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SACRIFÍCIO RITUAL:
VIOLÊNCIA COMO MEIO DE COMUNHÃO COM O DIVINO

José Aristides da Silva Gamito1

1. Conceito de sacrifício ritual

No contexto religioso antigo, sacrifício é uma oferenda que se faz à divindade e


quanto mais valiosa for, melhor será a satisfação do homenageado. As oferendas
normalmente não eram desinteressadas, o crente pretendia alcançar um benefício da
divindade. 2 O que é mais choca com a mentalidade contemporânea é o fato de que o
“mais valioso” era a vida de um animal ou de um ser humano.
Segundo Tylor (apud CABRERA) a origem da prática sacrifical está numa idéia
de barganha com deus. O crente oferece um suborno para que a divindade lhe responda
prontamente. Posteriormente, a idéia evolui para outros sentidos. Robertson Smith
(apud CABRERA) considera que a origem da prática sacrifical se apóia na finalidade de
comunhão com o essencial. Principalmente, quando os crentes se alimentam de parte da
vítima sacrificada.3 Na consideração de Cardoso, “a prática sacrifical apresenta como
padrão a destruição ou a remoção de algo de seu contexto original terreno. Em busca de
benefícios específicos”.4

2. Sacrifício e violências nas religiões

As religiões antigas como o judaísmo, o hinduísmo e as religiões gregas


valorizavam o sacrifício físico. O fato não permanece as religiões reformadas como o
cristianismo, o islamismo e o budismo. O deus Yahweh é designado como “Senhor dos

1
Filósofo e mestre em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória. E-mail:
joaristides@gmail.com.
2
CABRERA, Isabel. El Lado Oscuro de Diós. Barcelona: Editorial Paidós, 1998, p. 57.
3
CABRERA, 1998, p. 58.
4
CARDOSO, Bianca Miranda. Depósitos de sacrifícios humanos “Terrenos de enterramentos formais”:
Caso de Gordion e população gálata. Dissertação de Mestrado. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2014, p. 59.
2

exércitos” e está sempre envolvido em massacres e episódios sangrentos. Em Números


16, 23-35, ele queima duzentos e cinquenta homens como num sacrifício.5
O holocausto judaico exigia o esquartejamento e queima da vítima sobre o altar.
Não havia o costume de consumir a carne da oferenda. Não falta, porém, situações de
sacrifício humano no Antigo Testamento. O pedido de Yahweh para Abraão sacrifical
Isaac pretende estabelecer uma comunhão entre crente e divindade.6
O Antigo Testamento apresenta o episódio de Jefté. Este promete a Deus que, se
vencesse a guerra, ofereceria em holocausto aquilo que primeiro aparecesse na porta
saindo da sua casa. E foi sua filha. Ele cumpriu sua promessa, matando-a num sacrifício
ritual de seres humanos (Jz 11, 29-40). Em 2 Samuel 1-9, Davi mandou enforcar em
sacrifício sete homens para aplacar uma seca. Apesar de a lei mosaica condenar os
sacrifícios de crianças ao deus Moloque, mesmo assim houve sacrifícios humanos
dirigidos a Yahweh.
No texto da Ilíada, os deuses matam os filhos de Niobe.7 Nos tempos védicos,
acontecia sacrifícios rituais na Índia. Porém, a dimensão do sacrifício muda dentro do
cristianismo por ser uma religião pacifista. O mesmo ocorre na Índia com o budismo e o
jainismo, o princípio de não-violência (ahimsa) fecha espaço para os sacrifícios
sangrentos.8
Os casos se sacrifício rituais não se restringem aos casos da Europa e da Ásia,
temos exemplos também na América pré-colonial. A prática de sacrifícios humanos dos
astecas é um dos costumes religiosos mais violentos da história. Eles sacrificavam por
vez milhares de pessoas que eram capturadas nas guerras ou de Tenochtitlan (sede do
Império Asteca). Os registros que temos não são da antiguidade, são do século XVI. A
percepção desses hábitos era espantosa pelos invasores espanhóis. Porém, a violência
sempre esteve e está aliada à crença religiosa. Naquele mesmo período, na Europa
aconteciam massacres de disputas religiosas entre católicos e protestantes. 9
Considerando esses relatos dos cronistas espanhóis, os astecas sacrificavam
anualmente uma média de 15 mil pessoas para oferecer aos deuses. Desses dados temos
a informação de que uma em cada cinco crianças asteca era sacrificada. Portanto, trata-

5
SANCHEZ, Sergio Valverde. Sobre el concepto de sacrifício en la Historia de las Religiones. Revista de
Estudios, Universidad Costa Rica, n. 16, 2002, p. 83-98.
6
CABRERA, 1998, p. 58-59.
7
SANCHEZ, 2002, p. 83-98.
8
SANCHEZ, 2002, p. 83-98.
9
PENNOCK, Caroline Dodds. Mass Murder or Religious Homicide? Rethinking Human Sacrifice and
Interpersonal Violence in Aztec Society. Historical Social Research, v. 37, n. 3, 2012, p. 276-302.
3

se de uma religião sustentada sob a violência dos sacrifícios rituais. O fato mais citado é
a festa de dedicação do Templo Maior de 1487, durante a qual foram sacrificadas
apenas em quatro dias 20 mil pessoas. 10 Os números contam com o exagero dos
espanhóis que precisavam justificar o massacre dos astecas, mas, de qualquer modo,
esses indígenas sacrificavam grande número de pessoas.
No Brasil, tivemos entre os tupinambás a antropofagia ritual. Os tupinambás
matavam ritualmente os prisioneiros de guerra e os comia. Por meio deste gesto, a tribo
se apropriava das virtudes do guerreiro que era devorado.11 Não se trata de um sacrifício
sobre um altar, mas de um sacrifício humano em favor do crescimento físico e espiritual
da coletividade. Os prisioneiros capturados eram mantidos vivos na aldeia até o dia do
ritual e recebiam um colar que os marcava. Alguns ficavam até anos vivendo na aldeia e
recebia mulheres. Porém, se os prisioneiros tivessem filhos com as mulheres
tupinambás, esses filhos deveriam ser comidos também.
No sacrifício ritual humano tupinambá há um sentido diferente dos demais casos
elencados neste artigo. Os indígenas realizavam uma festa com muita bebida,
enfeitavam-se, e levavam o prisioneiro para a praça da aldeia e o matavam a pauladas na
cabeça. Em seguida, seu corpo era esquartejado, assado e a carne era distribuída entre os
presentes. Neste ritual não havia uma troca com deus e nem menos oferenda. Os índios
o realizavam por motivo de honra e de vingança e o sentido religioso é o de assimilação
das virtudes do prisioneiro.12

3. Considerações teóricas

De modo geral, os deuses antigos possuem fortes traços antropomórficos, são


ciumentos, não toleram a rebelião humana e precisam de sacrifícios para atender as
preces dos homens. No hinduísmo, há traços de violência similares ao judaísmo e às
religiões gregas. Portanto, as religiões se fundam e se sustentam em cima de
assassinatos divinamente justificados. Segundo Sanchez, podemos identificar três tipos
de violência religiosa: a) Origens das religiões contêm mitos com sacrifício dos próprios
deuses; b) Há sacrifícios humanos com a intervenção divina; c) os sacerdotes promovem

10
PENNOCK, 2012, p. 276-302.
11
AGNOLIN, Adone. Antropofagia ritual e identidade cultural entre os Tupinambás. Revista de
Antropologia, São Paulo, USP, v. 45, n. 1, 2002, p. 131-185.
12
CAMPOS, Fernanda de Fretitas. Antropofagia ritual dos povos Tupinambá nas cartas jesuíticas de
meados do século XVI. Brasília: Universidade de Brasília, 2013, p. 25-28.
4

sacrifícios rituais para negociar ou entrar em comunicação com os deuses. A classe


sacerdotal em muitos casos se manteve no poder e sustentou seus interesses a partir da
violência religiosa.13
Sanchez conclui que “o sacrifício é a racionalização de la violência religiosa
para fins práticos e morais. A violência divina e heróica são puras. Em certo sentido,
não são contadas”. A violência que acontece como réplica da ação divina não se torna
imoral. Ela tem a função de manter o vínculo entre o grupo e a divindade. Muitas vezes,
ela cria as próprias condições míticas geradoras da crença do grupo.14

4. Considerações finais

As religiões comportam valores diversos e até contraditórios. Como produto


cultural, elas podem promover a integração de algumas pessoas às custas do sacrifício
da liberdade ou da vida de outras. A coletividade religiosamente justificada suprime o
indivíduo. O costume dos sacrifícios rituais não é uma característica exclusiva de povos
“primitivos” e “selvagens”. Está presente em vários culturas e tempos. As conquistas
modernas de direitos humanos apenas intimidaram essas tendências. Além disso, o
cristianismo permitiu no Ocidente conviver com a laicização do Estado. Isso acaba
gerando um contrapeso para a violência latente nas formas religiosas.
O patrimônio religioso judaico-cristã tem a violência religiosa na sua fundação.
Durante a história houve muitos episódios em que a violência era justificada em nome
de deuses. A queima das vítimas da Inquisição não é propriamente um sacrifício ritual,
mas se assemelha por que é uma expurgação do indivíduo indesejável para que a
comunidade fique bem com o divino.
Atualmente, a violência religiosa age no Ocidente humanista psicologicamente e
socialmente. As pessoas têm sua identidade e sua ação sacrificadas
psicologicamente/socialmente pelo isolamento social, pelo preconceito e pela
intolerância. Esse tipo de violência dentro de um espaço ou grupo religioso é justificado
como não-pecaminoso porque está se defendendo o nome de Deus. A violência religiosa
continua intacta nos fundamentalismos religiosos.

Referências

13
SANCHEZ, 2002, p. 83-98.
14
SANCHEZ, 2002, p. 83-98.
5

AGNOLIN, Adone. Antropofagia ritual e identidade cultural entre os Tupinambás.


Revista de Antropologia, São Paulo, USP, v. 45, n. 1, p. 131-185, 2002.

CABRERA, Isabel. El Lado Oscuro de Diós. Barcelona: Editorial Paidós, 1998.

CAMPOS, Fernanda de Fretitas. Antropofagia ritual dos povos Tupinambá nas cartas
jesuíticas de meados do século XVI. Brasília: Universidade de Brasília, p. 25-28, 2013.

CARDOSO, Bianca Miranda. Depósitos de sacrifícios humanos “Terrenos de


enterramentos formais”: Caso de Gordion e população gálata. Dissertação de Mestrado.
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2014.

PENNOCK, Caroline Dodds. Mass Murder or Religious Homicide? Rethinking Human


Sacrifice and Interpersonal Violence in Aztec Society. Historical Social Research, v.
37, n. 3, p. 276-302, 2012.

SANCHEZ, Sergio Valverde. Sobre el concepto de sacrifício en la Historia de las


Religiones. Revista de Estudios, Universidad Costa Rica, n. 16, p. 83-98, 2002.

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