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A ELABORAÇÃO DIDÁTICA DOS GÊNEROS DO DISCURSO NO ENSINO

SUPERIOR: possibilidades e limitações de uma prática1

Nívea Rohling da Silva


(Doutoranda em Linguística UFSC; bolsista CNPq)
niveajoi@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

Não raras vezes os professores de língua portuguesa 2 são chamados a ministrarem


aulas em cursos superiores de diversas áreas. Essas disciplinas são intituladas das mais
variadas formas: produção textual acadêmica, produção de texto, comunicação oral e
escrita, comunicação e expressão. São diversas nomenclaturas de uma disciplina que traz,
a priori, “conteúdos” considerados relevantes pelos gestores que elaboram o projeto dos
cursos. São disciplinas de âmbito procedimental e não propriamente de conteúdos
específicos da área da graduação, o que significa dizer que são disciplinas que compõe
uma série de competências a serem requeridas dos acadêmicos no decorrer de sua
trajetória acadêmica. Nesse sentido, o professor de tais disciplinas é um “estrangeiro” no
curso; um profissional que precisa sempre buscar um trabalho interdisciplinar para dar
sentido ao seu fazer didático-pedagógico.
Assim, a disciplinas de linguagem, inseridas nos variados cursos com objetivo de
trazer um “preparo maior” ao acadêmico, esbarram na problemática da definição dos
conteúdos. Nesse contexto, penso que há distintas concepções no que respeita aos
conteúdos a serem ensinados aos estudantes que iniciam um curso de graduação. Ou seja,
quais conteúdos são necessários? Quais as demandas em termos leitura e escrita que esses
estudantes precisam atender no início (e no decorrer) de seu curso? Nessa problemática,
muitas vezes o professor toma dois caminhos: a) limitar-se a ministrar conteúdos de

1
Esse texto é uma versão reduzida de um capítulo do livro: “Múltiplos olhares sobre as práticas de
linguagem no espaço-tempo da escola” (2011).
2
Sobretudo os professores de Língua Portuguesa que têm formação em nível de Pós-Graduação.
língua portuguesa estanques sem o estabelecimento de uma relação significativa com a
área do curso em que está ministrando a disciplina; ou b) corajosamente o professor
adentra o universo do curso desse estudante para conhecer sua área, identificar os
textos/discursos que são inerentes a esse campo e, a partir daí, empreende a sua prática de
ensino-aprendizagem em um movimento dialógico e integrado ao universo discursivo da
área de atividade do curso em questão e ao universo desse graduando iniciante.
Nenhuma das opções é “confortável” para o professor já que ambas trazem
conflitos. Porém, acredito que, ao optar pela segunda opção, o professor poderia buscar
no trabalho com os gêneros do discurso uma possibilidade de trazer a essa disciplina
“marginal” um lugar produtivo para o estudante no que tange a aprendizagem de leitura e
de escrita. E, sobretudo, um trabalho que possa contribuir não somente na construção de
saberes em torno dos letramentos socialmente valorizados (canônicos), mas também dos
letramentos importantes a sua futura área de atuação. Trabalhos como de Machado (2005)
no que remonta aos gêneros acadêmicos resenha e resumo já sinalizam a viabilidade de
tal empreendimento.
No intuito de contribuir para uma reflexão sobre o trabalho significativo com a
linguagem no âmbito do ensino superior, neste texto, apresento uma prática de ensino-
aprendizagem de leitura e escrita em contexto de ensino superior, mais especificamente a
elaboração didática do gênero entrevista pingue-pongue desenvolvido na disciplina de
Comunicação e Expressão, ministrada no curso de Tecnologia em Gastronomia na
Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).
Para isso, inicialmente situo teoricamente a noção de gênero com a qual
trabalhamos bem como apresento uma breve caracterização do gênero entrevista pingue-
pongue; na sequência, apresento uma exposição sobre a elaboração didática realizada e
uma discussão dessa prática a partir do horizonte apreciativo dos graduandos que
interagiram nesse diálogo.
O GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-PONGUE: o articulador das práticas de
linguagem na elaboração didática3

Antes de detalhar a elaboração didática empreendida no ensino superior a partir da


entrevista pingue-pongue, faz-se necessário apresentar brevemente a teoria de gêneros na
qual nos embasamos bem como expor a descrição desse gênero que foi tomado, nessa
elaboração didática, como articulador para o desenvolvimento das práticas de leitura e
escrita dos acadêmicos.
Na área de Linguística Aplicada (LA), a noção de gêneros do discurso já tem sido
amplamente discutida e publicizada. Pesquisadores como Rodrigues (2005); Rojo (2005);
Signorini (2006), Bazerman (2005; 2006 e 2007) entre outros, já vem contribuindo no
campo teórico-aplicado para a discussão sobre a noção de gêneros do discurso bem como
a problematização do papel dos gêneros como articulador das práticas de linguagem em
contexto de ensino-aprendizagem de línguas (materna e estrangeira). Nesse sentido, não
há somente uma teoria de gêneros e sim diferentes abordagens teórico-metodológicas: a
sociossemiótica, a socioretórica, a interacionista-sociodiscursiva, a semiodiscursiva, a
sociocognitivista e a sociodialógica4.
Inserido nas pesquisas sobre gêneros no campo da LA, este estudo tem como
baliza epistêmica a teoria de gêneros de discurso de orientação discursiva, ancorada na
arquitetônica bakhtiniana. Bakhtin (2003) define os gêneros do discurso como “tipos
relativamente estáveis de enunciados”. Em outras palavras, através de enunciados
individuais, que se movimentam em direção a uma regularidade, surge o gênero, e essa
relativa estabilização acontece através de seu uso em interações concretas. Uma vez
definidos como tipos relativamente estáveis de enunciados, os gêneros carregam em si
um caráter flexível e plástico. Ainda sobre a conceituação de gêneros, de acordo com
Rodrigues, Bakhtin concebe os gêneros como “tipificação social dos enunciados que
apresentam certos traços (regularidades) comuns, que se constituíram historicamente nas
atividades humanas, em uma situação de interação relativamente estável” (RODRIGUES,
2005, p. 164). Nesse sentido, é necessário olhar os gêneros a partir de sua historicidade,

3
Essa descrição do gênero é resultado de minha pesquisa de mestrado e está publicada no livro: “O gênero
entrevista pingue-pongue: reenunciação, enquadramento e valoração do discurso do outro”.
4
Acosta Pereira e Rodrigues (2009) apresentam uma sumarização das teorias de gêneros que se
desenvolveram na pesquisa em LA contemporânea. Disponível em: WWW.letramagana.com.br .
já que não são unidades convencionais, mas sim, tipos históricos de enunciados,
possuindo a mesma natureza do enunciado (natureza social, discursiva e dialógica)
(RODRIGUES, 2005).
Já com relação ao gênero entrevista pingue-pongue, articulador das práticas de
linguagem da elaboração didática aqui relatada, trata-se da entrevista esfera jornalística
que circula principalmente nas revistas. Esse gênero caracteriza-se textualmente pela
apresentação de uma entrevista na forma de perguntas e respostas, constituindo-se como
resultado da edição/reenunciação da entrevista que realizada face a face.
Esse gênero apresenta uma complexa relação discursiva entre entrevistador, editoria,
entrevistado e leitor. Os interlocutores ocupam lugares diferenciados: quem pergunta
(entrevistador), quem responde (entrevistado) e quem edita o texto. Mais que posições
diferenciadas, tem-se um complexo processo de co-autoria, pois editoria, entrevistador e
entrevistado constroem o texto. Contudo, vale ressaltar que a definição do conteúdo,
composição e estilo do gênero é definida pela esfera do jornalismo, a partir de uma linha
editorial.
Assim, a entrevista pingue-pongue constitui-se a partir da edição/reenunciação da
interação direta (face a face) entre entrevistador e entrevistado, que foi gravada ou
registrada em forma de anotações, e, mais recentemente, realizada através de e-mail. A
partir dessa interação, no processo de reenunciação e retextualização final da entrevista
face a face, há uma modalização da fala do entrevistado, isto é, a sua fala é um discurso
citado dentro da fala do entrevistador, que dá o acabamento ao enunciado (a entrevista).
O que diz Bakhtin (Volochínov) (2004) para o discurso relatado pode ser aqui aplicado,
pois a fala do entrevistado, na reenunciação da entrevista pingue-pongue, é o discurso no
discurso.
Essa reenunciação da entrevista face a face pode ser compreendida como um
processo de intercalação de gênero, tendo em vista que os temas, o auditório social, a
concepção de autoria sinalizam para a presença da interação face a face, que é
reenunciada em forma de entrevista pingue-pongue (enunciado publicado). Contudo, não
se trata de uma presença explícita, pelo contrário, é como se fosse uma “encenação”,
demonstrando uma relação de constitutividade genérica entre esses dois gêneros
(entrevista face a face e entrevista pingue-pongue).
A situação de interação discursiva do gênero ocorre na relação discursiva
entre os participantes da interação, a saber, o autor e o leitor previsto, mediada pela esfera
do jornalismo. Contudo, haja vista que o gênero se constitui em uma reenunciação da
entrevista face a face, o que aponta para a presença da intercalação dessa na entrevista
pingue-pongue. Assim, a entrevista pingue-pongue projeta um “efeito” de sentido que
conduz à ideia de que os interlocutores da situação de interação discursiva são jornalista e
entrevistado (interlocutores na interação face a face), e não autor e leitor (BAKHTIN,
1998).
No tocante à autoria, o objeto do discurso (o entrevistado e seu discurso) é,
para o autor, uma concentração de “vozes” multidiscursivas5, dentre as quais ressoa a sua
“voz” (de autor). Entretanto, o gênero produz um “efeito” de sentido que leva o leitor a
pensar que é a “voz” do próprio entrevistado que se “manifesta” na entrevista pingue-
pongue. Toda essa construção discursiva cria um fundo aperceptivo necessário para a
criação de matizes ideológicos da esfera jornalística, pois, segundo Bakhtin (1998), todo
e qualquer discurso da prosa extra-artística (a jornalística, por exemplo) não pode deixar
de se orientar para o já-dito, para o “conhecido”. O que nos conduz à questão de autoria
(trabalho estilístico-composicional) no gênero, a qual ocorre em uma complexa relação
de co-autoria, sendo que é de responsabilidade da instância discursiva do jornalismo,
representada pelo jornalista e pela editoria. Esse trabalho de co-autoria cumpre o projeto
discursivo da revista através do enquadramento do discurso do entrevistado.
É possível estabelecer dois agrupamentos de entrevistas pingue-pongue no
que tange ao objeto do discurso, que subdivide as entrevistas em: a) entrevistas pingue-
pongues cujo objeto do discurso é o próprio entrevistado; b) entrevistas pingue-pongues
cujo objeto do discurso é o conjunto dos acontecimentos sociais; são entrevistas
temáticas e testemunhais.
Nessa seção, apresentei uma breve descrição do gênero que foi o objeto da
elaboração didática, porém, saliento que o conhecimento do gênero não serve para fins de
ensino prescritivo e, sim, para que o professor tenha o conhecimento do funcionamento

5
Esse conceito se deu a partir de uma analogia com o que Bakhtin (1998) diz sobre a autoria no romance:
“O objeto é para o prosador a concentração de vozes multidiscursivas, dentre as quais deve ressoar a sua
voz; essas vozes criam o fundo necessário para a sua voz [...]” (Bakhtin, 1998, p. 88).
do gênero com o qual irá trabalhar. Na sequência, detalharei a elaboração didática,
permeada pelas concepções teóricas que embasaram esse trabalho didático-pedagógico.

RELATO DA ELABORAÇÃO DIDÁTICA DA ENTREVISTA PINGUE-PONGUE


NO CURSO DE GASTRONOMIA

Nessa seção, apresentarei os encaminhamentos metodológicos da elaboração


didática empreendida no curso de Gastronomia da UNIVILLE. Antes, porém, vale
destacar a opção pelo termo “elaboração didática” que tem sido recorrente no campo de
pesquisa da LA. A noção de elaboração didática foi proposta por Halté (1998), ao refletir
sobre o ensino e aprendizagem de línguas, e surge em substituição à noção de
transposição didática, que está relacionada ao aplicacionismo de conhecimentos
científicos em um movimento de transpor o conhecimento científico para o conhecimento
a ser ensinado em sala de aula. Halté (1998) aponta que, ao pensar na elaboração didática
dos saberes para o ensino de línguas, objetiva-se principalmente a construção de
competências linguísticas, e é a serviço destas que os conhecimentos são ensinados, além
disso, os conteúdos ensinados não se reduzem a conhecimentos científicos transpostos,
pois tais conteúdos refratam as “práticas sociais de referência”, ou seja, os usos sociais
efetivos que se faz da língua no contexto das diferentes interações que ocorrem nas
diferentes esferas da atividade humana. A concepção de elaboração didática se refere a
uma didática praxiológica em que a construção do conhecimento é vista como processo e
é resultado da opção por uma metodologia que considera a participação do professor e do
aluno no processo didático (RODRIGUES, 2009).
Para a elaboração didática do gênero entrevista pingue-pongue, adotei a
orientação de Rodrigues (2008) que destaca como uma possibilidade para o trabalho com
os gêneros do discurso os seguintes aspectos: embasamento teórico; princípios didáticos;
princípios metodológicos e procedimentos metodológicos.
No que respeita ao embasamento teórico, a elaboração tem como base a
concepção de linguagem e de gêneros do Círculo de Bakhtin, o que implica uma noção de
gênero articulada com as noções de enunciado, situação social de interação, dialogismo,
acento de valor e as dimensões inextricáveis do gênero e do enunciado: dimensão verbal
e social.
No que tange aos princípios didáticos, a autora, destaca: a) Objetivo: domínio de
práticas de escuta, leitura e produção textual. b) Gêneros: meio para se chegar ao domínio
das práticas citadas; c) Gêneros e seu ensino: fazem sentido quando articulados com a
concepção de texto como enunciado; d) Baliza que orienta a práxis docente: a interação e
e) Desafio: criar situações de aprendizagem em que os alunos possam se colocar como
autores de um enunciado de um dado gênero.
Sobre os princípios metodológicos, Rodrigues (2008) propõe que o trabalho
integrado das práticas de escuta, leitura, produção textual e análise linguística que
compreende a leitura como meio para a construção do conhecimento sobre o gênero e a
produção textual como meio para a compreensão dos processos envolvidos no ato de
produção dos textos.
A autora pontua os seguintes procedimentos metodológicos:
• 1º Busca de conhecimento de referência sobre o gênero.
• 2º Seleção de textos do gênero.
• 3º Prática de leitura do texto-enunciado.
• 4º Prática de leitura estudo do texto e do gênero (prática de análise linguística
1).
• 5º Prática de produção textual.
• 6º Prática de revisão e reescritura de textos (prática de análise linguística).
Tendo como baliza os aspectos teórico-metodológicos mencionados até aqui,
procedemos à elaboração didática do gênero entrevista pingue-pongue no primeiro ano
do Curso Superior de Tecnologia em Gastronomia da UNIVILLE em uma disciplina
intitulada: “Comunicação e Expressão” cuja carga horária era de 36h/a e o público alvo
era um grupo de 43 estudantes.
No decorrer das interações discursivas ocorridas na disciplina, foram
desenvolvidas variadas propostas de leitura e escrita e, paralelamente, foi se constituindo
o trabalho com o gênero entrevista pingue-pongue numa perspectiva de projeto de
letramento conforme propõe Kleiman (2007), que assim conceitua tal prática:
(...) um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na
vida dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a
leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de
textos que serão realmente lidos, em um trabalho coletivo de alunos e
professor (KLEIMAN, 2007, p.16).

Isso porque entendo que não é produtivo nesse nível de ensino, bem como nos
demais, assumir um trabalho com um único gênero de forma exaustiva, pois o objetivo
não é a excelência/proficiência na escrita do gênero entrevista pingue-pongue, já que não
se trata de um curso de jornalismo. O objetivo é outro, trata-se de possibilitar aos
acadêmicos práticas de leitura e de escrita significativas, que tragam sentido ao seu dizer.
Nesse sentido, também assumimos a postura de Geraldi (1993) que afirma que em
situações de produção de texto é necessário que se façam presentes os seguintes aspectos:

a) que se tenha o que dizer;


b) que se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;
c) que se tenha para quem dizer o que se tem a dizer;
d) que o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito que diz o que
diz para quem diz (o que implica responsabilizar-se,no processo,
por suas falas);
e) que se escolham as estratégias para realizar (a), (b),(c) e (d).
(GERALDI, 1993, p. 160).

Além da noção de texto como prática social, a opção pelo trabalho com esse
gênero no referido curso não foi aleatória. A intenção era, através das práticas de leitura e
de escrita, possibilitar aos graduandos iniciantes do curso de Gastronomia, já que se trata
de uma turma de 1º ano, uma aproximação com os textos/discursos da área gastronômica.
Assim, o trabalho de elaboração didática do gênero teve como ponto de partida:
1. PRÁTICAS DE LEITURA/ANÁLISE DO GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-
PONGUE
a) Reconhecimento de revistas da área de Gastronomia: Gula; Boa Mesa etc.
b) Busca de enunciados do gênero entrevista pingue-pongue nas referidas revistas;
c) Leitura/estudo de enunciados do gênero, observação dos aspectos discursivos,
semióticos e linguísticos do gênero.
2. PRÁTICA DE PRODUÇÃO DO GÊNERO
a) Escolha do entrevistado com enfoque no perfil do curso: empresário ou Chef de
cozinha;
b) Realizar o contato com o entrevistado;
c) Elaboração das perguntas (roteiro) para a entrevista face a face;
d) Realização da entrevista face a face;
e) Retextualização da entrevista face a face (modalidade oral) para a entrevista
pingue-pongue (modalidade escrita);
f) Envio do texto para o entrevistado para sugestão de modificações;
g) Edição da entrevista (realizada pela professora);

3. PUBLICIZAÇÃO DO TEXTO E AVALIAÇÃO DA ELABORAÇÃO DIDÁTICA


a) Publicação no sítio da instituição (página do curso)6.
b) Avaliação por parte dos alunos do processo de produção e textualização da
entrevista pingue-pongue por meio de um instrumento de pesquisa que foi
aplicada ao final do trabalho.

O “OLHAR” DO ACADÊMICO PARA A ELABORAÇÃO DIDÁTICA

Ao desenvolver um trabalho de elaboração didática a partir da teoria dos gêneros


do discurso, cuja concepção de linguagem é de natureza social, ideológica e constitutiva
do sujeito, os resultados não podem ser mensurados de maneira quantitativa e, sim, por
meio uma reflexão dialógica em torno das interações que foram mobilizadas para o
agenciamento dos conhecimentos construídos no espaço-tempo da aula.
Desse modo, no intuito de construir inteligibilidades no que tange ao trabalho aqui
já relatado, pontuarei, na sequência, algumas considerações a partir de um instrumento de

6
As entrevistas dos estudantes foram publicadas na página do curso no período de um semestre letivo no
endereço: community.univille.edu.br/depto_gastronomia/gastronomia/.../index.html?pdf.
pesquisa final, aplicado junto aos acadêmicos na fase de avaliação do trabalho. O instrumento nos
possibilitou construir inferências sobre o “olhar” aperceptivo dos acadêmicos sobre essa prática.
O instrumento contou com as seguintes questões:
1. Recupere o percurso metodológico percorrido para a produção-textualização do
gênero entrevista pingue-pongue (em forma de tópicos).
2. Quais os pontos positivos com relação ao trabalho desenvolvido na produção-
textualização do gênero entrevista?
3. Aponte as dificuldades encontradas durante o processo de produção-textualização
do gênero?
4. Quais as competências (habilidades) desenvolvidas a partir dessa produção de
texto?
5. Comentários diversos.
Das cinco questões lançadas ao grupo, centralizarei a presente discussão na
reflexão da questão 3, tendo em vista a limitação de espaço nesse texto. Na análise das
contrapalavras dos estudantes no que diz respeito aos aspectos positivos da elaboração
didática do gênero, observei que a valoração positiva do grupo recaiu acentuadamente
sobre a questão de que essa atividade – produção da entrevista – possibilitou a eles o
contato com o profissional da área gastronômica (seja um Chef ou um empresário do
ramo, conforme nosso proposta). A conexão entre a disciplina e a esfera do trabalho da
gastronomia foi valorada pelos estudantes. Conforme se pode observar nas respostas a
seguir7.

“Os pontos positivos que tivemos com essa entrevista foi você conhece uma
cozinha, você sabe como funciona a elaboração dos pratos, conhecer um chef
de cozinha tão dedicado ao seu trabalho que monta seus pratos cria receitas
com o tempero esencial o amor.”

“Trabalho produtivo pois nos levou a ver a vida ativa de um praticante na


área gastronômica.”

“Ver os resultados dos profissionais que persistem na área de gastronomia,


observando sei trabalho, tornando um incentivo para nós que estamos
começando.”

7
A escrita dos estudantes foi transcrita tal qual textualizada nos instrumento de pesquisa.
“Poder conhecer um profissional e poder conversar com ele, conhecemos um
profissional do chocolate, área que gostamos muito, conhecer o local de
trabalho de um profissional gastronômico.”

“Conhecer um profissional da área”.

“Um maior conhecimento do nosso provável futuro como chefs de cozinha”.

“O aprendizado que o entrevistado nos transmitiu, devido a sua experiência”

Os saberes do âmbito profissional da esfera do trabalho na área gastronômica, no olhar


dos acadêmicos, foram muito importantes e produtivos, pois, a partir de uma disciplina de
linguagem, eles adentraram o campo da gastronomia. Quase não houve remissão ao gênero em
si, ou às práticas de linguagem. Ao destacar como positivo conhecer um profissional do ramo e,
sobretudo, acessar ao saber e experiência desse profissional, como se constata em: “O
aprendizado que o entrevistado nos transmitiu, devido a sua experiência”, mesmo sem se dar
conta, os estudantes estão valorizando a entrevista com enfoque no objeto do discurso, em que
se destaca o próprio entrevistado e seu saber, conforme mencionei na seção descritiva do
gênero.
A duas únicas remissões ao gênero trouxeram referências à finalidade do gênero
e à autoria ou sobre o acontecimento da entrevista, ou seja, ao saber-fazer. No entanto,
essas referências ao gênero foram também permeadas pela questão do contato com o campo
da gastronomia, como se pode verificar nas respostas a seguir:

“Podemos conhecer um gênero que antes era desconhecido, ter a


oportunidade de conhecer e ter uma conversa informal com um chef de
cozinha e a experiência de fazer uma entrevista.”

“Foi válido, pois aprendemos o gênero entrevista, adquirimos uma visão de


um profissional da área”.

Assim, ao serem solicitados a destacarem os aspectos positivos do processo, os


estudantes ancoraram suas respostas no mundo do “fazer” da sua prática, isso é bastante coerente
por se tratar de um público que está em uma área extremamente praxiológica e dinâmica como é
o universo da gastronomia.
Já, na mesma questão (3), quando foram chamados a se posicionarem sobre as
dificuldades durante o processo, os estudantes, agora sim, destacaram a dificuldade com relação à
produção do texto em si, conforme se pode observar nas respostas a seguir:

“As dificuldades encontradas foram na produção da entrevista.”

“A nossa dificuldade foi de colocar no papel o que o entrevistado falou.”

“A escolha da melhor forma de transformar a oralidade em texto escrito.”

“Só na hora de transcrever o que foi dito pelo entrevistado.”

Como se pode inferir das respostas apresentadas, a dificuldade mais saliente diz
respeito ao processo de retextualização, pois esse processo exige um refinamento na
escuta e posterior escrita. Exige escolhas do autor, já que não pode utilizar todo o
material relativo à transcrição da interação face a face, é necessário fazer “cortes” e
modalizações. Considero esse processo de retextualizacão do “dizer” do entrevistado para
a modalidade escrita um dos pontos mais relevantes nesse trabalho, já que se constitui em
um lugar privilegiado para se articular as práticas de escuta, leitura e escrita.
Outra questão apontada pelos estudantes foi dificuldade na formatação do texto,
“a diagramação do texto que foi feita dentro do Word”. Essa dificuldade não está
relacionada somente ao operar um programa de computador, mas a busca por alcançar os
padrões de uma entrevista pingue-pongue que requer todo um trabalho de arte final.
Assim, os estudantes se apropriaram de algumas características fundamentais do gênero,
que é sua relação com as múltiplas semioses: fotografia, cores, a formatação do texto em
colunas etc.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Para fechar essa reflexão em torno da prática de ensino-aprendizagem de


linguagem em contexto de ensino superior quero trazer a discussão que Geraldi (1993)
faz em seu livro seminal Portos de Passagem. Segundo o autor, a problemática da
produção textual é produto da carência de uma concepção de linguagem que confira
significação à produção escrita do estudante. É imprescindível, na produção textual, a
presença de um interlocutor ativo, no entanto, é comum a inexistência, na produção
textual escolar [eu diria que em todos os níveis de ensino], de um interlocutor a quem o
aluno possa dirigir sua voz (GERALDI, 1993). Sem perspectiva de interlocutor e da
percepção das condições de produção as escritas realizadas no âmbito escolar se mostram
“artificiais”, sem objetivo, ineficientes na construção da subjetivação do sujeito. Diante
disso, penso que o trabalho com os gêneros do discurso, desde que ancorado em uma
perspectiva dialógica e não meramente textual, pode trazer um norte para a mudança
nesse estado de coisas. Mas ressalto que tal trabalho não pode ser visto como um
“modelo a seguir”, que os gêneros não podem ser tomados como o novo objeto a ser
esgotada e “gramaticalizado” ou ainda, verter todos os esforços em desenvolver nos
estudantes a excelência/proficiência no gênero, isso porque o grande objetivo é
possibilitar o uso/apropriação da linguagem de forma significativa para o estudante,
ampliando as suas possibilidade de uso da língua em contextos diversos. Destaco que
para se alcançar êxito nesse intento é fundamental a publicização do texto, o fato de
termos, desde o início, apresentado aos estudantes como meta veicular as entrevistas
produzidas pelo grupo trouxe uma motivação e um outro peso ao trabalho, já que não
produziriam somente para a professor atribuir um conceito, mas, sobretudo, para
disponibilizar à comunidade acadêmica. Isso implica ter como interlocutores os
graduandos de Gastronomia das demais turmas, que são um público que certamente teria
interesse real pelo conteúdo dos textos, configurando assim um outro para esse enunciado.
Já que, conforme Geraldi (1993, p. 102), “o outro é a medida: é para o outro que se
produz o texto. E o outro não se inscreve no texto apenas no seu processo de produção de
sentidos na leitura. O outro insere-se já na produção, como condição necessária para que
o texto exista”.
A possibilidade da publicização confere ao estudante o horizonte apreciativo para
a produção de seu dizer e traz as condições de produção de um texto/enunciado real na
cadeia da comunicação discursiva, possibilitando de fato uma interação e não uma
atividade para fins de “treino”.
Além das questões de linguagem, ressalto que a elaboração aqui relatada
reverberou para as questões do âmbito profissional, já que a partir dessa atividade houve
a inserção dos estudantes nos locais de trabalho. Tal inserção na esfera do trabalho
possibilitou inclusive parcerias entre o curso e os estabelecimentos que passaram, após
essa atividade, a contratar estagiários do curso para suas empresas. Ou seja, a interação
mobilizada na elaboração didática foi real, foi produtiva não só no âmbito da formação
do acadêmico como também na constituição do profissional, já que essa é uma
característica intrínseca aos cursos de tecnologia, serem voltados para a realidade do
mundo do trabalho.
Menciono essas questões, que em um texto que se propõe a discutir as práticas de
linguagem, podem ser consideradas como “marginais” ou não relevantes para chegar a
seguinte conclusão: é possível sim que as disciplinas que trabalham com a linguagem
possam fazer sentido e serem valorizadas pelos estudantes. No entanto, isso só acontece
no momento em que professor sai de seu horizonte valorativo da primazia dos
letramentos canônicos e adentra o horizonte axiológico do estudante que se insere num
curso praxiológico como o de Gastronomia, por exemplo.

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