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Artigo recebido em: 21/10/2011.


Aceito em: 19/02/2012.

O MODELO DE KARL POPPER SOB A ÓTICA DAS CIÊNCIAS


SOCIAIS APLICADAS
Karl Popper’s model under the perspective of the applied social
sciences

Milton de Abreu Campanario


Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: macampanario@uol.com.br.

Milton de Freitas Chagas Junior


Professor do Programa de Mestrado Profissional em Administração, Faculdade Campo Limpo Paulista – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: morichagas@uol.com.br.

Mauro Silva Ruiz


Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Nove de Julho – São Paulo – SP, Brasil.
E-mail: maurosilvaruiz@gmail.com.

Resumo Abstract

Karl Popper é o principal filósofo da ciência na Karl Popper is the leading philosopher of science
modernidade, disputando com Thomas Kuhn a in modern times, competing with Thomas Kuhn’s
primazia de interpretação do método científico. interpretation to the primacy of how to utilize de
Claramente há diferentes visões para uma leitura desse scientific method. Clearly, there are different versions
importante autor que cunhou o método chamado de for a reading of this important author who coined the
dedutivo com teste. O texto reconhece a relevância method called deductive with test. This text recognizes
da visão de Karl Popperno desenvolvimento de the relevance of Karl Popper’s view of science as a
trabalhos científicos das ciências exatas e biológicas, practice in hard and biological fields, where it is widely
onde é amplamente aceita. No entanto, nota-se que accepted. However, this popularity is not shared in the
essa formulação é pouco sistematizada na área das applied social sciences area. This is an essay to rescue
ciências sociais aplicadas. Este é um ensaio que busca his contribution in an attempt to translate the concepts
resgatar a sua contribuição, numa tentativa de traduzir he developed in a didactic way. To this end, there will
os conceitos por ele desenvolvidos de forma didática. be an introduction to the fundamentals of science as
Para tanto, será feita uma introdução aos fundamentos specific form o knowledge, seeking to contrast the
da ciência como forma específica de conhecimento, deductive and inductive approaches and procedures
buscando contrastar os métodos dedutivo e indutivo of what is known as formal science, basic and applied.
e os procedimentos da ciência formal, básica e An attempt to classify the formulation of theoretical
aplicada. Uma tentativa de classificar a formulação de propositions is undertaken with the use of different
proposições a serem testadas ou falseadas é feita com criteria, taking examples in the field of management
a utilização de diferentes critérios, utilizando exemplos and economics as an illustration.
da administração e da economia para ilustração.
Key words: Method deductive with test. Applied social
Palavras-chave: Método dedutivo com teste. Pesquisa research. Philosophy of science. Karl Popper.
social aplicada. Filosofia da ciência. Karl Popper.

Esta obra está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso.

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1 INTRODUÇÃO muitas controvérsias colocadas nas últimas décadas.


(O’HEAR, 1977; STOVE, 2002)
A ciência moderna é fortemente influenciada Como salienta Raphael (1999), a pedra angular
pela visão aristotélica da natureza, com a introdução da concepção Popperiana do método científico deriva
da lógica e da observação como elementos críticos da constatação de que o honesto trabalho do cientista
do conhecimento sistemático. A classificação dos ele- é procurar falsificar suas próprias hipóteses, detectando
mentos da natureza e da sociedade é apreendida pela falhas em seu trabalho, da forma mais rigorosa possível.
linguagem e utilizadanos círculos científicos e leigos, Uma questão científica pode ter sua origem em uma
pois ele parte da experiência sensível, fundamento observação empírica nova, como a existência ou não
maior para se apreender a natureza das coisas. De da partícula de Deus. De outro lado, acredita-se que
certa forma, essa visão o afasta de seu tutor Platão, que Albert Einstein deduziu a teoria da relatividade. Ou-
via na interpretação racional não vivida uma validade tros vão argumentar que esta teoria é puro positivismo,
para interpretar o mundo. A partir desse fundamento pois pretendia representar as forças do universo na
aristotélico da observação e da experiência, a natureza sua totalidade. Para Popper, essas posições são mitos.
da pesquisa científica ficou cunhada como positiva, Houve muito trabalho empírico antes e após a genial
criando uma referência dialética da visão racionalista sacada de que o tempo é relativo e que a gravidade
e, por vezes, especulativa, havendo uma proposição a provoca curvas na luz.
ser testada por meio da pesquisa para ganhar validade. A rigor, há duas correntes básicas sobre o que
O objetivo deste capítulo é explorar o conceito de pes- vem primeiro na ciência: a observação ou a razão
quisa formal, básica e aplicada, conceito desenvolvido (CHALMERS, 1997). A primeira, de caráter mais po-
por Karl Popper e central da área de metodologia e sitivista (seguindo o pensamento de August Comte e o
filosofia da ciência, mostrando sua importância na empirismo de Francis Bacon e John Locke), afirma que
construção do conhecimento. sem observação não é possível a busca pela verdade,
Karl Popper (1902-1994) tem uma vasta pro- contrapondo-se à escolástica metafísica. O iluminismo
dução (POPPER, 1944, 1959, 1963, 1987, 1994), fez uma grande contribuição ao introduzir na cultura
sendo muito comentado na literatura especializada, ocidental uma forma positiva de ver o mundo, mas
que não é aqui objeto de análise detalhada, mesmo não sem problemas. A segunda corrente argumenta
porque parte de seus escritos é destinada a temas que o ato de observar a realidade é uma atividade
sociológicos como democracia e liberdade, que não construída pela razão (racionalismo de René Descartes
nos convém no momento. Sua obra mais pertinente e de Immanuel Kant), tornando o levantamento de
para esta revisão é A Lógica da Pesquisa Científica informações e dados dependente do esforço teórico
(1963). Este artigo está centrado na forma como ele e conceitual anterior (busca pela linguagem precisa).
trata a questão de criar uma proposição teórica a ser Dessa forma, o esforço teórico antecipa a observação
testada (falseabilidade) e seus desdobramentos na empírica, sendo possível o exercício da ciência por
pesquisa das ciências sociais aplicadas. Esse teste tem meio da construção de axiomas e a derivação lógica
que ter uma metodologia replicável para ter validade ou a dedução matemática. É evidente que há críticas a
científica. Para nós, o intuito é modesto: ilustrar como essas visões, que serão brevemente citadas no decorrer
o modelo Poperianopode ser utilizado nesta área do deste texto.
saber, particularmente em administração, economia e Neste trabalho, serão exploradas as principais
áreas correlatas. Num certo sentido, este texto, busca contribuições de Karl Popper, localizando a contribui-
incorporar a visão de Popper de forma mais contun- ção deste pensador no contexto da filosofia da ciência
dente e expressiva do que foi feito em ensaio anterior sem, no entanto, pretender explorar a sua obra sobre a
(CAMPANARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012). É relevan- perspectiva da epistemologia, este que é um trabalho
te salientar que existem outras formas de apreender a desenvolvido por outros autores, com destaque para
ciência como forma de conhecimento, admitindo que a coletânea de O’Hear (1977) e as críticas de Raphael
o objetivo aqui é somente o de melhor expor as for- (1999). O intento aqui é simplesmente o de tornar
mulações deste importante autor, que carrega consigo mais compreensível o modelo dedutivo com teste ou

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dedutivo hipotético, atribuído a esse grande autor é dada a informação e os meios necessários à pesquisa.
e que merece uma divulgação em linguagem mais John Loke e David Hume, como grandes ideólogos do
acessível para a área ciências sociais aplicadas. Tal empirismo científico, imaginavam que a ciência seria
intento é manifesto pela premissa de que a evolução da formada por subsistemas da realidade, capaz de ser
ciência em qualquer campo é repleta de controvérsias. totalmente reconstruída. Seguindo essa tradição em-
Para muitos, o que é relevante é a resolução desses pirista, tem-se o legado de August Comte, que coloca
embates e não sua origem, o que nos remeteria para a ciência como tributária da experiência sensível do
a história e a sociologia. O que importa realmente mundo material, única fonte capaz de fornecer dados
é a noção de como a ciência alcança a fronteira do concretos (positivos) da verdade.
conhecimento e isso é feito pela ideia de que há uma Essa posição é fortemente criticada no mundo
superação positiva (ARIDA, 2003) isto é, controvérsias da ciência. O racionalismo crítico, por exemplo, trata
são superadas e esquecidas, sendo colocadas em seu de reconhecer, seguindo Immanuel Kant (2007), que a
lugar uma verdade temporária (positiva) que há que realidade em si é complexa e inatingível ou, ainda me-
ser falseada por novas controvérsias que advém da lhor, irreproduzível. Por isso o uso de artifícios abstratos
pesquisa; este mesmo autor adverte para a questão e generalizações para que se possa aproximar-se dela.
da retórica nas ciências, argumentando de acordo com O melhor artifício inventado pela ciência é a teorização
Mccloskey (1991) que muitas boas propostas teóricas por meio de propostas, apostas ou ainda proposições
são esquecidas por longos períodos da história (veja a sobre como determinado fenômeno funciona. O
descrição feita por Kuhn (2000) sobre o eletromagnetis- homem cria categorias derivadas de sua experiência,
mo) e outras, importantes, mas localizadas no tempo, imediatas ou mediatas. Mas, essas experiências são
são enaltecidas como prevalentes, mas após algum filtradas pelo entendimento que é fornecido pela razão.
tempo são relegadas a um segundo plano, tal é o caso Karl Marx, na mesma linha de argumentação, atesta
do fordismo na engenharia de produção. que a realidade é construída abstratamente a partir
de contrastes ou de opostos observáveis na natureza
ou na sociedade pelo homem. A luz não é compre-
2 O CONTEXTO DA OBRA DE POPPER endida sem a escuridão ou ainda o capitalista não é
compreendido sem o trabalhador, diria Marx. Mas,
Omnès (1996) faz um inventário da prática ou do entre uma dimensão abstrata e outra sempre há o
trabalho científico. Mas, como toda revisão, essa não que é captado pela observação ou pesquisa de forma
persegue de forma aprofundada a questão central de concreta pelo cientista, que é algo cinzento, uma
Popper que, segundo o entendimento, é a formatação penumbra, entre um extremo e outro, que ele chama
de uma proposição teórica a ser testada empiricamente de síntese. (KOSIK, 1976)
ou por qualquer outro meio de observação sistemática, As sínteses processadas no mundo (por meio
tendo como crítica presente a formulação das propo- da linguagem ou da matemática, por exemplo) são
sições feitas durante a pesquisa. De forma geral e sem somente possíveis por meio de categorias ou conceitos
pretender elaborar um raciocínio epistêmico, o trabalho que podem operar para distanciar-se da experiência
científico busca a construção e a divulgação de novos e da empiria imediatista. Dessa forma, ao observar a
conhecimentos em um determinado tema ou campo de realidade já se tem juízos a priori, alguns ordenamentos
pesquisa, com base em novos achados e descobertas, que permitem emitir valores sobre o que se pretende
junto à realidade ou, ainda, como resultado de racio- entender. O que torna Kant (2007), talvez, um dos
cínio lógico, este que é tributário da matemática. Mas, maiores pensadores da ciência é a sua classificação de
talvez sua característica mais marcante seja decorrente juízos de valores: analíticos e sintéticos. Os primeiros
da constatação de que, tal qual todo conhecimento, a são fruto da lógica pura, como, por exemplo, a raciona-
ciência é uma representação da realidade, um modelo lidade matemática: uma figura geométrica como um tri-
teórico ou imaginário de como a realidade se instala ângulo é definida por número de ângulos (três) e lados
e se comporta. O problema é saber até que ponto é (três) abstratamente construídos pela mente humana,
possível representar a realidade. O positivismo atesta sendo essa concepção universalmente aceita. Já o que
que ela pode ser totalmente reproduzível, se ao cientista

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ele denomina juízo sintético é fruto da experiência e realidade (capitalismo); e outros heterogêneos, quando
da observação posteriores, o que abriria uma grande se emprega a linguagem, não necessariamente para
fronteira para testar o conhecimento e renová-lo, isto expressar a realidade ou uma porção dela, mas para
é, existem atributos que não são necessariamente de- imprimir um significado específico ou uma qualificação
duzidos logicamente, mas somente pela experiência. que se faz expressar, mas que não é precisa (capitalismo
Seguindo Lacey (1996), a ciência propõe repre- liberal, de estado, etc.). Da mesma forma, utiliza-se
sentar a realidade de forma abstrata, consistente, codi- a linguagem para dramatizar um evento ou ironizar
ficada e lógica. Com essas colocações, assume-se aqui uma situação, ou ainda para imprimir a autoridade
claramente uma postura a favor da visão racionalista sobre pessoas ou, o seu inverso, contestá-la. Assim,
segundo a qual a razão é a fonte de todo conhecimen- considerando que o objetivo da ciência é dominar
to ou justificação. Mais precisamente, trata-se de um o conhecimento sobre a natureza dos fenômenos e
método no qual o critério de busca da fidedignidade suas implicações, Wittgenstein (2001) argumenta que
ou mesmo da verdade é dedutivo e não puramente a linguagem tem que ser muito precisa e estruturada
empírico ou sensorial, muito embora sempre exista em torno de princípios rígidos de discurso (conhecido
uma alimentação sintética, fruto da experiência. também pela expressão “formalismo estruturalista do
Ludwig Wittgenstein (2001), por meio de seu Tractatus”) sendo essa uma tarefa difícil pelos múltiplos
magistral Tractatus Logico-Philosophicus explica como e variados significados ela pode representar. Enfren-
a linguagem consegue representar o mundo, mas de tando exatamente esta dificuldade no uso preciso e
forma codificada e limitada, assim como um croqui formal da linguística em muitas expressões utilizadas
explica genericamente uma construção ou um mapa principalmente pelas ciências sociais, o autor altera
que representa uma região ou um país. Mais espe- sua forma de argumentação e adere a uma visão
cificamente nessa obra, ele pretende mostrar como mais flexível, mais aderente à dinâmica da realidade
uma proposição teórica é capaz de representar um vivida e observável, isto é, a linguagem pode e deve
estado de coisas da realidade observável. A resposta ser mais solta e expressar tendências e variações de
é conhecida como teoria pictórica do significado (daí pensamento (WITTGENSTEIN, 2005). Dessa visão é
a nossa expressão croqui), pois estabelece que uma que surge a famosa expressão “jogos de linguagem”,
proposição é uma representação figurativa dos fatos, em que o discurso é flexível e não estruturado, capaz
um esboço simplificado do que realmente acontece na de captar a nuances da realidade, sem o formalismo
realidade. Assim, a expressão capitalismo dá sentido do rígido estruturalismo que antes defendia. Dessa
a um tipo de sociedade, organizada por meio do mer- forma, Wittgenstein larga o formalismo estruturalista
cado, da propriedade privada, da liberdade e da busca do Tractatus e adere a uma visão mais flexível, mais
por empreendimentos empresariais, constituindo-se aderente à dinâmica da realidade vivida e observável.
somente num “croqui” da realidade ou numa abstração O autor que mais se aproxima desta segunda
que precisa ser qualificada para ganhar concretude, um visão de Wittgenstein, radicalizando-a, seja Paul
significado maior para o pesquisador. Feyerabend, em seu livro Contra o Método (1989).
Essa visão é modificada por Wittgenstein (2005) Esse autor defende a ideia de que não há normas
em sua segunda grande obra conhecida como Inves- ou regras metodológicas a serem seguidas pela ci-
tigações Filosóficas. Nessa obra, o autor trata a lingua- ência, pois elas tolhem a liberdade da pesquisa e
gem por meio da analogia com jogos, para os quais não necessariamente levam à verdade, retardando o
não há uma única essência (capitalismo) que possa ser conhecimento. Haveria então um jogo de métodos
expressa pela linguagem e sim características variadas que deveria ser experimentado livremente, chegando
que dependem do uso que se faz dela. A rigor, existem perto do anarquismo metodológico ou teórico, que
vários capitalismos: o americano, o europeu, o latino abriria a ciência para novos e frutíferos significados, tal
americano e o asiático. Ao tentar explicar a realidade, o qual aquele possibilitado pela linguagem. Sua funda-
autor chama a atenção para um jogo de linguagem, mentação está contida em críticas a dois fundamentos
por meio do qual há segmentos homogêneos que estru- científicos tradicionais: a consistência do critério
turam determinado pensamento ou uma expressão da e a falseabilidade. No primeiro, ele adota a postura

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de que novas regras poderiam ser criadas livremente sistemática, ele foi obrigado a criar uma lógica derivada
para, de certa forma,contrabalancear a preservação da do axioma de que os organismos vivos estão em pro-
tradição ou da condição de coerência. O método não cesso permanente de evolução. Essa evolução parte
tem necessariamente que ter uma evolução a partir de um ancestral comum capaz de multiplicar a espécie
das práticas antigas, mas sim revolucionar e derrubar o de forma gradual por meio da seleção natural. Seres
conhecimento até então dominante. Não há, portanto, vivos sofrem mutações que podem ser repassadas aos
necessariamente que seguir aconsistência do critérioao seus descendentes, mas a seleção natural vai escolher
aceitar novas hipóteses (ou proposições teóricas) que os mais aptos a sobreviver num determinado meio
podem ser ajustadas e testadas nas teorias já con- ambiente e eliminar os menos aptos.
sagradas, o que levaria ao dogmatismo. Isto é, uma Em administração e em economia, áreas relativa-
nova teoria não tem que ter consistência com teorias mente novas na ciência, os fundamentos das modernas
já aceitas, buscando sempre aperfeiçoa-la. teorias estão assentados, por exemplo, nos estudos de
Essa visão serve de fundamento para uma crítica filosofia moral (economia) de Jeremy Bentham e John
ao princípio da falseabilidade, desenvolvido por Karl Stuart Mill, precursores do utilitarismo no consumo e
Popper, e que será neste texto apresentado. Por ora que fortemente influenciaram a área de marketing,
basta destacar que toda a teoria tem um prazo de vali- por exemplo. Esse conceito é central em toda a teoria
dade. Em algum momento ela será testada e mostrará de mercado, mas ainda tributário da lei de oferta e
ser falsa. Mesmo pertencendo à escola do racionalis- procura de Adam Smith. Da mesma forma, a teoria
mo crítico (da qual Popper seria o maior expoente), crítica em administração tem em Karl Marx e em Mi-
esta crítica de Feyerabend (1989) é, a rigor, um libelo chael Foucault, por exemplo, expoentes da sociologia
contra o positivismo, uma crítica de que tudo teria e da ciência política crítica. No cerne da ciência admi-
que ser testável para ser verdadeiro. Nenhuma teoria nistrativa está claramente a presença de Max Webber
seria de fato perfeita, pois ao ser construído como um com sua análise sociológica das estruturas burocráticas.
croqui,deixa-se de lado fatos eventualmente interes- Claramente um longo caminho foi percorrido desde
santes. Mas, a ciência sempre tem que ter uma lógica meados do século XIX até os tempos atuais, com a
(que independe muitas vezes da experimentação) e ter presença de um enorme conjunto de conhecimentos
algum grau de aderência ao que é observável. Esse é sobre o funcionamento das organizações, mercados e
o jogo do possível. das redes sociais que hoje são objeto dos estudos em
Boas questões científicas são normalmente levan- administração. Hoje, parte desses conhecimentos é
tadas pela investigação pretérita já publicada, que é aplicada diretamente na atividade produtiva, exigindo
composta por representações fiéis, mas eventualmente uma variedade muito grande de instrumentos ou tecno-
falseáveis ou testáveis, de elementos da realidade sen- logias. Em outros termos, a práxis científica é o proces-
do investigada. É impensável argumentar que a ciência so pelo qual uma teoria torna-se uma ferramenta para
social, e dentro desta vários de suas ramificações temá- mudar a própria sociedade por meio do conhecimento,
ticas, nasceu sem a contribuição de teorias vindas de se convertendo em parte da experiência vivida pelos
áreas das ciências humanas e sociais, como é o caso canais da organização da produção e dos processos
da economia, antropologia, sociologia e psicologia. A de consumo de bens e serviços – que retroalimentam
rigor não são compreensíveis os conceitos de ciência nossa evolução para novos conceitos e teorias. Para
sem passagens pela lógica e a física clássica de Newton Popper (1994), o nosso conhecimento tem fontes de
e Kepler ou ainda sem a compreensão da natureza tra- todo o gênero, mas nenhuma tem autoridade. Nenhu-
zida por autores como Francis Bacon, Rennè Descartes ma fonte de conhecimento tem um sentido terminante.
e Bertand Russel, entre muitos outros. Mas, todos eles Há que sempre duvidar da sua veracidade. E essa
lançam neste mundo um imaginário, uma represen- veracidade somente pode ser testada por iniciativa de
tação na busca por fidedignidade. Talvez o maior de um questionamento sério, baseado em evidências ou
todos os cientistas e o que representa essa visão é logicamente dedutível. Uma proposição é a tentativa de
Charles Darwin, que publicou seu livro A Origem das resposta a tal questionamento. Toda monografia, tese
Espécies, em 1859, e revolucionou o pensamento sobre ou dissertação, e todo artigo científico é, no fundo, a
a origem da própria natureza. Partindo da observação

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defesa de uma proposição que é uma primeira resposta 3 POPPER E A QUESTÃO DAS REVOLUÇÕES
(a ser testada) a um questionamento bem feito.
CIENTÍFICAS
Seguindo os ensinamentos de Popper (1994), no
trabalho de pesquisa, a opção sempre deve recair sobre
É relevante apontar que a ciência trabalha com
uma proposição abstrata (teórica) fruto de uma reflexão
modelos, croquis ou esquemas que simplificam
cumulativa, mesmo porque a observação empírica
a realidade por meio de variáveis e a relação entre
apenas é inteligível a partir de um enquadramento
elas. Essa prática é comum em todas as ciências, va-
conceitual prévio ou de uma observação nova ainda
riando o tipo de lógica que se usa em cada uma. Nas
não devidamente investigada. Ninguém ensina nada
ciências como a administração utilizam-se também
novo sem obter fundamentos teóricos e empíricos
representações metafóricas para expressar conceitos e
anteriormente. Kotler e Keller (2006) elaboraram os
relacionamentos, tal qual Morgan (1996) argumenta.
fundamentos de uma nova disciplina da administração
Já outras ciências como a economia, em certos aspec-
em seu clássico texto sobre Administração de Marke-
tos, baseiam-se em axiomas rígidos, com postulações
ting, considerando todo o avanço científico da área de
racionalizáveis, facilmente modelados pela matemática
economia, psicologia, administração e sociologia de
avançada ou pelo argumento lógico. Outros ramos
uma época. Da mesma forma, Levitt (1960) intitulado
ainda avançam sob as práticas de pesquisa mais duras,
o pai do marketing, autor de Miopia de Marketing,
como a neurociência, os experimentos comportamen-
rompeu o paradigma de vender a qualquer custo e
tais e a estatística inferencial.
criou a ideia de satisfação ao cliente, mudando com-
O grande desafio da ciência tem sido o de conso-
pletamente a percepção do marketing como atividade
lidar uma proposição teórica como representação da
científica. Na economia, o modelo racionalista de
realidade por meio de testes de consistência utilizando
expectativas racionais, desenvolvido principalmente
as técnicas mais variadas. Daí o exercício da observa-
por Robert Lucas, permite a modelagem matemática
ção sobre a manifestação de objetos da realidade, ou
e o uso da simulação como forma de revolucionar a
seja, os fenômenos investigados. Essa observação é
teoria e sugerir o tratamento empírico antes impossível.
feita por meio de um objeto que é sensível a questio-
Em outros termos, esses autores não desenvolve-
namentos sobre suas características, sobre sua forma
ram o seu gigantesco trabalho de sistematização e me-
de se movimentar, sua dinâmica ou sua existência no
lhora da compreensão das organizações e das relações
meio que habita (FULLER, 2003). Toda teorização,
de troca no mercado sem fazer citações a outras áreas
entendida como forma de representação formal de
científicas, sem observação, sem pesquisa, reflexão
um fenômeno, carrega consigo a falibilidade, eviden-
teórica e uso da razão. Hoje, a administração e a econo-
ciando não a fraqueza da teoria, mas o seu oposto, a
mia incorporam sofisticados métodos estatísticos e da
possibilidade de ser testada contra a realidade. Há de
neurociência para desenhar novos conceitos e teorias,
haver a garantia de que uma proposição teórica pode
em evolução muito diversificada. Daí a importância
em algum momento ser refutada por novas evidências
da pesquisa básica ou pura, pois ela enquadra o que
sistematicamente observadas. Disso vem a concepção
de mais geral e fundamental pode haver em termos
de que o método científico carrega consigo a necessida-
de conhecimento científico e tecnológico, embasando
de permanente de justificação lógica do que se afirma
ou dando um sentido mais consistente às pesquisas
sobre algo (ACEVEDO; NOHARA, 2009). Segundo
aplicadas ou mesmo aos processos de inovação que
essas autoras, o método científico envolve várias fases,
visam à utilização do conhecimento pela sociedade. É
sendo a mais importante a formulação do problema,
sobre essa teoria básica que Popper irá tirar as propo-
que pode advir de uma reflexão teórica ou de novas e
sições a serem testadas empiricamente, na busca de
sistemáticas observações empíricas a serem testada por
sua falseabilidade.
meio do enunciado das hipóteses, com detalhamento
do que se pretende demonstrar falso ou verdadeiro.

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As observações anterioresnos remetem para uma cedimentos rígidos, que não devem ser influenciados
questão de nomenclatura, pois as autoras utilizam a pelo contexto social ou histórico em que a atividade é
expressão hipótese e este texto utiliza-se da expressão desenvolvida. De outra parte, há a concepção das Es-
proposição. A rigor, a primeira tem vários sentidos. truturas Científicas, desenvolvida por Thomas Kuhn
Na matemática, hipóteses são condições para que (1972, 2000). Nesse caso, a ciência é uma atividade
se opere uma demonstração, recurso muito utilizado social (histórica) que forma estruturas de pensamento
na economia, por exemplo. Já no sentido expresso e métodos de pesquisa dominantes, denominados pa-
anteriormente, uma hipótese significa uma tentativa radigmas, e evoluem para a prática normal de pesquisa
de responder ou testar um questionamento feito sobre até o momento de emersão de revoluções que solapam
algo, podendo ser provisoriamente ou de forma explo- o pensamento dominante, substituindo-o por outro.
ratória. Na estatística, uma hipótese é uma maneira de A visão da pesquisa assentada em teorias, métodos
testar a significância de ocorrência de um evento, de e proposições de um paradigma são chamadas por
onde surge a expressão análise confirmatória de Kuhn de ciência normal, que destaca a extensão do
dados. Para efeito deste texto, uma proposição tem conhecimento que o paradigma identifica como signifi-
o sentido de afirmar se uma teoria e suas variáveis cativo, definindo assim os objetos mais relevantes para
respondem de forma consistente a um questionamento investigação. Dessa forma, na visão de Kuhn, não há
sobre sua veracidade. propriamente algo a ser falseável e sim um paradigma
A partir de um questionamento, a proposição a ser defendido.
trata de uma concepção teórica prévia, que parte do O importante não é aceitar ou rejeitar um destes
conhecimento acumulado sobre um determinado obje- enfoques, mas notar que, ao elaborar uma pesquisa,
to. Esse objeto, conforme Campanario e Chagas Junior há que passar em revisão o estado da arte da teoria,
(2012), pode ser constituído por: um caso (fração da abrindo novas questões, reflexões, evidências, con-
realidade); um experimento (uma simulação controlada sistências, casos, críticas, debates e reflexões. Muitos
da realidade); ou alguma forma de inferência empírica argumentam que essas duas visões são incompatíveis
(utilização de uma amostra do universo da realidade). (LAKATOS, 1976). Para esse autor, os sistemas teóricos
Todos esses procedimentos sujeitos à circunstância de possuem um núcleo forte – que atua de forma axio-
que a realidade é o que está no alcance e pode ser mática ou como pressuposto central – e um cinturão
apropriado pela linguagem existente namente humana, de teorias adjacentes de suporte, estas sim submetidas
sempre como representação, mas nunca como imita- a testes de falseabilidade. Um programa de pesquisa
ção. Nessa instância, a observação da realidade ou deve ser feito em torno do núcleo forte, cabendo às
sua simulação é elemento crítico, estando presente nas teorias ou às proposições adjacentes reforçarem ou
ciências experimentais, como a biologia e a psicologia, não este núcleo. Feyerabend (1989) se oporia a essa
ou nas ciências sociais aplicadas, como a administra- ideia de núcleo forte e cinturão, como se o objeto da
ção, a economia, o direito ou a gestão de negócios. ciência fosse uma cebola a ser descascada. No entanto,
Claro está que as ciências que buscam a consistência independente de aceitar uma visão formal, histórica
lógica também avançam sobre este caminho quando ou ainda do programa de pesquisa, se observa que o
necessitam romper paradigmas ou mesmo questionar conhecimento científico é fruto de basicamente dois
fundamentos teóricos existentes. métodos muito distintos: dedutivo e indutivo. Mesmo
Em tempos atuais, existem basicamente dois reconhecendo que essa é uma área controvertida na
grandes enfoques no tratamento da ciência comoforma filosofia da ciência, arrisca-se aqui uma simplificação
específica e sistemática de conhecimento (FULLER, das duas grandes referências fundamentais do método
2003). Ambos podem ser incluídos no que se denomina científico, assentando o argumento a partir de Chalmers
racionalismo crítico, mas com diferenças substantivas (1997), Fourrez (1991) e Omnès (1996).
devido ao jogo de linguagem. Inicialmente, há o que O método indutivo tem sua origem em Aristóteles.
se designa como Ciência Formal, termo atribuído a O método indutivo parte diretamente da observação
Karl Popper. Nessa visão, a atividade científica é pura- visando agregar novas informações que alicerçam
mente racional e lógica, com métodos, técnicas e pro- proposições ou hipóteses feitas sobre a realidade. Esse

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método foi proposto inicialmente por Francis Bacon, da e podem ser deduzidos logicamente, mas devem ser
considerado o fundador da ciência moderna. Ele está testadas sempre que surgem novos estudos ou ideias
assentado na tradição empirista ou experimental, a seu respeito. Claramente, Popper se alinha com essa
cujos autores mais conhecidos são aqueles da tradição visão. No método indutivo, as proposições são criadas
anglo-saxã como John Locke, George Berkeley, David sempre a partir de observações e de relações entre
Hume e John Stuart Mill. Já o método dedutivo trata fatos, gerando generalizações que formam uma teoria.
da formulação de uma proposição teórica ou concei- Todas as pesquisas contêm, a partir desse conhe-
tual com teste contra a realidade, tal qual apregoa Karl cimento teórico sólido, um esforço sistemático para
Popper. Esse método tem a tradição no racionalismo abordar um tema sob algum ângulo ou perspectiva
que se opõe ao empirismo na medida em que apregoa nova, com um corpo de teoria dominante ou alterna-
a razão como fonte de todo e qualquer conhecimento tivo (CHALMERS, 1997). Nesse sentido, as pesquisas
e sua justificativa. René Descartes e Immanuel Kant utilizam mecanismos de análise lógica ou métodos de
são os expoentes mais notórios desta linha. Para busca de evidências factuais e terminam por demons-
esses autores, no momento em que o cientista faz trar a consistência do argumento ou dos dados obtidos.
uma tentativa de observação, ele já carrega consigo Finalmente, elas possibilitam a abertura de novas evi-
uma classificação dos objetos a serem investigadas, dências para análise e avaliação de pares, permitindo
proposições a serem testadas e eventualmente teorias a replicação da pesquisa; por isso a importância de
herdadas do passado. Portanto, o método seria sempre publicar um artigo em revista científica de reconhecida
dedutivo, pois parte de uma racionalização primária relevância, de forma a validar o conhecimento produ-
da realidade sob investigação. zido. (PRITCHARD, 1969)
Esses dois métodos buscam identificar o movi- Essa prática moderna de produção intelectual
mento entre sujeito e objeto, colocando ascendência submetida a um escrutínio em revistas científicas tem
da razão (dedutivo) ou da observação (indutivo) sobre época, não tendo sido parte permanente do método
o conhecimento gerado. Essa diferença é também ser científico. Talvez, no futuro, outras práticas sejam
interpretada como sendo uma questão de objetos introduzidas para validação, num aprendizado que
investigados, podendo a ciência ser dividida entre as está sempre em movimento. Este movimento é que
ciências formais, estudo das ideias, e as ciências fac- torna a obra de Thomas Kuhn (1972) interessante e
tuais, estudo dos fatos. Essa conceituação foi feita por relevante para a ciência. Como dito anteriormente, ele
Mario Augusto Bunge, que tratou as ciências formais designa como teoria normal um conjunto de atribu-
como contemplando somente os enunciados lógicos tos mais frequentes ou mais aceitos de um campo de
ou analíticos e as ciências factuais sendo dependentes conhecimento existente, incluindo conceitos e métricas
da observação de fatos que circundam o objeto inves- dominantes, discurso de justificação comum, métodos
tigado. Tal visão pertence a um importante movimento consagrados de fazer pesquisa e estilo de comunicação
da Sociedade para a Filosofia Exata, que visa precisa- e divulgação com linguagem própria. É interessante
mente empregar somente conceitos exatos, definidos observar que na nas ciências sociais aplicadas existe
mediante a lógica e a matemática. (BUNGE, 1967) significativa diferença entre a teoria normal nas linhas
As diferenças fundamentais entre os métodos de pesquisa e mesmo dentro destas. Os exemplos
dedutivo e indutivo podem ser apreciadas a partir de são inúmeros. No campo do comportamento do
suas premissas e proposições decorrentes. O método consumidor, por exemplo, há um conjunto de regras
dedutivo parte de premissas que são consideradas e estilos que contrastam fortemente com as pesquisas
verdadeiras (paradigmas) que levam a proposições mais voltadas para a estratégia de marketing. Essas
teóricas verdadeiras. Já o método indutivo parte do regras e estilos evoluem para uma maturidade, nunca
princípio de que observações bem feitas e consistentes alcançada, devido ao princípio da falseabilidade, isto
levam a premissas prováveis. Assim, as proposições no é, sempre haverá uma crítica possível no teste ou na
método dedutivo partem de uma teoria bem estrutura- lógica de uma proposição teórica.

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Esse campo normal tem domínios políticos, pa a pesquisa anterior, mas cria novos fundamentos,
éticos e estéticos que fazem a defesa do paradigma, novas bases para a teoria e os experimentos. Em ou-
daí o caráter histórico e institucional da pesquisa e da tros termos, o pensamento científico é constituído de
sua publicação. Popper critica esta visão, atribuindo contestações, confirmações ou ainda aperfeiçoamentos
a ela um historicismo, isto é, torna a ciência relativa, sobre o conhecimento existente. Uns buscam falsear a
dependendo do momento ou do ambiente em que é teoria existente por meio da lógica, alguns inventam
construída (POPPER, 1944). Para Kuhn, ao contrário, um caminho novo de pesquisa e outros procuram mais
há disputas internas entre grupos de pesquisa, haven- evidências para confirmar um modelo existente. Esse
do uma verdadeira seleção natural nas contribuições corpo de conhecimento é um ser vivo, em constante
relevantes, o que muitas vezes regride por conta da evolução e adaptação.
retórica, isto é, da possibilidade de se persuadir ou
dissuadir a comunidade de uma proposição sem que
esta seja necessariamente a melhor solução científica. 4 PROCEDIMENTOS FORMAIS DA CIÊNCIA
Bianchi e Nunes (2003), apoiados no trabalho de SEGUNDO POPPER
Kuhn, afirmam que a ciência não é feita a partir de
uma reflexão profunda, mas da sua reconstituição A complexidade da atividade de geração de
histórica, da política em que ela está mergulhada, das conhecimento estabelece classificações das atividades
instituições que moldam regras e procedimentos e de pesquisa, de acordo com critérios variados (GIL,
organizam a atividade de experimentos e testes, bem 1999). Note que se distinguem o método científico
como das redes de cooperação ou comunicação entre (dedutivo ou indutivo) dos métodos ou técnicas
os especialistas da área e outros militantes e de grupos de pesquisa científica (SELLTIZ; WRIGHTSMAN;
de interesse diretos e indiretos nesta atividade. COOK, 1987). No primeiro caso, refere-se o movi-
Dessas observações é que se explica o apare- mento da relação entre sujeito e objeto, contrapondo
cimento de modismos dentro das disciplinas, muitos dois elementos fundamentais da ciência: razão e
deles sujeitos exatamente ao efeito da retórica, do observação. Já a pesquisa científica comporta vários
poder de convencimento (MCCLOSKEY, 1991). De métodos ou técnicas, que variam de acordo com o
fato, só a história é capaz de ser o grande teste de um critério adotado para seu uso. É sobre essa diferença
paradigma. Rever de forma sumária e sem redundân- que repousa a possível separação entre a atividade
cias este corpo básico de contribuições é uma tarefa de produzir um texto teórico e uma aplicação prática
obrigatória para levantar novas questões e prosseguir dele decorrente, que é uma preocupação central das
na pesquisa. É absolutamente essencial apresentar ciências sociais aplicadas.
uma revisão sumária, mas consistente, desta teoria Como visto, segundo Karl Popper, o procedi-
(dominante ou não) que irá inspirar a pesquisa. mento formal de pesquisa parte de uma proposição
Para a finalidade de orientar a prática quotidiana teórica nova ou uma reformulação de algo já existente
da pesquisa, se adota a premissa de que a teoria está que visa responder a uma indagação bem elaborada,
sempre em processo de mudança, sujeita a algum tipo que busca revogar, renovar ou incrementar a teoria
de crítica, refutação ou aprimoramento. Daí Popper existente. Ficou consolidado no imaginário da co-
dizer que toda teoria é transitória ou falseável, num munidade científica que a pesquisa formal geraria
movimento incremental de mudança. Kuhn diria que por si mesma a pesquisa aplicada, a tecnologia e as
há sim movimentos destrutivos, mais profundos, em aplicações da engenharia em vários campos do saber.
direção a um novo paradigma, uma nova ordem na Para esse grande autor, o processo de pesquisa cien-
disciplina. De qualquer forma, há que se aceitar a tífica é fundamentalmente básico e é denominado de
mudança como um elemento fundamental da prática hipotético-dedutivo ou dedutivo com teste. O esquema
científica. Esse movimento, quando ocorre, não sola- da Figura 2 ilustra esse modelo.

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Figura 1: Modelo Poperiano (Hipotético-Dedutivo)


Fonte: Adaptada de Campanario e Chagas Júnior (2012)

Seguindo Feyerabend (1989) com cautela, Demo mesma (CHALMERS, 1997). Antes de falsear o teste
(1991) defende que o formalismo da ciência nem lança dúvidas e novas reflexões.
sempre é seguido pelos cientistas em seu trabalho, uti- O procedimento da ciência formal pode ser
lizando procedimentos mais aleatórios do que se possa chamado de dedutivo com teste ou hipotético-
imaginar. Muitos buscam utilizar os mais variados mé- -dedutivo (o método dedutivo em si pode não reque-
todos, sem o rigor que a filosofia da ciência preconiza. rer o teste), pois parte de uma proposição, retirada da
No entanto, esse rigor serve simplesmente como guia, reflexão teórica, e busca confrontá-la com a realidade,
visando o amadurecimento constante e cumulativo por meio de técnicas apropriados de extração, trata-
das práticas científicas no dia a dia. Os caminhos mais mento e análise de dados e informações.
fundamentais do enfoque aqui tratado permitem que Acevedo e Nohara (2009) apresentam um guia
sejam delimitadas as potencialidades do trabalho em completo de conteúdo e forma no trabalho científico
cada etapa. Nesse esquema, que é derivado de traba- e salientam que a ciência a rigor nada tem haver com
lho anterior (CAMPANARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012) processos de tomada de decisão e sim com a expli-
também não se enfoca de forma decisiva o princípio cação de fenômenos naturais ou sociais. Para tanto,
da falseabilidade, uma vez que não necessariamente o afirmam que
que não é observável em uma proposição deve levar ao
afastamento (falseabilidade) da teoria que o suporta, [...] o estudo da teoria sobre o fenômeno que se
mas a uma nova reflexão sobre o estado da arte da está investigando deve ser feito anteriormente

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à fase de coleta de dados, pois é essencial que Algumas ciências, como a biologia e a saúde,
o investigador compreenda em profundidade o desenvolvem experimentos assentados em teorias,
que já se sabe na ciência. (ACEVEDO; NOHA-
mas avançam com a colocação de evidências de forma
RA, 2009, p. 10)
cumulativa. Essa abordagem pragmática é chamada de
O modelo formal é um guia de boas práti- Design Science e se aplica à geração de conhecimento
cas, mas o conhecimento científico é formado por científico a partir do estudo rigoroso de artefatos
caminhos mais tortuosos, envolvendo etapas que se aplicados à resolução de problemas objetivos. Na admi-
retroalimentam. Por meio dessas teorias é que se busca nistração, observa-se sua maior adoção em pesquisas
representar a realidade, mas sem nunca reproduzi-la voltadas à gestão de sistemas de informação (DE SOR-
na sua integralidade. (FOURREZ, 1991) DI; MEIRELES; SANCHES, 2011). Essa é a principal
vertente da pesquisa nos diferentes ramos da saúde e
nas engenharias. Já as ciências sociais aplicadas como
5 POPPER E AS PROPOSIÇÕES DAS CIÊNCIAS a administração e a economia são mais propensas a
desenvolver modelos funcionais e de simulação de
APLICADAS uma determinada realidade, visando sua aplicação,
da mesma forma que um teste clínico, respeitando
A formulação de Popper da ciência veio a se
obviamente os objetos pertinentes de investigação em
expressar de forma mais contundente a partir da II
cada caso. Esse teste clínico raramente é experimental
Grande Guerra, com o reconhecimento de que o
(embora esta técnica cresça em importância) e sim
desenvolvimento econômico e social deve muito àci-
uma proposição derivada de uma teoria existente que
ência básica. O clássico relatório de Vannevar Bush
é testada com técnicas quantitativas de simulação,
(1945), que inspirou a criação do National Science
interpretação de casos, surveys entre outras técnicas.
Foundation nos Estados Unidos, expressa essa posição
Como aponta Lundvall (1988), a pesquisa apli-
ao estabelecer um modelo linear direto entre ciência
cada deve desembocar nas atividades de desenvol-
básica e inovação, passando por ciência aplicada e
vimento, que visam programar soluções compatíveis
desenvolvimento tecnológico. Nessa concepção, todo
com determinados objetivos produtivos, sejam eles
conhecimento tem origem na ciência básica, navegan-
visando o aprimoramento tecnológico de produtos,
do posteriormente para aplicações tecnológicas e ino-
processos ou produtos ou ainda gerando inovações
vações de mercado. (CAMPANARIO; CHAGAS, 2011)
(tecnologias validadas pelo mercado ou socialmente)
Kline e Rosenberg (1986) desenvolveram um
no âmbito de tecnologias, organizações e mercados. As
modelo de relação mais integrada entre esses universos,
áreas de engenharia e administração possuem amplo
designada como chain-linkedmodel. Nesse modelo,
campo neste caminho do conhecimento aplicado, mas
trata-se de forma interativa a relação entre pesquisa
ainda há muito que caminhar. No âmbito acadêmico,
básica, aplicada, tecnologia e inovação, cada qual
trata-se de colocar as tecnologias e o conhecimento
agregando valor ao conhecimento e interagindo com
acumulado a funcionar, seja no plano laboratorial, de
feedbacks entre uma etapa e outra. Furtado e Freitas
plantas piloto, de estruturas administrativas comanda-
(2004) afirmam que essas relações entre esferas do co-
das por tecnologias, mas não necessariamente para uso
nhecimento são múltiplas e não necessariamente num
econômico ou social imediato.
só sentido, principalmente quando se trata de ciências
As atividades de inovação, por seu turno, são
sociais. Basicamente, a visão por esses autores defendi-
mais conhecidas como a etapa derradeira do conhe-
da é a evolucionária, pois o conhecimento é formado
cimento científico, pois se refere à validação social e
por várias fontes simultaneamente, num processo de
de mercado de um determinado conhecimento ou
retroalimentação em cada etapa, tal qual apontado por
tecnologia aplicada a novos processos, produtos,
Callon (1992). A rigor, o modelo interativo é composto
serviços ou organizações. Um determinado conhe-
de fases que se retroalimentam. Assume relevância
cimento científico, tecnológico ou mesmo um teste
o fato de que a atividade científica é acima de tudo
clínico pode ter um grande impacto no mercado ou
uma forma de representação da realidade por meio de
na sociedade. Mas sua viabilidade técnica e utilização
teorias e modelos ou croquis.

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social dependem da ciência e da tecnologia. Já que o ou pelo seu uso validado pela esfera pública, quando
mercado só valida esses novos conhecimentos como as leis de mercado não direcionam corretamente os in-
inovação, pois depende da vontade dos consumidores. centivos para produção (saúde pública, por exemplo).
O conceito de inovação mais preciso seria o de que o Esse movimento entre a pesquisa básica e a pesquisa
conhecimento que gera riqueza por meio do mercado aplicada é apresentado na Figura 2.

Figura 2: Modelo Interativo de Ciência Aplicada


Fonte: Adaptada de Campanario e Chagas Júnior (2012)

Ainda, seguindo Demo (1991) e Feyerabend Quadrante 1 – Pesquisa Básica Pura. Nessa
(1989), não existe um caminho rígido em que a ciência vertente, a busca é pela teoria pura ou entendimento
percorre. Ela estabelece, simplesmente, que a pesquisa fundamental. Não tem uso prático ou não foi cons-
pode carregar diferentes graus de especificidade em truída para ter qualquer aplicação no curto ou longo
sua reflexão, variando de pesquisa básica pura ou prazos. O exemplo na física é a Teoria Atômica de Nils
até a inovação e que, como dito anteriormente, há Bohr, que é uma forma extremamente sofisticada de
um movimento de retroalimentação destas práticas. interpretar a física quântica, sem a qual não seria pos-
Sobre esse tema, Stokes (1997) apresenta uma interes- sível o desenvolvimento da teoria da relatividade. Nas
sante postulação. Seguindo a visão de Louis Pasteur, ciências sociais toda teoria deveria ter uma aplicação
que propõe um modelo de quadrantes da pesquisa em vista, mas não seria um exagero dizer que o modelo
científica como resultado do cruzamento de um vetor de Howard e Sheth (1969) no campo do compor-
de pesquisa pura e outro de pesquisa aplicada, três tamento do consumidor e a teoria econômica de
quadrantes merecem atenção. expectativas racionais de Lucas (1972) são puras,
pois introduzem elementos ou pressupostos novos

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na teoria sem a pretensão de aplicação na realidade, Quadrante 3 – Pesquisa Aplicada Pura. Fi-
muito embora possam ao longo do tempo tornar-se nalmente, a pesquisa aplicada totalmente voltada para
aplicadas. Os desdobramentos, em todos os casos, o desenvolvimento de produtos, processos e serviços
são teóricos e práticos, dependendo de condições que tenham uma aplicação imediata, que garantam
históricas específicas. que o conhecimento encontre uma inovação capaz de
Quadrante 2 (Pasteur) – Pesquisa Básica ser validada pelo mercado ou pela sociedade devido
para Uso. Nesse quadrante, a visão busca unir a pes- à sua utilidade prática. Esse é o caso, por exemplo,
quisa básica com a maior ou menor aplicabilidade ou de grande parte do trabalho de Thomas Edison, com
uso de um determinado conhecimento. Este é chamado destaque para a lâmpada incandescente. Philip Kotler
o quadrante de Louis Pasteur pelo fato de que sua te- desenvolveu, entre outros trabalhos aplicados, a es-
oria microbiológica da doença foi formulada com trutura do marketing de relacionamento – CRM com
fundamentação de teoria pura, mas com o foco na cura a finalidade de aplicação imediata. Hoje em dia toda
de doenças. Essa visão significa que a pesquisa básica é a parafernália de equipamentos e funcionalidades
inspirada pelo uso e pela sua potencial utilidade, tendo ligadas à tecnologias de informação e comunicação
em vista a enorme preocupação com a erradicação de estão atreladas a uma visão de aplicação pura. A pró-
enfermidades. Em marketing, a teoria de composto pria matriz de Leontief se tornou objeto de pesquisa
de marketing foi criada por McCarthye Perreault aplicada nas mais diferentes frentes de investigação.
(1990) exatamente com esta intenção: tirar dos funda- Kline e Rosenberg (1986) fazem uma modelagem para
mentos maiores da teoria de marketing ferramentas que este tipo de pesquisa que desemboca na inovação,
fossem úteis para as organizações. Assim, eles criaram validada pelo mercado.
um mantra dos Quatro Ps: Produto, Preço, Praça e O que é interessante observar é que o sistema
Promoção. Em economia, um bom exemplo é a matriz de quadrantes, representado pela Figura 3, tem
insumo-produto (conhecido como Matriz Leontief) que implicações imediatas sobre a forma de construir as
deu o Prêmio Nobel a Wassily Leontief. Em 1941, ele proposições a serem testadas no modelo de Popper.
criou um sistema de contas nacionais para melhor Nessa visão dos quadrantes, o cientista pode seguir
compreender as relações entre segmentos produtivos rotas diferentes dependendo de sua visão e formação.
e identificar aqueles mais relevantes para o aumento As proposições obviamente são diferentes do mundo
de produtividade e para o planejamento econômico absolutamente abstrato e da ciência básica quando
da economia norte-americana. comparado com aquele que decorre da preocupação

Figura 3: Modelo do Quadrante de Pasteur e Formulação de Proposições


Fonte: Adaptada de Stokes (1997)

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com a área de inovação, passando pela pesquisa por August Comte, Rudulf Carnat, Mario Bunge, entre
pura aplicada. Segundo essa formulação não existiria outros. Para fins didáticos, adota-se aqui uma classi-
simplesmente uma pesquisa aplicada sem a qualifi- ficação Popperiana, que é muitas vezes utilizada sem
cação pura, pois neste caso o fundamento maior é o devido conhecimento formal da mesma. Para esse
o aperfeiçoamento tecnológico e a colocação de algo autor está claro que a natureza da pesquisa depende
criado para uso da sociedade, validado pelo mercado de seu objeto de investigação, podendo ser básica ou
ou pela esfera pública. aplicada. Na primeira se busca a formulação teórica e
Popper, particularmente em seu trabalho mais assertivas ou proposições a serem testadas para confi-
detalhado sobre o desenvolvimento de proposições gurar um avanço na ciência, afastando a possibilidade
teóricas (POPPER, 1963), desenvolve uma lógica de uma visão positivista, que parte inicialmente de
para a qual se temum bom exemplo (CAMPANARIO; observações para a construção da teoria. A pesquisa
CHAGAS JUNIOR, 2012). Uma pesquisa sobre o aplicada, tal que nos enquadrou a classificação oficial
comportamento do consumidor fumante parte de uma da CAPES. Utiliza-se de uma visão teórica prévia, mas
indagação sobre os motivos genéticos ou sociais que com uma intenção de transformação da realidade.
levam o indivíduo ou os grupos de indivíduos a fumar. Ainda segundo essa linha de raciocínio, é possível
Qual seria o papel do marketing, certamente este um acrescentar que existiria um tipo de pesquisa que não
fator da área social? Há muitas questões que podem se enquadra perfeitamente no modelo Poperiano, mas
ser investigadas. Por exemplo: para reduzir o consumo que faz sentido. Modelos econômicos ou de administra-
geral da população, uma boa estratégia das autorida- ção, desenvolvidos para estimar preços de mercado ou
des sanitárias seria adotar campanhas publicitárias comportamento das organizações (modelo da agência,
agressivas ou de educação/instrução sobre o tema? por exemplo), têm caráter puramente aplicado e não
Esta pergunta, de caráter geral, nos leva à literatura são necessariamente dedutivos, pois partem do pro-
ou aos estudos já feitos sobre o comportamento do blema imediato a ser resolvido e sua utilização não
consumidor fumante e das campanhas publicitárias que necessariamente é submetida a pares para avaliação
o combatem. Daí é possível tirar uma assertiva ou uma e validação e entregam essas tarefas ao mercado. A
proposição, como, por exemplo: em geral, a reação do eficácia e a eficiência do modelo são feitas pela prática.
fumante é mais rápida e eficaz frente a uma campanha Para Popper, a natureza da pesquisa científica
agressiva do que frente a uma forma mais instrutiva de é criar um conhecimento novo ou aplicá-lo a uma
evitar o consumo. Haveria que testar se realmente esta determinada situação, com a intenção de falsear ou
proposição é igualmente verdadeira entre gêneros ou confirmar uma determinada proposição. Mas, muitas
ainda por coortes de idade, com foco em adolescentes, vezes, pretende-se tão somente criar fazer uma nova
por exemplo. Testar a assertiva em um grupo específico descrição ou classificação dos elementos de um fenô-
da população com comportamentos diferenciados é, meno ou ainda criar uma explicação mais aperfeiço-
em muitos casos, uma boa indicação de pesquisa teó- ada para ele. Assim, tendo como referências básicas
rica ou básica. Ela certamente terá repercussões sobre Kerlinger (1980), Piovesan e Temporini (1995), e
os formuladores de políticas sanitárias ou de saúde, Vergara (1997), tem-se que, quanto aos seus objetivos,
mas seu objetivo é somente esclarecer a hierarquia ou a pesquisa, básica ou aplicada, pode ser classificada
a validade da influência de variáveis num determinado como exploratória, descritiva ou explicativa (CAMPA-
fenômeno, provocando repercussões sobre o estado da NARIO; CHAGAS JUNIOR, 2012). Está evidente que
arte ou a ciência normal. Nesse caso tem-se tipicamente a pesquisa exploratória, tão comum nas áreas sociais
uma situação do quadrante de Pasteur, que é talvez o aplicadas, e mesmo a pesquisa descritiva, não fazem
melhor para as ciências sociais aplicadas trabalharem. parte do modelo Poperiano descrito neste trabalho.
Somente a visão da pesquisa explicativa faria senti-
do, pois ela se aproxima mais a natureza formal de
6 CONCLUSÕES construção dedutiva de uma proposição falseável. No
entanto, há de se admitir que sem exploração inicial
Lakatos e Marconi (1991) apresentam variedades e sem descrição ou classificação adequada, não há
de classificação da ciência, incluindo aquelas utilizadas avanço científico possível, mas ele só se completa com

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a identificação de variáveis capazes de serem explica- BUSH, V. Science the endless frontier. Washington,
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será possívelavançar na ciência: a busca incessante Hemus, 2002.

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