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Imperialismo
Intelectual:
Definição, Traços e
Problemas
Syed Hussein Alatas
Instituto do mundo e civilização malaia, Universidade Nacional da Malásia
Resumo
intelectual também assume essa forma. Os dados são desta região, dados brutos sobre
certos assuntos são coletados nesta região, processados e fabricados na Inglaterra sob a
forma de livros ou artigos, e depois vendidos aqui. No geral, as pessoas desta região,
incluindo seus estudiosos, foram usadas principalmente como informantes. Somos
constantemente bombardeados por publicações estrangeiras. Não estou usando o termo
“estrangeiro” em um juízo, em forma de julgamento, mas apenas me refiro à origem das
coisas. A maioria de nossa própria história foi escrita por estudiosos do exterior. Eles
vieram aqui, reuniram as matérias-primas intelectuais, voltaram e publicaram seus
livros, e exportaram seu produto final para o país onde foram feitos os trabalhos de
campo.
Em uma das minhas viagens a Kelantan, conheci um importante curandeiro tradicional
que costumava fornecer informações a alguns escritores britânicos. Ele não conseguiu
fazer o produto final, já que ele não havia aprendido a escrever, não sabia como usar
notas de rodapé e escrever ensaios. Os estudiosos coloniais tomaram os dados e apenas
os publicaram sem qualquer reconhecimento ou análise adicional. Isso então foi
distribuído. Existe um paralelo entre a exploração econômica e a exploração do
conhecimento.
Consideremos a segunda característica, a tutela. No passado, a educação da população
em determinadas áreas técnicas era considerada útil para governos imperialistas. O
mundo da aprendizagem também foi governado pela ideia de tutela. As regiões
subdesenvolvidas, incluindo a Malásia e Cingapura, deveriam ser dependentes do
exterior em tudo. Se você quisesse obter um bom diploma, você deveria ir às
universidades europeias ou americanas. Se você quisesse um nível acadêmico superior,
você deveria ir lá. Se você quisesse aprender alguma coisa, você deveria ler seus livros.
Esta ideia de dependência através da tutela, intelectualmente para esta região, tinha sido
tomada como certa. Supunha-se que as pessoas aqui sabem menos sobre praticamente
todos os assuntos do que as pessoas no Ocidente. Mais uma vez existe um paralelo. No
passado, a perspectiva era de que as colônias não podiam manter-se sozinhas. Não
podiam ser concedidas a independência porque arruinariam o país se eles se
governassem. Eles não podiam ser invocados para desenvolver o país porque não
tinham o know-how técnico. Agora, o paralelo com o imperialismo intelectual é que eles
não têm o know-how intelectual. Daí a necessidade de uma forma de tutela indireta.
A terceira característica mencionada acima é a conformidade. No passado, o poder
dominante esperava conformidade no comportamento das pessoas conquistadas. Por
exemplo, se você quisesse se comportar normal e adequadamente, você deveria se
sentar do jeito que eles se sentam, você não deveria arrotar em sua presença, e você
deveria comer da maneira como eles comem. Existe uma exploração da conformidade.
Outro exemplo muito claro é o esporte. Para avançar no esporte deve-se jogar os jogos
britânicos. No passado, foi dada atenção ao hóquei, cricket, golfe, futebol e polo, que
são jogos populares no país dominante. Havia pouco ou nenhum interesse em jogos
indígenas do sudeste asiático. Esta exploração de conformidade é demonstrada em
teorias e metodologias acadêmicas. Eles esperavam que empregássemos sem questionar
os métodos de análise que estavam atualizados no exterior. Esperavam que estivéssemos
interessados em tópicos de interesse para pessoas no exterior. Nas organizações de
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Para que eu não seja mal-entendido, deixe-me esclarecer que não estou sugerindo que
devemos fechar nossas mentes ao conhecimento genuíno de qualquer parte do mundo.
Devemos assimilar tanto quanto possível de todas as fontes, de todas as partes do
mundo, todos os conhecimentos úteis. Mas precisamos fazer isso com um espírito
crítico independente, sem dar as costas à nossa própria herança intelectual. Os
fenômenos de servilismo e servidão intelectual não são os mesmos que a autêntica
assimilação criativa do exterior.
Deixe-me lhe dar um exemplo muito claro. Estou doente e preciso de remédios. Este
medicamento foi feito no Ocidente e provou ser efetivo. Eu uso esse medicamento. Isso
não é servidão. Esta é uma forma de dependência genuína. Por outro lado, se eu
acreditar que não há nada de valor na medicina chinesa, sem investigação, então estou
em servidão intelectual. No momento em que você adota essa perspectiva, você está sob
o controle e domínio do imperialismo intelectual, o que resulta em uma completa
desconfiança em relação a sua própria experiência cultural.
Devemos assimilar tudo o que for necessário para o progresso. Devemos ser práticos e
independentes e, ao mesmo tempo, aproveitar o máximo de nossa própria tradição. Em
outras palavras, possuímos individualidade e um senso de independência, ao invés de
uma personalidade imitadora.
Devo dar-lhe um exemplo de um caso extremo de subjugação pelo imperialismo
intelectual. Havia um colega meu, há mais de trinta anos, professor em nossa região há
algum tempo. Ele era um romancista asiático e um muçulmano de origem. Um dia
estávamos falando sobre filosofia. Perguntei se ele havia lido a filosofia de pessoas
como Jalaludin Rumi da Pérsia e outros pensadores muçulmanos sobre os diferentes
aspectos da filosofia. Sua resposta foi que a filosofia antes de Hegel não tinha valor. A
filosofia só se tornou valiosa após Hegel. Perguntei-lhe se esses poucos milhares de
anos de pensamento na Índia, na China, no Oriente Próximo, eram simplesmente
inúteis? Ele não estava interessado neles? Ele disse “não”. Ele só estava interessado em
filosofia depois de Hegel. Antes de deixá-lo, estávamos falando sobre o romance dele.
Ele me perguntou se eu tinha lido esse livro em particular. Em resposta, perguntei se foi
escrito antes do Dr. Zhioago de Pasternak. Ele me disse que foi escrito antes do Dr.
Zhioag de Pasternak, algum tempo no início de 1950. Então eu disse a ele: “Para mim,
não há literatura antes de Pasternak. A única literatura sensata que eu acho valer a pena
ler é depois de Pasternak.” Ele ficou atordoado. Eu dei-lhe a mesma resposta que ele me
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deu sobre filosofia. Aconteceu que foi seu próprio romance que foi especificado como
não digno de atenção. Aqui você encontra o efeito profundo do imperialismo intelectual.
Muito poucos estudantes estão realmente interessados no que os pensadores asiáticos do
passado disseram. Nossos alunos leriam Platão, Aristóteles, Maquiavel e outros
pensadores ocidentais contemporâneos, mas ignorariam Wang An Shih, Ibn Khaldun,
Rizal e Nehru. Porque é que eles fazem isto? Simplesmente porque começaram com a
perspectiva inicial, provavelmente inconscientemente, que não há nada a aprender com
as sociedades asiáticas e outras sociedades não-ocidentais. Todas essas coisas pertencem
ao passado - são o pó da história - embora não saibam nada da tradição, apenas um
julgamento em branco influenciado por um senso de inadequação e insuficiência.
Outra característica é o que chamamos alienação da própria tradição. Há um
rompimento, uma falta de interesse, e há a convicção de que nada do passado vale a
pena. Outra característica que podemos mencionar aqui como efeito do imperialismo
intelectual é a imitação. Esta é uma tendência insidiosa de imitação intelectual no estilo
de escrita e na escolha dos temas.
Um exemplo de imitação é a escrita da história de Cingapura. A história da ocupação
britânica de Cingapura foi escrita do ponto de vista dos britânicos. A história de Raffles,
por exemplo, foi apresentada do ponto de vista de Raffles, derivada de seus registros na
administração do escritório colonial. Muitas questões, como se ele era a favor ou não, o
que intriga estar envolvido na preocupação com a pimenta, e uma série de outras
questões tratadas com frequência não são necessariamente questões de interesse central
para nós. Estamos interessados em que mudanças Raffles influenciou em Bencoolen,
como sua presença afetou aqueles naquela área, foi sua presença em Bencoolen
opressiva em relação à população, e assim por diante. Estes são temas que não
interessaram os estudiosos coloniais da história. Em vez de selecionar temas diferentes,
isto é, usando nosso conhecimento da historiografia para selecionar novos tópicos
relevantes para a região, persistimos em imitar os temas e métodos de estudiosos
europeus. Nosso método é esconder-nos no quarto escuro, visualizando um rolo de
microfilme após o outro, depois documento após documento. Todas essas coisas devem
ser feitas, mas se considerarmos como rituais, não mudamos nossos tópicos, não há
escolha de novos assuntos, e não há tentativa de ir além dos documentos para o outro
plano. Nada disso foi feito e o resultado final da pesquisa é outro artigo sobre pimenta,
empresas e intrigas. E onde será impresso, senão em um jornal histórico estrangeiro?
Quem vai lê-lo? O mesmo tipo de historiadores. Lá você encontra a endogamia. Então
nosso erudito colonizado tornou-se um membro da raça. Existe uma endogamia
perpétua. Ele se tornou o escravo leal como os escravos do Império Romano. Um
escravo do Império Romano acreditava na glória de Roma; ele estava feliz em sua
escravidão; achava aquilo um estado natural das coisas. Da mesma forma, nossos
estudiosos escravos são bastante felizes.
que redirecionar nossa atenção para tópicos individuais de pesquisa. Em terceiro lugar,
devemos evitar avaliar-nos em termos estrangeiros. Quarto, temos que cultivar um
senso de individualidade e independência, e não meramente imitar e agradar aos outros
em nossos trabalhos e pesquisas. No momento, este é um problema complexo que está
fora da prévia da discussão científica. É uma questão de como criar um pensador.
Ninguém sabe como criar um pensador. Você não pode perguntar às pessoas como criar
um poeta. Um poeta nasce, não é criado. Da mesma forma, não podemos criar ditadores.
Tudo o que você pode fazer é despertar a consciência entre o maior número de pessoas
possível e talvez algumas evoluam na direção que você deseja que elas evoluam. Uma
vez que eles têm essa individualidade e perspectivas, o que eles precisam é apenas mais
experiência, treinamento e confiança de sua própria capacidade. Pelo menos, poderemos
evitar o perigo de voltar a imitar novamente.2
Trinta e dois anos atrás, quando eu recebi meu diploma de pós graduação (doutorado) da
Universidade de Amsterdã, eu tentei aumentar o interesse na questão da continuidade do
imperialismo intelectual nos diversos domínios da atividade humana. O seguinte foi
sugerido, em uma publicação em Londres:
tornar uma força moribunda. As forças que lançou e criou ao longo dos séculos
ainda estão se movendo ativamente para crises e distúrbios (Alatas, 1956).
Não tenho tempo e espaço para fornecer, aqui, documentação factual sobre o impacto
abrangente do imperialismo intelectual. Devo restringir-me a alguns exemplos.
A continuação do imperialismo, apesar do desmantelamento desse edifício político após
a independência dos países asiáticos e africanos após a Segunda Guerra Mundial é outra
tentativa de controle e dominação, mas não na forma política anterior. A tendência
imperialista no Ocidente, atualmente, opera dentro de um cenário pluralista. Tem outras
forças para lutar no Ocidente, forças que não querem reviver o imperialismo. Não
sugiro aqui que toda a civilização ocidental esteja revivendo o imperialismo intelectual
para substituir o imperialismo que foi desmantelado após a Segunda Guerra Mundial.
O imperialismo intelectual atual é uma dimensão da civilização ocidental que provou
ser a mais desenvolvida, a mais dominante e a mais poderosa hoje. Tem o papel mais
importante no destino da humanidade neste momento. O resto do mundo tem um alto
grau de dependência da assistência do Ocidente. Por conseguinte, é crucial que o resto
do mundo esteja apreensivo de certos elementos negativos que possam perpetuar certos
efeitos negativos da antiga forma política do imperialismo. Um desses elementos
negativos é o imperialismo intelectual. Como o imperialismo político, a primeira
estratégia é destruir a autoconfiança das pessoas subjugadas. Posteriormente, o
condicionamento os prepara para aceitar a subjugação. O imperialismo intelectual faz o
mesmo. Assim como a aceitação do imperialismo pode derivar do condicionamento
inconsciente, de modo que a tentativa de dominação pode não ser percebida como
imperialismo.
As opiniões de muitos pensadores e estudiosos de grande reputação são instâncias de tal
imperialismo intelectual. O Ocidente é mantido alto enquanto o resto do mundo é
depreciado. Algumas opiniões são sutilmente expressas enquanto outras são brevemente
apresentadas. Básico ao imperialismo intelectual é o racismo ou etnocentrismo a ele
subjacente. Mesmo gigantes intelectuais proeminentes como Marx e Engels não
estavam livres de etnocentrismo do tipo agressivo e depreciativo (Alatas, 1977: 234-35).
O mesmo pode ser o pensamento dos pensadores revolucionários russos, como Belinsky
e Herzen. Belinsky atribuiu a degradação da Rússia ao asiatismo implantado pelos
tártaros. Entre outros, os traços dominantes deste asiatismo eram a corrupção, preguiça
mental, ignorância e autodesprezo, em comparação com o europeismo, o oposto direto
(Belinsky, 1956: 127).
Esta visão do mundo não-europeu inferior era dominante antes da Segunda Guerra
Mundial. Não era inferioridade em ciência e tecnologia que era enfatizada, mas em
cultura, religião, moralidade e intelecto. A tendência atual do imperialismo intelectual,
embora já não expressa em termos de controle político, continua a sobreviver em
círculos de grande influência. Um exemplo foi o muito aclamado humanitário e
vencedor do Prêmio Nobel, Albert Schweitzer. Muitas de suas obras sobre o
colonialismo e a espiritualidade inferior do mundo não-ocidental foram publicadas antes
da Segunda Guerra Mundial, mas foram traduzidas e distribuídas em todo o mundo em
várias línguas com a sua benção. Ele morreu em 1965. Recebeu o Prêmio Nobel em
1952 e vários outros prêmios de diferentes governos.
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Não se pode evitar a impressão de que Schweitzer criou uma caricatura do budismo sob
a aparência de uma análise penetrante. Como podemos dizer que aqueles monges e
leigos budistas que se queimaram até a morte pela causa da verdade e da justiça, como
aconteceu no Vietnã durante a Guerra do Vietnã, não agiram para o bem dos outros? A
sua ação era não-atividade? Milhões de budistas estiveram envolvidos em conflitos
políticos intensos em busca da ordem política e social correta, o que indica sua séria
preocupação pelo bem-estar da sociedade - e sinaliza uma afirmação, não uma negação,
da vida.
No entanto, não é nossa intenção revisar criticamente o que Schweitzer escreveu sobre
civilizações não-ocidentais. Estamos preocupados com a estrutura de pensamento do
imperialismo intelectual. Essa estrutura arquitetônica é comum entre os imperialistas
intelectuais. A seguir estão os fundamentos dessa estrutura: (1) O mundo não-ocidental
tem um grau limitado de competência e criatividade; (2) Precisa das mãos orientadoras
do Ocidente para desdobrar essa habilidade limitada; (3) É receptivo à compaixão do
Ocidente como quando um homem mais jovem está disposto a aceitar o conselho de
uma pessoa mais velha e mais experiente; (4) Não deve ser deixado sozinho para
experimentar coisas desconhecidas ou estranhas ao Ocidente; (5) Tudo o que conseguiu
no passado foi incompleto e seriamente defeituoso; (6) Os padrões do mundo não-
ocidental não podem ser aplicados para medir o Ocidente. Somente o Ocidente pode
medir-se e é o Ocidente que pode medir outras civilizações além das que lhes são
próprias.
O que está acima são alguns dos principais pilares do pensamento do imperialismo
intelectual. Esta base existe há séculos, perpassando inúmeras e diferentes gerações,
pelo menos a partir do século XVIII. Ler Schweitzer me lembrou Thomas Stamford
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4 O problema de uma tradição autônoma nas ciências sociais é discutido em Alatas (1979).
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Azad, com grande vigor intelectual e percepção digna de um bom sociólogo, questionou
e analisou criticamente o conceito de minoria aplicado aos muçulmanos da Índia. Ele
considerou isso uma tentativa de dividir os hindus e os muçulmanos da Índia. Ele lutou
contra esse conceito a partir de 1912, em seu semanário al-Hilal e o reviveu durante seu
discurso presidencial no congresso de Ramgarh do Partido do Congresso, em 1940. Ele
explicou:
Politicamente falando, a palavra minoria não significa apenas um grupo que é
numericamente menor e, portanto, tem direito a uma proteção especial. Significa um
grupo que é tão pequeno em número e tão carente de outras qualidades que dão
força, que não tem confiança em sua própria capacidade de se proteger do grupo
muito maior que o rodeia. Não basta que o grupo seja relativamente menor, mas
deve ser absolutamente tão pequeno que é incapaz de proteger seus interesses.
Assim, esta não é apenas uma questão de números; outros fatores também contam.
Se um país tiver dois grandes grupos com um milhão e dois milhões,
respectivamente, não quer dizer, necessariamente, que o fato de ser a metade do
outro implica chamar-se politicamente de uma minoria e se considerar fraca. (Desai,
1946:115).
Azad argumentou ainda mais. Se o hinduísmo tivesse sido a religião da Índia por vários
milhares de anos, o Islã estava na Índia há mil anos. O cristianismo também deve ser
considerado uma religião da Índia (Desai, 1946:115). Seria errado anexar a palavra
"minoria" ao Islã e ao cristianismo na Índia, apenas por causa de seus números. No
entanto, a força da palavra introduzida pelos círculos britânicos envolvidos com a
política indiana dominou a resistência oferecida por líderes como Azad. Ironicamente,
foi Jinnah quem finalmente acreditou que os muçulmanos da Índia não eram uma
minoria, mas uma nação em si mesma. Em 26 de março de 1940, como presidente da
Liga Muçulmana, Jinnah declarou a ideia do Paquistão como um estado muçulmano
separado.
Os exemplos acima demonstram o papel significativo do imperialismo intelectual como
uma força na moldagem de opiniões na direção escolhida pelo poder imperial. Este
último conseguiu manipular a dissensão entre certos grupos de hindus e muçulmanos
usando as armas intelectuais de ideias, conceitos e interpretação da história. Esta era
uma realidade sociológica geralmente ignorada pelos historiadores subsequentes,
particularmente os do exterior. Alguns que estão cientes, evitam o assunto por medo de
serem acusados de escrever uma história propagandística barata contra o imperialismo.
Também é difícil obter dados com facilidade e eficiência, já que muitos deles eram
produtos de motivações secretas e ações dissimuladas difíceis de aceitar como materiais
históricos claros.
Além do imperialismo intelectual com implicações políticas diretas, temos aquele com
implicações sociais e culturais que eventualmente assumem a liderança. Em sua
excelente análise das percepções históricas da Índia antiga por estudiosos europeus e
indianos, Romila Thapar revelou que foi James Mills, em sua História da Índia
Britânica, que lançou os alicerces da interpretação comunitária da história indiana, ao
mesmo tempo em que justificava a teoria das duas nações. Ele foi o primeiro a dividir a
história indiana em três períodos: as civilizações hinduísta, muçulmana e britânica.
(Thapar, 1977:4)
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O livro teve uma grande influência na Índia do século XIX. Mills era severamente
crítico da cultura hindu e era mais simpatizante da civilização muçulmana. Isso, disse
Romila Thapar, fez com que os orientalistas e mais tarde os historiadores indianos
defendessem a civilização hindu até o ponto de glorificar excessivamente o antigo
passado. O período muçulmano foi considerado como um declínio. Foi argumentado
que, durante este chamado período muçulmano, começou a evolução de duas nações,
hindu e muçulmana (Thapar, 1977:7). Assim, a partilha da Índia foi o resultado lógico.
A intrusão acadêmica no mundo da história indiana, que não foi desenvolvida
fervorosamente, pelos eruditos coloniais, efetuou uma falsificação da história indiana. A
mesma periodização, a mesma glorificação do passado pré-islâmico e a mesma
falsificação ocorreram no campo da história indonésia, apresentada pelos historiadores
coloniais holandeses.
Entre as falsificações observadas por Thapar estava a ênfase exagerada da
espiritualidade na cultura indiana. Essa ideia, comparativamente recente, foi proposta
por aqueles que procuravam a utopia na Índia antiga e por aqueles que a consideravam
uma maneira eficaz de proteger a mente dos indianos da industrialização, do
desenvolvimento tecnológico e do domínio estrangeiro. Thapar então chama a atenção
para a nossa mente cativa, observando que “a ideia foi ansiosamente retomada por
estudiosos indianos que encontraram nela um contrapeso ideal para sua humilhação de
serem subservientes a uma força estrangeira" (Thapar, 1977:13).
O indiano antigo, ou visitantes, como os gregos e os árabes, nunca perceberam qualquer
sentido significativo da espiritualidade, diferente de qualquer outra sociedade. Essa foi
uma dessas criações intelectuais do imperialismo.
Da mesma forma, evitando certos temas: a natureza dos conflitos na Índia antiga
raramente foi estudada por historiadores indianos. As referências à tensão foram
atenuadas. No entanto, o foco entusiasmado no conflito foi direcionado ao período
hindu-muçulmano, que começou no século XIII (Thapar, 1977:21,22)
A representação de apenas governantes muçulmanos como promotores de conflitos foi
outra distorção da história. Outro problema foi a falta de uma abordagem consistente na
escrita histórica. Thapar chamou a nossa atenção:
Mahmud de Ghazhi é principalmente associado na maioria das histórias padrão
como o despojador de templos e o destruidor de ídolos. A explicação para esta
atividade é facilmente fornecida pelo fato de que ele era um muçulmano - supondo
que só um muçulmano despojaria templos e destruiria ídolos, uma vez que a religião
islâmica se opõe à adoração de ídolos. Existe outra suposição nisso de que todos os
governantes muçulmanos poderiam ser destruidores de ídolos, a menos que outros
fatores os impedissem. Pouca tentativa é feita para procurar mais explicações sobre
o comportamento de Mahmud. Outros motivos podem ser encontrados quando
alguém se volta para a tradição dos reis hindus e pergunta se algum deles era
despojador de templos e ídolos. Aqui encontramos o caso de Harsha, um rei da
Caxemira do século XI, para quem o despojamento dos templos era uma atividade
organizada e institucionalizada (Thapar, 1977:15,16).
Esta generalização não é válida. Se Weber tivesse se esforçado para estudar o Profeta do
Islã e a história islâmica, descobriria que a autoridade carismática de Maomé não era
especificamente irracional nem anti burocrática. O Profeta do Islã estabeleceu as bases
de um sistema de direito adotado por bilhões no decorrer de um milênio e meio,
juntamente com numerosas regras de vida, organizadas racionalmente. Assim, no seu
caso, o carisma, a lei e as regras são encontradas em uma combinação. Eles não são
antitéticos.
Além disso, o status lógico do conceito pode ser questionado. É verdade que as
qualidades carismáticas são muitas vezes consideradas como derivadas de origem divina
ou como exemplares e não acessíveis para a pessoa comum. Weber, no entanto, reuniu
sob líderes carismáticos diferentes tipos de seres humanos, incluindo o berserk, o
epiléptico e o profeta da revelação. Do ponto de vista fenomenológico tal conceituação
é problemática (Alatas, 1991:244-50)
Emancipação intelectual
Da natureza do problema gerado pelo imperialismo intelectual, é óbvio que um
movimento de emancipação intelectual deve ocorrer. Aqui também existem as formas
paralelas de condições entre a nossa situação atual e o passado colonial. Akinsola
Akiwowo, conhecido sociólogo nigeriano, lamentou a dependência dos sociólogos
africanos e o cativeiro mental por seus colegas norte-americanos. Eles mostram mais
respeito e admiração aos sociólogos norte-americanos e europeus do que aos seus
colegas. Eles também ignoravam o excelente trabalho realizado por seus próprios
colegas dentro e fora de seus próprios países (Akiwowo, 1980: 62-63)
Akiwowo descobriu que os sociólogos africanos não estavam alienados de suas
respectivas pátrias. Eles estavam muito envolvidos na política, na crítica social e no
sindicalismo. “No entanto,” Akiwowo inferiu, “os cientistas sociais africanos diferem
essencialmente de seus homólogos europeus em sua habilidade de demonstrar
capacidade para construir modos de explicação africanos relevantes para sua
preocupação diária como cientistas sociais em seus países de origem, como sociólogos
na Europa e América do Norte fizeram para os seus países.” (Akiwowo, 1980:66).
O fenômeno da mente cativa, embora não idêntico em particularidades, é generalizado.
No Décimo Congresso Internacional de Ciências Antropológicas e Etnológicas, Nova
Deli, de 10 a 21 de dezembro de 1970, apelei para o estabelecimento de uma tradição
asiática de ciências sociais. Uma das condições essenciais para uma tradição a
desenvolver é possuir o elemento combativo pronto para refutar generalizações
errôneas, interpretações, levantamentos de problemas, conceituações, metodologias e
domínio inadequado de dados e compreensão do contexto sociocultural histórico
(Alatas, 1979). Quando isso for realizado, uma reconstrução criativa das ciências sociais
na direção de uma tradição autônoma e independente pode ocorrer.
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