Vous êtes sur la page 1sur 116

n am airaan

Birninina
fflffil
uirnninA
deJesus Cristo
das Escrituras
MartynLioydJones
AUTORIDADE
D r. M artyn Lloyd - Jones

T radução de: Daniel e Eunice M achado

NÚCLEO — Centro de Publicações Cristãs, Lda.


Apartado 1 * QUELUZ
Originalmente publicado em inglês, em Í95X,
com o titulo AlfTHORITY
por Inter-Varsity Pre$$> Inter-Varsity Feltowship, Londres.
©Inter-Varsity Cbristian FeUowship
Traduzido em português com permissão da Inter- Varsity. Press.
Este livro contém a substância de très prelecções apresentadas
pelo Dr, D, Martyn Lloyd-Jones numa conferência da Co­
m issão G era! da União Internacional de Estudantes Evangé­
licos, realizada em Glen Orchard, Ontário, em Setembro
de 1975 .

A U T O R ID A D E

Poderá conhecer-se a verdade f


Haverá uma autoridade absolutaf
A AUTORIDADE DE JESUS CRISTO
Poderá definir-se a verdade?
A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS
Qual é a fonte da autoridade?
A AUTORIDADE DO ESPÍRITO SANTO
ÍNDICE

INTRODUÇÃO ....................................................................... 9
I. A AUTORIDADE DE JESUS CRISTO ............................... 15
II. A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS ................... 39
III. A AUTORIDADE DO ESPÍRITO SANTO ........... 79
9

INTRODUÇÃO

Se eu entendo correctamente a situação religiosa


moderna, toda esta questão da autoridade é um dos
problemas mais importantes com que nos defron­
tamos. Como tal, requer o nosso estudo cuidadoso.
Nao há dúvida de que, hoje em dia, as coisas estão
como estão na Igreja Cristã, em todo o mundo, por
termos perdido a nossa autoridade. Deparamos com o
facto de que as grandes massas estão fora da Igreja. E
estão lá, acho eu, porque duma maneira ou doutra a
Igreja perdeu a sua autoridade. Como resultado, as
pessoas deixaram de ouvir ou de prestar qualquer
atenção à sua mensagem./Uma grande busca do que se
tem perdido caracteriza muitas das actividades da
Igreja, presentemente. Creio que este facto é verda­
deiro no que diz respeito a todas as secções da Igreja,
incluindo a secção evangélica, a qual, como procurarei
mostrar mais tarde, em comum com outras tem estado
a tentar produzir um substituto espúrio e artificial.
(Outra razão para considerar este assunto é que
vários e bem sucedidos movimentos modernos devem
o seu êxito, creio eu, à sua ênfase na autoridade. Sem
dúvida que o segredo do poder da Igreja Católica
10 Autoridade

Romana está neste facto, em que ela afirma ter auto­


ridade; e as pessoas estão prontas a acreditar que a
tem! Isto é verdade, não apenas no que se refere aos
pobres e iletrados, mas também em relação às pessoas
intelectuais e sofisticadas que têm lutado com todo o
problema da vida e da existência e não têm conse­
guido encontrar satisfação. No fim, estão prontas a
capitular e a dizer:. “ Aqui está uma grande Igreja que
afirma ter autoridade. Esta Igreja tem subsistido atra­
vés dos séculos. Eu não posso entender tudo o que ela
diz; algumas coisas parecem difíceis. Mas no fim de
contas, ela fala com a autoridade dos séculos. Aqui
está esta grande tradição. Quem sou eu para me opôr
a ela?” E assim capitulam e estão dispostas a crer em
tudo o que é proclamado por aquela Igreja./
Pensando no extremo oposto, creio que o sucesso
do Pentecostalismo, tomado genericamente, deve ser
atribuído à mesma causa. Pois dentro desse movi­
mento parece haver uma nota de certeza e segurança
— uma nota de autoridade. Verifica-se o mesmo em
muitas seitas cujo êxito se explica também, em grande
medida, pela sua pretençào de possuírem autoridade,
numa ou noutra forma.
Além disso, toda esta questão da natureza da auto-
toridade está sendo levantada, penso eu, com muita
acuidade nos nossos dias, por movimentos tais como
o Conselho Mundial das Igrejas e a Federação Mun­
dial de Estudantes Cristãos. Por toda a parte está
sendo feita esta pergunta: “ Haverá uma autoridade
absoluta? Haverá qualquer fonte objectiva desta auto­
In tro d u i^ o /I I

ridade?” Uma pergunta semelhante é: “ Poderá conhe­


cer-se a verdade? Poderá definir-se a verdade? Poderá
ela ser apresentada num certo número de propo­
sições?”
Ora, parece-me que por detrás destas questões está
a ideia de que a verdade é tão grande e tão maravi­
lhosa que não pode ser definida, e, por conseguinte,
não se pode dizer peremptoriamente que este ponto de
vista está certo e aquele errado. O resultado é que o
homem em geral sente que não existe tal coisa como
“ autoridade objectiva” . Um certo autor, escrevendo
acerca de um ano, fez a seguinte afirmação: “ O verda­
deiro problema, hoje, está entre a verdade e o funda-
mentalismo” . Repara na maneira como ele pôs a
questão. O Fundamentalismo, de acordo com esse
escritor, não pode estar certo porque afirma que a
verdade se pode reduzir a um número de proposições.
Um outro erudito, pertencente à mesma escola de
pensamento, escreveu um livro no qual resolveu con­
siderar os fundamentos da fé cristã e toda a fonte da
nossa posição. No fim, rejeitando toda a ideia de que
se possa estabelecer ou definir a verdade em Credos
ou Confissões de Fé, ele disse que a situação é mais
ou menos esta: Um homem é informado de que, se
simplesmente trepar ao cume duma certa montanha,
desfrutará uma vista deslumbrante. Lá, estendendo-se
diante dele, estará um admirável e maravilhoso pano
rama. Muito bem, o homem fica ansioso por apreciar
isso. Começa então a escalada. Continua sempre. O
sol derrama os seus raios brilhantes sobre ele. Pros­
12/Autoridade

segue na subida, debaixo de calor escaldante e a


despeito do mesmo. Eventualmente, a subida torna-se
tão íngreme, que ele terá de se arrastar. À medida que
escala certos precipícios tem de se agarrar a pequenas
moitas. Mas vale a pena. Vai continuando a subir,
com as mãos e joelhos já a sangrar, mas a busca
mantém-no em marcha. Finalmente, chega ao cume e
eis diante de si o extraordinário panorama. O que é
que ele fará então? Tentará reduzir essa vista como
que a proposições e apresentá-la em teoremas? É
impossível! A coisa é demasiado grande e mais do que
magnificente. Ele fica simplesmente de olhos arrega­
lados e boca muito aberta, profundamente maravi­
lhado e extasiado. Não pode descer de novo e des­
crever tudo o que viu e sentiu. Certamente não poderá
defini-lo. Isso é impossível. Como não podes analisar
o aroma duma rosa, também não conseguirás reduzir
esta grande e gloriosa verdade a um certo número de
afirmações e proposições. Por outras palavras, é algo
que só pode ser experimentado, alguma coisa que
podes sentir. Poderás dançar por causa dela. Poderás
cantar a seu respeito. Mas não a podes apresentar em
proposições. Não a podes definir à forma dum credo.
Ora, eu penso que, como evangélicos, é essa a
posição mais importante que temos de enfrentar neste
tempo presente. Houve uma altura em que tínhamos
de nos defrontar com negações absolutas. Não é essa
a posição actual. Em vez disso, afirmam-nos que a
verdade é tão maravilhosa que se não pode definir.
Uma pessoa pode dizer isto e outra aquilo. Pedem-nos
Introduçno/1.3

que acreditemos que ambas provavelmente estão cer­


tas. Toda a gente tem razão. Há muitas maneiras de
atingir este cume. Portanto, temos de receber bem
todos os pontos de vista, e não devemos dizer que
um homem não está na posse da verdade por não ter
chegado a ela da mesma maneira que nós. Tal escola
de pensamento afirma que estas são questões que, por
causa da natureza da própria verdade, não podem ser
definidas. Por consequência, não podemos falar de
certo e errado com segurança.
Outra razão que eu aduziria para o estudo do
problema da autoridade nos nosso dias está ligada
com o desejo dum reavivamento religioso. Qualquer
estudo da história da Igreja e, particularmente, dos
grandes períodos de reavivamentos ou despèrtamentos
demonstra, acima de tudo o mais, este facto: que
durante tais períodos, a Igreja Cristã falou sempre
com autoridade. A grande característica de todos os
avivamentos tem sido a autoridade do pregador.
Parecia haver alguma coisa de novo, extra e irresistível
no que ele declarava da parte de Deus.
A razão final que eu te sugiro é que este assunto da
autpridade é, de facto, o grande tema da própria
Bíblia. A Bíblia apresenta-se-nos como um livro de
autoridade.
Então, com estes pensamentos nas nossas mentes,
consideremos este assunto. Nos capítulos que se
seguem, iremos apreciá-lo sob os três tópicos da Auto­
ridade de Jesus Cristo, das Escrituras e do Espírito
Santo.
15

CAPÍTULO I

A AUTORIDADE DE JESUS CRISTO

O homem é uma criatura insatisfeita e infeliz. Está


num mundo que não pode compreender, um mundo
tão vasto, que o confunde. Ele tem os seus problemas
— problemas pessoais e problemas sociais ainda
maiores. O mundo inteiro encontra-se num estado de
confusão e desordem. Além disso, o homem tem
dentro de si um senso de Deus, quer tente negá-lo ou
libertar-se dele, quer não. Tem a sensação de que as
coisas não são como deviam ser, que ele próprio
está destinado a alguma coisa maior. Sente que existe
algo mais, Alguém mais. O grande problema do
homem através dos séculos tem sido o facto de ele ter
vindo a procurar chegar a um conhecimento da ver­
dade última, um conhecimento da realidade final. Ele
tem sempre a sensação de que haverá uma solução
algures.
Por isso, o homem tem estado constantemente a
fazer perguntas: “ Se há um Deus, poderá conhecer-se?
Se há uma verdade última, e deve haver, como é que
poderei chegar até ela?” Ele tem tentado encontrá-la
H>/Autoridade

de várias maneiras. Alguns dizem que é algo de ins­


tintivo, que o processo de o homem encontrar Deus e
a verdade é debruçar-se sobre si mesmo. Esta é a
doutrina da “ Luz Interior” , ou seja, o caminho dos
místicos. “ Nao raciocines, não tentes compreender” ,
dizem eles, “ O fundamento de Deus está, por assim
dizer, dentro de ti mesmo. Portanto, mergulha na
contemplação do teu próprio ser e encontrarás Deus” .
Ora, este tipo de pesquisa reveste-se de muitas formas
modernas e populares que não precisamos de referir
aqui. Mas têm isto em comum — todas andam em
busca desta certeza, todas procuram Deus.
No outro extremo, encontram-se os que afirmam
que é tudo uma questão de razão pura, ou de
sabedoria. Por conseguinte, deves observar cientifi­
camente. Tens de sair e observar a natureza, notar
a sua ordem e o seu desígnio, e assim por diante.
Depois, precisas de elaborar os teus argumentos. Ou
então, terás de examinar mais de perto a história,
onde verás uma linha, um plano, um propósito. Sem
dúvida que tem de haver uma mente atrás de tudo
isso. É assim que a filosofia e a razão encaram o
problema. Mas isto conduz, inevitavelmente e sempre,
ao fracasso. Encontramos esta situação perfeitamente
descrita no livro de Edesiastes. Ali lemos as conclu­
sões a que chegou um homem sábio que tentou tudo
isso. Tratava-se dum homem culto. Tinha a melhor
educação e vantagens do seu tempo. Ele experimentou
a sabedoria, como também experimentou riquezas e
prazer, e havia seguido vários outros processos de
A Autoridade de Jesus Cristo/17

resolver o problema. Mas regressou sempre ao mesmo


ponto: “ Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” . Talvez
tu penses que um tal homem teria atingido o cume;
mas subitamente, ele descobre que foi apanhado num
círculo e que começa a voltar para trás e para baixo,
de novo. “ Tudo” , diz ele, “ vai girando em círculos!”
Pelos teus próprios esforços, nunca chegarás a este
conhecimento absoluto. O apóstolo Paulo resume isto
na sua própria maneira cortante, afirmando duma vez
para sempre: “ O mundo pela sabedoria não conheceu
a Deus” . E o mundo pela sabedoria ainda não
conhece a Deus. Tente o que tentar, não conseguirá
chegar lá. E isto é inevitável, por duas razões. Pri­
meira, porque Deus é Deus. Ele é eterno e infinito em
majestade e poder. Acima de tudo, Ele é santo. E o
homem não é só finito, é também pecador. Por defi­
nição, o homem nunca pode chegar a uma plena
compreensão de Deus. Isso é completamente impos­
sível.
O que se deve fazer então? O homem tem de chegar
ao ponto de reconhecer o seu fracasso e o facto de
que não é mais que uma criança. Que poderá ele
fazer? Não lhe resta qualquer esperança, a não ser que
Deus, na sua bondade, graça e amor, decida revelar-se
a Si mesmo.
Ora, a posição absoluta que nós defendemos c que
Deus já fez definitiva e exactamente isso, e, a menos
que o indagador chegue a esse ponto, não há real­
mente, nenhuma base para discussão. Deixa-me defi­
nir isto com palavras de Blaise Pascal, esse grande
18 Autoridade

matemático e dentista francês: “ A suprema conquista


da razão é levar-nos a ver que há um limite para a
razão” . Quanto a mim, está aí o ponto de partida.
Usa a tua razão, usa o teu intelecto; faz isso hones­
tamente e chegarás a concluir que há um limite para a
razão. Então, espera. E nessa altura, que Deus, na Sua
infinita graça e bondade, nos encontra na revelação.

O FACTO CENTRAL DE CRISTO

Ora, logo que nós, como cristãos evangélicos abor­


damos este grande tema da revelação, chegamos
imediatamente ao facto grandioso e central do Senhor
Jesus Cristo. Deus tem-Se revelado doutras maneiras.
Tem-Se revelado a Si mesmo na natureza, e o apóstolo
Paulo argumenta em Romanos (ver. 19 e seg.) que nós
não temos desculpa se não O virmos lá. Todavia, nós
não vemos Deus na natureza como Ele real mente é,
por causa do nosso pecado. A revelação está lá, mas
nós não a descobrimos. Deus tem-Se revelado também
na história. Além disso, revelou-Se a Si mesmo, de
várias maneiras, aos pais, no Velho Testamento. Mas,
como cristãos evangélicos, nós começamos com o
facto grandioso e central do Senhor Jesus Cristo. Toda
a Bíblia é, na realidade, acerca d'Ele. O Velho
Testamento olha para Ele no futuro. Diz-nos que
Alguém está para chegar. A promessa parece vaga,
nebulosa e indefinida em alguns pontos, mais clara e
mais específica noutros. Mas está lá. Deus vai fazer
alguma coisa, e Alguém está para vir. Finalmente, a
A Autoridade de Jesus C'nsro/19

Voz será ouvida. Irá falar uma Autoridade. A atitude


do Velho Testamento é a de quem, por assim dizer,
espera em bicos de pés. Então, claro, logo que
chegamos ao Novo Testamento verificamos que este
se encontra cheio d’Ele.
Nesta altura, e com vista a tomar tudo isso prático,
desejo pôr em evidência esse facto. Quando o após­
tolo Paulo (o nosso grande exemplo neste assunto de
pregação, ensino e evangelização) foi a Corinto,
tomou uma certa decisão. Quaisquer que fossem as
razões, Paulo determinou solenemente em Corinto:
“ nada me propus saber entre eles, senão a Jesus
Cristo, e este crucificado” . Esta foi uma decisão deli­
berada, reforçada por uma forte determinação da sua
parte.Por outras palavras, Paulo resolveu que não iria
gastar o seu tempo argumentando com eles acerca de
pressuposições. Não iria começar com um argumento
filosófico preliminar, para depois os guiar gradual­
mente até à verdade. Não! Ele começa por proclamar
com toda a autoridade o Senhor Jesus Cristo. E em
Gálatas 3:1 usa mesmo um termo mais forte, pois
recorda aos gálatas que “ representa” Cristo crucifi­
cado diante deles. Paulo era como um cartaz ambu­
lante, um homem levando um cartaz. Lá também
começou com Jesus Cristo.
Sinto cada vez mais que temos de voltar a isso.
Pergunto a mim mesmo se a apologética não terá sido
a maldição do cristianismo evangélico durante os
últimos vinte ou trinta anos. Não estou a dizer que a
apologética não seja necessária, mas tenho a impres­
são de que temos defrontado o mundo na base da
20/Aururidadc

apologética, com um certo tipo de sabedoria mun­


dana, em vez de (como o apóstolo Paulo) determi­
narmos nada saber “ senão a Cristo crucificado” .
Temos de nos tornar loucos por amor de Cristo, diz
Paulo. “ Se alguém de entre vós se tem por sábio neste
mundo, faça-se louco para ser sábio” (I Cor. 3:18).
Nós afirmamo-lO, proclamamo-lO, começamos com
Ele, porque Ele é a autoridade suprema e final. Par­
timos do facto de Jesus Cristo, porque Ele está
realmente no centro de toda a nossa posição, e todo o
nosso argumento assenta n’Ele,/
Acho interessante e bastante estranho que nós
próprios, como evangélicos, pareçamos esquecer sem­
pre isto. Suponho que uma das razões poderá ser a
nossa familiaridade com as Escrituras. Somos cul­
pados de “ não vermos o bosque por causa das árvo­
res” . Estou convencido de que a maior parte dos nossos
problemas hoje em dia são devidos ao facto de que
temos ficado tão imersos em detalhes secundários, que
perdemos a visão do conjunto. Deixamos de ver o
todo, por causa do nosso interesse em certas partes/ Se
ao menos pudéssemos voltar atrás e olhar simples­
mente para o Novo Testamento e para toda a Bíblia
com olhos novos, creio que ficaríamos bastante admi­
rados com o facto de que a afirmação verdadei­
ramente grande, feita em todo o Novo Testamento, é
a da suprema autoridade do Senhor Jesus Cristo. Se o
que eles dizem a respeito de Jesus Cristo não é
verdade, então, na realidade, não têm muito para nos
oferecerem.
A Aiiroriítade de Jesus Cristo/21

O TESTEMUNHO DOS EVANGELHOS

Deixa que te recorde, em poucas palavras, o caso


que é apresentado no Novo Testamento para esta afir­
mação da autoridade final e suprema do Senhor Jesus
Cristo. E interessante notar como o Novo Testamento
afirma o facto, logó no princípio de todas as suas
declarações. Faz isso exactamente no início dos evan­
gelhos. Repara em Mateus 1:23. Lemos a í— Isto vai
acontecer, a fim de que se possa cumprir a promessa
que diz, “ Eis que a virgem conceberá e dará à luz um
filho, e chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que tra­
duzido é: Deuâ connosco” . Está ali, logo no início, na
própria introdução ao Evangelho. Da mesma maneira,
quando o anjo aparece a Maria na anunciação, faz
esta impressionante declaração acerca dessa “ coisa
santa” , a criança que ela havia de dar à luz: “ E o seu
reino não tefá fim” . — o Senhor universal e eterno.
Depois, como certamente te recordas, o anjo, falando
aos pastores, disse: “ Na cidade de David vos nasceu
hoje o Salvador, que é Cristo o Senhor” .
Ora, é este tipo de • asserção que é feita logo no
princípio. Que tragédia, que tantas vezes na nossa
pura familiaridade com as Escrituras não nos aperce­
bamos de coisas tais como esta. Estes Evangelhos
foram escritos tendo em vista um objectivo definido e
deliberado. Nao foram escritos simplesmente como
relatos ou meras colecções de factos. Não, não há
dúvida absolutamente nenhuma de que eles tinham
um ponto de vista especial a comunicar. Todos apre­
22 ' Antoridiiík*

sentam o Senhor Jesus Cristo como o Senhor, como


esta autoridade suprema.
A mensagem de João Baptista foi essencial mente a
mesma. Ei-lO de pé, sozinho, depois de pregar e de
baptizar as pessoas no Jordão, quando se apercebe do
murmúrio do povo. Eles falam uns com os outros e
dizem: “ Sem dúvida que este tem de ser o Cristo.
Nunca antes ouvimos pregar desta maneira. Ao olhardes
para o seu rosto, não sentistes a sua autoridade? Este
tem de ser o Messias pelo qual temos esperado” . Mas
João volta-se para eles com desdém, dizendo: “ Eu
não sou o Cristo” . “ Eu, na verdade, baptizo - vos
com água; mas eis que vem aquele que é mais pode­
roso do que eu, a quem eu não sou digno de desatar
a correia das alparcas; esse vos baptizará com o
Espírito Santo e com fogo: ele tem a pá na sua mão;
e limpará a sua eira, e ajuntará o trigo no seu
celeiro, mas queimará a palha com fogo que nunca
se apagará (Lucas 3:16-17). Repara na asserção:
“ Eu não sou o Cristo, eu não sou o que tem auto­
ridade. Sou a preparação. Sou o precursor, o arauto.
Ele é a autoridade. Ele ainda está para vir” . De novo,
toda a ênfase está em afirmar a autoridade do nosso
Senhor. Quão cuidadosos são estes Evangelhos em
porem em evidência, repetidamente, esta prerrogativa!
Depois, há algo mais que eles enfatizam, alguma
coisa que é da própria essência de toda esta questão
da autoridade. E o relato do que aconteceu no
baptismo do nosso Senhor. Ali, Jesus submete-Se ao
baptismo administrado por João. Parece ser um ho­
A Autoridade de Jesus Crisro/23

mem como tôdos os outros, um pecador, afinal dc


contas, pois precisa de ser baptizado exactamente
como eles. Mas ei-lO que vem saindo da água.
quando o Epírito Santo desce sobre Ele como uma
pomba. Ainda mais importante é aquela voz, a voz da
autenticação que veio do céu, dizendo: “ Este é o meu
Filho amado, em que me comprazo” (Mateus 3:17).
Lá está de novo a ênfase importante sobre a Sua
autoridade. No Monte da Transfiguração usa-se lin­
guagem semelhante, mas há uma adição muitíssimo
significativa e importante. Mais uma vez, a Voz veio
da excelente glória e disse: “ Este é o meu amado
Filho, em quem me comprazo: escutai-o” (Mat. 17:5).
Por outras palavras, “ Este é aquele que deveis ouvir.
Estais à espera duma palavra; aguardais uma resposta
para as vossas questões. Andais à procura duma
solução para os vossos problemas; tendes estado a
consultar os filósofos, tendes andado a escutar, e
tendes perguntado: “ Onde poderemos encontrar a
autoridade final? “ Aqui está a resposta do céu, de
Deus: “ Escutai-o” . De novo, como vês, destacando-O,
erguendo-O diante de nós como a última Palavra, a
Autoridade suprema, Aquele a Quem nos devemos
submeter, a Quem devemos escutar.
Ora, eu escolhi estes incidentes, porque eles cons­
tituem alguns acontecimentos mais cruciais registados
nos Evangelhos. Não devemos considerá-los mera­
mente como eventos na vida terrena do nosso bendito
Senhor. São-no realmente, mas estão registados de tal
forma, que este ponto importante deve sobressair— a
24 Autoridade

Sua autoridade única e final. Tudo no Evangelho


parece estar a isolá-IO e a focar a atenção sobre Ele,
incluindo mesmo a Voz do próprio céu.

AS DECLARAÇÕES PRÓPRIAS
DO NOSSO SENHOR

Chegando-te ainda mais directamente ao próprio


Senhor, encontrarás algumas outras características
importantes. Repara, por exemplo, no Seu ensino.
Que cuidado Ele teve em dizer sempre “ meu Pai e
vosso Pai” . Nao diz, “ nosso Pai” , diz “ meu Pai” .
Ensina os Seus discípulos a dizerem “ Pai nosso” mas
nunca Se inclui a Si mesmo com eles. Jesus empenha-
-Se sempre em salientar esta diferença — que Ele é o
Filho do homem. É homem e, todavia, não é só
homem. Também em Mateus 11:27, temos essa
grande afirmação tão definida e específica, onde Ele
diz: “ Ninguém conhece o Filho, senão o Pai; e
ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem
o Filho O quiser revelar” . Esta é uma reivindicação
muitíssimo exclusiva e deveras importante a termos
sempre em mente. Jesus diz também: “ Eu sou o
caminho e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai,
senão por mim” (João 14:16). “ Eu sou a luz do
mundo” , Ele fez frequentes declarações e afirmações
dessa natureza. Depois, nota, particularmente no
Sermão da Montanha, a maneira pela qual Ele deli
beradamente Se apresenta como o Mestre autorizado.
“ Ouvistes que foi dito aos antigos... Eu porém vos
A Autoridade de Jesus Crisro/25

digo” . Eis aqui uma Pessoa que não frequentou as


escolas, que não era fariseu. O povo dizia: “ Como
sabe este letras, não as tendo aprendido?” Ele não
hesita. De pé, declara com autoridade — “ Eu” . \
Precisamos de nos lembrar que é esta ênfase carac
terística e pessoal que O distingue totalmente dos
profetas. Esses profetas do Velho Testamento foram
homens poderosos. Foram grandes personalidades,
independentemente de serem usados por Deus e ungi­
dos pelo Espírito Santo. Mas não há um único de
entre eles que alguma vez tenha usado este “ Eu” .
Todos declararam: “ Assim diz o Senhor” . Mas o
Senhor Jesus Cristo não fala dessa maneira. Afirma:
“ Eu vos digo” . Imediatamente estabelece uma dife­
rença entre Ele próprio e todos os outros. Parece estar
a dizer que “ chegou o tempo da autoridade final” .
Jesus salienta constantemente este facto no Sermão da
Montanha. Não contrasta apenas o Seu ensino com as
tradições dos pais, os ensinos abalizados dos fariseus
e dos doutores da lei. Ele nem mesmo hesita em
interpretar a Lei de Deus dada através de Moisés ao
povo de Israel, de uma maneira peremptória. Vai
mesmo para além disso. Já não é “ olho por olho e
dente por dente” , cpmo tinha sido ordenado naquela
altura. Agora ó: “ Amai os vossos inimigos, bendizei os
que vos maldizem” . Quando conclui esse grande ser­
mão, fá-lo proferindo uma das coisas mais impres­
sionantes e espantosas que jamais havia dito: “ Aquele
pois que escuta estas minhas palavras e as pratica,
assemelhá-lo-ei ao homem prudente que edificou a sua
26 /A utoridadc

casa sobre a rocha... Aquele que ouve estas minhas


palavras e as não cumpre, compará-lo-ei ao homem
insensato que edificou a sua casa sobre a areia” .
“ Repara que, aí, toda a Sua ênfase está sobre “ estas
minhas palavras” . Aí está a Sua afirmação de que Ele
é a autoridade final. E se é possível acrescentar algo a
uma tal declaração, Ele fê-lo quando disse: “ Os céus e
a terra passarão, mas as minhas palavras não hão-de
passar” . Nada mais há para além disso.

ACÇÕES E ASSERÇÕES DIRECTAS


DO NOSSO SENHOR

Continuando, apreciemos as Suas palavras. Exami­


nemos os milagres. O que é que eles visavam conse­
guir? Claro que eram actos de bondade, mas esse não
era o seu objectivo primordial. João, no seu Evan­
gelho, salienta constantemente que eram jinais. Cons­
tituíam sinais deliberados, efectuados por Jesus com o
propósito de afirmar e atestar a Sua própria Pessoa e
a Sua própria autoridade. Destinavam-se a autenticar
o facto de que Ele era o Messias prometido. Uma vez
que existe tanto ensino frouxo e sentimental acerca
deste assunto nos nossos dias, nunca esqueçamos que
o principal objectivo dos milagres era simplesmente
atestar a Pessoa do nosso Senhor, afirmar a Sua auto­
ridade e estabelecer que Ele era realmente o Filho de
Deus. Ele próprio declara isso em muitas ocasiões.
Depois, repara noutro incidente bastante notável.
A Autoridade de Jesus Cristo/27

Certo dia, Jesus vai caminhando e vê um homem


chamado Mateus, assentado na alfândega. Nao hesita
em enfrentar esse homem durante a hora de serviço
em lhe dizer: “ Segue-me” . E Mateus levantou-se,
deixou tudo e seguiu a Jesus. Noutra altura, vai ter
com os filhos de Zebedeu e diz a mesma coisa.
Também estes deixam os barcos, as redes, o pai, e
tudo mais. Aqui está Um que não hesita em falar de
um modo totalitário, ao ordenar-lhes: “ Segui-Me” . E
eles foram e seguiram-nO. Isso é o Evangelho em
acção. Isso é evangelização, É assim que a Igreja
nasce. É desse modo que o trabalho de Deus é levado
por diante.
Mas Jesus foi mesmo além disso! Não hesita em
afirmar que tem poder para perdoar pecados. E en­
frentou muitos problemas por declarar tal coisa.
“ Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” — di­
ziam as pessoas. Mas Ele perdoa realmente os peca­
dos. Afirma que possui a autoridade e o poder e vai
prová-lo. Por isso, diz ao homem: “ Toma a tua cama
e anda” , como sinal de que também tem poder para
perdoar pecados. Tudo isto é simplesmente uma ques­
tão de autoridade. Tantas vezes, quando nós, minis­
tros, pregamos através dos Evangelhos, pegamos nes­
tas coisas e transformamo-las em parábolas, acom­
panhadas de pequenas mensagens agradáveis e repou­
santes. Mas de facto, não estamos a ver o ponto.
Devíamos estar a pregar o Senhor Jesus Cristo e a
afirmar Sua autoridade.
O que muitos tendem a fazer hoje em dia, é isto:
28/ Autond.uk1

Dizem assim: “ Aceita o cristianismo. Ele compensa.


Sou testemunha disso” . Portanto, apresenta-se uma
breve mensagem e depois chamam-se as pessoas a dar
testemunho. Por que é que se há-de esperar que elas
queiram aceitar o cristianismo? Porque dá resultado.
Consegue-se isto ou aquilo. Promete-te felicidade.
Dá-te paz e alegria. Eu acho que isto é falsa evange-
lização. (A nossa única responsabilidade é pregar o
Senhor Jesus Cristo, a Autoridade final. A ordem que
temos é de declará-lO e de mostrar que os homens e
as mulheres terão de O enfrentar.,' As seitas podem
apresentar-te “ resultados” . A Ciência Cristã pode
dizer-te que se fizeres isto ou aquilo irás dormir bem
toda a noite, deixarás de te preocupar, sentir-te-ás
mais saudável e as dores e o mal-estar desaparecerão.
Todas as seitas podem fazer coisas desse gênero. Nós
não devemos fazer isso. Devemos declará-/0 e levar as
pessoas a ficarem face a face com Ele. Era esse o Seu
próprio método.
Selecionei estes casos para te mostrar que todo o
Novo Testamento visa claramente convencer-nos da
autoridade de Jesus Cristo. E evidente que se Ele não
é quem afirma ser, não há qualquer necessidade de O
escutar. Se é, então temos a obrigação de O ouvir e de
fazer seja o que for que Ele nos mande. Não é a
minha própria felicidade que serve de critério. Se Ele
permite que eu continue doente ou com problemas,
mesmo assim — diga Ele o que disser, eu responderei,
“ Sim, Senhor” . Farei isso porque Ele é o Senhor. Ele é
a Autoridade.
A Autoridade de Jesus Cristo/29

A ATITUDE DE OUTROS
PARA COM JESUS CRISTO

Além disso, os Evangelhos mostram muito clara­


mente que este facto foi apreciado pelos Seus contem­
porâneos. O povo que O escutava fez este interessan­
tíssimo comentário no final do Sermão da Montanha:
“ Este homem fala com autoridade, não como os
fariseus e escribas” “ Reparastes” , disseram eles, “ que
Ele não passou o tempo a dizer, ‘Ora bem, Hillel
ensinou isto, mas por outro lado Gamaliel sugere
aquilo’.” Jesus não citou uma porção de autoridades
explicando as suas posições e terminando por deduzir
alguma coisa por Ele mesmo. De modo nenhum.
Simplesmente falou sem rodeios, com autoridade.
Lembras-te dos soldados que em certa ocasião
foram enviados para O prenderem? Regressaram sem
o prisioneiro, e os seus chefes olharam para eles e
perguntaram: “ O que é que isto significa? — onde
está o preso? A única resposta que conseguiram dar,
foi: “ Nunca homem algum falou como este homem”
(João 7:46). Havia algo na Sua própria maneira de
pronunciar, no Seu tom de voz, no Seu modo autori­
tário que os impediu de lhe porem as mãos.
Nota também como os Evangelhos salientam cons­
tantemente que o efeito principal dos Seus milagres
era causar admiração. O relato diz: “ Glorificavam a
Deus” . O povo afirmava: “ Hoje vimos coisas extraor­
dinárias” . Não se detinham meramente no milagre e
nos seus efeitos benéficos. Não! Estavam conscientes
?0 Autoridade

da presença e acção de Deus. Algumas vezes os pró­


prios discípulos reagiram a um milagre, ficando cheios
de medo. Isto é completamente diferente do tipo de
coisas que em alguns países se podem ver na televisão,
hoje em dia, quando se opera um suposto milagre e as
pessoas batem palmas, gritam e riem mesmo. Não! Os
discípulos “ encheram-se de temor” . Porquê? Tinham
percebido o poder e a presença de Deus. “ Glorifi­
cavam a Deus” . Um sentimento de temor envolvia as
pessoas.
Isto era verdade no que respeita às pessoas em
geral. Mas lemos que mesmo os demônios O reco­
nheciam. Quando O viram aproximar-Se, disseram:
“ Por que vieste atormentar-nos antes do tempo?”
“ Sabemos quem és, o Santo de Deus” ./Conheciam-nO
e tinham medo d’Ele e da Sua autoridade. Pensa nos
demônios que atormentavam o homem da região dos
gadarenos. “ Não nos lances fora deste país” , supli­
caram eles. Reconheceram-nO imediatamente. Procla-
maram-nO e, em certo sentido, tremeram perante a
Sua autoridade. Estas coisas não estão registadas
acidentalmente. Não são meros detalhes incluídos
para fazer um quadro perfeito. Há sempre um pro­
pósito, c esse é fazer sobressair a Sua autoridade.
De facto, mesmo os Seus inimigos reconheceram
isso claramente. Notaram que Ele afirmava ser Deus.
Repara, por exemplo, em João 10:33. Todos pareciam
reconhecer o facto, e os Seus próprios discípulos,
vacilantes e desajeitados, o confessaram algumas ve­
zes. Pedro fez a grande declaração em Cesareia de
A Autoridade de Jesus Cristo/31

Filipo, “ Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” .


(Mateus 16:16). Numa outra ocasião, o nosso Senhor,
depois de ver as pessoas a retirarem-se, voltou-Se para
os discípulos e perguntou: “ Quereis vós também reti­
rar-vos?” Pedro respondeu de novo, talvez nem sa­
bendo plenamente o que dizia: “ Para quem iremos
nós?” “ Quem mais tem autoridade?” “ Tu tens as
palavras da vida eterna. E nós temos crido e reconhe­
cido que tu és o Cristo, o Filho de Deus” (João 6:66-
-69). Por outras palavras, os apóstolos reconheceram,
“ Não há mais ninguém. Tu és a Autoridade última e
suprema” .

SUA MORTE, RESSURREIÇÃO E ASCENSÃO

A despeito de tudo isto, Ele foi crucificado cm


aparente fraqueza, morreu e foi sepultado num tú­
mulo. É neste ponto que a Sua autoridade resplandece
mais gloriosa e ousadamente. Jesus venceu a própria
morte, e o facto de se erguer da sepultura é a prova
máxima da Sua autoridade. E assim temos o incidente
vital e importante que diz respeito a Tomé. O incré­
dulo Tomé é informado de que Ele ressuscitou, mas
não consegue acreditar nisso. Parece-lhe incrível, e,
todavia, quando O vê e é desafiado a pôr a mão e o
dedo nas feridas, Tomé cai a Seus pés e diz: “ Senhor
meu e Deus meu” (João 20:24-28).
Contudo, temos de ir mesmo além da ressurreição,
porque vemos que estes discípulos, depois de O terem
M /Autoridade

ouvido, viram-nO subir para o céu. Lemos: “ E, ado­


rando-o eles, tornaram com grande júbilo, para Jeru­
salém” . Há uma tendência por parte dos evangélicos
para menosprezar a ascensão. Mas ela encontra-se nas
Escrituras e é posta em evidência não só nos Evange­
lhos, mas também nos Actos dos Apóstolos. A ascen­
são é uma parte vital do testemunho sobre a auto­
ridade de Cristo.

O TESTEMUNHO DE OUTROS ESCRITORES


DO NOVO TESTAMENTO

Em primeiro lugar, apreciemos o livro de Actos.


Creio que todos nós devíamos dar mais atenção às
introduções dos livros do Novo Testamento, pois
muitas vezes elas definem a razão do livro. Repara,
por exemplo, na introdução a Actos: “ Fiz o primeiro
tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou,
não só a fazer, mas a ensinar” . “ Aquilo sobre que eu
vou escrever agora” , diz com efeito o escritor, “ é o
que Ele continuou a fazer” . Ora, há os que dizem que
este livro devia ser chamado Actos do Espírito Santo.
Eu creio que o primeiro versículo deita por terra essa
sugestão, por mais interessante que ela possa ser. “ O
que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar” , e
as obras que Jesus continuou a fazer. É esse o tema
deste grande livro. Aqui deparamos com a história do
crescimento da Igreja Cristã. Quem é que o está a
realizar? A resposta registada em Actos diz-nos que o
A Autoridade de Jesus Cristo/.H

Senhor Jesus é Quem está a fazer isso. Lembra-te do


que Ele disse a Pedro, em Cesareia de Filipo, “ Eu
edificarei a minha igreja” . Nunca esqueçamos que o
Senhor Jesus ainda é o construtor. É Ele que está a
edificar a Igreja.
Em segundo lugar, precisamos de considerar aquele
significativo acontecimento que teve lugar no Dia de
Pentecostes, registado no segundo capítulo do Livro
de Actos. A descida do Espírito Santo sobre a [greja
no Dia de Pentecostes é, penso eu, a asserção decisiva
da suprema autoridade do Senhor Jesus Cristo. Em
João 16:8-11, Ele diz: “ E quando ele (o Espírito) vier,
convencerá o mundo do pecado e da justiça e do
juízo. Do pecado porque não crêem em mim; da
justiça porque vou para meu Pai, e náo me vereis
mais; e do juízo porque já o príncipe deste mundo
está julgado” . Muitas vezes interpretamos estes versí­
culos como significando que Ele estava simplesmente a
dizer que na dispensação da graça o Espírito Santo
convencería os indivíduos do pecado, da justiça e do
juízo. Sem dúvida que isso é verdade. Mas cada vez
estou mais convencido de que existe muito mais do
que isso no sentido das palavras do nosso Senhor.
Estou inteiramente de acordo com os que afirmam
que o que Ele está a dizer, realmente, é isto: “ A vinda
do Espírito Santo é a prova decisiva de que Eu sou o
Filho de Deus” . “ Do pecado porque não crêem em
mim” . Eles não dariam ouvidos à Sua palavra. Não
prestariam atenção às Suas obras. Nem mesmo acre­
ditariam no testemunho a respeito da ressurreição.
34 /A urondadc

Mas havia sido profetizado que Ele enviaria o Espírito


Santo. Ele mesmo tinha também prometido fazê-lo.
Daí que, se não tivesse enviado o Espírito Santo, as
Suas declarações teriam caído por terra. Ele teria
falhado.
A vinda do Espírito Santo, o dom do Espírito Santo
é a prova concludente de que Ele é o Senhor da
Glória. Havia realizado o trabalho que fora enviado a
fazer. Tinha vencido todos os inimigos. Recebera o
Dom do Pai e agora enviava-O. É esse o argumento
do Dia de Pentecostes. Por conseguinte, temos de
pensar sempre nesse dia como sendo o último na
grande série de actos pelos quais Jesus substancia a
Sua declaração de que é o Senhor da Glória. É tam­
bém a prova de que a Sua justiça é aceite por Deus, e
de que o “ príncipe deste mundo” já está julgado. O
diabo, o usurpador, que tem estado a controlar os
homens, já perdeu essa posição. Nunca esqueçamos
isso. Ele foi expulso. Presentemente, é o Senhor Jesus
que reina e governa.
Prossigamos então para vermos o desenrolar de
tudo isto no Livro de Actos. Pedro e João vão ao
templo à hora da oração e vêm um homem inválido
sentado junto à porta Formosa do templo. Que acon­
tece? Lembras-te da sua fórmula? “ Em nome de Jesus
Cristo o Nazareno, levanta-te anda” . Ele levantou-se,
e as pessoas aproximaram-se e ficaram maravilhadas e
atônitas. Começaram a louvar os apóstolos, mas
Pedro disse: “ Nao olheis para nós. Não foi pelas
nossas próprias palavras ou poder que pusemos a
A Autoridade de Jesus Cristo/35

andar este inválido. O Seu nome, pela fé no Seu


nome, deu a este homem esta perfeita saúde, na
presença de todos vós” (Ver Actos 3:1-16). De novo,
em Actos 4, quando os discípulos são levados perante
as autoridades e proibidos de pregar mais neste nome,
só há uma resposta a dar: “ Debaixo do céu, nenhum
outro nome há dado entre os homens, pelo qual
devamos ser salvos. “ Este é o único nome. A tradução
devia ser “ Nao há segundo” . Jesus Cristo não é uma
nova série, não representa uma autoridade entre um
determinado número de autoridades. Ele ergue-Se só.
No Novo Testamento Ele é a única Autoridade.
E assim continua ao longo de todo o livro. Ao
pregar a Cornélio e à sua casa, Pedro diz uma vez
mais: “ Jesus Cristo é o Senhor de todos” (Ver Actos
10:36). O mesmo ressalta do ministério de Paulo que,
sendo apanhado na sua corrida de violenta oposição e
perseguição à Igreja Cristã na estrada de Damasco, e
descobrindo com espanto que o Jesus que ele tanto
havia desprezado e odiado não é outro senão o
Senhor da Glória, clama, perguntando: “ Senhor, que
queres que eu faça?”
O testemunho das Epístolas é o mesmo por toda a
parte. Paulo diz aos Romanos que é “ servo de Jesus
Cristo” e “ separado para o evangelho de Deus” . A
sua pregação é “ acerca de seu Filho Jesus Cristo nosso
Senhor, que nasceu da descendência de David segundo
a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o
Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos” .
Pedro é igual mente peremptório quando diz: “ Porque
36/Âuroridade

não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso


Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente
compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade.
Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória,
quando da magnífica glória lhe foi dirigida a seguinte
voz: Este é o meu Filho amado em quem me tenho
comprazido” (II Pedro 1:16-17). E João afirma do
mesmo modo: “ O que era desde o princípio, o
que vimos com os nossos olhos, o que temos contem­
plado, e as nossas mãos tocaram da Palavra da vida,
(Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testi­
ficámos dela, e vos anunciámos a vida eterna, que
estava com o Pai, e nos foi manifestada)” (I de
João 1:1-2). O termo característico usado para Jesus
Cristo nas epístolas do Novo Testamento, é “ o
Senhor” . Isto, como J. G. Machen disse certa vez,
é “ a designação da divindade” , e o consenso geral
é que ele apresenta no Novo Testamento todo o signi­
ficado do termo “Jeová” no Velho Testamento.
Há inúmeras declarações que de modo explícito afir­
mam a divindade e supremacia de nosso Senhor Jesus
Cristo. Talvez nenhuma seja mais forte de que a de
Colossenses 2:9, onde o apóstolo declara: “ Porque
nele habita corporalmente toda a plenitude da divin­
dade” , ou a de I Coríntios 2:8, onde o apóstolo se
refere a Ele como “ Senhor da Glória” . Depois há
aquela famosa afirmação em Filipenses 2:9-11, na
qual o autor declara em termos ousados e impressio­
nantes que Aquele que percorreu esta terra como Jesus
de Nazaré e foi crucificado na cruz, tinha anterior-
A Autoridade de Jesus Cristo/37

mente sido “ em forma de Deus” e “ não teve por


usurpação ser igual a Deus” . O apóstolo termina
dizendo que, tendo em vista tudo o que Ele fez,
“ também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu
um nome que é sobre todo o nome; para que ao nome
de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão no céu e
na terra e debaixo da terra, e toda a língua confesse que
Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai” .
Todavia, nenhuma é mais importante do que a
afirmação inicial da Epístola aos Hebreus, onde le­
mos: “ Havendo Deus antigamente falado, muitas
vezes e de muitas maneiras aos Pais pelos profetas, a
nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho, a quem
constitui herdeiro de tudo, por quem fez também o
mundo. O qual, sendo o resplendor da sua glória e a
expressa imagem da sua pessoa, sustentando todas as
coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si
mesmo a purificação, assentou-se à dextra da majes­
tade nas alturas” .
Assim também o último livro da Bíblia, que nos diz
que a sua verdadeira essência é a “ Revelação de Jesus
Cristo” . E Ele que domina o livro inteiro. Só Ele é
suficientemente forte para desatar os selos do livro da
história. Ele é aquele que, finalmentc, triunfa sobre
todos os inimigos de Deus e reina em glória.
Vemos assim, que todo o Novo Testamento, desde
os Actos até ao Apocalipse, não é senão a confir­
mação e a aplicação das Suas declarações, “ Eu ediíi-
carei a minha igreja” c “ todo o poder me foi dado no
céu e na terra. Portanto ide, ensinai todas as nações.
38/Auroridadc

baptizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espí­


rito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que
eu vos tenho mandado; e eis que estou convosco
todos os dias, até à consumação dos séculos” . (Ma­
teus 28:18-20). Ele tem exercido e está exercendo
toda a autoridade e poder. “ Ele tem de reinar até que
todos os seus inimigos sejam postos por escabelo dos
seus pés” .
“ Cristianismo é Cristo” . Nao é uma filosofia; de
facto, nem mesmo é uma religião. É a boa nova de
que “ Deus visitou e remiu o seu povo” , e que Ele fez
isso enviando o Seu unigénito Filho a este mundo para
viver, morrer e ressuscitar. O nosso Senhor Jesus
Cristo é “ o Alfa e o Omega, o primeiro e o derra­
deiro” . Por outras palavras, Ele é a única Autoridade.
39

CAPÍTULO I]

A AUTORIDADE DAS ESCRITURAS

Ao prosseguirmos no estudo do problema crucial da


autoridade na situação contemporânea, a nossa posi­
ção é muitíssimo semelhante à dos membros da Igreja
primitiva. Como procurei indicar na introdução a este
livro, o nosso interesse é de ordem prática. Estamos
preocupados com o assunto, porque ele envolve toda
a questão da evangelização.

O CONTEXTO DA MENSAGEM DO NOVO


TESTAMENTO

Nos primórdios da Igreja, os apóstolos foram por


toda a parte pregando a ressurreição, Jesus como
Salvador do mundo, e Jesus como Senhor. Procla­
maram que Ele era o Filho de Deus. Declararam que
“ nenhum outro nome há dado entre os homens, pelo
qual devamos ser salvos” (Actos 4:12). Por outras
palavras, proclamaram Jesus como o Filho de Deus, a
Autoridade final e suprema. Era essa a sua mensagem,
4 0 /A ii t<>r idade

mas, claro, não a pregavam isoladamente. Passagens


do Novo Testamento, tais como Actos 17:1-4 e í
Coríntios 15:1-4, tornam isso perfeiramente claro.
Proclamavam Jesus como Filho de Deus e Salvador do
mundo, no contexto da mensagem das Escrituras do
Velho Testamento.
F'm certo sentido, o primeiro sermão oficial jamais
proferido sob os auspícios da Igreja Cristã, tal como
nós a conhecemos e reconhecemos, foi pregado pelo
apóstolo Pedro, em Jerusalém, no dia do Pentecostes.
Poderás observar no relato do mesmo, que ele apre­
senta Jesus de Nazaré como Filho de Deus e o Sal­
vador do mundo, de um modo muito amplo, expondo
textos das Escrituras do Velho Testamento. E vital c
muito importante que entendamos esse facto. Jesus,
tenho de repetir, não foi pregado isoladamente, mas
no contexto do que tinha vindo antes. Deus não havia
começado a actuar em Belém. Nunca devemos con­
ceber a revelação como existindo só em Jesus Cristo,
ou começando com a Sua vinda ao mumdo. Deus
tinha-se revelado em tempos passados, como Hebreus
1:1-3 nos recorda. Tinha falado “'muitas vezes e de
muitas maneiras” e, portanto, a vinda do Senhor Jesus
Cristo tem de ser sempre considerada neste contexto e
neste conjunto. O Livro de Actos mostra muito clara­
mente que os apóstolos reconheciam o facto de que se
não reconciliassem a sua mensagem com todo o en­
sino das Escrituras do Velho Testamento, as suas
afirmações falhariam. Por isso, estavam constante-
menre empenhados em mostrar e provar isso mesmo.
A Autoridade das Fscríturas/41

Assim está expresso em Actos 17:3: “ Expondo (isto é,


das Escrituras do Velho Testamento) e demonstrando
que convinha que o Cristo padecesse” .
Paulo “ discutia” com os judeus na sinagoga, acerca
das Escrituras. Constituía uma parte essencial da
pregação apostólica provar que o Senhor Jesus era o
cumprimento das promessas do Velho Testamento, e
que o Deus que havia começado a actuar no Jardim
do Edem e que, de várias maneiras, continuara a agir
através dos séculos, tinha agora trazido tudo isso a
um grande e sublime clímax. O que os apéxstolos
afirmavam era que Jesus é o cumprimento do Velho
Testamento e de todas as suas promessas. Encon­
tramos uma outra ilustraçáo disto mesmo numa de­
claração feita pelo apóstolo Pedro: “ Temos mui firme
a palavra dos profetas, à qua! bem fazeis em estar
atentos” (2 Pedro 1:19). O que Pedro está a dizer
podia expressar-se melhor, assim: “ Temos também
uma palavra de profecia que se tornou mais firme” .
Aí está, diz com efeito o apóstolo Pedro, a tua
evidência. Aí está a autoridade. “ Não seguimos fá­
bulas artificialmente compostas” . Dá então o seu tes­
temunho pessoal sobre o que ele e os outros dois
discípulos tinham visto no Monte da Transfiguração.
Mas continua, dizendo: “ Não precisais de vos apoiar
unicamente na nossa palavra, testemunho e evidencia.
Há algo que é ainda mais forte do que isso. Podeis
voltar a ler as profecias do vosso Velho Testamento, e
ver então como todas elas foram cumpridas até ao
mínimo detalhe na Pessoa, vida e obra do Senhor
42 /Autoridade

Jesus Cristo” . Aí tens um argumento poderoso que foi


usado pelos apóstolos, e é absolutamente essencial que
o entendamos. Não podes separar o Senhor Jesus
Cristo do fundo histórico e do contexto das Escrituras
do Velho Testamento.
Sem dúvida que o nosso Senhor usou, Ele próprio,
raciocínios muito semelhantes, quando falava aos ju­
deus do seu tempo. Não só Se referia constantemente
ao Velho Testamento, mas usava-o também como um
argumento. Repara, por exemplo, em João 5:39:
“ Examinai as Escrituras (ou se preferes, “ Examinais
as Escrituras” ), porque vós cuidais ter nelas a vida
eterna, e são elas que de mim testificam” . Ele mostra
e prova muitas vezes, quer por asserções directas, quer
por perguntas feitas com o propósito de confundir c
desconcertar os adversários, que Ele próprio é o
cumprimento do que fora predito na Escritura do
Velho Testamento.
Por conseguinte, eu digo que por todas estas razoes,
e podíamos facilmente desenvolver cada uma delas, é
essencial que O apreciemos neste contexto e em
termos deste fundo histórico. Em qualquer conside­
ração da autoridade final e em qualquer consideração
da autoridade final do próprio Senhor Jesus Cristo
(da qual já tratámos), somos forçados a ter em conta
a autoridade das Escrituras. Há aqui uma sequência
lógica definida. A grande mensagem que proclamamos
é a que diz respeito ao próprio Senhor Jesus Cristo,
Sua Pessoa e Sua obra. Mas eu insisto em que não
A Autoridade das Escrituras/43

podes fazer isso, aparte do seu enquadramento no


contexto total da Bíblia.

RECENTES ATAQUES À AUTORIDADE


DA ESCRITURA

Em face disto, não surpreende que, de tempos a


tempos, a autoridade das Escrituras tenha sido as­
sunto de controvérsia e debate. Contudo, é importante
lembrar que até ao século dezoito era mais ou menos
aceite universalmente por toda a Igreja. É verdade que
houve uma grande controvérsia na altura da Reforma
concernente à relação entre a autoridade da Igreja e a
autoridade das Escrituras. Alguns representaram mal
esse debate, dando a entender que a Igreja de Roma
negava a autoridade das Escrituras. Ela nunca fez isso.
Todavia, sem dúvida, ela vai além e declara que para
saberes o que a Bíblia diz, precisas ter a interpretação
autorizada da Igreja, a qual ela coloca lado a lado
com as Escrituras. Afirma que recebeu revelação além
da que encontra registada nas Escrituras. Contudo,
ainda declara a autoridade do Canon das Sagradas
Escrituras, e sempre o tem feito.
Esta autoridade foi mais ou menos universalmente
aceite até que se chegou aos meados do século
dezoito, quando começou o movimento conhecido
pelo nome de “ Alta Crítica” . Iniciou-se em termos de
várias outras pressuposições, pressuposições naturalis­
tas concernentes à razão, conhecimento e ciência do
4 4 /A utoridade

homem. O ataque à autoridade das Escrituras come­


çou nessa altura. Ora, não dispomos de espaço aqui
para entrarmos na história pormenorizada de tudo o
que sucedeu e do modo como o movimento pros­
seguiu durante o último século. A fim de tornarmos o
nosso estudo mais prático e relevante, temos de pro­
curar concentrar a nossa atenção sobre a posição
actual. Hoje em dia pretende-se afirmar que a situação
agora é diferente. De um modo geral concorda-se em
que o velho liberalismo, o velho modernismo, o velho
“ racionalismo” — chames-lhe tu o que lhe chamares
— é mais ou menos rejeitado. Ouvimos muito pouco
acerca dele.Mas é interessante observar a maneira em
que mesmo isso se põe! Dizem-nos que, embora não
devamos passar o nosso tempo debatendo e argu­
mentando com respeito à validade da alta crítica
como as pessoas tendiam a fazer há quarenta ou
cinquenta anos, temos, no entanto, de tomar o tra­
balho da “ crítica” como um facto. Encontramo-nos
no que denominam de “ situação post-crítica” .Afirmam-
-nos que realmente nada interessa, excepto a nossa
clareza acerca da mensagem e ensino da Bíblia. Assim,
deparamos com frases tão familiares como esta: “ a
Bíblia não é a Palavra de Deus, mas contém a Palavra
de Deus” . A Bíblia, dizem eles, é em parte Palavra de
Deus, e em parte palavra de homens. Em parte tem
esta grande e divina autoridade, e em parte não.
Declaram-nos ainda que temos de aceitar e crer na
mensagem, mas que podemos ser muito livres quanto
aos factos. Deparei com um exemplo disto noutro dia,
A Autoridade das Escrituras/45

num jornal canadiano. Num artigo que focava uma


história do Livro de Daniel, o escritor comentava:
“ Não achamos que tenha muita importância que esta
história seja literalmente verdadeira, ou uma esplên­
dida parábola para todas as gerações dos homens” .
Isso é típico de toda esta atitude. Na realidade, os
factos não interessam muito. O que conta é a men­
sagem espiritual, o ensino. Assim, defrontamo-nos com
esta perspectiva moderna que já não argumenta acerca
de secções e porções de versículos e que não está
exclusivamente interessada no seu próprio aparelho
crítico. Aceita tudo isso como certo, e prossegue en­
tão, declarando: “ Aqui deparamos com um livro em
que há muita coisa de grande valor, mas onde há
também erro definido e totalmente destituído de signi­
ficado” .
Muitas vezes se afirma que esta é uma posição
essencialmente nova. Mas, sem dúvida, se te detiveres
a analisar o que eles dizem, terás de chegar à con­
clusão de que, basicamente, é ainda a mesma velha
posição. Pois as questões que imediatamente se levan­
tam, são estas: Quem decide sobre o que é verda­
deiro? Quem decide sobre o que é de valor? Como é
que podes distinguir entre os grandes factos que são
verdadeiros, e os que sáo falsos? Como é que podes
estabelecer a diferença entre os factos e o ensino?
Como é que podes separar esta mensagem essencial da
Bíblia, do fundo histórico em que ela se apresenta? E
não apenas isso, mas sem dúvida que não há tal
divisão ou distinção reconhecida nas próprias Escri­
46 Autoridade

turas. A Bíblia inteira vem até nós e oferece-se-nos


exactamente da mesma maneira e como um todo. Não
há o menor indício ou suspeita de uma sugestão de
que algumas das suas partes são importantes e outras
não, Tudo nos surge da mesma forma.
Por outras palavras, a posição moderna resume-se
nisto, que é a razão do homem que decide. Tu e eu
vamos à Bíblia e temos de fazer as nossas decisões na
base de certos padrões que estão obviamente nas
nossas próprias mentes. Concluímos que uma porção
está conforme com a mensagem em que cremos, e
outra não. A despeito de tudo o que se tem dito a
respeito de uma nova posição hoje em dia, somos
ainda deixados naquela em que o conhecimento e
entendimento do homem são os árbitros finais e o
último tribunal de apelação. Era essa precisamente a
posição do velho liberalismo.
Todavia, alguns poriam o caso de um modo um
pouco diferente. Diriam que tens de reconhecer como
Palavra de Deus aquilo que te diz algo. Quando
alguma coisa da Bíblia fala à tua condição, isso é
Palavra de Deus, mas quando tal não acontece, não é
Palavra de Deus. Isso, claro, é tão somente colocares-
-te a ti mesmo numa posição totalmente subjectiva.
Continua-se a manter o homem em posição de con­
trolo; o homem é ainda a autoridade que decide sobre
o que é verdade ira mente a Palavra de Deus, e o que
não é.
Uma outra forma que a atitude moderna por vezes
assume é a sugestão de que aqueles de nós que são
A Autoridade das Escrituras/47

evangélicos conservadores são “ Bibliólatras” , isto é,


põem as Escrituras no lugar do Senhor. A sua própria
autoridade, dizem-nos os críticos, não são as Escri­
turas, mas o Senhor mesmo. Bem, à primeira vista,
isso parece muito impressionante e muito justo, como
se eles não estivessem senão a afirmar aquilo por que
nós próprios nos batemos. Soa como se fosse uma
posição altamente espiritual, até ao momento em que,
repito, começamos a examiná-la cuidadosamente. As
questões óbvias a pôr àqueles que fazem tais afir­
mações são estas: “ Como é que conheces o Senhor?
O que é que conheces acerca d’Ele, aparte das Escri­
turas? Onde é que O encontras? Como é que sabes
que aquilo que pareces ter experimentado a respeito
d’EIe não é invenção da tua própria imaginação, nem
o produto de algum estado psicológico anormal, nem,
porventura, o trabalho de algum poder oculto ou
espírito mau” ? Parece tudo muito impressivo e con­
vincente, quando dizem: “ Eu vou directamente ao
próprio Senhor” . Mas temos de enfrentar a questão
vital concernente à base do nosso conhecimento do
Senhor, a nossa certeza com respeito mesmo à Sua
autoridade e como é que entramos na posse prática da
mesma.

A ATITUDE CORRECTA

Em face da posição com que nos defrontamos hoje em


dia, como deveremos tratar desta questão da auto­
ridade das Escrituras? No espaço de que disponho não
4S'Autoridade

posso fazer mais do que delinear o esboço daquilo que


creio ser o caminho. O meu objectivo aqui é chamar a
atenção para certos princípios gerais que temos de
manter sempre em primeiro plano nas nossas mentes,
ao considerarmos este assunto.

a. A Escritura deve ser vista como um todo

É de vital importância que sempre abordemos este


problema como um todo e não comecemos imedia­
tamente com pormenores. Assim, em minha opinião,
muitos estão confusos porque se agarram a esta ou
aquela dificuldade em particular, ou a algum outro
ponto em pormenor. Como resultado, e porque come­
çam com detalhes, ficam de tal modo imersos que não
vêem o ponto principal. Ora, eu sei que há partes de
um todo, mas esse todo não é meramente a soma das
partes.
Nao há nada mais importante, se realmente estamos
interessados na autoridade das Escrituras, do que
começar primeiro com a Bíblia toda e considerar os
pormenores à luz do conjunto e não na ordem in­
versa. Deixa-me usar uma ilustração simples. Em
muitos âmbitos da vida este mesmo princípio prova
ser verdadeiro. Repara, por exemplo, no modo pela
qual a Comunidade Britânica conseguiu adicionar o
Canadá. Este foi tomado à França numa batalha, a
Batalha de Quebeque, em 1759. Embora o resultado
dessa batalha fosse crucial, levou muitos e longos anos
e, de facto, muitas escaramuças locais, para ocupar
A Autoridade das Hscriruras/49

todo o território. É isso que eu significo com a dis­


tinção entre possuir o todo e prosseguir então para a
posse das partes. Ao abeirarmo-nos das Escrituras,
temos de adoptar um procedimento semelhante. Há
pontos, há assuntos especiais que, na verdade, cons­
tituem para nós dificuldades e problemas autênticos.
Iremos então rejeitar o todo por causa de uma difi­
culdade em particular? Deverá rejeitar-se uma teoria
científica, só porque num dado ponto não chega a
explicar certos detalhes que, em comparação, não têm
importância? Deverei eu descrer da existência e do
valor do sol por haver manchas sobre ele? Não, isso
constitui um raciocínio muito falso. Seria introduzir a
confusão. A Bíblia é um todo e a sua autoridade é
completa. Mas, havendo-a aceitado toda, eu ainda
encontro certas dificuldades, problemas e questões
latentes. De facto, é realmente uma tragédia que um
homem comece por um pormenor e, só porque não
foi bem sucedido com ele, venha a dizer: “ Nao posso
de maneira nenhuma reconhecer a autoridade das
Escrituras” . Apresentarei mais tarde outras razões
para mostrar que tal atitude é errônea.

b. Um assunto para a fé

O nosso segundo princípio é o reconhecimento de


que, em última análise, esta questão da autoridade das
Escrituras é um problema de fé e não de argumen­
tação. Há muitas razões relevantes. Eu próprio apre­
sentarei algumas mais tarde. E, sem dúvida, muitas
50 Autoridade

destas razões têm grande valor. Há argumentos cientí­


ficos, argumentos históricos, argumentos arqueoló­
gicos, e argumentos racionais, os quais têm sido refe­
ridos em apoio da autoridade das Escrituras. Mas o
ponto que eu quero destacar, é que depois de os teres
citado todos, poderás convencer intelectualmente um
homem sobre o que estás a dizer, mas mesmo assim
ele não irá necessariamente acreditar ou aceitar a
autoridade das Escrituras. Do mesmo modo que uma
pessoa pode ter uma concepção intelectual da verdade
acerca de Cristo e aceitá-la no seu intelecto, sem na
realidade O receber, e se tomar cristão, assim também
pode fazer exactamente o mesmo em relação às
Escrituras.
Eu saliento isto, em primeiro lugar, porque receio
que nós, como evangélicos conservadores, tenhamos
por vezes sido levados a cair nesta armadilha. Temos
condescendido com uma forma de racionalismo que
não está realmente de acordo com a nossa posição.
Há valor autêntico nestes argumentos, mas ao fim e
ao cabo (como os próprios Pais protestantes ensi­
naram) ninguém pode realmente crer e submeter-se à
autoridade das Escrituras, senão como resultado do
“testimonium Spiritus internum". É só como resultado
da obra e ilumingção do Espírito Santo dentro de nós
que finalmente podemos ter esta certeza acerca da
autoridade das Escrituras. Isto é simplesmente dizer
por outras palavras o que o apóstolo Paulo afirma tão
claramente em I Coríntios 2:14, “ O homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque
A Autoridade das Fscrituras/51

lhe parecem loucura, e não pode entendê-las, porque


elas se discernem espiritualmente” .
Nao há qualquer dúvida sobre este assunto. Po­
demos apresentá-lo sem rodeios, desta forma. Uma
pessoa que não é cristã não pode crer na autoridade
das Escrituras. Não devemos esperar que o faça.
Perdemos tempo se argumentamos com ela sobre isso.
É inútil encararmos o racionalista ou incrédulo mo­
derno e dizermos-lhe: “ Primeiro de tudo, temos de
concordar a respeito da Bíblia. Acreditas na Palavra
de Deus? Aceitas a sua autoridade, ou não? Se não acei­
tas, não estamos em posição de discutir contigo” . Tal
raciocínio é inteiramente falso. Coloca o carro à frente
dos bois. Se ele não é um cristão, não tem possibi­
lidade de aceitar a autoridade das Escrituras. Só o
cristão o pode fazer.
Mas eu saliento isto por uma segunda razão. Se lidamos
com este problema seguindo esta linha de argumen­
tação, existe principalmente o gravíssimo perigo de
que possamos comprometer bastante a nossa posição.
Creio que alguns dos nossos avós fizeram precisa­
mente isso no século passado. Ficaram estarrecidos
com os “ conhecimentos modernos” que surgiram com
o avanço da ciência. Sentiram-se profundamente an­
siosos em relação às afirmações da biologia e da
geologia. Portanto, muitos deles empenharam-se dura­
mente em reconciliar a Bíblia com esta “ nova erudi­
ção” . Houve uma suposição tácita de que essa “ nova
erudição” era necessariamente correcta. Receio poder
detectar uma tendência entre certos evangélicos con­
52/Autoridnde

servadores para fazerem o mesmo hoje. Há um cerro


temor daquilo que é chamado “ Ciência” . A ciência
tem-se tornado a autoridade suprema; e num espírito
temeroso os homens estão prontos a fazer concessões
que, em minha opinião, não deviam ser feitas de
modo nenhum.
Depois de estudares a história da ciência, terás
muito menos respeito pela sua suposta autoridade
suprema, do que tinhas quando começaste. Nao é
senão um simples facto da história dizer-se que há
cem anos, e até menos, os cientistas ensinavam
dogmaticamente e com extrema confiança que a
tiroide, a pituitária e outras glândulas eram meros
restos de vestígios. Afirmavam que elas não tinham
qualquer valor, nem desempenhavam qualquer função.
Ora, isto não é teoria. E um facto. Declaravam
dogmaticamente que se tratava de restos inúteis. Mas
hoje, sabemos que estas glândulas são essenciais à
vida. Sem argumentar em detalhe sobre assuntos
científicos, afirmo que não é somente ter falta de fé e
desconsiderar a Escritura, mas também ignorância,
reconhecer à “ Ciência” , “ conhecimento moderno” ou
“ Erudição” uma autoridade que, na realidade, não
possuem. Sejamos cientificamente cépticos com res­
peito às asserções da “ Ciência” . Lembremo-nos de
que tantas das suas afirmações são meras suposições e
teorias que não se podem provar e que podem muito
bem ser refutadas, como tantas têm sido durante os
últimos cem anos.
Repito, portanto, que temos de reconhecer que,
A Autoridade das Escrituras/53

fundamentalmente, isto não é matéria de argumen­


tação; é matéria de fé, e o valor dos argumentos vem
cm confirmação da fé e num sentido apologético.

c. Uma verdade a ser afirmada

Isto leva-nos ao meu terceiro princípio: A autoridade


das Escrituras não é tanto uma verdade a ser defen­
dida, como a ser afirmada. Dirijo esta observação
particularmente aos evangélicos conservadores. Lem­
bro-me do que o grande Charles Haddon Spurgeon
disse uma vez em relação com isto: “ Não há neces­
sidade de defender um leão que está a ser atacado.
Tudo o que tens a fazer é abrir o portão e deixá-lo
sair” . Temos de recordar frequentemente a nós mes­
mos que é a pregação e a exposição da Bíblia que
realmente estabelecem a sua verdade e autoridade.
Creio que isto é mais verdadeiro hoje do que nunca
— certamente, mais verdadeiro hoje do que o tem sido
nos últimos dois séculos. O que eu quero dizer é isto:
Não há nada que explique toda a situação mundial,
tal como ela se apresenta hoje, a não ser a Bíblia.
Considera mesmo a questão da origem do mundo e a
verdadeira natureza e carácter do próprio mundo.
Sabemos que tem havido certos cientistas neste pre­
sente século que têm sido suficientemente honestos
para nos dizerem que, como resultado do seu próprio
e apurado trabalho e investigação científica, foram
forçados a chegar à conclusão de que deve haver uma
grande Mente, um grande Arquitecto por detrás do
54/Autorid.ulc

universo. Ora, esta é uma admissão tremenda! A


Bíblia sempre afirmou isso, mas finalmente alguns
destes homens vão chegando a admiti-lo.
Todavia, quando considerares o estado e a condição
do mundo, este ponto especial tonar-se-á ainda mais
evidente. Quando olhares para o homem em geral tal
como ele é hoje, a despeito de todo o progresso do
saber, da cultura e do conhecimento, quando olhares
para o homem comum descrito nos relatos dos jor­
nais, que irás dizer? Quando te defrontas com o facto
de duas grandes guerras mundiais neste mesmo século,
se és realmente um ser pensante terás de tentar chegar
a alguma explicação. Ora, eu afirmo que a única
explicação adequada é a que é apresentada pela
Bíblia: a doutrina bíblica do pecado. De facto, nada
mais dá uma explicação adequada. Por outras pala­
vras, a única visão correcta do mundo tal como ele é
hoje, tem de se encontrar na visão bíblica da queda e do
pecado. E só à luz deste ensino que poderás entender
todo o processo da história. Ora, é de grande interesse
e de real significado observar que os próprios críticos
começam agora a dizer isto. Costumavam negá-lo.
Geralmente negam as doutrinas bíblicas do homem,
da queda e do pecado. Eles aborreciam toda a noção
do pecado. O homem estava a desenvolver-se e a
aperfeiçoar-se. Estava a tornar-se cada vez melhor.
Mas agora, têm sido forçados a admitir a verdade do
ensino bíblico e estão a voltar para ele, ou a coisa é
muito parecida.
Mas, por que é que eles estão a voltar? Para nós
A Autoridade das Escrituras/55

este é o ponto crucial. O que os levou a crer naquela


doutrina foi a tremenda destruição produzida por
duas guerras mundiais, e não o ensino das Escrituras.
Consideremos, por exemplo, o caso do falecido Dr. C.
E. M. Joad que afirmou ter chegado à convicção da
existência do mal, por meio da guerra, pelas acções de
Hitler e pelas coisas que aconteceram antes e durante
a guerra. Afirmou que, dessa maneira, ficou con­
vencido do facto do mal e do pecado, e que, por seu
turno, isso touxe-o de novo a uma crença em Deus.
Mas, repara no modo como ele chegou a esse ponto.
Acreditou, não por causa do ensino das Escrituras,
mas por causa do ensino dos próprios factos da vida.
Todavia, recusou, e todos os que estão nessa posição
ainda recusam, curvar-se à autoridade da Escritura,
que sempre tem ensinado tais coisas a respeito do
homem e do mundo. Contudo, temos de pôr em
evidência a importância de nos firmarmos na auto­
ridade das Escrituras e de crermos nestas doutrinas
porque a Escritura as ensina em vez de constante­
mente mudarmos a nossa posição à medida que o
mundo e a condição superficial do homem parecem
mudar. De qualquer maneira, esta tendência moderna
da parte de muitos para dizerem que acreditam nas
doutrinas bíblicas, mas que rejeitam o seu enqua­
dramento, o seu pano de fundo e as associações
históricas, não indica um autêntico regresso à Bíblia,
ou uma mudança teológica radical.
Ou consideremo-lo desta maneira. Tais pensadores
dizem-nos constantemente que não podem voltar à
56 Autoridade

posição pré-crítica, porque a alta crítica da Bíblia


nos tem dado uma nova e maravilhosa compreensão do
ensino das Escrituras. Mas perguntemos-lhes: “ Qual é
essa nova compreensão?” E a resposta que irás receber
deixará claro que a nova compreensão por eles desco­
berta não é senão a velha mensagem que os evangélicos
conservadores sempre têm pregado. Assim, achamo-nos
nesta posição, que esse suposto novo entendimento
que o grande aparato da crítica trouxe à luz, leva-nos
simplesmente de volta, no que toca a doutrina, ao
ponto de onde partiu o desvio para o erro. Asseguro,
portanto, que não temos que defender. Temos de
afirmar. Compete-nos a nós, como cristãos evangé­
licos, hoje, enfrentar o mundo com este desafio e
provar aos críticos que eles estão simplesmente a
voltar às coisas “ que uma vez por todas foram dadas
aos santos” e nas quais os evangélicos têm crido
através dos séculos.

d. Toda a Bíblia é a Palavra de Deus

Chegamos agora ao meu quarto princípio. Nós


temos de declarar que a Bíblia inteira — as Escrituras
canônicas do Velho e do Novo Testamentos — é a
Palavra de Deus. Também, quando falamos da auto­
ridade da Escritura, significamos “ essa propriedade
pela qual ela requer fé e obediência a todas as suas
declarações” .
Tenho de procurar justificar esta asserção. Por que
é que havemos de insistir tanto na Bíblia como um
A Autoridade das Escrituras/57

todo, na inteireza da Escritura e não apenas em certas


porções da mesma? A minha primeira razão é uma
que já mencionei, nomeadamente que não aparece tal
divisão e distinção traçada na própria Bíblia. A Bíblia
vem a nós como um todo. Em segundo lugar, a
revelação surge muitas vezes na Escritura em termos
de história e através da história. Não se podem separar
estas coisas. Deus tem feito afirmações directas. Tem-
-Se revelado também através das acções dos homens e
doutras maneiras. A história de outras nações que
contactaram com Israel faz também parte dela. Como
é que se pode determinar o que é relevante e o que é
irrelevante? Em terceiro lugar, e o que é ainda mais
importante, certas doutrinas bíblicas que são abso­
lutamente vitais a toda a questão da salvação de­
pendem de factos históricos.
Tomemos como exemplo deste último ponto, uma
passagem crucial que, duma forma aguda, levanta
todo o problema da relação entre as Escrituras e a
ciência moderna, o argumento do apóstolo Paulo em
Romanos 5:12-21. Nestes versículos, ele vai expondo
a gloriosa doutrina da nossa união com Cristo. Mas
hás-de notar que a desenvolve em termos da nossa
anterior união com Adão. “ Como em Adão... assim
também em Cristo” . Não podes de modo algum crer
na doutrina da expiação e redenção em Cristo no
Novo Testamento, a não ser que aceites o seu ensino
a respeito da queda e a respeito do pecado.
E muito fácil dizer que podes acreditar nestas dou­
trinas positivas do Novo Testamento, mas que te é
.SS/AuroridiuIc

impossível aceitar os primeiros capítulos de Gênesis e


que não acreditas na doutrina da queda. Levantam-se
imediatamente certas questões fundamentais: “ Porque
é que o homem precisa de salvação? Como é que ele
chegou à condição em que se encontra? Será que o
homem abandonou Deus, ou estará a erguer-se lenta­
mente em direcção a Ele? Veio Cristo livrar-nos das
consequências da queda? Ou veio simplesmente dar
um certo estímulo ao nosso avanço e evolução? Qual
destes está correcto? Qual é a natureza da obra de
Cristo por nós, sobre a cruz? Qual é a natureza
essencial da expiação?” A minha afirmação c que, de
acordo com o ensino bíblico, não se pode separar a
doutrina da expiação das doutrinas da queda e do
pecado.E isto coloca-te directamente face a face com a
questão da história. O homem, ou foi criado perfeito
e depois caiu, como diz o Gênesis; ou tem vindo a
evoluir lentamente de um animal e nunca foi real­
mente perfeito. Ou uma coisa, ou outra. Nao há
qualquer problema no que diz respeito ao ensino do
Novo Testamento sobre este assunto. Assim, podes
ver o perigo de começar a separar e a dizer que,
rejeitando os primeiros capítulos de Gênesis estás
simplesmente a pôr de lado o que o teu conhecimento
“ científico” torna impossível. Mas não estás mera­
mente a fazer isso. Estás a rejeitar uma parte essencial
da doutrina da expiação. O mesmo argumento é
apresentado pelo apóstolo em I aos Coríntios 15.
E a pressuposição essencial, no caso do Novo Testa­
mento, para a doutrina da reconciliação.
A Autoridade das Hscrituras/59

Na verdade, eu podia tornar o argumento ainda


mais forte, salientando que o ensino do nosso Senhor
mesmo está envolvido aqui, exactamente da mesma
maneira.Ele acreditava no ensino bíblico acerca da
origem do homem. Aceitava o ensino do Velho Tes­
tamento sobre os sacrifícios. Acreditava que todos
estes não eram mais do que tipos e sombras que
apontavam para Si mesmo. Diz Ele: “ Não penseis que
vim destruir a lei ou os profetas. Não vim abrogar,
mas cumprir” . Por conseguinte, como c que podes
rejeitar estes factos históricos? Como é que podes
afirmar que Ele era simplesmente um homem do Seu
tempo, que usava as formas de pensamento da Sua
própria época e aceitava como factos coisas que não
eram cientificamente verdadeiras como nós agora
sabemos? Como é que podes dizer tudo isso e ainda
acreditar na autoridade do Senhor? Imediatamente
ficas envolvido em tremendas contradições.
Deixa-me ilustrar isto um pouco mais. Respon­
dendo à questão dos fariseus sobre o divórcio, o nosso
Senhor perguntou-lhes: “ Não tendes lido que aquele
que os fez no princípio, macho e fêmea os fez” ?
(Mateus 19:4). Aceitas isso? Também em João 5:46
encontramos um exemplo exactamente desta mesma
atitude. Nas inúmeras citações que faz do Velho Testa­
mento, o Nosso Senhor fala claramente como quem
aceita todos estes textos das Escrituras. Isto tem sido
demonstrado em vários livros e monografias escritos
recentemente sobre esta questão em particularDeixa-me
acrescentar uma outra citação que me parece ser mais do
6 0 /Autoridade

que suficiente com respeito a este assunto. Em Lucas


24:44, o nosso Senhor está a falar aos discípulos depois
da ressurreição, e diz: “ São estas as palavras que vos disse
estando ainda convosco: que convinha que se cum­
prisse tudo o que de mim estava escrito na lei de
Moisés e nos Profetas e nos Salmos” . Ele está-Se a
referir a todo o Velho Testamento. O nosso Senhor
Jesus Cristo aceita-o todo. Afirma que tudo aponta
em direcção a Ele. Portanto, se condescendermos nesta
distinção artificial que nos está sendo proposta, entra­
remos imediatamente em choque com a autoridade do
Senhor Jesus Cristo.
Como uma nota prática e como um assunto de
relevância imediata para a nossa presente posição,
gostaria de salientar o perigo de basearmos a nossa
convicção em argumentos sobre teorias não funda­
mentadas. Aqueles que lêem literatura teológica devem
ter notado com grande interesse que durante os
últimos dez ou quinze anos temos deparado muito
poucas vezes com a frase: “ resultados seguros” . Essa
era uma expressão importante há alguns anos atrás.
“ Os resultados seguros da crítica” . “ Os resultados
seguros do conhecimento moderno” . Não consigo
lembrar-me da ocasião em que vi essas duas expres­
sões pela última vez. Desapareceram da literatura
actual. E não nos surpreende. Afirmavam-nos dogma­
ticamente, sem a menor competência, que estas coisas

* Ver, por exemplo, J. W. Wenham, C h rist a n d the B ib le (Cristo


e a Bíblia)., (Tyndale Press, 1972).
A Autoridade das Escrituras/61

eram certas. Mas tais negações da verdade do relato


bíblico têm vindo a ser retiradas uma após outra.
Descobertas recentes no âmbito da arqueologia, bem
como o trabalho de investigação moderna ao longo de
outras linhas, têm estabelecido claramente que certos
factos afirmados na Bíblia, e que anteriormente eram
refutados pelos críticos, são verdadeiros. Limitar-me-ei
a uma ilustração. Lembras-te certamente como se
costumava asseverar que nunca existira tal pessoa
como Belshasar. Os críticos estavam absolutamente
seguros disso. Mas hoje reconhece-se que o relato
bíblico está correcto. Ora esta é uma questão de
ciência e de facto. Assim, estamos continuamente a
descobrir que o que se afirmava tão abrupta e dogma­
ticamente no passado é simplesmente incorrecto. Não
há nada mais precário do que baseares a tua posição a
respeito da Escritura e das suas afirmações sobre
qualquer assunto, em algo que pareça estar estabele­
cido pelo “ conhecimento moderno” ou pela “ ciência
moderna” .

A SINGULARIDADE DA ESCRITURA

Passemos agora do âmbito do geral para o parti­


cular e consideremos alguns argumentos em porme­
nor. Era costume dos Pais protestantes, e dos grandes
dogmáticos do século dezassete que os seguiam, citar
uma grande quantidade de argumentos poderosos e
convincentes da própria Escritura, para estabelecer a
autoridade da mesma. Deixa-me indicar alguns deles.
62/Autoridade

(Estes são de grande interesse e, na verdade, impor­


tantes, não numa posição prioritária, mas num lugar
secundário com vista ao fortalecimento da fé. Possuem
também um certo valor apologético limitado). Eles
estavam convencidos de que se pode encontrar um
argumento por si só suficiente para apoiar a autori­
dade da Escritura, no seguinte: Primeiro, chamavam a
atenção para “ a majestade de Deus que fala de Si
mesmo na Escritura” . Afirmavam que o homem é
incapaz de produzir qualquer coisa do gênero. Não se
pode ler a Escritura sem se ser confrontado pela majes­
tade de Deus que Se manifesta e revela a Si pró­
prio. Em segundo lugar, punham em evidência “ a
autenticidade da Escritura, a sua honestidade, a sua
veracidade, o modo pelo qual os seus factos são
constantemente confirmados no seu próprio conteúdo
e na história secular” . Acrescentavam então como
terceiro argumento “ a sublimidade dos mistérios reve­
lados na Escritura” . Não se pode ler a Escritura sem
se ficar impressionado com aquilo a que Thomas
Carlyle se referiu uma vez como as suas “ infinidades e
imensidades” . Temos consciência de que nos defron­
tamos com mistérios finais e eternos. Temos de
confessar que em face disto, as filosofias dos homens e
mesmo os mais elevados conceitos dos mais “ inspi­
rados” poetas se reduzem à sua insignificância. A
glória transcendente dos mistérios de Deus atesta o
verdadeiro valor da Escritura.
Em quarto lugar, eles referiam “ a perfeição dos
ensinos e preceitos” — especialmente quando estas
A Autoridade das Fscrituras/63

coisas são postas no seu pano de fundo e no seu


lugar. Aqui estão ensinos que se destacam como
grandes Himalaias no meio duma moralidade dege­
nerada. Aqui estão ensinos e preceitos morais e éticos
perfeitos. Depois, em quinto lugar, apontavam para
“ a maneira de falar da Bíblia, profunda, simples, clara
e breve” . Não temos todos nós ficado admirados com
isto? No melhor dos casos, todos somos prolixos;
alguns mais que outros! O que impressiona a respeito
das Escrituras é ver como apresentam uma cena
ou transmitem uma grande doutrina em tão pouco
espaço. Está lá tudo. Isto não é uma capacidade
humana. Em sexto lugar., punham em destaque “ o
poder das Escrituras para mover os corações dos
pecadores” . Ora, há muita informação histórica e
biográfica a respeito disto. Quantas vezes não tem
esta Palavra, ao cair nas mãos dos homens, (não raro
sem qualquer instrução ou cultura), actuado podero­
samente e mudado as suas vidas, trazendo-os ao
conhecimento de Deus em Cristo! A Bíblia tem um
poder tremendo! É “ o poder de Deus para a salva­
ção” . Em sétimo lugar, está “ a capacidade que ela tem
para manter a sua autenticidade, face ao tempo e à
oposição” . Aqui está um Livro que tem sido atacado e
que, todavia, continua. Mantém a sua autenticidade.
Isto, lembro mais uma vez, é algo que precisamos
afirmar hoje em dia. Não desejo agarrar-me dema­
siado às descobertas arqueológicas, mas todos têm de
admitir que o principal resultado até ao presente é
confirmar cada vez mais as Escrituras. A Bíblia
64/ Autoridade

mantém-se firme, frente ao tempo e a toda a oposição


que se possa conceber.
Finalmente, punham em relevo “ a admirável har­
monia entre o Velho e o Novo Testamentos e o
acordo perfeito e definitivo entre todos os seus li­
vros” . Na Bíblia há sessenta e seis livros, escritos num
período superior a mil e seiscentos anos, por mais de
quarenta escritores e, contudo, virtualmente, todos
dizem a mesma coisa. Como disse Agostinho: “ O
Novo Testamento está lactente no Velho, e o Velho
Testamento está patente no Novo” . Há um entrosa-
mento perfeito entre os temas do Velho e do Novo.
Encontra-se a mesma mensagem desde uma ponta à
outra. A unidade das Escrituras e, sem dúvida, só por
si suficiente, ainda que não tivéssemos qualquer outra
razão, para concedermos às mesmas Escrituras autori­
dade suprema e final. E algo que simplesmente não se
pode explicar satisfatoriamente, a não ser nestes termos:
que as Escrituras são a Palavra de Deus do princípio
ao fim, com tudo incluído e na sua inteireza.

AS AFIRMAÇÕES DA PRÓPRIA ESCRITURA

Mas há mais. Podemos ir além daqueles argumentos


gerais de que os Pais tanto gostavam. O argumento
mais importante de todos é que devemos crer na
autoridade das Escrituras porque elas próprias afir­
mam possuir essa autoridade. Vem até nós como
sendo a Palavra de Deus. Se por um momento olhar­
A Autoridade das hscritui\is/<v5

mos para o Velho e para o Novo Testamento sepa­


radamente, esta asserção apresenta-se particularmcnte
verdadeira no caso do Velho. Não é possível ler
o Velho Testamento sem sentir que por toda a parte
se declara que ele é a Palavra de Deus. As frases
“ disse o Senhor” , “ falou o Senhor” , “ veio a Palavra
do Senhor” são de facto usadas 3.808 vezes no Velho
Testamento. Esses homens mostram-nos claramente
que não se trata duma ideia sua. Não escrevem como
resultado da sua própria compreensão, meditações ou
cogitações. Não! Afirmam constantemente “ Veio a
palavra do Senhor” , “ o peso do Senhor” , “ Deus
revelou” e “ disse o Senhor” . E essa a sua constante
asserção por toda a parte. É todo o pano de fundo.
É uma parte essencial da sua mensagem.
E não só o próprio Livro declara isso, mas os
judeus sempre o aceitaram desse modo e o consi­
deraram assim. Na verdade, eles partiam do princípio
de que as suas Escrituras eram a Palavra de Deus.
Deixa que o apóstolo Paulo fale por eles, em Roma­
nos 3:1-2. Tendo mostrado que os judeus e os gentios
eram igualmente culpados diante de Deus, levanta
uma das suas grandes questões rectóricas: “ Qual é
logo a vantagem do judeu? Ou qual a utilidade da
circuncisão?” E responde:” Muita em roda a maneira,
porque primeiramente as palavras de Deus lhe foram
confiadas” . Todo o judeu aceitava isso. Estabelecia
uma diferença entre esta literatura e todas as outras.
Aceitava o facto de que estes livros eram oráculos do
Deus Vivo.
66 Autoridnde

O ENSINO DO NOSSO SENHOR

Como já te recordei, o nosso Senhor mesmo aceitava


plenamente essa posição. Quantas vezes Ele diz: “ Está
escrito” ! E encaminha os homens para isso como
sendo a autoridade final. Ele enfrenta o ataque de
Satanás citando as Escrituras. Aí mostra mais uma
vez o valor que estas têm para Si. E como já indiquei,
num quase sem número de citações que faz, Ele está
constantemente a salientar e a repetir este ponto
específico. Escuta algumas delas: Em Marcos 12:26 e
27, lemos: “ E acerca dos mortos que houverem de
ressuscitar, não tendes lido o livro de Moisés como
Deus lhe falou na sarça, dizendo (Como vês, Ele
acredita nesse incidente como sendo um facto. Moisés
não estava simplesmente começando a “ ver coisas” , a
imaginar, ou a pôr a sua experiência em forma de
ilustração. Ele aceita a história), “ Eu sou o Deus de
Abraão e o Deus de Isaque e o Deus de Jacó?” Ora
Deus não é de mortos, mas sim Deus de vivos. Por
isso vós errais muito” . No relato de Mateus sobre o
mesmo incidente, há um acréscimo significativo: “ não
conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus” . O
nosso Senhor considera tudo isto como autorizado e
definitivo.
Mas há uma afirmação particularmente interessante
em João 10:34,2.5 “ Respondeu-lhes Jesus: Não está
escrito na vossa lei, Eu disse: sois deuses? Pois se a lei
chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi
dirigida (e a Escritura não pode ser anulada)...” E então
A Autoridade das Fscriturjs/67

continua com o Seu argumento. Mas lá está a frase


crucial, “ a Escritura não pode ser anulada” . Seria
realmente muito fácil continuar em grande escala a
dar-te mais citações, mesmo do nosso Senhor. Com
efeito, Ele diz constantemente: “ Examina-Me a Mim e
àquilo que digo. Confere-Me pelas Escrituras do
Velho Testamento. Consulta-as, investiga-as. Analisa-
-as todas” . Além disso, Ele próprio as usa, ilustra o
Seu ensino e mostra a verdade concernente a Si pró­
prio por meio delas. A totalidade do Seu ensino é
colocada de encontro ao pano de fundo e no contexto
das Escrituras do Velho Testamento. Aqui está. pois,
esta tremenda asserção da autoridade do Velho Tes­
tamento.

COMO O NOVO TESTAMENTO VÊ O VELHO

Todos os livros do Novo Testamento adoptam os


mesmos métodos. Encontram-se citações do Velho em
todos os livros do Novo Testamento, usadas com o
fim de estabelecer as suas prerrogativas e ensino.
Temos de chamar a atenção particularmente para a
mais central e crucial destas afirmações. A primeira é
a declaração bem conhecida, em 2 Timóteo 3:16:
“ Toda a Escritura é divinamente inspirada e provei­
tosa para ensinar, para redarguir, para corrigir, para
instruir em justiça” . Ora, aqui está uma afirmação
específica e explícita no Novo Testamento, no que
respeita ao caracter das Escrituras do Velho Testa­
68 Autoridade

mento. Não precisamos senão de chamar a atenção


para uma coisa. Lembras-te certamente como a “ En-
glish Revised Vçrsion (Versão Revista Inglesa) se
desviou no tocante a isto, no interesse das suas pró­
prias pressuposições. O versículo aparece traduzido
assim: “ Toda a Escritura inspirada por Deus é tam­
bém proveitosa” . Qualquer que seja a nossa opinião
da Revised Standard Version (Versão Padrão Revista),
a verdade é que a tradução aqui é fiel. Voltou à
versão correcta. Não é a “ toda a Escritura inspirada
por Deus é também proveitosa” . Não se conhecem
tais tautologias na Escritura. Uma vez mais, pois,
devemos notar essa afirmação categórica: “ Toda a
Escritura é inspirada por Deus” . Ele introduziu o Seu
fôlego nos homens que escreveram: daí a Escritura, e
daí a sua autoridade.
Em II Pedro 1:20,21, temos uma afirmação seme­
lhante. Pedro, referindo-se aos profetas, como eu já te
havia recordado, diz: “ Sabendo primeiramente isto,
que nenhuma profecia âa Escritura é de particular
interpretação, forque a profecia nunca foi proàuziàa
por vontade de homem algum, mas os homens santos
de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” . O
que é que ele quer dizer? Tem havido muita incom­
preensão no que respeita à frase “ nenhuma profecia
da Escritura é de particular interpretação” . Muitos
pensam que “ de particular interpretação” significa que
nenhum indivíduo pode interpretar devidamente, por
si próprio, a profecia na Escritura. Mas Pedro não
está a dizer isso, nem sequer por um momento. O que
A Autoridade das l;.scrituras/6‘>

ele afirma é isto: “ Não acredites somente em mim e


no meu testemunho. Volta atrás e lê as profecias do
Velho Testamento. Observa-as cumpridas e compro­
vadas em Cristo” . Como vês, a profecia não era algo
extraído das mentes e intelectos dos profetas. Estes
homens não eram videntes, no sentido comum, que
estivessem tentando antecipar o porvir e ver as coisas
futuras. Assim, com efeito, Pedro diz: “ A profecia não
é de particular interpretação. Não é a interpretação
que um homem dá à história, a factos e a eventos.
Não se trata de qualquer coisa inadequada e produ­
zida pelo homem. O que é então? Bem, a profecia não
veio de modo algum pela vontade do homem. Não foi
iniciada por homens, pelo contrário, homens santos de
Deus falaram à medida que eram movidos, condu­
zidos, transportados pelo Espírito Santo. Tudo veio de
Deus. Essa é a razão porque a tua fé está assente num
alicerce tão firme. E essa a substância da tua auto­
ridade” . Quão importante é que nós reconheçamos
isso!
Uma outra afirmação do Novo Testamento de
grande significado encontra-se e I Pedro 1:10-12
“ Da qual salvação inquiriram e trataram diligente­
mente os profetas que profetizaram da graça que vos
foi dada, indagando que tempo ou que ocasião de
tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava,
anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo
haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir.
Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas
para nós, eles ministravam estas coisas que agora vos
70 Autoridade

foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo


enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as
quais coisas os anjos desejam bem atentar” . Com
efeito, Pedro está a dizer que, na realidade, os profetas
não compreendiam plenamente o que escreviam. Era-
-lhes transmitido e eles redigiam. Investigavam e
tentavam mas não conseguiam compreender total­
mente. Viam o cumprimento à distância. Eram orien­
tados, controlados e guiados. Eram exactos, eram
infalíveis. Mas isso não era o resultado da sua própria
compreensão. Era a direcção e a actuação do Espírito.
Sem dúvida que há muitos outro argumentos que
poderiamos usar. No Novo Testamento os escritos do
Velho são constantemente referidos de modo especí­
fico, não em termos dos homens que escreveram, mas
do Espírito Santo que lhes deu a mensagem e os
habilitou a escrever. Como exemplo disto, repara em
Actos 28:25 “ E como ficaram entre si discordes, se
despediram, dizendo Paulo estas palavras: Bem falou
o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías” . De
facto, uma das coisas mais interessantes e fascinantes
a respeito do Novo Testamento é a maneira como,
por vezes, os escritores pegam numa afirmação ou
frase do Velho e lhe dão um novo significado. Consi­
dera, por exemplo, Romanos 1:17, onde Paulo, ci­
tando Habacuque, diz: “ O justo viverá da fé” . Em
certo sentido, ele não está a usar esta frase exacta-
mente como Habacuque a usou. E, todavia, é verdade.
Há alguma contradição? De maneira nenhuma. Am­
bas são correctas. O mesmo Espírito Santo que falou
A Autoridade das Escrituras/71

através de Habacuque é Quem está a falar por meio


de Paulo. Uma aplica-se a uma época e outra tem
aplicação noutra época. Há muitos exemplos e ilus­
trações disto, mostrando que é o mesmo Espírito que
sempre preside, dirige e controla.

A AUTORIDADE DOS APÓSTOLOS

Todavia, nesta altura alguém poderá dizer: “ Tudo o


que o senhor tem feito é levantar a questão da auto­
ridade do Novo Testamento. Tem estado a basear os
seus argumentos sobre afirmações do Novo Testa­
mento. Mas, que diz a respeito do livro propriamente
dito? A mim parece-me que a resposta a esta questão
é uma resposta muito simples, mas que muitas vezes
negligenciamos.
Neste ponto ficamos face a face com a autoridade
dos apóstolos. Todavia, jamais poderemos reconhecer
com demasiada clareza o significado desta. O princípio
dominante no Novo Testamento é esta autoridade
apostólica. De facto, como certamente te recordas, o
que determinou a canonicidade dos vários livros que
compõem o Novo Testamento foi o teste da aposto-
licidade. O Espírito Santo guiou a Igreja primitiva
neste assunto. Certos Evangelhos apócrifos estavam a
ser postos em evidência. Certas epístolas tinham sido
escritas por homens bons e excelentes, nas quais eles
tinham dito coisas maravilhosas. Mas nem todas fo­
ram registadas e incluídas no Canon. Por que não?
72 An'ii-uLule

Porque reprovaram ao passar pelo teste da apostoli-


cidade. As únicas coisas incluídas foram as que ha­
viam sido escritas pelos próprios apóstolos, pelos seus
discípulos ou por aqueles que foram influenciados por
eles. Este é um princípio verdadeira mente vital e es­
sencial.
Será que reconhecemos sempre como devíamos que
os apóstolos reivindicavam para si mesmos uma auto­
ridade única? Eles afirmavam-na constantemente. Te­
mos de voltar atrás a fim de reconsiderarmos o ensino
do Novo Testamento acerca dos apóstolos. Lembras-
-te de que o Senhor os enviou nos dias da Sua carne e
lhes deu autoridade para pregarem e expulsarem
demônios. Nada poderíam ter feito sem essa autori­
dade. Não era a sua própria autoridade: era a
autoridade que derivava d’EIe e que d’Ele haviam rece­
bido. Mas isto aplica-se igualmente ao que escreve­
ram. Os seus escritos são o cumprimento do que o
nosso Senhor disse, conforme está relatado em João
16:12-14: “ Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós
não o podeis suportar agora. Mas quando vier aquele
Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade;
porque não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que
tiver ouvido, e vos anunciará o que há-de vir. Ele me
glorificará, porque há-de receber do que é meu, e vo-lo
há de anunciar” . Ora, os apóstolos sempre afirmaram
que tudo o que diziam e escreviam era a comprovação
e verificação dessa promessa. Não falaram como ho­
mens comuns; falaram como apóstolos.
Repara como eles se apresentaram a si mesmos nas
A Autoridade das Kscrituras/73

epístolas. O apóstolo Paulo põe constantemente em


evidência o facto de que possui uma autoridade espe­
cial: “ Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser
um apóstolo” , o que de facto significa um “ apóstolo
chamado” . É essa a base fundamental da sua argu­
mentação e ensino. É essa a base fundamental da sua
argumentação e ensino. É por isso que ele argumenta
do modo como o faz com os membros da igreja de
Corinto. Havia pessoas que andavam pelas igrejas a
questionar o direito de Paulo a ser apóstolo. Diziam
elas: “ Este homem não é um apóstolo. Ele não andou
na companhia do Senhor, não esteve com Ele. Entrou
depois e é um intruso. Está a promover-se a si mesmo
e ao seu ensino” . Portanto, Paulo é sempre cuidadoso
em asseverar que é um apóstolo. Fornece mesmo
certas e definitivas provas desse facto. A suprema
prova era que tinha visto o Senhor ressuscitado.
(I Coríntios 9:1). Ninguém podia ser apóstolo a não
ser que tivesse visto o Senhor ressuscitado e, portanto,
pudesse ser uma testemunha da ressurreição. Um ho­
mem podia ter sido muito bom, verdadeiramente con­
vertido e de grande discernimento espiritual; podia
ter sido um pregador excelente, mas se não era capaz
de falar da ressurreição como testemunha ocular que
tinha de facto visto o Senhor ressuscitado, então não
podia ser apóstolo. Daí, o ponto do argumento de
Paulo nos capítulos 9 e 15 de I aos Coríntios.
Ser apóstolo, todavia, era ser alguém que não só
tinha visto o Senhor ressuscitado mas que tinha de ser
capaz de afirmar, fundamentando a sua afirmação,
74/Autorid;ulc

que havia sido chamado e designado de modo espe­


cial, directamente pelo próprio Senhor, para ser após­
tolo. Paulo, Pedro e João reivindicavam isso mesmo, e
toda a base da sua autoridade assenta nesse facto. De
modo que, quando eles falavam, não falavam apenas
como homens. Ouve o que diz Paulo, em 1 aos Tes-
salonicenses 2:13 — “ Pelo que também damos sem
cessar graças a Deus, pois havendo recebido de nós a
palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como
palavra de homens, mas (segundo é na verdade) como
palavra de Deus, a qual também opera em vós os que
crestes” . E essa a reivindicação. Eles falavam como
homens enviados por Deus, com uma autoridade só
dada aos apóstolos. Por vezes, o apóstolo Paulo apre­
senta isto realmente com muita ênfase, como em Gaia­
tas 1:8 — “ Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo
do céu vos anuncie outro evangelho além do que já
vos tenho anunciado, seja anátema” . Não podes achar
nada mais enfático do que aquilo. Ouve de novo o
que ele diz nos versículos que se seguem: “ Mas faço­
- o s saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi
anunciado não é segundo os homens. Porque não o
recebi nem aprendi de homem algum, mas pela revela­
ção de Jesus Cristo” . “ Eu não estou a pregar” , diz
com efeito, Paulo, “ aquilo que me foi dito ou ensi­
nado por outros apóstolos. Prego de acordo com o
seu ensino, mas eu nem mesmo o recebi deles. Recebi-
-o de Jesus Cristo” . “ Porque primeiramente vos entre-
guei o que também recebi...” — e recebeu-o do Se­
nhor. A sua autoridade é directa. Isso é autoridade
À Autoridade das Escrituras/75

apostólica, é o que eles reivindicavam, tanto na sua


pregação como nos seus escritos.
O resultado foi que uma pessoa como o apóstolo
Paulo, que era essencialmente um homem humilde,
não hesita em dizer isto aos Filipenses 3:17 — “ Sede
também meus imitadores, irmãos” Ora, isso seria re­
finado egoísmo, se não estivesse a falar como após­
tolo. Todos eles escreveram com autoridade. Repre­
enderam, censuraram, ordenaram e pediram às pessoas
para os seguirem, concordarem com eles e andarem
“ como” eles andavam. É essa a posição assumida
pelos apóstolos. Além disso, é interessante observar
que se trata duma prerrogativa que os outros reconhe­
ciam e aceitavam. Repara na maneira notável pela
qual o apóstolo Pedro reconhece esse facto em relação
ao apóstolo Paulo. Referindo-se à segunda vinda e ao
fim do mundo, diz: como também o nosso amado
irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que
lhe foi dada; falando disto, como em todas as suas
epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender,
que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente
as outras Escrituras, para sua própria perdição” . {2
Pedro 3:15-16). Ele reconhece aos escritos de Paulo a
categoria de Escrituras. Os apóstolos reconheciam uns
nos outros a autoridade que lhes fora conferida divi­
namente.
Ainda mais interessante é que todos os cristãos
primitivos a reconheciam. Submetiam-se a ela. Acei­
tavam a palavra dos apóstolos. Aceitavam as suas
decisões. Era algo universalmente aceite.
76, Autoridade

De facto, podemos ir mesmo mais além. Já te


recordei que a Igreja primitiva também a aceitava.É
por isso que o teste da canonicidade era o teste da
apostolicidade. Por outras palavras, a afirmação que
se faz por toda a parte é que a Igreja está edificada e
estabelecida “ sobre o fundamento dos apóstolos e dos
profetas” {Efésios 2:20 e seg.). Não temos qualquer
outra autoridade. O que é que sabemos acerca do
Senhor Jesus Cristo, aparte do testemunho destes
homens e do seu ensino? A autoridade dos apóstolos
envolve e serve de base à autoridade dos Evangelhos,
das Epístolas, do Livro dos Actos, de facto, de todo o
Novo Testamento. E nós, ou a aceitamos, ou nào.
E a única autoridade; é a autoridade final.

Nada se lhe pode acrescentar. Não pode ser aumen­


tada, porque não há quaisquer sucessores para os
apóstolos. Por definição eles não podem ter suces­
sores. Afirmamos isto contra o catolicismo romano e
o anglo-catolicismo, e contra todos os que ensinam
a doutrina espúria da “ sucessão apostólica” . Se o
apóstolo é um homem que precisa de ter visto o
Senhor ressuscitado e que; portanto, pode testemunhar
do facto da ressurreição, não pode haver sucessores.
Os que foram original mente escolhidos não tiveram
sucessores. Jamais houve quaisquer outros que tives­
sem sido especialmente chamados, dotados e inspi­
rados directamente pelo próprio Senhor ressuscitado
para falarem e ensinarem com autoridade. Isso é im­
possível. Nao tem que haver uma nova revelação. Não
A Autoridade das Fscriruras/77

há qualquer necessidade dela. Foi dada, e dada defini­


tivamente aos apóstolos (Ver Judas 3).
A Igreja está edificada sobre o fundamento dos
apóstolos e dos profetas. Temos portanto de rejeitar
toda a suposta nova revelação, todo o acréscimo à
doutrina. Precisamos de asseverar que todo o ensino,
toda a verdade e toda a doutrina têm de ser testados à
luz das Escrituras. Nelas se encontra a revelação que
Deus faz de Si mesmo, dada em partes e porções no
Velho Testamento, com uma clareza crescente e uma
finalidade culminante, chegando eventualmente, “ na
plenitude dos tempos” , à revelação perfeita, absoluta e
final, em Deus o Filho. Por sua vez, Ele ilumina e
revela a Sua Vontade e ensino a estes apóstolos,
reveste-os duma autoridade singular, enche-os da
necessária capacidade e poder, e dá-lhes o ensino que
é essencial ao bem estar da Igreja e do povo de Deus.
Só podemos edificar sobre esta autoridade que é
única.
Para nós, hoje, a escolha é realmente tão simples
como o foi para aqueles primeiros cristãos da Igreja
primitiva. Ou aceitamos esta autoridade, ou então
aceitamos a autoridade do “ conhecimento moderno” ,
da ciência moderna, do entendimento humano e da
capacidade humana. Ou uma, ou outra. Nao nos
deixemos confundir pelo argumento moderno acerca
duma mudança de posição. Ainda nos encontramos
onde os crentes sempre se têm encontrado. Ainda é,
“ Cristo ou os críticos” .
Para nós, pelas razões que tenho tentado dar, não
78 /Autoridade

há realmente outra alternativa. Por um lado, con­


fiando na capacidade e entendimento humanos, tudo é
fluxo e mudança, incerto e inseguro, sempre sujeito ao
colapso. Por outro lado, não é somente a “ Rocha
inexpugnável da Escritura Sagrada” ; mas há ainda a
Luz do mundo, a Palavra de Deus, a própria Verdade.

“ Senhor a Tua Palavra permanece


E os nossos passos guia;
Quem na sua verdade crê
Recebe luz e alegria” .

O Senhor da Igreja declarou: “ Os céus e a terra


passaráo, mas as minhas palavras não hão-de passar” .
E uma palavra que permanece no tempo; é uma
palavra que permanece na morte; é uma palavra que
nos confrontará na eternidade. Porque o próprio Filho
de Deus disse: “ Eu vim, não para julgar o mundo,
mas para salvar o mundo. Quem me rejeitar a mim e
não receber as minhas palavras, já tem quem o julgue;
a palavra que tenho pregado, essa o há-de julgar no
último dia” (João 12:47,48).
79

CAPÍTULO III
A AUTORIDADE DO ESPÍRITO SANTO
Antes de mais nada, gostaria de recordar que do
ponto de vista prático, esta terceira divisão do nosso
estudo sobre a autoridade é a mais importante de
todas. Repara que eu digo do ponto de vista prático.
Isto porque tudo o que temos vindo a considerar até
agora não terá qualquer valor para nós, a não ser que
conheçamos e experimentemos a autoridade do Espírito
Santo. Podemos estudar a autoridade do Senhor e das
Escrituras de um modo puramente intelectual. Pode­
mos ter convicções intelectuais. Mas elas não afectam
necessariamente as nossas vidas e trabalho. Só quando
a autoridade do Espírito Santo nos chega a afectar é
que todas estas coisas se tornam reais, vivas e pode­
rosas para nós. Mais do que isso, tudo o que cremos
acerca das Escrituras e do próprio Senhor só pode ser
aplicado no nosso ministério, e tornar-se assim rele­
vante para o mundo e para a sua situação, na medida
em que estivermos sob a autoridade e poder do
Espírito Santo. Portanto, do ponto de vista prático
não restam dúvidas de que este é o assunto mais
importante.
80 Autorkl.ulc

Em segundo lugar, há muitas vezes nas mentes das


pessoas um conflito entre a autoridade das Escrituras
e a autoridade do Espírito Santo. Como é que isto
acontece, eis um aspecto que em si mesmo merece
tratamento cuidadoso e prolongado. Mas não pode­
mos dedicar-nos a isso, porque a nossa preocupação
no momento é tratar de outro assunto. Gostaria de te
recordar, de passagem, que no século dezassete este
conflito tomou-se agudo entre os Puritanos e dividiu-
-os em dois grupos principais. Aqueles que asseve­
raram que nada importava, a não ser a autoridade do
Espírito, tomaram-se conhecidos como a Sociedade de
Amigos (ou “ Quáqueros” ). Diziam qut nada interes­
sava senão a “ Luz Interior” , o testemunho íntimo, a
experiência íntima e um poder íntimo. Tendiam tam­
bém a depreciar as Escrituras, chegando alguns deles
ao ponto de dizerem que as Escrituras nem sequer
eram necessárias. Essa atitude provocou, naturalmen­
te, uma reacção no outro lado, que foi levado talvez a
depreciar de algum modo o lugar, a influência e a
autoridade do Espírito, e a dar ênfase exclusivamente
à autoridade das Escrituras.
Ora isto é, sem dúvida, uma antítese absolutamente
artificial e falsa. Crendo como cremos, e como já
temos visto, que foi o próprio Espírito Santo que
inspirou e guiou homens a escrever as Escrituras, deve
ser-nos evidente que é claramente Sua intenção que as
Escrituras sejam usadas. Mas, mais do que isso, as
Escrituras exortam-nos a investigar, a examinar e a
“ provar os espíritos” . Infelizmente, além do Espírito
A Autoridade do Kspírito Santo/81

Santo há também espíritos maus no mundo. Outros


sim, estes maus espíritos estão sempre a atacar-nos e a
tentar influenciar-nos. “ Não temos de lutar contra a
carne e o sangue” , diz o apóstolo, “ mas contra os
principados, contra as potestades, contra os princípes
das trevas deste século, contra as hostes espirituais da
maldade nos lugares celestiais” (Ef. 6:12). Estes espí­
ritos querem iludir-nos e induzir-nos em erro. Desse
modo, a única maneira de podermos examinar e pro­
var os espíritos, e também a nós próprios, pela Pala­
vra. A Bíblia mostra, portanto, que o Espírito Santo
nos fala normalmente através da Palavra. Ele toma a
Sua própria Palavra, ilumina-a, toma as nossas mentes
e alumia-as, e assim somos tornados receptivos à
Palavra. Através de tal processo podemos conferir
todas as experiências que possamos ter, de modo a
ficarmos certos de que não estamos a ser desviados ou
enganados. Portanto, não é correcto falar do Espírito
ou da Palavra, mas sim do Espírito e da Palavra, e
especialmente do Espírito através da Palavra. Esta
antítese que tende a perpetuar-se em alguns meios,
mesmo hoje, constitui algo que temos de nos recusar a
admitir.
Uma terceira consideração que salienta a importân­
cia do nosso assunto é que de todos os aspectos
desta questão sobre autoridade não há nenhum que
seja tão negligenciado hoje em dia, como a autoridade
do Espírito. Dá-se bastante atenção à Pessoa do nosso
Senhor e à Sua autoridade. Há, sem dúvida, grande
interesse nas Escrituras e na sua autoridade. Mas, em
82 Autoridade

comparação, quanto é que nós ouvimos sobre o Espí­


rito Santo e a Sua autoridade? Se eu tivesse de arriscar
uma opinião, diria que nenhum aspecto da fé cristã
tem sido tão tragicamente negligenciado e, talvez, mal
compreendido. Por que é que isso acontece? É impor­
tante que façamos esta pergunta, porque ao respondê-
-la seremos forçados a examinar-nos a nós mesmos.
Estou de facto convencido de que é aqui que depa­
ramos com a principal fonte de fraqueza no mundo
evangélico dos nossos dias.
Quais são então as razões desta negligência? Acho
que uma delas é a respeitabilidade e a nossa grande
preocupação com a “ dignidade” . É essa a palavra
fatal que, segundo me parece, entrou aí pelos meados
do século dezanove. Os pais dessa geração tinham
nascido numa atmosfera de grandes despertamentos e
avivamentos religiosos. Eram homens sensíveis aos
movimentos do Espírito. Não estavam muito preocu­
pados consigo mesmos, com a sua dignidade ou posi­
ção. Mas pelos meados do século passado introduziu-
-se esta outra ideia e as pessoas começaram a falar
acerca da necessidade dum culto “ solene” . Assim,
começaram a pôr a sua ênfase mais sobre a capaci­
dade intelectual e o preparo do ministro, do que sobre
a sua conversão, o facto de ser ele cheio do Espírito e
seu consequente discernimento espiritual e autoridade.
Isto foi feito com vista a podermos ter uma forma
“ solene ou dignificada” de culto. Um dos resultados
foi que a Igreja começou a dar cada vez mais atenção
a formas e cerimônias.
A Autoridade do Espírito Santo/83

Ao mesmo tempo, começou a introduzir-se um tipo


de orgulho de erudição e de conhecimentos. À medida
que se espalhava a educação popular, as pessoas di­
ziam que a Igreja precisava dum ministério mais ins­
truído. Argumentava-se que aqueles que frequen­
tavam as escolas primárias, secundárias e as univer­
sidades já não se satisfariam com o velho tipo de
pregação. Tudo isto vem sob o título geral de “ respei­
tabilidade” e teve indubitavelmente o efeito de “ ex-
tinguir o Espírito” . Claro que o desejo de ter um
ministério culto e educado é correcto, mas não
simplesmente como um fim em si mesmo, e nunca à
custa do elemento espiritual.
Essa é uma explicação da negligência deste assunto.
Outra que está intimamente relacionada com ela é o
nosso medo do “ entusiasmo” . Tem havido um horror
aos excessos. Ouvimos de várias seitas e denomina­
ções que dão muita ênfase ao trabalho e ao ministério
do Espírito, mas acrescentamos imediatamente: “ Re­
para nos seus excessos. Repara no que eles fazem.
Olha para a sua falta de controlo” . Muitos têm ficado
horrorizados com o pensamento de excessos e têm-se
deixado levar tão longe para o outro extremo, que são
indubitavelmente culpados de extinguir e entristecer o
Espírito.
Todavia, essa acusação de entusiasmo tem sido
sempre feita contra os que amam a evangelização. Foi
fejta contra George Whitefield, John Wesley e seus
coadjutores, há dois séculos. Eles eram continua­
mente acusados pelos bispos e outros de serem
K4 Autoridade

“ entusiastas” . Contudo, isso não preocupou aqueles


homens, nem os atemorizou. Mas o cristão moderno,
o moderno evangélico, parece amedrontado e ater­
rorizado com esta crítica, como se houvesse algo de
inerentemente errado em um cristão ser na realidade
arrebatado e, por vezes, quase que ficar fora de si e
do seu próprio controlo. Longe de mim tentar
defender excessos ou fanatismo, mas estou certo de
que o nosso perigo, hoje, é termos tanto medo dessas
coisas, ao ponto de chegarmos a ser culpados de
extinguir o Espírito. Claro que, em última análise,
tudo isto volta ao problema do orgulho. Estamos tão
preocupados a respeito de nós mesmos e da nossa
própria importância, que quase receamos que o Espí­
rito Santo assuma o controlo, no caso de nos
acharmos a fazer e a dizer algo, ou mesmo a aparecer
duma forma que não se harmonize plenamente com as
nossas idéias sobre o que convém ao educado e sofis­
ticado indivíduo moderno.

OS ESFORÇOS DA IGREJA PARA RECUPERAR


A AUTORIDADE

Não há dúvida absolutamente nenhuma de que a


maior necessidade da Igreja no presente é um estudo
deste assunto. Contudo, hoje em dia, a Igreja, como
tem sido, com frequência, inclinada a fazer em épocas
anteriores, parece estar a negligenciar isto e a procurar
a sua fonte de autoridade, em todo o lado menos
À Autoridade do Espírito Santo/85

aqui. Está consciente do facto de que é mais ou menos


impotente, de que não está a causar no mundo o
impacto que devia. Está consciente do que o que lhe
falta é verdadeira autoridade. No entanto, na sua
busca dessa autoridade, parece fazer tudo excepto
voltar-se para a autoridade do Espírito Santo.
Procedendo assim, a igreja dos nossos dias está a
repetir quase exactamente as suas experiências em
séculos anteriores. Se te debruçares sobre a história da
Igreja no fim do século dezassete e princípios do
dezoito, verificarás que as pessoas tinham tomado
consciência do facto que o cristianismo estava a
perder a sua influência. Os racionalistas dos fins do
século dezassete e os deístas do início do século
dezoito iam dando as suas prelecções e escrevendo os
seus livros. A Igreja parecia estar muito desamparada.
Por esse motivo, um certo número de cristãos reu­
niram-se e perguntaram uns aos outros: “ Que pode­
remos fazer para reafirmar a autoridade da Igreja e da
verdade?” Chegaram à conclusão de que o melhor
plano seria fundar uma nova série de prelecções. Esta­
beleceram, por conseguinte, aquilo que é denominado
por Prelecções Boyle, que ainda são feitas anualmente.
Qual era o objectivo destas conferências? Era,
simplesmente, defender a fé cristã e produzir um
sistema de argumentos e apologética em defesa da fé.
Então, durante o mesmo período, esse homem emi­
nente, de grande intelecto — o Bispo Butler — de
acordo com as mesmas directrizes e de harmonia com
86'Autoridade

esta posição, escreveu a sua famosa Analogia da


Religião.
O que é que toda esta actividade visava fazer? Eles
estavam a esforçar-se por restaurar a autoridade da
Bíblia e do evangelho, e estabelecer racionalmente a fé
cristã. “ Temos de fazer alguma coisa para readiquirir
a velha autoridade” , disseram eles. E assim, fizeram-
-no daquela maneira. Produziram a apologética do seu
tempo. No entanto, cómo sabemos perfeitamente bem,
agora, não foram as prelecções Boyle ou as obras do
Bispo Butler que restabeleceram a posição da Igreja e
restauraram a sua antiga autoridade. O que é que foi?
Foi Deus, actuando através do Espírito Santo nas
vidas de George Whitefield e John Wesley, na Ingla­
terra, e de outros como Jonathan Edwards e os
Tennents, na América. Foi o poderoso avivamento
evangélico do século dezoito. Aquilo que as excelentes
Prelecções Boyle e as obras do Bispo Butler não
conseguiram de modo algum fazer, foi realizado pelo
próprio Deus, da maneira que Lhe é peculiar.
N o início do século dezanove, a Igreja sentiu mais
uma vez a perda de poder. A influência do aviva­
mento evangélico tinha mais ou menos começado a
desvanecer-se. Outros e novos factores haviam surgido
e a Igreja pouco contava. Parecia ter perdido de novo
a sua autoridade, não tinha qualquer influência sobre
o povo em geral. “ O que é que se pode fazer”
— perguntou a Igreja — “ para restaurar a autoridade
cristã?” Alguns homens muito capazes e cultos, tais
como Keble, Newman e Pusey, reuniram-se em Ox-
A Autoridade do Kspírito Santo/87

fbrd e concluiram que tinham de conferir mais auto­


ridade ao pregador. Como é que poderiam fazer isso?
Acharam que a única maneira era afastar mais o
pregador das pessoas. Sentiam que ele tinha perma­
necido demasiado perto do membro de Igreja em
geral, e que precisavam de o investir duma nova aura
de autoridade. Foi esse o raciocínio que esteve por
detrás da origem do anglo-catolicismo e de todos os
outros avivamentos de catolicismo que não chegaram
a atingir o estricto catolicismo romano. Eles sugeriram
que o pregador se vestisse de maneira diferente. Por
isso, vestiram-no dum modo especial. Afastaram-no
mais da presença física das pessoas, puxaram-no para
trás, digamos assim, para dentro do santuário e para
mais próximo do que denominaram de “ altar” . Ele­
varam o próprio altar e tentaram investir essa parte
do edifício da Igreja com uma nova dignidade. Argu­
mentavam que, como resultado, as pessoas viriam e
escutariam com temor e tremor, e com maior pron­
tidão para responderem. Era essa ideia que estava por
detrás de tudo. Tudo fazia parte dessa busca de
autoridade e, como sabes, houve muitos que realmente
foram para a Igreja de Roma, porque acharam que só
ela podia na verdade garantir esta espécie de auto­
ridade.
Ao mesmo tempo, como já notámos, havia aqueles
que acreditavam que a erudição e o conhecimento,
uma melhor preparação e um acesso à Bíblia pela via
da crítica literária, histórica e científica restaurariam
de novo à Igreja a autoridade perdida. Mas todos
88/Aucoridaüc

estamos familiarizados com os factos. O que de facto


deu à Igreja nova autoridade no século dezanove não
foi nenhuma destas coisas. Ela veio eventualmente
através daquele avivamento que eclodiu na América
em 1857, e no Ulster, País de Gales e outras partes do
mundo em 1858 e 1859. Este foi um avivamento
espiritual, uma grande renovação evangélica, mais
uma vez. Foi Deus novamente agindo e intervindo no
poder do Espírito, que, na verdade, restaurou a auto­
ridade, e não as tentativas dos homens.
Quando consideramos a situação actual, desco­
brimos que a Igreja em geral está a repetir o com­
portamento dos dois séculos anteriores e a introduzir
de novo os expedientes que tantas vezes têm sido
adoptados através da sua longa história. Hoje em dia,
toda a gente está preocupada com este problema da
autoridade. As perguntas que se fazem, são: “ Por que
é que nós não podemos atingir as massas que estão lá
fora? Como é que conseguiremos que nos ouçam?
Que poderemos fazer para dar à Igreja autoridade na
sua pregação e nos seus pronunciamentos?” Mas
observa a maneira pela qual muitos estão a tentar
resolver a situação. Dizem assim: “ Claro que o maior
problema está em que a Igreja não se tem mantido a
par dos tempos, Não tem feito de si mesma a
publicidade que devia. Os grandes negócios progridem
por meio de propaganda” . Por conseguinte, as maiores
denominações têm organizado departamentos de pu­
blicidade. Dispõem de escritórios para esse fim, e
estão atentos para que parágrafos apropriados sejam
A Autoridade do Espírito Santo/89

regularmente colocados nos jornais. “ PÕe-no diante do


povo, e o povo começará a ouvir” , é o slogan.
Apoiam-se na autoridade da voz potente e do grande
anúncio.
Outros dizem: “ Não, não é dessa maneira. O que
precisamos é ter uma preocupação social. Afinal de
contas, as pessoas estão interessadas em coisas mate­
riais e em problemas sociais. A Igreja, portanto, tem
de descer à terra e mostrar que está realmente inte­
ressada em tais assuntos, e tem de falar muito mais
sobre questões políticas e sociais. Então o povo prin­
cipiará a dar atenção e a ouvir a nossa mensagem” .
Outros advogam que a única maneira de reconquistar
a autoridade é fazer muito mais uso da rádio e da
televisão. “ Aqui está um grande instrumento e uma
grande fonte de poder” , dizem eles. “ A Igreja deve
adquiri-la. Dêem dinheiro para esse fim. Façamos uso
deste grande meio de publicidade e propaganda” .
Outros ainda põem a sua fé na produção de livros
e de literatura.
Unida a tudo isto, claro, está toda a ideia de
erudição e conhecimento. Muitos pensam que se tão
somente mostrarmos que o cristão moderno sabe tudo
a respeito da ciência, que não é simplesmente um tolo
e um entusiasta, mas que é, na verdade, muito
razoável, intelectual e científico, então o mundo estará
mais pronto a ouvi-lo. É esse geralmente o motivo por
detrás de muitos livros que pretendem reconciliar a
ciência com a religião. São esse os argumentos bá­
sicos. Mas, claro, inspirando-os a todos, e mais
90/Aiitori(l;ulc

importante, dizem, do que todos os outros juntos, está


a necessidade de unidade e duma grande organização
da Igreja Mundial. O grande problema, informam-nos
eles constantemente, é que as forças do Cristianismo
estão divididas. O mundo incrédulo é um, e a Igreja
está dividida numa série de fragmentos. Como é que
poderemos falar com autoridade numa tal situação?
Afirmam que há só uma coisa a fazer. “ Precisamos de
ter uma grande Igreja mundial. Se tão somente nos
pudéssemos tornar um e enfrentar o mundo juntos,
então ele teria de nos ouvir. Esse é o segredo da
autoridade” .
Ao dizer tudo isto, não estou a descrever apenas
aquelas secções da Igreja que não são evangélicas.
Infelizmente estou também a falar dos verdadeiros
evangélicos. Parece-me que nós próprios temos caído
no mesmo erro. Citamos muitas vezes: “ Nao por
força, nem por violência, mas pelo meu Espírito, diz o
Senhor” e, todavia, na prática, parece que descan­
samos no “ poderoso dólar” , no “ poder da imprensa”
e na publicidade. Dá a impressão de que pensamos
que a nossa influência dependerá da nossa técnica e
do programa que pudermos apresentar, que serão os
números, a extensão e a grandeza que darão resul­
tado. Parece havermos esquecido que Deus tem reali­
zado a maior parte dos Seus feitos na Igreja, ao longo
da sua história, através de “ remanescentes” . Parece
que esquecemos, por exemplo, a grande história de
Gideão e como Deus insistiu em reduzir os trinta e
dois mil homens para trezentos, antes que fizesse uso
A Autoridade do Fspírito Santo/91

deles. Temos ficado fascinados com a ideia de gran­


deza e estamos absolutamente convencidos de que se
tão somente formos capazes de “ encenar” (sim, é esse
o termo!) algo de realmente grande perante o mundo,
iremos abalá-lo e produziremos um poderoso desper-
tamento religioso. Parece ser essa a moderna con­
cepção de autoridade.
Tudo isso, penso eu, não é senão o velho erro em
que a Igreja tem caído tantas vezes. Porque a máxima
de Hegel acerca da história é tão verdadeira a respeito
da Igreja como do mundo: “ A história ensina-nos que
a história não nos ensina coisa nenhuma” . Parecemos
determinados a continuar repetindo deste modo os
mesmos erros e a cair nas mesmas armadilhas, como
os nossos antepassados sempre fizeram. Tudo isso nos
traz de volta a este ponto que a Bíblia ensina nítida e
claramente, que o próprio método de Deus é sempre
através do Espírito e da Sua autoridade e poder.
Portanto, o que precisamos de fazer acima de tudo o
mais, é estudar este assunto — a autoridade do Espí­
rito Santo.

A AUTORIDADE DO ESPÍRITO NA VIDA


DO NOSSO SENHOR

Como é que se manifesta esta autoridade? Já vimos


uma das maneiras no nosso estudo da autoridade das
Escrituras. Mas agora temos de chegar ao ponto em
que vemos a autoridade do Espírito Santo demons­
9 2 /Autor idade

trada na vida e ministério terreno do Senhor Jesus


Cristo. Este é, sem dúvida, um aspecto deveras im­
portante no nosso tema. Lembramo-nos de como Ele
foi baptizado logo no início do Seu ministério, com
trinta anos de idade. Foi ter com João Baptista e
pediu-lhe que O baptizasse. João argumentou e sali­
entou que ele, João, é que devia ser baptizado por
Cristo, mas o nosso Senhor respondeu: Deixa por
agora, porque assim nos convém cumprir toda a jus­
tiça” . Foi neste ponto da Sua vida, quando foi bapti­
zado por João, que o Espírito Santo desceu sobre Ele
em forma de uma pomba, e a voz do céu declarou:
“ Este é o meu amado Filho em quem me comprazo” .

Ora isto é alguma coisa única. O nosso Senhor


estava a receber a plenitude do Espírito Santo, a fim
de poder exercer o Seu ministério como Messias.
Notemos como isto aparece em João 3:34: “ Pois não
lhe dá Deus o Espírito por medida” . Deus deu-Lhe o
Espírito em absoluta plenitude para a Sua tarefa. Isto
é um mistério, mas parece claro que mesmo o Filho de
Deus (para os propósitos da Sua obra mediadora na
terra) não podia ter feito o trabalho que Lhe havia sido
destinado, a não ser que o Pai Lhe tivesse dado assim
o Espírito Santo. Jesus Cristo continuava a ser a
segunda Pessoa eterna na bendita e santa Trindade,
mas havia posto de lado as insígnias da Sua glória.
Tinha-Se humilhado a Si mesmo e tinha vindo à terra
para viver como um homem. Essa é a razão por que
Ele tinha de orar e por que era essencial que recebesse
A Autoridade do Fspíriro Santo/^3

desse modo a plenitude do Espírito. O Espírito não


Lhe foi dado “ por medida” .
Ele próprio salientou este mesmo ponto. Os líderes
dos judeus estavam a argumentar com Ele sobre a Sua
autoridade e poder. Estavam bastante impressionados
por Ele ter alimentado cinco mil pessoas por meio de
um milagre, mas entenderam mal o que isso signi­
ficava. O nosso Senhor disse-lhes: “ Trabalhai não pela
comida que perece, mas pela comida que permanece
para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos
dará; porque a este o Pai, Deus, o selou” . (João 6:27).
Isto é uma referência ao que acontecera lá, no Seu
baptismo. “ Selar” é sempre “ com o Espírito Santo” .
O Senhor Jesus Cristo estava,com efeito, a dizer: “ Eis
aqui a minha autoridade. O Meu Pai autenticou-Me
quando mandou o Espírito sobre Mim e a voz falou.
Fui selado pelo Pai. Por que é que ainda estais em
dúvida a meu respeito? O que me autentica não são
tanto os milagres como o selo do Espírito” . Foi uma
proclamação pública do facto de que Ele é o Messias.
Foi isto o que acompanhou significativamente o Seu
baptismo.
Então, depois do baptismo, Ele foi levado pelo
Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo
durante quarenta dias e quarenta noites. No fim desse
período, voltou para a Sua terra, a cidade de Nazaré,
e lá, como era Seu costume, entrou na sinagoga no dia
de sábado e começou a ler o livro do Profeta Isaías:
“ E quando abriu o livro, achou o lugar em que estava
escrito: O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que
94/Aurorúhulc

me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a


curar os quebrantados do coração, a apregoar liber­
dade aos cativos, e a dar vista aos cegos; a pôr em
liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do
Senhor. E cerrando o livro e tornando-o a dar ao
ministro, assentou-se; e os olhos de todos na sinagoga
estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: Hoje
se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos” (Lucas
4:17 e seg.). O que é que Ele está a dizer? “ O Espírito
do Senhor é sobre Mim. Ele ungiu-Me” . Notemos de
novo que Ele foi ungido na ocasião do baptismo, lá
no Jordão. Recebeu aquela unção especial e a auto­
ridade do Espírito para a Sua tarefa. Como Deus-
-Homem, o Filho do Homem, recebeu o Espírito
Santo na Sua plenitude, a fim de poder continuar a
pregar e a realizar a Sua obra de redenção. Uma vez
mais, a conclusão a que temos de chegar é que mesmo
o Filho de Deus não poderia ter feito o Seu trabalho,
se não tivesse recebido assim a autoridade, a unção,
unção esta que só o Espírito Santo pode dar (ver
também Actos 10:38).

A AUTORIDADE DO ESPÍRITO NA VIDA


DO CRENTE

a. A obra do Espírito na conversão


Este é um assunto importante que podia ocupar a
nossa atenção por muito tempo. Vou dar simples­
mente algumas sugestões. Primeiro, vemos a autori­
A Autoridade do Rspírito Santo/95

dade do Espírito Santo mesmo na questão inicial de


chegar à crença no Evangelho. Quantas vezes isto é
claramente descrito nas Escrituras. O nosso Senhor
salienta-o na Sua entrevista com Nicodemos que
obviamente tomou a posição de que se tratava de uma
mera questão de entendimento. Ele é um mestre de
Israel, mas aqui é confrontado por Alguém que, sem
dúvida, tem mais do que ele próprio. E então pensa
consigo mesmo: “ Trata-se só dum estágio mais avan­
çado do que aquele que eu já atingi” . Assim, foi ter
realmente com o nosso Senhor para Lhe perguntar:
“ O que é que tenho de fazer além daquilo que já
faço? O que é que eu preciso além do que já tenho, de
que modo a tornar-me como tu? Evidentemente, tu és
um mestre enviado de Deus, pois nenhum homem
pode realizar estes milagres que tu fazes, se Deus não
for com ele” . Nicodemos está a ponto de dizer: “ O
que é que eu necessito mais?" E o nosso Senhor volta-
-Se para ele e diz-lhe: “ Na verdade, na verdade te
digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver
o reino de Deus” . “ Estás completamente errado” ,
disse com efeito o nosso Senhor a Nicodemos, “ pre­
cisas de nascer da água e do Espírito. Há coisas que
pertencem à carne. Há coisas que pertencem ao Espí­
rito. Aquele que é nascido da carne é carne; e aquele
que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravi­
lhes (Não tentes compreender). O vento sopra onde
quer e ouves o seu ruído, mas não podes dizer de
onde vem nem para onde vai. Assim é todo aquele
que é nascido do Espírito. Precisas da iluminação e do
9<v'Auroridade

poder do Espírito. Não podes lazer isto sozinho” . O


nosso Senhor declarou com ênfase, e duma vez para
sempre, este princípio.
Vemos a mesma coisa em prática nos Actos dos
Apóstolos.O primeiro cristão convertido no continente
da Europa foi, de acordo com o relato, uma mulher
chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de
Tiatira. Como é que ela se converteu? Teria sido
arrastada pela personalidade do apóstolo Paulo? Teria
ele “ posto em destaque essa sua grande personali­
dade?” Recordas-te de como ele começou a sua cam­
panha na Europa. Foi apenas a uma pequena reunião
de oração de mulheres, fora dos muros da cidade,
num domingo à tarde, Foi o começo menos auspicioso
e menos anunciado que se pode imaginar. Ali, na
pequena reunião de oração, simplesmente se sentou e
lhes falou da Palavra do Senhor.
“ Mesmo assim” , poderá alguém dizer, “ deve ter
sido a personalidade de Paulo. Deve ter sido a sua
erudição e eloquência” . Não é isso que o texto diz.
Em Actos 16:14, lemos: “ ... e o Senhor lhe abriu o
coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia” .
Nem mesmo Paulo, homem poderoso como era, podia
salvar uma alma. Só o Senhor, o Espírito Santo, pode
abrir o coração e habilitar-nos a receber a verdade.
Uma afirmação específica deste facto, em 1 Coríntios
12:3, deve resolver o assunto. “ Portanto vos quero
fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito
de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer
que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo” . Se
A Autoridade do Kspirito Santo/97

precisas de algo mais, só tens de ir a Efésios 2, e lá


encontrarás que há só uma esperança para aqueles
que estão “ mortos em delitos e pecados” , aqueles que
são “ os filhos da ira” e que andam “ segundo o
príncipe das potestades do ar, o Espírito que agora
opera nos filhos da desobediência” e que são escravos
da concupiscência e paixões da mente, assim como da
carne e do corpo. Só há uma esperança para eles.
“ Vos vivifícou” . “ Somos feitura sua” . Sem a obra, a
autoridade e o poder do Espírito Santo, nunca exis­
tiría um único crente no Senhor e Salvador Jesus
Cristo.

b. A obra do Espírito na certeza


Mas a autoridade do Espírito não termina aí, É só o
Espírito Santo que nos pode dar uma certeza inaba­
lável da salvação. Ora este assunto da certeza da
salvação é muito importante e, parece-me que c com
muita frequência mal entendido. Há três maneiras
principais pelas quais experimentamos segurança, mas
infelizmente, nos dias que correm, muitas vezes só a
primeira é acentuada. A primeira é aquilo que deve
ser obtido crendo e aplicando a nós próprios a simples
palavra da Escritura, como Palavra autorizada de
Deus. Diz-nos que “ aquele que nele crê não é con­
denado” . Há a Palavra de Deus, cremos nela e des­
cansamos sobre ela.
Contudo, essa é só uma das maneiras de obtermos
segurança. De facto, essa sozinha pode algumas vezes
98 /Auton<J.uK‘

ser perigosa. Pode ser um tipo dc “ credulidade” . Um


homem pode dizer isso por amor da sua própria paz e
dos seus propósitos. Aceitamo-la, mas por si só não é
suficiente. Precisamos de algo mais, o que constitui a
segunda base da segurança. A primeira Epístola de
João fornece-nos certos criténos. João afirma que
existem certos testes para a vida espiritual. (1) “ Sabe­
mos que passámos da morte para a vida, porque
amamos os irmãos” . (2) Sabemos também que pas­
sámos da morte para a vida, porque já não achamos
os mandamentos do Senhor opressivos. São um deleite
para nós. E há outros testes. (3) Cremos no Senhor
Jesus Cristo. (4) Temos consciência de que o Espírito
opera em nós. (5) Examinamo-nos a nós próprios
para ver se algum dos frutos do Espírito se está a
manifestar em nós. Se acharmos estas coisas, podemos
ter a certeza de que nascemos de novo. A vida no seio
da árvore produz maçãs, peras ou pêssegos. A vida é
forçada a revelar-se, e se encontras quaisquer sinais ou
evidências dela, isso é garantia de que estás em pre­
sença de vida. Esta é uma forma de segurança muito
mais digna de confiança do que a primeira, que era
totalmente objectiva. Esta é também subjectiva.
Todavia, há ainda outra forma de segurança. E a
mais elevada e a mais certa de todas. O apóstolo
Paulo expressa-se em Rom. 8:15-17: “ Pois não rece­
beste o espírito da escravidão, para outra vez estardes
em temor, mas recebestes o espírito de adopção de
filhos, pelo qual clamamos: Abba, Pai. O mesmo
Espírito testifica com o nosso espírito que somos
A Autoridade do Kspírito Santo/99

filhos de Deus. E se nós somos filhos, somos logo


herdeiros também, herdeiros de Deus e coherdeiros de
Cristo” .
Esta não é uma forma de segurança que eu possa
deduzir das Escrituras ou de evidências que encontro
em mim próprio. Trata-se dum testemunho directo do
Espírito; O próprio Espírito dá testemunho com o
meu espírito. E possível termos as duas primeiras
bases de segurança, sem possuirmos esta terceira. Aqui
está algo que só o próprio Espírito nos pode dar. E só
Ele que pode falar com uma autoridade definitiva que
me dá certeza quanto a eu ser um filho de Deus, uma
certeza tão grande, ou na realidade maior, como a
minha certeza em relação a qualquer outra coisa na
vida. Tal facto é constantemente asseverado pelos
santos, ao longo dos séculos. Eles declaram que o
Espírito Santo tornou-os tão certos da realidade e
presença do Senhor Jesus Cristo e do Seu amor por
eles, que ficaram mais seguros disso, do que de qual­
quer outro facto.
A mesma verdade é apresentada noutras formas, em
outros lugares. Em 2 Cor. 1:2, encontramo-la assim:
“ O qual também nos selou e deu o penhor do Espírito
em nosso coração” . Em Efésios 1:13-14, expressa-se
deste modo: “ ... e tendo nele também crido, fostes
selados com o Espírito Santo da promessa; o qual é o
penhor da nossa herança, para redenção da possessão
de Deus” . Irás notar que se usa a mesma palavra que
foi aplicada a respeito do nosso Senhor, aquando do
Seu baptismo. — “ selados” . Aqui, pois, está a segu­
100/A utorkladc

rança decisiva da salvação, e só a autoridade do


Espírito Santo no-la pode dar.

c. A obra do Espírito dando entendimento

Também é só o Espírito Santo que nos pode dar


verdadeiro entendimento espiritual das Escrituras,
entendimento da doutrina. João apresenta isto clara­
mente (1 João 2:20). Ele está a tratar dos “ anti-
-cristos” , aqueles que tinham estado na igreja, mas
que se haviam afastado, porque não eram dela.
Tinham-se convencido de que eram convertidos e
haviam sido aceites como tais.
Mas agora tinham-se retirado. Nunca haviam sido,
de facto, verdadeiros crentes. Eram temporários, cren­
tes falsos. Levanta-se a questão de como poderemos
diferenciá-los. Como é que poderíam estes primeiros
cristãos, ignorantes, a maioria dos quais era consti­
tuída de escravos, ter o discernimento necessário
nestas matérias? João afirma: “ Mas vós tendes a
unção do Santo e sabeis tudo” . Repete-o no versículo
27: “ E a unção que vós recebestes dele fica em vós e
não tendes necessidade de que alguém vos ensine” .
Há uma unção e um revestimento dados pelo Espírito
Santo que nos conferem entendimento. E assim tem
acontecido muitas vezes na longa história da Igreja,
que certas pessoas ignorantes, mais ou menos j letra­
das, têm sido capazes de discernir entre a verdade e o
erro, muito melhor do que grandes doutores da Igreja.
Foram suficientemente simples para confiarem na “ un-
 Autoridade do Espírito Santo/101

ção” e, desse modo, foram capazes de distinguir entre


coisas que diferem entre si. O piedoso Samuel Ruther-
ford, esse poderoso homem de Deus que viveu há
trezentos anos, na Escócia, comentou um dia: “ Se
desejares tornar-te um teólogo profundo, recomendo-
-te santificação” . Em última análise, o caminho para
compreenderes as Escrituras e toda a teologia é
tornares-te santo. É estares sob a autoridade do Espí­
rito. É seres guiado pelo Espírito.

d. A obra do Espírito na defe^r. da verdade

Uma quarta maneira de o Espírito Santo mostrar a


Sua autoridade ao indivíduo crente é na defesa da
verdade. Ora isto é algo sobre que nos preocupamos
muito nos nossos dias, e com razão. Em Judas 3,
lemos que devemos “ batalhar pela fé que uma vez foi
dada aos santos” . Mas como é que vamos fazer isso?
A nossa tendência é fazê-lo em termos de apologética.
Uma vez mais desejo dizer que não estou a denunciar
ou a repudiar a apologética. Creio que ela tem o seu
lugar próprio, mas estou certo de que lhe estamos a
atribuir demasiada importância, e um número exces­
sivo dos nossos livros defende a fé desta maneira.
Estamos a tentar argumentar, mostrar o nosso conhe­
cimento e fazer ajustamentos, mas não parece valer de
muito. Nao parece que estejamos a causar grande
impressão nos nossos oponentes...
Como é que então se deverá defender a verdade?
102 Autoridade

Em Acros 6 encontramos Estêvão nesta mesma po­


sição. E eis o que lemos nos versos 9 e 10: “ E levan­
taram-se alguns que eram da sinagoga chamada dos
libertinos, e dos cireneus e dos alexandrinos, e dos
que eram da Cilícia e da Ásia e disputavam com
Estêvão. E não podiam resistir à sabedoria e ao espí­
rito com que falava” . O segredo de Estêvão foi estar
cheio de sabedoria, fé e poder, porque estava cheio do
Espírito Santo. Por esse motivo, pôde defrontar esses
argumentadores de tal maneira, que eles não foram
capazes de resistir à sabedoria e ao Espírito com que
falava. E esse o caminho para defender a fé e assumir
uma posição a favor da verdade.
Consideremos alguns outros exemplos deste mesmo
método. O apóstolo Paulo tinha muitos adversários
em Corinto, e estes andavam a dizer coisas desagra­
dáveis a seu respeito. Procuravam ridicularizá-lo.
Diziam eles: “ A sua presença é fraca e a palavra
desprezível” . Receio que o apóstolo Paulo não pudesse
ser um evangelista moderno popular. Parece que não
tinha grande aparência. Dizem-nos que era um ho­
mem baixo, calvo e com o nariz adunco; que tinha
uma horrível inflamação nos olhos, uma oftalmia que
lhe dava um aspecto absolutamente repulsivo. Era esse
o gênero de coisas que diziam dele. E o apóstolo
como segue: “ Mas em breve irei ter convosco, se o
Senhor quiser, e então conhecerei, não as palavras dos
que andam inchados, mas a virtude. Porque o reino de
Deus não consiste em palavras, mas em virtude” (1
Cor. 4:19-20). O que importa, diz ele, não é compre­
A Autoridade do Espírito Santo/10*

ensão ou mero discurso; é a autoridade, o poder do


Espírito Santo.
O apóstolo diz precisamente isso a essa mesma
igreja, em 2 Cor. 10:3-5, onde afirma o seguinte:
“ Porque andando na carne, não miiitamos segundo a
carne. Porque as armas da nossa milícia não são
carnais, mas sim poderosas em Deus, para destruição
das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a alti­
vez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e
levando cativo todo o entendimento à obediência de
Cristo” . É esse o seu método. Está na carne, anda na
carne, mas não milita “ segundo a carne” . Tem outra
autoridade, outro poder. E o poder e a autoridade do
Espírito Santo que estava nele. Está pronto a enfrentar
o mundo inteiro e pode derrubar todas as autoridades,
fortalezas e domínios.
É sem dúvida importante, reconhecermos que ainda
é aqui que temos a única autoridade. Podemos erguer
as nossas próprias e pequenas autoridades, e o mundo
ergue também as suas. Trata-se simplesmente duma
autoridade contra outra. Gastamos o nosso tempo a
citar “ autoridades” e a descobrir este pormenor e
aquele. Às vezes lemos no jornal que uma pessoa ou
outra se tornou agora crente. E podemos pensar que
isto fará uma grande impressão no público. Mas a
situação essencial permanece sem ser afectada. A úni­
ca autoridade que nos poderá valer de alguma coisa
no que respeita a tudo isto, é a autoridade do Espírito
Santo.
104 'Àutorií.Litk*

e. A obra do Espírito na evangelização

Isto leva-me à questão mais prática de todas, a


autoridade do Espírito Santo na evangelização e no
testemunho. Aqui consideramos a tarefa de levar a
verdade ao mundo, ao meio daqueles que não são
crentes. Lembro-me de uma vez ler uma frase num
artigo escrito por um senhor, acerca duma reunião na
qual ele havia escutado dois oradores. Tratava-se
duma reunião política, não religiosa, mas o que ele
disse acerca daqueles dois homens veio até mim como
uma convicção do Espírito Santo. Esse senhor dizia
que ao ouvir os dois cavalheiros sentiu que a principal
diferença entre eles era esta: o primeiro falara bri­
lhantemente como um advogado; o segundo falara
como uma testemunha. E eu perguntei a mim mesmo:
o que sou eu? Serei um advogado destas coisas, ou
sou uma testemunha? Podes ser um advogado do
cristianismo, sem seres um cristão. Podes ser um
advogado destas coisas, sem as experimentares. Se
possuis inteligência e se foste correctamente instruído,
podes entender as Escrituras em certo sentido e podes
apresentá-las diante dos outros. Serás capaz de apre­
sentar todos os argumentos, de defender a causa
esquadrada num tipo de filosofia cristã. Isto pode soar
maravilhosamente bem. Mas é possível manteres-te
fora da verdadeira experiência durante todo esse
tempo. Podes estar a falar de algo que não conheces,
de Alguém que jamais encontraste. És um advogado,
talvez mesmo um advogado brilhante, mas repara no
A Autoridade do Hspírito Samo/105

que o Senhor disse aos apóstolos: “ Ser-me-eis tes­


temunhas” .
Consideremos, pois, este assunto juntos. O que o
Espírito Santo faz com a Sua autoridade é tornar-nos
testemunhas. Já mostrei como mesmo o nosso Senhor
precisou desta autoridade antes de poder pregar, rea­
lizar as Suas obras poderosas e exercer o Seu minis­
tério. O mesmo é verdade com respeito aos Seus
discípulos. Após a ressurreição, exactamente antes da
ascensão, o nosso Senhor veio ter com estes homens
que haviam estado com Ele durante três anos, e disse:
“ Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há-
-de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em
Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria, e até aos
confins da terra” (Actos 1:8). Estaremos conscientes
do pleno significado disso? Aqui estavam homens que
tinham vivido com Ele durante três anos. Conheciam-
-nO intimamente, tinham ouvido os seus sermões,
visto os Seus milagres. Haviam estado lá e tinham
olhado para Ele enquanto morria na cruz. Tinham-nO
visto sepultar na tumba. Sabiam que ressurgira dos
mortos. Ele havia-lhes falado e comido com eles o
peixe assado e o mel. Haviam contactado com Ele
durante os quarenta dias, e Ele ensinara-os e instruira-
-os acerca de Si mesmo (Ver Lucas 24). Se alguma vez
houve homens que estiveram numa posição de testi­
ficar da ressurreição e de todos os factos a respeito do
Senhor, eram estes discípulos. E contudo, o que o
Senhor lhes disse é que eles seriam completamente
incapazes de o fazerem antes de serem baptizados no
I06/Autoriii;idc

Espírito Santo. Nem mesmo poderíam testemunhar


d’EIe e das Suas obras, de quem era Ele e do que
fizera, antes de terem recebido o poder. Conhecimento
dos factos não basta. Antes de se poder testemunhar
efectivamente, tem de haver este poder do Espírito
Santo.
Os discípulos receberam esse poder no dia de Pen-
tecostes. Claro, o resultado foi que Pedro começou a
pregar imediatamente com ousadia, autoridade e po­
der, e três mil pessoas se converteram. Lemos em
Actos 4 que as autoridades não podiam disputar a
ousadia com que Pedro e João davam testemunho da
ressurreição e diziam estas coisas. Não era senão a
manifestação do Espírito Santo. O mesmo Pedro que
tinha ficado tão nervoso e tão apreensivo (que na
verdade chegou a ser tão cobarde por medo de perder
a sua vida, que negou o seu próprio Senhor, o seu
maior Amigo e Benfeitor), levanta-se agora corajo­
samente, pronto a enfrentar o mundo inteiro e todos
os diabos do inferno, e proclama esse Jesus que havia
recentemente negado, dizendo: “ Não o conheço. Nao
lhe pertenço” .O que é isto? E a autoridade do Espírito
Santo, o Espírito Santo manifestando a Sua autoridade
dum modo extraordinário.
Lemos mais tarde que, depois destes homens have­
rem sido presos e de novo postos em liberdade,
juntaram-se e fizeram uma reunião de oração (Actos
4:23-33). “ E tendo orado, moveu-se o lugar em que
estavam reunidos: e todos foram cheios do Espírito
Santo, e anunciavam com ousadia a Palavra de Deus” .
A Autoridade do Espírito Santo/107

É essa a Sua autoridade. Quando Ele cai sobre uma


reunião, não se apodera somente dos homens: pode
mesmo abalar paredes e edifícios. De novo, em Actos
4:33, encontramos que “ os apóstolos davam com
grande poder testemunho da ressurreição do Senhor
Jesus, e em todos eles havia abundante graça. Qual
era o segredo do seu poder? Que eram capazes de
argumentar cientificamente que a ressurreição é pos­
sível? Que conseguiam reconciliar o miraculoso com o
científico? Não! Era a autoridade e o poder do Espí­
rito Santo transformando estes homens em testemu­
nhas vivas, que eram irresistíveis, e “ em todos eles
havia abundante graça” .
Continuando a ler em Actos dos Apóstolos, verifi­
carás que acontece exactamente a mesma coisa no
poderoso ministério do apóstolo Paulo. Numa oca­
sião, enquanto Paulo pregava, resistia-lhe um homem
chamado Elimas, o encantador. Que aconteceu? “ To­
davia Paulo... cheio do Espírito Santo, fixando os
olhos nele (Elimas), disse: Ó filho do diabo, cheio de
todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a
justiça, não cessarás de perturbar os rectos caminhos
do Senhor? Eis aí, pois, agora contra ti a mão do
Senhor, e ficarás cego, sem ver o sol por algum
tempo. E no mesmo instante a escuridão e as trevas
cairam sobre ele, e, andando à roda, buscava a quem
o guiasse pela mão” (Ver Actos 13:9 e seg.). Tal é a
autoridade dada pelo Espírito Santo ao servo de Deus.
Há certas afirmações específicas nas Escrituras que
definem isto muito claramente. Repara, por exemplo,
108 Autoridade

em 1 Cor. 2. Eu sou de opinião que para os evan­


gélicos dos nossos dias este capítulo é, em muitos
aspectos, o capítulo que em si mesmo é o mais
importante de toda a Bíblia. Olha para este colosso de
homem, Paulo, que possuia uma das maiores mentes
que o mundo alguma vez conheceu. Nao há dúvidas
acerca disso, julgado de qualquer ângulo. E todavia,
Paulo diz-nos que quando foi a Corinto estava “ em
fraqueza e em temor e em muito tremor” . Não saltou
para um estrado irradiando auto-confiança, segurança
própria e autoridade. Não contou algumas anedotas
para estabelecer contacto com a congregação. Não
se sentiu perfeitamente à vontade, um “ dominador de
assembléias” . “ Fraqueza, temor e muito tremor” .
Porquê? Porque Paulo conhecia as suas próprias
limitações. Sabia o que não podia fazer, e ficou
aterrorizado, na verdade tremeu, com receio que, de
algum modo, ele ou a sua personalidade pudesse
colocar-se entre aquelas almas e esta tremenda men­
sagem que lhe havia sido entregue. Não apresentou
coisas que, sabia, poderíam apelar às pessoas. Fez
exactamente o contrário. Determinou “ nada saber
entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado” .
Além disso, afirma: “ A minha palavra e a minha
pregação não consistiu em palavras persuasivas de
sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito
e de poder: para que a vossa fé não se apoiasse em
sabedoria de homens, mas no poder de Deus” . Tanto
no que respeita ao seu assunto como ao método, ele
não iria contemporizar com o gosto popular. E o
A Autoridade do lispirito Samo/ [OS*

resultado foi que quando falou, embora alguns pu­


dessem ter dito que “ a sua palavra era desprezível” ,
houve poder, e homens e mulheres reconheceram os
seus pecados, converteram-se, tomaram-se cristãos e
foram integrados na Igreja. Qual foi o segredo? Foi “ a
demonstração do Espírito e de poder” . Foi esta auto­
ridade do Espírito Santo.
Em 1 Tess. 1:5, o apóstolo expressa-se assim:
“ Porque o nosso evangelho não foi a vós somente em
palavras, mas também em poder e no Espírito Santo e
em muita certeza” . Eu creio que a certeza se fez sentir
tanto no apóstolo como nas pessoas que creram.
Nao era simples palavra do homem. Eles não estavam
a ouvir uma mera exposição humana. Paulo não
apresentou qualquer filosofia nova e estranha. Foi a
Palavra de Deus que veio “ em poder, e no Espírito
Santo e em muita certeza” .
O apóstolo Pedro diz exactamente a mesma coisa.
Em 1 de Pedro fala acerca das “ coisas que agora vos
foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo
enviado do céu, vos pregaram o evangelho; para as
quais coisas os anjos desejam bem atentar” . É “ pelo
Espírito Santo enviado do céu” que o evangelho é
pregado com certeza e convicção, com autoridade e
poder.

Sem dúvida, é esta a maior necessidade no tempo


presente. Volta atrás e lê a história dos grandes
avivamentos na Igreja. Verificarás que este poder do
Espírito Santo e esta autoridade estão sempre pre­
110 /A tiro ri d;uk*

sentes. Há duzentos anos, experimentou-se um grande


despertamento evangélico na Inglaterra, na América,
na Escócia e no País de Gales. Um dos líderes no País
de Gales foi um homem chamado Howell Harris.
Lendo as suas publicações descobrirás que ele vai
continuando a dizer alguma coisa parecida com isto:
“ Cheguei a tal e tal lugar; preguei. Senti a antiga
autoridade” . Depois, numa outra vez em que pregou
em certo lugar, diz: “ Nenhuma autoridade” . Isso
entristeceu-o e tornou-o infeliz. Prostou-se diante de
Deus, analisou o seu coração, confessou o seu pecado
e buscou de novo “ a autoridade” . Nunca se sentia
feliz, senão quando tinha consciência da autoridade.
Era sempre a mesma mensagem, mas isso sem auto­
ridade não bastava. Ele sabia que, em certo sentido, a
pregação era vã, se não tivesse “ autoridade” .
Não se podem ler os diários de Whitefield e Wesley
sem deparar exactamente com a mesma coisa. Lem­
bro-me de ter lido nos diários de Whitefield uma
afirmação que ele faz sobre o que aconteceu, en­
quanto pregava em Cheltenham. Eis como ele se
expressa: “ O Senhor veio ao nosso meio” . A auto­
ridade! “ Ouviu-se o brado do Rei entre nós” , disse ele
noutra ocasião. E John Wesley expressa constante­
mente o mesmo pensamento. Foi essa a essência da
sua experiência na reunião em Aldersgate, Londres,
quando sentiu o coração “ estranhamente aquecido” .
Foi a partir desse momento que teve esta autoridade,
com o resultado de que o seu ministério se trans­
formou por completo. Jonathan Edwards experimen­
A Autoridade do Kspirito Santo/111

tou precisamente a mesma coisa. Dwight L. Moody é


também um exemplo desta questão. Foi após aquela
experiência, enquanto descia pela Wall Street, na
cidade de Nova Iorque, quando o Espírito Santo
desceu sobre ele, que Moody recebeu a Sua autori­
dade. Pregava os sermões que havia pregado antes,
mas as pessoas eram transformadas. Porquê? Agora,
ele tinha a autoridade do Espírito.
E indiscutível. Lembro-me também de ter lido no
Diário de Whitefield a respeito da sua primeira visita
a Northampton, Massachussets, quando se encontrou
pela primeira vez com o piedoso Jonathan Edwards.
Whitefield comenta que jamais poderia esquecer que,
enquanto tinha o privilégio de estar em pé e a pregar
no púlpito, notou que Edwards o ouvia com lágrimas
nos olhos e um sorriso verdadeiramente celestial no
rosto. Porquê? Não era simplesmente a pregação de
Whitefield, embora ele fosse um orador incomparável.
Jonathan Edwards estava a experimentar a autoridade
do Espírito Santo. Ele próprio a tinha sentido e podia
vê-la no seu irmão, naquele que era com ele um servo
de Deus, e rejubilava com o facto. É uma coisa
maravilhosa quando um pregador pode apreciar tanto
a pregação doutro, quanto a sua própria. Nada, a
não ser o Espírito Santo, pode fazer isso.
Deixa que termine esta secção com mais uma his­
tória. Há cerca de cento e cinquenta anos, havia no
País de Gales um velho pregador que foi convidado
para uma série de reuniões evangelísticas, numa pe­
quena cidade. As pessoas já estavam reunidas, mas o
1 12 /A utoridadc

pregador ainda não tinha chegado, Então, o ministro


local e outros líders enviaram uma criada à casa onde
ele ficara alojado, para lhe dizer que o aguardavam e
que estava tudo pronto. A jovem foi, e quando
regressou, disse: “ Não o quis perturbar. Ele estava a
falar com alguém” . “ Oh” , disseram eles, “ isso é
bastante estranho, porque estão todos aqui. Volta lá e
diz-lhe que já passa da hora e que tem de vir” . A
moça foi de novo a casa, e quando voltou, disse: “ Ele
está a falar com alguém” . “ Como é que sabes?” ,
perguntaram eles. E ela respondeu: “ Ouvi-o dizer a
essa pessoa com quem falava, “ Não irei pregar àquela
congregação, se não vieres comigo” . “ Oh, está bem” ,
responderam os ministros, “ é melhor esperarmos” .
O velho pregador sabia que não adiantava muito a
sua ida para pregar, a menos que tivesse a certeza de
que o Espírito Santo ia com ele, dando-lhe autoridade
e poder. Era bastante sábio e possuía suficiente dis­
cernimento, para se recusar a pregar, até estar certo
de ter a Sua autoridade e de que o Espírito Santo o
acompanharia e falaria por ele. Tu e eu, contudo,
pregamos muitas vezes sem Ele, e toda a nossa inte­
ligência e erudição, toda a nossa ciência e apologética
não conduzem a coisa alguma, porque nos falta a
autoridade do Espírito Santo.

A AUTORIDADE DO ESPÍRITO NA IGREJA

Finalmente, consideremos a autoridade do Espírito


A Autoridade do Espírito Santo/113

Santo na Igreja. Uma vez mais é óbvio que deparamos


com um assunto vasto. Só posso dar idéias sobre as
considerações mais importantes. Ele dá dons à Igreja.
Le 1 Cor. 12 e verificarás que o faz de modo sobe­
rano. Fá-lo de acordo com a Sua própria vontade e
entendimento. Nao lhe podes ditar nada. Portanto,
não deves dizer: “Já é tempo de a Igreja começar a
reivindicar o dom de curar, de milagres ou de qual­
quer outra coisa” . Nós não exigimos; Ele dá. Dis­
pensa segundo a Sua própria vontade soberana. Já nos
referimos no capítulo anterior à formação do canon,e
vimos que nisso houve claramente a direcção do
Espírito. Quero agora considerar em especial a auto­
ridade do Espírito Santo na Igreja, tal como se tem
manifestado e revelado em avivamentos religiosos.
Precisamos de ter muito cuidado ao tratarmos do
assunto, mas parece-me ser muito lamentável que esse
maravilhoso homem de Deus que foi Charles G. Fin-
ney, ele próprio tão poderosamente usado, tivesse
introduzido a noção de que os homens podem arran­
jar e organizar um avivamento. Quanto a mim, é um
ponto muito deplorável, porque acho que introduz um
elemento de confusão, e leva muitos a falar de
campanhas evangelístícas como de “ avivamentos” , e a
falar acerca da realização de avivamentos. Não se
pode anunciar que se vai “ fazer” um avivamento. E
pura confusão de linguagem e muito susceptível de
induzir em erro. Creio que é mesmo capaz de extin-
guir o Espírito. Avivamento é algo que nunca pode ser
arranjado e organizado por homens. Um avivamento é
1 14'Aiiroridade

o resultado da acção directa do Espírito Santo em


autoridade e poder. Um avivamento não significa
simplesmente pregar o evangelho, com o resultado de
que um certo número de pessoas se converte. Um
avivamento significa a descida do Espírito Santo sobre
a Igreja, numa comunidade ou numa zona rural, em
poder e em força, de um modo inconfundível, que-
brantando os homens, e talvez mesmo arremessando-
-os fisicamente ao chão. Leva a agonias de arrepen­
dimento e a anelos por Cristo, paz e salvação. É isso o
que significa um avivamento.
Como já disse, houve um genuíno avivamento há
duzentos anos. Foi um avivamento autêntico, que se
manifestou em Northampton, Massachussets. Jonathan
Edwards estava em pé no púlpito, com o seu manus­
crito na mão. Enquanto lia o sermão, as pessoas cairam
literalmente no chão, sob uma terrível convicção de
pecado e do seu estado de perdição. Gritavam, Em
tempos de avivamento, podem-se ver pessoas, por
travessas, ruas e estradas dum distrito, alta madru­
gada, clamando por paz com Deus. Baterão à porta
do ministro, perguntado: “ Não me pode dar alívio?”
Encontram-se sob a convicção do pecado, e vêem-se
como pecadores diante dum Deus santo e poderoso.
Estão alarmadas com os terrores do inferno. Esses são
sempre traços característicos dum avivamento. Muitas
vezes, em avivamentos, as pessoas convertem-se antes
mesmo de chegarem às reuniões. Ao irem a caminho
dum culto, o Espírito desce sobre elas. Homens
trabalhando nos campos são de repente compelidos a
A Autoridade do Hspírito Santo/115

cair de joelhos e a clamar a Deus por misericórdia.


Isso é avivamento. O Espírito de Deus é derramado
abundantemente, e vem do céu em autoridade e
poder.

Não há nada que tanto mostre a autoridade do


Espírito Santo, como tais acontecimentos. A longa
história da Igreja pode ser posta sob a forma dum
gráfico. Começa lá no Pentecostes, no que se pode
descrever como um poderoso avivamento. Depois dum
certo tempo, recordas-te, o poder parecia ter desapa­
recido e a Igreja entrou numa depressão. O diabo e o
mundo atacavam, e tudo parecia estar perdido. A
Igreja não tinha autoridade nem poder. As pessoas
ficaram desesperadas. Subitamente, Deus derrama de
novo o Seu Espírito. Há um poderoso avivamente e a
Igreja é erguida uma vez mais até à própria crista da
onda. E assim que a história da Igreja se tem proces­
sado. Não tem mantido um nível constante. Pode­
riamos desejar que assim fosse, mas nunca tem sido.
Sempre foi aos altos e baixos, sendo os altos os
avivamentos, o derramamento do Espírito. É esse o
termo usado no segundo capítulo de Actos e em todos
os demais lugares. Sob tão poderosos derramamentos,
pessoas têm testificado que aprenderam mais de Deus
e do Senhor Jesus Cristo numa hora duma reunião
durante um avivamento, do que haviam aprendido
numa vida inteira de estudo bíblico, e lendo teologia.
Ao mesmo tempo, homens e mulheres que até aí
haviam pertencido ao mundo, e que nunca tinham
116/ Autoridade

ouvido o evangelho antes, pareciam atingir imedia­


tamente essa mesma posição.
Há algo de verdadeiramente maravilhoso a respeito
disto. Há nos Salmos esta afirmação: “ O que habita
nos céus se rirá” . E eu creio que, por vezes, Deus Se ri
da Igreja. Ele vê-nos prontos a estender as mãos para
segurar a arca. Pensamos que só nós podemos fazer
isso. Preocupamo-nos muito. Realizamos as nossas
conferências e apresentamos as nossas propostas. Mas
elas não resultam. Então, quando já estamos comple-
tamente exaustos, depois de rodas as nossas grandes
campanhas e conferências, e da nossa brilhante orga­
nização, e depois de termos gasto todo o nosso
dinheiro e de vermos que as coisas foram de mal a
pior, Deus, inesperadamente — precisamente no lugar
onde tu nunca imaginarias que o fizesse, e por meio
da pessoa que menos própria acharias — derrama de
súbito o Espírito, Então a Igreja ergue-se para um
novo período de glória, de poder e de influência.
Homens e mulheres convertem-se em massa, e o poder
da verdade está de novo sobre eles. O Espírito Santo
manifesta a Sua autoridade na Igreja, em avivamentos.
A que conclusão chegamos, como resultado de tudo
isto? Prossigamos com os nossos esforços práticos e
avancemos com o nosso estudo, mas que Deus não
permita que nos apoiemos neles. Preparemo-nos o
melhor possível. Jamais seremos tão aptos e eruditos
como o apóstolo Paulo, Santo Agostinho, Lutero ou
Calvino. Eles eram homens de grande erudição e
A Autoridade do Espírito Santo/117

gigantes no intelecto. É esse o tipo de homens que


Deus parece usar quando realiza os Seus maiores
feitos na história da Igreja. Prossigamos contudo, e
busquemos conhecimentos, preparando-nos o mais
perfeitamente possível. Mas em nome de Deus, náo
paremos aí. Reconheçamos que mesmo isso, sem a
autoridade e o poder do Espírito, não tem o menor
valor. “ Ainda que eu falasse as línguas dos homens e
dos anjos e não tivesse amor (um produto do trabalho
do Espírito), seria como o metal que soa ou como o
sino que tine” (1 Cor. 13:1). Não importa o que sou
nem o que posso fazer: não me adiantará nada. É só a
autoridade do Espírito que tem valor.
Ora é isto que me entristece. Muito raramente ouço
qualquer cristão, hoje, mesmo evangélico, a orar por
um avivamento. Quais os motivos das suas orações?
Oram pelos seus próprios esforços organizados, quer
no seu país, quer em vários outros, Eis o que acontece
numa reunião de oração típica: “ Primeiro de tudo,
ouçamos os relatórios” , diz o dirigente. Depois de os
ouvir, acrescenta: “ Oremos sobre este assunto. Já
ouvistes os factos; oremos por eles” . Só rogamos a
bênção sobre os nossos esforços quer se trate duma
grande campanha evangelística, ou de trabalho no
campo estrangeiro. Isso está perfeitamente certo e
devemos fazê-lo. Mas o problema é que começamos
sempre connosco e com os nossos esforços, e pedimos
a Deus que os abençoe. Quando é que foi a última vez
que ouviste alguém orar por um avivamento, rogando
que Deus abra as janelas do céu e derrame o Seu
118 Amorn.l.ulc

Espírito? Quando é que foi a última vez que tu


próprio oraste por este assunto? Penso muito seria­
mente que estamos a negligenciá-lo quase por com­
pleto. Somos culpados de nos esquecermos da auto­
ridade do Espírito Santo. Estamos tão interessados em
nós próprios e nas nossas próprias actividades, que
temos deixado de lado a única coisa que nos torna
eficientes. Sem dúvida, devemos continuar a orar pelos
esforços particulares, pelo pastor e suas pregações
todos os domingos, por todas as organizações essen­
ciais, e pelas campanhas evangelísticas, se nos sen­
timos levados a fazê-las. Mas antes de tudo isso, e
depois de tudo isso, oremos e supliquemos por um
avivamento. Quando Deus envia um avivamento,
pode fazer mais num só dia, do que em cinquenta
anos de toda a nossa organização. É esse o veredicto
de toda a história que emerge claramente da longa
caminhada da Igreja.
Presentemente, é esta a maior necessidade, e é, de
facto, a única esperança. Decidamo-nos, pois, a, dia
após dia e muitas vezes durante ao dia, passarmos
tempo na presença de Deus, suplicando por um aviva­
mento. Mas, loucos como somos, jamais faremos isso,
sem primeiro nos esgotarmos a nós mesmos e aos
nossos próprios recursos. Só o faremos, quando tudo
o mais tiver falhado, quando tivermos reconhecido o
nosso completo fracasso e impotência, e tivermos
chegado a constatar que o nosso Senhor disse a pura
verdade, ao afirmar: “ Sem mim nada podeis fazer”
(João 15:5).
A Autoridade do Espírito Santo/11^

Recordemos a nós mesmos que o Deus que, no


passado, desceu por diversas vezes súbita e inespe-
radamente sobre a Igreja moribunda, e a ergueu para
novos períodos de vida e vitória, pode fazer ainda o
mesmo, pois o Seu braço não está encolhido, nem o
Seu poder de modo algum diminuído. Esperemos n’Ele
e supliquemos, aprendamos a agonizar em oração, e
que a nossa única prece seja:

Aviva, ó Deus, a Tua obra,


Teu forte braço nos revela;
Fala co’a voz que acorda os mortos,
E que Teu povo atente nela.

“ Ouvi, Senhor, a tua palavra, e temi; aviva, ó


Senhor, a tua obra no meio dos anos, no meio dos anos
a notifica; na ira lembra-te da misericórdia” (Haba-
cuque 3:2).
■iiTnmnanr

Poderá a verdade ser conhecida e defin Ja?


Ou só poderá ser sentida e experimentada?
-Iaverá algum a base definitiva para a *é, ou
leverem os acolher todos os caminhos e cri érios?
vieste livro, o Dr. M artyn Lloyd-Jones tra a este
problem a crucial de um modo positivo, exami­
nando a autoridade de Jesus Cristo, a autoridade
d as Escrituras e a autoridade do Espírito

Vous aimerez peut-être aussi