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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Faculdade de Serviço Social

Elizia Januario da Silva

Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica

Rio de Janeiro
2014
Elizia Januario da Silva

Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Serviço Social, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Trabalho e Política Social.

Orientador: Prof. Dr. Mario Duayer de Souza

Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CCSA

S586 Silva, Elízia Januario da.


Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica / Elizia Januario da
Silva. – 2014.
90 f.

Orientador: Mario Duayer de Souza.


Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Serviço Social.
Bibliografia.

1. Marxismo – História e crítica – Teses. 2. Socialismo – Teses. 3. Serviço


social – Formação profissional – Teses. I. Duayer, Mario. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III. Título.

CDU 329.14

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação desde que citada a fonte.

_____________________ ____________________
Assinatura Data
Elizia Januario da Silva

Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para obtenção do título de Mestre, ao
Programa de Pós-Graduação em Serviço
Social, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Trabalho e
Política Social.

Aprovada em 16 de dezembro de 2014.


Banca Examinadora:
______________________________________________
Prof. Dr. Mario Duayer de Souza (Orientador)
Faculdade de Serviço Social - UERJ

______________________________________________
Prof.ª Dra. Rosangela Nair de Carvalho Barbosa
Faculdade de Serviço Social - UERJ

______________________________________________
Prof. Dr. Luis Eduardo Acosta Acosta
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2014
DEDICATÓRIA

Dedico à minha família e aos meus amigos.


AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma síntese emocional em reconhecimento aos gestos de carinho, amor e


respeito. E, primeiramente vem à cabeça a paciência de uma mãe forte e guerreira,
obviamente, a minha.
Mas há aqueles que dividiram seu tempo comigo e que desfrutei com preciosidade
indescritível, e, estes são meus bons amigos que guardo no coração. São Eles (a): Eliete
(irmã), Aline Lourenço, Maria Adriana, José Ciro, Elizabeth Candido, Cecília Luiz, Jane
Barros e André Gonçalves. Há aqueles que eu também conquistei ao longo dessa jornada;
Daiane Machado e Thiago Sobral que me incentivaram cuidadosamente a continuar quando
muitas vezes perdi as forças.
A banca convidada representada pela Rosângela Barbosa e Luiz Acosta expressam aqui,
respectivamente, o que foi para mim o melhor da UERJ, em termos de aprendizagem, e a
satisfação que a formação acadêmica da UFRJ me favoreceu, em termos de crítica.
Ao orientador, que assumo ter tido muitíssima sorte e embora desconfie que não tenha
sido o mesmo para ele, agradeço pelo enorme trabalho despendido comigo (). Mas posso
afirmar que tive a oportunidade de conhecer um verdadeiro crítico social que foi capaz de me
fazer repensar a crítica que tenho do mundo, até então, medíocre. Dele levarei tantas críticas,
aliás, bem consideráveis para o resto da vida e pretendo devolvê-las com a qualidade devida,
pois acredito que o satisfaria como a mim também.
Agradeço também a tantos outros que contribuíram neste momento historicamente
específico.
RESUMO

SILVA, Elizia Januario da. Considerações sobre o marxismo tradicional e sua crítica.
2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Este trabalho discorre sobre as causas do fracasso do socialismo realmente existente e


por extensão elabora uma crítica consistente ao marxismo tradicional. A crítica incide
precisamente na ênfase que se dá às categorias de exploração, propriedade privada e mercado,
tidas como essenciais na determinação do capitalismo. Seguindo a lógica, estas formulações
críticas possibilitam certo cotejamento no interior da produção teórica do serviço social ao
restaurar a dimensão efetivamente crítica do pensamento marxista. Nessa perspectiva,
discutiremos as influências da corrente aqui criticada nas elaborações da categoria
profissional a fim de explorar os debates manifestos dentro do universo marxista. Em último
caso, busca oferecer outras perspectivas teóricas no interesse de contribuição epistemológica.

Palavras-chave: Socialismo realmente existente. Marxismo tradicional. Serviço social.


ABSTRACT

SILVA, Elizia Januario da. Considerations about the traditional Marxism and your
critical. 2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

This paper discusses the causes of the failure of really existing socialism and by extension
prepares a consistent critique of traditional Marxism. The Critical focuses precisely in the
emphasis that is given to the categories of exploitation, private property and the market, seen
as essential in determining capitalism. Following this logic, the critical formulations allow
certain mutual comparison the theoretical production of social work. Thus, compares
influences of current here criticized in the elaborations of the profession in order to explore
the manifests debates into the Marxist universe. Ultimately, offers other theoretical
perspectives on epistemological contribution of interest.

Keywords: Really existing socialism. Traditional marxism. Social work.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................09

1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS ...........................................................................12

1.1 Concepção de Moishe Postone ...........................................................................12


1.1.1 O fracasso do socialismo real ..............................................................................12
1.1.2 A especificidade histórica da sociedade moderna ...............................................12
1.1.3 O trabalho abstrato: o fundamento das relações sociais capitalistas ...................14
1.1.4 A essência da crítica inicia pela categoria do valor .............................................16
1.1.5 A reinterpretação da teoria marxiana é uma crítica ao trabalho no capitalismo .18
1.1.6 As fragilidades teóricas do marxismo tradicional ...............................................20
1.1.7 Crítica do ponto de vista do trabalho não supera o capitalismo ..........................22
1.1.8 A redução da teoria de Marx pelo marxismo tradicional ....................................24
1.2 Concepção de Robert Kurz ...............................................................................27
1.2.1 Não houve vitória do capitalismo ........................................................................27
1.2.2 O trabalho como uma “máquina” que traz em si sua própria finalidade .............28
1.2.3 Crise da sociedade de trabalho: uma interpretação dos colapsos ........................30
1.3 Concepção de Michael Heinrich ......................................................................32
1.3.1 Teoria marxista: um distanciamento da teoria marxiana? ...................................33
1.3.2 As categorias classe e lutas de classes no marxismo ...........................................36
1.3.3 A controvérsia sobre a teoria do valor .................................................................39
1.3.4 A forma de trabalho legaliza e legitima as nossas relações sociais .....................42
1.3.5 A valorização do capital não corresponde necessariamente ao crescimento do
Exército Industrial de Reserva .............................................................................44
1.4 Síntese analítica das críticas sobre o marxismo tradicional ..........................45

2 MARXISMO E SERVIÇO SOCIAL ................................................................48

2.1 Reificação capitalista – Uma especificidade histórica .....................................49


2.2 A reificação implica o fetichismo ......................................................................53
2.2.1 Ponto de inflexão em Lukács por Postone e Netto ..............................................57
2.3 As distintas interpretações entre Marilda Iamamoto e José Paulo Netto ....58
2.4 As duas teses do serviço social e a crítica de Postone ao marxismo
tradicional ...........................................................................................................62
2.5 Marxismo e Serviço Social: influências e análises ..........................................63

2.6 Serviço Social e sua perspectiva histórica .......................................................65

2.7 Manifestações da questão social: o objeto profissional do Serviço Social ....67

2.8 Trabalho e Serviço Social ..................................................................................72

2.8.1 O trabalho como categoria fundante ....................................................................72


2.8.2 A exploração do trabalho não pode ser sinônimo de pauperismo .......................74
2.8.3 Afinal, o que é o proletariado? ............................................................................76
2.8.4 O sujeito revolucionário e a prática profissional .................................................82
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................86

REFERÊNCIAS ...............................................................................................88
9

INTRODUÇÃO

Esta dissertação teve como objetivo inicial analisar as interpretações das causas do
fracasso do socialismo real. O desenvolvimento do trabalho acabou por provocar uma
inflexão no estudo, que a partir de um certo ponto, se concentrou nas críticas contemporâneas
ao assim chamado marxismo tradicional. Destas análises, foi possível discutir os tipos de
influência na literatura marxista, na produção teórica do serviço social.
As investigações sobre o que foi designado como socialismo realmente existente
resultaram em diferentes críticas à ortodoxia marxista, ao marxismo tradicional. Nesse
particular iremos dar destaque às contribuições de Moishe Postone, Robert Kurz, István
Mészáros e Michael Heinrich. A meu ver, o trabalho desses autores não só oferece uma
explicação objetiva e convincente das razões daquele fracasso, mas, sobretudo, contribuem
para restaurar a dimensão crítica do pensamento marxiano.
Tendo em vista o objetivo deste trabalho foi possível delinear o que seria uma
tentativa de restaurar a dimensão efetivamente crítica do pensamento marxiano e, de modo
geral, explorar especificamente qual seria o desdobramento dessa restauração crítica na teoria
e prática do Serviço Social. Em outras palavras trata-se de indagar sobre as ressonâncias da
contribuição daqueles mesmos marxistas na produção teórica da profissão.
Restaurar a dimensão crítica da análise marxiana da sociedade moderna parece tudo
menos irrelevante, ou anacrônica. Em particular, como sublinhado pelos autores citados
acima, a relevância da categoria valor é cada vez indisputável: organiza a vida social sob o
capital em torno do trabalho e, ao mesmo tempo, requer cada vez menos trabalho (vivo) para
acionar uma massa crescente de capital. Em outras palavras, na sociedade em que o trabalho é
central prescinde-se progressivamente do trabalho, contradição explorada em suas distintas
dimensões na obra daqueles autores. Contradição que aparece sob a forma de crise estrutural
do capital, ou da sociedade de trabalho, cujos reflexos manifestam-se nos altos índices de
desemprego, subemprego e ocupações “informais” e na consequente exigência de políticas
sociais emergenciais.
É possível identificar na produção teórica do serviço social formulações muito
próximas daquelas que são objetos das críticas ao marxismo tradicional elaboradas pelos
10

autores acima mencionados. E a crítica incide precisamente na ênfase que se dá às categorias


de exploração, propriedade privada e mercado, tidas como essenciais na determinação do
capitalismo; e ao mesmo tempo a negligencia com a especificidade de dominação social do
capitalismo.
A expectativa que essa dissertação persegue, com a devida modéstia que possa
contribuir para o exame do referencial teórico do Serviço Social no Brasil e as práticas sociais
que inspira. Talvez seja interessante examinar em que extensão a profissão sofre, se for esse o
caso, a influência daquilo que os autores mencionados denominam de marxismo tradicional e
o seu peso na construção do novo projeto profissional. Seria igualmente relevante perguntar
sobre sua influência no projeto ético-político que aciona uma prática profissional pautada pela
ideia de emancipação social própria da tradição marxista e que, no cotidiano, se resolve numa
prática mediadora entre os usuários atingidos pelas mazelas sociais e as políticas sociais.
A relevância deste estudo é simples: se a crítica à sociedade capitalista elaborada por
Marx captura com objetividade as misérias sociais que esse modo de produção, em sua
dinâmica, necessariamente produz, e em fragrante contradição com o vertiginoso aumento da
produtividade do trabalho social que gera, continua válida a perspectiva de outra forma social,
uma forma mais digna do humano. No entanto, o fracasso do socialismo real presumidamente
demonstrou a impossibilidade de tal perspectiva. Por essa razão, uma análise crítica do
“socialismo real” é pressuposto fundamental para reafirmar a possibilidade de superação da
forma social posta pelo capital. A necessidade dessa superação, prescindindo do diagnóstico
teórico marxiano, a provam de maneira cada vez mais flagrante as terríveis condições de vida
da maior parte da população mundial, os graves e crescentes problemas ecológicos e,
implicando tudo isso, a subordinação da humanidade à dinâmica descontrolada de seu produto
como capital.
Essa dissertação esta organizada em dois capítulos. O primeiro capítulo delineia o
referencial teórico, expõe algumas interpretações das causas do fracasso do socialismo real e a
crítica ao marxismo tradicional com base nas formulações de Postone, Kurz, Mészáros e
Heinrich. Em resumo, esses atores procuram, no interior da tradição marxista, respostas
razoáveis do que causou o fracasso e sugere que uma das causas pode ser localizada nas
interpretações distorcidas da obra marxiana.
O segundo capítulo procura investigar a partir das críticas supracitadas a extensão da
influência das formulações do marxismo tradicional na constituição do referencial teórico do
serviço social. Sob essa ótica, sendo válidas as críticas ao marxismo tradicional, é possível
identificar ideias das correntes criticadas na produção teórica do serviço social. Nesse
11

processo, pretende-se refletir sobre questões, tais como: as perspectivas abertas por essa nova
dimensão crítica alteram substancialmente a prática profissional? Criam novas possibilidades,
novos objetivos? Em resumo: com tal propósito o capítulo destaca algumas categorias
privilegiadas pelo Serviço Social, em particular o objeto profissional, a saber, a “questão
social” e suas manifestações, na relação capital/trabalho. Discute a prática profissional, tendo
em vista, os debates contemporâneos sobre a natureza do proletariado e suas modificações
buscando compreender a relação interventiva dos assistentes sociais com os seus usuários.
12

1 CONCEPÇÕES TEÓRICAS

1.1 Concepção de Moishe Postone

1.1.1 O fracasso do socialismo

O fracasso do socialismo real é um fato e a queda do muro de Berlim representou seu


marco. Como diz Kurz (1992), o socialismo já está morto e enterrado sem cerimônia. Do
episódio resultou a descrença em um futuro alternativo, além de também ter instaurado uma
crise no marxismo e nos partidos de esquerda. Nesse sentido, é necessário entender as causas
do fracasso do socialismo e, talvez, da própria concepção de socialismo que inspirou o
chamado socialismo real. Moishe Postone, Robert Kurz, István Mészarós e Michael Heinrich
oferecem, a nosso ver, uma contribuição inestimável para entender os principais problemas da
experiência fracassada.

1.1.2 A especificidade histórica da sociedade moderna

Baseado na obra de Marx, o teórico e crítico Postone (2003) propõe uma interpretação
sobre as causas do fracasso do socialismo do século XX. O seu objetivo consiste em efetuar
uma reinterpretação da teoria crítica marxiana a fim de reconceituar a natureza do capitalismo
e apontar o que considera as fragilidades teóricas da interpretação hegemônica que ele
denomina de marxismo tradicional1.
Neste exame o autor fundamenta-se nas categorias centrais da crítica à economia
política de Marx reinterpretando-as à luz das relações sociais e das formas de produção que

1
Postone adverte que emprega a expressão marxismo tradicional para referir-se, de um modo geral, a todas as
abordagens teóricas que analisam o capitalismo do ponto de vista do trabalho e caracterizam esta sociedade,
essencialmente, em termos, de relações de classe, estruturadas pela propriedade privada dos meios de produção e
por uma economia regulada pelo mercado. (POSTONE, 2003, p. 4)
13

caracterizam a sociedade capitalista. Com base na apreensão tanto do caráter essencial quanto
do desenvolvimento histórico da sociedade moderna, o autor busca superar as dicotomias
teóricas no interior das interpretações da tradição marxista.
Postone (2003) sublinha primeiramente que a sociedade moderna é historicamente
específica e, portanto, que as relações sociais de interdependência são próprias deste tipo de
sociedade. Marx (1980) 2 mostra que a troca de mercadorias implica a interdependência entre
todos os sujeitos. O desenvolvimento da circulação de mercadorias, do mercado, que tem por
pressuposto uma complexa divisão social do trabalho, põe todos os indivíduos em contato
entre si. Esta interdependência generalizada dos sujeitos, em outras palavras, esta
interconexão cada vez mais impessoal e autônoma entre eles, marca a estrutura social
fundamentada no capital.
A estrutura social capitalista envolve um determinado tipo de trabalho, ou melhor,
uma forma específica de trabalho que ao longo deste estudo será examinado com mais detalhe
- o trabalho abstrato. Esta forma peculiar do trabalho é o que a sociedade moderna distingue
das outras sociedades pré-capitalistas. Com essa determinação, Postone, pretende resgatar a
noção de temporalidade, que permite uma substantiva crítica à dinâmica estrutural da
sociedade capitalista. Ele faz uma distinção entre a concepção transhistórica do trabalho
adotada pelo marxismo tradicional e o trabalho na sociedade capitalista que medeia as
relações sociais. A primeira compreende o trabalho como atividade social cujo objetivo
definido seria a mediação entre homem e natureza e que é comum a todas as formas de
sociedade. A segunda, antecipando o tratamento da categoria de trabalho abstrato salienta a
forma histórica específica do trabalho no capitalismo, em particular o duplo caráter do seu
produto, a mercadoria, que é valor de uso e valor, forma que constitui as relações sociais na
sociedade capitalista.
A certificação da forma peculiar do trabalho que compõe a sociedade moderna e
determina suas relações sociais constitui o ponto de partida para explicar o objeto da crítica –
a natureza do capitalismo – como veremos mais adiante. Crítica que, por conseguinte, permite
demonstrar as insuficiências teóricas do marxismo tradicional.

2
Ver MARX, K Mercadoria e Dinheiro in O Capital – Crítica da Economia Política, 1980 pág.(41-144).
14

1.1.3 O trabalho abstrato: o fundamento das relações sociais capitalista

A partir da análise da mercadoria, Marx (1980)3 examina o trabalho pelo seu “duplo
caráter” (concreto e abstrato). Ele refere-se ao trabalho concreto como a interação humana
com a natureza mediada pela atividade laborativa. O trabalho abstrato, por sua vez, não
significa somente trabalho geral, mas trata-se de uma categoria distinta. De acordo com
Postone, isso significa que o trabalho no capitalismo também possui uma dimensão social
exclusiva que não é intrínseca à atividade laborativa enquanto tal: ela medeia não só as
relações dos seres humanos com a natureza, mas também as relações sociais e, ao fazê-lo,
constitui uma forma de interdependência social nova, quase objetiva. Este caráter determina o
trabalho abstrato como uma função mediadora específica historicamente, que constitui a
“substância” do valor nas mercadorias.
De acordo com a obra marxiana, o trabalho neste tipo de sociedade não pode ser só
trabalho entendido transhistoricamente, mas sim como uma atividade socialmente mediadora
e historicamente específica. As objetivações que compreendem a mercadoria e o capital são
tanto produtos do trabalho concreto quanto formas objetivadas de mediação social. Com
efeito, essas objetivações tornaram as relações sociais que mais essencialmente caracterizam a
sociedade capitalista muito distintas das relações sociais qualitativamente específicas
(relações de parentesco ou de dominação direta) das sociedades pré-capitalistas. Entretanto,
estas últimas permanecem a existir no capitalismo sobrepostas por uma estrutura social nova e
subjacente de relações sociais, constituída pelo trabalho. Tais relações, conforme sublinha
Postone, têm um caráter peculiar, quase objetivo, e são dualisticamente caracterizadas pela
oposição entre uma dimensão abstrata, geral, homogênea e uma dimensão concreta, particular
e material. Duas dimensões que parecem ser “naturais”, e não sociais, e que, por sua vez,
escondem o caráter enigmático do trabalho. No interior destas relações sociais os sujeitos
produzem as próprias mercadorias, que assumem uma relação externa aos próprios sujeitos e
passam a ter vida própria, tornando-se figuras autônomas que mantêm relações entre si e com
os homens. Melhor dizendo, o trabalho abstrato materializado na mercadoria não aparece
expressando relações diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como
relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre coisas. (MARX, 1980)

3
MARX, K. O Capital - Crítica da Economia Política: Mercadoria e Dinheiro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira S.A, v. I, 1980. p. 41-105.
15

Essa forma peculiar de trabalho expressa o caráter abstrato da mediação social


subjacente ao capitalismo e distingue na forma dominante da riqueza-forma valor. Nesse
particular, Postone chama a atenção para o fato de que a “teoria do valor-trabalho” marxiana
não é uma teoria que justifica o trabalho como a única fonte social de riqueza, ou uma teoria
que pretende explicar o funcionamento do mercado e provar a existência da exploração. Ao
restaurar a crítica marxiana, o autor mostra que Marx distinguiu explicitamente o valor da
riqueza material, e que tal distinção é de extrema importância em sua análise. A riqueza
material é medida pela quantidade e variedade de produtos produzidos e depende de fatores
tais como: conhecimento, organização social e condições naturais, além do trabalho
naturalmente. O valor, por sua vez, é constituído somente pelo gasto de tempo de trabalho
humano e constitui a forma de riqueza dominante no capitalismo. Por essa razão, a riqueza
material é mediada por práticas sociais determinadas, o que faz do valor uma forma de
riqueza auto-mediadora.
Postone (2003) assinala que o que caracteriza o capitalismo é essa forma de mediação
social abstrata e historicamente específica. Em outras palavras, é uma forma de relações
sociais única, na medida em que é mediada pelo trabalho. Essa forma de mediação é
constituída por determinadas formas de prática social e, apesar disso, torna-se quase
independente das pessoas que são engajadas nessas práticas. O efeito é uma forma
historicamente nova de dominação social. Uma dominação que sujeita as pessoas a
imperativos e limitações estruturais, impessoais e crescentemente racionalizados, que não
podem ser apreendidos de maneira suficiente em termos de dominação de classe, ou, mais
geralmente, em termos de dominação concreta de agrupamentos sociais ou de agências
institucionais do Estado e/ou da economia. Essa forma de dominação não tem um lugar
determinado e, embora seja constituída por formas de prática social determinadas, não parece
ser social em total.
Segundo o autor Marx4 tratou o desdobrar da lógica dialética do capital como a
expressão social real de relações sociais alienadas que, embora constituídas pela prática dos
sujeitos, existem de maneira quase independente. Por esse motivo tais relações sociais só
podem ser parcialmente apreendidas como relações de classes, pois na verdade são formas de
mediação social que estruturam e são reestruturadas por relações de classe. Isto significa que a
lógica do capital, portanto, oculta, dissimula as relações de classes subjacentes à forma de

4
MARX, K. GRUNDRISSE - Manuscritos econômicos de 1857-1858/ Esboço da crítica da economia política.
1º. ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
16

dominação social inseparável da dinâmica que fundamenta o capitalismo, exposta nas


categorias mercadoria e capital.
Sob essa ótica, as formas de mediação social que estruturam a sociedade capitalista
convertem o Capital no Sujeito Histórico. A dinâmica das relações sociais capitalistas, apesar
de ser constituída pela prática, adquire uma existência quase independente e que sujeita as
pessoas a coações quase objetivas. Interpretação essa que difere absolutamente das análises
das correntes, qualificadas como marxismo tradicional por Postone, que identificam o sujeito
histórico com a classe trabalhadora. Supostamente estas concepções, que postulam a classe
trabalhadora ou a humanidade como o Sujeito Histórico, parecem dignificar o humano na
medida em que enfatizam o papel da prática no curso da história.
Entretanto, no quadro da interpretação aqui delineada, tais posições analíticas só
seriam emancipatórias na aparência, uma vez que não apreendem adequadamente a
heteronomia da lógica histórica do capital. Ao contrário, a apreensão analítica adequada
mostra que o sujeito histórico é a própria estrutura de mediação social alienada constitutiva da
formação capitalista.

1.1.4 A essência da crítica inicia pela categoria do valor

Esta reflexão decorre da análise da mercadoria cuja categoria não tem referência
unicamente a um produto, mas também ao modo estrutural que fundamenta a sociedade, uma
estrutura definida por uma prática social historicamente determinada. Nos Grundrisse, Marx
trata o valor como uma categoria que expressa tanto a forma determinada das relações sociais
quanto a forma particular da riqueza como características próprias do capitalismo. As relações
sociais, ou as relações de interdependência social aparecem encobertas pelo valor que
funciona como forma exterior e expressão do modo indireto de distribuição social do trabalho
e dos seus produtos, relações estas que são mediadas pelo dinheiro. Nos termos de Marx, “a
dependência recíproca se expressa na permanente necessidade da troca e do valor de troca
como mediador geral”. (MARX, 2011, p. 104) Esta dependência forma uma conexão que se
manifesta no valor de troca, onde o indivíduo realiza uma atividade ou produz algo com
caráter universal podendo ser trocado na forma isolada, individualizada do dinheiro.
... o poder que cada indivíduo exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as
riquezas sociais existe nele como o proprietário de valores de troca, de dinheiro.
17

Seu poder social,assim como seu nexo com a sociedade,[o indivíduo] traz consigo
no bolso. (MARX, 2011, p. 105)

Este poder social, expresso no dinheiro, torna cada vez mais as relações sociais
impessoais e abstratas ao encobrir o caráter social das atividades e da produção. Certamente,
os indivíduos não trocam diretamente trabalho, trocam o produto do trabalho que possuem
qualidades distintas e que, reciprocamente possuem valor, uma substância que os iguala e que
se autonomiza em uma mercadoria particular, o dinheiro, o universal que garante a
permutabilidade imediata de todos os produtos como mercadorias. O dinheiro, desse modo,
expressa a coisa que conecta todos os indivíduos nesse tipo de sociedade.
Ao considerar que a mercadoria é um produto que além de satisfazer as necessidades
sociais possui um quantum de trabalho humano, o trabalho na sociedade moderna assume ao
mesmo tempo uma dimensão privada e social. Ele é privado porque se expressa na troca de
valores do trabalho de indivíduos isolados e se converte em social quando assume a forma do
seu oposto imediato, sua forma generalizada abstrata. (POSTONE, 2006, p. 96) Isso supõe
que o caráter dual do trabalho expresso na mercadoria é um trabalho individual e isolado que
assume sua forma da generalidade abstrata que Marx define como forma direta ou
imediatamente social. Essa dualidade envolve
la oposición entre trabajo privado y trabajo directamente social, es una oposición
entre términos que están do mismo lado, que se complementan dependen entre sí.
Esto sugiere que es, precisamente, el trabajo en lo capitalismo el que tiene una
dimensión directamente social, y que “el trabajo directamente social” existe
únicamente en un entorno social marcado de igual modo por la existencia del
“trabajo privado”. (POSTONE, 2006, p. 96)

Este caráter social e imediato do trabalho reside no núcleo deste tipo de sociedade e
dele resultam os processos históricos próprios do capitalismo, processos que desenvolvem a
riqueza e poderes sociais às custas dos indivíduos singulares. (POSTONE, 2006, p. 96) Esta
forma peculiar de trabalho atua como atividade de mediação social o que lhe confere uma
qualidade única e específica desta sociedade.
Se o valor for somente interpretado como uma categoria de mercado, a dimensão do
trabalho no capitalismo como algo privado e social se resume a pessoas isoladas
objetivamente trabalhando umas para as outras como membros de um organismo social maior.
Deste modo, em uma sociedade estruturada pelo mercado e pela propriedade privada o
trabalho aparenta ser privado, porque as pessoas trabalham diretamente para si e somente
indiretamente para os outros. Se bem que, na medida em que o trabalho se encontra mediado
pelas relações capitalistas de produção, seu caráter social não pode ser mostrado enquanto tal.
No entanto, nesta perspectiva que entende o valor como categoria de mercado, a dimensão
18

social tem referência simplesmente naquilo que não é privado que supostamente diz respeito à
coletividade. O problema desta compreensão do social, assumida pelos marxistas tradicionais,
é que não há o questionamento a natureza específica das relações sociais envolvidas, e nem
implica uma oposição recíproca do social e do privado. (POSTONE, 2006, p. 95). Como vimos
acima, o trabalho imediatamente social apenas diferencia-se da noção de social como sendo
somente aquilo que não é privado.
Postone (2006) ressalta que, na teoria marxiana o trabalho no capitalismo possui
também uma dimensão diretamente social (ofuscada pela dimensão privada). Novamente,
tomar o valor unicamente como categoria mercantil implica tratar o trabalho como
diretamente social em todos os tipos de sociedade, exceto na sociedade capitalista e, na
verdade é exatamente ao contrário. De acordo com Marx, só nesta sociedade o trabalho possui
também esta dimensão social. Segundo o autor, a crítica não deve ser entendida como uma
crítica do modo atomizado de existência social individual nessa sociedade do ponto de vista
de uma coletividade da qual as pessoas seriam componentes. Na verdade, tal noção carece de
uma crítica do trabalho enquanto privado e imediatamente social como extremos que se
complementam. (POSTONE, 2006, p. 97). Em suma, o que caracteriza esta sociedade é o
caráter específico das suas relações e mediações sociais. E como se mostrou, as relações no
capitalismo são fundadas por este tipo de trabalho.

1.1.5 A reinterpretação da teoria marxiana é uma crítica ao trabalho no capitalismo

Na reinterpretação da crítica madura de Marx, as categorias como mercadoria, capital,


valor e trabalho abstrato constituem o núcleo fundamental do capitalismo.
O valor enquanto categoria, aqui examinada com mais detalhes, possui certa
particularidade que expressa tanto uma forma peculiar de riqueza quanto a forma das relações
sociais. O valor, como forma de riqueza, é constituído pelo dispêndio do trabalho humano
imediato no processo de produção e esse dispêndio é fator determinante na produção de
riqueza por possuir uma dimensão temporal. (POSTONE; 2003) Ao mesmo tempo aparece
como forma social que expressa e tem como base o dispêndio do trabalho fundamentando as
relações sociais que constituem o capitalismo. Esta categoria deve ser apreendida em ambos
os aspectos, pelo seu duplo caráter para não se incorrer no erro de entendê-la numa única
dimensão, por exemplo, como forma de riqueza concebida somente como categoria de
19

mercado. Isso porque quando Marx se refere à troca, diz respeito à troca que ocorre na
produção e não exclusivamente na circulação. Ainda mais, significa que as relações sociais
são constituídas no e pelo modo de produção. Neste sentido, exatamente pela forma de
riqueza ser baseada no valor (troca de trabalho vivo por trabalho morto ou “objetivado”)
destaca-se o papel peculiar do trabalho como um elemento central na sociedade capitalista que
fundamenta a produção.
Nos Grundrisse, Marx descreve o valor como categoria que define o modo de
produção cujo “pressuposto é – e permanece sendo – a quantidade de tempo de trabalho
imediato, a quantidade de trabalho empregado, como o fator determinante da produção de
riqueza.” (POSTONE, 2003, p. 18). Esta forma de riqueza está no coração da sociedade
capitalista e também implica uma tensão própria entre o modo de produzir e do seu
desenvolvimento histórico cujo resultado final é o contínuo declínio do trabalho imediato
requerido.
Porém, à medida que a grande indústria se desenvolve, a criação de riqueza real vai
depender menos do tempo de trabalho, e da qualidade de trabalho empregado, e
passa a depender mais da força produtiva dos agentes [instrumentos] postos em
movimentos durante o tempo de trabalho, cuja ‘potência efetiva’ é em si mesma, [...]
desproporcional ao tempo de trabalho [imediato] gasto em sua produção; mas que
depende, sobretudo, do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia... A
riqueza real manifesta-se excepcionalmente,... na fantástica desproporção entre o
tempo de trabalho aplicado e seu produto, bem como no desequilíbrio qualitativo
entre trabalho, reduzido a uma pura abstração, e a capacidade produtiva do processo
de produção que ele supervisiona. (POSTONE, 2003, p. 18 apud Marx. K, 2014, p.
587-8)

O contraste entre o valor dependente do “tempo de trabalho e do montante de trabalho


empregado” e a riqueza real (ou material) que não possui essa dependência revela que o valor
é uma categoria historicamente específica e transitória da sociedade capitalista. Significa,
além disso, que não pode ser apreendida somente como uma categoria de mercado, pois sendo
própria desta sociedade ela está intrinsecamente vinculada ao modo de produção. (POSTONE,
2003, p. 18)
Nesta oposição entre valor e riqueza real, o valor torna-se cada vez menos necessário,
supérfluo nesse tipo de sociedade na mesma proporção em que cresce a riqueza real. Por isso,
apresenta o potencial da negação histórica do capitalismo, pois se torna anacrônico pelo
próprio potencial de produção que o sustenta. Esta forma anacrônica é o que possibilita a
realização histórica potencial da abolição do valor. (POSTONE, 2003, p. 19)
A superação do valor, é claro, não se reduziria à distribuição da riqueza social, mas
afetaria diretamente a forma das relações sociais anteriores, baseadas no valor. Em outras
20

palavras, significaria outra lógica de produção social, adequada e estruturada com base na
emancipação do trabalho. Essa nova forma
implicitamente envolve a superação tanto dos aspectos formais, quanto dos aspectos
materiais do modo de produção fundado no trabalho assalariado. Ela acarreta a
abolição de um sistema de distribuição baseado na troca de força de trabalho,
enquanto uma mercadoria, por um salário com o qual os meios de consumo são
adquiridos; também acarreta a abolição de um sistema de produção baseado no
trabalho proletário, isto é, baseado no tipo de trabalho unilateral e fragmentado,
característico da produção capitalista industrial. A superação do capitalismo, em
outras palavras, também envolve a superação do trabalho concreto realizado pelo
proletariado. (POSTONE, 2003, p. 21)

Neste sentido, para pensar outra possibilidade ou alternativa de sociedade pós-


capitalista é essencial compreender a natureza constitutiva e estrutural da atual sociedade e,
por conseguinte, suas relações e dinâmicas sociais. O mistério desta sociedade está na
produção baseada no valor que orienta e reorienta toda a sua dinâmica. O esforço do autor tem
sido mostrar que a categoria de valor marxiana é que estrutura o modo de produzir capitalista
revelando-a como o seu núcleo central.

1.1.6 As fragilidades teóricas do marxismo tradicional

Com o propósito de elaborar uma reinterpretação da teoria marxiana, o autor utiliza


como base para cotejamento a interpretação corrente da tradição marxista. Segundo ele, esta
interpretação não consegue sustentar uma crítica que resulte, de fato, na negação da sociedade
capitalista e que ajude a compreender as causas do fracasso do socialismo realmente existente.
(POSTONE, 2003)
O marxismo tradicional privilegiou abordar algumas categorias de Marx que
proporcionaram análises limitadas sobre a sociedade moderna. O centro de sua explanação se
estruturou em termos da propriedade privada dos meios de produção e do mercado. Esta
análise crítica subentende a compreensão da sociedade moderna a partir da contradição entre
relações sociais e forças produtivas exclusivamente do ponto de vista do conflito em
decorrência da propriedade privada e do mercado. De acordo com essa análise, o modo
industrial de produzir entra em contradição com a propriedade privada e mercado, tratados
como marcas características do capitalismo. No marxismo tradicional, o conflito significa a
seguinte contradição: o capitalismo ativa o desenvolvimento notável das forças produtivas,
mas este desenvolvimento é obstaculizado pela propriedade privada e pelo mercado. Nessa
21

leitura, a contradição está no modo industrial de produzir resultante do desenvolvimento


extraordinário das forças produtivas, por um lado, e na propriedade privada e o mercado, por
outro. Como resultado, essas relações sociais baseadas no mercado e propriedade privada
passam a constituir crescentemente um limite ao desenvolvimento das forças produtivas.
Sob essa perspectiva, portanto, superado esse conflito, o modo industrial de produzir
gerado pelo capitalismo serviria de base para a futura sociedade socialista, sem o mercado e
sem a propriedade privada. Esta interpretação trataria o socialismo em termos da propriedade
coletiva dos meios da produção, planejamento consciente da produção e distribuição justa da
riqueza. Em síntese, e assim compreendida, a negação histórica do capitalismo se resumiria
em suprimir a propriedade privada a criar uma sociedade a qual a dominação e exploração de
uma classe por outra estariam superadas. Não obstante, o modo de produzir continuaria sendo
o mesmo. (POSTONE, 2003, p. 4)
Essa posição subentende uma concepção transhistórica do trabalho. De certo, os
marxistas tradicionais compreendem o trabalho como atividade social de mediação entre
homem e natureza. Em outros termos, consideram o trabalho na qualidade de categoria
fundante específica do ser social5. Com isso, não diferenciam o trabalho na sociedade
capitalista e o trabalho nas demais sociedades humanas. O que significa assumir que o
trabalho, além de fundante, é central em todas as sociedades. Com isso, afirma Postone
(2003), eles suprimem a forma peculiar do trabalho na sociedade capitalista moderna.
De acordo com o autor, esta tradição quando elabora uma análise da teoria do valor na
tentativa de explicar que a riqueza social é criada pelo trabalho em qualquer lugar e tempo e
que, no capitalismo, fundamenta o modo de distribuição não consciente, “automático”
mediado pelo mercado acaba por atribuir ao próprio trabalho um caráter transhistórico. Nesta
perspectiva, a teoria do mais-valor demonstra que o produto excedente do trabalho no
capitalismo é criado apenas pelo trabalho e apropriado pela classe dominante. Deste ponto de
vista, a crítica marxiana sofre uma redução quando o capitalismo é abordado apenas como
uma crítica à exploração do ponto de vista do trabalho. Tal perspectiva assume que o trabalho
é a verdadeira fonte da riqueza social e que repousa sobre um sistema de exploração em que a
propriedade privada e mercado precisam ser abolidos. Ao assim procederem, no entanto,
deixam de observar que Marx fez uma crítica ao caráter específico que este trabalho possui na
sociedade capitalista e suas implicações na vida social. (POSTONE, 2003, p. 5)

5
LUKÁCS, G. Para uma Ontologia do Ser Social: O Trabalho. [S.l.]: [s.n.], 1981.
22

1.1.7 Crítica do ponto de vista do trabalho não supera o capitalismo

A crítica ao capitalismo elaborada pelos marxistas tradicionais foi convertida em


crítica do ponto de vista do trabalho. As suas conclusões resumem-se à crítica da exploração
do trabalho e da distribuição desigual. Nessas circunstâncias, o suposto é que o trabalho
estaria impedido de se realizar plenamente porque a sociedade repousa sobre um sistema de
exploração fundado na propriedade privada e mercado. O curso do desenvolvimento
capitalista apresentaria o seguinte padrão:
A estrutura do capitalismo de livre mercado dá origem à produção industrial a qual
aumentou significativamente o montante de riqueza social criada. Contudo, no
capitalismo, esta riqueza continua a ser extraída mediante um processo de
exploração e é distribuída de forma extremamente desigual. Todavia, desenvolve-se
uma crescente contradição entre produção industrial e as relações de produção
existentes. Como um resultado do processo contínuo de acumulação de capital,
caracterizado pela concorrência e pelas crises, o modo de distribuição social baseado
no mercado e na propriedade privada torna-se cada vez menos adequado a uma
produção industrial desenvolvida. Deste modo, a dinâmica histórica do capitalismo,
não apenas torna anacrônicas as antigas relações de produção, mas também dá lugar
à possibilidade de um novo conjunto de relações sociais. Ela gera as pré-condições
técnicas, sociais e organizacionais para a abolição da propriedade privada e para o
planejamento centralizado (...). Estes desenvolvimentos fariam emergir a
possibilidade histórica da abolição da exploração e da dominação de classe e o
surgimento de um novo modo de distribuição, justo e racionalmente regulado
(POSTONE, 2003, p. 5)

O capitalismo, assim, seria tratado como um “conjunto de fatores exógenos de


valorização do capital no interior de uma economia de mercado” (POSTONE, 2003, p. 5) e a
dominação social é entendida como uma dominação de classe que permanece externa ao
processo de produção. Esses fatores exógenos, por sua vez, provocariam uma tensão estrutural
entre a produção industrial, de um lado, e a propriedade privada e o mercado de outro,
compreendida como uma contradição entre o modo de produzir e o modo de distribuir.
Entretanto, os marxistas tradicionais deixaram de observar que a crítica deveria focalizar o
modo de produzir. Nesse caso, a superação do capitalismo aconteceria via distribuição (a
propriedade privada e o mercado) tornando o desenvolvimento da produção industrial de larga
escala como o fundamento de uma nova organização social de distribuição.
O socialismo, na visão do marxismo tradicional nada mais seria do que um novo
modelo de administrar política e economicamente o mesmo modo industrial de produzir,
porém com uma produção mais justa. Nesse quadro interpretativo, a realização histórica do
trabalho – seu pleno desenvolvimento histórico e sua emergência como a base da vida social e
23

da riqueza aparece como a condição fundamental da emancipação social em geral.


(POSTONE, 2003)
A realização histórica do trabalho, então, é entendida da seguinte maneira: deve ser
cumprida pelo proletariado, porque o capitalismo está fundado na oposição entre classes
conflitantes (explorados e exploradores) cuja apropriação da riqueza pela classe dominante é
determinada para fins particulares e não universais. Deste modo, Postone (2003) mostra que,
do ponto de vista do marxismo tradicional, a crítica ao capitalismo é feita desde a ótica do
trabalho. Enfim, trata-se de uma crítica na qual as relações sociais dominantes (propriedade
privada e mercado) são tidas como particularizas, a partir de uma posição universalista (da
produção industrial). Em síntese, caberia ao proletariado com seu potencial universalista
romper com as relações sociais dominantes desta sociedade e, consequentemente, com o
próprio capitalismo. (POSTONE, 2003, p. 6) O autor sublinha que a compreensão do
socialismo somente com base na superação do modo de distribuição dominada por uma classe
particularizada conduz a análises frágeis e limitadas, como as formuladas pelos marxistas
tradicionais. Essas fragilidades se tornaram particularmente visíveis quando se analisa de
maneira sistemática o socialismo realmente existente. Embora, nem todas as formas de
marxismo tradicional afirmaram como efetivamente socialistas os países onde esteve em vigor
o “socialismo real”. No entanto, tal abordagem não permitiu uma análise crítica adequada
desse “modelo” de sociedade. Como exemplo, a União Soviética foi com freqüência
considerada socialista porque a propriedade privada e o mercado foram abolidos, ao passo que
a persistente falta de liberdade foi atribuída às instituições burocratizadas e repressivas. ”
(POSTONE, 2003).
Do exame do fracasso do socialismo, a situação histórica presente só pode ser
compreendida como uma transformação interna à sociedade moderna, em termos
significativos como uma transição do capitalismo liberal para o capitalismo intervencionista
de Estado (POSTONE, 2003). Atualmente, parece surgir uma nova fase em que se nota um
declínio constante do intervencionismo do Estado que tinha como característica uma produção
centralizada e promovia, de certo modo, instâncias de poder como sindicatos fortes e o Estado
de bem estar social.
Postone (2003) indica, no contexto global do capitalismo e de suas crises, duas
tendências históricas aparentemente opostas contribuíram para o enfraquecimento das
instituições centrais e que configuraram uma fase intervencionista do Estado, fase que incluía
o socialismo real. Estas tendências aparecem, de um lado, como uma parcial descentralização
24

da produção e da política com o surgimento de diversos agrupamentos sociais6 e do outro,


como processo de globalização e concentração do capital sobre novas bases seguramente
abstratas, sem o controle efetivo do Estado. Entretanto, essas tendências só poderiam ser
analisadas com êxito, caso consideradas próprias da contradição inerente do capital situada
historicamente e fundamentada pela crítica ao trabalho no capitalismo e não pela crítica do
capitalismo do ponto de vista do trabalho. (POSTONE, 2003, p. 8)
Estas tendências, tratadas em termos de um processo histórico linear, só expõem o
caráter anacrônico e inadequado de teoria tradicional. Por exemplo, tratar o surgimento dos
novos agrupamentos sociais como categoria secundária e esperar a “reemergência de
manifestações clássicas do capital industrial” não colabora para uma análise crítica
substancial do capital. Uma análise crítica ao capital precisa incluir estes novos significados e
os fundamentos de sua continuidade.
As fragilidades dessas interpretações estritamente baseadas no mercado e na
propriedade privada respondem decerto pela crise do marxismo e pela a desilusão e rejeição
do socialismo realmente existente, bem como pela descrença no proletariado e pela incerteza
quanto a outros agentes sociais de transformação social fundamental. (POSTONE, 2003)

1.1.8 A redução da teoria de Marx pelo marxismo tradicional

Postone (2006) tem buscado esclarecer que a concepção da categoria do valor em


Marx sobre as relações de produção não podem ser compreendidas apenas pelo modo de
distribuição sem considerar as relações do modo de produção. Segundo o autor, o marxismo
tradicional vem interpretando tanto a lei do valor quanto o trabalho, caracterizado pela criação
de valor, como uma categoria unicamente do ponto de vista do mercado.
O teórico Paul Malor Sweezy (1910 - 2004) conhecido como fundador da escola
"neomarxista", ou "escola da Monthly Review" ou também, junto a Baran, como um dos
fundadores da escola da dependência, e em especial de seu ramo marxista é, para Postone, um
dos marxistas tradicionais. Na sua obra, a Teoria do Desenvolvimento Capitalista, uma das
mais importantes, discorre em a “Lei do valor” versus “princípios de planejamento” sobre
sua insistência em conceber o valor como uma categoria econômica, em seu sentido mais

6
Postone (2003) se refere à emergência de uma pluralidade de grupos sociais, organizações, movimentos,
partidos e subculturas que tem surgido neste novo contexto.
25

limitado, como uma forma externa de relação social entre os proprietários da mercadoria. Tal
compreensão, por Sweezy, pressupõe que a natureza básica desta relação seria de produtores
individuais que, ao trabalharem cada um isoladamente, estariam trabalhando uns para os
outros.
Em síntese, o valor seria a forma externa da interdependência social no capitalismo
que não se expressa abertamente na organização da sociedade. O valor torna-se a expressão da
forma indireta de distribuição do trabalho e de seus produtos. (POSTONE, 2006).
A lei do valor em Marx, sob tal ótica, se resumiria na produção de mercadorias. Como
resultado, o valor possuiria a função de regular a relação proporcional de intercâmbios da
mercadoria; a quantidade produzida de cada uma delas; e a alocação da força de trabalho nos
diversos ramos da produção. Portanto, nesse caso, a lei do valor seria uma teoria
essencialmente do equilíbrio geral de distribuição. (POSTONE, 2006, p. 93) Paul Sweezy
descreve desta maneira:
A condição básica para a existência de uma lei do valor é uma sociedade de
produtores privados que satisfazem suas necessidades pela troca mútua. As forças
em atividade incluem, de um lado, a produtividade do trabalho nos vários ramos da
produção e o padrão das necessidades sociais modificadas pela distribuição da
renda. Do outro lado, as forças equilibradoras do mercado da oferta e procura
concorrenciais. Usando a expressão moderna, a lei do valor é essencialmente uma
teoria de equilíbrio geral desenvolvida em primeiro lugar com referencia à produção
simples de mercadorias e mais tardes adaptada ao capitalismo. (SWEEZY, 1983, p.
53)

Paul Sweezy (1988) entende a lei do valor, na verdade, como uma tentativa de explicar
a auto-regulação do mercado. Esta explicação converte o valor em uma categoria de
distribuição, em uma expressão do modo de distribuição não consciente mediado pelo
mercado no capitalismo. (POSTONE, 2006) Em consequência, Sweezy considera o mercado
o princípio do capitalismo e a planificação o princípio do socialismo, o que sugere uma
compreensão focalizada apenas no modo de distribuição. Diz Sweezy:
na medida em que a distribuição da atividade produtiva é colocada sob o controle
consciente a lei do valor perde a importância. Seu lugar é tomado pelo princípio do
planejamento. Na economia de uma sociedade socialista a teoria do planejamento
deve ocupar a mesma posição básica da teoria do valor na economia de uma
sociedade capitalista. (SWEEZY, 1983, p. 54)

No entanto, Postone (2006) compreende que o foco crítico deve estar no modo de
produzir e não somente no modo de distribuir. O valor não pode ser concebido essencialmente
como categoria de distribuição mediada pelo mercado ou como modo de distribuição da
riqueza historicamente específica. Pelo contrário, deve ser concebido como uma forma
específica da riqueza em si. Se o valor representa uma forma historicamente específica de
riqueza, por conseguinte, o trabalho que gera valor também consiste em uma forma
26

historicamente determinada. Se o valor é analisado exclusivamente como categoria de


distribuição de riqueza, subentende-se que o trabalho no capitalismo não pode se diferenciar
das formações sociais pré-capitalistas, de modo que sua particularidade é extrínseca e não
intrínseca à crítica da sociedade moderna.
Vitali Vygodski, outro teórico com idéias próprias do marxismo tradicional, também
interpreta o valor como uma categoria da distribuição. Ele descreve a especificidade do
trabalho no capitalismo considerando que todo trabalho, ainda que social sob as condições de
propriedade privada dos meios de produção não teria um caráter diretamente social.
(POSTONE, 2006) Segundo Vygodski, o conceito de social tem implicação sobre o
entendimento da forma de trabalho na sociedade moderna comparada com as formas de
trabalho em diferentes tipos de sociedades. O trabalho teria um caráter intrinsecamente similar
em todas as sociedades, com a diferença de que no capitalismo seu caráter social não se
expressa de maneira direta. No entanto, de acordo com Postone (2006), o caráter do trabalho
social indireto é na verdade o seu modo de distribuição. Quando Marx caracteriza o trabalho
na sociedade capitalista, ele o caracteriza como algo privado e simultaneamente social.
Com a finalidade de mostrar que a categoria do valor em Marx sofreu uma redução na
interpretação dos autores citados, Postone (2006) assinala que, em Marx, quanto mais o
trabalho se encontra mediado por relações capitalistas de produção, o seu caráter social não
pode aparecer. Em síntese, o questionamento da natureza específica das relações sociais é
obscurecido pela forma aparente do trabalho privado. Para o autor, Marx tratou o trabalho no
capitalismo como atividade diretamente social e historicamente única; distingue o trabalho
nesta sociedade em relação às outras, sublinhando que esta peculiar forma de trabalho
determina próprias relações sociais e estrutura o capitalismo.
27

1.2 Concepção de Robert Kurz

1.2.1 Não houve vitória do capitalismo

Após expor as considerações teóricas de Postone, importa apresentar outros autores


que contribuíram para a apreciação crítica do socialismo realmente existente. Robert Kurz,
(1999) foi uns dos teóricos que também analisou a derrocada do socialismo real. Em seu livro
O Colapso da Modernização realizou uma crítica centrada no fato de que as economias
socialistas ao internalizarem o mercado passaram a fazer parte do sistema mundial de
produção de mercadoria que, com as crises, explicita suas tendências e seus impasses.
De acordo com Kurz (1999), o conflito de sistemas que representou o mercado
(concorrencial) e o Estado (intervencionista) marcou uma era que chegou ao fim com o
fracasso do socialismo real e a aparente vitória do capitalismo. Tal resultado acabou por
justificar críticas supostamente definitivas à Marx e ao marxismo.
... se não foram as atividades das classes políticas ocidentais no conflito de sistemas
que conduziram ao colapso do sistema socialista real, mas sim a falha dramática de
seus mecanismos de funcionamento internos, e então a falta total de conhecimento
dessa potência de crise e catástrofe, por parte das elites de ambas as esferas político-
econômicas que dispõem de todas as informações, deixa relampejar à verdade de
que, em ambos os lados, os que aparentemente governam devem estar sofrendo da
mesma cegueira. (KURZ, 1999, p. 15)

Procurou questionar a vitória da sociedade de mercado sobre o socialismo real e se


esta vitória foi realmente efetivada em sua completude ou apenas em parte ela funcionou no
sentido de ocultar a sua autocrítica, a profunda insatisfação dessa sociedade com o
“progresso” do capitalismo.
A crise global que realmente surgiu após o colapso do “sistema perdedor”, de acordo
com o autor, atingiu também o suposto “sistema vencedor”, pois resultou dos fundamentos
comuns a ambos os sistemas. Tais fundamentos, continuando a crítica, estão vinculados à
crise da sociedade de trabalho.
Se esse colapso [do socialismo real] não significa simplesmente o triunfo do sistema
ocidental da economia de mercado como uma formação extrínseca ao socialismo
real, já falecido e enterrado sem cerimônias e indica de fato a existência de uma base
comum danificada que vai se tornando obsoleta, então essa base deve ser procurada
para além tanto do paradigma da sociedade industrial como das relações entre
mercado e Estado. (KURZ, 1999, p. 17)
28

A queda do socialismo teve consequências que implicaram o descrédito do marxismo


por não elaborar uma crítica para além do mercado; e não por observar a natureza do
capitalismo vinculado à especificidade do trabalho. Segundo Kurz, o fracasso do socialismo
não implicou a vitória do capitalismo, somente funcionou no sentido de mascarar o fracasso
da própria sociedade moderna e, nessa medida, vale como pretensa demonstração de que não
há alternativa.
Nesse sentido, o fundamento do colapso da sociedade moderna apontado pelo autor
está relacionado intrinsecamente à crise da sociedade de trabalho e procurando desvendar a
crise da sociedade de trabalho ele reconhece que tal discussão destoa tanto da ideologia
burguesa quanto do marxismo do movimento dos trabalhadores, ambos convictos de que o
trabalho é a essência supra-histórica do homem.

1.2.2 O trabalho como uma máquina que traz em si sua própria finalidade

De acordo com o autor o trabalho na sua forma abstrata não é supra-histórico. A forma
especificamente histórica do trabalho baseia-se na exploração econômica abstrata da força de
trabalho e das matérias primas. Ou seja, essa forma peculiar com que o trabalho se apresenta
pertence exclusivamente à era moderna, argumento também sustentado por Postone. Neste
contexto, o trabalho na sua forma abstrata pôde ser definido como atividade com finalidade
em si mesmo.
Este trabalho, com finalidade em si, caracteriza o sistema burguês do Ocidente e o
sistema do movimento dos trabalhadores modernos, pois o segundo absorveu acriticamente
esta forma peculiar do trabalho que na verdade constitui uma ideologia histórica do
capitalismo. Ademais, tratou o trabalho abstrato como “aquela idolatria fetichista do maior e
mais intenso dispêndio possível de força de trabalho, além das necessidades subjetivamente
perceptíveis”. (KURZ, 1999, p. 18) O autor aponta que o endeusamento do trabalho abstrato
foi apropriado e posto em prática pelo marxismo da classe trabalhadora e se difundiu nas
formações sociais do socialismo real que, por isso, não repensaram e nem aboliram a forma
do trabalho abstrato. Kurz (1992), embora crítico da proposta de Weber em pôr o trabalho
abstrato a serviço da religião, usa sua idéia para uma analogia ao socialismo do moderno
movimento dos trabalhadores que transformou o trabalho em religião de secularizada.
29

... transformou o trabalho abstrato em religião secularizada, a do endeusamento da


riqueza nacional, transcendente aos fins vinculados às necessidades humanas;
precisamente para a Rússia, à beira da modernidade burguesa, o socialismo era um
substituto mais ou menos adequado dos elementos constitutivos religiosos do modo
de produção capitalista na Europa ocidental, desde a Reforma. (KURZ, 1999, p. 19)

Certamente, o autor buscou inferir que neste tipo de sociedade a ênfase do valor
absoluto do trabalho se apresenta como princípio ético de maneira a lhe conferir dignidade,
muito embora a sua finalidade se encerre em si mesmo.
A perspectiva de Robert Kurz se assemelha às análises de Moishe Postone, posto que
este último sublinhasse o trabalho assalariado como forma específica do sistema produtor de
mercadorias e o diferencia das formações sociais anteriores. De acordo com Kurz
Essa forma específica do trabalho e o conceito de trabalho correspondente são de
fato incompatíveis com todas as formações sociais anteriores da história humana,
porque nestas o trabalho, seu produto e a apropriação deste ainda aparecem
essencialmente em sua forma concreta, direta, sensível: como ‘valores de uso’ na
linguagem da economia política. Ainda que o trabalho, como ‘labor’ no sentido
antigo, como estafa e moléstia, ocupasse completamente o horizonte da vida da
maioria das pessoas, isso acontecia por causa de grau de desenvolvimento
relativamente baixo das forças produtivas, no ‘metabolismo entre os homens e a
natureza’ (Marx); o trabalho era, portanto, uma necessidade imposta pela natureza,
porém precisamente por isso nenhum dispêndio abstrato da força de trabalho e
nenhuma atividade social traz em si sua própria finalidade. (KURZ, 1999, p. 21)

Neste sistema, próprio da sociedade moderna como produtora de mercadorias, a lógica


da necessidade foi invertida na proporção do avanço das forças produtivas. O que era uma
coação da “primeira natureza” (homem-natureza) é superada, mas transforma-se em uma
coação social de “segunda natureza”. Essa segunda natureza é envolvida por uma mediação
social inconscientemente produzida cuja necessidade apresenta-se aos indivíduos de forma
insensível e exigente igual à da “primeira natureza”. (KURZ, 1999, p. 21)
Com efeito, o autor deduz que a sociedade de trabalho, como um conceito ontológico,
na verdade seria uma tautologia, pois no decorrer histórico até agora da vida social só poderia
ser uma vida que incluísse o trabalho mesmo nas suas formas modificadas. (KURZ, 1999, p.
21)
O autor, apoiado em Marx, afirma que o trabalho vivo, ao produzir mercadorias
transforma-se em trabalho morto representado na forma dinheiro. Embora o dinheiro se
apresente em diversas formações sociais, ele esconde a categoria básica do valor que
determina outra forma de relações sociais. Segundo Kurz:
Como mercadorias, os produtos são coisas de valor abstratas, privadas de suas
qualidades sensíveis, manifestando-se somente nessa forma estranha a mediação da
sociedade. No contexto da crítica da economia política de Marx, esse valor
econômico determina-se de modo puramente negativo, como forma coisificada,
fetichista, desprendida de todo conteúdo concreto sensível, forma de representação
morta e abstrata em que se apresentam os produtos de um trabalho social
30

pertencente ao passado, fenômeno que se desenvolve, num momento imanente às


relações de troca, até alcançar a forma de dinheiro, a ‘coisa abstrata’. Esse valor é a
qualidade distintiva de uma sociedade que não é dona de si mesma. (KURZ, 1999, p.
22)

A inversão da primeira natureza do trabalho que o autor trata por segunda natureza é o
fundamento que constitui todas as sociedades da modernidade. Um aspecto que a teoria
burguesa ignora. Para ilustrar o que denomina de primeira natureza, o autor faz um contraste
entre a mercadoria na pré-modernidade e na modernidade. Na primeira o valor de uso tem na
sua produção uma finalidade social que se extingue, apesar de passar pelas abstrações do
processo de troca no mercado. Ademais, ela não poderia assumir uma forma de reprodução
social porque não pertence a um sistema produtor de mercadorias.
A segunda natureza, ao contrário da primeira, traz em si o tipo de processo da
produção moderna. O valor que se reflete também na forma de mais-valor não se “extingue no
seu valor de uso” e aparece como um mediador social tautológico, que põe o trabalho abstrato
como uma máquina com finalidade em si. Nesta sociedade, esta forma peculiar do trabalho se
apresenta “como automovimento do dinheiro, como transformação de certa quantidade de
trabalho morto e abstrato em outra quantidade maior [...] (mais-valor)” (KURZ, 1999, p. 23)
Certamente, os recursos humanos e materiais não poderiam ser mais entendidos em
termos da relação metabólica do homem com a natureza para suprir suas necessidades
materiais. Ao contrário, o trabalho abstrato para a produção de mais trabalho abstrato não tem
finalidade fora de si mesmo.

1.2.3 Crise da sociedade de trabalho: uma interpretação dos colapsos

Com o propósito de identificar os elementos que caracterizaram a derrocada do


socialismo real, Kurz também expõe a própria crise da sociedade moderna7. Suas
considerações indicaram como causa de ambas as derrocadas, a crise da sociedade de trabalho
e a subordinação à lógica do trabalho abstrato que tem finalidade em si. Os efeitos colaterais,
embora não intencionais, do moderno sistema produtor de mercadorias ocultaram por muito
tempo, na fase de ascensão histórica, seu conteúdo negativo por detrás de um conteúdo
aparentemente positivo. Isso porque o processo de modernização, em que as crises apareciam

7
Ou melhor, o processo de modernização incompleto.
31

como momentos de interrupções superáveis, experimenta, na verdade, uma crise insuperável


em razão da depreciação do trabalho vivo. (KURZ, 1999, p. 24)
O autor também sustenta que o moderno movimento dos trabalhadores é parte
integrante deste mesmo sistema produtor de mercadorias em sua fase de ascensão. A reflexão
teórica do séc. XX correspondeu e, no fundo, guarda correspondência com “a gênese da
versão socialista real da moderna sociedade de trabalho”. Na interpretação do marxismo do
movimento dos trabalhadores o conceito de valor de Marx, denunciado como forma fetichista,
foi na verdade invertido pela afirmação do “trabalhador criador de valores” 8. Em outras
palavras, uma visão limitada à esfera histórica do trabalho como o verdadeiro produtor de
valor não poderia jamais ser superada, nem ideal e nem materialmente neste tipo de
sociedade. (KURZ, 1999, p. 24)
O ‘mercado planejado’ do Leste, como já revela essa designação, não eliminou as
categorias de mercado. Consequentemente aparecem no socialismo real todas as
categorias fundamentais do capitalismo: salário, preço, lucro [...]. Ele não só adotou
o princípio do trabalho como o levou às últimas consequências. (KURZ, 1999, p.
25)

Kurz (1999) conclui que desde o início o socialismo real não poderia suprimir a
sociedade capitalista porque permaneceu inserido como parte do próprio sistema burguês e,
por isso, não poderia ser capaz de substituir esta formação social por outra. O socialismo real
somente representou uma fase do desenvolvimento capitalista da mesma formação da
histórica.
As conclusões de Kurz (1992) também sublinharam o esgotamento do valor na
sociedade moderna. Neste contexto, ele enfatiza que a categoria valor em Marx também deve
ser o centro das abordagens teóricas capazes de refletir alternativas e possibilidades da
superação histórica do capitalismo. Conclusões essas convergentes com as formulações de
Postone.

8
“Nesta figura ideológica, o antagonismo inconciliável de valor fetichista e valor de uso sensível dissolve-se
definitivamente para formar uma massa sem fundamento conceitual”. Ibid. p.22.
32

1.3 Concepção de Michael Heinrich

O teórico Michael Heinrich propôs uma leitura d’O Capital capaz de recuperar os
fundamentos teóricos de Marx a fim de apreender a estrutura e funcionamento do modo de
produção capitalista. Seu objetivo foi distinguir ou até mesmo esclarecer a crítica teórica das
versões do marxismo ideológico difundidas no contexto preponderantemente eufórico das
lutas políticas do século XX. Ademais, a crítica da economia política marxiana oferece
argumentos substantivos para analisar e julgar as interpretações equivocadas elaboradas pelos
marxistas tradicionais.
Na sociedade capitalista, como já vimos, os homens relacionam-se entre si através das
relações entre coisas. É a troca que pressupõe estas relações. Heinrich (2008) recupera em O
Capital - e procura fazê-lo como um todo -, uma análise descritiva do sistema científico, da
economia política, que subtende o capitalismo como uma estrutura dinâmica a-historica. Tal
sistema provoca, inevitável e espontaneamente, uma naturalização das relações sociais
capitalistas e, por conseguinte, subsume os indivíduos a um mecanismo totalmente
independente de sua vontade. Por essa razão, o fetichismo constitui um momento fundamental
na crítica marxiana, que põe em relevo a inversão sujeito - objeto. Passando despercebida pela
análise, essa inversão desaparece da descrição científica que, desse modo, alimenta uma
pratica social que a reproduz.
Enquanto crítica ao marxismo corrente, a contribuição de Heinrich (2008) vai além da
interpretação limitada à crítica da economia política burguesa cujo produto seria uma
economia política alternativa, “marxista”. Nesse sentido, apesar do autor integrar em sua
pesquisa, a exploração e o caráter estrutural das crises no capitalismo, suas conclusões se
distinguem em diversos aspectos das presentes do marxismo tradicional. Antes de tudo, o
autor enfatiza que Marx, ao analisar a constituição essencial da sociedade moderna, descobre
a lei econômica que a governa dinamicamente, e cujo resultado é uma estrutura invariável e
comum às diversas configurações históricas do capitalismo - no seu modo de produção. Com
isso, o autor diferencia-se das análises focalizadas em conjunturas históricas de como o
capitalismo funcionava em determinadas épocas, a exemplo do século XIX ou de quaisquer
de suas manifestações empíricas.
A afirmação de que “a história de todas as sociedades que já existiram é a história de
luta de classes” (MARX, 2004, p. 9) não é novidade para os marxistas. Essa luta é resultado
da exploração, ou seja, da produção realizada pela classe dominada para garantir tanto o seu
33

próprio sustento quanto o sustento da classe dominante. No entanto, os tipos de exploração


ocorrem de formas distintas correspondendo aos modos de produção de determinadas épocas.
O que é decisivo e distintivo na sociedade capitalista moderna, segundo Heinrich (2008), é
como funciona o domínio de classe e a sua forma de exploração. Na sociedade capitalista, a
exploração se dá, de maneira completamente diferente, do que ocorre nas sociedades pré-
capitalistas.
Além disso, Heinrich (2008) salienta que a finalidade da produção sob o capital não
pode ser satisfação de necessidades, mas a valorização do capital. Desse modo, até o desfrute
do capitalista torna-se secundário. Nesse ambiente, apesar dos trabalhadores serem
formalmente livres a auto-valorização do capital constitui uma relação de poder sistêmica.
Esta relação supõe uma coação para todos os indivíduos, sejam eles trabalhadores ou
capitalistas. (HEINRICH, 2008)

1.3.1 Teoria marxista: um distanciamento da teoria marxiana?

Compreender e analisar a ruína do socialismo realmente existente tem representado


um desafio enorme para as diversas correntes marxistas. Por isso, retornar à obra de Marx
pôde ilustrar algumas interpretações teóricas que foram assumidas inadequadas. Alguns
teóricos, numa releitura mais precisa, indicaram esses equívocos acerca das análises das
categorias centrais de Marx.
Há mais de um século, Marx tem sido interpretado de maneira bem diversa. Tanto a
social democracia quanto o movimento comunista têm defendido que a teoria marxiana
provou a existência da exploração dos trabalhadores, o colapso inevitável do capitalismo e os
proletários como o sujeito histórico revolucionário. Esta tipificação que Heinrich (2008)
chamada de economia política marxista permaneceu enraizada numa visão de mundo que se
acreditava fornecer respostas para todas as questões manifestas, sejam elas históricas, sociais,
filosóficas.
Esse “tipo de marxismo” que serviu para fins de propaganda política começou a
demonstrar suas fragilidades analíticas e práticas. Na era stalinista, as críticas endereçadas a
esse marxismo foram cruelmente sufocadas pelo regime. Após a década de 60 novos
movimentos sociais surgiram, com maior força, na configuração do movimento estudantil que
34

lutava contra o sistema capitalista global e contra o movimento comunista dogmático


antidemocrático.
Sobre a ortodoxia marxista, Heinrich (2014) identifica duas principais interpretações.
Em uma delas os sindicatos e partidos de esquerda era criticados por tratarem os trabalhadores
como um objeto a ser gerenciados “e não como sujeitos capazes de luta e resistência” ; na
outra, a luta de classes como motor principal do desenvolvimento social, em oposição às leis
econômicas objetivas. (HEINRICH, 2014, p.30)
Estas interpretações resultaram de uma leitura que acusavam certo economicismo do
Marx maduro e as escassas passagens sobre a luta de classes. Elas estiveram representadas na
década de 60 pelo operaísmo italiano9. De acordo com o autor, portanto, “as diversas
correntes do operaísmo criticavam a ortodoxia marxista por um excesso de contemplação
estrutural e teórica.
Para ele, ao contrário, a segunda tendência crítica teve uma abordagem oposta: a
saber, “ela acusou a ortodoxia de não ter qualquer profundidade teórica”. (HEINRICH, 2014,
p.30) Sob essa ótica tratava-se de libertar as categorias de Marx das construções dogmáticas
da ortodoxia. Com tal propósito, a crítica elaborada por Marx deveria passar por uma
“reconstrução” priorizando as questões de método.
Os marxistas pertencentes a esta corrente teórica salientavam a importância da forma-
conteúdo das categorias de Marx, como por exemplo: a forma-valor, já discutida, em oposição
às compreensões superficiais da substância valor, distorcida pelo marxismo tradicional. Em
virtude de tal distorção, o capitalismo era entendido tão somente como uma relação de
exploração, e não como uma forma específica distinta dos outros modos de exploração das
sociedades pré-capitalistas.
Ainda segundo Heinrich, essa corrente com origem na Alemanha, na década de 70,
toma a análise da forma valor como ponto de partida para a compreensão teórica de Marx, e
caracteriza-se como tentativa de resposta às situações objetivas à esquerda aquela altura.
Ilustram essa iniciativa os debates sobre a “derivação do Estado e sobre o mercado mundial”
(HEINRICH, 2014, p. 30) que tinham na categoria do valor o ponto de partida para as
tentativas de traçar uma análise real da dinâmica atual do capital. Ofereceram contribuições
para este debate os teóricos Moishe Postone, Robert Kurz, Hans-Georg Backhus Helmut
Reichelt. O que se pretende nestas discussões, sublinha Heirinch (2014), é a demonstração da

9
O operaísmo italiano surgiu na década de 60 em que Antonio Negri participava. Embora, de acordo com
Heinrich teve suas raízes na Alemanha Ocidental com Karl Heinz Roth e pelo periódico Autonomie.
35

análise inadequada da forma valor e do fetichismo pelo marxismo tradicional e, por extensão
pelo operaísmo.
O exame de Heinrich (2008) procurou assinalar que a produção marxiana, em especial
O Capital, foi interpretada, por certos marxistas, de maneira fragmentária em lugar de ser
compreendida em sua totalidade. Em sua opinião, é impossível extrair-se uma teoria do
materialismo histórico a partir de uma página e meia de observações em relação às forças
produtivas e às relações de produção. Essa teoria marxista fragmentada se valeu do prefácio
de 1859 da Contribuição à Critica da Economia Política; pelo uso indiscriminado das
famosas Teses de Feuerbach de 1845, publicadas por Engels que foram lidas como
documento fundador de uma nova ciência da sociedade e da história. A décima primeira tese
que afirma “os filósofos apenas interpretam o mundo, a questão é transformá-lo” foi
assumida, com satisfação, como um argumento potente contra os adversários que
aparentemente teorizam demais. No entanto, recorda Heinrich (2014), tais teses foram notas
elaboradas por Marx ao discutir com alguns filósofos, mas que nunca mais foram utilizadas
por ele. Omite-se também, no caso da décima primeira tese, é o fato de que em nenhuma outra
parte da obra de Marx podemos encontrar “tensão, para não falar da exclusão mútua, entre
‘interpretação’ e ‘transformação’10” (HEINRICH, 2014, p. 31). O mesmo tipo de expediente
foi utilizado na leitura de O Capital. (HEINRICH, 2014)
Outra distorção interpretativa exposta pelo autor são os tipos de construção histórico-
filosófica. O desenvolvimento dessas construções supõe uma posição privilegiada que torna
transparente o passado e o desenvolvimento progressivo da história. Nas palavras de Heinrich
O desenvolvimento futuro estava sujeito a predições distintas (o crescimento do
proletariado e de sua consciência derrotam a burguesia em um ato revolucionário, o
capitalismo entra em crise e colapso final, os poderes imperialistas se engalfinham
em guerras), mas em todos os casos apresentados como resultado inevitável de leis
objetivas. Tais filosofias da historia ainda não foram extintas. (HEINRICH, 2014, p.
32)

Para Heinrich (2014), se e quando houver o fim do capitalismo, não necessariamente


terá sido pelos “resultados de tendências operando automaticamente, mas sim porque o
cansaço que provocaram levou conscientemente à decisão de suprimi-lo.” (HEINRICH, 2014,
p. 32) Segundo o autor, é possível encontrar algumas construções histórico-filosóficas nos
textos do jovem Marx, mas em O Capital, ainda que seja possível flagrar alguns resquícios,
estes não têm um papel decisivo na sua estrutura teórica.

10
O autor indica essa discussão em - c.f Heinrich, 2004 para uma investigação crítica a respeito das Teses sobre
Feuerbach e o uso que delas foi feito.
36

1.3.2 As categorias classe e lutas de classes no marxismo

De acordo com Heinrich (2014), O Capital não forneceu sistematicamente uma


elaboração sobre lutas e classes sociais e acabou sendo motivo de percepções diversas pelo
marxismo. Nessas distintas interpretações, a classe e as lutas eram opostas às estruturas
objetivas, ou enfatizavam-se as passagens sobre conflitos para confirmar a importância da luta
de classes. Ainda assim, nesses dois casos, a construção do argumento de Marx era
obscurecida. Em relação às classes sociais, Marx as distingue como os que possuem os meios
de produção, daqueles que não os possuem. E no marxismo tradicional essa construção
simplificada serviu como definição suficiente do conceito de burguesia e de proletariado.
Entretanto, acima de tudo, a dominação de classe foi frequentemente entendida como uma
dominação pessoal e deliberada de um grupo sobre o outro. Para o autor, essa leitura d’O
Capital acabou reduzida ao nível do Manifesto Comunista escrito vinte anos antes.
Neste caso, o autor entende que as:
Relações de dominação pessoal e deliberadas são típicas de sociedades pré-
capitalistas. Mas a especificidade da forma de dominação capitalista é a sua
mediação por coisas. A partir do momento em que as pessoas se relacionam com os
produtos de seu trabalho como mercadorias e com os meios de produção como
capital, elas constituem uma lógica objetiva particular das coisas através de suas
práticas (as mercadorias devem ser vendidas, o capital de ser valorizado) que então
as confronta aparentemente como uma racionalidade objetiva. A dominação de
classe capitalista é o resultado inconsciente e não planejado dessa lógica objetiva – o
que não exclui necessariamente o fato de que essa dominação de classe pode ser
consciente e intencionalmente buscada, esse apenas não é o ponto decisivo.
(HEINRICH, 2014, p. 36)

Desta maneira, Heinrich (2014) considera uma regressão em relação à crítica marxista
da economia política, à teoria de monopólio de Lênin em que as relações econômicas
impessoais de poder são transformadas em pessoais em lugar de considerar a lei do valor
como lei impessoal e a personifica como os “lordes do monopólio’ atribuindo a eles a
imposição de suas vontades ao resto da sociedade, na qual a lógica objetiva das coisas perde o
seu papel. No mesmo sentido, algumas tendências do operaísmo também reduziram a
dominação mediada e objetiva à dominação deliberada de uma classe social. Em diversos
debates a crise era tratada como uma resposta dos capitalistas às lutas dos trabalhadores.
Na medida em que há a dominação objetivamente mediada, o fetichismo opera no
produto do trabalho que se tornou mercadoria. No entanto, o autor chama a atenção para o
fato de que essas circunstâncias não podem ser analisadas como uma falsa consciência ou
37

como manipulação, pois a questão refere-se a uma forma espontânea de uma prática
específica e impessoal. De modo que, se as atividades sociais são mediadas por coisas, então
todas as coisas assumem propriedades sociais e, consequentemente tanto a classe burguesa
quanto a classe trabalhadora estão sujeitas a esse fetichismo que emerge das próprias práticas
sociais. (HEINRICH, 2014) Para o autor, não há uma visão privilegiada sobre o
funcionamento do capitalismo. Nem do lado dos capitalistas e nem do lado dos trabalhadores
explorados diretamente pelo capital. Por essa razão, assumir o ponto de vista dos
trabalhadores não propicia um descortino da lógica fundamental do capitalismo e por
extensão não resolve os problemas teóricos.
No século XIX, já nas primeiras décadas, surgiram múltiplas análises sobre o
capitalismo, conceitos de socialismo, propostas de reformas e estratégias de lutas. Marx e
Engels foram os teóricos que tiveram crescente influência nessas discussões. Com a sua
morte, no final do século, o legado do marxismo desfrutou hegemonia no movimento
internacional dos trabalhadores. O propósito de Heinrich (2008), a partir da teoria de Marx,
em particular de O Capital, é analisar até que ponto esse marxismo hegemônico tem haver
com a teoria marxiana. (HEINRICH, 2008)
Após a morte de Marx, Engels, influente no partido socialdemocrata, redigiu inúmeros
escritos denominados Anti-Duhring. Esta obra e o seu resumo sob o título El desarrollo del
socialismo desde la utopía hasta la ciencia formam parte dos escritos mais lidos pelo
movimento dos trabalhadores antes da Primeira Guerra Mundial, ao passo que O Capital, a
principal obra de Marx ficou conhecido por uma pequena minoria. Engels criticava as
concepções do professor Eugen Duhring, de Berlim, que pretendia criar um sistema completo
de filosofia, economia política e socialismo ganhando muitos seguidores da social
democracia. Segundo Heinrich (2008), Duhring ganhou esses seguidores na própria social
democracia por oferecer uma orientação que possibilitava uma explicação completa do mundo
e uma resposta para todas as perguntas. A aceitação desse sistema filosófico só se deu, pois o
movimento dos trabalhadores carecia de orientações. O fato de que Engels não só criticou
Duhring, mas também lhe contrapôs em diversos âmbitos as posições “corretas” de um
“socialismo científico” contribuiu para assentar as bases de um marxismo ideológico. A social
democracia acolheu, de bom grado, essas “tais posições corretas” em sua propaganda social
democrata, tornando-a cada vez mais simplificada. (HEINRICH, 2008, p. 42)
Karl Kautsky foi o teórico marxista mais importante após a morte de Engels até a
Primeira Guerra Mundial. Na opinião de Heinrich (2008) o que vigorou com o ‘marxismo’ até
o final do século XIX consistiu um repertório de formulações esquemáticas:
38

um materialismo feito a medida e extremamente simples, esquemas do pensamento


progressista burguês, um par de elementos muito simplificados da filosofia
hegeliana e alguns conceitos extraídos de maneira parcial do pensamento de Marx,
todo isso combinado para dar lugar a uma série de formulações ideológicas bastantes
simples. Os traços mais destacáveis deste marxismo popular eram um grosseiro
economicismo (a saber, a ideologia e a política se reduzem a uma tradução direta e
consciente de interesses econômicos), assim como um acentuado determinismo
histórico (o fim do capitalismo e a revolução proletária considerados como
acontecimentos que vão suceder por necessidade natural). O que se propagou no
movimento dos trabalhadores não foi a crítica da economia política de Marx, senão
o “marxismo ideológico”, que atuou basicamente como gerador de identidade:
indicava o lugar ao qual se pertencia como trabalhador e socialista, explicava todos
os problemas de modo mais simplificado possível. (HEINRICH, 2008, p. 43)

Nessa mesma linha Heinrich (2008) sugere que a continuação e simplificação deste
marxismo ideológico deram lugar ao marxismo-leninismo. Lênin teria desenvolvido um
pensamento enraizado no marxismo ideológico que acabava de se esboçar e tem sua
expressão desta maneira: “a doutrina de Marx é toda poderosa porque é verdadeira. Está
concluída em si mesma e harmoniosa, os dá aos homens uma visão do mundo unitária”.
(HEINRICH, 2008, p. 43 apud Lenin: 1913, p. 3 y ss.)
Na compreensão do autor, Lênin, após sua morte foi convertido na figura sagrada do
marxismo. Sua obra, que muitas vezes era conjuntural e que continha caráter polêmico, foi
celebrada como a mais alta expressão da “ciência marxista” e em conjunto com o marxismo
existente formou um sistema dogmático de filosofia (“materialismo dialético”), história
(“materialismo histórico”) e economia política: o “marxismo-leninismo”. Ainda mais, essa
variante do marxismo dogmático foi essencial para formação de identidade e a União
soviética utilizou-a para legitimar o poder do partido asfixiando toda a discussão pública.
(HEINRICH, 2008, p. 44)
No entanto, afirma Heinrich (2008), o marxismo não se limitou ao marxismo
ideológico. Os acontecimentos históricos que trouxeram principalmente a desesperança
revolucionária ocasionaram nos anos 20 e 30 uma variedade de crítica “marxista” ao
marxismo ideológico. Estas novas correntes associadas a nomes como Karl Korsch, Georg
Lukács, Antonio Gramsci ou a “escola de Frankfurt” fundada por Max Horkheimer, Theodor
W. Adorno e Hebert Mercuse foram rotulados retrospectivamente como “marxismo
ocidental”. De acordo com o autor, o marxismo ocidental, por muito tempo, só criticou os
fundamentos filosóficos e teórico-históricos do marxismo tradicional, ou melhor, o
“materialismo dialético” e o “materialismo histórico”. A redução, operada pelo marxismo
tradicional da crítica da economia política a uma economia política marxista só foi
compreendida nas décadas de 60 e 70. O retorno destas discussões, baseado no O Capital e
nos Grundrisse, sobretudo a partir do livro de Rosdolsky (1968) possibilitaram o debate sobre
39

a construção e estrutura teórica da crítica da economia política de Marx. Neste caso, as novas
leituras dos escritos do próprio Marx permitiram também diferenciar a crítica da economia
política da economia política marxista com mais objetividade.

1.3.3 A controvérsia sobre a teoria do valor

Marx, no primeiro parágrafo do capítulo I de O Capital já revela a peculiaridade da


sociedade capitalista, em que diz:
A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em ‘imensa
acumulação de mercadorias’ e a mercadoria, isoladamente considerada, é a forma
elementar dessa riqueza. Por isso, nossa investigação começa com a análise da
mercadoria. (MARX, 1980, p. 41)

A acumulação de mercadoria e a troca generalizada constituem e demarcam a


sociedade capitalista. Nela, a forma típica de riqueza é a mercadoria e, na sua forma mais
elementar, a mercadoria individual. Ao retomar rapidamente as principais características da
mercadoria, o autor observa que nela contém valor de uso e valor de troca. Posto que o valor
particulariza e determina as relações sociais no capitalismo. Marx, ao elaborar a teoria do
valor considera que o trabalho é aquele que põe valor a mercadoria e, nesse ponto, concorda
com Adam Smith, entretanto, diverge deste autor quando ele entende o fenômeno da
valorização como natural e não social. Marx ainda destaca que a relação social entre pessoas é
mediada por coisas que resulta em um estranhamento. O autor destaca que este estranhamento
é intrínseco a sociedade capitalista. Esta distinção demarca a teoria do valor de Marx da teoria
clássica quando esta é baseada no mercado como forma natural do desenvolvimento humano.
Como também já vimos, Marx considera que o trabalho humano igualmente
objetivado na mercadoria expressa o seu valor. Assim a magnitude do valor é determinada
pela quantidade de trabalho contida nela.
Se há desenvolvimento nas forças produtivas, por exemplo, pela inserção dos avanços
tecnológicos logo se pode reduzir a quantidade da substância que gera o valor na mercadoria.
Marx generaliza: “quanto maior a produtividade do trabalho, tanto menor o tempo de trabalho
requerido para produzir uma mercadoria, e quanto menor a quantidade de trabalho que nela se
cristaliza, tanto menor seu valor”. (MARX, 1980, p. 47)
40

A explicação sobre a “lei do valor” também se refere àquelas mercadorias


denominadas imateriais.
O serviço ‘imaterial’ consiste simplesmente em uma relação temporal distinta entre
produção e consumo: o produto material se produz primeiro e a continuação se
consome. Em uma prestação de serviço coincidem de maneira imediata o ato de
produção e o ato de consumo. Entre as coisas materiais e os serviços só tem uma
diferença em quanto à matéria, mas quando se trata de mercadoria se tem como
referencia a sua forma social, e esta depende de que as coisas e serviços se troquem
ou não. (HEINRICH, 2008, p. 61)

Segundo o autor, predominou-se uma versão da esquerda quanto à passagem da


produção material à imaterial posto pelo transito da sociedade industrial à sociedade de
serviços que tornaria o argumento da teoria do valor de Marx obsoleta.
De acordo com Heinrich (2008), para muitos marxistas, a teoria do valor foi exposta
nas primeiras sete páginas do primeiro capítulo de O Capital. E, para muitos outros, o núcleo
da teoria marxiana do valor – a mercadoria é valor de uso e valor, o valor é trabalho humano
objetivado, e a magnitude do valor depende do ‘tempo de trabalho socialmente necessário’
que se requer para a produção da mercadoria; este último é designado frequentemente como
‘lei do valor’. (HEINRICH, 2008, p. 62) De acordo com o autor, se isto for tudo, a teoria do
valor de Marx não teria ido muito mais além da economia política clássica. No entanto, é o
contrário, a teoria marxiana é uma produção que oferece muito mais além.
Para além da teoria do valor, Marx desenvolve uma análise da sociedade capitalista
partindo do modo de produção e das relações sociais imbricadas nessa estrutura. Este autor,
para fundamentar sua crítica, expõe que a constituição do valor das mercadorias se dá a partir
da forma que o trabalho desenvolve o seu papel.
Nesse tipo de sociedade, o trabalho individual só pode ser mediado por relações
sociais que se encontra em cada caso. “a sociedade não consiste em indivíduos, sem que se
expressa à soma de relações e condições nas quais os indivíduos se encontram reciprocamente
situada”. (HEINRICH, 2008, p. 62 apud MEW 42, p. 189)
De acordo com Heinrich (2008) segue se que
[n] estas relações estabelecem uma determinada racionalidade a que os indivíduos se
têm de ater se quiserem manter-se dentro delas. De modo que, ao atuar conforme
esta racionalidade, produzem por meio de sua atuação as relações sociais que estão
em sua base. (HEINRICH, 2008, p. 63)

Em uma sociedade que se baseia na troca de mercadorias, todas e cada pessoa têm
que seguir a lógica da troca se quiser sobreviver. Não é simplesmente o resultado de
meu comportamento 'maximizador da utilidade' que eu queira vender caro minha
própria mercadoria e comprar mais barata outras mercadorias, é que eu não tenho
escolha (a menos que seja tão rico que pode não me interessar as relações de trocas).
E posto que não vejo outra alternativa, eu percebo meu comportamento como
'natural'. Se a maioria se comporta do modo indicado, então se reproduzem as
relações sociais que se baseiam no intercâmbio de mercadorias, e com isso também
41

a coerção a que está submetido cada indivíduo para se comportar repetidamente


desta maneira. (HEINRICH, 2008, p. 63)

De acordo com Heinrich (2008), Marx ilustra que na troca as pessoas não sabem
realmente o que fazem, pois existe uma estrutura social onde todas agem independentes de
sua vontade ou do que pensam a respeito. Isso significa que Marx não considera a troca como
um ato particular. Pelo contrário, a relação de troca é parte de um contexto social
determinado.
Heinrich (2008) ao observar o caráter do trabalho questiona-se; se nas condições da
produção de mercadorias a divisão do trabalho privado gasto em cada parte da produção está
mediada pelo valor das mercadorias, então como o trabalho privado gasto pode se converter
em parte constitutiva do trabalho social global? Segundo ele, a teoria do valor não pretende
demonstrar que a relação de troca particular está determinada pelas quantidades de trabalho
necessário para a produção. Pelo contrário, pretende explicar o caráter especificamente do
trabalho privado e ao mesmo tempo social que produz essas mercadorias.
Desta maneira, a teoria do valor de Marx não poderia se resumir ao tempo de trabalho
necessário, pois oferece muito além do que somente determinar a quantidade de trabalho
necessário nas mercadorias. Como diz Heinrich (2008), a teoria marxiana ultrapassa as sete
primeiras páginas d’O Capital consideradas pelo marxismo tradicional, entre outros críticos
de Marx, que partem deste suposto como o mais importante da sua teoria. O que está posto e,
que importa aprofundar é a especificidade do trabalho como o mediador social global com um
papel determinado dentro da estrutura e dinâmica deste tipo de sociedade. E de acordo com
Postone, essa forma de trabalho que pressupõe a forma de riqueza, nessa sociedade,
unilateraliza as relações sociais.
Em relação ao fetichismo, é certo elucidar, como característica essencial, a inversão
das relações sociais pessoais à relação coisal. A relação entre coisas subverte as relações
sociais causando na consciência, uma ilusão.
Primeiro porque a mercadoria aparece como uma coisa trivial e não se revela de
imediato o que está por trás dela. Por tanto, o mistério da forma mercadoria consiste em
produto do trabalho social não expresso nas relações de troca. Essas relações aparecem como
propriedade das coisas e não é nenhum tipo de ilusão. (HEINRICH, 2008, p. 87)
Podemos dizer que a relação de fetichismo movimenta uma sociabilidade plausível das
relações sociais, pois reproduz uma dinâmica imediata das coisas. Então, surge uma questão
implicada na interpretação teórica de Marx. Basta desmascarar o fetiche das relações sociais
42

para se alcançar o outro tipo de sociabilidade? Ainda que posto em evidência que tais relações
são invertidas, a dinâmica social é estruturada por relações relativamente autônomas.

1.3.4 A forma de trabalho legaliza e legitima as nossas relações sociais

Pondo de lado seu valor de uso, abstraímos, também, das formas e elementos
materiais que fazem dêle o valor de uso. [...] Ao desaparecer o caráter útil do
trabalho dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos produtos do
trabalho neles corporificados, desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de
trabalho concreto, elas não mais se distinguem uma das outras, mas reduzem-se,
todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato. (MARX, 1980,
p. 44)

De acordo com Heinrich (2008), a abstração da forma concreta do trabalho que Marx
denomina de substância do valor tem sido entendida, na visão do autor, de maneira quase
material -“substancialista”. Sob essa ótica, o trabalhador gasta uma determinada quantidade
de trabalho, e esta quantidade existe no interior da mercadoria e converte o artigo isolado em
objeto de valor. (HEINRICH, 2008, p. 65) Fosse essa a objetividade do valor, afirma o autor,
seria muito difícil explicar como Marx refere-se a ela, como objetividade espectral.
Tal consideração sugere que é necessário analisar o trabalho abstrato de maneira mais
precisa, uma vez que este último não se torna visível, e em seu lugar, só se manifesta o
trabalho concreto. As abstrações normalmente formadas no pensamento humano tendem a
constituir conceitos genéricos abstratos. Porém, o trabalho abstrato não constitui uma
abstração mental e sim uma abstração real. Esta última efetiva-se nos comportamentos reais
das pessoas, saibam elas ou não. (HEINRICH, 2008, p. 66)
É na relação de troca que ocorre a abstração do valor de uso das mercadorias. Nesse
momento é que se igualam os valores das mercadorias e se abstraem ‘faticamente’ as
particularidades do trabalho produzido e passam valer como trabalho abstrato que gera valor.
Assim sendo, conclui Heinrich (2008) “a abstração tem lugar realmente, com independência
do que pensam a respeito os possuidores das mercadorias implicadas”. (HEINRICH, 2008, p.
66)
Para o autor, esse ponto não foi muito esclarecido por Marx e que, de fato, ele fala
sobre o trabalho abstrato como gasto de força de trabalho humano em sentido fisiológico. A
redução dos distintos trabalhos à trabalho em sentido fisiológico provoca justamente uma
abstração mental em que se pode subsumir qualquer trabalho independente de que produza
mercadorias ou não. Com esta formulação o trabalho abstrato tem um fundamento
43

completamente independente do social, por assim dizer, natural, o que provoca


correspondentes interpretações “naturalistas” em torno do trabalho abstrato. (HEINRICH,
2008, p. 67)
No manuscrito de revisão da primeira edição d’O Capital, Marx diz,
A redução dos distintos trabalhos privados concretos a esta abstração do trabalho
humano igual se realiza só através da troca, que iguala, de fato, os produtos dos
distintos trabalhos. (HEINRICH, 2008, p. 67 apud MEGA II.6, p. 41)

Nessas condições, verifica-se que só na troca se realiza a abstração que é a base do


trabalho abstrato. Porém, o trabalho abstrato não pode ser medido simplesmente por horas de
trabalho, pois cada tempo de trabalho medido no relógio é um tempo de trabalho concreto
determinado gasto por um indivíduo determinado. (HEINRICH, 2008, p. 67)
O trabalho abstrato não pode ser ‘gasto’. O trabalho abstrato é uma relação de
validez constituída na troca: o trabalho concreto gasto vale na troca como uma
determinada quantidade de trabalho abstrato, e por isso vale também como parte
integrante do trabalho social. (HEINRICH, 2008, p. 67)

Para que o trabalho privado e concreto tenha validez como uma determinada quantidade
de trabalho abstrato que gera valor é preciso, como sustenta Heinrich (2008), haver três
reduções distintas:
1- O tempo de trabalho gasto individualmente se reduz a tempo de trabalho socialmente
necessário. Mas, a magnetude da produtividade não depende dos produtores
individuais e sim da todalidde destes produtores de valores-de-uso. Apesar das
contantes modificações das condicões de trabalho, é na troca que o trabalhador
individual chega a conhecer em que medida seu tempo de trabalho gasto
individualmente corresponde ao tempo de trabalho socialmente necessário.
2- A produção de valores de uso é uma produção de uso social, para os outros, segundo
Marx. Não se pode reduzir, como faz o marxismo tradicional, o “tempo socialmente
necessario” como o único determinante do trabalho que gera valor: “unicamente
produz valor aquele tempo de trabalho que não só foi gasto em condicões médias de
produção, como também é necessário para a satisfação da demanda social solvente.”
(HEINRICH, 2008, p. 68) A demanda produtiva de outros produtores (sociais) revela
em que medida o trabalho privado gasto foi realmente necessário para cobrí-la. Ambas
as coisas só se manifestam na troca.
3- Os distintos gastos de trabalho diferem-se em seu caracter concreto e na qulificação da
força de trabalho necessária para realizá-los, em que esta última interfere na
determinação do dispedio de trabalho ou ‘trabalho socialmente necessario’. Porém, só
se pode medir o valor de uma determinada quantidade de trabalho complexo com
44

relação a uma quantidade determinada de trabalho simples no momento da troca. “Não


obstante, para [esta] relação quantitativa, não só tem um papel a qualificação da força
de trabalho, mas também os processos de hierarquização social podem ter aqui um
efeito decisivo” (HEINRICH, 2008, p. 68). A ilustração ostensiva desse fato é a
remuneração inferior do trabalho feminino.
De acordo com Heinrich (2008), o resultado destas três reduções valida o trabalho
individual gasto como trabalho abstrato que tem lugar simultaneamente na produção e na
troca.

1.3.5 A valorização do capital não corresponde necessariamente ao crescimento do Exército


Industrial de Reserva

A análise da crítica da economia política de Marx efetuada por Heinrich (2008), com o
objetivo de ilustrar que a obra de O Capital deve ser compreendida como um todo teórico,
contribui para apreciar as distintas interpretações do marxismo tradicional. Além de elucidar a
teoria do valor trabalho, sendo o valor determinado pela relação entre trabalho individual
concreto e o trabalho social global, verificou-se que esta relação só pode se realizar na troca
entre mercadorias. Fora isto, os produtos do trabalho não são mercadorias e, por conseguinte,
não possuem valor. Por essa razão, nessa interpretação da teoria do valor, em oposição a
concepções correntes, o valor não é aquela substância determinada diretamente pelo tempo de
trabalho socialmente necessário gasto na produção de uma mercadoria isolada, mas é co-
determinado pela produção e pela circulação.
A teoria monetária do valor de Marx expressa tal co-determinação por essas duas
esferas. O dinheiro não é apenas como um meio técnico que auxilia e facilita a troca; é
também o meio necessário através do qual se constitui a forma social contida nos produtos do
trabalho individual. Sabe-se Marx descreve o dinheiro como a forma do valor autônoma, ou
melhor, forma do equivalente geral necessária para a representação do valor. Em geral, o
dinheiro aciona o mecanismo da troca entre os possuidores das mercadorias e assume distintas
funções na circulação simples.
Heinrich (2008), no sentido de ilustrar a teoria marxiana, analisa o capitulo V
examinando os conceitos fundamentais que possibilitam a compreensão do modo de produção
capitalista. Os conceitos de capital constante e variável, taxa de mais-valor seja absoluta e
45

relativa. Além de descrever como o processo do capital opera, formula outra questão
fundamental: o potencial destrutivo do desenvolvimento como algo inerente ao sistema. O
movimento do capital D-M-D’ implica necessariamente o infinito processo de valorização, a
expansão sem fim do valor. Heinrich, como tantos outros marxistas sublinham que essa
própria dinâmica põe em risco a própria humanidade e natureza.
A expansão infinita do valor posto na produção das distintas mercadorias encontra-se
o núcleo da crítica marxiana ao capitalismo, sem naturalmente desprezar as suas outras
consequências socialmente nefastas: aumento do EIR, desigualdade social.

1.4 Síntese analítica das críticas sobre o Marxismo tradicional

As tentativas de superação do capitalismo, indubitavelmente, se inspiraram em certas


compreensões marxistas da obra marxiana. O socialismo realmente existente representou uma
tentativa nesse sentido, mas fracassou. Muitos críticos marxistas buscaram investigar as
causas desse fracasso gerando algumas discussões em torno deste assunto.
Resultaram desse desfecho histórico a crise do marxismo e o desencantamento em
relação à tentativa de transformação social. A direita celebra a “vitória” e fortalece-se
ideologicamente, justificando cientificamente que o capitalismo é o último estágio social da
humanidade. Na esquerda, seus efeitos aparecem como descrença no proletariado e
necessidade de investigar as causas que levaram ao fracasso do socialismo real. Em termos
gerais, pode-se dizer que seus efeitos produzem um enorme ceticismo em relação aos partidos
políticos e sindicatos considerados ferramentas da classe trabalhadora.
Os autores selecionados nessa dissertação têm oferecido explicações sobre o fracasso.
Decerto, uma dessas razões envolve basicamente a teoria do valor de Marx. Nesse sentido, o
retorno à obra marxiana, principalmente O Capital, por esses autores, poderia sugerir
respostas substantivas.
Em sua reconsideração da teoria marxiana esses autores trataram a teoria do valor de
modo distinto daqueles marxistas que a compreendem basicamente como categoria de
exploração, mercado e propriedade privada. Essa nova abordagem tornou possível outras
análises que, para além da contradição de classes, salientam uma dominação social, própria do
capitalismo fundada na categoria valor. Postone (2008), ao argumentar que há uma distinção
entre a riqueza material (quantidade e variedade de produtos produzidos em condições
46

favoráveis) e o valor (a forma de riqueza predominante), onde a riqueza material é mediada


por práticas sociais determinadas, o que faz do valor uma forma de riqueza auto-mediadora
revela, um tipo de dominação, que sujeita as pessoas a imperativos e limitações estruturais,
impessoais e crescentemente racionalizados. O valor, como a característica que fundamenta o
capitalismo, pressupõe uma forma de trabalho historicamente específica. Com base Postone
(2003) elabora uma crítica ao marxismo tradicional ressaltando que a crítica ao capitalismo
não deve ser feita desde o ponto de vista do trabalho, mas sim como crítica do trabalho no
capitalismo. A forma que o trabalho assume na sociedade capitalista não tem só a função de
valorização do capital ou extração de mais-valor, mas de produzir práticas, pelos próprios
sujeitos que se tornam cada vez mais complexas e cada vez mais impessoais. Dessa maneira,
essa dinâmica subordina os sujeitos inconscientemente ou sob falsa consciência, a tais
práticas. A troca generalizada pressupõe também essa forma de trabalho, que, de acordo com
Postone (2003), é central nessa sociedade. Por isso, o pertencimento a sociedade tem de ser
necessariamente mediado pelo trabalho.
A forma de trabalho e a compreensão da dinâmica estrutural independente e impessoal
da sociedade capitalista contribuem para analisar a questão do sujeito histórico do sujeito
histórico. Segundo Postone (2003), considerar o caráter impessoal do capital permite supor
que este último é o próprio sujeito histórico; a saber, a própria estrutura de mediação social
alienada constitutiva da formação capitalista. Em certa medida, o autor tenta responder à
problemática referente ao proletariado como sujeito revolucionário. Com tal abordagem
desenvolve uma reflexão sobre o sujeito que, no marxismo tradicional é identificado com a
classe trabalhadora.

Robert Kurz (1999), em sua análise, argumenta que a relação do homem com a
natureza foi transformada numa coação social que envolve uma mediação social
inconscientemente produzida cuja necessidade apresenta-se aos indivíduos de forma
insensível e exigente. A produção em si mesma necessariamente envolveria o colapso da
modernidade – este argumento em última instância aparece como um determinismo do fim do
capitalismo, alimentando as teorias sobre o colapso iminente do capitalismo. Segundo Kurz
(1999), a forma peculiar que o trabalho assume no capitalismo apresenta-se como
‘automovimento do dinheiro’, como transformação de certa quantidade de trabalho morto e
abstrato em quantidades cada vez maiores de mercadoria. Neste sentido, o caráter social e
imediato do trabalho reside no núcleo deste tipo de sociedade e dele resultam os processos
47

históricos próprios do capitalismo, processos que desenvolvem a riqueza e poderes sociais à


custa dos indivíduos singulares.
O sistema do capital, segundo Mészáros (2002), possui como essência antagônica sua
própria estrutura hierárquica de subordinação do trabalho que suprime qualquer poder de
tomada de decisão encerrado numa estrutura inerentemente antagônica, tornando-a
irreformável e incontrolável. Essa capacidade arrasta todas as relações, a dinâmica capitalista.
Heinrich (2008) acredita que a totalidade da teoria de Marx foi capaz de expor uma
estrutura invariável do capital comum às diversas configurações históricas submetidas ao
modo de produção. As distintas conjunturas históricas são resultados desta estrutura e não a
estrutura resultados das configurações históricas. Isso porque a sociedade capitalista é regida
por uma lei abstrata que quase independe das ações dos sujeitos e que tornam as relações
impessoais. Sem essa compreensão, quaisquer análises, principalmente a partir de fragmentos
de sua teoria, podem resultar em críticas limitadas e/ou equivocadas sobre a sociedade
moderna.
Nesse sentido, é possível que a interpretação da categoria do valor praticamente
entendida como categoria de mercado pode ter causado equívocos na leitura do texto
marxiano. Apenas analisada como categoria que medeia o mercado, o valor não é capaz de
esclarecer a natureza da sociedade capitalista. Nesse ultimo caso, o valor só aludiria a uma
expressão externa do modo de produção: da distribuição do trabalho e de seus produtos. Neste
sentido, talvez possa dizer que a crítica pertinente ao socialismo realmente existente é crítica
que acusa aquela formação social de não abolir o valor e tampouco a centralidade do trabalho.
48

2 MARXISMO E SERVIÇO SOCIAL

Considerando as críticas ao marxismo tradicional expostas no capítulo anterior,


passaremos a comparar às interpretações teóricas com a literatura do Serviço Social e suas
repercussões em torno da prática profissional.
O exame da queda do socialismo realmente existente reforçou a crítica ao marxismo
tradicional. Além do mais, os argumentos teóricos expostos no primeiro capítulo delinearam
justamente pela obra marxiana, a natureza do capitalismo. Como vimos, tal natureza está
fundada na produção do valor, na necessidade incessante da valorização do capital. Nessas
condições, o valor é a categoria central da estrutura dessa sociedade e responde pela
característica dinâmica, impessoal desse sistema.
A produção social sob o capital é, sobretudo, produção de valor, produção
historicamente determinada e, por conseguinte o trabalho é trabalho que põe valor. Nesta
condição, determinada pelo valor, a produção tem de ser produção de mais-valor. Assim,
como nas outras sociedades divididas em trabalhadores e não trabalhadores, também aqui é
preciso extrair sobretrabalho - explorar o trabalho alheio. No entanto, a exploração não pode
ser a categoria central dessa sociedade, pelo simples fato que ela é comum a outras
sociedades. Isto significa pensar que o cerne desta sociedade não deve a exploração.
Com base na crítica do marxismo tradicional podemos também apreciar uma análise
da produção teórica do Serviço Social.
Primeiro porque, embora esteja em constante disputa na nossa categoria, o projeto
profissional hegemônico atualmente no serviço social tem como base a tradição marxista. Em
segundo lugar, por ser parte, na divisão sócio-técnica do trabalho, a profissão tem de se
ajustar a este sistema. Entretanto, tendo como opção uma orientação da prática profissional
voltada para a emancipação social. Esta, entendida como a supressão da sociedade capitalista,
inclui as significativas influências do marxismo tradicional.
Fazendo resgate histórico sucinto, o Serviço Social no Brasil teve uma inflexão na sua
trajetória a partir dos anos 60. Experimentou mudanças significativas. Porém, essa
experiência só se tornou possível no contato com as interpretações predominantes aquela
altura, especialmente de corte partidário. Na continuidade, houve a necessidade de recorrer à
49

obra de Marx, em particular, O Capital, para superar os limites teóricos das interpretações
precedentes e seus reflexos na profissão. Entretanto, esse esforço não aproximou as
concepções adotadas pela profissão e, as formulações expressas pelos autores analisados neste
trabalho.11
Nesse sentido, a análise dessas divergências poderá contribuir construtivamente para
produção teórica do serviço social.

2.1 Reificação capitalista – uma especificidade histórica

A discussão exposta no primeiro capítulo tangencia, de certa maneira, algumas teses


presentes na produção teórica do serviço social. A crítica ao marxismo tradicional, na
tentativa de refletir a queda do socialismo realmente existente, favoreceu algumas reflexões
teóricas – nesse caso específico, as de origens marxistas – sobre a vertente hegemônica no
âmbito da profissão. Os autores destacados nesta análise são Marilda Villela Iamamoto e José
Paulo Netto, cujos debates, além de proporcionarem uma vasta contribuição ao conteúdo
teórico, também incidem no processo metodológico e interventivo da profissão.
No livro Capitalismo e Reificação, do teórico José Paulo Netto (1981) encontra-se
também uma preocupação sobre as causas do fracasso do socialismo realmente existente. O
autor expõe uma síntese histórica do processo vivenciado pelo socialismo, buscando
evidenciar as posições políticas e ideológicas existente naquela época12.
A crise do marxismo-leninismo e o modelo stalinista que compuseram o socialismo
realmente existente trouxeram a partir dos anos 50 diversas discussões de recorte marxista.
Dentre muitas análises e avaliações, surge a temática da alienação em que Netto (1981)
sinaliza, de alguma maneira, o que poderia implicar uma das causas daquele fracasso. Nesta
temática, o que parece óbvio, por algumas conclusões, é que após o fracasso do socialismo
real instaurou-se uma crise no interior do marxismo. E isto tem sido uma tarefa bem
complexa: a busca por respostas e superação acerca do corolário de tal crise, com base na
teoria social de Marx.

11
As considerações propostas nesta dissertação são apenas de teóricos marxistas, embora saiba que existem
diversas contribuições de teóricos não marxistas no âmbito do serviço social.
12
Para mais detalhes acerca deste processo veja o primeiro capítulo do livro Capitalismo e Reificação de José
Paulo Netto. (1981)
50

Sucintamente, Netto (1981) observa a capacidade e resistência desse tipo de sociedade


– a capitalista – em se manter por décadas. A esta habilidade capitalista pressupõe uma
responsabilidade de contrapô-la à luz da teoria social de Marx. A crise do socialismo real
demandou e ainda demandam explicações pelo menos eficazes sobre o assunto. E nesse
sentido, tais explicações também abordam os mecanismos funcionais do capital, os quais não
somente tem aspectos ideo-econômicos, mas também culturais.

Antes de discorrer sobre sua linha teórica – a reificação que se estende à positividade
da sociedade burguesa – o autor elabora uma sinopse da constituição e do colapso do que ele
denomina de marxismo institucional. Este marxismo compõe o marxismo-leninismo e a
“autocracia stalisnista”. Desse modo, o autor mostra as concepções e correntes marxistas e as
inflexões teóricas da obra marxiana. Segundo o autor, há concepções acerca das correntes
analisadas que assinalam evidências positivistas. Como por exemplo, a prática política do
Partido da Social Democracia Alemão, que compreendia a obra marxiana como uma
sociologia científica. Assim, podia-se desvendar o mecanismo da evolução social a partir da
análise da situação econômica. Segundo (NETTO, 1981, p. 19) tal abordagem evolucionista
sustentava a inevitabilidade da transição socialista, já que a dinâmica econômica do
capitalismo era fatal. Portanto, Netto (1981), com base histórica, verifica as diversas
interpretações e inflexões das principais correntes marxistas com o interesse de expor suas
fragilidades e equívocos históricos. Nesse sentido, essas perguntas históricas, principalmente
aquelas deixadas pelo fracasso do socialismo real, desafiam inúmeros marxistas e incentivam
a busca por respostas concernentes às consequências postas no interior do marxismo.

A temática da alienação volta à cena exatamente pelos episódios assistidos e


demarcados por alternativas, que objetivavam uma nova configuração de mundo, distinta
deste tipo de sociedade. Netto (1981) sublinha, na perspectiva crítica relacionada ao
socialismo real, que a questão da alienação surge, na medida em que possibilita explicar uma
crítica (teórica) do existente; e no caso dos países capitalistas, ela surge para refletir o porquê
de não avançar na crítica – teórica e prática -, do existente. Segundo ele, nesses dois casos a
alienação precisa ser contextualizada, para responder às crises histórico-sociais coexistentes.
(NETTO, 1981, p. 30)

Nos dois casos, de fato, o fulcro da dimensão política da tematização da alienação


põe em causa a projeção da sociedade comunista: nos países do socialismo real, o
que esta em causa é averiguar se os modelos societários estabelecidos são capazes de
conduzir historicamente à livre associação de homens livres, numa organização
social liberada de coações, constrangimentos e restrições; nos países capitalistas
avançados, indaga-se por que os grupos e classes sociais espoliados permanecem
51

refratários, na sua prática social, às exigências de transformação de um estilo de vida


posto por um sistema cuja falência é cada vez mais evidente”. (NETTO, 1981, p. 31)

Segundo Netto (1981), a respeito da categoria alienação diz: se essa funcionalidade é


correlata ao espaço e a certos estímulos político-ideológicos, sua visualização depende da
concepção acerca da estrutura teórica do legado de Marx. O autor relata a existência de um
impedimento até os anos 30, o qual não permitia a apropriação da evolução do conhecimento
marxiano, inclusive da sua estrutura teórica. Tratam-se dos Manuscritos de 1844 e dos
Elementos Fundamentais para a Crítica da Economia Política. São com essas duas
elaborações que Marx desenvolve a original teoria da alienação tendo como base a crítica a
Hegel e a Feuerbach. Com esses textos foram possíveis construir uma formulação extensiva e
explicita, de acordo com Netto (1981), sobre os fundamentos da teoria social que permitiram
investigar uma nova abordagem sobre a questão da alienação, em que o fetichismo aparece
inerente às economias mercantis. Essas análises possibilitaram detectar a riqueza categorial
das formulações presentes no livro I de O Capital.

Segundo Netto (1981), os textos inéditos marxianos também favoreceram concepções


positivistas de sua obra. De acordo com o autor, a leitura desses textos serviram para
obscurecer uma questão que permanecia mal equacionada, e que impedia uma determinação
exata da teoria social. Somente após 1941, esta questão pôde ser analisada, sobretudo,
documentalmente. De tal análise, Netto (1981) destaca três resultados: a) a relação de Marx
para Hegel sendo uma “inversão’ dialética, em que Marx subverte o sistema hegeliano de
modo a torná-lo materialista; b) Há um corte epistemológico entre eles, uma “fratura que
medeia entre ambos é o hiato que separa as formulações ideológicas daquelas que são
estritamente científicas”; c) “há simultaneamente continuidade e ruptura”. Para NETTO
(1981, p. 32) estes três resultados possibilitaram a apreensão problemática da temática da
alienação e seus conexos.

Netto (1981) considera que a questão de corte epistemológico aparece como uma
problemática falsa e só se apresenta enquanto tal na medida em que o instrumental crítico
ainda permanece no estágio pré-científico, permitindo que o conceito de alienação seja
desqualificado como pertinente na obra de Marx. Obviamente, se não houvesse na formulação
generalizada da teoria de Marx, o fundamento hegeliano, não seria possível pontuar a
problemática da alienação.

De acordo com Netto (1981), as duas outras soluções, na elaboração do autor,


garantem este fundamento, mas com devida distinção. A primeira, simplifica de maneira
52

imprópria a revolução teórica de Marx, assimilando-a como mera troca de sinais. Neste caso,
parece que Marx havia apenas revelado a essência histórico-econômica das categorias
filosóficas, desmistificando o idealismo e subvertendo a sua disposição lógica e ontológica.
Por essa razão, “a teoria da alienação passa a constituir um aspecto de concepção materialista
da realidade relativa aos fenômenos ditos superestruturais”. E “disto resulta-se que há ainda
uma redução da revolução marxiana à inversão” situada no campo da filosófica, mas agora
materialista, de modo que a alienação aparece como componente da filosofia marxiana, mas
não do seu todo teórico. (NETTO, 1981, p. 33)

O autor justifica que as duas soluções consideradas são insuficientes. A primeira


demonstra uma perspectiva neo-positivista distante de qualquer apoio na teoria marxiana: “a
ciência não se põe como antinômica em relação às formulações “ideológicas”’. (NETTO,
1981, p. 33) A segunda estabelece uma filosofia que eliminaria os dilemas da superação da
filosofia. Enquanto a terceira, como uma das soluções, é que se “pode oferecer uma via de
esclarecimento abrangente da obra de Marx: o resgate das categorias hegelianas se faz com a
superação do estatuto especulativo da filosofia, integrando-as numa teoria que apreende a
ontologia do ser social, a partir da crítica da economia política”. (NETTO, 1981, p. 34)
Assim, segundo o autor, a teoria da alienação surge como parte essencial da teoria de Marx, a
qual permite analisar fenômenos determinados das formações econômicos sociais
historicamente específicas. (NETTO, 1981, p. 35)

Existem, ainda destacado pelo autor, três linhas de reflexão correntes sobre a temática
da alienação. Na primeira, ela surge como um fenômeno que se manifesta exclusivamente na
sociedade de classes, e que pode ser suprimida por uma ruptura com as sociedades do tipo
capitalistas. Nesta lógica, a transição socialista seria a solução viável. A hipótese, nessa
perspectiva, marca suas raízes na propriedade privada. Postone (2003) ainda assegura também
a exploração. Por isso, neste caso, acreditava que a supressão podia garantir a ultrapassagem
da alienação. Portanto, nessa lógica, o autor, expõe que "a experiência atual do chamado
socialismo real leva a crer que a complexidade do fenômeno é de tamanha ordem que a sua
outra ultrapassagem implica, para além da socialização dos meios de produção e de uma
eventual modificação nos mecanismos de divisão social do trabalho, a constituição de formas
radicalmente novas de sociedade - que não são dadas automaticamente por aquelas
socialização e modificação". (NETTO, 1981, p. 34).
53

A segunda posição sobre a alienação contesta a fragilidade da anterior. E, de acordo


com o autor, não basta suprimir a propriedade privada para extinguir o fenômeno. Neste
contexto, a “alienação seria um componente transistórico da socialidade, posto mesmo por
todas e quaisquer condições de interação humana - e é, portanto impossível supor a sua
liquidação.” (NETTO, 1981, p. 35). A alternativa à alienação é sempre relativa, de acordo
com o autor. Nesta proposta, o autor verifica que há uma atribuição à alienação, como uma
legalidade estabelecida à condição humana, e sua fragilidade tem raízes na hipostasia que se
realiza e converte a alienação, em componente insuprimível da estrutura do ser social.
(NETTO, 1981, p. 35)

A terceira posição tem uma determinação rígida do fenômeno econômico-social, mas


com o foco nos desdobramento da alienação. Nesse contexto, "os efeitos do fenômeno se
autonomizaram, no processo social, da sua estrita causalidade e tendem a configurar, pela sua
reprodução intensiva e extensiva, na vida social, estruturas de comportamento historicamente
muito resistentes.” (NETTO, 1981, p. 35) Em virtude disto, o “decurso da transição socialista,
prolongam-se os seus efeitos que, conjugados às particularidades desta via, podem dar origem
a fenômenos novos” (NETTO, 1981, p. 35) No entanto, o autor não discute as possibilidades
destes novos fenômenos. Segundo o autor, esta alternativa mostra-se mais propícia para
pesquisa, ao trazer em questão, a funcionalidade e os resultados da alienação que se
apresentam mutáveis em diferentes etapas do processo social. (NETTO, 1981, p. 35)

São nessas análises que o autor conjuga o problema do fetichismo e da reificação, em


que pretende explorar, buscando solucionar o tratamento destas, tomando como base a teoria
marxiana.

2.2 A reificação implica o fetichismo

Netto (1981) é uns dos autores que também busca refletir a questão da alienação. Esta
questão tem como pressuposto, sobretudo a contribuição teórica pertinente em O Capital. Tal
obra descreve e desvela o caráter misterioso que existe no produto do trabalho, tendo como a
sua essência, a mercadoria simples. Como já vimos no primeiro capítulo, a duplicidade do
trabalho permitiu a Marx analisar o valor, implicando a função do trabalho de tal forma que
54

ele pôde apreender com certa objetividade, o caráter ontológico da prática sócio-humana, em
um momento históricamente específico. (NETTO, 1981, p. 39)

Com efeito, essa análise, de acordo com Netto (1981), efetiva duas considerações
teóricas: “a captação ontológico-histórica do trabalho como constitutivo do ser social e a
tomada da dimensão econômico social particular da sociedade burguesa.” (NETTO, 1981, p.
39) Os pressupostos sobre o fetichismo, de acordo com o autor, articulam-se reciprocamente à
reprodução teórica do movimento histórico da categoria trabalho, e a reprodução teórica do
movimento histórico da categoria valor, sintetizando em um movimento concreto, o qual
desemboca na consolidação do modo de produção capitalista. Netto (1981), mediante tais
considerações, demonstra que tal reprodução teórica é possível, porque possui o valor como a
célula secreta de todas as formas burguesas do produto do trabalho. (NETTO, 1981, p. 40)

Embora já tenhamos exposto anteriormente sobre a forma que o trabalho assume neste
tipo de sociedade, podemos observar na mercadoria uma determinada duplicidade - valor de
uso e valor - e que nela repousa um mistério. E no interesse de desvendar esse mistério, surge
a indagação “porque a produção mercantil dominante instaurando-se sobre fundamento
puramente sociais, obscurece e escamoteia estes mesmos fundamentos”. Nessa mesma lógica
Marx, questiona-se: "o caráter misterioso que o produto do trabalho humano apresenta ao
assumir a forma de mercadoria donde provém?” (NETTO, 1981, p. 40)13. Em sua resposta, o
autor já expõe a problemática do fetichismo:

Dessa própria forma, claro. A igualdade dos trabalhos humanos fica disfarçada sob a
forma de igualdade dos produtos do trabalho como valores; a medida, por meio da
duração, do dispêndio da força humana de trabalho toma a forma de quantidade de
valor dos produtos do trabalho; finalmente as relações entre os produtores, nas quais
se afirma o carater social dos seus trabalhos, assumem a forma de relação social
entre os produtos do trabalho... Uma relação social definida, estabelecida entre os
homens, assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas... Chamo a
isto fetichismo, que está sempre grudado aos produtos do trabalho quando são
gerados como mercadorias. É inseparável da produção de mercadorias. (NETTO,
1981, p. 41)

Assim, os produtores realizam sem a menor consciência a equiparação dos seus


trabalhos, só que esta dinâmica é transferida para o produto do trabalho. Efetivamente, este é
o ponto chave do fetichismo. E para revelar esse enigma teórico, é necessário ter como
condição os processos históricos sociais, permitido pela universalização da produção de
mercadoria. Diz Marx: “Os produtos do trabalho como valores são meras expressões materiais
do trabalho humano dispendido em sua produção”. (NETTO, 1981, p. 42)

13
Ver nota de rodapé número 61.
55

No entanto, essa conquista teórica não é suficiente para ultrapassar a “fantasmagoria


que apresenta como qualidade material dos produtos, o caráter social do trabalho” (NETTO,
1981, p. 42)-68.

Diante do exposto, Netto (1981) afirma que para uma dissolução definitiva do
fetichismo são necessários outros vetores da vida social, como forças sociais práticas, as quais
podem transformar qualitativamente as relações sociais do modo de produção mercantil.
Segundo o autor, Marx mostra os limites da intervenção teórica.

a determinação da quantidade do valor pelo tempo de trabalho é... um segredo oculto


sobre os movimentos visíveis dos valores relativos das mercadorias. Sua descoberta
destrói a aparência de causalidade que reveste a determinação das quantidades de
valor dos produtos do trabalho, mas não suprime a forma material dessa
determinação. (NETTO, 1981, p. 43)

Entretanto, de acordo com o Netto (1981), é insuficiente, no plano teórico, o desmonte


da mistificação engendrada pelo fetichismo. Segundo o autor, é indispensável outro
componente para penetrar na objetividade que o fetichismo põe, assim torna-se necessário
tomar as formas sociais estabelecidas como produtos históricos. Isso porque: “Ora,
exatamente em sentido inverso que operam as manifestações sociais fetichizadas: coagulando
na factualidade as objetivações do ser social, coisificando-as [e] tendem a diluir as suas
particularidades históricas numa eternização genérica” (NETTO, 1981, p. 43). Dessa maneira,
deve ser considerado que: “refletir sobre as formas da vida humana e analisá-las
cientificamente é seguir rota oposta à do seu verdadeiro desenvolvimento histórico.”
(NETTO, 1981, p. 43)

Nessa trajetória analítica, Netto (1981), justamente pelas considerações de Marx,


mostra as dificuldades que cercam as tarefas da teoria exemplificadas nas conquistas da
economia política clássica:

as categorias da economia burguesa são formas intelectivas que possuem uma


verdade objetiva, enquanto refletem relações sociais reais; mas estas relações
pertencem apenas a esta época histórica determinada em que a produção mercantil é
o modo de produção social. (NETTO, 1981, p. 43).

Nesse sentido, para suprimir, de fato, a mitificação produzida pelo fetichismo, é


necessário, segundo o autor, combinar uma análise genética a uma análise sistemática.
(NETTO, 1981, p. 44) É nesse sentido que: “todo mistério do mundo das mercadorias, todo o
sortilégio e a magia que enevoam os produtos do trabalho, ao assumirem estes a forma de
mercadorias, desaparecem assim que examinamos outras formas de produção”. (NETTO,
1981, p. 44)
56

Nessas abordagens analíticas - genética e sistemática - conclui Netto (1981), é que se


reconhecem a especificidade do fetichismo como própria da sociedade burguesa. É
imprescindível, para refletir acerca do fetichismo na sociedade burguesa, ter como base a
teoria da alienação para Marx. O fetichismo é uma modalidade da alienação. Os escritos
marxianos abordam a teoria da alienação como um complexo teórico crítico, que possibilitam
desenvolver a noção da reificação. De acordo com Netto (1981), a teoria marxiana, em suas
formulações, trata o fetichismo como uma funcionalidade muito específica que caracteriza
esse tipo de sociedade. Tal funcionalidade, segundo o autor, configura uma caracterização da
positividade posta pelo capitalismo, ao atingir a sua maturidade. (NETTO, 1981, p. 73)

De acordo com Netto (1981), o fetichismo e alienação não são idênticos. Por essa
razão, a alienação aparece como um complexo simultâneo entre causalidade e consequências
histórico-sociais, que se desenvolve quando os agentes sociais particulares não conseguem
discernir e reconhecer nas formas sociais, o conteúdo e o efeito das suas ações e
intervenções.Para NETTO ( 1981, p. 74) ainda possibilita afirmar que em toda a sociedade,
independentemente da existência de produção mercantil,onde vigora a apropriação privada do
excedente econômico estão dadas as condições para emergência da alienação, isso quer dizer,
que a alienação precede as sociedades anteriores. Nesse tipo de sociedade, o fetichismo
implica alienação, que é especifica como as formas alienadas mais arcaicas. Diz Netto
(1981), “o que ele [o fetichismo] instaura, entretanto, é uma forma nova e inédita que a
alienação adquire na sociedade burguesa constituída, assim entendidas as formações
econômico-sociais embasadas no modo de produção capitalista dominante, consolidado e
desenvolvido.” (NETTO, 1981, p. 75)

Netto (1981) examina que Marx não distingue a reificação – “forma qualitativamente
diferente e peculiar da alienação na sociedade em que o fetichismo se universaliza” – da
alienação tout court, de modo que não o discrimina do gênero. (NETTO, 1981, p. 75)
Segundo o autor, Marx não consegue efetivar a determinação histórico-social dos processos
alienantes. Desta maneira, para Marx, toda forma reificada é uma forma alienada, mas ele não
se atenta a que nem toda forma alienada é uma forma reificada, que pode ser expressa numa
relação objetual. Portanto, a especificidade histórica deste tipo de sociedade, sem desprezar as
formas alienadas das sociedades que precederam, instaura processos alienantes particulares,
postos pelo fetichismo e que se reduzem em formas alienadas específicas, as reificadas.
57

Sinteticamente, segundo Netto (1981), as obras marxianas posteriores a 1857-1858


tem sido capazes de situar a reificação das relações sociais – que alcança toda a esfera da vida
social –, que posta pelo fetichismo manifesta-se como estrutura específica da alienação
produzida por esse específico tipo de sociedade. (NETTO, 1981, p. 80)

Os argumentos expostos por Netto (1981) tratam a sociedade burguesa, assentada por
seus processos alienados e alienantes, radicada na mercadoria, que mistifica as relações
sociais envolvendo-as na especificidade da reificação. O autor busca explicar que tal
especificidade se manifesta como positividade da sociedade capitalista. Segundo ele, tal
positividade se apresenta como “um elemento equalizador e agregador que dá aos agentes
sociais particulares a sensação de estarem congregadas (pela factualidade) as múltiplas
objetualidades a que devem amoldar-se diferencialmente.” (NETTO, 1981, p. 87) Ela envolve
dinamicamente o complexo da vida social deste tipo de sociedade, e tende a homogeneizar,
por meio de nexos, os agentes sociais que desempenham papéis pseudo-objetivos
evidenciados no comportamento social real. Nesta lógica, a positividade põe-se como um
requisito para manutenção funcional desse tipo de sociedade.

Pode-se notar que o autor apanha a discussão do estranhamento da teoria marxiana e


desdobra-a, buscando estabelecer um tipo de nexo social, uma dinâmica própria e impessoal,
para tratar da especificidade da sociedade capitalista, a reificação. Nestes termos, há uma
proximidade com Postone ao tratar a estrutura capitalista como uma estrutura quase objetiva.

2.2.1 Ponto de inflexão em Lukács por Postone e Netto

Como vimos, Moishe Postone elabora uma reinterpretação de O Capital, de Marx


tendo por ponto de partida a obra de Lukács, - História e Consciência Classe. De acordo com
o autor, existe uma ruptura entre as duas primeiras seções do ensaio sobre a reificação com
última parte.
Nas duas primeiras secções, Lukács desenvolve a categoria mercadoria de Marx e
incorpora, na forma mercadoria, a crítica da modernidade, e, na segunda secção, realiza uma
análise da trajetória do pensamento filosófico Ocidental, de Descartes a Hegel, inserindo-o no
quadro de uma teoria das formas do capital. No entanto, Postone entende que a última parte
58

do ensaio, o enfoque de Lukács no proletariado, contrariava o entendimento do capitalismo


esboçado nas duas primeiras partes. Segundo ele, na terceira parte não está claro que a
revolução proletária seria capaz de transformar os processos de racionalização que ele havia
exposto antes.
A ruptura da terceira parte do ensaio marca uma distinção significativa, que possibilita
a crítica aos marxistas tradicionais, como exposto no primeiro capitulo desta dissertação.
Sinteticamente, Postone conclui que Lukács considera o Sujeito Histórico como sendo o
proletariado. No entanto, Postone discorda do proletariado enquanto o Sujeito Histórico, e
fundamenta sua argumentação a partir da obra de Marx. Assim, ele alicerça sua teoria, em sua
interpretação marxiana, na forma de produção capitalista, que por sua vez possui uma
dinâmica própria auto-mediadora e quase objetiva. Em outras palavras, o Sujeito Histórico se
apresenta como o próprio capital.
Postone, ao realizar sua crítica a Lukács, considera que ele compreendeu a mercadoria
nos termos do marxismo tradicional, e disso resulta uma análise categorial que recupera uma
legalidade do pensamento burguês. Sucintamente:

Lukács se apropia de la teoría de Hegel de un modo «materialista» a fin de ubicar la


categoría de práctica en el centro de una teoría social dialéctica. Al traducir el
concepto de Geist de Hegel en términos antropológicos, Lukács identifica al
proletariado de un modo hegelianamente «materializado» como el sujeto-objeto
idéntico del proceso histórico, como el Sujeto histórico que a través de su trabajo
constituye el mundo social y se constituye a sí mismo. En este sentido, Lukács
analiza la sociedad como una totalidad constituida por el trabajo entendido al modo
tradicional. La existencia de esta totalidad, según Lukács, está velada por el carácter
fragmentado y particularista de las relaciones sociales burguesas. Al derrocar el
orden capitalista, el proletariado se autorrealizaría como sujeto histórico, al
realizarse abiertamente la totalidad que él constituye. La totalidad y, por tanto, el
trabajo, proveen el punto de vista del análisis crítico de la sociedad capitalista
realizado por Lukács. (SANZ, 2005, p. 86)14

Netto, (1981) como vimos, aborda a análise de reificação de Lukács e trata mais a
frente, peculiarmente, da prática profissional. Mas o que interessa nesse momento é que Netto
compreende os nexos causais postos pela reificação, que de alguma maneira aproxima-se das
análises de Postone. Entretanto, o ponto de distanciamento é o suposto de que o Sujeito
revolucionário seja o proletariado ou classe trabalhadora, de acordo com Netto. Nesse sentido,
e a partir disso, pode-se considerá-lo ainda inserido na crítica de Postone, pertencendo, ao que
ele denomina, de marxismo tradicional.

14
Baseado em referencias extraídas do texto (LUKÁCS, 1971: 102-121, 135, 145, 151-153,162, 175, 197-200).
59

2.3 As distintas interpretações entre Marilda Iamamoto e José Paulo Netto

As transformações assistidas na década de 70 no âmbito do Serviço Social trouxeram


um leque de discussões, que tem contribuído com o contínuo aprimoramento profissional.
Após a revisão ideo-política, teórico-metodológica e da prática interventiva, surgiram debates
polêmicos ao redor da realização do trabalho do assistente social, inserido na sociedade
capitalista.

Após a nova inserção teórica que baliza o Serviço Social – a tradição marxista – foi
possível produzir teses acerca da profissão. Duas delas serão abordadas neste trabalho com
um esforço de cotejar com as correntes do marxismo tradicional, já tratadas no primeiro
capítulo.

Iniciamos com a tese do sincretismo da prática indiferenciada, proposta por Netto


(1992), tendo como inspiração a vertente marxista. O autor entende que houve alteração
significativa nas bases do serviço social, o que acarretou uma mudança tanto na inserção
sócio-ocupacional, como no próprio significado social do trabalho. Entretanto, pouco
transformou a forma estrutural da prática interventiva da profissão, a qual se mantém ainda
semelhante à filantrópica. Apesar das mudanças radicalmente substantivas, a profissão não foi
capaz de desenvolver uma operacionalização prática que superasse os moldes das
intervenções anteriores.

Nesse processo, a profissão obteve algumas referências, que balizaram uma


intervenção peculiar sobre as refrações da “questão social”, mas os resultados da prática
interventiva ainda são semelhantes à prática anterior. Netto (1992) expõe duas razões para
este fato: a primeira depende de determinadas condições institucionais para a intervenção
sobre os fenômenos sociais na sociedade burguesa constituída. E a segunda, da funcionalidade
do Estado no enfrentamento das refrações da “questão social”. (NETTO, 1992, p. 100)

Netto (1992) fundamenta o seu argumento acerca da prática indiferenciada pela


especificidade alienada da sociedade capitalista. O fetichismo envolve a relação mercantil e
instaura uma pseudo-objetividade tornando-se um padrão fenomênico de suas relações
(NETTO, 1992, p. 100). O autor elabora o conceito de positividade teoricamente baseado no
que Lukács denomina de “destruição da razão”. A positividade tem como pressuposto a
capitulação acerca das questões radicadas pelos movimentos sociais reais, e de acordo com
60

Lukács, este fenômeno (positividade) não rompe com os processos sociais deste tipo de
sociedade, porque não supera a sua imediacidade.

Por essa razão, as consequências na prática profissional ficam a mercê da execução


programática, seus planos de ação e seus efeitos são capturados por um conjunto de
intervenções, os quais agem no mesmo sentido. (NETTO, 1992, p. 102). Como resultado, o
autor diz que a prática profissional, referenciada na ruptura com as protoformas anteriores,
apresenta limites que impedem a resolutividade das refrações da “questão social”.

Segundo o autor, “a sua prática, orientada por um sistema de saber e inserida


institucionalmente no aspecto da divisão social (e técnica) do trabalho, não vai muito além de
práticas sem estes atributos". (NETTO, 1992, p. 103) Portanto, Netto (1992) afirma que esse
limite da prática interventiva do serviço social não é endogenamente exclusivo da profissão,
pois apresenta raízes institucionalizadas na sociedade burguesa consolidada e madura. Além
disso, há elementos fenomênicos antagônicos que se fundem, desencadeando numa
intervenção sincrética. E, no serviço social, Netto (1992) expõe,

que a problemática que demanda intervenção operativa do assistente social, se


apresenta, em si mesma, como um conjunto sincrético; a sua fenomenalidade e o
sincretismo - deixando na sombra a estrutura profunda daquela que é categoria
ontológica central da própria realidade social, a totalidade. (NETTO, 1992, p. 95)

Por outro lado, Iamamoto (2011), procura confrontar esta tese de Netto (1992) sobre a
prática indiferenciada. De acordo com a autora, Netto (1992) expõe em sua análise que a
participação política dos sujeitos não tem expressividade para a transformação social. A
ausência política torna opaca a perspectiva da luta de classe, a resistência à sociedade
capitalista. Isso estabelece uma visão cerrada da reificação, forma assumida pela alienação na
idade dos monopólios. Na perspectiva do autor, afirma Iamamoto (2011), a alienação tende a
ser apreendida como estado, e menos como um processo que comporta contra tendências,
porque as contradições das relações sociais ficam obscurecidas na lógica de sua exposição.
(IAMAMOTO, 2011, p. 269)

Acerca da temática positividade, Iamamoto (2011) relata que, para o autor, a ruptura
da positividade como padrão geral de emergência do ser social na sociedade burguesa
constituída implicaria uma introdução de outra racionalidade comportamental a este tipo de
sociedade, a qual este último não poderia tolerar. (IAMAMOTO, 2011, p. 271) De acordo
com a autora o “círculo da análise se fecha, alimentando o fatalismo, pois não permite
vislumbrar nem a presença dos movimentos revolucionários da história e nem horizontes de
61

ruptura da positividade em uma análise aprisionada num ‘pessimismo da razão’ que não dá
lugar ao ‘otimismo da vontade política’” citando Gramsci (IAMAMOTO, 2011, p. 271).

A autora resgata para a discussão dois vetores propostos por Netto (1992) acerca do
sincretismo, que por sua vez, fornecem as condições para uma intervenção da sociedade
burguesa marcada pela positividade ou pseudo-objetividade. O primeiro vetor, diz respeito ao
fato de que a eficácia permaneceu circunscrita à manipulação de variáveis empíricas no
rearranjo da organização do cotidiano, não rompendo com a imediaticidade. Desse modo, a
positividade está impregnada na funcionalidade do estado, no confronto das refrações da
questão social. O outro vetor contribui para o sincretismo da prática referente às políticas
sociais estatais, as quais não podem ser capazes de resolver a questão social, visto que só
podem repor, em bases ampliadas, as suas manifestações, mantendo-as crônicas.
(IAMAMOTO, 2011, p. 274)

Nesse sentido, a autora considera que “o campo das políticas públicas dos direitos
sociais é, também, uma arena de acumulação de forças políticas de lutas em torno de projetos
para a sociedade no enfrentamento das desigualdades condensadas na questão social.”
(IAMAMOTO, 2011, p. 275)

A autora busca analisar a falta de perspectiva política e, até mesmo revolucionária de


Netto (1981). Além do mais, ela afirma que a profissão é atravessada pela luta de classes, o
que parece diluído na elaboração do autor. De acordo com a autora, “essa inflexão não pode
ser debitada apenas à presença de bases sociais da categoria voltadas a uma direção social
estratégica contra-hegemônica informada pela tradição marxista, responsável pela renovação
da cultura profissional”. (IAMAMOTO, 2011, p. 281)
62

2.4 As teses do serviço social e a crítica de Postone ao marxismo tradicional

Esse confronto teórico entre os dois autores debatidos acima trata com
transversalidade a crítica elaborada acerca do marxismo tradicional pelos autores,
principalmente por Postone. E no desenvolvimento deste trabalho surgem alguns
apontamentos, que de certa maneira, comparam as perspectivas teóricas destes importantes
pensadores do serviço social.

Ao analisar alguns apontamentos de Netto (1981), embora sem o merecido


aprofundamento, podemos observar que o seu debate sobre a positividade da sociedade
capitalista constituída, ou melhor, madura, apresenta características estruturais em relação a
proposta de Postone, principalmente quando este discorre sobre a especificidade histórica
capitalista, envolvida por relações sociais quase objetivas. Entretanto, por outro lado,
Iamamoto (2011) critica a indicação do obscurecimento da vontade política dos sujeitos
coletivos que ao serem confrontados entre figurações de mundo, têm a capacidade de
trazerem mudanças que podem ser radicalizadas.

Essa é uma das questões mais polêmicas nessa discussão: o sujeito histórico
revolucionário que hoje se tornou principal pauta das discussões marxistas. Nesse intento,
foram expostos distintos conceitos em relação às teses apresentadas por Netto e Iamamotto -
teóricos do serviço social -, radicalmente distintas às de Moishe Postone. Se para Postone, o
sujeito revolucionário não existe, quer dizer, não tem consciência e se revela como o próprio
capital, para Netto (1981), o sujeito revolucionário se apresenta como a classe trabalhadora
e/ou o surgimento de possíveis novos movimentos sociais, afirmando seu papel político. Mas
este autor não expõe e nem discute, nas obras aqui examinadas, a maneira de como esse
sujeito poderia se tornar revolucionário. Iamamoto (2011), por outro lado, afirma a
centralidade da classe trabalhadora como o sujeito revolucionário histórico.

Se fosse possível elaborar uma comparação substantiva, a partir da crítica proposta por
Postone, diria que a tese teórica de Netto (1981), mesmo pertencendo ao marxismo
tradicional, tende a ser mais sensível às críticas elaboradas por Postone, reconhecendo a
implicação da reificação na vida social. Mas, por outro lado, as posições teóricas de Iamamoto
apresentam-se radicalmente pertinentes ao marxismo tradicional, com a posição de que os
sujeitos políticos de classe trabalhadora apresentam o potencial exclusivo de transformação.
63

Esse é um assunto que, a meu ver, merece ser aprofundado, pois compete como uns
dos temas inseridos nas discussões marxistas que ainda trazem rebatimentos dentro do meio
acadêmico, como também refletem no papel dos assistentes sociais, tanto quanto como nas
práticas políticas contemporâneas voltadas para impulsionar processos de transformação
social radicais.

2.5 Marxismo e Serviço Social: influências e análises

As influências das interpretações marxistas tradicionais, sobretudo pelos Partidos


Comunistas, certamente marcaram a formação da profissão ao ponto de dar origem ao
movimento de reconceituação que alterou seus rumos teóricos e metodológicos. Com este
processo emergiu certa compreensão da sociedade moderna e sua dinâmica. Com isso, o agir
profissional passa a reconhecer as possibilidades e seus limites, impostos pela ordem
burguesa.
Uma das principais teóricas do Serviço Social, Marilda Iamamoto, recorreu à teoria
marxiana a fim de elucidar as diversas idéias marxistas entretidas nas décadas de 60-70. As
distintas interpretações sobre Marx, partidos, métodos, entre outros, tiveram impactos
substantivos na categoria profissional que passava por um processo de revisão teórico-
metodológica.
A consulta à obra de Marx possibilitou ilustrar a dinâmica social capitalista e elucidar
algumas interpretações e influências equivocadas do marxismo tradicional, “pseudo-
marxistas” e a elaborar uma crítica social, mas próxima do pensamento marxiano. No seu
caso, Iamamoto recorreu à principal obra de Marx - O Capital - para o desenvolvimento das
suas pesquisas. Em seus principais livros, a autora explica como se dá a produção e
reprodução social na dinâmica do capital e, nela, a ocorrência da “questão social”. Os
primeiros capítulos destas obras retomam as análises de Marx do valor trabalho, da alienação,
da dinâmica estrutural do capital responsável pela reprodução social vigente e da relação de
exploração entre capital e trabalho15. Esses temas foram explorados no primeiro capítulo do

15
Para maior aprofundamento vide Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: Esboço de uma interpretação
histórico-metodológica e Serviço Social em tempos de Capital Fetiche: Capital financeiro, trabalho e “questão
social”.
64

presente trabalho, embora com alguma diferença em relação à formulação de Iamamoto, em


particular pela menor ênfase na categoria da exploração.
A relação capital - trabalho e a exploração possuem uma forte expressão na literatura
marxista e não menos nos estudos propostos pelos teóricos do Serviço Social. Iamamoto
identifica que a principal condição para o surgimento do capital, ou melhor, o mais-valor, é a
existência da força de trabalho livre como mercadoria especial para a transformação do
dinheiro em capital. (IAMAMOTO, 2005, p. 39). Nesses termos, a chave da valorização do
capital, é a capacidade que possui a força de trabalho de produzir para além de sua própria
reprodução. Essa mercadoria especial, quando envolvida no desenvolvimento das forças
produtivas, potencializa a produção de mais-valor e reduz significativamente o trabalho
socialmente necessário.
Sua tendência é criar a maior quantidade possível de trabalho materializado, isto é,
de valor, ao mesmo tempo reduzir o tempo de trabalho necessário à reprodução da
força de trabalho a um mínimo, ampliando o tempo de trabalho excedente.
(IAMAMOTO, 2005, p. 58)

As pesquisas sobre o trabalho no âmbito do Serviço Social abrangendo a categoria


valor tendem a focalizar as consequências da exploração. Segundo a literatura marxista,
adotada pelo serviço social, a contradição entre capital e trabalho acarreta uma depreciação
dos meios de vida da classe trabalhadora e multiplica o número dos trabalhadores que
compõem o exército industrial de reserva. Esses são os reflexos diretos das mazelas sociais
produzidas pelo capital tendo como causa a exploração da força de trabalho. O resultado disto
seria a desigualdade e injustiça social praticada pela classe dominante em relação à classe
trabalhadora. Em última análise, este efeito, para os trabalhadores, reproduz-se na
precarização do trabalho que conta com salário abaixo do seu valor, justificando a ‘super
exploração’.
Com efeito, o acúmulo de trabalhadores na reserva provocado pela redução do
trabalho vivo, exerce uma pressão aos trabalhadores ativos forçando a produzir mais e mais,
de maneira que são forçados a aceitar um salário abaixo do valor da sua força de trabalho.
Essa lógica da acumulação capitalista constitui imperativos para regulagem de salários, os
quais qualitativamente incidem nas organizações da classe trabalhadora.
Retomando as reflexões de Iamamoto (2011), pode-se inferir que as consequências do
exército industrial de reserva são: a redução da população rural classificada como uma
superpopulação latente; uma superpopulação intermitente (aqueles trabalhadores ativos que
vivem do trabalho irregular) como consequência da expansão do capital; e, em última
65

instância, o lumpemproletariado que se encontra na camada social dos trabalhadores que


vivem em situação de pauperismo.
As categorias de exploração do trabalho e de pauperismo têm constituído os dois
principais temas do universo da produção teórica do serviço social. Sob essa perspectiva de
análise da sociedade capitalista, tais categorias constituem e demarcam o objeto profissional
denominado “questão social”. É precisamente a ênfase nessas categorias que mereceu a crítica
ao marxismo tradicional delineada no primeiro capítulo, pelos autores cujas obras foram
exploradas.

2.6 Serviço Social e sua perspectiva histórica

O Serviço Social enquanto profissão emergiu, de acordo com Netto (2005) na fase
histórica do capitalismo maduro - capitalismo monopolista. O salto à profissionalização
carrega fortes marcas do filantropismo que são pertinentes desde sua origem. Esses sinais, que
não se devem menosprezar, manifestam-se até hoje na falta de clareza ou desconhecimento da
identidade profissional por parcela dos próprios assistentes sociais e pela maioria de seus
usuários. Entretanto, nesse estudo, o interesse é refletir o Serviço Social epistemologicamente
a partir da nova orientação que se alcançou com o movimento de reconceituação. Nesse
sentido, o que interessa é compreender a contribuição da corrente de intenção de ruptura –
que se tornou hegemônica e norteou a produção teórica pela opção marxista.
Essa inflexão teórica permitiu compreender a necessidade da profissão na divisão
social do trabalho como uma nova determinação imposta pela sociabilidade do capital. Nessas
circunstâncias, os enfrentamentos da problemática engendrada pelo capital começaram a ser
encarados segundo as críticas contidas na tradição marxista. As mazelas sociais são
compreendidas como parte imanente da produção capitalista, provocando uma postura
profissional diferenciada das atitudes anteriores de matriz conservadora. O novo
conhecimento produzido no interior da academia necessariamente repercutiu na prática. Para
tanto, foi fundamental a revisão dos três pilares da profissão: código de ética; grades
curriculares e lei de regulamentação da profissão.
O novo currículo inspirado nessas transformações intencionou pensar a prática
profissional de acordo com os parâmetros ideo – políticos acolhidos pela tradição marxista. A
instrumentalidade é uma condição necessária para todo trabalho social. No contexto da
66

renovação, este condicionante manifesta-se nas intencionalidades contempladas pelo código


de ética em vigência desde 1993. A reformulação curricular tem contribuído em conjunto com
os outros dois pilares em garantir uma prática que se oriente no sentido de contribuir para a
emancipação social. Nesse contexto, todavia, é preciso salientar que emancipação social não
tem um sentido unívoco na tradição marxista. Para certas correntes, no interior da tradição,
abolir a exploração é suficiente e sinônimo de supressão do capitalismo. Por outro lado, há
outros autores, como já assinalados para os quais a concepção marxista de ‘emancipação
social’ significa abolir a essência da sociedade capitalista - o valor.
No século XIX, pode-se admitir que Marx desenvolve a tese de que a história humana
é resultado exclusivo das ações dos homens em sociedade e tem como pressuposto o
desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social, cujo o correlato é o aumento das
capacidades humana. Talvez se possa sugerir, de algum modo, que Sérgio Lessa utilize, dessa
moção, tais pressupostos para descrever a profissão em seu artigo - Qual o papel do Serviço
Social na sociedade em que vivemos? De acordo com o autor, o código de ética profissional
traça um horizonte de luta pela superação da sociedade capitalista a partir do argumento que a
revolução histórica seja possível. Embora o conceito de revolução seja polêmico, ao postular a
sua possibilidade, Lessa repete um lugar comum do pensamento marxista ao afirmar que a
sociedade moderna não é a última forma de relação social entre os homens. Na mesma linha,
defende que a sociedade capitalista não deve ser entendida como o ápice da civilização, pois,
ainda segundo ele, se a humanidade coletivamente resolve superar seu próprio momento
histórico ela tem autonomia para criar seu próprio destino.
Ao ter como horizonte uma sociedade emancipada, o Serviço Social, parece pressupor
uma noção do tipo: decidido coletivamente superar o capital, nada nos impedirá de fazê-lo,
pois os indivíduos constroem sua própria história. Nessa perspectiva, o serviço social parece
entender que a simples decisão coletiva pode pôr fim à exploração do homem pelo homem.
Nesse caso, o Serviço Social,16pela prática profissional mediaria à possibilidade de construir
uma sociedade emancipada. E realizaria isto, segundo Lessa, afirmando uma tese filosófica
das mais ricas em consequências ideológicas: Se “nós fazemos a nossa história, se decidirmos
superar o capital, este será superado do mesmo modo como a humanidade deixou para trás o
machado de bronze ou a sociedade feudal. (SergioLessa, 2000, p. 6)
Considerando o histórico delineado acima, a significativa influência da teoria marxista
é um fato na produção teórica do Serviço Social. Tendo em vista isso, toda a produção teórica

16
Neste caso, consideramos os profissionais comprometidos com o projeto ético político profissional
hegemônico.
67

da categoria torna-se suscetível das críticas endereçadas à tradição marxista. Tome-se a título
de ilustração a passagem acima citada de Lessa “a história humana é resultado exclusivo das
ações dos homens em sociedade”, referencia a idéia que vigora na profissão e baliza a prática
profissional. Essa passagem considerada em si mesma é um truísmo. O trabalho inclusive é
momento dessa autoconstrução da humanidade. No entanto, na crítica aos teóricos do
marxismo tradicional, Postone (2003) argumenta que o trabalho é tratado por eles como
transhistórico, ou melhor, eles não o distinguiam como uma atividade socialmente mediadora
historicamente específica ao modo de produção capitalista. A questão é, nesse caso, as ações
dos homens, subordinadas a este tipo particular de trabalho, plasmam formas de prática social
quase independente dos próprios homens. Desse modo pode se dizer, que os homens, nesse
caso específico, têm uma estrutura social que é “resultado exclusivo das ações dos homens”
mas que os domina.
Nesse sentido, a prática social condicionada pela produção de valor e, por conseguinte,
do trabalho abstrato condiciona os comportamentos dos sujeitos. O trabalho do assistente
social, é claro, não foge a essa regra. As polêmicas sobre autonomia relativa talvez tenham aí
sua origem. Em particular quando se baseiam na idéia propositiva de que o sujeito faz sua
própria história. Todavia, independentemente da posição crítica do profissional, em geral, o
que ocorre na prática é a sua submissão involuntária e às vezes inconsciente aos imperativos
do capital coagidos por um sistema impessoal e quase autônomo.

2.7 Manifestações da “questão social”: o objeto profissional do Serviço Social

Algumas sugestões abordadas no primeiro capítulo indicaram que o objeto profissional


particular do serviço social – “questão social” e suas as manifestações - carrega alguns traços
do marxismo tradicional. Antes de tudo, observar estes traços só foi possível com a
introdução recente das idéias marxistas no interior da categoria profissional que permitiram
analisar a causa da “questão social” e suas manifestações, ou mazelas sociais produzidas pela
sociedade capitalista. Os autores mais destacados da época da renovação chegaram à
conclusão, tendo em vista o rebaixamento dos níveis de vida dos trabalhadores assalariados
que, a razão deste fenômeno ocorria pela extração do mais-valor – a exploração. Para esta
tradição, esta última é a principal categoria de análise capaz de descrever e fornecer elementos
68

críticos sobre a sociedade capitalista. Muito embora, há autores, dentre eles Postone (2003),
que ofereça outro tipo de análise sobre as categorias marxianas, com menor ênfase na
exploração. Tudo indica que, em certa medida, a categoria profissional absorve as
interpretações dos marxistas tradicionais, quando enfatiza as explicações acerca do
pauperismo a partir da análise da exploração. Assunto que consiste na formação acadêmica
dos profissionais.
As críticas direcionadas ao marxismo tradicional possibilitam repensar algumas
compreensões sobre a “questão social” e talvez considerá-las nas discussões acerca desse
assunto Desta maneira, podemos destacar algumas considerações:
Primordialmente, é preciso ilustrar por que a categoria profissional acolhe a
exploração do trabalho como a principal categoria capaz de responder o que corresponde ao
objeto profissional – a “questão social”. Resumidamente, porque a ‘“questão social” é
provocada pela extração de mais-valor e o pauperismo é a consequências dessa exploração
refletidas nas mazelas sociais. O apêndice à terceira edição do livro Capitalismo Monopolista
e Serviço Social de José Paulo Netto, por sinal bem conhecido na categoria profissional,
expõe nas Cinco notas a propósito da “questão social” tal explanação.
Segundo Netto (2005), a expressão “questão social”, pelo que tudo indica, tem data
recente no século XIX, no entanto tal expressão surge para dar conta do fenômeno de
pauperismo vivenciado na Europa no século XVIII cujo resultado foi o processo de
pauperização massiva da população trabalhadora. Se antes, a população em geral vivenciava a
pobreza por razão de escassez produtiva, no século XIX, o pauperismo emerge como um
fenômeno novo precisamente porque produzia riqueza pelas mesmas condições que
propiciavam os seus supostos. (NETTO, 2005, p. 154) O início desta nova configuração da
pobreza iniciou-se pela instauração do capitalismo em seu estágio industrial – concorrencial
com o surgimento de uma dinâmica da pobreza radicalmente nova que, então, se generalizava.
Em oposição à escassez “pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão
direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas.” (NETTO, 2005, p. 153).
Esta nova “pobreza” agora aparece vinculada, de modo contraditório, pelo aumento da
capacidade de produzir riquezas, uma característica própria modo de produção capitalista.
Além do mais, de acordo com Netto (2005), o pauperismo pela expressão “questão social”
tem uma relação diretamente com os desdobramentos sócio-políticos da época. Por mais que
os pauperizados fossem tratados como “vítimas do destino” para a ordem burguesa, estes não
se conformaram com a sua situação e, já nas primeiras décadas até a metade do séc. XIX, o
protesto tomado pela mais diversa formas culminou na transformação do pauperismo em uma
69

“questão social”. Nesse caso, todas as correntes do pensamento sejam eles conservadores ou
não resolveram questionar o surgimento desta última.
Deixando de lado, as concepções conservadoras e considerando as marxistas, o marco
histórico em 1848 revelou que as expressões da “questão social” estariam vinculadas à ordem
burguesa. Nessas circunstâncias, o fenômeno do pauperismo não podia ser “considerado
mais” como natural.
Uma das resultantes de 1848 foi a passagem, em nível histórico-universal, do
proletariado da condição de classe em si a classe para si. As vanguardas
trabalhadoras acederam, no processo de luta, à consciência política de que a
“questão social” está necessariamente colada à sociedade burguesa: somente a
supressão desta conduz à supressão daquela. (NETTO, 2005, p. 156)

O exame da “questão social” obteve, pela linha marxista, uma compreensão mais
rigorosa. A partir das análises de O Capital foi possível explicar a razão deste fenômeno e as
suas manifestações imediatas. Segundo Netto (2005), a análise marxiana da lei geral da
acumulação capitalista, no capítulo XXIII, desvenda o que constitui a “questão social”, sua
complexidade e seu caráter preciso no desenvolvimento capitalista em todos os seus estágios.
De acordo com Netto (2005), a teoria marxiana foi capaz de revelar que a “questão social”
está elementarmente determinada pelo traço próprio e peculiar da relação capital/trabalho – a
exploração.
A exploração, todavia, apenas remete à determinação molecular da “questão social”;
na sua integralidade, longe de qualquer unicausalidade, ela implica a intercorrência
mediada de componentes históricos, políticos, culturais etc. sem ferir de morte os
dispositivos exploradores do regime do capital, toda luta contra as manifestações
sócio-políticas e humana (precisamente o que se designa por “questão social”) está
condenada a enfrentar sintomas, consequências e efeitos. (NETTO, 2005, p. 157)

Desta análise, o caráter peculiar da exploração capitalista permitiu distinguir


historicamente a “questão social” das sociedades que antecederam a sociedade capitalista. Nas
primeiras, a problemática social derivava da escassez material. Ainda que nelas também
tivesse havido exploração, Netto (2005) salienta que:
O que é distintivo desse regime, entre outros traços, é que a exploração se efetiva
num marco de contradição e antagonismo que a tornam, pela primeira vez na
história registrada, suprimível sem a supressão das condições nas quais se cria
exponencialmente a riqueza social”. Ou seja: a supressão da exploração do trabalho
pelo capital, constituída ordem burguesa e altamente desenvolvidas as forças
produtivas, não implica – bem ao contrario! - redução da produção de riquezas.
(NETTO, 2005, p. 158).

Pela análise teórica de Marx, para Netto (2005) os problemas sociais estão vinculados
exclusivamente a sociabilidade fundada no capital (NETTO, 2005, p. 158) A partir desta
mesma análise, o autor afirma ainda: “porém, não se pode derivar o imobilismo sócio-político
70

consistente na espera de um dia D, ou uma hora H, revolucionariamente catastrófica, em que


o regime do capital seja reduzido a escombros – e, com ele, desapareça a exploração.”
(NETTO, 2005, p. 158). Em outras palavras alerta para o fato e com ele a exploração não
termina por si mesmo.
O surgimento do Welfare State pareceu resolver a “questão social” e suas expressões.
Nesse contexto, no entanto, muitos marxistas insistiam que a elevação no nível de vida dos
trabalhadores não alterava a essência exploradora do capitalismo resultante pelo processo de
pauperização relativa. (NETTO, 2005). O desmonte do Welfare State, e a ofensiva neoliberal,
demonstram que a passagem da intervenção do Estado à liberdade de mercado caracterizaria
uma nova pobreza, ou melhor, uma nova “questão social”. Para Netto (2005), no entanto, não
existe uma nova “questão social”, porém novas expressões e manutenção das manifestações
sociais tradicionais. Ao sustentar que a “questão social” persiste, o autor observa:
A dinâmica societária específica dessa ordem não só põe e repõe os corolários da
exploração que a constitui medularmente: a cada novo estágio de seu
desenvolvimento, ela instaura expressões sócio-humanas diferenciadas e mais
complexas, correspondentes à intensificação da exploração que é a sua razão de ser.
O problema teórico consiste em determinar concretamente a relação entre as
expressões emergentes e as modalidades imperantes de exploração. (NETTO, 2005,
p. 161)

Nesse sentido, apesar das novas expressões da “questão social” que têm suas raízes na
exploração, Netto (2005) assegura que, ainda sob as formas contemporâneas da “lei geral de
acumulação”, é preciso considerar a complexa totalidade dos sistemas de mediações em que
ela se realiza. (NETTO, 2005, p. 161)
Se a lei geral opera independentemente de fronteiras políticas e culturais, seus
resultantes societários trazem a marca da história que a concretiza. Isto significa que
o desafio teórico acima salientado envolve, ainda, a pesquisa das diferencialidades
histórico-culturais (que entrelaçam elementos de relações de classes, geracionais, de
gênero e de etnia constituídos em formações sociais específicas) que se cruzam e
tensionam na efetividade social. (NETTO, 2005, p. 161)

As manifestações da “questão social” e suas expressões, de acordo com o autor,


baseiam-se em circunstâncias históricas conjugadas as distintas culturas e nações. Entretanto,
sua raiz é sobreposta pelos dispositivos da exploração. Estes dispositivos exploratórios são as
condições que implicam os níveis de vida dos trabalhadores. Para o marxismo tradicional, a
categoria de exploração, em geral, resulta no rebaixamento dos níveis de vida da classe
trabalhadora quando a riqueza produzida é apropriada pelo capitalista. Nesse sentido, a
pauperização aparece como decorrência deste processo. Muito embora, dessa abordagem não
resulte necessariamente aquela conclusão. Heinrich (2008), um dos teóricos tratados nesse
trabalho, demonstra teoricamente, partindo de O Capital, que no capitalismo é possível
71

manter ou até subir os níveis de vida da classe trabalhadora garantindo a reprodução de


capital. Nesse caso, o autor insiste que a exploração não deve ser entendida como sinônimo de
pauperismo. Este assunto, veremos mais adiante.
Além do mais, uma análise baseada pela categoria de exploração, ao menos em parte
tende a afastar enquadrar as relações capitalistas em termos de dominação pessoal. Daí a
importância da ênfase dada por Postone (2003) à impessoalidade e ao caráter objetual da
dominação sob capitalismo. Muitas vezes, ignorados nas ações interventivas da profissão.
Em outros termos, se a “questão social” e suas manifestações são analisadas de acordo
com os argumentos centrais do marxismo tradicional pode-se presumir que suas conclusões
sejam aquelas criticadas por Postone (2003): sendo a exploração do trabalho pelo capital, a
existência da propriedade privada e do mercado o conjunto de causas que especificam a
sociedade capitalista e suas mazelas, tal linha de argumento parece pressupor que a solução da
questão da social com a superação da sociabilidade capitalista limita-se ou resume-se à
distribuição igualitária dos bens produzidos e a consequente realização da justiça social - uns
dos princípios expressos no atual código de ética. Ademais, essa perspectiva analítica -
baseada na exploração – induz a uma compreensão moral das classes sociais ocultando o
caráter impessoal do sistema capitalista. Entretanto, vai se tentar mostrar que a dominação
social entendida unicamente como dominação de classe, exploração de classe por outra pode
dar origem a idéia de que, enfrentar e superar essa dominação consistiria na supressão das
classes, na vitória de uma classe sobre a outra. O reflexo desse tipo de visão, de certo
comparece, do ponto de vista da prática profissional, quando em seus enfrentamentos
cotidiano os profissionais estão em oposição às classes dominantes e egoístas que sob tal ótica
roubam misteriosamente o trabalho dos outros.
Desta maneira, a teoria do valor analisada pelo ponto de vista da extração de mais-
valor e, não pelo ponto de vista da forma valor da riqueza, distancia a análise da natureza
fundamental da sociedade capitalista e obscurece a análise da “questão social”. A
característica de uma sociedade que produz valor é por definição o movimento de valorização
infinito do capital. A exploração do trabalho é, naturalmente, condição desse processo. No
entanto, como já foi dito, o característico aqui não é a exploração, mas a dinâmica estrutural
da sociedade pela autovalorização do valor como capital.
Em relação às críticas ao marxismo tradicional, de modo geral, podemos considerar
que, ao limitar a análise do pauperismo à exploração entre capital e trabalho, emergem dois
tipos de problemas.
72

Em primeiro lugar, tal análise acaba por definir o valor somente como categoria de
mercado sem levar em conta seu caráter de elemento fundante do capital. Resulta dessa
posição que o fim da exploração é o fim do pauperismo e que a supressão da exploração se dá
pelo aproveitamento igualitário do modo industrial de produzir criado sobre o capital. Em
segundo, exploração não deve ser necessariamente sinônimo de pauperismo. A partir da teoria
marxiana, Heinrich (2008) mostra que a exploração, em outras palavras, a extração do mais-
valor não necessariamente causa redução no nível de vida dos trabalhadores, podendo, ao
contrário, elevá-lo. Como veremos adiante, que a exploração não reduz o nível de vida.
Nesse sentido, ela é importante porque está diretamente relacionada com o objeto
profissional e suas diversas manifestações. Por isso, analisá-la corretamente é condição para
uma prática adequada.

2.8 Trabalho e Serviço Social

2.8.1 O trabalho como categoria fundante

Expor resumidamente o caráter ontológico do trabalho permite distinguir a forma


específica do capitalismo. Lukács, em sua obra para a ontologia do ser social, investiga a
gênese do ser social. O autor, partindo de Marx, pressupõe o trabalho como forma
exclusivamente humana e como um elemento intermediário entre o homem e a natureza. Em
síntese, só o ser humano é capaz de produzir o resultado de algo inicialmente imaginado de
modo que, neste processo, ele transforma o elemento natural, e, ao mesmo que tempo
transforma si mesmo. No processo de trabalho, a finalidade posta constitui, então, a lei
determinante do seu agir e a qual tem de subordinar a sua própria vontade (LUKÁCS, 1981,
p. 4). No trabalho, a finalidade posta realiza-se materialmente dando origem a uma nova
objetividade. Para Lukács, o trabalho é assim considerado o modelo de toda a práxis social
(LUKÁCS, 1981) O desenvolvimento do ser social tem como pressuposto a divisão social do
trabalho, o aumento social da produtividade do trabalho e, por conseguinte, a sua
complexificação. Dessa complexificação surge cada vez mais uma posição teleológica de
73

segunda ordem que tem agora como objetivo, não mais modificar a natureza, mas a
consciência de outros homens.
O desenvolvimento do trabalho implica uma crescente complexidade da divisão social
do trabalho, fazendo com que a atividade ideal-consciente deixe de ser inteiramente
subordinada à atividade prático-material e a atividade intelectual e dela se diferencie. (Marx e
Engels, 1977; Markus, 1974 apud Iamamoto: 2011; p.352) A necessidade da divisão do
trabalho é a principal contribuição para desenvolvimento do ser social, aprofundando a
dimensão universal do homem como ente genérico tornando-o um sujeito social e histórico.
Essa extensão genérica do ser social é pressuposta pela possibilidade e pela atividade coletiva,
de modo que “o próprio ato individual do trabalho [seja] essencialmente histórico-social”.
(IAMAMOTO, 2011, p. 353) Ainda de acordo com a autora, a historicidade humana
pressupõe um traço decisivo do gênero humano, da existência humana na sua genericidade.
Esta existência engloba, não somente a esfera econômica, mas a atividade vital completa
deste gênero, tais como, a ciência, a arte, a filosofia e a religião. “Por isso, a essência humana
na análise marxiana não se resolve em traços imutáveis e eternos, independentes do processo
histórico em curso, mas como um vir a ser das relações sociais entre indivíduos por eles
criadas ao longo do curso da história”. (IAMAMOTO, 2011, p. 353)
Para Postone (2003) essa análise do trabalho em geral muitas vezes tem se convertido
em uma concepção transhistórica do trabalho que impede apreender a forma de trabalho
específica da sociedade capitalista. Tal distinção é essencial para demonstrar que o marxismo
tradicional analisa a teoria do valor como uma teoria que explica que a riqueza social seria
criada pelo trabalho em qualquer lugar e tempo e que, no capitalismo, esta riqueza é
distribuída de maneira não consciente, “automático” e mediada pelo mercado.
Sob essa ótica, o trabalho seria comum em todos os tipos de sociedade dado seu
caráter ontológico constituinte do ser social. Em consequência, o caráter específico do
trabalho, na sociedade capitalista, seria simplesmente obscurecido. Daí a importância de
autores como Postone que insiste nessa necessidade de dar conta das diferenças da forma de
trabalho nas diversas formações sócio-econômicas.
74

2.8.2 A exploração do trabalho não pode ser sinônimo de pauperismo

Como vimos, a dinâmica do sistema capitalista é regida por leis impessoais que
subordinam todos os indivíduos. A forma da produção da riqueza não é determinada a uma
pessoa ou a um grupo de pessoas; ela coage os trabalhadores como os capitalistas. Por essa
razão, a constatação das mazelas sociais não pode dar ensejo a críticas de ordem moral.
Heinrich (2008) enfatiza com base na teoria marxiana, a impessoalidade deste sistema e de
suas leis que têm a mesma característica. Por esse motivo, a extração de mais-valor do
trabalho independe dos capitalistas individuais, que na análise de corte moral, são muitas
vezes acusados pessoalmente pela exploração do trabalho.
as leis imanentes do capital, como a tendência a prolongar a jornada de trabalho
laboral e o desenvolvimento da força produtiva, são independentes da vontade dos
capitalistas individuais. Impõem-se frente a eles como leis coercitivas da
competência. (HEINRICH, 2008, p. 119)

Segundo o autor, Marx, ao falar da “necessidade ilimitada de mais trabalho” como


uma particularidade do modo de produção capitalista, não está fazendo, de maneira alguma,
uma censura moral ao capitalista individual. Pois, essa necessidade de mais-trabalho impõe –
precisamente porque não conhece limites – que o capital “opere sem a menor cerimônia em
relação à saúde e duração da vida do trabalhador” e, consequentemente, implica também a
destruição da força de trabalho, sem que isso possa ser considerado uma deficiência moral
individual, porém resultado imanente da lógica da produção mercantil capitalista.
(HEINRICH, 2008, p. 114)
Além disso, o método da extração de mais-valor, seja absoluto e relativo, não
necessariamente deve ser analisado como sinônimo de empobrecimento do trabalhador ou
causa direta da miséria humana. Pelo contrário, Heinrich (2008) destaca em relação à teoria
marxiana que o trabalho excedente apropriado pelo capitalista, ou melhor, a exploração do
trabalho também pode elevar o padrão de vida do trabalhador na mesma medida em que
aumenta a exploração deste mesmo trabalhador. O significa que a exploração não pode ser
medida pela elevação ou não do nível de vida dos trabalhadores, mas sim pela variação da
taxa de mais-valor.
Heinrich (2008) usa a teoria do valor de Marx para ilustrar a relação entre a criação de
mais-valor e aumento da produtividade e os seus possíveis impactos no meio de vida do
trabalhador. Segundo o autor, uma jornada de oito horas que corresponde a uma taxa de mais-
valor de 100% divididas em duas partes iguais satisfaz em 50% o tempo de trabalho
75

necessário para reproduzir o valor da força de trabalho e 50% de sobretrabalho em que se


reproduz o mais-valor. O autor exemplifica pela expressão do dinheiro que se o valor da força
de trabalho em oito horas, nas condições normais é de 160 euros, então, o valor da força de
trabalho será de 80 euros, e o mais-valor produzido será também de 80 euros. O autor
continua ilustrando que se a força produtiva do trabalho se duplica em todos os setores, ela
pode produzir todos aqueles bens reduzindo a metade o tempo de trabalho necessário até
então imprescindível naquele momento, pois o seu valor reduziu-se a metade. Significa dizer
que, agora o valor da força de trabalho reproduz-se em duas horas e não em quatro,
decrescendo de 80 para 40 euros. Estas duas horas reduzidas tornam-se acréscimo para o
sobretrabalho que aumenta de quatro para seis horas e o mais-valor aumenta de 80 para 120
euros. Nesses termos, mesmo que o valor da força de trabalho tenha sido reduzido de 80 para
40 euros, ainda se pode comprar com 40 euros os mesmos meios de vida que antes se
comprava com 80. Em outra proposição, o autor supõe que se os trabalhadores alcançarem
(como consequência das lutas dos trabalhadores ou como resultado da escassez da força de
trabalho) receber uma hora a mais em cima daquelas duas horas criadas, reduziria em uma
hora o sobretrabalho e, portanto, receberiam como valor da força de trabalho, 60 euros em vez
de 40. Neste caso, ainda sim haveria caído o valor da força de trabalho de 80 euros para 60 e o
sobretrabalho crescido de quatro para cinco horas, correspondendo a uma taxa de mais-valor
de100 euros e, portanto, aumentando o nível de vida dos trabalhadores. O autor explica que o
valor dos meios de vida havia sido reduzido por causa da duplicação da força produtiva, mas
o orçamento do trabalhador não é agora apenas metade, porém três quartos do salário.
(HEINRICH, 2008, p. 128)

se o nosso trabalhador pode comprar hoje com 40 euros os mesmos meios de vida de
antes com 80, então agora tem a disposição 60 euros, podendo aumentar em 50% a
quantidade de meios de vida. Dito em termos usuais hoje: os salários nominais (isto
é, dinheiro expresso em salário) caíram em 25% (de 80 para 60 euros), os salários
reais (isto é, os salários expressos em poder aquisitivo) aumentaram em 50%
(podendo comprar em 50% mais bens). (HEINRICH, 2008, p. 129)

Concluiu, portanto, que o aumento das forças produtivas permitiu uma elevação do
nível de vida da classe trabalhadora que acompanhou um incremento de mais-valor de modo
que apropriado pelo capital. Dessa forma, dado que a diminuição do valor da força de trabalho
e o acréscimo do mais-valor produzido pela força de trabalho individual mostraram que houve
crescimento da taxa de mais-valor, segue-se que teve lugar um aumento da exploração, mas
não necessariamente um decréscimo do nível de vida da classe trabalhadora.
...a exploração não tem referência a condições especialmente ruins e miseráveis, sim
ao estado de coisas no qual os trabalhadores e trabalhadoras criam um valor maior
76

do que recebem em forma de salário. O grau da exploração não se mede pelo nível
de vida, sim pela taxa de mais-valor. (HEINRICH, 2008, p. 130)

Considerando essa proposição, pode-se concluir que a exploração do trabalho


teoricamente entendida como extração de mais-valor não pode ser reduzida significativamente
à pauperização dos trabalhadores. O Welfare State foi um exemplo histórico de que, no
sistema capitalista, é possível haver exploração sem rebaixamento no nível de vida dos
trabalhadores. Desconsiderar esse aspecto da teoria do valor equivale considerar que a
exploração é a causa direta do pauperismo. Não é senão por outra razão que Heinrich (2008),
afirma que essa interpretação é falaciosa. Esta interpretação, seguindo a respectiva lógica da
exploração com o enfoque no pauperismo acaba por vincular a teoria do valor à perspectiva
do mercado. Além do mais salienta que tal conexão lógica entre a exploração e pauperismo
ou (no caso do serviço social a “questão social”) acaba por vincular a teoria do valor a
questões distributivas.

2.8.3 Afinal, o que é o proletariado?

O proletariado é uma categoria marxiana próprio da sociedade capitalista. Marx


descreve no capítulo XXIII – A Lei Geral da Acumulação Capitalista, em nota de rodapé, que
“por ‘proletário’ deve entender-se economicamente o assalariado que produz e expande o
capital e é lançado à rua logo que se torna supérfluo às necessidades de expansão do
‘monsieur capital’, como o chama pacqueur.” (MARX, 1982, p. 714)
A teoria do valor em Marx delineia as relações do trabalho no capitalismo e sublinha
suas contradições. O desenvolvimento histórico do capitalismo, aos expandir os organismos
sociais de produção possibilitou a organização dos proletários, e com isso a sua constituição
como classe para si, que, potencialmente poderia ser capaz de romper os laços de dominação.
Pode-se sugerir que esta compreensão é bastante difundida e de certa maneira tem
repercussões no Serviço Social.
Para discutir esta questão talvez seja interessante recorrer algumas discussões
polêmicas atuais sobre o proletariado. Tais polêmicas trazem ao cenário para o debate as
categorias sociais - o lupemproletariado e o trabalho escravo que, foram supostamente
desprezadas por Marx.
77

Ao tratar da noção de proletariado, Linden, em seu artigo intitulado Proletariado:


conceito e polêmicas - ao tratar da noção do proletariado estabelece nexos das formas de
trabalho próprias do capitalismo e outras consideradas “incompatíveis” com esse tipo de
sociedade, particularmente, o lupemproletariado e a trabalho escravo.
Eu argumentaria que as delimitações feitas por Marx sobre o proletariado não
seguiram sempre o desenvolvimento lógico de sua crítica da economia política, que
seus impulsos morais, cogitações e vontades políticas provavelmente tiveram um
importante papel em suas considerações. Por conseguinte, não foi possível evitar
significativas contradições, e mesmo fatos históricos foram negados. Os exemplos
do lumpemproletariado e da escravidão podem, sem dúvida, corroborar esta
afirmação. (LINDEN, 2014, p. 60)

O autor defende que a noção de proletariado surgiu antes da era cristã vinculada à
sociedade romana. Ela referia-se a um grupo amplo, formado por homens livres, cidadãos
pobres designados proles, que poderiam servir ao império como soldados. A expressão
“proletariado” ressurge no final do século XVIII e início do século XIX, presente na formação
pré-capitalista da sociedade moderna. De acordo com os autores da época o proletariado
formava “o nível mais baixo, o estrato mais profundo da sociedade”, que consistia em quatro
grupos: “os trabalhadores, os mendigos, os ladrões e as mulheres públicas”. (LINDEN, 2014,
p. 58)
Segundo o autor, entre os trabalhadores (os novos trabalhadores sob jugo do
capitalismo) e o “nível mais baixo” da camada social, os trabalhadores comunistas já
“organizados” de Londres optaram por se chamar proletários e diferenciar-se do denominado
lupemproletariado17. A despeito dessa diferenciação, estes “trabalhadores comunistas”
acreditavam que esta classe, considerada a mais baixa da antiga sociedade, poderia ser
arrastada ao movimento por uma revolução proletária. No entanto, seu nível de sobrevivência
a tornaram mais um instrumento de intriga reacionária. (LINDEN, 2014, p. 59)
Linden (2014) observou que Marx fizera algumas distinções consideráveis sobre o
proletário, tais como: o escravo não poderia pertencer ao proletariado, pois não é proprietário
da sua capacidade de trabalho, em outras palavras, não é trabalhador livre; e, pela separação
do proletariado da pequena burguesia, em que o primeiro possui somente a sua força de
trabalho para vender, sem possuir propriedade privada ou quaisquer meios de produção.
Segundo Linden (2014), estas duas definições ficaram cada vez mais distintas nas formas
sociais demarcadas como capitalistas, onde a luta de classes foi intensificada principalmente
entre capitalistas, proprietários de terras e assalariados. Na tentativa de definir com a maior
precisão possível a natureza histórica e os limites sociais do proletariado, Marx, em O

17
Ver descrição de lupemproletariado em Marx.
78

Capital, definiu o puro proletariado como o trabalhador que “como um homem livre pode
dispor de sua força de trabalho como sua própria mercadoria” e, “por outro lado, não tem
além desta outra mercadoria para vender” (MARX, 1980, p.188-189). As consideradas classes
intermediárias – entre a classe trabalhadora e burguesa - se enfraqueceriam e finalmente
desapareceriam com o desenvolvimento moderno das indústrias. O autor sublinha que Marx,
em seus últimos escritos, buscou fundamentar esta tese no sentido de que para o autor, o
contínuo processo de acumulação do capital implicaria um crescente número de homens
duplamente “livres”, tanto em termos absolutos como relativos. Isto porque quanto maior o
capital, maior o contingente de trabalhadores necessários, pois, de acordo com Marx, a
acumulação de capital é sinônimo de incremento do proletariado.
Segundo Linden (2014), a categoria escravo foi abolida da análise teórica de Marx,
pois a sociedade moderna não compreendia mais essa velha categoria. Dessa maneira, ele
afirma que Marx descuidou desse assunto. Linden insiste que “a história tem dado muitos
exemplos em que a força de trabalho é oferecida no mercado não pelo trabalhador que a
possui. O trabalho infantil, em que os pais ou os tutores recebem os salários das crianças, é
um exemplo claro disso”. (LINDEN, 2014, p. 64) Segundo ele, esta outra forma de trabalho
que tem sido desprezada na teoria marxiana produz valor, mas não cabe na teoria do valor,
pois os escravos consistem no capital fixo e somente o capital variável é capaz de criar valor.
Preocupado com o crescimento do lupemproletariado e da escravização (que nunca foi
abolida) e de outras formas de trabalho na sociedade moderna, Linden (2014) argumenta que
é preciso, portanto, ampliar a teoria de valor de tal modo que ela seja também adequada para
dar conta dessa “novidade”.
As preocupações de Linden (2014) que, no fundo faz uma crítica à teoria marxiana ao
tratamento restrito do proletariado elaborado por este, se vincula às seguintes questões: o
proletariado como sujeito revolucionário; a ênfase da teoria do valor limitada à exploração do
trabalho; e a problemática crise do marxismo que, de certa maneira, tem sido incapaz de
fornecer respostas convincentes.
A teoria do valor, em uma análise precisa, prevê que a dinâmica do capital implica a
redução do proletariado. A fase histórica, em que a acumulação capitalista necessitava de um
número crescente de produtores diretos, pode ter dificultado a compreensão daquela
tendência. Fase essa que não refutou a legalidade tendencial descoberta por Marx. A contra
face dessa tendência é o aumento do lupemproletariado, ou melhor, dos descartáveis para o
capital. É possível que outras categorias como a escravidão possam subsistir historicamente,
mas não são produtos específicos, quando pressionadas as reprimem por meio da legislação.
79

A escravidão atualmente tem características distintas exclusivas da sociedade moderna, pois


os trabalhadores nessas circunstâncias vendem a sua força de trabalho. Essa nova relação cria
um tipo de vínculo diferenciado, na qual o trabalhador fica subjugado pelo endividamento.
Outra forma de analisar é a desenvolvida por Badaró (2014), que, em suas pesquisas,
também procurou traçar um perfil ampliado da classe trabalhadora. Seu esforço leva em conta
as formas de exploração da acumulação capitalista, mas tenta compreender as recentes
configurações das relações de trabalho.
Badaró (2014), ao definir a nova morfologia da classe trabalhadora, a compreende pela
sua especificidade no modo de produção capitalista, como já foi assinalado, o trabalho
abstrato. Entretanto, para justificar as transformações atuais no mundo do trabalho, o autor
aproveita a conceituação de “capital imperialista” de Fontes. Na interpretação de Badaró, a
análise de Fontes sugere que a acumulação do capital hoje opera, por um lado, capitaneada
pela forma de capital monetário (ou “capital portador de juros”) tal como analisada pelo O
Capital, que agora se realiza plenamente, e por outro, de acordo com as elaborações de Lênin,

pelo surgimento do capital financeiro, ocorrido pela fusão entre capital bancário e capital
industrial. Neste processo, a fusão entre capitais já não dá conta da forma atual de
concentração, que “decorre e impulsiona o crescimento de todas as formas de capital,
pornograficamente entrelaçadas” (FONTES, 2010, p. 198 apud MATTOS, 2014, p. 85).
Enfim, o autor, usando o argumento de Fontes, expõe que uma das características do processo
de expansão capital-imperialista é uma tendência a opor de forma direta a propriedade
capitalista ao conjunto da humanidade a imposição e sobreposição da forma de extração de
mais-valor. Isto resulta em fases expropriatórias, entendidas pela autora como “primarias”,
aquelas que separam o homem da terra, coagindo a venda da sua força de trabalho no mercado
para garantir a sobrevivência como consumidor neste mesmo mercado, e “secundárias”, na
medida em que até os “direitos”, já conquistados por meio de lutas sociais são também
desapropriados. (FONTES, 2010, p. 198 apud MATTOS, 2014, p. 85)
O autor também recorre a Antunes para discutir a nova morfologia da classe
trabalhadora. Antunes propõe uma ampliação do conceito de classe, denominando-o como
“classes-que-vive-do-trabalho”, que se justifica com base na seguinte pergunta: “afinal, não
viveriam todas as classes “do trabalho”, sendo que umas viveriam da exploração do trabalho
de outras?”. (MATTOS, 2014)
De acordo com Badaró, Antunes, no esforço de criticar aqueles que defendem o fim da
classe definiu como noção ampliada da classe trabalhadora, “a totalidade daqueles que
80

vendem sua força de trabalho, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos”
(MATTOS, 2014, p. 89), mas englobando também, os trabalhadores improdutivos, além do
proletariado rural. Certamente o autor mantém-se amparado pela validade analítica conceitual
de Marx. De acordo com Antunes (1995), a nova morfologia abrange uma diminuição da
classe operária industrial tradicional. Mas, de outro lado, ocorre uma expansão do trabalho
assalariado no setor de serviços.

Badaró reproduz tal descrição de Antunes:

o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo


proletariado do Mac Donalds (...), os trabalhadores terceirizados e precarizados das
empresas liofilizadas (...), os trabalhadores assalariados da chamada ‘economia
informal’, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos
trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de
trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de
reserva, na fase de expansão do desemprego estrutural” (ANTUNES, 1999, p. 102-
104 apud MATTOS, 2014, p. 89)

Segundo Badaró (2014), o problema em relação ao conceito de classe trabalhadora em


Marx seria de natureza terminológica.
Nas línguas neolatinas, tendemos muitas vezes a traduzir (e a maioria das citações
que reproduzirei a seguir incorrem nesse equívoco) a expressão alemã empregada
por Marx Arbeiterklasse, ou o correlato inglês working class, por classe operária.
Tal tradução aparece muitas vezes associada à idéia de que o verdadeiro sujeito
revolucionário é o operário industrial – trabalhador produtivo, que sofre a subsunção
real ao capital decorrente da interação com a moderna tecnologia empregada na
grande indústria. (MATTOS, 2014, p. 89)

No entanto, segundo Badaró (2014), Marx nem sempre foi sempre preciso em sua
terminologia sobre proletariado e classe trabalhadora. Marx afirma, por exemplo, que por
“proletariado podemos entender todos aqueles que nada possuem, ou melhor, não possuem
outra forma de sobreviver, numa sociedade de mercadorias, do que vender, como tal, a sua
força de trabalho” e identifica classe trabalhadora “ao conjunto daqueles que vivem da venda
da sua força de trabalho, quase sempre em troca de um salário” (MATTOS, 2014, p. 90);
Na citação mais acima, o autor indica que a associação do conceito de proletariado
com o de classe operária pode ser entendida como um equívoco analítico marxista que, de
certa maneira, considera o proletário unicamente como trabalhador fabril. Se considerarmos a
proposição de Marx, podemos afirmar que o trabalhador é um proletário, mas um proletário
não é somente aqueles que compõem operariado.
Afinal, a redução do conceito de proletário à classe operária envolve outro erro: o de
compreender a classe operária como o sujeito revolucionário. E levando-se em conta que o
capital, em sua dinâmica imanente, reduz proporcionalmente o trabalho vivo em relação o
81

trabalho morto, seria possível afirmar que o sujeito revolucionário, visto como o operário,
tendencialmente desaparece. Dando margens às polêmicas em torno do “fim do trabalho.”
Antunes, na tentativa de dar resposta a idéia do fim do trabalho presente, por exemplo,
no Adeus ao proletariado, de Andre Gorz elabora o ensaio intitulado Adeus ao trabalho? No
capítulo As metamorfoses no mundo do trabalho, ele investiga a desproletarização do mundo
do trabalho a fim de responder aos que defendem o fim do trabalho.
De acordo com o autor, houve sim, no capitalismo contemporâneo, uma redução da
classe trabalhadora na indústria tradicional e, paralelamente, uma expansão do trabalho
assalariado, em especial no setor de serviços. (ANTUNES, 1995, p. 41). Desta maneira, o
autor ilustra que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado e,
por outro, cresce o subproletariado que resulta no assalariamento no setor de serviços e em
uma desqualificação nas relações de trabalho. Este processo de subproletarização se apresenta
nas formas de trabalho precário, parcial, temporário, subcontratado, “terceirizado”, vinculado
a economia informal dentre outras modalidade. (ANTUNES, 1995, p. 44)
O autor compreende que com o resultado dessas transformações no mundo do trabalho
tem-se uma dissolução da antiga classe trabalhadora e ampliação à classe-que-vive-do-
trabalho. Dito de outra maneira, este conceito torna a classe trabalhadora mais ampliada,
portanto permitindo reconhecer as constantes e significativas metamorfoses no mundo do
trabalho.
Além do resultado das transformações no mundo do trabalho, que encontra sua
ilustração na tendência da redução do trabalho vivo e o crescente acúmulo de trabalho morto
decorrente do desenvolvimento das forças produtivas, o autor aponta outra consequência na
constituição da classe trabalhadora. Numa dupla direção, a redução quantitativa do operariado
industrial tradicional provoca uma alteração qualitativa na forma de ser do trabalho, que, de
um lado, impulsiona a maior qualificação do trabalho e, de outro, a crescente desqualificação.
Este processo tipicamente capitalista resultou em uma complexificação, fragmentação e
heterogeneidade da classe-que-vive-do-trabalho. (ANTUNES, 1995)
Ao considerar as ponderações feitas sobre o proletariado, o primeiro capítulo dessa
dissertação, no esboço teórico proposto por Postone, contém outra interpretação polêmica,
mas considerável, sobre o sujeito revolucionário. Certamente, consiste em uma concepção,
razoavelmente justificável, que indica o lado teórico extremamente oposto da concepção
marxista tradicional. Neste caso, o sujeito histórico – revolucionário – não contempla o
proletariado – e nem o lupemproletariado, muito menos o escravismo – mas adequada ao
82

capital, em termos, da sua própria contradição que prescinde do trabalho vivo ao mesmo
tempo em que, este último, é imprescindível.

2.8.4 O sujeito revolucionário e a prática profissional

De alguma maneira, ao longo desse capítulo, foram abordadas algumas questões ideo-
políticas sobre a prática profissional. As intervenções profissionais concentram-se na
socialização das informações e na persuasão de que os direitos sociais foram resultados das
lutas sociais no capitalismo. Em alguns discursos que tem como o sujeito revolucionário
como aquele que pode transformar a sociedade, por vezes aparece como parte das práticas
interventivas, a sua intenção de potencializar a consciência de classe tendo em vista a
possibilidade da transformação social. Presume-se que tal ação ativaria em parte dos usuários
(que são em sua maioria proletários) a consciência para si e o reconhecimento de sua
potencialidade para alterar as circunstâncias sociais de sua vida.
A despeito disso, os resultados dos enfrentamentos produzidos pela prática
profissional têm revelado uma disparidade em relação à pretensão finalística da nossa prática
(emancipação social). A evidência deste fenômeno tem demonstrado vínculos com as
discussões acerca da morfologia do proletariado hoje e torna estas reflexões imprescindíveis a
categoria profissional. Se há uma redução do proletariado e estes são sujeitos históricos logo
na consciência pode implicar certo desapontamento destes proletários.
O público alvo do serviço social inclui os proletários, nas suas distintas qualidades, e o
lupemproletariado – os descartáveis para o capital – que cresce em consequencia da dinâmica
contraditória do sistema, que tende a converter a condição de proletário na de
lumpenproletariado.
As discussões sobre as novas características do proletariado expressam uma crise na
concepção de seu papel revolucionário como sujeito da história. Há marxistas que consideram
as crises cíclicas do capital como uma circunstância que pode ativar a consciência da classe
trabalhadora, que, com isso, pode realizar o seu papel revolucionário. Sob essa ótica, os
proletários seriam capazes de consumar seu potencial revolucionário como sujeitos históricos
que tomariam o poder e edificariam os alicerces necessários de outro tipo de sociedade. O
momento mais propício para concretização dessa possibilidade seria o período de crise. Em
83

princípio, a crise, que se manifesta como superprodução, teria o potencial de destruir o


capital. Porém, segundo Heinrich (2008), a crise tem trazido uma potencialidade oposta.
Contudo, são precisamente estes momentos destrutivos os que, por meio de um
processo violento, eliminam o desequilíbrio entre a produção e o consumo social. As
crises não têm apenas um lado destrutivo, sem que para o sistema capitalista em seu
conjunto sejam verdadeiramente ‘produtiva’: a destruição do capital não rentável
reduz a produção, enquanto que a desvalorização do capital que segue atuando e os
salários baixos aumentam a taxa de lucro dos capitais que subsistem. Finalmente, se
reduzem os interesses, já que diminui a demanda por capital de empréstimo. Tudo
isto limpa o caminho para um novo crescimento, que muitas vezes se apóia na
introdução de inovações técnicas: se intensifica a demanda de máquinas novas, o
que reativa os investimentos do setor I (o setor que produz meios de produção) e
como consequencia do aumento do emprego acelera-se também a acumulação no
setor II (o setor que produz meios de consumo). Começa um novo período de
crescimento, que finalmente volta a desembocar na crise seguinte. (HEINRICH,
2008, p. 177)

Nesse sentido, alguns marxistas, vislumbrando apenas o lado destrutivo das crises
como uma ameaça à existência do capitalismo, acreditaram que ela conduziria a uma crise do
sistema político de modo que com “as dificuldades da reprodução econômica, as relações de
poder no âmbito político perde[riam] sua legitimação, e as pessoas começa[riam] a rebelar-
se”. De acordo com Heinrich (2008), “Marx generalizou precipitadamente este efeito e
esperou que com a próxima crise econômica se produzisse também a próxima revolução.” E
os eventos o refutaram.
No entanto, o movimento dos trabalhadores, segundo o autor, difundiu amplamente a
ideia de que as sucessivas crises levariam ao colapso do sistema capitalista. O mesmo autor
lembra que tais ideias foram retomadas por Kurz e seu grupo Krisis. Heinrich (2008), em
contraposição a esta opinião de colapso, recorda que Marx, no terceiro livro de O capital,
expõe os limites do modo de produção, mas não no sentido determinista. Limites derivados do
fato de que “o capital desenvolve as forças produtivas em maior medida que qualquer outro
modo de produção anterior, mas este desenvolvimento está a serviço unicamente da
valorização do capital”. Na leitura de Heinrich (2008), existe um claro conflito permanente
entre o desenvolvimento ilimitado das forças produtivas e o fim limitado da produção
capitalista, tal como exposto por Marx, mas daí não pode se inferir com base em Marx
qualquer tipo de colapso.
Heinrich (2008), em suas pesquisas sobre o pensamento teórico de Marx, sustenta que
em uma passagem dos Grundisse, mas não de O Capital, encontra-se uma observação que
permite compreender melhor a teoria do colapso. Esta passagem expressa à importância
crescente da ciência na produção da riqueza em contraste com o trabalho imediato realizado
84

no processo de produção. No desenvolvimento das forças produtivas, a aplicação da ciência


manifesta-se como força produtiva universal.
Tanto como o trabalho em sua forma imediata deixou de ser a grande fonte de
riqueza, o tempo deixa de ser e tem que deixar de ser sua medida e, portanto, o valor
de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso. O mais-valor da massa deixou de
ser a condição para o desenvolvimento da riqueza geral, do mesmo modo que o não
trabalho de uns poucos tem deixado de ser a condição para o desenvolvimento dos
poderes gerais da mente humana. Com isso, colapsa a produção fundada no valor de
troca. (MEW 42, p.601 apud HEINRICH, 2008, p. 180)

Heinrich (2008) justifica que em O Capital Marx tematiza a importância da ciência,


mas não analisa a “separação entre as potências espirituais do processo de produção e trabalho
manual”. Dessa maneira, neste livro, a contradição própria do sistema, fundamenta a
produção de mais-valor relativo e não o colapso. Segundo o autor, nos Grundrisse Marx
afirma que o capital tem uma tendência de reduzir ao mínimo o tempo de trabalho, muito
embora este último seja sua única medida da riqueza. Esta tendência, em alguns marxistas
como, por exemplo, em Kurz e sua corrente converteram-se na teoria do colapso. Segundo
Heinrich (2008), Marx decifra esta contradição no primeiro livro do capital:
Este enigma [...] resulta fácil de compreender se tiver em questão que para os
capitalistas não se trata do valor absoluto da mercadoria, e sim o mais-valor (ou,
mais precisamente, do lucro) que esta mercadoria gera. O tempo de trabalho
necessário para a produção de uma mercadoria individual pode reduzir-se e o valor
da mercadoria diminuir, de tal modo que o mais-valor ou lucro produzido pelo seu
capital aumenta. A este respeito, é irrelevante que o mais-valor/lucro se distribua
entre um pequeno número de produtos com um elevado valor ou entre um grande
número de produtos com um valor reduzido (HEINRICH, 2008, p. 180)

De acordo com o autor, ainda que renunciando todas as objeções pontuais que as
teorias do colapso possam ter não se escapa do problema fundamental que “indica uma
tendência inevitável do desenvolvimento ao qual o capitalismo não pode fugir e que é
impossível sua existência ulterior, independentemente do que possa passar no processo
histórico”. (HEINRICH, 2008, p. 180) O autor retrata que “na história do marxismo essas
tendências ao colapso se fundamentando através de distintos fatores. Geralmente tendo
supérfluo o trabalho na sua maior parte conduziria a ‘dissolução da substância do valor”.
(HEINRICH, 2008, p. 181)
Nesses termos as teorias sobre o colapso, segundo Heinrich (2008), tem tido
historicamente uma função exculpatória para a esquerda.
Não importava as terríveis que foram as derrotas atuais, o fim do inimigo era seguro
antes ou depois. A crítica à teoria do colapso não é em absoluto uma ‘capitulação
frente ao capitalismo, [...] pois a ausência destas certezas proféticas não faz melhor
ao capitalismo em nenhum sentido”. (HEINRICH, 2008, p. 181)
85

De certa maneira, estas discussões acerca do colapso ou da redução do proletariado,


descaracterizando este último como o sujeito histórico da revolução, também se refletem, em
última instância, na prática profissional. Os seus efeitos na relação profissional e usuário,
muitas vezes, refletem-se pelo desencantamento com o mundo, como também uma
desesperança individual.
86

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho permitiu levantar algumas questões sobre o marxismo tradicional e, com
isso, permitiu também avaliar a sua influência na produção teórica do Serviço Social.
As considerações críticas ao marxismo tradicional propostas pelos autores analisados
no primeiro capítulo revelaram inconsistências interpretativas cujo impacto na prática não
pode ser subestimado. Talvez não seja exagero debitá-las ao menos em parte pelo fracasso do
socialismo realmente existente. Acreditamos que tais considerações não têm somente o
interesse de sublinhar as possíveis inflexões teóricas das correntes marxistas, mas, sobretudo,
ajustar a crítica à obra marxiana. Desta maneira, talvez um ajuste crítico marxista a obra de
Marx possa contribuir preciosamente para a finalidade que os marxistas carregam – a
superação da sociedade capitalista.
A obra marxiana, um legado para todos aqueles que realizam uma crítica social
distinta das teorias clássicas, possibilita análises, revisões e tendências processuais da
sociedade capitalista. A continuidade deste legado se expressa na tradição marxista que por
interesse de garantir a validade teórica marxiana produz e reproduz análises diversas acerca
dos contextos históricos capitalista. Por isso, não se isentam das críticas que são elaboradas
por outros autores.
Da crítica ao marxismo tradicional, podemos observar uma reinterpretação
considerável da teoria do valor que regula a dinâmica social de modo impessoal. Por essa
razão, sendo o valor, a natureza que específica a forma social capitalista e daí, a forma de
riqueza, a extração de mais-valor ou exploração, sendo também preciso para a produção de
capital deve ser analisada como um dos resultados daquilo que é entendido de sua natureza. E
o trabalho, aquele cuja função é a produção de valor, este também deve ser historicamente
específico e não entendido como aquele trabalho, que o marxismo tradicional prega como
comum a todas as épocas e lugares. Destas críticas, elaboradas ao longo desta dissertação,
produziram-se considerações sólidas em torno do marxismo tradicional que buscaram
compreender as causas do fracasso daquilo que foi a possibilidade de transformação histórica
do século XIX. E como vimos, tal compreensão tiveram uma interpretação da teoria do mais-
valor, mas aproximada da lógica do mercado.
87

Nesse sentido, todo em vista que a produção teórica e metodológica do serviço social
tem como pressuposto a tradição marxista, as críticas pertinentes a esta tradição devem ser
bem-vindas e acolhidas, pois, se corretas, impõem atualização e revisão teórica do referencial
analítico da profissão. O serviço social quando intervém nas mazelas sociais produzidas pelo
capitalismo ativa o conteúdo teórico-metodológico que possui referencias no marxismo
tradicional. Convém dizer que nada impede que a nossa categoria aja conforme as críticas
realizadas a estes. Ademais, há, talvez, aqueles que defendam que estas mesmas críticas sejam
as mais coerentes. Mas o que importa nesse trabalho é demonstrar que a profissão tendo como
o pressuposto teórico também o do marxismo tradicional ela está diante da crítica efetuada a
este.
Como temos nas categorias, trabalho, “questão social” e políticas sociais os
fundamentos teórico-metodológicos e, como finalidade última, a emancipação social,
discorrer sobre o conceito de proletariado, analisar as manifestações da “questão social” e a
relação interventiva da prática profissional com seus usuários são discussões necessárias para
o alcance da finalidade posta – a emancipação social, obviamente, entendida em conjunto com
a sociedade.
Obviamente, o tratamento detalhado destas categorias não foi o objetivo deste
trabalho; no entanto, tem sido temas de diversas outras pesquisas na academia. O interesse
inicial está em mostrar como o serviço social também está exposto as críticas elaboradas pelos
autores examinados por possuir um projeto ético político claramente de inspiração marxista.
Estas críticas que têm no interior da tradição marxista refletem-se também nas categorias que
constituem a base teórica do Serviço Social.
Contudo, espero que tais contribuições teóricas possam fornecer novos subsídios a fim
de fortalecer o projeto profissional e sua permanência. Também acredito que estas mesmas
contribuições possam ser aprofundadas futuramente a fim de contribuir para o conhecimento
da categoria profissional.
88

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