da Câmara de Lisboa. O
presidente da Câmara, «consultado o Desembargo do Paço» recebe comunicação do rei podendo ter assento «nos
actos públicos» em almofada de veludo, sendo o assento dos vereadores apenas de couro, passada por Cristovão
Soares, p. 87.
1080 DAHCL, «Carta Régia» sobre as desavenças entre vereadores e oficiais da Câmara. Datada de Lisboa, 20 de
Março de 1602. No sentido de o presidente evitar desordens e ofensas, mandado calar vereadores e oficiais
(mandando-os «sair para casa») até resolução do vice-rei, «escrita por Luis Falcão e ordenada por Cristovão Soares»,
p. 124.
1081 O novo «secretário de estado», António de Sousa Macedo, recebia 96.000 rs de propina pelo trabalho dos
estender a propina.
246
independentemente de os secretários estarem ou não em serviço1083. A sua capacidade de
intervenção na Corte possibilitava exercer pressões no sentido de obter benefícios1084. Em 1668,
as intenções do Presidente do Senado da Câmara para receber o «ordenado, propinas e
emolumentos» do seu lugar de presidente da Câmara, apenas foram alcançadas pelo «secretário
de estado», Pedro Vieira da Silva, que moveu a sua influência para desbloquear a situação1085.
1083 Em 1670, o «secretário de estado», Francisco Correia de Lacerda, pressionava o senado para receber propinas da
câmara, obrigando a câmara a recorrer novamente ao rei para evitar pagamento a mais do que um secretário. Na
verdade, o bloqueio judicial podia também ser utilizado pelos secretários. Com efeito, conseguiram uma resposta
régia, de 16 de Julho de 1670, onde constava que matéria estava posta em «juízo» e determinada pelos «meios
ordinários». A 29 de Julho o senado envia uma réplica lembrando ao rei que Pedro Vieira da Silva já havia alcançado
uma sentença contra o senado, e que Sousa de Macedo em breve iria conseguir o mesmo, o que significa que o
senado teria de pagar quatro propinas em simultâneo, EFO, VII, 1ª parte, pp. 242-246.
1084 EFO VII, 1ª parte, p. 451. Em 1673 António de Sousa de Macedo enviou um papel à câmara de Lisboa
1703», p. 195.
1090 Pelo «Decreto de 7 de Junho de 1681», sendo que o porteiro do senado devia ir todos os dias a essas Secretarias
receber os maços que nelas lhe fossem entregues, EFO, VIII, 1ª parte, p. 421.
1091 EFO, X, 1ª parte, «Carta do secretário de estado Diogo de Mendonça Corte Real ao presidente do senado da
247
remetidas deviam ser entregues aos «secretarios de estado e mercês»1092. Pode opor-se a esta
argumentação a especificidade do Senado da Câmara de Lisboa. Porém, é esta mesma
superioridade – quer do ponto de vista da teoria prático-política, como cabeça da «República»,
quer no plano dos factos, pelo prestígio social do presidente e vereadores de Lisboa – que torna
surpreendente a enérgica intervenção da secretaria de estado.
Neste sentido, se pensarmos que a produção normativa em cortes foi sofrendo ao longo
do século XVII alguma erosão, perdendo para a intervenção do círculo restrito do rei, não é
difícil adivinhar aí a especialização do secretário de estado, assenhoreando-se da informação
248
sobre os pontos quentes na negociação e encontrando alternativas de comunicação entre os
«estados» e o poder régio1097.
1097 Sobre este assunto, Pedro CARDIM, «Entre o centro e as periferias, A assembleia de Cortes e a dinâmica
política da época moderna», Os Municípios no Portugal Moderno, Dos Forais Manuelinos às Reformas Liberais, Colibri,
Universidade de Évora, 2005, pp. 167-242.
1098 Francisco Trigozo MORATO, «Memória sobre os Secretários dos reis...», p. 30.
1099 Pedro CARDIM, «A diplomacia portuguesa no tempo de D. João III...», p. 636.
1100 BA, 51 – II – 14, «Regimento da Secretaria de Estado em que se contem o modo porque os Senhores Reys de
Portugal escrevem a seus vassallos, e aos Principes e outras pessoas de fora do Reyno, e o estilo porque se ão de
firmar, e fazer as Cartas na Secretaria p.ª el Rey assinar, Cartas da Infanta Clara Eugénia de 1570- 1637», fls 1-44v.
1101 IAN/TT, MNE, Secretaria de Estado, «Inventario dos livros cartas dos Principes e Ministros asistentes nas Cortes
Estrangeiras. Assentos do Concelho de Estado e de Juntas O qual se fes no anno de 1716», Liv 19. contendo uma
«Memoria das Cartas que se achão nesta Secretaria de Estado dos Embaixadores, Inviados, e Ministros que forão
mandados a Roma atrar dos negocios desta Coroa» do século XVII.
1102 BPE, cod. CVI / 2 – 8, fls. 206-208.
249
Pereira, José de Faria e Diogo de Mendonça Corte real foram enviados cuja experiência dos
assuntos externos potenciou muita da sua capacidade de intervenção nos «negócios públicos»1103.
Daí que a emergência da secretaria de estado como cabeça do poder passasse inevitavelmente
pela transformação da cultura política europeia e da própria sociedade de Corte, onde a
intervenção dos reinos europeus e o estabelecimento de alianças e parcialidades externas passou
a determinar o próprio jogo de poder em torno do rei e, consequentemente, a sorte e a fortuna
dos «ministros».
Convém recordar que a dimensão cerimonial passou para o «secretário de estado» com a
lenta absorção das funções do «escrivão da puridade», onde estava já compreendido um
significativo conjunto de prerrogativas nas cerimónias de corte1104. Este controlo desenvolveu-se
sobre duas sensíveis ocasiões da organização da sociedade de Corte, onde se jogava muito do
acesso à pessoa real: os momentos de consolidação dinástica por meio dos casamentos, e a
transmissão do poder, pela contratualização dos ritos de juramento. Como sabemos, controlar o
figurino do cerimonial era deter a chave do acesso ao poder. Convém recordar que a importância
de um saber especializado no cerimonial não se prende com uma mera questão de simbologia.
Passemos em revista alguns exemplos significativos. Na cerimónia de aclamação de D. Sebastião,
em Lisboa, na sala grande do Paço da Ribeira, vemos que toda a cuidadosa organização do
cerimonial, enquadrada por «Regimento» próprio, ficou a dever-se ao trabalho do secretário
Pedro de Alcáçova Carneiro1105. Da mesma forma foi este secretário quem leu solenemente,
perante o Conselho de Estado, os «apontamentos» de D. João III e o «Auto de aceitação,
ratificação e aprovação da curadoria, tutoria e governação de D. Catarina» facto que, segundo
1103 AGS, Estado, «Portugal, 1694», Leg. 4040. Sobre a secretaria da Embaixa de Portugal em Madrid, AGS, Estado,
«Portugal, 1686-1688», Leg. 4035.
1104 Ao longo do século XV, D. Diogo da Silva de Meneses, conde de Portalegre e «escrivão da puridade» entre
1495-1502, iria assumir a condução do cerimonial em diversos momentos relevantes: casamento de D. Manuel com
D. Isabel (1497), partida dos reis para Castela a fim de serem jurados príncipes (1498), nascimento de D. Miguel e
morte da Rainha (1498), morte do Príncipe D. Miguel (1500), nascimento do Príncipe D. João (1502), Conde de
TOVAR, «O Escrivão da Puridade», Estudos…, pp. 141-142.Bem entrado o século XVII, a memória da importância
do «escrivão da puridade» em matéria de festas cortesãs ainda se encontrava bem presente, IAN/TT, «Memória do
secretário de estado Pedro Vieira da Silva do que pertence ao ofício de Escrivão da Puridade», Manuscritos de S.
Vicente, vol. 43, fls. 43-51. Para uma boa síntese dos principais temas subjacentes à representação de corte,
cerimonial e conflitualidade, Diogo Ramada CURTO, A Capela Real, um espaço de conflitos, séculos XVI a XVII,
Separata da Revista da Faculdade de Letras, Linguas e Literaturas, anexo V, Espiritualidade e Corte em Portugal,
Porto, 1993, pp.144-154.
1105 Maria Augusta de Lima CRUZ, D. Sebastião…, p. 42.
250
Maria Augusta Cruz, terá permitido ao secretário adquirir uma dimensão crucial no equilíbrio de
poderes, representando a «vontade e tenção do monarca falecido»1106.
1106 Mais especificamente, o rei teria sugerido que o Cardeal D. Henrique coadjuvasse e servisse a rainha durante a
«regência» na menoridade de D. Sebastião. Este «acrescento» não estava contemplado nos apontamentos e por isso
o testemunho do secretário assumiu foros de legitimação “política”, dada a sua proximidade institucional junto do
monarca falecido, Maria Augusta de Lima CRUZ, D. Sebastião…, p. 40.
1107 IAN/TT, Corpo Cronológico, «Carta de 21 de Setembro de 1598 de Francisco de Távora, pedindo ao secretário de
estado Cristóvão Soares instruções nas ceremonias que devia fazer, assim pelo falecimento de El Rey, como pela
Acclamação do Principe», parte 1, mç. 120, nº 103.
1108 É como «secretário» que surge no «Auto das Cortes de Lisboa, congregadas no ano de 1579», J.L. PRAÇA,
Colleção de leis e Subsidios…, p. 148. Mandou o rei que o Secretário lesse o Juramento na forma declarada, «E lido o
juramento de verbo ad verbum em voz alta, e intellegivel, logo os ditos Estaos fizerão o Juramento...,»p. 150. Elenca
depois as testemunhas presentes, Chanceler-mor, Desembargadores do Paço, Chanceler da Casa da Suplicação,
Chanceler da Casa do Cível. Veja-se também «Auto e Juramento que fez o duque de Bragança a 4 de Junho de
1579», p. 154 e o «Assento e Auto de Juramento que fez o Senhor D. António 13 de Junho de 1579», p. 156. Ver
também António Caetano de SOUSA, Provas…, t. III, pp. 421-429.
1109 No «Auto do Levantamento e Juramento de D. Felipe I» são Lopo Soares e Valerio Lopes, que desempenham
as funções geralmente acopladas de «Escrivães da Camara e Notarios públicos», J.J.L. PRAÇA, Colleção de leis e
Subsidios…p. 177. São anexadas as «Provisões» em que são feitos notários públicos «Lopo Soares e Valério Lopes»,
«E mando que ao dito Acto e estormento que delle passar se dee tam interia fee e credito como por direito se deve
dar as escrituras feitas por Notarios publicos». Valia sem passar pela Chancelaria, J.J.L. PRAÇA, Colleção de leis e
Subsidios…, p. 191.
1110 Santiago LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal…, p. 283.
1111 Ângela Barreto XAVIER, «El Rei aonde póde…», p. 20.
251
no espaço privilegiado para a intimidade régia1112. Por outras palavras, todo o “comportamento
público do rei” foi sendo encerrado pela escrita do poder, segundo a especialização do
«secretário de estado». Deve aqui sublinhar-se que na “construção do estado”, a emergência da
secretaria de estado como face visível do poder, correspondeu a uma obnubilação da pessoa
régia, cada vez mais manietada por funções formais de representação1113.
Deve destacar-se neste processo o trabalho de Pedro Vieira da Silva. Com efeito, o
«secretário de estado» circunscreveu todos os momentos determinantes da Corte, «Regimento
para as exéquias do príncipe D. Teodósio» em 1653, «Memorias que pertencem ao Funeral do
Senhor Rey D. João 4º» em 16561114. Pode verificar-se a importância do controlo sobre estes
actos públicos pelo facto de na véspera e no dia do enterro de D. João IV só terem tido acesso à
Igreja as pessoas que constavam do «papel» redigido por Vieira da Silva1115. Deve sublinha-se que
estes momentos eram determinantes na relação de forças entre parcialidades, deixando o
secretário numa posição privilegiada1116. O «secretário de estado», orientou também o cerimonial
de levantamento e juramento de D. Afonso VI – dando indicações ao rei e a todos os presentes,
lendo em voz alta os termos do juramento recebendo, pela sua mão, o juramento de todos
dignatários, mesmo os Títulos do Reino – bem como o plano do seu funeral – escolha do
cortesão que teria a dignidade de pegar no caixão e todo o meticuloso procedimento com o
corpo do monarca defunto – tendo sido o novo Secretário de estado, Roque Monteiro de Paim,
1112 Ver a título de exemplo, IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Formulario dos Tratamentos que D. Afonso VI dava
os reis, Pirncipes, republicas e outras pessoas quando lhes escrevia na língua latina; e do modo como o conde de
Castelo Melhor, Escrivão da Puridade, e António de Sousa Macedo, Secretario de Estado, escreviam a diferentes
pessoas em Latim e Francês; o mesmo que faziam D. João IV e o Principe D. Pedro », vol. 22, fl. 278-299; BA, 51-
VI-21, «Práticas que o Secretário de estado fez em nome da rainha D. Luísa de Gusmão » fl. 16; BNL, Reservados,
« Instrução escrita em 1683 por Pedro Vieira da Silva para as cerimónias fúnebres de D. Afonso VI », cod. 675;
IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Apontamentos do que se devia fazer nas audiencias publicas, e secretas, e outras
declarações que S.M. pedia descrição », vol. 20, fls. 6-12.
1113 IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Forma que se observava no acompanhamento d'El Rei à Capela, assim nos dias
de semana, como nos Domingos, Festas e mais funcçoens publicas. E a que se guardava, quando El Rei comia em
publico (…). Apontamentos do que se devia fazer nas Audiencias Publicas e secretas...redigidas por Pedro Vieira da
Silva», vol. 20, fls. 1-6. O domínio do cerimonial passava também pela especialização diplomática - com experiência
de outras Cortes - donde a já comentada coincidência entre nomeação para a secretaria de estado e a experiência
como enviado, ACL, Manuscritos Azuis, «Cérémonial des secretaires et ambassadeurs de France en Espagne, 1660-
1671», nº 372.
1114 Onde anexou minutas de cartas para comunicar os eventos aos estados do reino títulos, bem como modelos de
comportamento dos Príncipes e Infantes, Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…,
vol. I, p. 524. Na verdade, o âmbito das minutas era muito alargado: conselheiros, conselheiros de guerra, câmaras,
Universidade de Coimbra, geral da Ordem de Cristo, priores-mores de Avis e Santiago, cidades e vilas com voto em
cortes, indicando qual o modelo para o comportamento do Príncipe e do Infante.
1115 Ângela Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI…, p. 65.
1116 BPE, «Memoria que na Secretaria d’Estado se avião de preceder os Condes aos filhos dos duques, ou estes aos
condes e prelados, principalemente aos filhos dos duques de Aveiro», cod. CV/1-17, fls. 340-344.
252
a coordenar as cerimónias1117. Especificava-se, neste tipo de documentos, o mais ínfimo
pormenor, tal como a cor das cadeiras dos duques e marqueses, ou a posição que o Conselho de
Guerra devia ter em relação aos títulos ou a outros órgãos relevantes da monarquia1118.
Como tem sido longamente estudado nos últimos anos, todo o dispositivo cénico
correspondia a um efectivo programa “político”, tanto pela descrição das soberanias (registo dos
reinos e das riquezas subjugadas) quer pela narrativa dos fundamentos do poder régio (escudos
dos tribunais, pinturas dos fidalgos e das figuras mais destacadas do clero numa posição de
reverência à Coroa)1129. Estas encenações do poder, rigorosamente desenhadas pelos «secretários
de estado», ficavam expostas durante muito tempo para que os vassalos apreendessem a
1117 IAN/TT, Miscelâneas Manuscritas, «Epitome Da Vida do Serenissimo Rey de Portugal o Snr. D. Afonso 6.
Escripto Em Lisboa no anno de 1684», nº 817, cap. 17.
1118 IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Memorias que pertencem ao Funeral do Senhor Rey D. João 4º por Pedro
Dezembro de 1706, Sobre o cerimonial da coroação de D. João V em Janeiro de 1707», pp. 339-342.
1121 AHU, Ultramar, cx. 1, doc. 87; EFO, VI, 1ª parte, p. 286.
1122 EFO, VI, 1ª parte, p. 439.
1123 EFO, VII, 1ª parte, p. 29.
1124 BNL, Fundo Geral, «Cortes que principiarão no 1º de Dezembro de 1697 de que foi secretario o conde de
palanque da Relação assistiu o Conde de Aveiras, sendo Regedor, e se pôs no dossel na ocasião dos Touros pelo
nascimento do Infante D. Pedro, Paço, 5 de Outubro de 1661», nº 40.
1127 EFO, VI, 1ª parte, pp. 598 e ss.
1128 Amgêla Barreto XAVIER & Pedro CARDIM, D. Afonso VI..., p. 280.
1129 IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Memorias que pertencem ao Funeral do Senhor Rey D. João 4º por Pedro
Vieira da Silva», fls. 27-29. Uma boa síntese do impacto “político” do cerimonial de corte na segunda metade do
século XVII, Pedro CARDIM, «O subtexto do cerimonial. A dimensão simbólica da solenidade cortesã no Portugal
do século XVII», Struggle for Synthesis, vol. II, IPPAR, Lisboa, 1999, pp. 345-368.
253
fundamentação imagética da majestade1130. Que era, em todo o caso, uma fundamentação,
mesmo que implícita, do poder do secretário de estado. Isto significava uma presença
fundamental na “memória política” dos vassalos, tanto pela intimidade taumatúrgica com os
detentores do poder, como pelo protagonismo desempenhado na economia do cerimonial
régio1131.
Desde cedo, o secretário beneficiou de uma certa preeminência, começando por merecer
o trato de «Snrª» desde pelo menos o final do século XV, no tempo em que a Casa de Bragança
estava separada da Coroa e merecia o mesmo tratamento do secretário do rei. Quando os
«Grandes» do reino passaram a ter o tratamento de «Excelência», o rei impôs a sua intenção de
que os secretários fossem com ela cortejados1134. Afinal, o serviço dos secretários ao conjunto
dos membros da família real reforçou ainda mais as suas possibilidades de dignificação1135.
1130 IAN/TT, Colecção de S. Vicente, «Memorias que pertencem ao Funeral do Senhor Rey D. João 4º por Pedro
tempo de D. João V, e um breve juizo crítico sobre os secretário de estado, Pedro da Motta e Silva, António
Guedes Pereira e Marco António de Azevedo Coutinho », CV / 1 – 7, fl. 114v. No século XVIII, «os secretários de
estado» iriam confrontar importantes aristocratas, como o duque de Cadaval, tratando-os por «Merce», o que
significava um insulto grave na etiqueta de corte.
1135 IAN/TT, Casa Real, «Papéis vários, registo de nomeações, Secretaria de Estado dos Negócios do Reino,
Ministério do Reino, Registo das cartas, alvarás, patentes e mercês », «1664-1766», Liv. 1129.
254
diante em que punhão os papeis E escreuião»1136. Mais tarde surgiram muitas dúvidas quanto ao
significado da almofada. O facto de alguns secretários, como Miguel de Moura e Duarte Dias de
Meneses, terem servido antes de possuírem as cartas de ofícios terá levado à opinião de que os
secretários serviam sem almofada. Na verdade, pouco se sabia da prática concreta, o que dada a
importância da tradição na cultura de Antigo Regime levou a complexas questões de estatuto dos
secretários. Com efeito, a atribuição de almofada representava muito mais do que o conforto da
escrita. Alguns aristocratas não concordavam esta atribuição aos secretários justificando que o
uso da almofada no tempo de D. Sebastião se tinha prendido com «particular merce» feita às
«pessoas e não ao officio». Defendiam que a atribuição da almofada, a tornar-se prática régia,
devia ligar-se ao titular do cargo e não ao ofício1137. Adivinha-se aqui um receio dos conselheiros
perante a ascensão dos “mecânicos da escrita”.
Confirmaram-se alguns destes receios, mantidos por parte da aristocracia, e em 1634 foi
estabelecido que os secretários, à semelhança dos «Ministros ao serviço do rei»1138, gozassem dos
mesmos privilégios dos «Ministros do Conselho de Portugal que assistiam o rei em Madrid»1139.
Deve registar-se a importância neste processo dos panfletos e «papéis» publicados pelos oficiais
ao serviço de Castela, na defesa dos seus privilégios de secretários (v. V)1140. Sem grande
surpresa, por volta de 1662, os secretários eram reconhecidos na hierarquia cortesã apenas
abaixo dos «Titulares do reino», equiparados aos magistrados e conselheiros dos Tribunais1141.
1136 BA, 51 – IX – 10, Governo de España, Da Casa Real e Grandes de Castella e Iurisdições, t. II, «Consulta do Conselho a
El-Rei com o parecer de 4 votos de que se deve guardar o estilo do tempo d’El-Rei D. Sebastião», fl. 1.
1137 BA, 51 – IX – 10, Governo de España, Da Casa Real e Grandes de Castella e Iurisdições, tomo II, «Consulta do
regedor da Casa da Suplicação, desembargadores, escrivães da Fazenda e ministros que despachassem «Petições».
1139 «Carta Régia de 8 de Março de 1634».
1140 BA, 51-VI-35, «Forma de Juramento que fazem os Secretarios de Estado da Coroa de Castela», fl. 345v.
1141 Segundo o «Alvará de 18 de Agosto de 1662», estabelecendo uma capitação para acudir às necessidades da
guerra, fazia-se uma descrição dos oficiais e respectivo pagamento. Num contexto de forte estratificação social os
secretários surgiam no mesmo segmento tributário dos desembargadores do paço, conselheiros e vereadores do
senado da câmara de Lisboa, pagando 6 000 rs, Dissertações Chronologicas e Criticas, Academia Real das Sciencias de
Lisboa, Lisboa, 1867, pp. 235-238.
1142 Pedro da Alcáçova Carneiro, Diogo Soares, Miguel de Vasconcelos e Pedro Vieira da Silva obtiveram
«senhorios». O genro de Roque Monteiro de Paim, o primeiro conde de Alva, foi elevado a titular em 1729, na
sequência do matrimónio com a filha do «secretário de estado», Ana Paula M. LORENÇO, D. Pedro II…, p. 241.
Segundo Nuno G. Monteiro, um exemplo incaracterístico de fulgurante progressão social dá-se com o caso dos
Lopres do Lavre, secretários do Conselho Ultramarino. Sobre a consolidação áulico-burocrática de Diogo Soares e
outros secretários, António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp 381-384.
255
secretário, apesar de catapultar os seus titulares para uma posição de grande influência,
continuou a ser desempenhado por indivíduos de escassa «nobreza». A discreta qualidade social
com que os secretários iniciavam o serviço era essencial no estabelecimento da sua eficácia, daí
que os referidos casos de nomeações “qualificadas” socialmente, ocorridos reinado de D. Pedro
II, como D. Tomás de Almeida, tenham tido uma curta experiência no exercício.
É ponto assente que a crescente dignificação cortesã dos secretários assentou sobre
indivíduos sem grande qualidade social. Ao assumirem o lugar de «secretários de estado», onde
se jogavam algumas das mais determinantes tensões entre parcialidades, estariam menos
manietados por estas lutas, agindo com um menor condicionamento de “posição”. O facto de
estas parcialidades cortesãs – articuladas com os «Grandes Títulos do reino» – se enraizarem na
fidelidade ao rei, mas também no confronto mútuo, permitia aos secretários destacarem-se em
tarefas sensíveis, em representação do rei, ficando as suas ambições sob o controlo político da
“cabeça” do sistema1143. Por outro lado, iam criando as suas próprias redes de influência,
introduzindo petições de «partes», fornecendo informação privilegiada, o que possibilitava uma
actuação particularmente autónoma. Os “monarcas” ficavam cada vez mais dependentes
simbolicamente destes seus representantes.
1143 BNM, «Copia da Pratica que o Secretario Pedro Vieira da Silva fez ao duque de Bragança, por ordem de Sua
Magestade estando elle presente em Conselho de Estado, e os maes Tribunaes de que se compoem o Governo
daquele Reyno, em os primeiros de Junho do ano de 1664 », ms nº. 2389, fl. 136.
1144 O tópico das decisões difíceis, deixadas pelo rei a ministros, por acarretarem “custos” na corte, fazia curso na
“discussão política” da época. Existem curiosas reflexões sobre a relação entre a manutenção do poder e a
atribuição de mercês, bem como entre a comunicação do castigo com o mero serviço a evitar pelo rei, «Tiberio,
mestre da arte de reynar, e alguns Monarchas, que teve por discipulos, rezervou para sy a comunicação das mercês,
deixou aos Menistros a notificação do castigo porque os subditos o amassem como a unico Author de seus bens, e
aos Menistros aborrecessem, como instromentos de seus Males...», Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez…,
p. 123. Vimos como os secretários disputaram violentamente o controlo das «matérias de mercês».
256
onde a dignificação do estatuto cortesão, assentando sobre uma baixa extracção social, resultou
num paradoxo que fez deslizar o ethos do secretário para um dimensão cada vez mais funcional.
Por último, deve descrever-se talvez a polarização mais significativa dos «secretários de
estado»: a capacidade de alocar o «governo» da Fazenda. Esta intensificação vincou dois traços
dominantes: a especialização na construção de instrumentos de fiscalidade e a coordenação da
redistribuição de recursos da «República». Em primeiro lugar descreveremos a importância da
Fazenda no código genético do «secretário de estado», passando depois a verificar os aspectos
particulares desta “vocação” em torno do «governo» da Fazenda na relação com a fiscalidade e
com a distribuição de mercês.
Como temos vindo a demonstrar, a vocação “económica” dos escrivães do rei estava
inscrita no próprio código genético da organização régia. José Mattoso sublinha que, desde o
reinado de D. Afonso Henriques, estes oficiais controlavam pela escrita «as funções fiscais»1145.
Na verdade a importância do «despacho» da Fazenda, confundiu-se muitas vezes com o
«despacho» no Conselho que rodeava o rei. Também os «escrivães da puridade», durante os
séculos XIV-XVI, acumularam relações com a Vedoria da Fazenda1146. O primeiro «Regimento»
do Conselho de Estado, de 1569, apontava como uma das competências desse órgão o
tratamento das matérias de Fazenda mais determinantes: «as cousas de mor qualidade e
importância que tocarem à minha Fazenda»1147. Assim, se considerarmos o conjunto dos
«secretários de estado» em exercício, entre os séculos XVI e XVIII, vemos que um número
considerável iniciou o serviço régio no tratamento das matérias de Fazenda, ou como escrivão
ou como Procurador da Fazenda, tal como se verifica pelos casos de Pedro Vieira da Silva,
1145 José MATTOSO, Identificação de um país, Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, II, Composição, Lisboa,
Estampa, 1985, pp, 99-100.
1146 Fr. Francisco do Santíssimo SACRAMENTO, Epitome…, Lisboa, 1665, p. 58.
1147 «Regimento do Conselho de Estado de 1569», António Caetano de SOUSA, Provas, t. III, p. 472.
257
Miguel de Moura1148, Duarte Dias de Meneses, Miguel de Vasconcelos1149 ou Gaspar de Faria
Severim1150.
Como ficou dito, a especialização fazendária dos «secretários de estado» percorreu dois
caminhos: por um lado, o provisionamento da guerra, o controlo monetário e a fiscalidade. Por
outro, as matérias de mercês.
1148 Segundo o Memorial de Pedro Roiz de Soares, havia excesso de moeda de cobre no reino, introduzida
secretamente pelo comércio inglês, levando a moeda de ouro e prata. Desta forma, procurava desvalorizar-se a
moeda através de legislação. Esta teria de ser coordenada de tal forma que evitasse especulações monetárias através
de fugas de informação. Aqui se encontra também um caso paradigmático da importância do segredo no despacho
régio. Conta o Memorial de Soares que vários ministros, tendo acesso ao conteúdo da lei, mandaram chamar oficiais
a quem tinham dívidas, pagando nesse momento com patacões. Apesar desta fuga de informação foi Miguel de
Moura quem despachou correios a 3 de Março de 1568, em simultâneo, para todo o reino, coordenando a dificil
implementação da lei e fazendo-se notar pelo rei, Francisco Sales LOUREIRO, Miguel de Moura...,pp. 76-77; Pedro
Roiz de SOARES, Memorial, Manoel Lopes de Almeida (ed.), Coimbra, 1953, pp. 15-18.
1149 Miguel de Moura escreveu papéis para o escrivão da Fazenda a partir dos onze anos, sendo ele próprio nomeado
escrivão da Fazenda com dezasseis anos, Conde de TOVAR, «Escrivão da Puridade», Estudos…, p. 147.
1150 Luís de MENESES, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado…, vol. III, p. 17.
1151 Para um enquadramento do processo em termos europeus, Crises, Revolutions and Self-Sustained Growth, Essays in
European Fiscal History, 1130-1830, W.M. Ormrod, R. Bonney, R. Bonney (ed.), Stanford, 1999. Para o caso
português essencial o texto de Vitorino Magalhães GODINHO, «Finanças Públicas e Estutura do Estado», Ensaios,
II, Lisboa, 1978, pp. 31-74. Mais recentemente, Leonor Freire COSTA, «Fiscal innovations and making of the
modern state : wich war did really matter in the Portuguese case ?», artigo apresentado ao Third Iberian Economic
History Workshop, Iberometrics III, Valencia, 2007.
1152 As despesas extraordinárias («despesas de estado») eram feitas com os sobejos das rendas ordinárias (comércio
ultramarino). O agravamento fiscal devia-se à necessidade de «estabilização das rendas da coroa e ao aumento das
despesas em guerra (soldados pagos navios)», António M. HESPANHA, As Vésperas…, pp. 61-65
258
O período do governo Áustria desembocou na centralidade das questões financeiras. Em
1622, o processo de controlo da Fazenda pela secretaria de estado intensificou-se. Cristóvão
Soares acumulou a secretaria do Conselho da Fazenda com o desempenho como «secretário de
estado», entendendo em matérias tão relevantes como os empréstimos à Fazenda Real ou a
acção do provedor-mor das alfândegas do reino1153. Na verdade, a especialização em Fazenda
tornou-se, gradualmente, um factor determinante na carreira cortesã1154. Segundo o próprio
Miguel de Vasconcelos, em Carta de 22 de Junho de 1633, era notável o protagonismo dos
Escrivães da Fazenda1155 no «despacho» da Corte1156. De igual modo, foram inúmeros os
«despachos» de pagamentos produzidos pelo «secretário de estado». Não é novidade que esta
“intromissão” se fez pela via da guerra: pagamento da “gente do mar e guerra”, determinação
dos preços da pólvora, alojamentos de tropas em trânsito pelo reino, «Consultas» acerca da
apreensão do trigo dos navios genoveses1157.
secretários. Segundo um «Memorial» de Diogo Soares contavam-se Gaspar de Abreu, «bom homem, embora
limitado, porem limpo de mãos»; Fernão Gomes da Gama, «servindo há pouco tempo», parecia a Soares inteligente,
não tendo mostrado factos que pudessem ser comentados; por sua vez, Gaspar de Faria Severim teria sido
introduzido por parcialidade e constava que não era limpo de mãos, mostrando ser ‘acaballerado’ BPE, «Papel que
Diogo Soares escreveu ao rei de Castela sobre sujeitos de Portugal», CV / 2 - 19, fl. 116.
1156 BPE, «Documentos vários, Cartas de Miguel de Casconcelos a Diogo Soares», CV / 2 - 19, fl. 101.
1157 AHU, Reino, cx. 7, pagamentos ao almoxarife dos Paços da Ribeira, gente de guerra, «Cartas Régias» ordenando
letras, com dinheiro para pagar peças de artilharia, em nome do «secretário de estado», Diogo Soares. A título de
exemplo, em 1635 foi produzido um «Decreto», em nome da princesa regente, D. Margarida de Sabóia, destinado
ao Conselho da Fazenda, para que pudessem ser levantadas letras de dinheiro, procedente do donativo da cidade de
Lisboa e do Reino, e o tesoureiro-mor fizesse os pagamentos, mas isto somente para quem constasse da declaração
do «secretário de estado do Conselho de Portugal», Diogo Soares.
259
Reino. A ruptura de 1640 não quebrou esta centralidade da fiscalidade1158. O «secretário de
estado» Francisco de Lucena, teve que gerir uma enorme tensão emergente na reunião de Cortes
de 1642, devido às propostas para o aumento da décima1159.
Outro exemplo da estreita relação entre a Fazenda e o trabalho das secretarias foi a
importância do controlo sobre a moeda1160. Os «secretários de estado» iam adestrando a
capacidade de produção de extensos «Pareceres», como se verificou no caso das alterações
monetárias do período das «Guerras de Restauração»1161. Também no que respeitava ao «governo
das conquistas», iam aumentando as suas competências, controlando a entrada e saída das
armadas do Brasil, com tudo o que isso significava de controlo sobre as movimentações das
Alfândegas1162.
Num outro plano, no domínio da vida “económica” local, surgiram inúmeras tentativas
de uniformizar o alcance normativo da Coroa. Os secretários procuravam interferir nas
«Consultas» acerca da eleição dos almotacés1163, negociar sobre os «capítulos» apresentados em
cortes1164, controlar as obras, sobretudo na cidade de Lisboa1165. A maioria destas medidas eram
ainda insípidas no seu alcance efectivo, pelo que os «secretários de estado» procuravam aumentar
a capacidade da Fazenda Real a partir das necessidades da guerra, tentando novas soluções
1158 Segundo um ouro secretário, António Pais Viegas, a ruptura de 1640 teria como ponto central a fiscalidade.
Viegas apontava os tributos como causa fundamental da sublevação. A clareza da reflexão merece a transcrição um
pouco longa: tributos, «tão molestos pella grandeza, como pella ambição dos exactores, que neste ministério se
empregavão (...) lançouse real de agoa em todo o Reyno: acrecentouse a quarta parte das sisas; no sal se puserão
novos tributos, por ordens passadas em castelhano contra o pactuado; sobre as cayxas de açucar tmbém se impos
gravame. De todas as merces, & officios de fazenda, & de justiça se mandarão pagar, cõ meyas annatas, dandose
com isto ocasião a muytps roubos; porque os q levavão estes oficios, vendo, que com o novo tributo se defraudava
seus limitados salarios, procuravão por modos ilicitos satisfazerse como podião», António Pais VIEGAS, Manifesto
do Reyno de Portugal, 1641, ed. e pref. por Joaquim Carvalho, Coimbra, 1924, pp. 20-21. Sobre as questões jurídicas da
tributação, Rodrigues CAVALHEIRO, «Os antecedentes da Restauração e a posição do Duque de Bragança»,
Congresso do Mundo Português, vol. VII, Lisboa, 1940, pp. 11-56.
1159 Leonor Freire COSTA & Mafalda Soares da CUNHA, D. João IV…, p. 138.
1160 BA, 51 – VI – 1, «Papel sobre não se poder mudar a moeda no Reino sem consentimento dos Estados juntos
em Cortes, de Fernão Cabral, Lisboa, 1642», fls. 105-119. Fernão Cabral opunha-se às alterações porque segundo o
«Reg.» podia recusar-se em leis que ofendessem os «seus direitos contra o povo ou cleresia» apresentando as razões
dessa “injustiça”: «a confusão da moeda reduzirá os direitos das Alfândegas (…)» e resultaria numa «opressão contra
o povo porque sempre que se deu diferente preço ao dinheiro logo se queixaram os vassalos». Além disso seria
ainda «contra a cleresia porque neles está o mais direito que há no reino».
1161 Damião PERES, O Conselho da Fazenda e as alterações Monetárias no Reinado de D. João IV, Lisboa, 1959, p. 8.
1162 AHU, Rio de Janeiro, cx. 4, doc. 19, «Avisos do secretário de estado», Francisco de Lucena, ordenando a todos os
260
«constitucionais» para impor contribuições1166. A pretexto do financiamento dos terços de
infantaria e companhias de cavalos, «os secretários de estado» negociavam contribuições com
vereadores e representantes do «terceiro estado»1167.
Cerca de 1674, grande parte dos assuntos mais relevantes da Fazenda Real, como o
abastecimento de cereais ou as alterações do «comércio com Castela» eram tratados «pela
1166 O «secretário de estado», Pedro Vieira da Silva, tentou impor «direitos sobre o trigo gasto na cidade de Lisboa e
seu termo», advertindo que esta «contribuição não era menos solenemente imposta por se comunicar somente aos
concelhos, camara e povo», porque como lhe tocava só a ella (corte), só seus «moradores a haviam de conferir e
resolver com S. Magde.; que quando fora geral para todo o reino, então seria necessário convocar os estados delle»,
EFO, V, 1ª parte, pp. 389-391.
1167 EFO, VI, 1ª parte, pp. 537-542.
1168 EFO, VI, 1ª parte, p. 13, oficiais como os «tesoureiros do real d'água» atrasavam a devolução das quantias
bens da coroa», nomeação de oficial que a Câmara de Lisboa defendia ser competência dos provedores e dos
corregedores das comarcas.
1170 EFO, VI,1ª parte, p. 259, «Decreto de 27 de Maio de 1661».
1171 EFO, VI, 1ª parte, pp. 375 e ss. Na verdade, o senado continuava a dever 432.252 rs.
1172 EFO, VI, 1ª parte, pp. 464 ss.
1173 EFO, VI, 1ª parte, p. 502 ss.
1174 EFO, VI,1ª parte, p. 25
261
secretaria de estado»1175. Além disso, os «secretários de estado» continuaram a interferir no
exercício dos oficiais responsáveis pelas contribuições1176.
Neste sentido, o predomínio das matérias de Fazenda fez também crescer a pressão
sobre os magistrados. O caso, já referido de passagem quanto à redução dos poderes
concorrentes da secretaria de estado, levou a que, em 1695, uma «Carta régia» enviada ao Juiz de
Fora de Ourique, disciplinasse a «má intelligencia, que muitos ministros» tinham dado «às
ordens» do rei, mostrando a «ignorancia» em que se achavam da disposição da «Lei do Reino».
Neste caso, o «secretário de estado» obteve pelo Desembargo do Paço «Declarações», onde se
regulavam as transacções do trigo e do pão, enviando-as «para todo o reino»1177. No início do
século XVIII, o predomínio das matérias de Fazenda continuaria a crescer: tanto pela tentativa
de hierarquização dos magistrados e oficiais da Fazenda – veja-se a ordem dada ao juiz dos feitos
da Fazenda, para que tirasse devassas à «casa do seguros de Lisboa»1178 –, como pela condução
do financiamento dos exércitos na «guerra da sucessão», como ainda pelo crescente poder sobre
matérias ultramarinas, onde o «governo» da Fazenda se constituía, progressivamente, no
problema central da Coroa. Passavam pelos «secretários de estado» as «Ordens» para as
contribuições dos moradores do Rio de Janeiro1179, a decisão sobre mercês em capitanias do
Brasil1180; o controlo sobre a Casa da Moeda do Rio de Janeiro, a criação de novas Casas da
Moeda, criação de Bispados na região das Minas1181 ou a execução do quinto do ouro, matéria
que irá constituir um novo “continente” de problemas que extravasam o âmbito deste trabalho.
Agosto de 1695, no sentido de mandar tirar devassas, foram assinadas pelo «secretario de estado». Referia-se a
necessidade de especial atenção em relação aos oficiais das Câmaras que tentassem controlar a transacção de pão
para a Corte. Mandava dar conhecimento nos lugares públicos que fosse permitido a qualquer pessoa «trazer trigo
de Castela e introduzi-lo no reino, para lisboa ou qualquer outra parte».
1178 «Decreto de 17 de Janeiro de 1707»
1179 AHU, Rio de Janeiro, cx. 8, doc. 95.
1180 AHU, Rio de Janeiro, cx. 12, doc. 21, 32 e 33, «Portarias e Ofícios de 13 de Maio de 1720 do «secretário das
«secretário das Mercês e Expediente», Bartolomeu de Sousa Mexia, sobre o «Alvará» que extinguiu a Junta do
Comércio, e de 24 de Julho de 1720 ao provedor da Casa da Moeda do Rio de Janeiro.
1182 Fernanda OLIVAL, As Ordens e o Estado Moderno…, pp. 108 e ss.
262
aspectos relacionados com a evolução das secretarias de estado. As Ordenações Manuelinas
continham o germe do problema que iria marcar parte da evolução da secretaria de estado mas
também do seu ramo construído em torno das mercês e expediente: a circunscrição
“burocrática” da «economia da graça». Este controlo incluía a promessa de mercês1183, devendo-
se a duas necessidades fundamentais: a obtenção dos emolumentos correspondentes à dádiva e a
regulação das concessões através de mercês.
Foi em torno desta dupla questão que se estruturou a relação entre secretarias e o
«governo» das mercês. Na verdade, a «liberalidade» régia passava por um cuidado da «República»
baseado em «direitos» que, ao longo do século XVI e XVII, iriam sofrer significativas
alterações1184. A «cura» da «res publica» assentava sobre a representação, uma “dignidade
aristocratizante” que entrava em profundas contradições com a emergente estrutura “político-
económica”, que Norbert Elias tão bem definiu no seu clássico livro sobre a sociedade de
Corte1185. A este “cuidado” veio juntar-se um “cuidado” dos «negócios públicos», cada vez mais
marcado por um ethos “burocratico-mercantil” – inoculado pela dimensão híbrida das matérias
ultramarinas, onde se misturavam «governo» e «comércio»1186. Os secretários, como vimos
emergentes neste mundo dos «negócios da Índia», vão contribuir para a mutação dos estilos do
«governo da Fazenda» também na estrutura das mercês. Vejamos como.
Segundo Francisco Manuel de Melo, o costume de registar a graça régia num «Livro das
Mercês» foi adoptado por Castela, devido à sua eficácia prática e simbólica1187. Contudo, o
«governo das mercês» cresceu de tal forma que se complexificou num «Registo das mercês»1188,
impondo de forma crescente, aos oficiais régios e ao próprio rei, a necessidade de controlo1189.
Exemplo desta tendência foi o trabalho das secretarias do Conselho de Portugal durante o
governo Áustria. De acordo com Luxán Meléndez, entre 1586 e 1640, o despacho daquele órgão
incidiu maioritariamente sobre mercês1190. Se analisarmos os conteúdos normativos em torno das
1183 OM, Liv. II, Tit. XVIII. Uma vez que era hábito usarem as «partes» esse expediente para não pagarem os
«direitos» sobre a mercê, conseguindo depois, em «negócio» combinados com os corregedores, contadores e
almoxarifes, normalizar o processo. Além da fuga aos direitos, as «partes» pretendiam furtar-se ao exame em
Chancelaria onde as mercês eram «corrigidas».
1184 Direitos confirmados por um «selo das mercês» desde as Ordenações da Fazenda de 17 de Outubro de 1516 cap.
241, nº 4. Foram depois criados novos direitos com o «Reg. da Chancelaria de 1589», OF, Liv. II, Tit. XLII.
1185 Nobert ELIAS, A Sociedade de Corte..., «o sistema das despesas», pp. 41-52.
1186 Albano Alfredo de Almeida CALDEIRA, «Memória sobre o serviço do Registo de Mercês», Boletim das Bibliotecas
e Archivos Nacionais, Coimbra, 2º ano, 1903; João Francisco MARQUES, «A crítica de Vieira ao poder político na
escolha de pessoas e concessão de mercês», Revista de História, vol. VIII, Porto, 1988, pp. 228-237.
1187 Francisco Manuel de MELO, Aula Política…, pp. 100-101.
1188 «Alvará de 31 de Dezembro de 1547».
1189 «Leis Extravagantes, Part. V, Tit. IX, Lei II em 17 de Julho de 1567».
1190 Santiago LUXÁN MELÉNDEZ, La revolución de 1640 en Portugal..., pp. 118-121.
263
mercês, observamos uma verdadeira obsessão com o controlo secretarial. A maior parte do
material normativo apontava para a regulação das concessões. Essa regulação fazia-se por uma
incidência na circulação e certificação de «papéis».
Uma sondagem da evolução normativa entre 1590 e 1714 permite-nos analisar esta
torrente burocrática.
1191 IAN/TT, Manuscritos da Livraria, «Regimento de que hade usar Dom Frey Aleixo de Meneses Arcebispo de
Braga Primas de Hespanha, no cargo de Viso Rey dos Reynos, e senhorios de Portugal», nº 1111, fls. 270-272v.
1192 Fernanda OLIVAL, As Ordens e o Estado Moderno…, pp. 109-110.
1193 «Carta Régia de 2 de Setembro de 1603» e OF, Título XXXVIII.
1194 «Alvará de 11 de Abril de 1606».
1195 «Alvará de 26 de Outubro de 1607».
1196 «Carta Régia de 9 de Novembro de 1608»; «Carta Régia de 28 de Novembro de 1608»; «Carta Régia de 10 de
Março de 1609»; «Carta Régia de 15 de Julho de 1609»; «Carta Régia de 25 de Agosto de 1609».
1197 «Carta Régia de 8 de Setembro de 1609».
1198 «Decreto de 27 de Outubro de 1613»; «Carta Régia de 6 de Maio de 1614»; «Alvará de 16 de Abril de 1616»;
«Carta Régia de 6 de Setembro de 1616»; «Carta Régia de 25 de Outubro de 1617», manda registar e cumprir o
«Alvará de 23 de Maio de 1599», sobre o tempo dentro do qual se devem tirar as «Portarias» das mercês.
1199 «Carta Régia de 10 de Março de 1618».
264
confirmação régia1200; determinava-se que as confirmações de mercês pelos secretários dos
tribunais tivessem assinatura régia1201; obrigava-se a respectiva menção nas «Consultas de
mercês» sempre que a atribuição dos cargos necessitasse de confirmação régia1202; recusavam-se
as réplicas em requerimentos de mercês1203; proibia-se a aceitação de «Consultas» sem certidões,
cujos serviços apenas se declarassem por testemunhas1204.
Além disso permanecia a preocupação com o nível da despesa, controlo que exigia uma
aturado trabalho de confronto de informação nas secretarias: suspendiam-se as atribuições de
mercês, sempre que se verificassem apuros da Fazenda Real1212; impunham-se penas contra
quem não tirasse os títulos e despachos das meias-anatas nos prazos marcados, proibindo-se as
mercês nestes casos1213; publicavam-se «Ordens» para que os «secretários de estado» escrevessem
às partes no sentido de obterem os «despachos» das mercês e respectivos tributos à Fazenda1214;
impunha-se maior controlo das mercês para a Armada do Brasil1215; impunha-se maior
delimitação sobre as «Mercês de Hábitos e bens das Ordens Militares» – com obrigações de
265
serviço e objectivos dos Hábitos1216; impunham-se tributos (meias-anatas) sobre «cargos e ofícios
públicos e outras mercês»1217.
1216 «Carta Régia de 26 de Dezembro de 1635»; «Carta Régia de 17 de Janeiro de 1636»; «Carta Régia de 12 de
Novembro de 1636». No sentido do cumprimento das ordens anteriores, «Carta Régia de 24 de Dezembro de
1636»; «Carta Régia de 7 de Outubro de 1637»; «Carta Régia de 8 de Abril de 1639».
1217 «Reg. de 23 de Novembro de 1639».
1218 BA, 51 – IX – 11, Do Governo de Espanha, t. III, «Secretarias suas repartiçõis, Dos Tribunais e Ministros
266
impunha que se considerasse «desconsideração tratá-los em conjunto com o governo»1221. Daí
que a tendência fosse para uma maior especialização “burocrática” da secretaria das mercês,
tutelada, do ponto de vista da decisão, pela secretaria de estado. Em todo o caso, ambos os
secretários saíram fortalecidos deste processo o que correspondeu à cerebração do reino.
1221 BA, 51 – IX – 11, Do Governo de Espanha, t. III, «Secretarias suas repartiçõis…», 38v.
1222 «Carta Régia de 2 de Fevereiro de 1640»; «Carta Régia de 8 de Agosto de 1640», com a «Cofirmação das mercês
feitas em Madrid»; «Decreto de 10 de Janeiro de 1641»; «Decreto de 31 de Dezembro de 1643».
1223 «Decreto de 15 de Fevereiro de 1643».
1224 «Decreto de 24 de Dezembro de 1643»; «Alvará de 20 de Novembro de 1654», sobre o controlo da posse de
«Comendas, pelo registo das Carta nos Livros das Mercês»; «Decreto de 29 de Agosto de 1648». Sobre a obrigação
de certidão do Registo das Mercês para consulta de ofícios, «Decreto de 20 de Maio de 1649».
1225 «Decreto de 10 de Maio de 1644»; «Alvará de 22 de Julho de 1644, prorrogando ao «Recolhimento das Mercês»
do serviço, da graça - dimensão da liberalidade régia que pertencia a uma outra genealogia de acções de poder (livres
e não constrangidas).
1227 AHU, Reino, cx. 11-A, pasta 21. Vejam-se os pedidos de fiscais para se examinarem os «papéis» dos que pedem
mercês no Conselho Ultramarino e a preocupação dos «secretários de estado» em controlarem o processo. AHU,
Conselho Ultramarino, cx. 1, doc. 31, «Consulta do Conselho Ultramarino de 26 de janeiro de 1658 ao rei D. Afonso
VI sobre a necessidade de se nomear, pela Secretaria das Mercês e Expediente, desembargadores menos ocupados,
que o desembargador fiscal das Mercês, agora provido no cargo de procurador da fazenda, António Pereira de
Sousa, para se examinarem no Conselho os «papéis» das partes que requerem mercês e postos».
267
provimentos1228. Surgiam sistematicamente pedidos aos secretários de estado que podiam ler os
papéis directamente ao rei, facto que era depois utilizado pelos peticionários para pressionar os
restantes oficiais régios1229. Por conseguinte, na segunda metade do século XVII com este
crescimento das petições de mercês, crescia também a preocupação com o «Patrimonio Real»
considerado «muy deçipado»1230.
Desse modo, e como temos vindo a concluir, através desta breve análise normativa,
devem destacar-se duas tendências no trabalho dos secretários: por um lado, o crescimento
“burocrático” – controlo sobre a demora dos processos individualizados de consulta e sobre a
certificação dos serviços prestados ao rei – e por outro a inserção dos processos de atribuição de
mercês nas estratégias de «governo»1231. Em todo o caso, a multiplicação de «Consultas de
mercês» continuou a impor um crescente rigor nas atribuições, onde lentamente se iam
inscrevendo outros valores1232. As discussões “constitucionais” de 1668 tinham como pando de
fundo o entendimento jurídico sobre a concessão de mercês. No âmbito da restrição sobre a
concessão de mercês, o «Regimento da Secretaria das Mercês», de 19 de Janeiro de 1671,
especificou, ainda mais incisivamente, que serviços agraciar com mercê, que provas de efectiva
prestação do serviço a apresentar, delimitando toda a tramitação processual1233. O «Regimento»
pretendia uniformizar esta profusão legislativa que temos vindo a descrever. Além disso, era
necessário, como já sublinhamos os secretários de estado e das mercês, funcionavam de forma
cada vez mais coordenada, pelo que era necessário definir estratégias de «provimento» mais
alargadas. Um outro aspecto fundamental para a perspectiva aqui seguida consiste na limitação
das renúncias, consagrada no «Regimento». As renúncias eram em muitos casos vendas
dissimuladas, pelo que as secretarias passavam a contar com uma nova indicação de reforço dos
vínculos entre a «República» e a concessão dos ofícios.
1228 «Villas com suas jurisdições; Alcaidarias mores; Comendas efectivas; Comendas de promessa; filhamentos de
fidalgos e dahi para baixo: hábitos de Cristo; Tenças de dinheiro em sua fazenda; Tenças nas obras pias; Tenças de
Trigo; Hábitos das ordens de Avis e S Tiago; Lugares nos Mosteiros da Encarnação e Santos; Lugares de freiras nos
conventos; Capelas efectivas; Capelas de Promessa; Alvarás de Lembrança; Alvarás de ofícios; Praças mortas nas
fortalezas e praças no Reino», IAN/TT, Manuscritos do Convento da Graça, «Advertencias pera se aver de notar no
despacho de mercês», t. 7D, nº 39, fls. 299-301.
1229 Em sentido contrário, as «Sentenças» do Desembargo do Paço de 1668, «o escrito do Secretario de Estado não
produz acção contra o Procurador da Coroa, por não ser Alvará passado pela Chancelaria, sem o que, conforme as
leis do reino, não obra coisa alguma», Manuel Álvares PEGAS, Commentaria..., t. X, Ulyssipone, 1689, pp. 65-66.
1230 Cit. por Fernanda OLIVAL, As Ordens e o Estado Moderno…, p. 115.
1231 AHU, Conselho Ultramarino, cx. 1, doc. 56, «Consulta» de 14 de Dezembro de 1669 sobre a nomeação de
ministros para receberem as «Consultas» ou entregá-las aos «secretários de Estado e Mercês», evitando-se a demora
e as queixas das «partes» com processos em curso.
1232 IAN/TT, «Advertencias pera se aver de notar no despacho de mercês» secs. XVII-XVIII, Manuscritos do
268
Em todo o caso, as indicações sobre o registo de mercês e o trabalho das secretarias
continuaram na década de 16801234.
1234 «Decreto de 10 de Outubro de 1681», reforma dos livros do «Registo das Merçês» - devido ao incêndio que
tinha destruido os livros. «Decreto de 25 de Abril de 1684»; «Decreto de 27 de Outubro de 1688», ordenando aos
oficiais da Torre do Tombo, encarregados da reforma do Registo das Mercês, o pagamento de 300 rs por caderno,
para punir a negligência com que trabalhavam; «Consulta de 4 de Novembro de 1689», sobre a competência do
chanceler-mor, e regulação do processo de embargos a mercês na Chancelaria; «Alvará de 10 de Fevereiro de 1693»,
proibindo que passasse pela Chancelaria das Ordens mercê alguma, sem que constasse do Registo Geral de Mercês.
1235 «Alvará de 24 de Julho de 1713», Sobre o «Alvará» ver J.A. Duarte NOGUEIRA; A. P. Barbas HOMEM,
«Secretário de Estado», Dicionário Jurídico da Aministração Pública, vol. VII, Lisboa, 1996, pp. 353-357.
1236 Os assuntos menores, tratados nos conselhos régios (que subiam a «assinatura régia» e eram tratados por
«Alvarás»), passavam agora a ser tratados por «Provisões» com assinatura de dois membros do respectivo tribunal
régio, passando depois pela Chancelaria. O «Alvará» sublinhava ainda a aplicação destes mecanismos de
simplificação ao Conselho Ultramarino, onde o expediente se multiplicava, com a construção administrativa do
Brasil, estimulado pela penetração aurífera.
269
régia1237. Para os Tribunais eram relegados os “negócios ordinários, e de menos «entidade»1238
salvaguardando-se a possibilidade de invocar a assinatura régia1239.
1237 Todas as «mercês» que fossem pagas directamente pela Fazenda Real: comendas, alcaiderias-mores, senhorios de
terras, ofícios de justiça ou fazenda, patentes de postos militares, mercês de capela, emprazamentos de bens, casas
dos direitos reais.
1238 Eram listados os negócios abrangidos pela simplificação: provas de Direito comum paras as causas em que não
fossem parte procuradores da Coroa, Fazenda ou Fisco; emancipações de órfãos; Provisões vindas da Relação do
Porto em agravo para a Casa da Suplicação; segunda serventia de ofícios de mais de um ano; licenças para filhos de
proprietários de ofícios em casos de sucessão óbvia, abrangidos em prática pelo «direito antidoral»; licenças para
investiduras de freiras já autorizados; criação nos conselhos de cirurgiões ou boticários; casamentos de juízes de fora
com mulheres órfãs ou viúvas, para que os bacharéis devidamente licenciados pudessem ser providos nos senados
das câmaras; obras públicas requeridas em caso de pagamento pelos bens dos concelhos.
1239 Impondo-se apenas que o seu despacho nunca seria confirmado por menos do que três ministros, podendo
qualquer um deles, em caso de não conformidade com o conteúdo despachado pelo Tribunal, solicitar a subida do
negócio à apreciação régia na forma tradicional da «Consulta».
1240 Luca MANORI & Bernardo SORDI, Storia…, pp. 43 e ss.
1241 Francisco Manuel de MELO, Tacito Portuguez..., pp. 102-103. Veja-se ainda, BGUC, «Projecto de Regimento de
270
Como bem relembrou recentemente Joaquim Romero Magalhães, na sociedade de
Antigo Regime, não sendo a riqueza o único critério de prestígio social era, no entanto, essencial,
pois andava correlacionada com a possibilidade de sustentar simbolicamente o prestígio
“público” dos que a detinham1242. A Secretaria de Estado desenvolveu-se nesta relação entre
“economia da graça” e «governo», fundando o exercício do poder sobre a produção de uma
linguagem normativa, sobre a redução das instituições concorrentes no espaço da corte e sobre a
representação do poder. No que toca à Fazenda, pode dizer-se que foi pela “ficção” do seu
«governo», provocando consequências na distribuição social dos recursos (operacionalidade e
financiamento do sistema de poder), que os «secretários de estado» vincaram o caminho da sua
ascensão.
271
CONCLUSÃO
Em primeiro lugar, uma nota conclusiva sobre as razões que nos levaram a seleccionar,
da informação mais vasta que fomos recolhendo, o arco cronológico proposto (1530-1706), a
partir do qual apresentámos a nossa descrição do problema.
272
“burocracia” e a especialização fazendária ; e, por último, o triunfo, entre 1640-1706, período
onde se cristaliza uma bipolarização das Secretarias de Estado – com os ramos do «governo» e
«matérias de estado», por um lado, e, por outro, o «despacho das mercês» – além de uma
funcionalização dos «secretários de estado» em relação ao sistema de poder, o que coincide com
o início da despatrimonialização do cargo. Nesta cronologia, não deve esquecer-se que a
aparente tranquilidade da evolução institucional corresponde por vezes a uma traumática
conflitualidade interna. Se algo deve sobressair como tendência recorrente nesta narrativa, é
sobretudo a determinação dos poderes do «secretário de estado» como resultado das lutas entre
grupos de corte, nas suas extensões ao reino e mesmo ao império.
Quanto à morte de D. Pedro II, em 1706, além do que já foi dito quanto à importância
das conjunturas de reinado na dinâmica interna da Corte – e da confiança depositada pelo rei
num conjunto selecto de oficiais como factor determinante da “luta política” –, importa
sublinhar que aquela data corresponde a um primeiro momento de completa imunidade da
Secretaria de Estado perante a morte do rei. Neste sentido, a morte de D. Pedro II coincide com
a emergência de Diogo Mendonça Corte Real, ministro que viria a servir durante trinta anos
(sendo apenas interrompido pela morte, em 1736), acumulando os três níveis do trabalho de
secretaria («assinatura», «estado» e «mercês»), vindo a constituir um marco indelével na memória
institucional do reino. A transição pacífica na Secretaria de Estado, no ano de 1706, é pois um
marco na sedimentação do «secretário de estado» como representação de um poder «político»
“supra-real” perante o reino e os «povos». Como D. Manuel tinha referido no século XVI,
existia de há muito a tendência dos oficiais criarem uma legitimidade própria dizendo que eram
«mais do reino do que do rei». O que explica bem a harmonia entre tendências estruturais e
conflitos de corte, no “tempo longo” da história institucional.
273
Em segundo lugar, não pode concluir-se este trabalho sem uma síntese da forma
específica de poder desenvolvida na Câmara régia e, mais tarde, na Secretaria de Estado.
274
na resposta política aos intermediários do poder do rei, capacidade de manipulação da
informação, tendência para a quantificação na contabilização e distribuição dos recursos,
invenção de novas formas de legitimidade do poder e alargamento dos direitos do rei,
reconfiguração dos mecanismos de domínio).
A evolução do ofício de «secretário de estado» vai de uma total disponibilidade pelo rei,
até uma funcionalização da secretaria com vínculo directo à «República» – i.e., o rei mantém a
prerrogativa de nomear secretários, mesmo na sua Câmara, mas esses secretários já não se
confundem com o «secretário» do seu «estado». No laço jurídico entre servidor e cargo vemos que
a relação se encontrou também cada vez mais circunscrita pela competência técnica («governo»
da Fazenda e «justa» repartição de mercês - no sentido de um mais abrangente e fidelizado
serviço prestado ao reino). Quanto à regulamentação da actividade do «secretário de estado»,
veremos surgir entre 1634 e 1671 um conjunto de normas que foram enquadrando as decisões
burocráticas deixando, contudo, larga autonomia nas matérias de «governo», crescentemente
denominadas como «políticas». Em simultâneo, os «secretários de estado» foram tentando retirar
capacidade de acção aos Tribunais e Conselhos, ficando estes cada vez mais resignados à
vigilância dos actos de poder – vigilância muito tonitruante do ponto de vista dogmático mas,
por vezes, pouco efectiva no plano da capacidade de afectar o território. Poderá opor-se que
também os «Decretos», «Portarias» e «Avisos» dos secretários esbarraram na falta de
« equipamentos político-administrativos». É um facto. Porém, como vimos, na sociedade de
corte o poder media-se em dois planos fundamentais : distribuição de recursos e manipulação do
capital simbólico. Nestes domínios, a partir de finais do século XVII, o «secretário de estado» era
já o maior especialista na aplicação de novas estratégias. É certo que existiam algumas limitações
ao seu exercício. Contudo, como tivemos oportunidade de referir, o combate na corte passava
agora pela ocupação da secretaria de estado, e já não pela sua destruição institucional através da
revogação do cargo, uma vez que se tinha verificado a sua eficácia como instrumento de
domínio. O que pretendemos sublinhar é que, no seio da Secretaria de Estado, uma nova ficção
do poder está em curso, sustentada e intensificada por novas técnicas de direcção social.
275
BIBLIOGRAFIA
1. Fontes (Manuscritos)
Estado, Legajos: 2626; 2629; 2630; 2631; 2632; 2634; 4035; 4040; 7052.
Conselho Ultramarino, Avulsos: cx. 1, doc. 5, doc. 14, doc. 17, doc. 26, doc. 30, doc. 31, doc. 41, doc.
48, doc. 56; cx. 2, doc. 195, doc. 220.
Reino, Avulsos: cx. 1, pasta 77; pasta 87, pasta 103, pasta 120, pasta 148, pasta 152, pasta 158, pasta
180, pasta 181; cx. 2, pasta 8, pasta 37, pasta 78; cx. 3, pasta 16, pasta 51, pasta 65, pasta 69, pasta 78,
pasta 86, pasta 90; cx. 4-A, pasta 10; cx. 5, pasta 11; cx. 6, pasta 5; cx. 7; cx. 11, pasta 7; cx. 11-A,
pasta 5, pasta 19, pasta 21, pasta 24, pasta 29; cx. 12, pasta 5, pasta 7, pasta 8, pasta 36.
Rio de Janeiro, Avulsos: cx. 1, doc. 84; cx. 2, doc. 54; cx. 4, doc. 19, doc. 74, doc. 77; cx. 5, doc. 491,
doc. 522; cx. 6, doc. 13, doc. 14, doc. 26, doc. 27; cx. 7, doc. 75, doc. 780; cx. 8, doc. 95, doc. 897; cx.
9, doc. 49, doc. 54, doc. 60, doc. 963, doc. 966; cx. 11, doc. 1184, doc. 1186, doc. 1205, doc. 1240;
cx. 12, doc. 21, doc. 30, doc. 32, doc. 33, doc. 50, doc. 75; cx. 298, doc. 4.
Ultramar: cx. 1, doc. 37, doc. 44, doc. 50, doc. 54, doc. 61, doc. 86, doc. 87, doc. 88, doc. 92, doc. 94;
cx. 2, doc. 146.
Biblioteca da Ajuda
276
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Fundo Geral, Códices: 411; 543; F. 1240; 4677; 11365; 11679, 13146.
Manuscritos: 2389.
Fundo Geral, Códices: CIII / 2 –16; CIII / 2 – 26; CIV / 1 – 17; CIV / 2 – 8; CV / 1 – 1; CV / 1 – 6;
CV / 1 – 7; CV / 1 – 17; CV / 2 – 9; CV / 2 – 14; CV / 2 – 15; CV / 2 – 19; CVI / 2 – 8; CVI / 2
– 10; CVII / 1 – 1; CVII / 1 – 6; CIX / 1 – 13; CXI / 1 – 2; CXI / 1 – 11; CXIII / 1 – 18; CXIV /
2 - 31; CXX / 2- 4; CXXX / 2 – 1; CXXX / 2 – 6.
Chancelaria de D. João II: Liv. 1; Liv. 3; Liv. 6; Liv. 17; Liv. 19; Liv. 26.
Chancelaria de D. Manuel I: Liv. 6; Liv. 10; Liv. 25; Liv. 26; Liv. 37.
Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Liv. 1; Liv. 2; Liv. 3; Liv. 7; Liv. 9 ; Liv. 10; Liv. 12; Liv. 13;
Liv. 14; Liv. 15; Liv. 16; Liv. 19; Liv. 20; Liv. 22; Liv 25; Liv. 27; Liv. 32; Liv. 34; Liv. 37; Liv. 38; Liv.
39; Liv. 42; Liv. 43; Liv. 44; Liv. 45; Liv. 46.
Chancelaria de D. Felipe II: Liv. 7; Liv. 8; Liv. 9; Liv. 10; Liv. 11; Liv. 12; Liv. 16; Liv. 17; Liv. 18; Liv.
20; Liv 23; Liv. 28; Liv. 29; Liv. 31; Liv. 32.
Chancelaria de Felipe III: Liv. 17; Liv. 25; Liv. 29; Liv. 40.
277
Chancelaria de D. João IV: Liv. 13; Liv. 25.
Chancelaria de D. Afonso VI: Liv. 25; Liv. 27; Liv. 28; Liv. 39.
Chancelaria de D. Pedro II: Liv 17; Liv. 30; Liv. 32; Liv. 39; Liv. 45; Liv. 48; Liv. 56.
Corpo Cronológico, Parte I, mç. 4, n.º 102; mç. 6, n.º 13, nº 61; mç. 8, n.º 124; mç. 12, n.º 45; mç. 14, n.º
61; mç. 19, n.º 19; mç. 20, n.º 144; mç. 21, nº13, n.º 44, n.º 51, nº 70; mç. 25, n.º 125; mç. 26, n.º 51,
n.º 75; mç. 29, n.º 121; mç. 34, n.º 1, n.º 22, n.º 61; mç. 36, nº 87, nº 97, nº 98; mç. 37, nº 6, nº 34;
mç. 38, nº 41, nº 58, nº 107; mç. 39, nº 78, nº 79; mç. 40, nº 46; mç. 41, nº 126; mç. 42, nº 12; mç. 43,
nº 87; mç. 44, nº 93; mç. 45, nº 80; mç. 48, nº33; mç. 49, nº 46; mç. 50, nº 85; mç. 54, nº 15; mç. 66,
nº 12; mç. 68, nº 15; mç. 75, nº 43; mç. 79, nº 84, nº 143; mç. 100, nº 124; mç. 102, nº 47; mç. 103, nº
57, nº 96; mç. 104, nº 30, nº 39, nº 114, nº 139; mç. 106, nº 30, nº 89, nº 138; mç. 111, nº 69, nº 78,
nº 109; mç. 112, nº 71, nº 76, nº 79; mç. 114, nº 27, nº 91, nº 117, nº 144, nº 146; mç. 115, nº 116, nº
139; mç. 116, nº 63; mç. 117, nº 102, nº 138; mç. 120, nº 32, nº 103.
Ministério dos Negócios Estrangeiros, Correspondência de Sebastião de Carvalho e Melo para o Conde de
Unhão, cx. 954; Madrid, Despachos, cx. 612; Secretaria de Estado, Liv 19; Liv 634.
2. Fontes (Impressos)
ABREU, Miguel Vicente de, Catálogo dos Secretários do Estado da Índia Portuguesa, Nova Goa, 1866.
BARRETO, Domingos Alvares Branco Muniz, Indice Militar de Todas as Leis, Alvarás, Cartas Régias,
Decretos, Resoluções, Estatutos, e Editais, Promulgados desde o ano de 1752, até o anno de 1810, com as curiosas
declarações da maior parte das Ordens, Cartas Regias, e Provisões, expedidas, particularmente para o Brasil, desde o
ano de 1616 em diante, Impressão Régia, Rio de Janeiro, 1812.
BARROS, João de, Ásia, Dos Feitos que os Portugueses fizeram no Descobrimento e Conquista dos Mares e
Terras do Oriente, 4ª ed. Conforme a edição princeps, iniciada por António Baião e continuada por
Luís Filipe Lindley Cintra, Lisboa, INCM, 1974.
BERMUDEZ de PEDRAZA, Francisco, El secretario del Rey, Luis Sánchez, Madrid, 1620.
278
BERMUDEZ de PEDRAZA, Francisco, Panegírico legal, preeminencias de los Secretarios del Rey, deducidos
de ambos derechos, Granada, António René de Lazcano, 1635.
Cartas dos governadores da província do Alentejo a El-Rei, vol. II, ed. e pref. P. M. Laranjo Coelho,
Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1940.
CARVALHO, José Liberato Freire de, Ensaio Historico-Politico sobre a Constituição do Reino de Portugal,
Paris, 1830.
Chronica do Cardeal Rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura escripta por elle mesmo, Sociedade de
Propaganda dos Conhecimentos, Lisboa, 1840.
Códice Costa Matoso, Luciano Figueiredo & Maria Verônica Campos (coord.), vol. 1, Fundação João
Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Belo Horizonte, 1999.
COLBATCH, John, An Account of the Court of Portugal, Under the Reign of the present King Dom Pedro II.
with Some Discourses on the Interests of Portugal, with Regard to other Sovereigns, London, 1700.
Correspondance d’un Ambassadeur Castilhan au Portugal, dans les annés 1530, Lope Hurtado de Mendoza,
comentário e apresentação Aude Viaud, CCCG, Lisboa-Paris, 2001.
COS-GAYÓN, F., Cuadro sinóptico de todos los secretarios de Estado y del Despacho y Ministros de los Reyes de
España desde Fernando é Isabel hasta 1850, Madrid, 1853.
COUTO, Diogo do, O Primeiro Soldado Prático, introd. e ed. António Coimbra Martins, CNCDP,
Lisboa, 2001.
Del segretario del Signor Panfilo Persico libri quattro ne’quali si tratta dell’arte, e facoltá del segretario, 1674.
DEUS, Fr. Jacinto de, Braquilogia de Príncipes, (1671), nov. ed. Hipólito Raposo, Porto, 1946.
Documentos do arquivo histórico da Câmara Municipal de Lisboa, Livro de Reis, VI, CâmaraMunicipal de
Lisboa, Lisboa, 1962.
FERNÁNDEZ ABARCA, Juan, De las partes y calidades con que se forma un buen secretario, Lisboa, 1618.
Gazeta em forma de carta, José Soares da Silva, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1933.
GÓMEZ DE LA MORA, González, El secretario em diez y seis discursos, que comprehendem a todo o genero
de ministros, Madrid, 1659.
279
GUARINI, Giovanni Battista, Il segretario, 1594.
GUEVARA, Antonio, Libro llamado Auiso de priuados y doctrina d' cortesanos, Impresso en Anueres,
Martin Nucio, 1546.
Jornada del-rei dom Sebastião à África, Crónica de dom Henrique, INCM, Lisboa, 1978.
LIMA, Luís Caetano de, Geografia histórica de todos os estados soberanos de Europa, 2 vols., Lisboa
Occidental, na Off. de Joseph Antonio da Sylva, 1734-1736.
Livro das Cidades e Fortalezas que a Coroa de Portugal tem nas partes da India, e das Capitanias, e mais cargos que
nelas há, e da Importancia delles, ed. preparada por Francisco Paulo Mendes da Luz, Centro de Estudos
Históricos Ultramarinos, Lisboa, 1960.
Livro em que se contém toda a fazenda e real património dos reinos de Portugal, India e Ilhas Adjacentes e outras
particularidades, Luiz de Figueiredo Falcão, Imprensa Nacional, Lisboa, 1859.
Os manuscritos do arquivo da Casa de Cadaval respeitantes ao Brasil, vol. II, Virgínia Rau e Maria Fernanda
Gomes da Silva, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1954.
MACHADO, Diogo Barbosa de, Memórias para a Historia del rey D. Sebastião, t. I, Off. Joseph Antonio
da Sylva, Lisboa, 1736.
MACHADO, Diogo Barbosa de, Bibliotheca Lusitana, 4 vols., Imprensa Régia, Lisboa, 1835.
MELO, Francisco Manuel de, Epanaphoras, (1660), Joel Serrão (ed.), Imprensa Nacional, 1960.
MELO, Francisco Manuel de, Aula Política, Curia Militar: Epístola Declamatoria ao Serenissimo Principe D.
Theodozio, & Politica Militar, Mathias Pereira da Sylva, Lisboa, 1720.
MELO, Francisco Manuel de, Tacito Portuguez. Vida, e Morte, Dittos e Feytos de El-Rei Dom João IV, com
introd., informação, notas de Afrânio Peixoto, Rodolfo Garcia e Pedro Calmon, Centenário da
Restauração, Rio de Janeiro, 1940.
Mémoires sur l'Établissement des Secrétaires d'Estat et des Clercs Notaires et Secrétaires du roy et Secrétaires des
Finances, Orest Ranum (ed.), BnF ms. Cinq Cents Colbert 136/Ms. Fr. 18236,
www.ranumspanat.com/secretaries_presentation.htm (2006).
MORATO, Francisco Trigozo, «Memória sobre os Escrivães da Puridade dos Reis de Portugal e do
que a este officio pertence», Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo XII, parte I, 1837,
pp.153-218.
280
MORATO, Francisco Trigozo, «Memória sobre os Chancelleres Mores dos Reis de Portugal,
considerados como primeiros Ministros do Despacho e expediente dos nossos soberanos», Memórias
da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo XII, parte II, 1837, pp. 91-107.
MORATO, Francisco Trigozo, «Memória sobre os Secretários dos reis e regentes de Portugal desde
os antigos tempos da Monarquia até à aclamação de el-Rei D. João IV», História e Memorias da
Academia Real das Sciencias de Lisboa, 2ª série, T. I, parte I, 1843.
Office-Holders in Modern Britain, Officials of the Secretaries of State 1660-1782, Volume 2, London, 1973,
www.british-history.ac.uk/source.aspx?pubid=72.
OLIVEIRA, Cristovão Rodrigues de, Lisboa em 1551, Sumário, Apresentação e Notas de José
Felicidade Alves, Livros Horizonte, Lisboa, 1987.
OLIVEIRA, Eduardo Freire de, Elementos para a História do Municipio de Lisboa, 1ª parte, ts. IV, V, VI,
VII, VIII, X, Typographia Universal, Lisboa, 1898.
PEGAS, Manuel Álvares, Commentaria ad Ordinationem regni Portugaliae, Ulyssipone, t. I, 1669, t. III,
1671, t. VII, 1682, t. X, 1689.
PINA, Rui de, Croniqua delrei Dom Joham II, Atlântida, Coimbra, 1950.
PRAÇA, J. J. L., Colleção de leis e Subsidios para o estudo do Direito Constitucional Portuguez, vol. I, Imprensa
da Universidade, Coimbra, 1832.
Registo da Casa da Índia, vol. 1, Introd. e Notas do prof. Luciano Ribeiro, Agência Geral do Ultramar,
1954.
Relações de Pero de Alcáçova, Carneiro Conde da Idanha, do tempo que êle e seu pai, António Carneiro serviram de
secretários (1515-1568), revistas e anotadas por Ernesto de Campos de Andrada, Imprensa Nacional de
Lisboa, Lisboa, 1937.
RESENDE, Garcia de, Chronica de el-Rei D. João II, Biblioteca de Classicos Portuguezes, Lisboa, 1902.
RIBEIRO, João Pinto, Lustre ao Desembargo do Paço, I, Off. de José Antunes da Silva, Coimbra, 1729.
RIBEIRO, João Pedro, Dissertações Chronologicas e Criticas, Academia Real das Sciencias de Lisboa,
Lisboa, 1867.
ROCHA, Manuel Francisco António Coelho da, Ensaio sobre a História do Governo e Legislação de
Portugal, (1841), Imprensa da Universidade, Coimbra, 1896.
ROCHA, Manuel Francisco António Coelho da, Instituições de Direito Civil Portuguez, t. I, Lisboa, 1917.
281
SACRAMENTO, Fr. Francisco do S., Epitome unico da dignidade de grande y maior ministro da Puridade e de
sua muita antiguidade e excellencia, Lisboa, 1665.
SANTA MARIA, Frei Juan de, Tratado de República y Polícia Christiana. Para reyes y Príncipes y para los que
en el gobierno tienen sus veces, Valencia, 1619.
SANTA MARTHA, Theodosio de, Elogio Historico da Illustrissima, E Excellentissima Casa de Cantanhede
Marialva, Chefe dos esclarecidos Menezes, e Telles, Manoel Soares Vivas, Lisboa, 1751.
SANTARÉM, Visconde de, Memórias e alguns documentos para a História e Teoria das Côrtes Geraes,
Imprensa da Portugal-Brasil, Lisboa, 1924.
SEYNER, Fr. Antonio, Historia del Levantamento de Portugal, Pedro Lanaja y Lamarca, Impressor del
reino de Aragon, Zaragoça, 1644.
SOARES, Pedro Roiz de, Memorial, Manoel Lopes de Almeida (ed.), Coimbra, 1953.
SOUSA, António Caetano de, Provas Genealógicas da Casa Real Portuguesa, (2ª ed.), ts. II, III, IV,
Atlântida Livraria, Coimbra, 1946-1948.
SOUSA, António Caetano de, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, (2ª ed.), vols. II, IV, VII,
VIII, Atlântida Livraria, Coimbra, 1945-1953.
SOUTHWELL, Robert, The history of the revolutions of Portugal from the foundation of that Kingdom to the year
1667, John Osborne, Londres, 1740.
Systema ou collecção dos regimentos reaes, vol. I, na Off. de Miguel Manescal, Lisboa Occidental, 1718.
TOC, Antoine Fauvelet du, Histoire des secrétaires d'Estat, contenant l'origine, le progrès et l'établissement de
leurs charges, avec les éloges(...) et généalogies de tous ceux qui les ont possédées jusqu'à présent, par le sieur Fauvelet
Du Toc, C. de Sercy, Paris, 1668.
VIEGAS, António Pais, Manifesto do Reyno de Portugal, (1641), ed. prefaciada por Joaquim Carvalho,
Coimbra, 1924.
ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja em Portugal, Damião Peres (ed.), Vol. II, Porto, 1968.
282
ALMEIDA, Joana Estorninho de, A forja dos homens, estudos jurídicos e lugares de poder no séc. XVII, ICS,
Lisboa, 2004.
ÁLVAREZ COCA, M. J., «La Cámara de Castilla : Secretaria de Gracia y Justicia. Problemas
archivísticos y de investigación histórica», El tercer poder, Hacia una comprensión histórica de la justicia
contemporánea española, Frankfurt, 1992, pp. 1-32.
AMARO, José Emídio, Francisco de Lucena, Sua vida, Martírio e reabilitação, Subsídios para a História do
reinado de D. João IV, Edição do Instituto para a Alta Cultura, Lisboa, 1945.
ANTOINE, Michel, Le coeur de l'État, Surintendance, contrôle général et intendances des finances 1552–1791,
Fayard, Paris, 2003.
ANTUNES, Ana Maria Pessoa O., D. Nuno Álvares Pereira de Melo, 1º Duque do Cadaval (1638-1727),
Tese de Mestrado, FLL, Lisboa, 1998.
AZEVEDO, Pedro de, «Os livros da Chancelaria mor da Corte e do reino », Archivo Histórico
Portuguez, vol. IV, pp. 449 e ss.
BALE, Robert, «A treatise of the Office of a Councellor, and Principal Secretarie to her Ma[jes]tie »
publicado por C. READ, Mr. Secretary Walsingham and the policy of Queen Elizabeth, I, Oxford, 1925.
BARBICHE, B., Les Instituitions de la monarchie française à l’époque moderne, PUF, Paris, 2000.
BARRIOS PINTADO, Feliciano, «La creación de la Secretaría del Registro general de Mercedes en
1625», Anuario de historia del derecho español, II, 1997, pp. 943-956.
BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal dos séculos XII a XV, 2ª ed.
Torquato Soares, ts. I e III, Lisboa, 1945.
BAYARD, Françoise, Le monde des financiers au XVIIe siècle, Flammarion, Paris, 1988.
BENIGNO, Francisco, L’Ombra del Re, Ministri e Lota Politica nella Spagna del Seicento, Marsilio,
Veneza, 1992.
BENIGNO, Francisco, La sombra del rey, Validos y lucha politica en la España del XVII, Alianza
Editorial, Madrid, 1994.
BERMEJO CABRERO, J.L., «Los primeros secretarios de los reyes», Anuario de historia del derecho
español, XLIX, 1979, pp. 186-296.
BERMUDEZ de CASTRO, D. Salvador, Antonio Perez, Secretario de Estado del Rey Felipe II,
Establecimiento Tipográfico, Madrid, 1841.
BERNARD, G. W., Power and Politics in Tudor England, Aldershot and Burlington, Ashgate, 2000.
BLUCHE, François, « L’origine sociale des sécrétaires d’État de Louis XIV (1661-1715) », XVII
siècle, 3, 42-43, 1959, pp. 8-22.
283
BLUTEAU, Rafael, «Puridade», Vocabulário Português e Latino, vol. VI, Officina de Pascoal da Sylva,
Lisboa, 1720, pp. 832-833
BONNEY, Richard, Political change in France under Richelieu and Mazarin, 1624-1661, Oxford, 1978.
BONNEY, Richard, The king’s debts, Finance and politics in France, 1569-1661, Clarendon Press, Oxford,
1981.
BONNEY, Richard, Economic Systems and State Finance, Oxford University Press, Oxford, 1995.
BONNEY, Richard, The Rise of the Fiscal State in Europe, c. 1200-1815, Oxford University Press,
Oxford, 1999.
BORDIEU, Pierre, «De la Maison du Roi à la raison d’État, Un modèle de la genèse du champ
bureaucratique», Actes de la Recherche en Sciences Sociales, nº 118, Genèse de l’État Moderne, 1997, pp. 55-68.
BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, «La magestad de Felipe II. Construcción del mito real», La Corte de
Felipe II, José Martínez Millán (org.), pp. 37-72.
BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, Portugal en la Monarquia Hispanica (1580-1640), Filipe II, las cortes de
Tomar y la genesis del Portugal Catolico, 2 vols., Universidad Complutense, Madrid, 1987.
BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, Del escrivano a la Biblioteca, La civilización escrita europeia en la alta edad
moderna (siglos XV-XVII), Editorial Sintesis, Madrid, 1997.
BOUZA, Fernando, Cartas para duas infantas Meninas, Portugal da Correspondência de d. Filipe I para as suas
filhas (1581-1583), CNCDP, Dom Quixote, Lisboa, 1998.
BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, Portugal no Tempo dos Filipes, Política, Cultura, Representações (1580-
1668), Cosmos, Lisboa, 2000.
BOUZA ÁLVAREZ, Fernando, El Libro y el Cetro La Biblioteca de Felipe IV en la Torre Alta del Alcázar
de Madrid, Instituto de História del Libro y de la Lectura, Madrid, 2005.
BOYDEN, James M., The Courtier and the King, Ruy Gómez da Silva, Philip II, and the Court of Spain,
University of California Press, 1995.
BRADDICK, Michael J., State Formation in Early Modern England c. 1550-1700, Cambridge University
Press, Cambridge, 2000.
BRAGA, Paulo Drumond, D. Pedro II, (1648-1706), uma biografia, Tribuna, Lisboa, 2006.
BRAZÃO, Eduardo A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros Criação de D. João V, Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1978.
284
BUESCU, Ana Isabel, O milagre de Ourique e a História de Portugal de Alexandre Herculano, uma polémica
oitocentista, INIC, Lisboa, 1987.
BUESCU, Ana Isabel, Imagens do Príncipe, Discurso normativo e representação (1525-1549), Cosmos,
Lisboa, 1996.
BUESCU, Ana Isabel, Memória e Poder, Ensaios de História Cultural (Séculos XV-XVIII), Lisboa,
Cosmos, 2000.
BUESCU, Ana Isabel, «A persistência da cultura manuscrita em Portugal nos séculos XVI e XVII»,
Ler História, 45, 2003, pp. 19-48.
BURCHELL, Graham, GORDON Colin, MILLER, Peter (eds.), The Foucault Effect: Studies in
Governmentality, University of Chicago Press, Chicago, 1991.
BURKE, Peter, History & Social Theory, Polity Press, Cambridge, 1992.
BURKE, Peter, Languages and Communities in Early Modern Europe, Cambridge University
Press, Cambridge, 2004.
BURNAY, Eduardo, O conde de Castelo Melhor, as suas presumidas relações com os alquimistas mágicos,
filósofos, moedeiros falsos e envenenadores do século XVII, Coimbra, 1923.
CAETANO, Marcello, Lições de História do Direito Português, Coimbra Editora, Coimbra, 1962.
CALDEIRA, Albano Alfredo de Almeida, «Memória sobre o serviço do Registo de Mercês», Boletim
das Bibliotecas e Archivos Nacionais, Coimbra, 1903.
CARDIM, Pedro, Centralização Política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime,
Separata, Nação e Defesa, IDN, nº 97, 1998.
CARDIM, Pedro, Cortes e Cultura Política no Portugal do Antigo Regime, Edições Cosmos, Lisboa, 1998.
285
CARDIM, Pedro, «Amor e amizade na cultura política séculos XVI e XVII», Lusitânia Sacra, 2º série,
Tomo XI, 1999.
CARDIM, Pedro, O poder dos afectos, Ordem amorosa e dinâmica política do Antigo Regime, Dissertação de
Doutoramento, UNL, FCSH, 2000.
CARDIM, Pedro, «A Casa Real e os orgãos centrais de governo no Portugal da segunda metade de
Seiscentos», Tempo, vol. 7, nº 13, Julho, 2002.
CARRETERO ZAMORA, Juan M., «Algunas consideraciones sobre las Actas de las Cortes en el
reinado de los Reyes Católicos, Actas de las Cortes de Madrid de 1510», Cuadernos de História Moderna,
nº 12, 1991, pp. 13-45.
CARVALHO, José Adriano Freitas de, «Introdução», Corte na Aldeia e noites de Inverno, Francisco
Rodrigues Lobo, Presença, Lisboa, 1992.
CHAUNU, Pierre, «L'État», Historie économique et sociale de la France, vol. I, F. Braudel e E. Labrousse
(dir.), PUF, Paris, 1977, pp. 11-228
CHRISTOPHER, Brandon W., «Officious men of state», Early modern drama and early English bureaucratic
identity, Department of English, Queen’s University, Kingston, 2007.
CLAVERO, Bartolomé, Tantas personas como estados. Por una antropología política de la historia europea,
Madrid, 1986.
COLEMAN, Christopher & STARKEY, David (eds.), Revolution Reassessed, Revision in the History of
Tudor Government and Administration, Oxford, 1986.
COLLINSON, Patrick, «Servants and citizens: Robert Beale and other Elizabethans»,
Historical Research, 79, 2006, pp. 488–511.
286
CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia, 4 vols., Porto , 1975.
CORTESÃO, Jaime, «A Economia da Restauração», Congresso do Mundo Português, vol. VII, Lisboa,
1940, pp. 671-687
CORTESÃO, Jaime, Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madrid, 4 vol., Livros Horizonte, Lisboa,
1984.
COSANDEY, Fanny & POUTRIN, Isabelle, Monarchies espagnole et française, 1550-1714, Atlande,
Paris, 2001.
COS-GAYÓN, F., Historia de la administración pública en España en sus diferentes ramos, (1851), Instituto
de Estudios Administrativos, Madrid, 1976.
COSTA, Leonor Freire, O transporte no Altântico e a Companhia Geral do Comércio do Brasil (1580-1663),
vol. I, CNCDP, Lisboa, 2002.
COSTA, Leonor Freire & CUNHA, Mafalda Soares da, D. João IV, Círculo de Leitores, 2006.
COSTA, Leonor Freire, «Fiscal innovations and making of the modern state : wich war did really
matter in the Portuguese case ?», artigo apresentado ao Third Iberian Economic History Workshop,
Iberometrics III, Valencia, 2007.
COSTA, Pietro, Iurisdictio, Semantica del potere politico medioevale (1100-1433), Milano, 1969.
COSTA, Pietro, Lo Stato imaginario, Metafore e Paradigmi nella Cultura Giuridica Italiana fra Ottocento e
Novecento, Giuffré, Milão, 1986.
COSTA, Pietro, Civitas, Storia della Cittadinanza in Europa, vol. I, Dalla Civiltà Comunale al Settecento,
Laterza, Bari, 1999.
ORMROD, W.M. & BONNEY, RICHARD (ed.), Crises, Revolutions and Self-Sustained Growth, Essays
in European Fiscal History, 1130-1830, Stanford, 1999.
CRUZ, António, «Introdução», Cartas de Mendo de Fóios Pereira, enviado de Portugal em Castela (1670-
1686), Centro de Estudos Humanísticos, FL da UP, Porto, 1963, pp. 1-9.
CRUZ, Maria Leonor G. da, A Governação de D. João III, a Fazenda Real e os seus vedores, Centro de
História da UL, Lisboa, 2001.
CRUZ, Maria do Rosário, As Regências na menoridade de D. Sebastião, Elementos para uma História
estrutural, 2 vols., INCM, Lisboa, 1992.
287
CUNHA, Mafalda Soares da, «Relações de poder, patrocínio e conflitualidade. Senhorios e
municípios (século XVI-1640)», Os Munícipios no Portugal Moderno, Mafalda Soares da Cunha e Teresa
Fonseca (eds.), Colibri-CIDEHUS, Lisboa, 2005, pp. 87-108.
CUNHA, Mafalda Soares da, «O Império Português no tempo de Filipe III. Dinâmicas Político-
Administrativas» investigação realizada no âmbito do projecto Optima Pars II – As elites portuguesas de
Antigo Regime, Projecto POCTI/HAR/35127/99 financiado pela FCT/MCTES, (inédito).
CURTO, Diogo Ramada, A Capela Real, um espaço de conflitos, séculos XVI a XVII, Separata da Revista
da Faculdade de Letras, Linguas e Literaturas, anexo V, Espiritualidade e Corte em Portugal, Porto,
1993, pp.144-154.
CURTO, Diogo Ramada, A Cultura Política em Portugal (1578-1642), Comportamentos, ritos e negócios, 2º
vol., Tese de Doutoramento em Sociologia Histórica, FCSH, UNL, Lisboa, 1994.
DAVIES, Joan, « The Secretariat of Henri I, Duc de Montmorency, 1563-1614 », The English
Historical Review, Oxford University Press, vol. 115, nº 463, 2000, pp. 814.
DEAN, M., Critical and effective histories: Foucault's methods and historical sociology, Routledge, 1994.
DESCIMON, Robert ; VINCENT, Bernard & SCHAUB, Jean-Frédéric (dir.), Les figures de
l’administrateur, Institutions, réseaux, pouvoirs en Espagne, en France et au Portugal, 16e-19e siècle, EHESS,
Paris, 1997.
DESCIMON, Robert, «L'homme qui signa l'édit de Nantes: Pierre Forget de Fresnes», Bulletin de la
Société de l'Histoire du Protestantisme français, 144, 1998, pp. 161-174.
DEZERT, G. Desdevises du, L’Espagne de l’Ancien Regime, Les Institutions, Paris, 1899.
DIAS, João José Alves, «A comunicação entre o poder central e o poder local, a difusão de uma lei
em 1532», Ensaios de História Moderna, Presença, Lisboa, 1988, pp. 129-143.
DIAS, João José Alves, «A primeira impressão das Ordenações Manuelinas, por Valentim
Fernandes», Portugal, Alemanha, Àfrica, Do Colinialismo Imperial ao Colonialismo Político, Actas do IV
Encontro Luso-Alemão, Edições Colibri, Lisboa, 1995.
DICKENS, A. G., The Courts of Europe, Politics, Patronage and Royalty, 1400-1800, London, Thames &
Hudson, 1977.
DIFFIE, Bailey W. & WINIUS, George D., A Fundação do Império Português (1415-1580), vol. II, Vega,
Lisboa, 1993.
DUPILET, Alexandre & SARMANT, Thierry, «Prélude à la Polysynodie : les projets politiques du
chancelier de Pontchartrain en 1712», Revue d’histoire du droit français et étranger, n° 4, 2005, p. 657-678.
288
ELIAS, Norbert, A sociedade de corte, (1969), Estampa, Lisboa, 1995.
ELLIOTT, J. H. & BROCKLISS, L. W. B. (eds.), The World of the Favourite, New Haven, Yale
University Press, 1999.
ELTON, G.R., The Tudor Revolution in Government: administrative changes in the Reign of Henry VIII,
(1953), Cambridge University Press, Cambridge, 1962.
EMMISON, F. G., «A Plan of Edward VI and Secretary Petre for Reorganizing the Privy Council’s
Work, 1552-3», Bulletin of the Institute of Historical Research, 31, 1958, pp. 203-210.
EMMISON, F. G., Tudor Secretary, Sir William Petre at Court and at Home, Harvard University Press,
Harvard, 1961.
ESCUDERO, José Antonio, Los Secretarios de Estado y del Despacho (1474-1724), 4 vols., Instituto de
Estudios Administrativos, Madrid, 1969.
ESCUDERO, José Antonio, «El Gobierno de Carlos V hasta la muerte de Gattinara. Canciller,
Consejos y Secretarios», El Imperio de Carlos V. Procesos de agregación y conflictos, B.J. Garcia Garcia (dir.),
Madrid, 2000, pp. 83-96
ESCUDERO, José Antonio, Felipe II: el rey en el despacho, Editorial Complutense, Madrid, 2002.
ESCUDERO, José Antonio, «Introducción. Privados, Validos y Primeros Ministros», Los Validos,
José Antonio Escudero (coord.), Dykinson, Madrid, 2004, pp. 15-34.
EVANS, Florence M. Greir, «Emoluments of the Principal Secretaries of State in the Seventeenth
Century», English Historical Review, 35, 1920, pp. 513-528.
EVANS, Florence M. Greir, The Principal Secretary of State, A Survey of the Office from 1558 to 1680.
Manchester University Press, Manchester, 1923.
FAUNT, Nicholas, «Nicholas Faunt’s Discourse Touching the Office of Principal Secretary of
Estate, &c. 1592», The English Historical Review, 20, 1905, pp. 499-508.
FEROS CARRASCO, Antonio, «Twin Souls: monarchs and favorites in early seventeenth-century
Spain», Spain, Europe and Atlantic World, Essays in honour of John H. Elliott, Cambridge University Press,
Cambridge, 1995, pp 27-47.
FEROS CARRASCO, Antonio, Kingship and Favoritism in the Spain of Philip III, 1598-1621, Cambridge
University Press, 2000.
FERRO, João Pedro, Para a História da Administração Pública na Lisboa Seiscentista, Planeta, Lisboa,
1996.
289
FIORAVANTI, Maurizio (org.), Lo Stato moderno in Europa, Istituzioni e diritto, Editori Laterza, Roma-
Bari, 2002.
FOUCAULT, Michel, A vontade de saber, História da sexualidade, vol. I, Relógio D'Água Editores,
Lisboa, 1994.
FOUCAULT, Michel, Segurança, Território, População, Martins Fontes, São Paulo, 2008.
FREITAS, Antoniete Gonçalves de, «Temos por bem e mandamos», A burocracia régia e os seus oficiais em
meados de Quatrocentos (1439-1460), vol. I, Dissertação de Doutoramento em História da Idade Média,
Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Porto, 1999.
FRIGO, Daniela, Il padre di famiglia. Governo della casa e governo civile nella tradizione dell’«economica tra
Cinque e Seicento, Bulzioni, Roma, 1985.
FROSTIN, Charles, «L’organisation ministérielle sous Louis XIV : cumul d’attributions et situations
conflictuelles (1690-1715)», Revue historique de droit français et étranger, 1980, n° 2, pp. 201-226.
GARCIA GALLO, Alfonso, «La division de materia administrativa en España moderna», Actas del II
Symposium de Historia de la Administracion, Madrid, 1971, pp. 289-306.
GARCÍA Y GARCÍA, Antonio, «Para una interpretación de los concilios y sínodos», Iglesia sociedad y
derecho, Antonio García y García (ed.), Universidad Pontificia de Salamanca, Salamanca, 1985, pp.
373-388.
GARCIA MARIN, José, La Burocracia Castellana bajo los Austrias, Ediciones del Instituto Garcia
Oviedo, Universidad de Sevilla, 1976.
GARCÍA MARÍN, José, «El dilema ciencia-experiencia en la selección del oficial público en la
España de los Austrias», en Actas del IV Symposium de Historia de la Administración, Madrid 1983, pp.
261-280.
GARRIGA, Carlos, «Orden jurídico y poder político en el Antiguo Régimen», Istor, IV, 16, 2004,
http://www.istor.cide.edu/archivos/num_16/dossier.html
GELABERT, J. E., La bolsa del rey, Rey, reino y fisco en Castilla (1598-1648), Barcelona, 1997.
290
GIL PUJOL, Xavier, «Del Estado a Los Lenguajes Políticos, del Centro a la Periferia, Dos Décadas
de Historia Política sobre la España de los siglos XVI y XVII», El Hispanismo Anglonorteamericano:
Aportaciones, problemas y perspectivas sobre Historia, Arte y Literatura españolas (siglos XVI-XVIII), Jose
Manuel de Bernardo Ares (org.), Córdova, POSCC, 2001, pp. 883-918.
GODINHO, Vitorino Magalhães, «Finanças Públicas e Estrutura do Estado», Ensaios II, Sobre
História de Portugal, Sá da Costa, Lisboa, 1978, pp.29-74.
GOMES, Rita Costa, The Making of a Court Society. Kings and Nobles in Late Medieval Portugal, Cambridge
University Press, Cambridge, 2003.
GÓMEZ GÓMEZ, M., Forma y expedición del documento en la Secretaría de Estado y del Despacho de Indias,
Sevilha, 1993.
GONZÁLEZ PALENCIA, Angel, Gonzalo Pérez, secretario de Felipe II, 2 vols., Madrid, 1946.
GONZALO SÁNCHEZ-MOLERO, José Luis, «Mateo Vázquez de Leca, um secretario entre libros,
1, El escritorio», Hispania, 221, 2005, pp. 813-846.
GOODY, Jack, The domestication of savage mind, Cambridge University Press, Cambridge, 1977.
GOODY, Jack, A lógica da escrita e a organização da sociedade, Edições Setenta, Lisboa, 1987.
GRAFTON, Anthony, Defenders of the Text, The Traditions of Scholarship in the Age of Science, 1450-1800,
Harvard University Press, Harvard, 1991.
GRIFFITHS, Paul, «Secrecy and authority in late sixteenth and seventeenth century London», The
Historical Journal, Cambridge University Press, 40, 1997, pp. 925-951.
GROENVEL, S. & WINTLE, M. (eds.), State and Trade: Government and Economy in Britain and the
Netherlands since the Midle Ages, Zutphen, 1992.
GROSSI, Paolo, «Un altro modo di possederi», l’emersione di forme alternative di proprietá alla coscienza giuridica
postunitaria, Giuffré, Milão, 1977.
GROSSI, Paolo, «Un Diritto senza Stato, la nozione di autonomia come fondamento della
costituzione giuridica medievale, Quaderni Fiorentini, 25, 1996, pp. 267-284.
GUENEE, B., «Y a-t-il un État des XIVe et XVe siècles?», Annales E.S.C., XXVI, 1971, pp. 399-406.
GUERY, Alain, «Versailles, le phantasme de l’absolutisme (note critique)», Annales ESC, mars-avril
2001, p. 507-517.
HESPANHA, António M., História das Instituições, Épocas Medieval e Moderna, Almedina, Coimbra,
1982.
291
HESPANHA, António M., «O projecto institucional do tradicionalismo reformista: um projecto de
Constituição de Francisco manuel Trigoso de Aragão Morato (1823)», O liberalismo na península ibérica
na primeira metade do século XIX, Sá da Costa, Lisboa, 1982, vol. I, pp. 63-90.
HESPANHA, António M. (ed.), Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime, colectânea de textos, FCG,
Lisboa, 1984.
HESPANHA, António M., «Una historia de textos», Sexo barroco y otras transgressiones
premodernas,Tomás y Valiente (org.), Alianza, Madrid, 1990, pp. 187-196.
HESPANHA, António M., «As Cortes e o reino», Cuadernos de Historia Moderna, nº 11, 21-56,
Universidade Complutense de Madrid, 1991, pp. 21-56.
HESPANHA, António M., La Gracia del derecho, Economia de la cultura en la edad moderna, Centro de
Estudios Constitucionales, Madrid, 1993.
HESPANHA, António M., As Vésperas dos Leviathan, Instituições e poder político, Portugal - sec, XVII,
Almedina, Coimbra, 1994.
HESPANHA, António M., Panorama Histórico da Cultura Jurídica Europeia, Publicações Europa-
América, Mem Martins, 1997.
HESPANHA, António M., «Justiça e Administração entre o Antigo Regime e a Revolução», Justiça e
Litigiosidade, História e Prospectiva, FCG, Lisboa, 1993, pp. 381-468.
HESPANHA, António M., «Las categorias de lo politico y de lo juridico en la epoca moderna», Ius
Fugit, Revista interdisciplinar de estudos historico-jurídicos, 3-4, 1996, pp. 63-100.
HESPANHA, António M., «Os modelos institucionais da colonização portuguesa e as suas tradições
na cultura jurídica europeia», A União Ibérica e o Mundo Atlântico, Lisboa, Edições Colibri, 1997, pp.
65-71.
HESPANHA, António M., (coord.), O Antigo Regime, vol. IV, História de Portugal, José Mattoso (dir.),
Estampa, Lisboa, 1997.
HESPANHA, António M., «Os juristas como couteiros», Análise Social, 161, 2001, pp. 1183-1209.
HESPANHA, António M., «Marginalia sobre dois seminários de história do poder», Themis, Revista
da Faculdade de Direito da UNL, n°4.6, 2003, pp. 165-193.
HESPANHA, António M. «Le droit du quotidien», Conférences Marc Bloch, 1997, [on-line], 24 Junho
2006, http://cmb.ehess.fr/document123.html
HIGHAM, C. S. S., The Principal Secretary of State: A Survey of the Office from 1558 to 1680, Manchester,
1923.
292
HINTZE, Otto Van, «El Comissário en la historia de la administración», (1910), História de las formas
Políticas, Madrid, 1968, pp. 155-192.
HOMEM, António Barbas e NOGUEIRA, Duarte, «Secretário de Estado», José Pedro Fernandes
(dir.), Dicionário Jurídico da Administração Pública, Lisboa, s.e., 1996, vol. VII, pp. 353-365.
HOMEM, Armando L. C.; DUARTE, Luís Miguel & MOTA Eugénia Pereira da, «Percursos na
Burocracia Régia (séculos XIII-XV)», A Memória da Nação, Francisco Bethencourt e Diogo Ramada
Curto (org.), Sá da Costa, Lisboa, 1991, pp. 405-410.
JESSOP, Bob, «The State and the State Building», The Oxford Handbook of Political Institutions, Oxford
University Press, 2006.
JOYCE, Joseph Newcombe, Spanish influence on Portuguese administration, a study of the Conselho da
Fazenda and Habsburg Brazil, 1580-1640, University of Southern California, 1974.
KELLEY, Donald, Foundations of Modern Historical Scholarship, Columbia University Press, New York,
1970.
KENISTON, Hayward, Francisco de los Cobos, Secretary of the Emperor Charles V, Pittsburgh, Pa., 1960.
KINGDOM, Robert M., Geneva and the Consolidation of French Protestant Movement (1564-1572),
University of Wisconsin Press, Droz & Madison, Wisconsin-Genève, 1967.
KINGDOM, Robert M., «Calvinism and Resistence Theory (1550-1580)», The Cambridge History of
Political Thought (1450-1700), J. H. Burns, Mark Goldie (ed.), Cambridge University Press, Cambridge,
1991, pp. 193-218.
KNIGHTON, C.S., ‘The Principal Secretaries in the Reign of Edward VI: reflections on their office
and archive’, C. Cross and others (ed.), Law and Government under the Tudors. Law and Government Under
the Tudors: Essays Presented to Sir Geoffrey Elton, Cambridge University Press, 1988, pp. 163-177.
KOENIGSBERGER, H. G., «The statecraft of Philip II», European Studies Review, I, 1971, pp. 1-21.
KOENIGSBERGER, H. G., «Republics and Courts in Italian and European Culture», Past and
Present, 83, 1979, pp. 32-56.
293
LEGENDRE, Pierre, «La royaté du droit administratif», Revue historique de Droit français et étranger,
Sirey, Paris, pp. 696-733.
LEGENDRE, Pierre, Le désir politique de Dieu, Études sur les montages de l’état et du droit, Fayard, Paris,
1988.
LUBAC, Henri de, Exégèse Médiévale, Les quatre sens de l’Écriture, 4 vols., Aubier, Paris, 1959-1964.
LOPEZ-CÓRDON, M. V., «Secretarios y secretarías en la edad moderna, de las manos del Príncipe
a relojeros de la Monarquía», Studia Historica. Historia Moderna, 15, 1996, pp. 107-131.
LORENZO CADARSO, Pedro Luis, La documentación judicial en la época de los Austrias, Estudo
Archivistico y diplomatico, Cáceres, 1999.
LORENZO CADARSO, Pedro Luis, El documento real en la época de los austrias (1516-1700),
Universidad de Extremadura, Servicio de Publicaciones, Cáceres, 2001.
LOUREIRO, Francisco de Sales, D. Sebastião, antes e depois de Alcácer Quibir, Lisboa, 1978.
LOURENÇO, Maria Paula Marçal, A Casa e o Estado do Infantado 1654-1706, Centro de História da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 1995.
LOVETT, A.W., Philip II and Mateo Vázquez de Leça: the Government of Spain (1572-1592), Genebra,
1977.
LUÇAY, H. de, Les Origines du pouvoir ministériel en France, Les Secrétaires d’État depuis leur instituition
jusqu’à la mort de Louis XV, Paris, 1976.
LUTTRELL, N., A Brief Historical Relation of State Affairs from September 1678 to April 1714, 6 vols.,
Oxford, 1857.
LUXÁN MELÉNDEZ, Santiago, La Revolución de 1640 en Portugal, sus fundamentos sociales y sus caracteres
nacionales, El Consejo de Portugal (1580-1640), Universidad Complutense, Madrid, 1988.
LUZ, Francisco Mendes da, O Conselho da Índia, contributo ao Estudo da Historia da Administração e do
Comércio do Ultramar nos principios do século XVII, Lisboa, 1952.
MAGALHÃES, Joaquim Romero (coord.), No Alvorecer da Modernidade, vol. III, História de Portugal,
José Mattoso (dir.), Estampa, Lisboa, 1997.
294
MAGALHÃES, Joaquim Romero, «Os Espacos Administrativos na Construção do Estado Moderno
em Portugal a pretexto de Leiria no século XVI», A Historiografia Portuguesa, Hoje, José Tengarrinha
(coord.), HUCITEC, São Paulo, 1999.
MANNORI, Luca & SORDI, Bernardo, Storia del diritto aministrativo, Editori Laterza, Roma – Bari,
2003.
MANSFIELD, Harvey C., Machiavelli’s Virtue, University of Chicago Press, Chicago, 1996.
MARAÑÓN, Gregorio, Antonio Pérez (el hombre, el drama, la época), 2 vols., Madrid, 1951.
MARAVALL, José Antonio, Estado moderno y mentalidad social (siglos XV a XVII), 2 vols., Madrid,
1972.
MARQUES, A. H. de Oliveira, Portugal na crise dos Séculos XIV e XV, vol. IV, Nova História de Portugal,
Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques (ed.), Editorial Presença, Lisboa, 1987.
MARQUES, João Francisco, «A crítica de Vieira ao poder político na escolha de pessoas e concessão
de mercês», Revista de História, vol. VIII, Porto, 1988, pp. 228-237.
MARQUILHAS, Rita, A Faculdade das Letras, Escrita e Leitura em Portugal no século XVII, INCM,
Lisboa, 2000.
MARTÍNEZ MILLAN, J., «Grupos de poder en la corte durante el reinado de Felipe II, la facción
ebolista», Instituciones y elites de poder en la monarquia hispánica durante el siglo XVI, Martinez Millan (dir),
Universidad Autonoma, Madrid, 1992, pp 137-197.
MARTÍNEZ ROBLES, M., Los oficiales de las Secretarías de la Corte bajo los Austrias y los Borbones 1517-
1812, Madrid 1987.
MARTINHEIRA, José Sintra, Catálogo dos Códices do Conselho Ultramarino relativos ao Brasil existentes no
Arquivo Histórico Ultramarino, FCG, Rio de Janeiro, 2001.
MATOS, Gastão de Melo de, Espiões e Agentes Secretos nos Princípios do século XVIII, Oeiras, 1931.
MATOS, Gastão de Melo de, «Um Processo Político do Século XVII», Congresso do Mundo Potuguês,
vol. VII, Lisboa, 1940.
MATOS, Gastão de Melo de, «O sentido da crise política de 1667», Anais da Academia Portuguesa de
História, 1ª série, vol. VIII, Lisboa, 1944.
MATOS, Gastão de Melo de, «Introdução», História das Revoluções de Portugal, Abade de VERTOT,
Edições Altura, Porto, 1945.
MATOS, Gastão de Melo de, Panfletos do século XVII, Academia Portuguesa de História, Lisboa,
1946.
MATTOSO, José, Identificação de um país, Ensaio sobre as origens de Portugal, 1096-1325, vol. II,
Composição, Lisboa, Estampa, 1985.
295
MELO, Evaldo Cabral de, O Negócio do Brasil, Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669),
CNCDP, Lisboa, 2001.
MELO, Josemar H., A Secretaria de Governo da Capitania de Pernambuco como parte do aparelho burocrático
colonial, 2006 (inédito).
MENDONÇA, Manuela, D. João II, um percurso humano e político nas origens da modernidade em portugal,
Estampa, Lisboa, 1991.
MENESES, Luís de, conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado, António Álvaro Dória,
prefácio, edição e notas, 4 vols., Livraria Civilização, Porto, 1945-46.
MERÊA, Paulo, «A ideia da origem Popular do poder nos escritores portugueses anteriores à
Restauração», Estudos de História do Direito, Coimbra Editora, Coimbra, 1923, pp. 229-246.
MERÊA, Paulo, Da minha Gaveta, os secretários de estado do antigo regimen, Coimbra, 1965.
MICHAUD, Hélène, «Les bibliothéques des secrétaires du roi au XVI siècle», Bibliothéque de l’école des
chartes, vol. 126, nº 2, 1968, pp. 333-376.
MONTEIRO, Ana Rita Amaro, Legislação e Actos de Posse do Conselho Ultramarino, 1642-1830,
Universidade Portucalense, Porto, 1997.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo, «Identificação da política setecentista. Notas sobre Portugal no início
do periodo joanino», Análise Social, Vol. XXXV (157), 2001, pp. 961-987.
MONTEIRO, Nuno G., O Crepúsculo dos grandes, A casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-
1850), Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2003.
MYRUP, Erik Lars, The Rule from Afar, The Overseas Council and the making of Brazilian West, 1642, 1807,
Phd dissertation, Yale University, 2006.
NEVES, Francisco Ferreira, Testamento de Diogo Soares secretário de Estado em Espanha no ano de 1640 e
fundador do mosteiro de Serém, Aveiro, 1952.
NORTH, Douglass, Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge University
Press, Cambridge, 1990.
OLIVAL, Fernanda, As Ordens Militares e o Estado Moderno, Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641-
1789), Estar, Lisboa, 2001.
OLIVEIRA, António de, «O atentado contra Miguel de Vasconcelos em 1634», O Instituto, Revista
Científica e Literária, Separata dos Volumes CXL-CXLI, 1980-1
296
OLIVEIRA, António de, Poder e oposição política em Portugal no período filipino (1580-1640), Difel,
Lisboa, 1991.
OLIVEIRA, Luís Miguel, João Pinto Ribeiro, O Estado e a Sociedade na Perspectiva de um Letrado,
Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1991.
ORMROD, David, The Rise of Commercial Empires, England and the Netherlands in the Age of Mercantilism,
1650-1770, Cambridge University Press, Cambridge, 2003.
PAGDEN, Anthony (org.), The Languages of political theory in early-modern Europe, Cambridge,
Cambridge University Press, 1987.
PALHA, Fernando, O Conde de Castel Melhor no exilio, ensaio biographico, Imprensa Nacional, Lisboa,
1883.
PÉNICAUT, Emmanuel, Faveur et pouvoir au tournant du Grand Siècle : Michel Chamillart, ministre et
secrétaire d’État de la guerre de Louis XIV, Paris, 2004.
PERES, Damião, Regimento das Casas das Indias e Mina, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1947.
PERES, Damião, O Conselho da Fazenda e as alterações Monetárias no Reinado de D. João IV, Lisboa, 1959.
PESSANHA, José, «Uma Rehabilitação historica, inventarios da Torre do Tombo no seculo XVI»,
Archivo Historico Portuguez, III, Lisboa,1905, pp. 287-303.
PLATT, F. Jeffrey , «The Elizabethan "Foreign Office"», The Historian, vol. 56, 1994.
PONCET, Olivier, Pomponne de Belllièvre (1529-1607), un homme d’etat au temps de guerres de religion, Paris,
1998.
PRESTAGE, Edgar, Dr. António de Sousa de Macedo, Residente de Portugal em Londres (1642-1646),
Separata do Boletim da Segunda Classe, vol. X, Academia das Sciencias de Lisboa, 1916.
PRESTAGE, Edgar, Correspondência do conde de Castelo Melhor com o Padre Manuel Fernandes e outros,
Coimbra, 1917.
PRESTAGE, Edgar, «Memórias sobre Portugal no reinado de D. Pedro II», Separata do Arquivo
Histórico de Portugal, 1935.
PRESTAGE, Edgar, A «Catastrophe de Portugal» e o Tratado da Liga de 1667 com a França, Lisboa, 1939.
297
PRESTAGE, Edgar, «The mode of government in Portugal during the Restauration period»,
Mélanges d’études portugaises, 1949, pp. 263-270.
PUNTONI, Pedro, «Bernardo Vieira Ravasco, secretário do Estado do Brasil, poder e elites na Bahia
do século XVII», Modos de Governar, Ideias e Práticas Políticas no Império Português - Séculos XVI-XIX,
Alameda, São Paulo, 2005, pp. 157-178.
RANUM, O., Richelieu and the councillors of Louis XIII, A study of the secretaries of State and superintendents of
finance in the ministry of Richelieu (1635-1642), Clarendon Press, Oxford, 1963.
RAU, Virgínia, «Fortunas ultramarinas e nobreza portuguesa no século XVII», Revista Portuguesa de
História, t. VIII, Coimbra, 1959, pp. 1-25.
READ, C., Mr. Secretary Walsingham and the policy of Queen Elizabeth, 3 vols., Oxford, 1925.
REIS, Pedro França, Conselheiros e Secretários de Estado de Portugal de D. João IV a D. José I (subsídios para
o seu estudo sócio-jurídico), Tese de Mestrado, Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Coimbra,
1987.
RIBA GARCÍA, Carlos (ed.), Correspondencia privada de Felipe II con su secretario Mateo Vázquez, 1567-
1591, Madrid, 1959.
RIBEIRO, João Pedro, Observações Historicas e Criticas para servirem de Memorias ao Systema da Diplomacia
Portugeza, Tipografia da Academia Real das Ciências de Lisboa, Lisboa, 1798.
RICHET, Denis, «N.M. Sutherland, The French Secretaries of State in the Age of Catherine de
Medici», Annales, H.S.S, vol. 23, nº 2, 1968, pp. 425-427.
RICHET, Denis, La France Moderne, L’esprit des institutions, Flammarion, Paris, 1992.
RODRÍGUEZ de DIEGO, José Luis, «Evolución histórica del expediente», Anuário de História del
Derecho, t. LXVIII, 1998, pp. 475-490.
RODRÍGUEZ-SALGADO, Mia J., The changing face of Empire, Charles V, Philip II and Habsburg
authoriy, 1551-1559, Cambridge University Press, Cambridge, 1998.
RUSSEL, Bertrand, O Poder, uma nova análise social, Fragmentos, Lisboa, 1990.
SAMOYAULT, Jean-Pierre, Les bureaux du secrétariat d’État des Affaires étrangères sous Louis XV,
Pedone, Paris, 1971.
SAMPAYO, Luiz Teixeira de, O Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Subsídios para o
Estudo da Diplomacia Portuguesa, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1925.
SANTOS, Catarina Madeira,“Goa é a chave de toda a Índia”, Perfil político do Estado da Índia, CNCDP,
Lisboa, 1999, pp. 173-174.
SANTOS, Marília Nogueira dos, Deste seu servidor leal e dedicado: a correspondência de Antônio Luís
Gonçalves da Câmara Coutinho no governo-geral do Estado do Brasil (1690-1694), UFF, Niterói, 2004.
298
SARMANT, Thierry & STOLL, Mathieu, «Le style de Louvois: formulaire administratif et
expression personnelle dans la correspondance du secrétaire d’État de la Guerre de Louis XIV»,
Annuaire-bulletin de la Société de l’histoire de France, 1999, p. 57-77.
SARMANT, Thierry (dir.), Les ministres de la guerre, 1570-1792, histoire et dictionnaire biographique, Belin ,
Service historique de la défense, 2007.
SCHULZE, Hagen, État et Nation dans l’histoire de l’Europe, Seuil, Paris, 1996.
SCHAUB, Jean-Frédéric, «Le Temps et l’État: vers un nouveau régime historiographique de láncien
regime français», Quaderni Fiorentini, Per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, 25, Milano, 1996, pp.
127-181.
SCHAUB, Jean-Frédèric, La France Espagnole, Les racines hispaniques de l’absolutismo français, Éditions du
Seuil, Paris, 2003.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Documentos Inéditos para a História do Reinado de D. Sebastião, Separata do
Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1958.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo, Governo dos Reis Espanhóis (1580-1640), vol. IV, História de Portugal,
Lisboa, 1978.
SERRÃO, Joel, Em torno das condições económicas de 1640, Separata de Vértice, nº 88 a 91, 1950 – 1951.
SILVA, Eunice Jorge da, A administração de Angola, século XVII., 2. vols, (dissertação de Mestrado),
FL-UL, Lisboa, 1996.
SILVA, Luis Rebelo da, História de Portugal nos séculos XVII e XVIII, vol. V, Imprensa Nacional,
Lisboa, 1871.
SILVA, Nuno Espinosa da, História do Direito Português, Fontes de Direito, FCG, Lisboa, 2000.
299
SKINNER, Quentin, The Foundations of Modern Political Thought, vol. I, The Renaissance, Cambridge
University Press, Cambridge, 1978.
SKINNER, Quentin, «Significação e compreensão na história das ideias» (1969), Visões da Política,
Difel, Lisboa, 2005.
SMITH, Alan G. R., «The secretaries of the Cecils, circa 1580-1612», The English Historical Review, vol.
83, nº 328, Jul. 1968, pp. 481-504.
SOULINGEAS, Yves, GAL, Stéphane, SAVASSE, Jacques De Monts de (dir.), L'Europe d'Henri IV,
La correspondance diplomatique du secrétaire d'Etat Louis de Revol, 1588-1593, PUG, Collection La Pierre et
l'Ecrit, Grenoble, 2004.
SOUSA, Francisco, O Ministro de Afonso VI, Luís Vasconcelos e Sousa, 3º conde de Castelo Melhor, Câmara
Municipal de Vila Nova de Foz Côa, 2001.
STRAYER, J., On the Medieval Origins of the Modern State, Princeton University Press, Princeton, 1970.
SUBTIL, José, O Terramoto Político (1755-1759), memória e poder, UAL, ediual, Lisboa, 2006.
SUTHERLAND, N. M., The French Secretaries of State in the Age of Catherine de Medici, University of
London Historical Studies, London, 1962.
TOMÁS Y VALIENTE, Francisco, Los Validos en la monarquía española del siglo XVII, Estudio
institucional, Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1963.
T’ HART, Marjolein C., The Making of a Bourgeois State, War, Politics and Finance during the Dutch Revolt,
Manchester, 1993.
THOMAZ, Luís Filipe, «Estrutura política e administrativa do Estado da Índia no século XVI», De
Ceuta a Timor, Difel, Lisboa, 1994, pp. 207-243.
THOMPSON, I. A. A., «El contexto institucional de la aparición del ministro-favorito», The World of
the Favourite, Elliott, J. H. & Brockliss, L. W. B. (eds.), Yale University Press, New Haven, 1999, pp.
25-41.
TORGAL, Luís Reis, Ideologia Política e Teoria do Estado, vol. I e II, Coimbra, 1981-1982.
TOVAR, Conde de, As Memórias de Álvaro Lopes Secretário delRei D. João II, Lisboa, 1932.
TOVAR, Conde de, «O Arquivo do Conselho de Estado», Anais da Academia Portuguesa de História, II
série, vol. II, Lisboa, 1960.
TOVAR, Conde de, «O Escrivão da Puridade», Estudos Históricos, Tomo III, vol. 6, Lisboa, 1961.
300
TURNER, Edward Raymond «The Development of the Cabinet, 1688-1760», The American Historical
Review, vol. 18, nº 4, 1913, pp 751-768.
UNGERER, Gustav, A spaniard in Elizabethan England, the correspondence of Antonio Pérez's exile, 2 vols.,
Tamesis Books Limited, London, 1974-1978.
UNGERER, Gustav, La defensa de Antonio Pérez contra los cargos que se le imputaron en el Proceso de Visita
(1584), Diputación Provincial, Institución Fernando El Católico, Zaragoza, 1980.
VALE, Teresa Leonor, D. Fr. Manuel Pereira, Bispo e Secretário de Estado, Poder esclesiástico, Poder Político e
Mecenato artístico na 2ª Metade do século XVII, E.G., Lisboa, 1994.
VALLADARES, Rafael, A independência de Portugal, Guerra e Restauração, 1640-1668, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2006.
VASCONCELOS, Frazão de, Alguns Subsídios sobre Álvaro Lopes de Chaves, Secretário dos Reis D. Afonso
V e D. João II, Separata da Revista de Arqueologia, vol. II, Lisboa, 1936.
VAUGHAN, Jacqueline D., Secretaries, Statesmen and Spies, The clerks o the Tudor Privy Council, c. 1540-
c.1640, University of St. Andrews, (Dissertação de Doutoramento), School of History, 2006.
VAZ, Vasco Rodrigues dos Santos Machado, A boa memória do monarca, os escrivães da chancelaria de D.
João I (1385-1433), Dissertação de Mestrado, Faculdade de Letras Universidade do Porto, Porto,
1995.
VELOSO, Queirós, «A perca da independência – factores internos e externos que para ela
contribuiram», Congresso Mundo Português, vol. VI, 1940.
VELOSO, Queirós, O interregno dos Governadores e o breve reinado de D. António, 1956, Academia
Portuguesa de História, Lisboa, 1956.
VELOSO, Queirós, A Universidade de Évora, Elementos para a sua História, Academia Portuguesa de
História, Lisboa, 1976.
VIVES, J. V., «La struttura amministrativa statale nei secoli XVI e XVII», Lo Stato moderno, vol. I, Dal
Medio Evo all'età moderna, E. Rotelli & P. Schiera (ed.), Il Mulino, Bolonha, 1971, pp. 221-240.
VOLPINI, Paola, «I conflitti di precedenza nella dinamica politica, fiscale e segretario nella
monarchia spagnola del seicento», Annali di Storia moderna e contemporanea, 9, 2003, pp. 509-532.
301
VOLPINI, Paola, Lo spazio politico del «letrado». Juan Bautista Larrea magistrato e giurista nella monarchia di
Filippo IV, Il Mulino, Bologna, 2004.
XAVIER, Ângela Barreto, «El Rei aonde póde, & não aonde quér», Razões da Política no Portugal Seiscentista,
FCSH, UNL, Colibri, Lisboa, 1998.
XAVIER, Ângela Barreto & CARDIM, Pedro, D. Afonso VI, Círculo de Leitores, 2006.
WERNHAM, R. B., «The Disgrace of William Davison », The English Historical Review, vol. 46, nº.
184, 1931, pp. 632-636.
WOOTTON, David (ed.), Divine Right and Democracy, An Anthology of Political Writing in Stuart England,
Penguin Books, London, 1986.
WORDEN, Blair, GENTLES & Ian, MORRILL, John (eds.), The Soldiers, Writers and Statesmen of the
English Revolution, Cambridge University Press, Cambridge, 1998.
ZARKA, Yves Charles (dir.), Raison et Déraison d’état, Presse Universitaires de France, Paris, 1994.
302
ANEXO I
1571[1578]1579 a 159?
i
João Brandão Soares secretário do Conselho da Índia 1604 a 1605
1605 a 16??
ii
Luís Falcão secretário de estado da Índia e Conquistas do 1631a 1632
Conselho de Portugal
1640 a 1643
[secretário da Assiantura]
Pedro Severim de Faria [Noronha] secretário de estado das mercês 1653 a 1664
iii
Luís Teixeira de Carvalho [secretário de estado] para servir no 1680 a 1686
impedimento
FONTES
IAN/TT, Corpo Cronológico, Parte I; IAN/TT, Chancelarias D. João II, D. Manuel, D. João III, D. Sebastião e D.
Henrique, D. Filipe I, D. Filipe II, D. Filipe III, D. João IV, D. Afonso VI, D. Pedro II; Santiago de LUXÁN
MELÉNDEZ, La Revolución de 1640 en Portugal... pp. cit.; Pedro França REIS, Conselheiros e
Secretários de Estado de Portugal…pp. cit.
iv
ANEXO II
“Esboço orgânico” das Secretarias (1530-1706).
data Secretarias
1530 Reino/Índia/Fazenda/Mercês
Pedro Alcáçoa Carneiro
1571 Secretário Reino e África Índia
Miguel de Moura Duarte Dias de Meneses
1578 Secretário Reino/ África e Índia Secretário dos Governadores (1578-1580)
Miguel de Moura Bartolomeu Fróis
Lopo Soares
1582 Secretaria do rei Secretaria do Reino «Índia» e conquistas
Lopo Soares Miguel de Moura
Nuno Álvares Pereira
1583 Escrivão da puridade Secretário do Conselho de Portugal
Miguel de Moura Nuno Álvares Pereira
Secretário do «Reino»
Lopo Soares
v
1607 Secretário de estado Secretário do Secretário de «Secretário de Secretário «Secretário
Conselho da Estado e estado» do Reino, de estado»
Cristovão Soares Índia Justiça CP [Fazenda, Contos,
Ordens Africa e [de petições,
João Brandão João Brandão militares, Ordens CP mercês,
Soares Soares Justiça, Fazenda]
Governo e Luís de
António Velles provisão de Figueiredo Francisco de
de Cima ofícios] CP Almeida e
Vasconcelos
Pedro Soares Fernão de
Matos
António
Campelo
António António
Campelo Campelo
Francisco de
Almeida e
Vasconcelos
vi
1640 Secretaria de Estado
Francisco de Lucena
D. António Pereira da Silva Bartolomeu de Sousa Mexia Diogo de Mendonça Corte Real
vii