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5.jan.

2017 às 10h35

‘Reinações de Narizinho’ completa


86 anos: ‘Lobato é um clássico e vai
permanecer’, diz Marisa Lajolo

Bruno Molinero

Quando “Reinações de Narizinho” foi lançado no Brasil, em 1931, Getúlio


Vargas estava no poder e o atual presidente Michel Temer ainda nem era um
projeto –Temer nasceria apenas em 1940. Naquele início de anos 1930, a
Orquestra Colbaz fazia fama com “Tico-Tico no Fubá”, enquanto Noel Rosa
estourava no Carnaval com o samba “Com que Roupa?”. No cinema, Charlie
Chaplin estreava o seu “Luzes da Cidade”. E o Cristo Redentor era finalmente
inaugurado no Rio.

Todos eles marcaram a história de alguma forma, a ponto de serem


lembrados ainda hoje. Mas, com exceção talvez do Cristo, que ainda segue
firme e forte no Corcovado, os demais indiscutivelmente ocupam um lugar
mais no passado do que no presente –vamos combinar que praticamente
ninguém sai por aí ouvindo que “o tico-tico tá comendo meu fubá” no fone de
ouvido do iPod (pode-se até comer outras coisas na música brasileira atual,
mas fubá não mais).

A exceção é “Reinações de Narizinho”.


A obra de Monteiro Lobato completou 85 anos em 2016 e segue presente
na vida de adultos e crianças, que ainda veem o livro figurar na lista de
leituras obrigatórias das escolas e assistem ao Sítio do Picapau Amarelo na
televisão. A editora Globinho segue reeditando a obra de Lobato e, em 2016,
lançou uma edição de “Reinações” ilustrada por Guazzelli. Em 2014, a
Biblioteca Azul (também selo da Globo) publicou uma edição que recupera as
ilustrações originais da história.

“Pode-se dizer que foi a partir de ‘Reinações’ que Lobato se consolidou como
escritor”, afirma Marisa Lajolo. A professora, pesquisadora e atual
curadora do prêmio Jabuti é autora do livro “Monteiro Lobato – Um
Brasileiro sob Medida” (ed. Moderna) e coordenou atividades de pesquisa na
Unicamp relacionadas ao acervo do escritor.

Na entrevista abaixo, ela fala sobre Lobato, o prêmio Jabuti, a produção atual
de literatura para crianças e o cenário do livro digital no Brasil. Confira.

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Lobato, 44 anos, Purezinha e os filhos Marta, Edgard,


Guilherme e Ruth, 1926 Coleção Família Monteiro
Lobato

*
NOME Marisa Lajolo // IDADE 72
// PROFISSÃO professora,
pesquisadora e curadora do prêmio
Jabuti (Foto: Bruno
Poletti/Folhapress)

Qual a importância de “Reinações de Narizinho” para a obra de


Monteiro Lobato?

Marisa Lajolo – Nos anos 1920, Lobato começou a escrever pequenos


livros, com histórias curtas. “Reinações de Narizinho” é uma junção dessa
produção –por isso, dá a sensação de os capítulos serem quase
independentes. Como a obra foi comprada pelo Governo de São Paulo na
época, ela conseguiu uma distribuição grande para os padrões da época, não
apenas na capital, mas também no interior. Pode-se dizer que foi a partir daí
que Lobato se consolidou como escritor.

Qual o segredo de Lobato? Por que seus livros são lidos até hoje?

Há duas hipóteses. A primeira é que ele teve herdeiros e editores muito


zelosos de sua obra. A segunda é que ele era bom e que os seus livros são
bons. Eu fico com essa segunda. Lobato já é um clássico e vai permanecer.
O curioso é que essa permanência acontece mais na literatura infantojuvenil.
Lobato tem livros maravilhosos para adultos, que mereceriam reedições
sofisticadas. Acontece que ele investiu menos nessas histórias, escreveu
menos para adultos. Isso mostra também a sua precocidade. Hoje, a literatura
infantil é um dos três segmentos mais importantes da cadeia do livro. Você
tem os religiosos, os didáticos e os infantis. Lobato percebeu que isso poderia
acontecer e investiu.

Ele é o “ancestral comum” de toda a literatura infantojuvenil


brasileira?

Se você perguntar a qualquer grande autor brasileiro de literatura


infantojuvenil, todos vão dizer que leram Lobato na infância ou depois de
crescidos. O Walcyr Carrasco, a Lygia Fagundes Telles, diversos bons
escritores sempre citam Monteiro Lobato como o despertar para o universo
do livro. Ele é uma figura muito presente na vida cultural brasileira. Hoje há
muita gente boa escrevendo graças a ele.

Há quem o retrate como um escritor moderno, à frente do seu


tempo. Enquanto outros pintam Lobato como um grande
conservador. Ele é uma figura controversa?

O Lobato era moderno. Ele se autoeditava e tinha um conhecimento muito


amplo da cadeia do livro. Sabia da importância do leitor, do editor, do
vendedor. Mais tarde, depois do “Reinações de Narizinho”, ele escreveu uma
circular para comerciantes de pequenas cidades do interior do Brasil que
dizia mais ou menos o seguinte: “Eu faço livros. O senhor vende remédios.
Como os dois produtos não são incompatíveis, posso enviar um pacote de
livros para que eles sejam vendidos no seu estabelecimento”.

Com isso, ele penetrou no Brasil –coisa que pouco aconteceu depois dele.
Lobato tinha uma visão mercadológica extremamente moderna, ao mesmo
tempo que mantinha uma capacidade imaginativa fantástica.
Tem um livro dele interessante nesse aspecto, chamado “O Picapau Amarelo”.
Todas essas histórias que fazem sucesso hoje, repletas de heróis misturados,
fanfics, filhas de princesas do “Ever After High”… Tudo isso está nesse livro.
Nele, personagens como Peter Pan, Chapeuzinho Vermelho e Dom Quixote se
mudam para o Sítio do Picapau Amarelo. É fantástico.

Mas claro que teve alguns problemas, sobretudo na linguagem. Ele escreve o
português coloquial dos anos 1930 e 1940. Mas nada que um adulto culto,
lendo com uma criança, não resolva. Ou um professor interessado.

Mas ele levantou muitas polêmicas também. E levanta ainda hoje,


como essa questão do racismo, por exemplo.

Ele foi um pouco punido pela briga com os modernistas. Ele não entendia o
futurismo, brigou com a Anita Malfatti. Isso é uma coisa que, em certo
sentido, atrapalhou a figura dele nos meios mais intelectualizados, na
academia. Mas, por outro lado, pode tê-lo aproximado do gosto mais popular,
distante das vanguardas artísticas.

Mais recentemente, houve essa questão do racismo. Brasília decidiu que a


obra dele é racista e resolveu expurgá-la das livrarias e das escolas. Ou então
acrescentar notas de rodapé. Acho ambas as soluções desastrosas. Primeiro,
porque calar o racismo não acaba com esse tipo de comportamento –pode até
torná-lo mais sedutor, já que é proibido. E colocar explicações no rodapé é
infeliz. Todos os grupos que reivindicam notas dessa natureza supõem que
leitores e crianças são débeis mentais que vão sair imediatamente por aí
fazendo aquilo que consta no livro.

O exemplo radical dessa desconfiança está na mudança da letra do “Atirei o


Pau no Gato”. Hoje eles cantam para não atirar o pau no gato. Como se o
menino fosse sair maltratando animais simplesmente por ouvir a música. Ou
seja, nós caímos sempre na instância do autoritarismo –o que pode ou não
pode ser lido, dito, feito.

O que ninguém percebe é que, no final de “Caçadas de Pedrinho”, por


exemplo, a Tia Nastácia fala para a Dona Benta: “Negro também é gente,
Sinhá”. Ela atesta a sua identidade, a sua igualdade. O próprio livro trabalha a
questão. Com tudo isso, não quero dizer que Lobato não seja preconceituoso.
Ele era um típico homem dos anos 1930 que vivia em São Paulo, com todo
aquele imaginário que vinha da escravidão.

Sem notas de rodapé, como trabalhar essas questões com as


crianças de hoje?

Com pais e professores. A gente vive um bom momento para discutir o


patrulhamento da produção intelectual e cultural do país. Todos os último
editais do MEC para compra de livros eram muito rígidos em relação ao que a
literatura podia ou não podia falar. Como o governo vinha se estabelecendo
como o grande comprador de obras infantojuvenis no Brasil, isso influenciou
toda a produção para crianças e adolescentes nos últimos anos. Vamos ver
como vai ser daqui para frente, com a diminuição das compras estatais.

Vivemos uma ditadura do politicamente correto nos livros para


crianças?

Certamente. O termo é exatamente esse.

O que, de um ponto de vista histórico, não é uma novidade. No século 19,


você tinha outras ditaduras nos livros: da igreja católica, do culto aos heróis
pátrios, das boas maneiras à mesa. A literatura infantil está sempre à mercê
de quem paga a conta. Existe um velho ditado que diz: “Quem paga a música
escolhe a dança”.

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É nesse livro que surgem Emília, Narizinho e todo o
Sítio do Picapau Amarelo. O novo Reinações de
Narizinho (R$ 49,90) resgata essas histórias e os
desenhos das primeiras edições da obra. Divulgação

O Prêmio Jabuti deste ano assistiu a uma queda no número geral


de inscritos. Mas a categoria Infantil teve um pequeno aumento:
de 205 para 213 concorrentes.

Esperávamos algo pior. Mas a categoria infantil sempre surpreende, tem


muitos inscritos.

Há um exagero no número de livros publicados para crianças no


Brasil?

Publica-se muito, muito. É gigantesco.

Eu me pergunto para onde vão todos esses livros. Porque, além da variedade
de títulos, a tiragem é um pouco exagerada também.

E a categoria Infantil Digital? Ela teve menos inscritos neste ano,


caiu de 40 para 16. A existência dela é um reflexo do mercado ou
uma tentativa de incentivar editoras a produzirem mais livros
digitais?

A Infantil Digital foi incluída no ano passado, quando teve um número


razoável de inscrições. Neste ano, a gente entrou quase em pânico, porque
realmente despencaram. Mesmo esses poucos inscritos vieram depois de um
esforço monumental, com pessoas ligadas ao prêmio telefonando para que as
editoras inscrevessem suas obras.

Aí eu descobri uma coisa: quem produz livro digital hoje no Brasil não é a
grande editora, que tem uma relação com a CBL [Câmara Brasileira do Livro,
que promove o prêmio]. São microempresas, é o cara que montou uma start-
up no fundo do quintal da casa dele. Foi um erro de divulgação do Jabuti.
Neste ano, queremos investir no diálogo com esses grupos. É
importantíssimo que a gente valorize esse tipo de obra.

Porque ela traz ferramentas que o livro de papel não tem, como a
interatividade, a possibilidade de o leitor fazer parte da história. Por isso que
começamos premiando o infantil digital –ele é mais sofisticado que o adulto.
No mundo todo é assim. Os últimos premiados em Bolonha são primorosos.

Mas muitos digitais lançados ainda são meros PDFs. Poderiam


estar no papel.

Concordo. O Brasil está quatro séculos atrasado na cadeia do livro em relação


à Europa. Gutenberg é do século 15. O Brasil só foi ter imprensa no século 19.
Nós fazemos milagres.

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