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Cartas Pastorais

1. Designação, texto e canonicidade, destinatários


1.1. Designação
As características comuns (fundo e forma) das duas epístolas a Timóteo e da epístola a Tito
fizeram com que muito cedo elas fossem consideradas como grupo à parte no corpus paulino. O
adjetivo "pastorais" foi usado por Paul Anton para designar essas três epístolas, em suas
conferências de Halle, em 1726-1727.
A escolha deste termo foi muito feliz porque essas cartas foram dirigidas a responsáveis
por Igrejas e lhes lembram seus deveres enquanto "pastores" das comunidades confiadas aos seus
cuidados.
O estudo das Pastorais é mais ou menos dominado, com ou sem razão, pela questão de sua
autenticidade paulina. Mas, este problema, que certamente não é sem importância, não deveria
fazer esquecer as informações que esses textos nos fornecem sobre a vida das Igrejas cristãs na
segunda metade do século I (seja qual for a data precisa a eles atribuída). É somente depois do
exame do conteúdo dessas epístolas que se pode pôr seriamente a questão de sua autenticidade.
1.2. Texto e canonicidade
O texto das Pastorais está bem estabelecido.
Se ele não figura no papiro p. 46 (Chester Beatty), nenhuma conclusão pode ser tirada
desta ausência, porque este manuscrito perdeu suas últimas folhas. As três cartas se encontram
integralmente nos grandes unciais (Sinattico, Alexandrino,Rescrito de Efrém; o Vaticano não as
contém, porque também ele perdeu suas últimas folhas: Pastorais, Hebreus, Apocalipse).
Parece que Polícarpo de Esmírna (por volta de 125) já usava as Pastorais em pé de
igualdade com as grandes cartas paulinas.
A dependência literária da carta de Clemente de Roma (cerca de 95) e das epístolas de
Inácio de Antioquia (cerca de 110) em relação às Pastorais é igualmente possível, mas menos
segura.
O Cânon de Muratori (cerca de 180), lista oficial dos livros reconhecidos como inspirados
pela comunidade de Roma, menciona as Pastorais, ao passo que omite a epístola aos Hebreus.
Ireneu, Clemente de Alexandria e Tertuliano são testemunhas formais da canonicidade das três
epístolas. Eusébio de Cesaréia, inegavelmente muito crítico, não demonstra nenhuma dúvida a
respeito delas.
O fato de Marcião (cerca de 140) não conservar as Pastorais no cânon que estabeleceu
arbitrariamente para a defesa de sua causa não deve ser tomado em consideração. É sabido que
ele excluiu do cânon, entre outros escritos do Novo Testamento, também três de nossos
evangelhos: Mateus, Marcos e João!
Compreende-se assim que todas as Igrejas cristãs admitissem a canonicidade das Pastorais,
isto é, o fato de elas serem consideradas como pertencentes ao "cânon" (ou lista) dos livros
inspirados, normativos em matéria de fé.
1.3. Destinatários
Com exceção do bilhete a Filemon, as Pastorais são as únicas cartas endereçadas a
indivíduos, o que não impede, contudo, que, atrás deles, fossem visadas também comunidades
(cf. as saudações finais).
Timóteo, originário de Listra, na Licaônia, era filho de pai pagão e de mãe judia convertida
ao cristianismo. Paulo, que, sem dúvida, o encontrou em sua primeira missão (At 14,8-20),

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associou-o a si definitivamente em sua segunda passagem por Listra. E o circuncidou "por causa
dos judeus que havia naqueles lugares" (At 16,1-3).
Daí por diante, Timóteo acompanhou Paulo na maior parte de suas viagens e se tornou para
ele mais do que colaborador: "verdadeiro filho" (1Tm 1,2), "filho amado" (2Tm 1,2), "filho
amado e fiel" (1Cor 4,17). Ele esteve ao lado de Paulo, quando este escreveu várias de suas
cartas (1Ts 1,1; 2Ts 1,1; Rm 16,21; 2Cor 1,1; Fl 1,1; Cl 1,1; Fm v. 1).
Foi encarregado de missões importantes (At 19,22; 1Cor 4,17; Fl 2,19; 1Ts 3,2). Segundo
1Tm 1,3, Paulo lhe teria confiado, por algum tempo, a responsabilidade da comunidade de Éfeso.
Relativamente jovem (1Tm 4,12), de saúde delicada (1Tm 5,23), Timóteo era, sem dúvida,
tímido (1Cor 16,10), mas, indefectível e totalmente devotado a Paulo.
Tito, gentio de nascimento, abraçou a fé cristã sem ser obrigado a se circuncidar (Gl 2,1-5).
No mais forte da crise coríntia, desempenhou com competência a difícil missão de conciliação
(2Cor 7,6-16). Encarregado da coleta para os cristãos de Jerusalém (2Cor 8,6), mostrou-se digno
da confiança nele depositada (2Cor 12,17-18). Segundo Tt 1,5, Paulo o teria enviado a Creta para
organizar as Igrejas nascentes. Pelo que se pode julgar, Títo, parece ter sido homem de caráter, ao
mesmo tempo diplomata hábil e de ampla visão.

2. Conteúdo das epístolas e problemas que se põem


2.1. A situação histórica
2.1.1. Os dados fornecidos pelos textos
Segundo a 1Tm, Paulo partiu de Éfeso para a Macedônia, deixando Timóteo em seu lugar
(1,3), com a firme esperança de voltar logo (3,14).
Segundo Tito, Paulo tinha deixado a ilha de Creta, confiando a Tito o encargo de organizar
as Igrejas locais (1,5). Ao ser substituído nesta missão por Ártemas ou Tíquico, Tito deveria
alcançar o Apóstolo em Nicópolis, no Epiro (3,12).
A 2Tm é mais rica em detalhes. Paulo está preso em Roma (1,17), em condições rigorosas,
acorrentado como malfeitor (1,16; 2,9). Não tem liberdade de movimentos, e é difícil encontrá-lo
(1,17). Não alimentando ilusões sobre o resultado de seu processo, ele pensa que seu fim está
próximo (4,5-8). Praticamente sozinho (só Lucas está com ele: 4,11), pede a Timóteo que venha
para junto dele o mais depressa possível (4, 9.21).
2.1.2. O problema posto por estes dados
À primeira vista, parece difícil, para não dizermos impossível, situar esses acontecimentos
no quadro da vida de Paulo apresentado pelos Atos dos Apóstolos. Para resolver essa dificuldade,
muitas soluções foram propostas.
 Se os Atos nos dizem tudo sobre a vida de Paulo, as Pastorais são apócrifas (depois de 70).
Segundo essa solução, as Pastorais foram escritas depois da morte de Paulo, por discípulo
seu. Fazendo eco ao que pensava ser a mensagem de seu mestre, o autor tê-la-ia adaptado à
situação nova, enfeitando-a com detalhes aparentemente históricos, mas na realidade
inventados, a menos que se tivesse inspirado em acontecimentos contemporâneos e os tivesse
transposto para a época de Paulo. Para os defensores desta solução, a narração dos Atos traça
a totalidade da carreira de Paulo. O cativeiro do Apóstolo narrado nos Atos (28,16-31) é o
único "cativeiro romano" de Paulo; e teria terminado com a condenação à morte.
 As Pastorais se situam depois dos Atos (64-67 d.C.). A solução tradicional é muito diferente.
Ela contesta o pressuposto da precedente: com que direito afirmar que a narração dos Atos
termina porque Paulo chegara ao termo de sua carreira? Não seria, antes, porque Lucas,
tendo atingido o fim que se tinha fixado (o de mostrar a expansão do Evangelho "em
Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os confins da terra", (At 1,8), põe ponto final
ao seu texto? Os Atos não são a biografia de Paulo (os 12 primeiros capítulos falam pouco
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dele), mas a história da prodigiosa irradiação do Evangelho, que, graças ao dinamismo do
Espírito Santo, surgiu em Jerusalém, capital do mundo judeu, e, em etapas sucessivas, atingiu
Roma, capital do mundo gentílico. Querer, pois, situar no quadro dos Atos os acontecimentos
narrados pelas Pastorais é seguir pista falsa. O cap. 28 dos Atos dos Apóstolos não encerra a
carreira e nem a vida de Paulo, que ainda viveu vários anos até seu martírio (em 67?).
Embora não seja possível reconstituir em pormenores a sua atividade neste período, não há
dificuldade em situar neste tempo a redação das Pastorais.
Os partidários desta solução apresentam vários argumentos:
- O cativeiro do qual falam os Atos (cap. 28) é totalmente diferente do da 2Tm. Naquele,
Paulo estava em regime de custodia militaris (espécie de prisão domiciliar): podia receber a
quem quisesse e pregar como quisesse (At 28,30). Nada era mais fácil do que fazer-lhe visita e
entreter-se com ele. Não estava isolado nem algemado. Ora, vimos que o cativeiro narrado na
2Tm era bem diferente.
- Tudo leva a pensar que o cativeiro do qual falam os Atos se encerrou não com a execução,
mas com uma declaração de improcedência. Como o governador Festo tinha declarado Paulo
inocente (At 26,31), certamente enviou a Roma parecer favorável (se admitimos que a carta a
Filemon foi escrita neste tempo, constatamos que Paulo estava certo de que em breve reveria
seus amigos: Fm 22).
- Supor que Paulo foi libertado depois do cativeiro de At 28 e que pôde retomar sua atividade
apostólica até seu martírio (no fim de segundo "cativeiro romano") não é, pois, sem fundamento,
tanto mais que, como testemunha Eusébio de Cesaréia (século IV), "ele (Paulo) esteve segunda
vez na cidade imperial, onde terminou sua vida pelo martírio... Digo isto para que não se fixe o
martírio do Apóstolo no tempo em que, segundo Lucas, ele estava em Roma" (Eusébio, His.
Eccl. 11,22). Sem dúvida, antes de Eusébio, ninguém falou diretamente de duas prisões de Paulo
em Roma. Mas o Cânon de Muratori (cerca de 180) alude a uma viagem do Apóstolo à Espanha:
quando situá-la senão depois de uma primeira libertação? Devemos notar, enfim, que Clemente
de Roma, que devia conhecer a tradição romana, escreveu, pelo ano 95, à Igreja de Corinto:
"Depois de ter instruído o mundo inteiro na justiça e de ter chegado aos confins do Ocidente (lit.,
"ao termo do Ocidente") e de ter dado testemunho diante dos governantes, ele (Paulo) foi
retirado deste mundo" (Aos Cor. 5,7). Pode-se sem dúvida, discutir sobre o sentido da expressão
"aos confins do Ocidente" (e., por isso, o testemunho de Clemente não é decisivo); mas essas
palavras podem designar a Espanha (seria arbitrário supor que o texto de Clemente não passa de
ficção a partir de Rm 15,24-28).
Reconheçamos que o duplo cativeiro romano de Paulo não é certeza histórica. Mas, apesar
disso, ela é hipótese razoável. A título de exemplo, eis uma reconstituição da atividade de Paulo
entre o seu primeiro cativeiro romano e sua morte: libertado em 63, Paulo teria ido à Espanha.
De volta a Creta, deixou aí Tito e foi passar o inverno em Nicópolis; depois voltou a Éfeso. Aí
confiou a Igreja a Timóteo e partiu para a Macedônia, onde escreveu 1Tm e Tt (em 64/65).
Obrigado a abandonar definitivamente Éfeso, mandou para lá Tíquico. Detido em algum lugar da
Ásia Menor, foi transferido para Roma e colocado na prisão, onde algum tempo antes de sua
morte (67) escreveu 2Tm.
 Os dados das Pastorais se inserem na trama do livro dos Atos (55-58 ou 58-61). Até data
recente, não havia escolha fora dessas duas soluções. Mas, em 1976, apareceram duas obras
que puseram tudo de novo em questão: a de John A. T. Robinson 1 e a de S. de Lestapis2.
Estes dois autores julgam que não é impossível situar as Pastorais dentro do quadro do livro
dos Atos. Elas teriam sido redigidas, senão pelo próprio Paulo, pelo menos por um secretário

1
A. T. Robinson, Redating the New Testament, SCM Press, Londres 1976.
2
S. de Lestapis, L' Énigme des Pastorales de Saint Paul, Gabalda Paris, 1976.

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em conformidade com as diretrizes do Apóstolo, no decorrer da terceira viagem missionária e
da prisão em Cesaréia (Robinson) ou de Roma (Lestapis). A cronologia seria a seguinte:
Robinson
1Tm outono de 55
Tt fim da primavera de 57
2Tm cerca de 58 (em Cesaréia)
Lestapis
1Tm março-abril de 58
Tt março-abril de 58
2Tm em 61 (em Roma)
Não é possível resumir aqui os argumentos apresentados por esses dois autores em apoio
de suas teses. Digamos somente que a posição de Robinson parte de convicção prévia: é
inverossímil que nenhum livro do Novo Testamento fizesse a menor alusão (certa) a um
acontecimento tão importante como a destruição de Jerusalém e do Templo por Tito (em 70). Se
não o fazem, é porque são anteriores a esta catástrofe. No quadro de seu estudo, o autor examina
longamente o caso das Pastorais (pp. 67-85). A tese de Robinson é audaciosa, até mesmo
revolucionária; quando ele a apresentou em Nova et Vetera (1977, pp. 307-312), L. Bouyer deu à
sua recensão o título de "Um terremoto na crítica do Novo Testamento".
Lestapis só se interessa pelas Pastorais. Estudando minuciosamente as personalia (alusões
de Paulo a pessoas, acontecimentos, incidentes e recordações que diziam respeito a ele
pessoalmente), Lestapis tira as seguintes conclusões: a relação muito estreita entre Tt e 1Tm
obriga a tratá-las em conjunto, e os seis elementos pessoais que elas encerram mostram que essas
duas cartas foram escritas entre Filipos e Mileto, no fim da terceira viagem missionária
(março/abril de 58). Quanto à 2m, os doze elementos pessoais que se encontram nela permitem
pensar que ela foi redigida no começo do primeiro cativeiro romano (primavera de 61). Vemos
que, segundo esta cronologia, 1Tm e Tt se situam muito perto de Rm e seriam talvez anteriores a
Cl e Ef. Ora, considera Lestapis, isto é confirmado pelo fato de a soteriologia e a eclesiologia
dessas duas Pastorais serem muito próximas das de Rm e representarem uma etapa intermediária
entre a teologia paulina das grandes epístolas e a de Cl e Ef.
Concordemos ou não com a cronologia proposta por Robinson ou a de Lestapis, não
podemos mais ignorar suas posições e os argumentos nos quais eles se apoiam.
2.2. A organização eclesiástica e os ministérios
2.2.1. Que nos dizem os textos a este respeito?
1Tm e Tt supõem comunidades bem estruturadas ou em via de sê-lo. Se Paulo conservava
a supervisão sobre as Igrejas que fundara e se seus delegados (Timóteo, Tito, Ártemas e Tíquico)
eram seus representantes itinerantes, a existência de ministros sedentários, em cada comunidade,
é bem atestada: episcopos, anciãos, diáconos, sem dúvida diaconisas e talvez "viúvas".
1. Os delegados apostólicos de Paulo eram enviados às comunidades para permanências
temporárias. Munidos de plenos poderes, eles continuavam a obra esboçada por Paulo. Como
doutores, deviam pregar incansavelmente (2Tm 4,2), expondo a doutrina como a tinham
recebido (1Tm 6,20; Tt 2,1; 2Tm 1,13; 3,14), combatendo com vigor os falsos doutores (1Tm
1,3; Tt 1,10-13), exigindo dos futuros "anciãos" (presbíteros) segurança doutrinal absoluta (Tt
1,9; 2Tm 2,2) e excomungando os hereges (Tt 3,10). Assim seria fielmente transmitido o
"depósito" a eles confiado (1Tm 6,20; 2Tm 1,14). Como pastores, deviam lembrar às diversas
categorias de fiéis seus deveres (1Tm 6,1-2; 2,1-10). Eles eram ainda responsáveis pelo culto
(1Tm 2,8-11) e pela escolha e instituição dos anciãos (1Tm 3,2-7; Tt 1,5).
2. Os presbíteros (anciãos) ou epíscopos eram os encarregados locais de presidir às
reuniões (1Tm 5,17), de ensinar (1Tm 3,2; 5,17; Tt 1,11), de impor as mãos (1Tm 4,14, se
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entendermos esta passagem neste sentido e não no sentido "de imposição das mãos para o
presbiterado"). O retrato moral do perfeito epíscopo está pintado em duas passagens paralelas
(1Tm 3,1-7 e Tt 1,6-9).
3. Os diáconos são mencionados em 1Tm 3,8-13. As suas funções não são indicadas;
somente são enumeradas as qualidades exigidas deles. Qualidades que se aproximam muito das
dos presbíteros, com a diferença de que os diáconos não parecem encarregados de ensinar.
Podemos pensar que o v. 3,11 visa às diaconisas (cf. Rm 16,1-2).
4. É possível que um ministério especial estivesse confiado a certa categoria de viúvas
(1Tm 5,9-15), das quais são exigidas aptidões particulares; mas não se diz nada da natureza de
suas funções.
5. O rito da imposição das mãos é mencionado a propósito de Timóteo (1Tm 4,14 e 2Tm
1,6) e, de modo mais geral, a propósito dos presbíteros (1Tm 5,22).
2.2.2. Observações a respeito desses dados
Em At 20 (compare os vv. 17 e 28), os termos epíscopos e anciãos são conversíveis, isto é,
designam as mesmas pessoas, ao passo que nas epístolas de santo Inácio de Antioquia (cerca de
110), os dois ministérios são nitidamente distinguidos: na mesma comunidade há apenas um
epíscopo, cercado por conselho de anciãos (presbíteros) e de diáconos. Nas pastorais, como no
texto dos Atos, as mesmas pessoas podem ser chamadas indiferentemente epíscopos ou
presbíteros.
Observa-se, com efeito, que, quando enumera os ministérios em 1Tm 3,1-13, o autor passa
diretamente do epíscopo aos diáconos, sem mencionar os presbíteros. Esta omissão só se
compreende se se falou deles nos versículos concernentes ao epíscopo. A mesma constatação
pode ser feita em 1Tm 5,17.19: falando, desta vez, dos anciãos, o autor não cita os epíscopos.
Enfim, quando, em Tt 1,5-9, Paulo pede a Tito que estabeleça anciãos em Creta, justifica as
qualidades a serem exigidas deles, dizendo: "porque é preciso que o epíscopo.."
Nada, portanto, parece impor que se veja na estrutura eclesiástica das Pastorais uma
organização fundamentalmente diferente da de At 20 ou de Fl Q. Devemos, contudo, assinalar
dois pontos próprios das Pastorais: de um lado, os ministérios carismáticos, como a profecia e a
glossolalia perderam sua importância (é mencionado apenas o ministério profético, a propósito
da vocação e da consagração de Timóteo, na 1Tm 1,18 e 4,14); do outro lado, aparece um
ministério novo, o das "viúvas", pelo menos se admitirmos que se trata de uma "ordem" de
viúvas em 1Tm 5,9-10.
2.2.3. Os falsos doutores
Dois traços permitem caracterizar, pelo menos aproximativamente, os propagadores de
doutrinas errôneas.
a. Eles vinham certamente do judaísmo. Apresentavam-se como especialistas da Lei (1Tm
1,7) e exigiam a distinção entre alimentos puros e impuros (1Tm 4,3); as suas divagações são
qualificadas de "fábulas judaicas" (Tt,14), e Tito é convidado a desconfiar dos circuncisos (Tt
1,10-11).
b. Mas algumas de suas posições não se explicam pelo judaísmo, pelo menos, não pelo
judaísmo ortodoxo. Por exemplo, eles condenavam o matrimônio (1Tm 4,3), promoviam ascese
exagerada (1Tm 4,8-10), afirmavam que a ressurreição já se realizara (2Tm 2,18). E se
vangloriavam de terem "conhecimento" (gnose) superior (1Tm 6,20; cf. Tt 1,16), sinal, talvez, de
elitismo desdenhoso: o autor lembrava-lhes que Deus quer que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao "conhecimento" da verdade (1Tm 2,4; 4,10; Tt 2,11). Esses traços não deixam de ter
afinidade com o gnosticismo que floresceu no século II.
Mas como esses falsos doutores não parecem professar as doutrinas essenciais do
gnosticismo propriamente dito, podemos falar, a respeito deles, somente de pré-gnosticismo.
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Precisamente, sabe-se que no século I algumas frações do judaísmo evoluíam para um
sincretismo caracterizado, de tendência gnosticizante. Devemos notar ainda que esses falsos
doutores não constituíam seita distinta: Tt 3,10 mostra que eles pertenciam à comunidade.
3. As características literárias
É provavelmente neste domínio que a diferença entre as Pastorais e as epístolas paulinas é
mais evidente. O estilo das Pastorais é "lento, difuso, monótono". Ao entusiasmo do profeta
sucedeu a reflexão tranqüila, serena e às vezes pesada do moralista.
A diferença é evidente especialmente no plano do vocabulário. Como os trabalhos de P. N.
Harrison3 marcaram época neste domínio, devemos dar a ele atenção particular. Segundo este
autor, as Pastorais contêm grande quantidade de termos que não se encontram nas epístolas
paulinas (305 para um total de cerca de 900). E, dentre esses 305 termos, 175 são desconhecidos
do Novo Testamento (esses termos são denominados hapax, em grego, ou "uma só vez").
Inversamente, muitas palavras características de Paulo estão ausentes das Pastorais (p.ex.,
evangelizar, circunciso, dar graças, gloriar-se, sabedoria, espiritual...). Por fim, observa Harrison,
muitas particularidades lingüísticas das Pastorais se encontram nos autores do século Il.
Donde as conclusões de Harrison: não somente Paulo não pode ser o autor das Pastorais
como também estas devem ser situadas no século II.
Embora cheguem a impressionar, as estatísticas de P. N. Harrison estão longe de impor
convicção.
Devemos notar em primeiro lugar que muitos dos hapax das Pastorais não têm nada de
característico. Alguns dependem unicamente de circunstâncias contingentes (avó, estômago,
manto, pergaminhos etc.). Outros se prendem à particularidade (e à novidade) dos assuntos
tratados: ninguém se admirará ao constatar que o termo "idolotitos" (carnes sacrificadas aos
ídolos), empregado várias vezes na 1Cor, porque em Corinto havia problema relacionado com
eles, não apareça nas outras epístolas. Lembremos também que o termo tão importante "igreja"
está totalmente ausente da grande exposição teológica da epístola aos Romanos (na qual figura
somente no cap. 16, de modo indireto, para designar tal ou tal comunidade local), ao passo que é
muito freqüente em 1Cor (21 vezes) e em Ef (9 vezes, numa epístola que tem apenas 6
capítulos). A novidade dos temas tratados nas Pastorais (organização das Igrejas, qualidades a
exigir dos ministros em particular) explica também, em parte, o número de hapax. Vê-se assim
como é arriscado apreciar um vocabulário usando apenas dados estatísticos.
Mas devemos notar principalmente que este método perde boa parte de seu interesse se
admitirmos, com muitos críticos, que Paulo, nos últimos anos de sua vida, ter-se-ia valido de
secetário ao qual teria deixado iniciativa maior do que a concedida, por exemplo, a Tércio,
secretário para a epístola aos Romanos (Rm 16,22). Sendo assim, os estudos estatísticos podem
fornecer informações sobre o vocabulário do secretário, mas não permitir tirar conclusões sólidas
sobre o autor como tal.
Quanto às aproximações que Harrison crê poder fazer com os autores do século II, elas são
praticamente sem valor e até, se voltam contra as teses que deveriam apoiar. Não basta, com
efeito, constatar que um número importante dos hapax das Pastorais se encontram na literatura
do século II; é necessário ainda provar que eles não foram usados no século I. Ora, o inverso é
que é verdade. Em 1929, M. Hitchcock já mostrava que, de 305 hapax das Pastorais, 277 eram
usados antes do ano 50. As descobertas de novos papiros reduzem sem cessar o número de
alguns termos dos quais não se tinham encontrado vestígios no século I: se para Hitchcock
restavam 28, em 1963, segundo J. N. Kelly, eles estavam reduzidos a 22. Observou-se que, se
aplicarmos o raciocínio de P. N. Harrison às epístolas incontestavelmente paulinas, veríamos
com surpresa que também elas deveriam ser atribuídas a algum escritor do século II! De fato,
enquanto os hapax das Pastorais se encontram, nos Padres apostólicos, na proporção de 34,9%,
3
Cf. P.N., HARRISON, The Problem of the Pastoral Epistles, Londres 1927.
130
os de algumas epístolas de Paulo figuram neles em porcentagem praticamente igual e, às vezes,
até superior (Tessalonicenses 30%, Gálatas 34,4%, 1Coríntios 34,7%, Filipenses 37%). Vemos
assim que o argumento tirado da comparação com os escritores do século II se volta, como
bumerangue, contra o seu autor (Kelly).
4. É ou não Paulo o autor das Cartas Pastorais
Como foi possível perceber, a questão da autenticidade das Pastorais, sem ser
explicitamente colocada, estava presente, no plano de fundo, ao longo das considerações que
acabamos de fazer. De fato, elas nos forneceram elementos que nos permitem tirar agora
algumas conclusões.
a. As Pastorais não são escritos do século II (cf. o que foi dito da organização das Igrejas,
dos erros combatidos e do vocabulário).
b. As características estilísticas das Pastorais obrigam, pelo menos, a recorrer à hipótese do
secretário que tivesse a grande liberdade de ação. (Não podemos contentar-nos com explicar as
particularidades do vocabulário e do estilo pela "idade avançada" [?] de Paulo: se admitirmos
que as Pastorais foram escritas enquanto o Apóstolo vivia, o tempo que as separa das grandes
epístolas é curto).
c. Seria suficiente a hipótese do secretário? Tudo depende de como forem apreciados os
dados concernentes à organização das Igrejas e à teologia das epístolas. Podemos ser sensíveis
principalmente às aproximações possíveis com as grandes epístolas ou, ao contrário, descobrir
evolução que necessitasse de tempo mais longo. No primeiro caso, ainda restará decidir se as
Pastorais devem ser situadas no quadro dos Atos dos Apóstolos ou (admitido segundo cativeiro
romano) entre 61 e 67. No segundo caso, pode-se aceitar que, depois da morte de Paulo, um de
seus discípulos, pertencente, sem dúvida, à Igreja de Roma, usando (por volta de 70/80) cartas
autênticas do Apóstolo, deu-lhes edição muito marcada por seu estilo e adaptada às necessidades
das comunidades.
No estado atual da pesquisa, é muito difícil (impossível?) escolher, entre todas as
hipóteses, uma que consiga a aprovação de todos. Na verdade, e repetindo o título da obra de S.
de Lestapis, podemos dizer que existe "o enigma das Pastorais".
5. Grandes divisões e estrutura
Não se deve confiar nas impressões, mas a impressão é que as Cartas Pastorais têm
algumas mudanças de tema que parecem feitas de propósito: como se uma pessoa que sabe
escrever bem quisesse imitar até os defeitos do estilo de Paulo.
Impressões à parte, com a ressalva de que encontraremos parêntesis e digressões, não é tão
difícil descobrir uma linha temática geral em cada uma das cartas.
a. Na Primeira carta a Timóteo destacam-se, como elemento específico, um grupo de
listas de deveres a respeito do que devem fazer os homens (2,1-8), as mulheres (vv. 9-15), o
"bispo" (3,1-7), os diáconos (vv. 8-13), as viúvas (5,3-16), os presbíteros (vv. 17-25), os escravos
(6,1s) e os ricos (6,6-10.17-19), mais uma exortação geral sobre como Timóteo deve se
comportar com pessoas de idades diferentes (5,1s). No resto da carta, são freqüentes os
elementos mais tipicamente epistolares: o apóstolo fala de si mesmo (1,12-17), de Timóteo (vv.
18-20; 3,14-16; 4,6-16; 6,11-16) e dos falsos mestres (1,3-11; 4,1-5; 6,3-5). Este tipo de
"elementos epistolares" reaparece na metade e na conclusão da carta, o que nos permite delinear
um esquema bastante compreensível, com a ressalva de que a exortação sobre os ricos está
misturada com a conclusão da carta e não faltam outros parênteses. Dividiremos, pois, a carta
desta maneira:

1. Introdução da carta (1, 1-20):


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- Saudação (1,1 s).
- Introdução (1,3-20).
- Sobre os falsos mestres (1,3-11).
- O apóstolo fala de si mesmo (1, 12-17).
- Exortação a Timóteo (vv. 18-20).
2. Primeira lista de deveres (2,1-3,13):
- Sobre os homens (2,1-8).
- Sobre as mulheres (vv. 9-15).
- Sobre o "bispo" (3,1-7).
- Sobre os diáconos (vv. 8-13).
3. Intermédio epistolar (3,14-4,16):
- Exortação a Timóteo (3,14-16).
- Sobre os falsos mestres (4,1-5).
- Exortação a Timóteo (4,6-16).
4. Segunda lista de deveres (5,1-6,2):
- À maneira de proposição (5, 1s).
- Exortação sobre as viúvas (5,3-16).
- Exortação sobre os presbíteros (vv. 17-25).
- Exortação sobre os escravos (6,1s).
5. Conclusão da carta (6,3-21).
- Sobre os falsos mestres (6,3-5).
- Sobre os ricos (6,6-10).
- Exortação a Timóteo (6,11-16).
- Sobre os ricos (6,17-19).
- Conclusão (6,20s).
b. A Segunda carta a Timóteo se aproxima muito mais, sob o ponto de vista literário, de
um escrito "normal" da época: pela unidade do tema e pela parcimônia com que se desenvolve.
Não chega, portanto, à densidade de Paulo, embora, de modo mais ou menos colateral, vá
fluindo toda a contextura doutrinal da tradição paulina. Como marcos da divisão, empregaremos
as notícias concretas sobre pessoas, que delimitam um estilo mais epistolar. Por isso,
prolongaríamos a introdução da carta até 1,18, em que se fala dos que visitaram o apóstolo, e
começaríamos a conclusão da carta em 4,9, onde voltam a aparecer as referências pessoais. O
resto seria formado por um clássico "discurso de despedida" (salientando os dois termos), com
dois argumentos e uma peroração. 0 primeiro argumento seria a sucessão apostólica e
corresponderia ao capítulo 2; o segundo argumento versaria sobre os perigos que vão surgir no
futuro (3, 1) e compreenderia todo capítulo 3. A despedida propriamente dita, como peroração do
discurso, abrangeria os oito primeiros versículos do capítulo 4.
Descendo um pouco mais aos detalhes, teríamos o seguinte esquema para a Segunda carta
a Timóteo:
1. Introdução da carta (capítulo 1):
- Saudação (1,1s).
- Introdução (vv. 3-8).
- Elogio a Timóteo (vv. 3-5).
- Exortação a Timóteo (vv. 6- 10).
- O apóstolo fala de si mesmo (vv. 11-14).
- Referências pessoais (vv. 15-18).
2. Primeiro argumento: a sucessão apostólica (capítulo 2).
- A tese (vv. 1-7).
- O querigma de Jesus (vv. 8-13).
- Atitudes que se lhe opõem (vv. 14-21).

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- Resposta a Timóteo (vv. 22-25).
3. Segundo argumento: perigos no futuro (capítulo 3).
- A tese (vv. 1-9).
- Virtudes do apóstolo (vv. 10-17).
4. Peroração: a despedida do apóstolo (4,1-8).
- Encargo a Timóteo (vv. 1s).
- Perigos que se aproximam (vv. 3-5).
- Despedida (vv. 6-8).
5. Conclusão da carta (vv. 9-22).
- Últimas notícias e encargos (vv. 9-15).
- Notícias sobre sua situação processual (vv. 16-18).
- Saudações finais (vv. 19-22).
c. A Carta a Tito, por sua estrutura, se assemelha muito mais à Primeira carta a Timóteo
do que à Segunda. Também nela parte do fato que o apóstolo "deixou" um discípulo em um
determinado lugar (1,5; cf. 1Tm 1,3) e também contém, em dois momentos diferentes, listas de
deveres referentes aos presbíteros-bispos (1,5-9), aos anciãos (2,2-5), aos jovens (vv. 6-8), aos
escravos (vv. 9s). De todos os modos, o característico da carta são duas proclamações
querigmáticas, conduzidas pela idéia de que a bondade de Deus se manifestou (2,11-14; 3,4-7). A
primeira destas proclamações aparece como fundamento teológico da lista de deveres e
acrescenta um só versículo de comentário (v. 15); a segunda, por sua vez, está contida em uma
exortação geral (3,1s) e uma introdução (v. 3), mais uma exortação a Tito como conclusão (vv.
8-11).
Com exceção do que foi dito, só nos resta uma ampla introdução (1,1-4), uma breve
conclusão epistolar, com encargos e saudações (capítulo 3, respectivamente os vv. 12-14 e 15) e
um fragmento sobre os falsos mestres (1,10-16). Convencionalmente, devido à familiaridade do
v. 12, incluiremos esse fragmento na introdução epistolar, com o que podemos chegar ao
seguinte esquema:
1. Introdução da carta (1,1-16):
- Saudação (1,1-4).
- Introdução epistolar (1,5-16).
- Promoção de presbíteros-bispos (1,5-9).
- Sobre os falsos mestres (1,10-16).
2. Lista de deveres (2,1-15).
- Introdução (v. 1).
- Deveres concretos (vv. 2-10).
- Os anciãos (vv. 2-5).
- Os jovens (vv. 6-8).
- Os escravos (vv. 9s).
- Razão teológica (vv. 11-14).
- Conclusão (v. 15).
3. Outras exortações (3,1-11).
- Exortação geral (3,1s).
- Razão teológica (vv. 3-7).
- Introdução (v. 3).
- A "humanidade" de Deus (vv. 4-7).
- Exortação a Tito (vv. 8-11).
4. Conclusão da carta (3,12-15).
- Últimas recomendações (12-14).
- Saudações (v. 15).
6. A teologia das Pastorais

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6.1. Os dados fornecidos pelos textos
Deus
Deus, chamado "Pai" no endereço de cada uma das três cartas,, é o criador de tudo o que
existe (1Tm 4,3-4), o dispensador generoso de todo bem (1Tm 6,17). A ele se dirige o hino
solene de 1Tm 6,15-16. Movido por seu amor misericordioso e fiel (Tt 3,4-5; 2Tm 2,13), ele
quer a salvação de todos os homens (1Tm 2,4), que ele chama em virtude de seu desígnio de
graça (2Tm 1,9). O termo "salvador" é particularmente apropriado para designá-lo (1Tm 1,1; Tt
1,4).
Cristo
Cristo é verdadeiro Deus (Tt 2,13) e verdadeiro homem (1Tm 2,5), da linhagem de Davi
(2Tm 2,8). A encarnação é cantada em hino litúrgico (1Tm 3,16) que tem afinidade com o de Fl
2,6-11. Tendo vindo ao mundo para salvar os pecadores (1Tm 1,15), Cristo voltará no, fim dos
tempos em manifestação ("epifania") gloriosa (Tt 2,13; 2Tm 4,1.8).
O Espírito Santo
O Espírito glorificou (lit., "justificou", 1Tm 3,16) Jesus na Ressurreição. Ele habita nos
fiéis (2Tm 1,14), depois de os ter gerado para vida nova pelo batismo (Tt 3,5) e ajuda os
responsáveis pela Igreja a guardarem intato o "depósito" da fé (2Tm 1,14).
A salvação
Em dois textos de tonalidade muito paulina, o autor descreve o desígnio de salvação
estabelecido por Deus "em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos, manifestado agora pela
aparição de nosso Salvador, o Cristo Jesus" (2Tm 1,9-11; Tt 3,5-8). Nessas duas passagens o
autor insiste em que não é pelas suas obras que os homens têm acesso à justificação (Tt 3,7) ou à
salvação (Tt 3,5; 2Tm 1,9).
A Igreja
A Igreja é comparada a uma casa cujos ecônomos são os epíscopos (Tt 1,7). Povo de Deus,
que Cristo adquiriu para si, resgatando-o de suas iniqüidades e purificando-o por seu sacrifício
(Tt 3,14), a Igreja se liga aos apóstolos: foi pela imposição das mãos de Paulo que Timóteo foi
estabelecido em sua função (2Tm 1,6) e era pela imposição das mãos de Timóteo que os
presbíteros eram consagrados para o ministério (1Tm 5,22).
A moral cristã
As virtudes morais têm lugar privilegiado: ponderação, temperança, domínio de si mesmo,
pureza, modéstia, paciência, hospitalidade, mansidão. O amor-caridade não é esquecido, mas não
tem preeminência particular. Toda a vida cristã tem como centro a "piedade" (cf. em 1Tm 3,16,
"o mistério da piedade!'), termo que tem significado muito amplo e que abrange a totalidade do
comportamento e que deve ser entendido no sentido de vida correta, em conformidade com a
vontade de Deus. Em 2Tm 2,3-6, três comparações, já usadas antes por Paulo (a carreira militar,
a ascese esportiva e a profissão de agricultor), convidam Timóteo e, a seu exemplo, os fiéis a
aceitarem as exigências da vocação cristã.
6.2. Uma teologia surpreendente
A teologia das Pastorais é desconcertante. Com efeito, de um lado, essas epístolas contêm
exposições que retomam os grandes temas paulinos; do outro, encontram-se nelas passagens que
(quanto ao fundo e à forma) aparentemente se afastam muito deles.
Os traços paulinos
Os traços paulinos não estão ausentes: consciência do pecado e incapacidade do homem
para merecer, por si mesmo, a justificação; gratuidade da salvação oferecida por Deus em Jesus
Cristo, o único redentor de todos os homens; papel essencial da fé; importância do batismo;
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afirmação do desígnio eterno de Deus (cf. o "mistério" de 1Tm 3,16). As regras morais
concernentes aos escravos ou aos cristãos em face do poder estabelecido são as mesmas que
podem ser lidas nas grandes epístolas. A convicção de que os sofrimentos do Apóstolo podem
concorrer para o bem espiritual dos fiéis (2Tm 2,10) lembra exposições paulinas conhecidas.
Diferenças
Mas, ao lado dessas semelhanças, existem diferenças importantes.
- A fé, de nexo vivo com Cristo, tende a se tornar a fidelidade a credo oficial, pedra de
toque da ortodoxia. O primeiro cuidado dos pastores é menos o de evangelizar do que o de
guardar o depósito recebido e de transmiti-lo fielmente.
- O autor volta várias vezes à necessidade das "boas obras" (1Tm 5,10.25; 6,18; Tt 2,7;
2,14; 3,8.14; 2Tm 4,5.18). Essa expressão está ausente das grandes epístolas.
- A moral cristã parece resumir-se a um humanismo equilibrado, muito distanciado dos
engajamentos radicais e exigentes ("moral burguesa", diz Dibelius).
- O Espírito Santo se ele é o agente do renascimento batismal, é também o garante do
depósito confiado. Não se vê a sua ação suscitando carismas variados como na 1Cor, por
exemplo.
- O amor-caridade não é mais a virtude por excelência, o "vínculo da perfeição" (Cl 3,14),
que ultrapassa todos os carismas (1Cor 12,31-13,13), mas é uma virtude entre as outras (1Tm
2,15; 4,12).
- A graça poderia parecer apenas socorro externo que vem sustentar os esforços do homem
(Tt 2,12).

6.3. A teologia das Pastorais e a das grandes epístolas


As diferenças com as grandes epístolas são, pois, reais, mas não devem ser exageradas.
Longe de fazer das obras a fonte da justificação, Tt 3,5-7 rejeita energicamente essa idéia.
Que a fé deve desabrochar em obras concretas, Paulo já o havia afirmado antes (Rm 2,7; 2Cor
9,8; Gl 5,6; 2Ts 2,17). É verdade que o Espírito Santo tem pouco espaço nas Pastorais, mas ele é
mencionado raramente também em Cl (1 vez) e em 2Ts (1 vez). A oposição entre a fé entendida
como adesão vital à pessoa de Cristo (Paulo) e a fé compreendida como aceitação de um credo
(Pastorais) é apenas relativa. Paulo não ignora a fé "objetiva" ou "ensinada"' (Fl 1,27; Cl 2,7), e
as Pastorais conhecem a fé "subjetiva" ou "vivida" (1Tm 1,16; 2Tm 3,15).

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