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Revista
Popular, Rio de Janeiro, ano 1, tomo 2. Rio de Janeiro: B. L. Garnier. 1859.
“[...] Basta que no ceo appareça um cometa, e apezar dos cálculos de Babinet,
todos acreditarão, que a vingança celeste nos ameaça com um choque
formidável. Ou então n’um artigo de gazeta assigna um gracejador de mao
gosto uma data preciza ao fatal acontecimento; as mil bocas da imprensa
espalhão a noticia por todos os paizes habitáveis, e eis as populações a
tremer, esperando o dia do juízo, como no tempo bemavnturado do anno
1000.” (p. 50)
“Será com effeito isto, o que se devia esperar do progresso das ideias, e dos
benefícios da educação, cada vez mais derramados pelas massas?” (p. 50)
“Mas tem limites a credulidade humana; e doutrinas ha, que a razão não póde
admitir, sem renunciar a si mesma. Quando nos não allumia a luz da evidencia,
porque havemos de corar, suspendendo o nosso juízo?” (p. 50)
“Não vale mais a dúvida do que o erro? A incredulidade não teria na edade
media immolado as victimas, que sacrificou a superstição.” (p. 50)
“[...] Abusos tão dos nossos dias, demonstrarão a necessidade de appellar para
a razão, em questões de similhantes, não deixando propalarem-se e
forticificarem-se prejuízos, reprovados pelo bom senso, e condemanaveis,
sobretudo, pelos funestos desvarios, que d’elles resultão.” (p. 50)
Factos recentes, que teem tido grande echo nos dous mundos, prendendo a
ttenção dos homens mais sérios e esclarecidos, nos inspirarão estas
reflexões.” (p. 50)
“[...] Passava a feitiçaria por morta e bem morta; longe d’isso; está viva, como
nunca. Opéra prodígios como os do bom tempo antigo; professão-na
abertamente, tem fervorosos adeptos, cursos públicos, clubs, livros, revistas;
invade as officinas, reina nos salões, reproduz-se nas aldeias, como nas
cidades; n’uma palavra, preocupa todos os espíritos.” (p. 50-51)
“[...] Crentes ou incrédulos, todos nos vemos obrigados a contar com essa
potencia mysteriosa, e a prestar-lhe alguma attenção.” (p. 51)
“[...] Tem tido até as suas victimas e os seus martyres, grandes intelligencias,
cuja razão transformou. É pois hoje um facto consumado; a magia renasce
vigorosa no século XIX; saudemos a sua feliz restauração, e o perguntemo-lhe
por alguns dos segredos, que Ella revela aos seus iniciados.” (p. 51)
“Os nossos feiticeiros modernos não vão aos emprazamentos nocturnos, como
seus antepassados de diabólica memória; não são possessos como esses
apaniguados de satanaz, que dançavão sobre o tumulo do diácono Paris.
Contentão-se como fazer gyrar as mezas, obrigal-as a falar, escrever e
prophetizar; com evocar as almas dos defunctos, conversar com os bons e
maos espíritos, anjos ou demônios, e colher as suas revelações.” (p. 51)
“Não vades porem julgar tudo isto um brinco pueril e sem consequências. As
mas transcendentes questões de theologia, philosophia, sciencia e historia,
teem vindo ligar-se a questão das mezas e dos espíritos.” (p. 51)
“[...] O reverendo Padre Ventura não receou dizer, que isto foi um dos maiores
acontecimentos de nosso século.” (p. 51)
“[...] Bom ou mao grado, não haverá remédio, senão dar logar a todos estes
factos na história dos nossos tempos, e procurar-lhes o verdadeiros caracter,
significação e alcance.” (p. 51)
“[...] Foi no anno de 1849, nos Estados Unidos, que pela primeira vez se
produziu este phenomeno. Desde a sua apparição principiou elle a excitar a
attenção universal;” (p. 52)
“Em tão bello caminho não havia que parar: apenas se reconheceu que as
mezas gyravão, tractou-se de fazer andar também a roda toda a casta de
objectos; chapeos, poltronas, cadeiras, pratos, saladeiras, todas as alfaias da
sala, todos os utensílios da cozinha se pozerão em movimento.”
“Na verdade, não percebemos como as mezas gyrantes nos podem aproximar
de Deus, e como não sentimos o mesmo desprezo que o conde de Resie pelo
juízo dos acadêmicos, nem geral por todas as opiniões fundadas em
raciocínios, vamos pedir aos homens da sciencia a explicação do milagre.” (p.
54)
“Porque Gyrão as mezas? – Porque as fazem gyrar. [...] Não se rião do que na
resposta parece haver ingenuidade ou de gracejo; nada mais serio no seu
fundo. Se se considera a imposição das mãos sobre as mezas, como condição
indispensável para que se produza phenomeno, apresentão-se naturalmente
duas hypotheses: ou a meza se mexe por um movimento involuntário, ou por
um voluntario.” (p. 54)
“Mas para que pôr em duvida a boa fe de gente, que a si mesma se pode
illudir? Pois, a darmos o credito a uma engenhosa theoria, cada um póde, sem
dar por isso, imprimir um impulso à meza, e todos estes impulsos, auxiliando-
se mutuamente, produzem uma força assaz grande, para pôr a meza em
movimento. Assim teremos ainda enganados, mas ninguém, que engane, e
cada experimentador so de si mesmo se pode queixar do movimento, que
involuntariamente imprime a meza demasiadamente dócil. É esta seguramente
a explicação mais ingenhosa, e mais verdadeiramente philosophica, que se
tem dado da rotação das mezas: a honra d’ella cabe a Chevreul.” (p. 54)
“Já em 1833 n’uma carta dirigida a Ampère explicava Chevreul por causas
perfeitamente naturaes, a oscillação d’uma pendula, que observador tem na
mão, conservando-se alias no estado da mais perfeita quietação possível. Há
em nós, dizia elle, uma disposição ou tendência para o movimento, em virtude
da qual imprimimos a pendula um impulso no sentido do nosso desejo, e até
por vezes no do nosso pensamento. Assim, graças a uma harmoniosa, que,
sem que demos por isso, se estabelece entre o estado do nosso espírito e dos
nossos órgãos, produzem-se movimentos, de que não temos consciência, e
que podem produzir effeitos consideráveis.” (p 54)
“[...] Taes são os movimentos involuntários, com que parecemos seguir água,
que corre, a ave, que voa, a pedra, que fende os ares, o acrobata, que anda
sobre a corda teza, o objecto, a que demos um primeiro impulso, e que
quereríamos ver chegar a um ponto determinado, como succede ao jogador de
bolas, de pela, ou de bilhar.” (p. 55)
“[...] Ora, eis a explicação, que d’isto nos dá o lord de Babinet: “O cavalleiro,
que pensa n’uma evolução qualquer, faz involuntariamente um movimento em
harmonia com o seu pensamento, e por menos pronunciado, que seja este
movimento, o meu Cavallo o percebe, e obedece-lhe.” Até aqui tudo vae bem,
mas chegado a questão physiologica, expõe Babinet uma theoria
privativamente sua, e que, segundo nos quer parecerm não teria obtido
sancção da Academia das Sciencias, se a douta corporação tivesse submettido
a uma discussão publica, o resultadas das investigaçõess da sua commissão.”
(p. 55)
“A theoria physiologica de Babinet, foi por elle mesmo baptissada com o nome
de theoria dos movimentos nascentes. Como todos os sábios, que teem
tractado d’esta questão, comprehendeu elle, que a difficuldade consistia em
explicar, como a reunião de movimentos fraquíssimos, pode produzir a
deslocação de massas as vezes consideráveis.” (p. 56)
“Com a explicação proposta por Chevreul, Babinet e Faraday, tem ligação outra
análoga, dada por Carpenter, Braid e Holland, e na qual o principio da pendula
oscillatoria cedo o logar ao da suggestão. Gasparin quis fazer-se engraçado a
custa do principio de sugesttão; tentou pôr Carpenter em contradição comsigo
mesmo, mas não o conseguiu. O ponto de partida do novo systema vem a ser
este: Há certos estados, em que o homem fica reduzido a uma passividade
automática. O seu raciocínio falha, a vontade abdica; n’uma palavra, acha-se
sob a influencia das suggestões. É isto, o que succede em certas experiências
do magnetismo, e o que se produz egualmente nos phenomenos biológicos.”
(p. 57)
(continua parte 2)
Mas, emquanto a sciencia se consome, por explicar a rotação das mezas, eis
que novos phenomenos se apresentão. Já se não fazem gyrar mezas, é isso
demasiadamente vulgar e simples: fazem-se falar e escrever.” (p. 84)
“Não tem ella menor facilidade em escrever, do que em falar: basta amarrar-lhe
um lápis a um pe, como se amarrava um pincel aos pés do pintos Ducornet, e
eil-a a traçar letras, primeiramente de vagar, depois mais de pressa, e
finalmente com a rapidez de um Alexandre Dumas.” (p. 84)
“[...] Mas, como por fim de contas, mezas e cadeiras não são couzas, que se
movão facilmente, imaginou-se armar lapiz ora um cesto, ora uma taboinha,
que, levemente sustida por duas pessoas, escreve com maravilhosa presteza.”
(p. 85)
“[...] nem Chevreul argumentaria melhor. Mas, pergunto eu, não poderá esta
mesma explicação applicar-se á rotação das mezas, e não estará Gasparin
arrazando o edifício, que elle próprio, tão penosamente ergueu? Os nossos
sábios não cabem em taes contradicções, nem o seu systema deixa de ser
perfeitamente homogêneo.” (p. 85)
“[...] explicação de Gros-Jean [...] Mostra elle [...], como a vontade e a attenção,
no estado normal, manteem a harmonia das differentes faculdades, reduzindo-
as á unidade do ser; como, pelo contrario, em certos estados particulares, a
vida orgânica, a sensibilidade e a intelligencia se sobre-excitão, exaltão e isolão
da vontade, agora impotente para dirigil-as, de modo que se dá um rompimento
parcial e momentâneo do laço, que as une. Factos há incontestáveis e
comezinhos, que nos offerecem exemplos de similhante scissão.” (p. 86)
“[...] são os differentes graus desta scissão, que o auctor analyza com notável
fineza. [...] No primeiro grau, tem o individuo consciência da resposta, que no
seu espírito se forma, e refere-a ás suas próprias faculdades; não a tem porem
acção muscular, pela qual imprime á meza um movimento conforme a esta
mesma resposta. Neste primeiro grau, não se separou o eu, senão do aparelho
physico, ficando o organismo independente da cosnciencia e da vontade. É o
estado psychologico mais commum. No segundo, principia a intelligencia a
fazer scissão com a vontade: o individuo não tem senão um conhecimento
vago e imperfeito da resposta, que o seu espírito formula interiormente; acha-
se n’uma espécie de estado passivo, e prestes a ceder a qualquer influencia
extranha, está como diz Carpenter, sob o domínio da suggestão. Pelo que toca
o organismo, fica dependente da consciência e da vontade, e continua a
obedecer ao pensamento.” (p. 86)
“No terceiro grau, conhece o individuo a resposta, que se forma no seu espírito,
mas não a refere as suas próprias faculdades: eis ahi o pensamento
indepentente do eu. No quarto, finalmente, nenhum conhecimento interno tem
o individuo da resposta, que, sem sua sciencia, se lhe formula na intelligencia,
nem o adquire, senão á medida que os movimentos da meza, ou da plancheta,
lh’a vão revelando.” (p. 86-87)
“[...] será possivel tal phenomeno? Reponderei, que os annaes da medicina nos
offerecem numerosos exemplos de similhante desdobro da personalidade, que
este facto se reproduz na loucura, durante o simples somno, em certas
meditações, e no êxtase; tenho-o observado em mim mesmo, submettendo-me
sinceramente, e com inteiro abandono, a experiências magnéticas; observei-o,
finalmente, no prodígio das mezas falantes. Seria precizo accrescentar, que por
uma tendência inexplicável da nossa natureza, por uma fraude, com que
somos propensos a enganar-nos a nós mesmos, por uma inclinação á mentira,
que já se tem reconhecido em somnambulos de boa fe, e que se não deve
confundir com embuste grosseiro, continuamos nós mesmos a fazer obrar e
falar a personagem, que ao principio parecia distincta da nossa
individualidade? Aqui vem, d’alguma sorte, a dualidade occidental e enferma
confundir-se na unidade normal do ser humano, e então, não sabe mais o
individuo, a que attribuir a obra commum.” (p. 87)
III
“As maravilhas, de que até agora temos falado, nada teem, que possa
perturbar a razão, e vê-se que a sciencia não tem recuado ante a explicação
dos phenomenos, que lhe teem sido propostos, chamando em seu auxilio, não
so a mecânica e a physiologia, mas também a psychologia, que tão importante
papel representa nesta questão.” (p. 87)
“[...] Parece-me que á visto disto, ninguém ca virá falar mais em impulso
mecânico, nem em acção muscular inconscia.” (p. 87-88)
“[...] É aqui, que Gasparin, com o ardor d’uma inabalável convicção, toma á sua
conta os homens da sciencia, que averbão de suspeitas as suas asserções,
recusando fe a certos factos, por contrário a razão.” (p. 88)
“Gasparin está, sem duvida, prompto a soffrer o martyrio, por confessar a sua
fe nas mezas, que gyrão.” (p. 88)
“[...] Não tem elle também injurias e desprezos, para os partidários do espírito?
Não fala elle também nos asco, que lhe causa esta recrudescencia de
superstições, de revelações satânicas, e de falsa feitiçaria, cuja ridicularia não
tardará a manifestar-se? Poupa elle, por ventura, a doutrina catholica, na sua
ardente polemica contra os factos sobrenaturaes, e os milagres reconhecidos
pela Egreja?” (p. 88)
“Quero até suppor, que estes factos tenhão, desde já, a notoriedade, leito de
Procusto, em que elle collocou Merville; são boas represálias, e tanto mais
livremente usamos d’este direito, quanto menos afferrados estamos á doutrina
dos Espíritos.” (p. 89)
“Nada mais attestado e verificado, como já vamos ver, do que os factos, que
tiverão logar no presbyterio de Cideville, e que Merville refere no seu livro;
depoimento de testemunhas, inquirição, acareação, nada faltou.” (p. 89)
“[...] apezar de tudo isto, teremos de rejeitar estes factos, como mentirosos, se
não quizermos admittir a existência dos espíritos, ou de qualquer outro poder
sobrenatural.” (p. 89)
“[...] Gasparin [...] Não receia abalar a certeza da prova por testimunhas, para
ter o direito de negar estes factos. N’este empenho, desdobra-nos deante dos
olhos longa lista de mentiras, consagradas pelos mais respeitáveis
testimunhos; abre-nos os annaes do erro, da impostura, da superstição. Elle
nada venera: tradições sagradas, e prophanas; tudo deve passar pelo cadinho
da sua desapiedade critica.” (p. 89)
“[...] Não conhece elle reservas, senão a favor do sobrenatural da Biblia: quanto
a este, não póde haver engano, este é verdadeiro e certo, este não se póde
contestar. Mas afora os milagres, attestados pela Sagrada Escriptura, não há
um so, que nos mereça fe.” (p. 89)
“A vontade do homem obra sobre os corpos materiaes pela acção d’um fluido;
tal é a explicação proposta por Gasparin. [...] Mas qual é esse fluido? Elle não
se dá ao trabalho de definil-o, [...] Risquem-se dos diccionarios os fluidos, e
ponhão-se em seu logar as palavras força, poder, agente, vibração, estado
particular da matéria: elle não se opporá. Sempre é certo, que há em nós
alguma couza, que o systema nervoso põe a disposição da vontade, para obrar
sobre a matéria inerte.” (p. 90)
“[...] Tão bem sente elle a fraqueza da explicação proposta, que se dá pressa
em prevenir uma critica, de que o Moliére paga as custas, advertindo-nos que o
seu fluido rotativo de modo nenhum se parece com a virtude dormitiva.” (p.91)
“[...] Apresenta-nos elle alguma prova? Nenhuma. É pois uma hypothese, e elle
próprio sem difficuldade o reconhece.” (p. 91)
“[...] “A meza idêntica-se d’alguma forma comnosco, torna-se um dos nossos
membros, e executa os movimentos pensados por nós exactamente, como o
nosso braço.” Assim nada mais simples, nem mais natural, do que esta
explicação, aos olhos de Gasparin.” (p. 91)
“N’um jornal especial dos factos maravilhosos fez Gougenot dês Mousseaux
uma fina refutação de todo o systema de Gasparin, que elle reduz a quatro
princípios: o primeiro é a existência d’um agente fluidiforme, conductor do
pensamento; o segundo a hallucinação individual ou collectiva; o terceiro, o
erro quase necessário dos testimunhos em matéria sobre-natural; o quarto, por
fim, a fraude.” (p. 91)
“[...] Reichenbach, que nos revelou este mysterioso principio, esta pedra
phylosophal, este arcano da vida espiritual, este sublime mensageiro, que põe
em communicação todos os seres da natureza.” (p. 94)
“[...] O conde de Resie diz com toda a seriedade, que a dança das mezas é
uma operação magnética. O auctor do Quoere et invenies admitte a identidade
dos fluidos odico, magnético e electrico. “As pessoas magnetizadas pela
primeira vez, diz elle, declarão sentir o que quer que seja de similhante ao
effeito, produzido pelas faíscas electricas. Outras, no estado já de
somnambulismo lúcido, dizem ver sahir dos dedos, da boca, dos olhos dos
seus magnetizadores, uns como raios luminosos.” (p. 94)
“[...] Morin vae muito mais longe: quer que as vibrações da alma determinem
movimentos correspondentes nos corpos, que vibrão então em consonancia
com os seus pensamentos, e que por este meio possa a alma por-se em
communicação com os corpos, e produzir n’elles mudanças, que nos
maravilhão, mas que mui facilmente se explicão pela lei das vibrações
harmônicas. Muito duvido que Grove e o seu sábio traductor o abbado moigno,
deem a mão a estas extranhas hypotheses, a estas divagações d’uma poesia,
que tem o seu tanto de materialista.” (p. 95)
“[...] O auctor de (Meza que Fala) suppõe os espaços occupados por uma
espécie de ether, por um fluido universal, em que se propagão as ondulações:
é a theoria de Morin aperfeiçoada. A vontade humana, imprimindo uma
vibração a este fluido, derramado por toda a parte, entra assim por meio da
serie continua das ondas vibrantes, em communicação com o espírito, que se
interroga. Torna-se n’este caso a meza uma pilha electro-bio-dynamica [...], ou,
para empregar outra imagem, que o auctor parece tomar a peito, fórma o fluido
ethereo derramado por todo o mundo um immenso telegrapho electrico, pelo
qual os espíritos se transmittem reciprocamente os pensamentos, apezar da
distancia; pois que para os espiritos não existe espaço nem tempo.” (p. 95)
“[...] Todas essas, a que temos passado revista, teem de commum com a
hypothese de Gasparin o considerarem o phenomeno como natural, e darem-
lhe uma explicação physica.” (p. 95)
“[...] Mas os espiritos inventarão um meio mais expedito; fizrão dos seus
mediums verdadeiras machinas de dar as taes pancadinhas, de escrever, ou
de falar: então virão-se apparecer os rapping mediums, os speaking mediums,
os writing mediums. Estes mediums, tornados instrumentos passivos dos
espíritos, transmittem as suas respostas por movimentos convulsivos, no meio
dos quaes dão pancadas sobre as mezas, falão ou escrevem.” (p. 158)
“[...] Outr’ora encafuava-se-nos o diabo nas almas, para nos inspirar maos
pensamentos, accender-nos as paixões, e abafar em nós os sentimentos
religiosos; mas hoje em dia é na madeira (*) e na matéria inerte, que elle
escolhe o domicilio; é alli, que elle impera como soberano; em logar de fazer-se
ouvir no recôndito dos nossos corações, faz resoar as mezas, os vidros, as
paredes; annuncia estrepitosamente a sua vinda, renuncía á sombra e ao
mysterio, e clama, voz em grita pelo órgão d’um cesto ou d’uma taboinha: “Eu
sou Satanaz!”.” (p. 160)
“Na verdade, seria precizo ser muito incrédulo, para recusar um depoimento
tão desinteressado; pois que o demo teria interesse em dissimular a sua
presença, e enganar os homens pelas falsas apparencias d’uma hypocrita
devoção.” (p. 160)
“[...] De facto, tem elle por differentes vezes tentado fazel-o, mas não sabe
sustentar por muito tempo o seu papel, e vencido pela força da verdade (já se
vê, que ainda lhe restão, pelo menos, alguns bons sentimentos), acaba sempre
por confessar a sua mentira, e declarar, tirando a mascara, o seu ódio aos
bons catholicos.” (p. 160)
“Demais, Satanaz revela por signaes não equívocos a sua verdadeira natureza.
Assim, todas as vezes que sobre a meza se colloca um crucifixo, um rosário,
ou um livro de missa, ou que d’ella se approxima qualquer objecto bento, agita-
se o traste com uma espécie de furor, fugindo deante destes emblemas do
poder divino.”
“[...] abbade Bautain: “Vi um dia, diz elle, um cesto assim animado, torcer-se
como uma cobra, e fugir de rastos deante d’um livro dos evangelhos, que lhe
apresentavão sem proferir palavra”.” (p. 160)
“[...] N’um artigo da Meza, que fala, lemos um protesto contra esses
exagerados receios, que a todos os espíritos dão patente de demônio; ás
impertinências de espíritos por demais baldos de respeito, oppõem-se as
grandes e bellas verdades, evidentemente ensinadas pelos mais puros
espíritos e os mais dignos da veneração dos homens.” (p. 161)
“Nas solemnes retractações, que de seus passados erros teem feito alguns
espíritos, há alguma couza ainda de mais edificante. Assim renegarão Voltaire
e Rousseau as suas obras perante Henri Carion, que julgou do seu dever
publicar, para edificação do mundo, “estes dous prodígios da clemência divina,
que se dignou forrar a uma eternidade de tormentos estes dous philosophos
modernos, cujos nomes teem sido as bandeiras da irreligião, nas suas Cartas
sobre a evocação dos Espiritos.” Carion teve até o cuidado de communicar-nos
a abjuração, assignada por Voltaire, com a fac-simile da escriptura do espirtio:
“J’ai renié. Mes oeuvres impies, J’ai pleuré, Et mon Dieu m’a fail misericorde.
(Voltaire)” (p. 162)
“Eis pois rehabilitada a magia! Nos séculos de ignorância não tinha ella outro
fim, que não fosse o mal: hoje só aspira ao bem; outr’ora tinha ella o ódio por
principio, hoje é o amor, que a guia. Abandonou o culto de Satanaz, e so cura
de glorificar o Senhor! Os nossos feiticeiros modernos mais parecem prophetas
e sanctos, do que servos damnados do espírito das trevas. É bem o caso de
dizer-se “quando o diabo envelhece, faz-se ermitão”.” (p. 163)
“[...] O acto mágico é pois uma acção espiritual, occulta sob o symbolo d’uma
acção physica. Eis ahi a verdadeira magia desvendada! Esta acção espiritual
nos vem de Deus; é uma sciencia e uma fe ao mesmo tempo, é uma religião.
Com este systema inteiramente metaphysico, estamos bem longe de evocação
dos mortos; vamos tornar a achal-a em Cahagnet.” (p. 164)
“Na sciencia da magia, como em todas as outras, cada um se esforça por fazer
reconhecer os seus direitos de invenção: Mirville gabava-se de haver d’alguma
sorte annunciado o predicto as manifestações dos espiritios. Ahi está porem
Cahagnet a reclamar para si a prioridade. Sustenta que foi elle o primeiro, que
abriu o trilho, e que os prodígios americanos e outros, são resultado das suas
revelações.” (p. 165)
“É nas revelações das almas evocadas por esta incomparável extática, que
Cahagnet tem bebido toda a suas sciencia acerca do homem physico e moral,
da vida futura e de Deus. Os espíritos Galileo, Hyppocrates, Franklin,
Swedenborg, são os seus fiadores: Galileo lhe revelou, bem entendido, por
intermédio da lucida, as verdadeiras leis da physica e da astronomia; Franklin
communicou-lhe a invenção d’uma machina electrica; Hyppocrates ensnou-lhe
astronomia, a physiologia, a arte de curar; mas é Swedenborg, o príncipe dos
illuminados, que mais frequentemente apparece para desvendar-lhe os
mysterios da vida ultra-mundana, a natureza das almas, a sua existência
anterior, e destinos futuros. “Não tive instrucção, exclama triumphantemente
Chagnet, e comtudo falo, como se tivesse estudado todas as sciencias, de que
tracto!”.” (p.165)
“Apezar de todo o nosso respeito pelo filho da officina, que durante o dia ganha
o pão com o suor do seu rosto, e de noute medita e escreve (teve elle próprio o
cuidado de nol-o dizer), não podemos absternos de dizer, que as suas
publicações são das mais bizarras e caricatas, que o nosso tempo tem visto.”
(p.165-166)
“Deve elle estar affeito a estas criticas, que os seus co.religionarios lhe teem
prodigalizados, mas consolal-o-á provavelmente a lembrança, de que é sorte
de todos os reveladores passarem por visionários.” (p. 166)