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INTRODUÇÃO
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Esse texto é uma versão reduzida de um capítulo do livro: “Múltiplos olhares sobre as práticas de
linguagem no espaço-tempo da escola” (2011).
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Sobretudo os professores de Língua Portuguesa que têm formação em nível de Pós-Graduação.
língua portuguesa estanques sem o estabelecimento de uma relação significativa com a
área do curso em que está ministrando a disciplina; ou b) corajosamente o professor
adentra o universo do curso desse estudante para conhecer sua área, identificar os
textos/discursos que são inerentes a esse campo e, a partir daí, empreende a sua prática de
ensino-aprendizagem em um movimento dialógico e integrado ao universo discursivo da
área de atividade do curso em questão e ao universo desse graduando iniciante.
Nenhuma das opções é “confortável” para o professor já que ambas trazem
conflitos. Porém, acredito que, ao optar pela segunda opção, o professor poderia buscar
no trabalho com os gêneros do discurso uma possibilidade de trazer a essa disciplina
“marginal” um lugar produtivo para o estudante no que tange a aprendizagem de leitura e
de escrita. E, sobretudo, um trabalho que possa contribuir não somente na construção de
saberes em torno dos letramentos socialmente valorizados (canônicos), mas também dos
letramentos importantes a sua futura área de atuação. Trabalhos como de Machado (2005)
no que remonta aos gêneros acadêmicos resenha e resumo já sinalizam a viabilidade de
tal empreendimento.
No intuito de contribuir para uma reflexão sobre o trabalho significativo com a
linguagem no âmbito do ensino superior, neste texto, apresento uma prática de ensino-
aprendizagem de leitura e escrita em contexto de ensino superior, mais especificamente a
elaboração didática do gênero entrevista pingue-pongue desenvolvido na disciplina de
Comunicação e Expressão, ministrada no curso de Tecnologia em Gastronomia na
Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE).
Para isso, inicialmente situo teoricamente a noção de gênero com a qual
trabalhamos bem como apresento uma breve caracterização do gênero entrevista pingue-
pongue; na sequência, apresento uma exposição sobre a elaboração didática realizada e
uma discussão dessa prática a partir do horizonte apreciativo dos graduandos que
interagiram nesse diálogo.
O GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-PONGUE: o articulador das práticas de
linguagem na elaboração didática3
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Essa descrição do gênero é resultado de minha pesquisa de mestrado e está publicada no livro: “O gênero
entrevista pingue-pongue: reenunciação, enquadramento e valoração do discurso do outro”.
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Acosta Pereira e Rodrigues (2009) apresentam uma sumarização das teorias de gêneros que se
desenvolveram na pesquisa em LA contemporânea. Disponível em: WWW.letramagana.com.br .
já que não são unidades convencionais, mas sim, tipos históricos de enunciados,
possuindo a mesma natureza do enunciado (natureza social, discursiva e dialógica)
(RODRIGUES, 2005).
Já com relação ao gênero entrevista pingue-pongue, articulador das práticas de
linguagem da elaboração didática aqui relatada, trata-se da entrevista esfera jornalística
que circula principalmente nas revistas. Esse gênero caracteriza-se textualmente pela
apresentação de uma entrevista na forma de perguntas e respostas, constituindo-se como
resultado da edição/reenunciação da entrevista que realizada face a face.
Esse gênero apresenta uma complexa relação discursiva entre entrevistador, editoria,
entrevistado e leitor. Os interlocutores ocupam lugares diferenciados: quem pergunta
(entrevistador), quem responde (entrevistado) e quem edita o texto. Mais que posições
diferenciadas, tem-se um complexo processo de co-autoria, pois editoria, entrevistador e
entrevistado constroem o texto. Contudo, vale ressaltar que a definição do conteúdo,
composição e estilo do gênero é definida pela esfera do jornalismo, a partir de uma linha
editorial.
Assim, a entrevista pingue-pongue constitui-se a partir da edição/reenunciação da
interação direta (face a face) entre entrevistador e entrevistado, que foi gravada ou
registrada em forma de anotações, e, mais recentemente, realizada através de e-mail. A
partir dessa interação, no processo de reenunciação e retextualização final da entrevista
face a face, há uma modalização da fala do entrevistado, isto é, a sua fala é um discurso
citado dentro da fala do entrevistador, que dá o acabamento ao enunciado (a entrevista).
O que diz Bakhtin (Volochínov) (2004) para o discurso relatado pode ser aqui aplicado,
pois a fala do entrevistado, na reenunciação da entrevista pingue-pongue, é o discurso no
discurso.
Essa reenunciação da entrevista face a face pode ser compreendida como um
processo de intercalação de gênero, tendo em vista que os temas, o auditório social, a
concepção de autoria sinalizam para a presença da interação face a face, que é
reenunciada em forma de entrevista pingue-pongue (enunciado publicado). Contudo, não
se trata de uma presença explícita, pelo contrário, é como se fosse uma “encenação”,
demonstrando uma relação de constitutividade genérica entre esses dois gêneros
(entrevista face a face e entrevista pingue-pongue).
A situação de interação discursiva do gênero ocorre na relação discursiva
entre os participantes da interação, a saber, o autor e o leitor previsto, mediada pela esfera
do jornalismo. Contudo, haja vista que o gênero se constitui em uma reenunciação da
entrevista face a face, o que aponta para a presença da intercalação dessa na entrevista
pingue-pongue. Assim, a entrevista pingue-pongue projeta um “efeito” de sentido que
conduz à ideia de que os interlocutores da situação de interação discursiva são jornalista e
entrevistado (interlocutores na interação face a face), e não autor e leitor (BAKHTIN,
1998).
No tocante à autoria, o objeto do discurso (o entrevistado e seu discurso) é,
para o autor, uma concentração de “vozes” multidiscursivas5, dentre as quais ressoa a sua
“voz” (de autor). Entretanto, o gênero produz um “efeito” de sentido que leva o leitor a
pensar que é a “voz” do próprio entrevistado que se “manifesta” na entrevista pingue-
pongue. Toda essa construção discursiva cria um fundo aperceptivo necessário para a
criação de matizes ideológicos da esfera jornalística, pois, segundo Bakhtin (1998), todo
e qualquer discurso da prosa extra-artística (a jornalística, por exemplo) não pode deixar
de se orientar para o já-dito, para o “conhecido”. O que nos conduz à questão de autoria
(trabalho estilístico-composicional) no gênero, a qual ocorre em uma complexa relação
de co-autoria, sendo que é de responsabilidade da instância discursiva do jornalismo,
representada pelo jornalista e pela editoria. Esse trabalho de co-autoria cumpre o projeto
discursivo da revista através do enquadramento do discurso do entrevistado.
É possível estabelecer dois agrupamentos de entrevistas pingue-pongue no
que tange ao objeto do discurso, que subdivide as entrevistas em: a) entrevistas pingue-
pongues cujo objeto do discurso é o próprio entrevistado; b) entrevistas pingue-pongues
cujo objeto do discurso é o conjunto dos acontecimentos sociais; são entrevistas
temáticas e testemunhais.
Nessa seção, apresentei uma breve descrição do gênero que foi o objeto da
elaboração didática, porém, saliento que o conhecimento do gênero não serve para fins de
ensino prescritivo e, sim, para que o professor tenha o conhecimento do funcionamento
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Esse conceito se deu a partir de uma analogia com o que Bakhtin (1998) diz sobre a autoria no romance:
“O objeto é para o prosador a concentração de vozes multidiscursivas, dentre as quais deve ressoar a sua
voz; essas vozes criam o fundo necessário para a sua voz [...]” (Bakhtin, 1998, p. 88).
do gênero com o qual irá trabalhar. Na sequência, detalharei a elaboração didática,
permeada pelas concepções teóricas que embasaram esse trabalho didático-pedagógico.
Isso porque entendo que não é produtivo nesse nível de ensino, bem como nos
demais, assumir um trabalho com um único gênero de forma exaustiva, pois o objetivo
não é a excelência/proficiência na escrita do gênero entrevista pingue-pongue, já que não
se trata de um curso de jornalismo. O objetivo é outro, trata-se de possibilitar aos
acadêmicos práticas de leitura e de escrita significativas, que tragam sentido ao seu dizer.
Nesse sentido, também assumimos a postura de Geraldi (1993) que afirma que em
situações de produção de texto é necessário que se façam presentes os seguintes aspectos:
Além da noção de texto como prática social, a opção pelo trabalho com esse
gênero no referido curso não foi aleatória. A intenção era, através das práticas de leitura e
de escrita, possibilitar aos graduandos iniciantes do curso de Gastronomia, já que se trata
de uma turma de 1º ano, uma aproximação com os textos/discursos da área gastronômica.
Assim, o trabalho de elaboração didática do gênero teve como ponto de partida:
1. PRÁTICAS DE LEITURA/ANÁLISE DO GÊNERO ENTREVISTA PINGUE-
PONGUE
a) Reconhecimento de revistas da área de Gastronomia: Gula; Boa Mesa etc.
b) Busca de enunciados do gênero entrevista pingue-pongue nas referidas revistas;
c) Leitura/estudo de enunciados do gênero, observação dos aspectos discursivos,
semióticos e linguísticos do gênero.
2. PRÁTICA DE PRODUÇÃO DO GÊNERO
a) Escolha do entrevistado com enfoque no perfil do curso: empresário ou Chef de
cozinha;
b) Realizar o contato com o entrevistado;
c) Elaboração das perguntas (roteiro) para a entrevista face a face;
d) Realização da entrevista face a face;
e) Retextualização da entrevista face a face (modalidade oral) para a entrevista
pingue-pongue (modalidade escrita);
f) Envio do texto para o entrevistado para sugestão de modificações;
g) Edição da entrevista (realizada pela professora);
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As entrevistas dos estudantes foram publicadas na página do curso no período de um semestre letivo no
endereço: community.univille.edu.br/depto_gastronomia/gastronomia/.../index.html?pdf.
pesquisa final, aplicado junto aos acadêmicos na fase de avaliação do trabalho. O instrumento nos
possibilitou construir inferências sobre o “olhar” aperceptivo dos acadêmicos sobre essa prática.
O instrumento contou com as seguintes questões:
1. Recupere o percurso metodológico percorrido para a produção-textualização do
gênero entrevista pingue-pongue (em forma de tópicos).
2. Quais os pontos positivos com relação ao trabalho desenvolvido na produção-
textualização do gênero entrevista?
3. Aponte as dificuldades encontradas durante o processo de produção-textualização
do gênero?
4. Quais as competências (habilidades) desenvolvidas a partir dessa produção de
texto?
5. Comentários diversos.
Das cinco questões lançadas ao grupo, centralizarei a presente discussão na
reflexão da questão 3, tendo em vista a limitação de espaço nesse texto. Na análise das
contrapalavras dos estudantes no que diz respeito aos aspectos positivos da elaboração
didática do gênero, observei que a valoração positiva do grupo recaiu acentuadamente
sobre a questão de que essa atividade – produção da entrevista – possibilitou a eles o
contato com o profissional da área gastronômica (seja um Chef ou um empresário do
ramo, conforme nosso proposta). A conexão entre a disciplina e a esfera do trabalho da
gastronomia foi valorada pelos estudantes. Conforme se pode observar nas respostas a
seguir7.
“Os pontos positivos que tivemos com essa entrevista foi você conhece uma
cozinha, você sabe como funciona a elaboração dos pratos, conhecer um chef
de cozinha tão dedicado ao seu trabalho que monta seus pratos cria receitas
com o tempero esencial o amor.”
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A escrita dos estudantes foi transcrita tal qual textualizada nos instrumento de pesquisa.
“Poder conhecer um profissional e poder conversar com ele, conhecemos um
profissional do chocolate, área que gostamos muito, conhecer o local de
trabalho de um profissional gastronômico.”
Como se pode inferir das respostas apresentadas, a dificuldade mais saliente diz
respeito ao processo de retextualização, pois esse processo exige um refinamento na
escuta e posterior escrita. Exige escolhas do autor, já que não pode utilizar todo o
material relativo à transcrição da interação face a face, é necessário fazer “cortes” e
modalizações. Considero esse processo de retextualizacão do “dizer” do entrevistado para
a modalidade escrita um dos pontos mais relevantes nesse trabalho, já que se constitui em
um lugar privilegiado para se articular as práticas de escuta, leitura e escrita.
Outra questão apontada pelos estudantes foi dificuldade na formatação do texto,
“a diagramação do texto que foi feita dentro do Word”. Essa dificuldade não está
relacionada somente ao operar um programa de computador, mas a busca por alcançar os
padrões de uma entrevista pingue-pongue que requer todo um trabalho de arte final.
Assim, os estudantes se apropriaram de algumas características fundamentais do gênero,
que é sua relação com as múltiplas semioses: fotografia, cores, a formatação do texto em
colunas etc.
À GUISA DE CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
_______, Estética da criação verbal. Tradução do russo por Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
MACHADO, Anna Raquel et al (Cord.). Planejar gêneros acadêmicos: escrita científica, texto
acadêmico, diário de pesquisa, metodologia. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
OLIVEIRA, Ana Tereza Pinto de. O gênero entrevista na imprensa escrita e sua relação com as
modalidades da língua. Idade mídia, São Paulo, v.1, p. 111-116, 2002.
RODRIGUES, R. H.. Pesquisa com os gêneros do discurso na sala de aula: resultados iniciais.
Acta Scientiarum: language and culture, v. 30, p. 169-175, 2008.