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JUCA

JUCA DIPLOMACIA E HUMANIDADES


JUCA
IN THE TRENCHES OF DIPLOMACY NAS TRINCHEIRAS DA DIPLOMACIA
Daily life in difficult diplomatic missions N
8 O difícil dia a dia nos postos D

ISSN 1984-6800
of the Brazilian Foreign Service do Serviço Exterior Brasileiro
diplomacy &
humanities 70 YEARS OF THE RIO BRANCO INSTITUTE 70 ANOS DO IRBr
Nº08—2015 A conversation with Gilberto Chateaubriand, 2015 Um Perfil de Gilberto Chateaubriand,
English version alumnus of the diplomatic academy’s first class aluno da primeira turma do Instituto
pages 145 to 208.
GHOST WRITERS AT ITAMARATY GHOST WRITERS NO ITAMARATY
The craft of speech writing in the house that Rio Branco built O ofício de fazer discursos na Casa de Rio Branco
DIPLOMACIA E HUMANIDADES
FOR A DIPLOMACY OF RESULTS POR UMA DIPLOMACIA DE RESULTADOS
In an interview, Chancellor Mauro Vieira explains his Em entrevista, Chanceler Mauro Vieira defende uma juca.irbr.itamaraty.gov.br
Instituto concept of foreign policy política externa que se traduza em conquistas reais www.facebook.com/revistajuca
Rio Branco

O QUE É JUCA?
É a revista anual dos alunos do Curso
de Formação em Diplomacia do
Instituto Rio Branco. Compõem seu
universo temático a diplomacia, as
relações internacionais, outras ciências
humanas, as artes e a cultura.
Foi concebida para divulgar a produção
acadêmica, artística e intelectual da
academia diplomática brasileira e
visa, ainda, a recuperar as memórias
da política externa do País e difundi-las
nos meios diplomático e acadêmico.
A revista foi intitulada com o apelido
de juventude do Barão do Rio Branco,
patrono da diplomacia brasileira.

7 7
The United Nations at As Nações Unidas aos WHAT IS JUCA?
JUCA is the annual magazine of the
students of the Training Course in
Diplomacy of the Rio Branco Institute.
It deals with issues such as diplomacy,
international relations, other human
sciences, arts and culture. JUCA
was conceived to disseminate the
academic, artistic and intellectual
work of the Brazilian diplomatic
academy. It also aims at recovering
memories of Brazil’s foreign policy and

ANOS
disseminating them in the academic
and diplomatic environments. The
magazine is named after the Baron of
Rio Branco’s – the patron of Brazilian
IRBr

diplomacy – youth nickname.


N
8
Carta dos editores
Há 70 anos, a criação das Nações Unidas apresentava-se como uma tentativa de pacificar e conferir maior
institucionalidade às relações internacionais. No mesmo ano de 1945, a criação do Instituto Rio Branco revelava
o objetivo brasileiro de preparar seus diplomatas para atuarem em um mundo crescentemente complexo e inter-
dependente. A conexão entre essas duas efemérides está no foco desta revista JUCA, que, em sua oitava edição,
cumpre o duplo propósito de expressar o pensamento dos jovens diplomatas do Itamaraty e de servir como canal
de interlocução entre o Instituto e a sociedade brasileira.
Na seção Dossiê, abordamos, por meio de artigos, matérias e entrevistas, os 70 anos das Nações Unidas e a
atuação brasileira nessa organização. Conversamos com o jurista Antônio Augusto Cançado Trindade e com o
ex-diplomata e professor Martti Koskenniemi, cujas visões das relações internacionais são radicalmente diver-
gentes, mas igualmente instigantes. No plano mais pragmático, tratamos de temas caros à política externa bra-
sileira, como a necessidade de reforma do Conselho de Segurança e do FMI. Exploramos, ainda, os bastidores
políticos da Quinta Comissão, instância responsável pelo orçamento da organização e que explica parte da sua
paralisia institucional.
Na seção Diplomacia e Política Internacional, buscamos contribuir para dar fim à visão comum e estereoti-
pada do diplomata ‘punhos de renda’. A matéria Nas Trincheiras da Diplomacia reúne relatos sobre o dia a dia do
diplomata brasileiro nos chamados “Postos de sacrifício”, onde restrições de todos os tipos tornam o exercício da
profissão um desafio. Em Cultura e Arte, apresentamos, além de ensaios fotográficos, enfoques que relacionam
diferentes aspectos da cultura e da identidade brasileiras à nossa atuação internacional. Para a seção Entrevistas,
conversamos com o Chanceler Mauro Vieira sobre o seu conceito de “diplomacia de resultados”, e tratamos da
relação entre diplomacia e defesa com o ex-Chanceler e ex-Ministro da Defesa Celso Amorim.
Na elaboração da JUCA 8, preocupamo-nos em desenvolver uma revista com aperfeiçoamentos em termos
de identidade visual e de divulgação do trabalho do Itamaraty, sem descuidar de manter uma perspectiva crítica.
Buscamos produzir uma publicação com densidade de conteúdo, permitindo-nos questionar pontos de vista,
além de exercitar capacidades como liderança e trabalho em grupo, o que torna a JUCA, uma tradição de apenas
8 anos, parte significativa nas atividades do Instituto Rio Branco para a formação de diplomatas, no marco de
seu 70o aniversário. Trabalhamos para que a revista refletisse o espírito cooperativo da turma 2013-2015, sem
perder de vista a ideia de que diferentes instituições, como as Nações Unidas ou o Instituto Rio Branco, inde-
pendentemente de sua boa tradição (que deve ser mantida), sempre podem e devem ser aperfeiçoadas. O esforço
das turmas do Instituto para aprimorar a JUCA comprova a continuidade desse pensamento de renovação que
esteve presente tanto na fundação do IRBr quanto na criação das Nações Unidas.
Desejamos, por fim, boa sorte aos próximos editores da JUCA, reforçando a ideia de que esta Revista se man-
tenha como um meio de expressar os propósitos que inspiraram, há 70 anos, a criação do Instituto Rio Branco:
criatividade, aperfeiçoamento constante e atuação propositiva, atributos que caracterizam, também, a atuação
brasileira nas Nações Unidas.

Boa leitura!
Expediente Agradecimentos

JUCA Embaixador Mauro Luiz Iecker Vieira, Embaixador Sérgio França Danese, Embai-
xador Celso Luiz Nunes Amorim, Embaixador Antonio de Aguiar Patriota, Embai-
Edição 08 / 2015
xador Luís Fernando de Andrade Serra, Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e
Instituto Rio Branco
Mello Mourão, Embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti, Embaixador Paulo Cordei-
Impressa em Brasília
Brasil ro de Andrade Pinto, Embaixador Marcel Fortuna Biato, Embaixador Nelson An-
tonio Tabajara de Oliveira, Embaixadora Vera Cíntia Álvarez, Embaixador Flávio
Soares Damico, Embaixador Fernando Luís Lemos Igreja
Diretor Honorário
Embaixador Gonçalo de Barros Carvalho e Ministro Roberto Colin, Ministro Norberto Moretti, Ministro Maurício Carvalho
Mello Mourão Lyrio, Ministro Antonio Carlos de Salles Menezes, Ministro Marcelo Marotta Vie-
gas, Ministro Felipe Costi Santarosa
Editor-chefe
Felipe Neves Caetano Ribeiro Conselheiro Alírio de Oliveira Ramos, Conselheiro Francisco Moacyr Fontenelle
Filho, Conselheiro Alexandre de Azevedo Silveira, Conselheira Maria Deize Cami-
Editor-executivo
lo Jorge, Conselheiro Paulo André Moraes de Lima, Conselheiro Eduardo Uziel,
João Marcelo Costa Melo
Conselheiro Mário Gustavo Mottin, Conselheiro André Dunham Maciel Siaines
Editores de Arte de Castro
Fernanda Carvalho dal Piaz e Vismar
Ravagnani Duarte Silva Secretário Márcio Oliveira Dornelles, Secretário Marco Túlio Scarpelli Cabral, Se-
cretário Bruno Nunes Brant, Secretário Herbert de Magalhães Drummond Neto,
Editores de Dossiê Secretária Maitê de Souza Schmitz, Secretário João Augusto Costa Vargas, Secre-
Vinícius Fox Drummond Cançado Trindade tário Leonardo de Oliveira Jannuzzi, Secretário João Francisco Campos da Silva Pe-
e Pedro Mariano Martins Pontes
reira, Secretário Octávio Moreira Guimarães Lopes, Secretário Rodrigo de Carvalho
Editores de Entrevistas Dias Papa, Secretária Maria Clara de Paula Tusco, Secretário Alisson Souza Gas-
Guilherme Rafael Raicoski, João Lucas Ijino parete, Secretário Paulo de Melo Ming de Azevedo, Secretário Thomaz Alexandre
Santana e Jean Pierre Bianchi. Mayer Napoleão, Secretária Márcia Canário de Oliveira, Secretário Patrick Luna,
Secretário Cristiano Carneiro Ebner, Secretário Thiago Tavares Vidal, Secretário
Editor de Diplomacia e Política João Carlos Falzeta Zanini, Secretário Wellington Muller Bujokas, Secretário João
Internacional Eduardo Gomide de Paula, Secretário Rubens Dionísio de Camargo Campana, Secre-
Tainã Leite Novaes
tário Luiz Feldman, Secretário Fábio Cunha Pinto Coelho, Secretário Rafael da So-
Editor de Cultura e Arte ler, Secretária Lara Lobo Monteiro, Secretário Bruno Pereira Rezende, Secretária
Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes Renata Negrelly Oliveira, Secretário Thiago Antonio de Melo Oliveira, Secretário
Felipe Pinchemel Cotrim dos Santos, Secretário Guilherme Ferreira Sorgine, Secre-
Editor de Memória Diplomática tária Mariana Yokoya Simoni, Secretário Luiz de Andrade Filho
Felipe Eduardo Liebl
Professora Susan Casement Moreira, Professor Antonio Augusto Cançado Trin-
Editor de Ensaios e Resenhas dade, Professor George Rodrigo Bandeira Galindo, Professor Matias Spektor, Pro-
Alexandre Piana Lemos
fessor Martti Koskenniemi, Senhor Adriano Cesar Santos Ribeiro, Senhor Clayton
Editor de Traduções Gonçalves do Carmo, Senhora Dolores Manzano, Senhor Gilberto Francisco Renato
Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes Allard Chateaubriand Bandeira de Mello, Senhor Inaldo Cavalcante de Albuquerque,
Senhora Jaeden NG, Senhor Jefferson Assumpção, Senhor João Candido Portinari,
Diretor de Comunicação e Distribuição Senhor John Neschling, Senhora Marlene Gomes de Vellasco, Senhor Marcos Go-
Vitor Augusto Carvalho Salgado da Cruz rinstein, Senhora Moema Salgado, Senhora Neuza Maria Ribeiro Ferreira, Senhor
Pedro Henrique Chaves Reis, Senhora Vera Silvia Camargo Guarnieri, Senhora Vi-
Diagramação
CT Comunicação cência Bretas Tahan

Capa Acervo Murilo Mendes, Agência Literária Riff, Marina – Artes Gráficas e Editora
Estudo para o Painel “Paz” (1954), de LTDA, Museu Casa de Cora Coralina, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo
Candido Portinari
Sumário
dossiê Nas trincheiras da diplomacia – 62 Embaixador Celso Amorim (“Na
Tainã Leite Novaes Defesa, tive que ser diplomata. No
As Nações Unidas aos 70 anos – 04 Itamaraty, eu podia ser guerreiro”) – 116
Vinícius Fox Drummond Cançado Trindade Democracia em bom português – 70 Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme
e Pedro Mariano Martins Pontes Tainã Leite Novaes Rafael Raicoski, Pedro Mariano Martins
Pontes e Tainã Leite Novaes
Orçamento: quem paga a conta? – 16 Jiu-Jitsu com B de Brasil – 74
Fernanda Carvalho Dal Piaz Jean Pierre Bianchi Embaixador Alfredo Toro Hardy
(Economia e integração regional) – 120
O Bombeiro e o Arquiteto: o Fundo
A Política Internacional traduzida pela Embaixador Luís Fernando de Andrade
Monetário Internacional no pós-crise – 20
Nona Arte – 78 Serra e Secretário Octávio Moreira
Guilherme Rafael Raicoski
Leonardo Rocha Bento Guimarães Lopes
O 70 Anos da ONU e a Reforma do
Conselho de Segurança – 24
Pedro Mariano Martins Pontes
Cultura e arte memória diplomática
Perspectivas acadêmicas sobre a
natureza e o futuro das Nações Unidas Mundo vasto mundo: divulgação da Gilberto Chateaubriand:
(Entrevistas: Antônio Augusto Cançado literatura brasileira no exterior – 82 aluno da primeira turma do Instituto
Trindade e Martti Koskenniemi) – 30 Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes Rio Branco – 124
Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme
Rafael Raicoski, Pedro Mariano Martins Cora Coralina, quem é você? – 88 Rafael Raicoski, Pedro Mariano Martins
Pontes, Tainã Leite Novaes, João Lucas Felipe Neves Caetano Ribeiro Pontes, Tainã Leite Novaes
Ijino Santana e Jean Pierre Bianchi e Jean Pierre Bianchi
Música erudita brasileira
Entrevista com Antonio de Aguiar Para além do muro – 126
para exportação – 92
Patriota – 38 Felipe Eduardo Liebl
Vismar Ravagnani
Pedro Mariano Martins Pontes
Duarte Silva
Maria Luiza Viotti: os seis anos em Bastidores do discurso
que o Brasil foi representado por uma Do frevo ao jazz – 96 diplomático: Ghostwriters
mulher nas Nações Unidas – 42 João Marcelo Costa Melo no Itamaraty – 130
Maria Lima Kallás e Laís Loredo Gama João Lucas Ijino Santana
Tamanini Vietnã: uma cultura de cores (ensaio
fotográfico) – 100
O Brasil e a transferência de pessoas Vismar Ravagnani Duarte Silva
condenadas – 46 ENSAIOS E RESENHAS
Rafael Braga Veloso Pacheco Brasília em P&B (ensaio fotográfico) – 105
Vismar Ravagnani Duarte Silva Albert Camus
Governo das Nações no Brasil – 134
Unidas? – 50 Alexandre Piana Lemos
Concurso Cultural Você e o Itamaraty – 108
Vinícius Fox Drummond
Cançado Trindade O que Kissinger
Bem que eu queria (poema) – 109
Irina Feisthauer Silveira não diz (resenha) – 139
Alexandre Piana Lemos

Samuel Rawet: entre a solidão e o


Diplomacia e Política EntrevistaS diálogo – 140
Internacional Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes
Ministro Mauro Luiz Iecker Vieira
O Brasil no centro do mundo: os grandes (dimensões de uma diplomacia de Sonâmbulos da destruição
eventos de julho de 2014 e a atuação do resultados) – 110 (resenha) – 144
Itamaraty – 56 Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme Vitor Augusto Carvalho
Felipe Neves Caetano Ribeiro e Fernanda Rafael Raicoski, Pedro Mariano Martins Salgado da Cruz
Carvalho Dal Piaz Pontes e João Lucas Ijino Santana
Dossiê

FOTO: UN Photo/McLain
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7
As Nações Unidas aos

ANOS
Vinícius Fox Drummond Cançado Trindade
e Pedro Mariano Martins Pontes

“Uma das minhas memórias mais remotas é andar numa


estrada enlameada rumo às montanhas, deixando atrás meu
vilarejo em chamas. Havia uma escola. Logo, chegaram as Na-
ções Unidas. Eles me alimentaram e também minha família,
minha comunidade”. O relato de Ban Ki Moon, relembrando a
destruição causada pela Guerra da Coreia, simboliza o poder
da ONU de auxiliar populações civis em crises humanitárias,
promovendo o respeito aos direitos humanos e condições mí-
nimas de existência em diversos cantos do mundo. A este as-
pecto positivo opõe-se uma estrutura institucional complexa
que, para muitos, se superpõe e é ineficiente. Para uns, a ONU
seria como Ianus, um deus bifronte. Sua ubiquidade, porém,
não permite tal simplificação.

Pedro Leão Velloso, Ministro das Relações Exteriores


e chefe da Delegação Brasileira, assinando a Carta das
Nações Unidas, em uma cerimônia realizada no edifício
do Veterans’ War Memorial em 26 de junho de 1945.
Dossiê

Desde seu surgimento, a ONU e justo, com meios de implementação enfrentar as principais ameaças à paz
tem como funções precípuas manter a adequados. Além disso, busca-se con- internacional. Intervenções militares
paz internacional e promover a coopera- vergência em torno de diretrizes que unilaterais fomentaram o radicalismo
ção entre os povos. Com o passar do tem- guiarão a promoção do desenvolvimen- islâmico e incrementaram sobremanei-
po, porém, a atuação do “sistema ONU” to sustentável e dos direitos humanos, ra a instabilidade internacional. A ina-
adquiriu tamanha complexidade que, sem ignorar particularidades culturais ção do Conselho no contexto da guerra
nos dias de hoje, não apenas determina e as diferentes capacidades institucio- civil síria e o fornecimento de armas
parâmetros para diferentes regimes in- nais e financeiras. À luz do exposto, o para grupos anti-Assad ensejaram a
ternacionais como também influencia presente artigo analisa diferentes di- ascensão e o fortalecimento do autode-
políticas públicas nos mais diversos âm- mensões da atuação das Nações Uni- nominado Estado Islâmico, bem como
bitos, compondo – com as instituições de das, identificando alguns dos principais a eclosão da maior crise de refugiados
Bretton Woods e a Organização Mundial processos negociadores e desafios en- desde o fim da Segunda Guerra. Na Lí-
do Comércio – a dimensão multilateral frentados pelo sistema ONU. bia, excedendo os limites da autoriza-
da governança global. ção do Conselho, a intervenção gerou
Setenta anos após o fim da Segunda grande fluxo de armas a grupos tribais
Guerra, o multilateralismo enfrenta di- que, posteriormente, disputariam o po-
versos desafios e revela uma série de de- A Agenda de Paz e Segurança der entre si e ampliariam a instabilida-
bilidades. O Conselho de Segurança tem Com o objetivo de “preservar as gera- de regional. A marginalização do Con-
sido incapaz de lidar com as principais ções vindouras do flagelo da guerra”, selho de Segurança nas deliberações
ameaças à paz internacional, o impasse atribuiu-se às Nações Unidas a função sobre o uso da força e o desrespeito a
na Rodada Doha e a não efetivação da de manter a paz internacional. Passa- seus mandatos revelam a urgência da
última reforma do FMI têm estimulado dos 70 anos, a atuação da ONU nessa reforma do órgão, não apenas de sua
iniciativas que contornam o arcabou- seara revela um contraste entre avan- composição, mas também de seus mé-
ço multilateral, e a imperativa redução ços e impasses. No centro do meca- todos de trabalho.
das emissões de gases de efeito estufa nismo de segurança coletiva instituído As Nações Unidas também desempe-
(GEE) opõe-se à necessária obtenção de pela Carta de São Francisco, o Conse- nham papel fundamental na promoção
acordo intergovernamental equânime lho de Segurança tem sido incapaz de do desarmamento, servindo de platafor-

Soldados uruguaios da MONUSCO observam


o avanço de uma milícia rebelde em direção
à cidade. Norte de Goma, República
Democrática do Congo, março de 2013.

FOTO: UN Photo/Sylvain Liechti


7

FOTO: UN Photo/Marco Dormino


FOTO: UN Photo/Sylvain Liechti

Soldados indianos da MONUSCO na Membros do Batalhão de Engenharia


província de Kivu do Norte montam brasileiro da MINUSTAH constroem
guarda sobre Bunagana e sobre o reduto ponte a norte de Porto Príncipe.
rebelde Runyonyi.

ma para a adoção de importantes acor- cional após situações de conflito, visto instabilidade e propondo estratégias
dos, como as convenções para a proibição como condição para a estabilização. integradas para a construção da paz.
de armas biológicas, armas químicas e, Exemplo paradigmático dessa evo- Por incluir ampla gama de atores em
recentemente, o Tratado sobre o Comér- lução é a Missão de Estabilização das suas reuniões – vizinhos regionais, pa-
cio de Armas Convencionais. A despeito Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), íses doadores, instituições financeiras
desses marcos importantes, resta muito cujo componente militar tem sido co- internacionais e países que contribuem
por fazer nesse âmbito, como reconheceu mandado por generais brasileiros des- com tropas –, a Comissão enseja diálogo
o Secretário-Geral em 2012: “the world is de 2004. Reconhecendo a inter-relação mais abrangente do que aqueles condu-
over armed and peace is underfunded”. entre estabilidade e desenvolvimento, zidos no âmbito do Conselho de Segu-
Quanto à regulação de armas nucleares, a diplomacia brasileira tem enfatizado rança. Além de presidir a configuração
o histórico também é controverso. Desde a importância da coordenação entre o dedicada a Guiné-Bissau, coordenando
o surgimento da ONU, nenhum artefato Conselho de Segurança e outros foros e o auxílio internacional ao país, o Brasil
nuclear foi empregado em conflito, mas agências da ONU, de modo a assegurar assumiu, em 2014, a presidência anual
pouco tem sido feito para reduzir o ar- a transição efetiva para a paz em cená- da Comissão. Num momento de grandes
senal dos países nuclearmente armados, rios pós-conflito. desafios, promoveu importantes inicia-
um dos pilares do TNP. Marco importante na promoção da tivas, como as sessões dedicadas à gera-
As operações de manutenção da paz paz e da estabilidade foi a criação da Co- ção de receita em países recém-saídos
são, em diversos países, o aspecto mais missão de Consolidação da Paz (CCP), de conflitos, à questão da igualdade de
visível e impactante da ONU, estando em 2005. Como as cicatrizes deixadas gênero e aos impactos da crise do ebola
no centro das deliberações do Conse- pela guerra tendem a estimular a rein- nos principais países afetados.
lho de Segurança. Reconhecendo que a cidência da violência, a Comissão foi Paralelamente ao apoio ao desenvol-
manutenção da paz exige esforço além criada com o objetivo de auxiliar o de- vimento como elemento estabilizador,
do apoio emergencial ou do uso da for- senvolvimento institucional, social e observa-se tendência à autorização de
ça, as missões de paz têm buscado con- econômico de países recém-saídos de mandatos mais “robustos” para que, em
jugar presença militar com o apoio ao conflitos, mobilizando recursos, atu- contextos de crônica instabilidade, as
desenvolvimento econômico e institu- ando preventivamente contra focos de operações de paz possam alcançar seus
Dossiê
FOTO: UN Photo/Fred Noy

Dois deslocados internos do campo de


Zalingei, Sudão, à frente de pôsteres
pedindo intervenção da ONU em Darfur.

objetivos. Na República Democrática do para o aprimoramento das operações de melhores do que em 1945, mas a rele-
Congo, a Resolução 2098 (2013) inovou paz da ONU. Os outros processos são a vância das Nações Unidas para essa
ao criar uma brigada de intervenção Revisão da Arquitetura de Consolidação melhoria está longe ser consensual.
autorizada a “neutralizar” grupos re- da Paz – que inclui, além da Comissão, Por um lado, o ECOSOC foi esvaziado
beldes, turvando ainda mais a distinção o Fundo de Consolidação da Paz e o Es- de seu propósito original pelas grandes
entre “peacekeeping” e “peace enforce- critório de Apoio à Consolidação da Paz potências – que nele não têm prerroga-
ment”. Operações anteriores já haviam – e a revisão da participação das mulhe- tivas especiais –, e suas recomendações
sido autorizadas a usar a força para pro- res em questões de paz e segurança, que seriam, com frequência, desrespeita-
teger civis e defender seu mandato, mas analisa a inclusão da perspectiva de gê- das. Ademais, o crescimento exponen-
é inédita a criação de unidade explicita- nero nas operações de paz e nos proces- cial de países como Japão, Alemanha e
mente ofensiva, de grandes implicações sos de consolidação da paz. Caberia ain- China, pouco ou nada teve a ver com a
políticas e legais. da destacar a atuação das Nações Unidas ONU. No entanto, os êxitos das Nações
À luz dos crescentes desafios en- como foro para discussão sobre Questão Unidas não são negligenciáveis. Além
frentados pela ONU em seus esforços Palestina, e a imposição de sanções pelo de auxiliar o processo de descoloniza-
de manutenção e consolidação da paz, Conselho de Segurança. ção ao redor do mundo, a ONU prestou
três processos de revisão revestem-se de apoio técnico imprescindível a países
grande importância no contexto atual. Desenvolvimento e Sustentabilidade recém-independentes e serviu de plata-
O primeiro corresponde ao Painel Inde- “Promover o progresso econômico forma para a elevação do debate sobre
pendente de Alto Nível sobre Operações e social de todos os povos” é, segun- desenvolvimento e sustentabilidade ao
de Paz, presidido pelo ex-presidente do a Carta da ONU, um dos objetivos topo da agenda diplomática.
timorense José Ramos Horta. Quinze fundamentais da Organização. Setenta Partindo da constatação de que o
anos após o Relatório Brahimi, o painel anos depois de sua criação, a humani- “laissez-faire” preconizado pelas ins-
deverá formular críticas e estratégias dade vive, certamente, em condições tituições de Bretton Woods ampliava a

Campo de refugiados de Za’atri, na Jordânia,


onde estão alojados dezenas de milhares de
sírios.
9

FOTO: UN Photo/Mark Garten


Dossiê

disparidade de renda entre os países, o A atuação das Nações Unidas nes- breza extrema até 2030. Para tanto, foi
então recém-criado Grupo dos 77 utili- sa seara tornar-se-ia ainda mais visível decidido que os Objetivos do Milênio
zou a ONU para elevar a desigualdade com as grandes conferências da década (ODM) - conjunto de objetivos, metas e
entre as nações ao topo da agenda in- de 1990 – ex. Cairo, Pequim, Copenha- indicadores que nortearam a promoção
ternacional, sendo consequências desse gen - que estimularam a articulação en- do desenvolvimento entre 2000 e 2015
processo a criação da UNCTAD em 1964 tre governos e sociedade civil e chama- – serão sucedidos pelos Objetivos do De-
e do PNUD em 1965. A ONU foi também ram a atenção para diversos problemas senvolvimento Sustentável (ODS), que
exitosa na promoção da cooperação in- transnacionais que exigiam maior coo- representam a necessária confluência de
ternacional em temas sociais. Com base peração. Particularmente importante foi três processos distintos: as conferências
na ideia de que preconceitos culturais, a Rio 92, que reuniu mais de 100 Chefes ambientais, a agenda social e o debate so-
religiosos e étnicos estimulariam o na- de Estado e cerca de 2000 ONGs. Além bre o financiamento ao desenvolvimento.
cionalismo exacerbado e a rivalidade de ser um marco para discussões futuras A partir do mandato da Rio+20, for-
entre os países, a UNESCO foi criada sobre mudança do clima, desertificação, mou-se um Grupo de Trabalho Aberto
ainda em 1945. Nos anos seguintes, con- biodiversidade, entre outros temas, a na Assembleia Geral que chegou a uma
forme as necessidades imperativas dos Rio 92 consolidou o conceito de desen- proposta que contém 17 objetivos e 169
países devastados pela guerra, seriam volvimento sustentável, entrelaçando metas, incluindo temas como erradica-
criadas entidades específicas para tratar as discussões sobre meio ambiente e ção da pobreza, segurança alimentar e
de crianças (UNICEF), saúde (OMS), desenvolvimento e pautando esforços agricultura, saúde, educação, igualdade
refugiados (ACNUR), agricultura (FAO), posteriores. de gênero, energia, água e saneamento,
entre outras, que se somariam a insti- A Conferência das Nações Uni- padrões sustentáveis de produção e de
tuições mais antigas, como a OIT. Aos das sobre Desenvolvimento Sustentável consumo, proteção e uso sustentável dos
poucos, o foco dessas instituições mi- (Rio+20) assinalaria o compromisso da oceanos e dos ecossistemas terrestres e
grou da reconstrução pós-guerra para a comunidade internacional com a indis- mudança do clima. Além de orientar po-
promoção de suas agendas em países de sociabilidade das dimensões social, am- líticas nacionais e atividades de coope-
baixa renda. Foros mais democráticos, biental e econômica do desenvolvimento ração até 2030, os ODS representam um
tais agências logo se tornariam espaços sustentável, cuja promoção depende de novo paradigma: ao contrário dos ODM,
propícios para a articulação e a vocali- mecanismos de financiamento apropria- foram definidos com ampla participação
zação de demandas de países em desen- dos. No mesmo contexto, firmou-se o de governos, setor privado e sociedade
volvimento. compromisso com a erradicação da po- civil e serão aplicáveis tanto aos países
FOTO: UN Photo/Luiz Roberto Lima

Rio+20 - Convenção das Nações Unidas


sobre Desenvolvimento Sustentável. Rio de
Janeiro, junho de 2012.
11

FOTO: UN Photo/Eskinder Debebe

Escola da ONU no campo de refugiados de


Jabalia, Faixa de Gaza.

em desenvolvimento quanto aos de- importância, pois, incorporados aos or- países de baixa renda. Em 2008, em con-
senvolvidos. Enquanto a definição dos denamentos jurídicos internos – como ferência realizada em Doha, concluiu-se
ODM foi “donor-driven”, favorecendo alguns países tencionam fazer –, fortale- que a meta não era cumprida e que, como
setores privilegiados pelos investidores, cerão o comprometimento com o desen- agravante, muitos países contabilizavam
os ODS foram definidos de modo mais volvimento sustentável. ajuda militar como ajuda ao desenvolvi-
democrático. Seguem, porém, a estrutu- Em consonância com seu histórico mento. Em 2014, o Comitê Intergoverna-
ra dos ODM: os objetivos, mais genéri- participativo e propositivo nos fóruns mental de Peritos sobre Financiamento
cos, desdobram-se em metas e indicado- internacionais e com a significativa do Desenvolvimento Sustentável, previs-
res, mais específicos. Como parte de um melhoria de seus indicadores sociais, o to pela Rio+20, destacou a importância
plano abrangente, os ODS integram a Brasil se destacou tanto na implemen- de novas medidas regulatórias, institu-
Agenda Pós-2015, que inclui, ainda, uma tação dos ODM quanto na elaboração cionais e programáticas de modo a ga-
declaração política, meios de implemen- dos ODS, defendendo a erradicação da rantir a perenidade e a efetividade dos
tação e meios de acompanhamento (in- pobreza como condição basilar para o compromissos com o financiamento ao
dicadores). Estes são também de grande desenvolvimento sustentável, conforme desenvolvimento. Tais medidas foram
a declaração final da Rio+20. A coorde- debatidas em julho de 2015, na Conferên-
nação nacional em torno da Agenda Pós- cia de Adis Abeba, e o referido processo
As operações de 2015 elaborou o documento “Elementos orientará a distribuição e canalização de
manutenção da paz Orientadores da Posição Brasileira”, recursos para o desenvolvimento susten-
com base em consultas a representantes tável, essenciais para o alcance das metas
estão no centro das da sociedade civil e de entidades muni- associadas aos ODS.
cipais e nas deliberações do Grupo de O terceiro processo corresponde à
deliberações do Trabalho Interministerial. agenda ambiental, visto que a promoção
O segundo processo associado à pro- do desenvolvimento sustentável está in-
Conselho de Segurança moção do desenvolvimento sustentável trinsecamente associada a temas como
e são o aspecto mais diz respeito aos mecanismos de finan- mudança do clima, produção de energia,
ciamento. Na Conferência de Monterrey aproveitamento de recursos naturais,
visível e impactante da (2000), países desenvolvidos comprome- abastecimento de cidades e padrões de
teram-se a dedicar anualmente 0,7% do consumo. Na Rio 92, preocupações so-
ONU. PIB para auxiliar o desenvolvimento de ciais, ambientais e econômicas foram
Dossiê

cristalizadas em documentos ambiciosos, Apesar das patentes dificuldades, a as informações que deverão constar
como a Convenção-Quadro das Nações ação multilateral logrou resultados im- das Contribuições Nacionalmente De-
Unidas sobre Mudança do Clima (UN- portantes. Além da decisão de alocar terminadas (NDCs). Ao contrário do
FCCC), a Convenção sobre Diversidade US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 Protocolo de Quioto, o conceito parte
Biológica (CDB) e a Agenda 21. Ademais, para ações de mitigação e adaptação e de uma perspectiva “bottom-up”, em
consolidou-se o princípio das responsa- da criação do Fundo Verde para o Clima que cada país determina sua meta,
bilidades comuns, porém diferenciadas, — já em processo de capitalização —, há mediante abrangente consulta domés-
pelo qual os países de industrialização an- um compromisso político com a nego- tica. No Brasil, as Contribuições foram
tiga reconheceram serem os maiores res- ciação de novo acordo sob a UNFCCC, a determinadas em ampla consulta à
ponsáveis pelo acúmulo de Gases de Efei- ser finalizada em 2015, na COP-21 (Paris), sociedade civil, num esforço coorde-
to Estufa (GEE) na atmosfera até então. para entrada em vigor em 2020. Deverá nado entre vários ministérios e enti-
Com base nesse princípio, o Protocolo de contemplar equilibradamente os temas dades públicas.
Quioto estipulou obrigações de redução de adaptação, mitigação, financiamento, A relevância das Nações Unidas
de emissão dos GEE aos países de indus- transferência de tecnologia e capacitação. para a elevação dos padrões de vida ao
trialização antiga. No entanto, a redução Sua natureza jurídica ainda não foi defini- redor do mundo está longe de ser con-
de emissões ficou aquém do esperado, so- da, mas é possível que elementos do Pro- sensual. No entanto, em seus 70 anos,
bretudo pela não ratificação do Protocolo tocolo de Quioto sejam incorporados. a ONU construiu um inventário po-
pelos EUA. Além disso, persiste o déficit O princípio das responsabilidades sitivo, estimulando a cooperação em
de implementação dos compromissos fi- comuns, porém diferenciadas, será man- diversas áreas, elevando a promoção
nanceiros de países desenvolvidos previs- tido, pois não está no mandato da nego- do desenvolvimento ao topo da agen-
tos na UNFCCC e no Protocolo, limitando ciação a revisão da Convenção-Quadro e da internacional e consolidando o en-
a capacidade de contribuição de países em seus princípios. Na COP 20 (Lima), foram tendimento de que os três pilares do
desenvolvimento. definidos os elementos do novo acordo e desenvolvimento sustentável devem

Eleanor Roosevelt e a Declaração


Universal dos Direitos Humanos,
em novembro de 1949.
FOTO: UN Photo
13

necessariamente ser tratados conjunta- Direitos Humanos (CDH), em 2006, em de gênero. Embora ainda não haja, em
mente. A realização de três grandes con- substituição à antiga Comissão de Direi- âmbito universal, instrumento vinculan-
ferências em 2015 – Adis Abeba, Nova tos Humanos. O CDH aumentou a trans- te que trate de direitos LGBT, esse é um
Iorque e Paris – assinala o reconheci- parência conferida ao tema e introduziu tema que vem paulatinamente ganhan-
mento da importância do multilateralis- o importante mecanismo de Revisão Pe- do espaço na agenda das Nações Uni-
mo para a solução dos grandes desafios riódica Universal, que já opera em seu se- das, como desdobramento necessário do
contemporâneos. Além disso, a formula- gundo ciclo de exames. A esse arcabouço princípio da não discriminação.
ção dos ODS demonstra a capacidade da jurídico-institucional somam-se os múl- A proteção de pessoas em situação
ONU de gerar resultados de grande im- tiplos Procedimentos Especiais do CDH, de vulnerabilidade poderá colher novos
pacto e estabelece novo paradigma para que buscam elencar boas práticas aos Es- avanços no ano de 2015. É nesse ano que
a atuação da Organização, lastreado na tados e monitorar a situação de direitos se celebram os 20 anos da Declaração e
universalidade e na ampla participação humanos; o Escritório do Alto Comissário da Plataforma de Ação de Pequim, o que
da sociedade civil. para Direitos Humanos, como resultado constitui oportunidade para identifi-
do processo iniciado em Viena, em 1993; car os desafios a serem superados para
Direitos Humanos e os dez órgãos de tratado de direitos hu- a promoção dos direitos das mulheres.
A agenda de direitos humanos é uma manos, que observam e orientam a imple- Consensos vêm sendo construídos em
das faces mais visíveis da ONU. Partin- mentação de obrigações dos Estados Par- torno das temáticas de violência con-
do da Declaração Universal dos Direi- tes. Avanço recente no plano institucional tra mulheres e meninas e de tráfico de
tos Humanos, a Organização foi capaz foi a efetivação do sistema de petições mulheres e crianças. Contudo, a temáti-
de construir, ao longo de 70 anos, um individuais do Comitê de Direitos Econô- ca de direitos sexuais reprodutivos e de
conjunto significativo — ainda que in- micos, Sociais e Culturais, o que ampliou educação sexual abrangente ainda divi-
completo — de padrões universais de a proteção internacional sobre esses di- de os Estados Membros. É também em
proteção, a despeito de diferenças cul- reitos e reafirmou o entendimento de que 2015 que se inicia a Década Internacio-
turais, políticas e econômicas dos Esta- os direitos humanos são universais, inter- nal dos Afrodescendentes, inaugurando
dos Membros. Desse processo resultou dependentes e indivisíveis. um processo de avaliação de medidas
uma ampla gama de convenções, tanto Não obstante essas conquistas, a re- concretas para a inclusão social de afro-
de natureza geral, como os dois Pactos cente prática da III Comissão da AGNU descendentes e o combate a todas as
Internacionais de 1966, quanto de cará- e do CDH demonstra o surgimento de no- formas de racismo, discriminação racial,
ter específico, destinadas a pessoas em vos temas no debate internacional sobre xenofobia e qualquer tipo de intolerân-
situação de particular vulnerabilidade. direitos humanos, sobretudo no tocante a cia. Ademais, a partir de 2015, a proteção
O Brasil participou não apenas des- grupos vulneráveis. Em 2014, o Brasil lo- dos direitos dos povos indígenas pode-
se esforço legislativo, mas também do grou aprovar no CDH, em coautoria com rá colher os resultados práticos iniciais
de aperfeiçoamento institucional, que diversos Estados, resolução sobre direitos da Conferência Mundial sobre os Povos
culminou na criação do Conselho de humanos, orientação sexual e identidade Indígenas, realizada em 2014, a qual re-

O ACNUR tem pela frente graves desafios,


como a escalada do número de refugiados
sírios, a grave situação de vulnerabilidade
de refugiados mulheres e crianças e o baixo
número de ratificações das duas convenções
sobre apatridia, das quais o Brasil é Parte
Dossiê

“A ONU não
presentou momento de consulta aberta pelo crime organizado transnacional.
e inclusiva entre Estados Membros e po-
foi criada Atualmente, a expansão da proteção
vos indígenas, para compartilhar pers-
para levar a internacional é também visível na seara
pectivas sobre a realização dos direitos da responsabilização penal individual,
consagrados na Declaração das Nações humanidade com a criação dos tribunais ad hoc para
Unidas sobre os Direitos dos Povos In- a ex-Iugoslávia e Ruanda, dos tribunais
dígenas —adotada pela AGNU em 2007, para o paraíso, híbridos (Serra Leoa, Camboja, Líba-
com apoio do Brasil. no) e do Tribunal Penal Internacional.
Tema de importância crescente e ob-
mas para livrá- A sanção penal contra responsáveis por
jeto de longo processo de consultas é a la do inferno.” crimes contra a humanidade, crimes de
relação entre empresas transnacionais guerra e genocídio são avanços recentes.
e direitos humanos. Avanço importante Dag Hammarskjöld, Resta agora empreender esforços para
foi a definição dos Princípios Orientado- Secretário Geral da ONU que o TPI possa julgar, também, os per-
entre os anos de 1953 e 1961.
res das Nações Unidas para Empresas e petradores do crime de agressão — tipi-
Direitos Humanos, adotados pelo CDH ficado em 2010, na Conferência de Revi-
em junho de 2011, com apoio do Brasil, são de Kampala —, atingindo níveis mais
servindo de marco conceitual para o altos de cadeias de comando responsá-
debate. Em 2014, a Resolução 26/09 do veis por crimes internacionais.
CDH, aprovada com dificuldade, insti- trou a capacidade da agência de se reno- Há patente complementaridade entre
tuiu Grupo de Trabalho encarregado de var ao longo de décadas, como atestam os três pilares das Nações Unidas — se-
elaborar projeto de instrumento vincu- a expansão do escopo geográfico e tem- gurança, desenvolvimento e direitos hu-
lante sobre esse tema. A proposta é, con- poral da Convenção de 1951 e a adoção manos. A transversalidade da agenda de
tudo, objeto de forte oposição da maio- do Protocolo de Nova York de 1967. Con- desenvolvimento afeta diretamente o pi-
ria dos países desenvolvidos. tudo, a agência tem pela frente graves lar dos direitos humanos, o que se reflete
Outra novidade na agenda é a questão desafios, como a escalada do número na busca de ancorar os ODS nas normas
do direito à privacidade na era digital, de refugiados sírios, a grave situação de internacionais de proteção — em particu-
que tem motivado expressiva mobiliza- vulnerabilidade de refugiados mulheres lar, no direito à igualdade e no princípio
ção diplomática do Brasil. Em coautoria e crianças e o baixo número de ratifi- da não discriminação. Raciocínio similar
com a Alemanha, o Brasil logrou aprovar cações das duas convenções sobre apa- pode ser feito em relação ao pilar de segu-
resolução na AGNU, por consenso, bem tridia, das quais o Brasil é Parte. Além rança internacional, uma vez que o gozo
como a instituição de Relator Especial disso, cumpre destacar a contínua ine- dos direitos humanos é essencial para a
para o tema, no CDH. Essas iniciativas xistência de instrumento universalmen- eliminação das causas mais profundas de
constituem os primeiros passos para a te vinculante sobre deslocados internos, instabilidades e de conflitos. Ademais,
formulação de regras claras e univer- mas tão somente diretrizes e princípios a discussão de conceitos como o direi-
salmente aceitas sobre ações de moni- gerais. Nesse contexto, a América Latina to ao desenvolvimento e o direito à paz,
toramento extraterritorial dos Estados acaba de passar por profundo proces- em Genebra, atesta essa inter-relação. Os
e a garantia do direito à privacidade no so de avaliação, graças às consultas de marcos conceituais da agenda pós-2015
mundo digital. alto nível realizadas sob a égide dos 30 certamente repercutirão sobre o longo e
Há temas, no entanto, que exigem anos da Declaração de Cartagena, e po- contínuo processo de renovação da agen-
maior intensificação de esforços das derá contribuir sobremaneira em temas da de direitos humanos das Nações Uni-
Nações Unidas, como o aumento da po- como a eliminação da apatridia, integra- das. E não poderia ser diferente, uma vez
pulação de refugiados e de deslocados ção cultural e econômica dos refugiados que os fatos sempre precedem as normas
internos. A história do ACNUR demons- e proteção de indivíduos perseguidos e as instituições.
15

Abertura do debate geral da UNCTAD


FOTO: UN Photo/Teddy Chen

em Genebra, 1964, com discurso de Raúl


Prebisch, Secretário-Geral da Conferência.
Sentados ao seu lado estão Philippe de
Seynes (esq.), Subsecretário para assuntos
econômicos e sociais, e Abdel Moneim El
Kaissouni (dir.), Presidente da Conferência.

As Nações Unidas aos 70 Organização carece de reformas, mas a um jardim de caminhos que se bifur-
“A ONU não foi criada para levar a sua relevância para a governança global cam. Aqueles representados pelas Na-
humanidade para o paraíso, mas para é incontestável. Se as crises no Iraque e ções Unidas e demais instâncias multila-
livrá-la do inferno”, afirmou o ex-Secre- na Líbia tornam inegáveis os malefícios terais exigem paciência, perseverança e,
tário-Geral Dag Hammarskjöld. Mesmo associados a ações militares unilaterais, ainda assim, não conduzirão a humani-
sem transformar “canhões em arados”, a a dinâmica recente do CDH assevera a dade a um mundo perfeito. No entanto,
Organização estabeleceu diversos regi- importância da ONU para a promoção nenhuma trilha alternativa nos conduzi-
mes que, além de limitar a belicosidade dos direitos humanos, especialmente rá ao futuro que queremos. Apesar dos
e a capacidade de atuação unilateral dos para aqueles em situação de vulnera- desafios identificados, a promoção de
mais poderosos, promovem normas e bilidade. Por sua vez, a realização, em uma ordem internacional mais justa e
princípios que beneficiam a humanida- 2015, das conferências de Adis Abeba, equânime, ancorada no respeito aos di-
de como um todo. Embora a solidarieda- Nova Iorque e Paris corrobora a crença reitos humanos e na qual os povos pos-
de cosmopolita preconizada por Haber- na importância do multilateralismo para sam se desenvolver sem comprometer
mas seja um sonho distante, a ONU tem a promoção do desenvolvimento susten- as gerações futuras, só é possível dentro
servido de plataforma para a conforma- tável, inviável sem a existência de me- dos regimes multilaterais e do arcabou-
ção de consensos sobre a necessidade de canismos de financiamento adequados, ço normativo e institucional das Nações
soluções multilaterais para os grandes indicadores universais e comprometi- Unidas. — J
desafios contemporâneos. mentos vinculantes com a redução das
A atuação das Nações Unidas no emissões de gases de efeito estufa.
âmbito da manutenção da paz interna- A busca da cooperação entre Estados
cional tem sido aquém do desejado, e a assemelha-se, como no conto de Borges,
fotos: UN photo/Paulo Filgueiras e Michos Tzovaras

Aprovação do orçamento
para o biênio 1974-1975.
Naquele ano, aprovou-se
um orçamento de US$606
milhões. As negociações
se encerraram no dia 18 de
dezembro.

Vista da Assembleia Geral no dia 24 de


Dezembro de 2009, quando o orçamento
de US$5,16 bilhões para o biênio 2010-2011
foi aprovado.
17

Orçamento das Nações Unidas:

quem paga a conta?


Fernanda Carvalho Dal Piaz

Na véspera de Natal, a cidade que tivos, o centro dos debates será a defini- ser dividido em “orçamento regular” e
nunca dorme costuma estar mais calma. ção de como essa conta será paga. “orçamento de missões de paz”.
Há sempre alguns turistas passeando A discussão sobre como e quem deve Os negociadores da Carta de São
pelas ruas, fazendo as últimas compras, pagar as atividades das Nações Unidas Francisco estabeleceram que as despesas
apreciando a bela decoração natalina e nunca foi pacífica. Nunca foi óbvio, por da ONU devem ser custeadas pelos Esta-
aproveitando o clima extremamente frio exemplo, como financiar as Missões dos membros, segundo cotas fixadas pela
de Nova York nessa época do ano. Na de Paz, não previstas na Carta de São Assembleia Geral (Artigo 17), dispositivo
sede da Organização das Nações Unidas, Francisco. Em um primeiro momento, que embasou o parecer da CIJ. Ademais,
entretanto, o clima é muito mais agita- cada Estado contribui conforme sua ca-
do. Há décadas, os últimos dias do ano pacidade. A proposição do orçamento é
coincidem com as últimas definições do Há uma discrepância atribuição do Secretário-Geral (Artigo
orçamento da ONU. Em 24 de dezembro 97), mas cabe à Assembleia considerá-lo
de 2014, as delegações dos 193 Estados entre o que os Estados e aprová-lo, por maioria de 2/3 dos Mem-
membros ainda discutiam acalorada- bros presentes e votantes (Artigos 17 e
mente os detalhes finais do orçamento
membros aprovam 18). Por fim, estabeleceu-se que o mem-
de 2015 e o esboço para o biênio 2016- substantivamente e o bro que deixasse de cumprir com suas
2017. As negociações só foram concluí- obrigações financeiras teria seu poder de
das no dia 29 de dezembro. orçamento disponível voto suspenso na AGNU (Artigo 19).
A polêmica em torno da definição or- A fórmula proposta pela Carta pare-
çamentária das Nações Unidas sempre para colocar os ce simples e objetiva, mas, na prática, as
foi uma característica da Organização. negociações são tudo, menos suaves. A
Os temas tratados sob o guarda-chuva
mandatos em prática. Quinta Comissão é conhecida por suas
da ONU aumentaram substancialmen- reuniões intermináveis e pela polariza-
te nas últimas décadas. No entanto, a utilizaram-se recursos do orçamento ção norte-sul. É nesse foro que o Grupo
disposição dos países de contribuir fi- regular da ONU e contribuições volun- dos 77 + China atua de forma mais co-
nanceiramente para a consecução dos tárias, mas a forma de usá-los não era esa. O G77 – que surgiu no contexto da
objetivos não aumentou na mesma pro- consensual. Em 1960, por exemplo, a Guerra Fria, com objetivo de promover,
porção, gerando uma discrepância en- França e a URSS suspenderam suas con- nas Nações Unidas, os interesses econô-
tre o que os Estados membros aprovam tribuições, por discordarem do manda- micos dos países em desenvolvimento
substantivamente e o orçamento dispo- to da Operação das Nações Unidas no – ainda apresenta atuação firme e con-
nível para colocar os mandatos em prá- Congo (ONUC), o que resultou em uma certada nessa Comissão, apesar de todas
tica. Este ano, o centro das atenções nos grave crise financeira. Apenas em 1962, as mudanças sociais, políticas e econô-
órgãos substantivos das Nações Unidas após parecer consultivo da Corte In- micas da história contemporânea. A li-
será a Agenda Pós-2015, da qual resul- ternacional de Justiça (CIJ), definiu-se teratura especializada costuma afirmar
tarão resoluções ambiciosas. Na Quinta que a responsabilidade de pagar pelas que o agrupamento, que hoje reúne 134
Comissão da Assembleia Geral, que cui- Missões de Paz era de todos os Estados países, detém o “poder dos números” na
da de assuntos financeiros e administra- membros. O orçamento passou, então, a Quinta Comissão.
Dossiê

Principais contribuintes para o orçamento regular das Nações Unidas (2013)

Contribuição Contribuição
Estado-membro Estado-membro
(% do orçamento) (% do orçamento)

Estados Unidos 22% China 5,14%

Japão 10,83% Itália 4,44%

Alemanha 7,14% Canadá 2,98%

França 5,59% Espanha 2,97%

Reino Unido 5,17% Brasil 2,93%

Fonte: Secretariado da ONU

Do outro lado do embate estão os pa- o SG não encampou as propostas brasi- países mais numerosos. A regra do con-
íses que detêm o “poder do dinheiro”, os leiras para o estabelecimento da Rádio senso significou, na prática, um “poder
principais contribuintes da ONU – em ONU em português e o fortalecimento da de veto” para os países desenvolvidos.
especial, Estados Unidos, Japão e União CEPAL. Esses objetivos só foram alcan- Outra saída que o “poder do dinhei-
Europeia. O grupo do dinheiro sempre çados devido à insistência brasileira na ro” tem utilizado para burlar a Quinta
defende a redução de suas contribuições Quinta Comissão. Se é difícil para o Bra- Comissão são as contribuições voluntá-
para o orçamento regular, a implemen- sil, 9o maior contribuinte do orçamen- rias, as quais têm representado a maior
tação de reformas que reduzam as prer- to da ONU, quem dirá para um país que parte do orçamento regular. Para o bi-
rogativas da Assembleia Geral sobre a contribui com 0,001%. Por isso, a atuação ênio de 2014-2015, prevê-se US$5,5 bi-
definição do orçamento e a adoção de concertada do G77 nesse foro é extrema- lhões para as contribuições obrigatórias,
práticas de micro-management, como mente importante para a defesa dos inte- enquanto as voluntárias serão mais do
a manutenção de nacionais no Secre- resses dos países menos influentes. que o dobro dessa quantia. Não compe-
tariado, com o objetivo de influenciar Na década de 1980, o “poder do di- te, porém, à Quinta Comissão definir o
a execução dos programas da ONU e a nheiro” logrou importante vitória na destino dos aportes voluntários; os paí-
própria proposta de orçamento. Quinta Comissão. A aprovação do pro- ses doadores podem direcioná-los para
Outro ator relevante na Quinta Comis- cesso orçamentário, que deveria contar os projetos que prefiram apoiar. Em
são é o Secretário-Geral. Como é sua atri- com voto afirmativo de 2/3 dos mem- outras palavras, se há interesse de um
buição apresentar o esboço do orçamento, bros, passou a seguir a regra do consen- grande contribuinte em uma atividade
a posição do SG tem enorme influência so. Como consequência da descoloniza- específica, haverá dinheiro para executá
sobre o resultado final. Claro que o orça- ção afro-asiática, nos anos 1960 e 1970, -la. Caso contrário, o financiamento do
mento eventualmente aprovado decorre o número de países em desenvolvimento projeto será muito mais tortuoso.
das longas negociações na Comissão. En- aumentou consideravelmente, alterando Como consequência, as contribui-
tretanto, ter bom trânsito no Secretariado o equilíbrio na ONU. Os novos países co- ções obrigatórias ficam estagnadas. Os
facilita a análise dos projetos de um Esta- meçaram a propor medidas para a cons- países desenvolvidos brigam para redu-
do membro específico, estratégia constan- trução de uma nova ordem econômica zir as parcelas obrigatórias de suas con-
temente utilizada pelos países ricos. internacional mais justa e inclusiva, com tribuições, advogando o “crescimento
Os países em desenvolvimento, por ênfase em projetos do pilar desenvolvi- nominal zero” do orçamento, enquanto
sua vez, sempre reclamam que o Secreta- mento. A emergência do “poder dos nú- aumentam as contribuições voluntá-
riado tende a favorecer os interesses do meros” era inaceitável para países como rias. A consequência disso é o déficit
“poder do dinheiro”. Tal suspeita não é os Estados Unidos, que, à época, contri- de transparência quanto à alocação dos
infundada. O Secretário-Geral tem enor- buíam com cerca de 25% do orçamento recursos e à seletividade dos projetos
me dificuldade de defender os interesses regular. Os maiores contribuintes não encampados. Isso não quer dizer que
dos países pequenos em termos de con- podiam aceitar que as decisões sobre a contribuição voluntária sempre seja
tribuição. No caso do Brasil, por exemplo, orçamento lhes fossem impostas pelos ruim. O financiamento, por meio de re-
19

foto: UN Photo/Rick Bajornas


Vista da Quinta Comissão em outubro de
2011, durante a apresentação do orçamento
para 2012-2013, pelo Secretário Geral.
Na foto, o delegado dos EUA, principal
representante do “poder do dinheiro”
senta ao lado o Uruguai, um dos países que
reforçam o “poder dos números”.

cursos voluntários, pode ser destinado a veniência do atraso desses pagamentos é o Os limites da contribuição de empre-
mandato que foi amplamente apoiado na potencial prejuízo ao fluxo de caixa da Or- sas privadas é outro questionamento que
Assembleia Geral. Entretanto, é comum ganização. Mas, nunca houve, em tempos emerge dessa discussão. Aparentemen-
que essas atividades não coincidam com recentes, problemas dessa natureza que te, receber apoio privado para projetos
aquelas definidas como prioritárias pe- impedissem a execução de qualquer ativi- de desenvolvimento sustentável parece
los órgãos substantivos da ONU. dade da ONU. Ou seja, a crise orçamentá- razoável. Entretanto, quais são as im-
A crise orçamentária enfrentada pela ria decorre da forma como a Organização plicações éticas de receber recursos de
Organização decorre desse modelo de é financiada, e não da falta de dinheiro. empresas privadas para o financiamento
financiamento, em que contribuições Uma das soluções que o Secretário- de projetos do pilar de “paz e seguran-
voluntárias ultrapassam as obrigatórias. Geral tem buscado para superar o proble- ça”? O Brasil defende que esse tipo de
Apesar da definição dos mandatos, nem ma é o apoio da iniciativa privada. Alguns recurso deve ser recebido com cautela,
sempre há dinheiro para bancá-los, tam- projetos – como o Every Woman, Every e as discussões no âmbito da Assembleia
pouco vontade política para destinar re- Child – já contam com financiamento pri- Geral devem ser amplas e transparentes.
cursos do orçamento regular para esses vado. Ainda que essa nova fonte de recur- Ao longo dos 70 anos das Nações
projetos. A maior parte das contribuições sos possibilite a implementação de progra- Unidas, o debate sobre quem deve pagar
obrigatórias é destinada ao pilar de “paz e mas da ONU, esse tipo de prática também a conta sempre foi acirrado. Os países
segurança”, especialmente às Missões de peca pela falta de transparência. Ademais, desenvolvidos sempre acharam que de-
Paz e às Missões Políticas Especiais. Os o respaldo da Assembleia Geral aos pro- veriam ter mais a dizer, por contribuí-
pilares do “desenvolvimento” e dos “di- gramas definidos pelo Secretariado como rem mais. Mas os negociadores da Carta
reitos humanos” recebem parcela peque- merecedores de recursos é duvidoso. Mais de São Francisco definiram que todos
na das contribuições totais. O Brasil sem- uma vez, os recursos da iniciativa priva- os Estados teriam o direito de debater a
pre defendeu, nas Nações Unidas, que o da não são necessariamente ruins; pelo destinação dos recursos. Ademais, sendo
desenvolvimento econômico e social dos contrário, podem financiar projetos nos uma organização de vocação universal,
povos é uma das condições para a paz e pilares de desenvolvimento e de direitos a ONU deve representar os interesses
a segurança internacionais, devendo ha- humanos, tão caros aos países em desen- coletivos da comunidade internacional,
ver, portanto, divisão mais igualitária do volvimento. O problema, entretanto, é de e não usar sua bandeira para patrocinar
orçamento entre os três pilares. outra natureza: obtendo recursos priva- atividades interessantes apenas para um
Por outro lado, é importante esclare- dos para a implementação de projetos de pequeno grupo.
cer que a situação dos “grandes devedo- interesse do próprio Secretariado, o SG Nada indica que, nas próximas dé-
res” não é a causa da crise do orçamento pode descolar a Organização do interesse cadas, o debate na Quinta Comissão se
da ONU. O Brasil, por exemplo, encerrou dos Estados membros. A longo prazo, o tornará mais fácil. Na véspera de Natal,
o ano de 2014 como o terceiro maior de- excessivo financiamento privado pode re- a intensa atividade diplomática continu-
vedor das Nações Unidas, atrás, apenas, sultar na perda de relevância da ONU para ará, por muitas gerações, esquentando o
de Estados Unidos e Venezuela. A incon- os países que a instituíram. clima na sede das Nações Unidas. — J
Dossiê

FOTO: UN photo

O Bombeiro e o Arquiteto:
o Fundo Monetário
Internacional no pós-crise
Guilherme Rafael Raicoski

No contexto da crise 2008, Domini- severo sobre economias emergentes com após sua criação efetiva, em dezembro
que Strauss-Kahn, então Diretor-Geren- déficits no balanço de pagamentos. Bom- de 1945, o Fundo Monetário Interna-
te do Fundo Monetário Internacional, beiro eficaz nos anos 1990, o FMI foi cha- cional, assim como sua contemporâ-
afirmou que a instituição não deveria mado, novamente, a exercer suas funções nea, as Nações Unidas, têm, na refor-
ser apenas o “bombeiro” que “apaga” de socorro a países europeus ultraendivi- ma interna, a principal pauta de debate
crises internacionais, mas também ser o dados nos anos 2000 e 2010. Agora, o FMI e condição para manter sua legitimida-
“arquiteto” de um sistema internacional busca participar como arquiteto da ordem de. Os grandes países emergentes tive-
mais coerente e coordenado. financeira internacional, tendo como fun- ram ganhos sensíveis de poder relativo
Entre incêndios e reconstruções, as as- dação as brasas ainda ardentes da crise e e demandam mudanças não somente
pirações de DSK estão à prova, oito anos como materiais os conhecidos pilares de nos materiais que servirão à constru-
após o início da crise internacional. Na austeridade fiscal e de ajuste recessivo. ção da ordem internacional, mas tam-
década de 1990, os programas de condi- Os operários dessa construção, con- bém no poder de definir como a refor-
cionalidades impunham controle indireto tudo, não são os mesmos. Setenta anos ma será conduzida.
21

FOTO: UN Photo/Eskinder Debebe

A construção do Sistema Financeiro


Internacional em dois momentos: à
esquerda, a Conferência de Bretton Woods,
em 1944; à direita, a Cúpula do G20 em Los gentina, cujo PIB alcança 600 bilhões. atualmente controlados por países euro-
Cabos, México, em 2012.
Há diagnóstico claro de que estrutu- peus para países em desenvolvimento;
ra do FMI não mais reflete a realidade (iiii) e escolher Diretores-Executivos
da economia internacional. Porém, a para todas as 24 cadeiras da Diretoria
crise de 2008 deu incentivos para que Executiva por meio de eleições.
os maiores detentores de quotas do FMI Uma vez implementada a revisão, o
A reforma por dentro... co-patrocinassem processo de reforma Brasil passará a deter 2,32% das quotas
Tanto no FMI quanto nas Nações do poder de voto, cuja contrapartida, e a ser o 10º maior acionista do FMI. Em
Unidas, o processo de reforma institu- para os grandes países emergentes, se- declaração à imprensa após a aprovação
cional foi conduzido de forma orgânica ria maior contribuição para o processo da reforma pela Diretoria Executiva, o
ao longo das décadas. Essa organicidade de recuperação econômica mundial. O então Diretor-Gerente do FMI, Straus-
correspondeu à natural evolução das bu- Brasil teve quota aumentada para 1,79% s-Kahn, celebrou o fato de que as dez
rocracias internacionais, em detrimento e poder de voto para 1,72% na reforma principais economias mundiais – EUA,
de readequações institucionais que re- de 2008. Em seguida, houve a reforma Japão, as quatro principais economias
fletissem alterações históricas no equi- de 2010 (a 14ª Revisão Geral de Quotas), europeias e as quatro maiores econo-
líbrio de poder relativo. Por um lado, ensaio para promover novo paradigma mias dos BRICS – passariam a ser, tam-
houve atualização de práticas adminis- na distribuição do poder decisório. A bém, os dez principais sócios do FMI.
trativas, de rotinas institucionais e am- 14ª Revisão prevê: (i) dobrar o número A reforma de 2010, contudo, perma-
pliação do escopo temático. Por outro, de quotas para 238,5 bilhões em Direitos nece em compasso de espera, devido à
as mudanças na estrutura de poder deci- Especiais de Saque, cerca de US$737 bi- não apreciação da matéria pelo Congres-
sório das instituições foram cosméticas, lhões de dólares; (ii) redistribuir mais de so dos Estados Unidos. Embora 146 paí-
senão inexistentes. 6% do total de quotas para países mem- ses membros, representando quase 80%
No contexto do FMI, tome-se a Bél- bros sub-representados, o que colocará do capital votante, tenham consentido
gica como exemplo. Com PIB pouco su- quatro grandes países emergentes (Chi- com a redistribuição de quotas e mais
perior a 524 bilhões de dólares, o país na, Índia, Rússia, e Brasil) entre os 10 de 77% tenham aceitado a reforma da
conta com 1,93% das quotas e poder de maiores quotistas do FMI; (iii) transfe- Diretoria Executiva, a entrada em vigor
voto no FMI, mais que o dobro da Ar- rir dois assentos da Diretoria-Executiva de decisões do FMI depende da aprova-
Dossiê

COMPARAÇÃO ENTRE PIB E PODER DE VOTO DE PAÍSES MEMBROS DO FMI

PIB EM VALORES DE 2013 PODER DE VOTO ATUAL


PAÍS (DE ACORDO COM REFORMA DE 2008)
(BANCO MUNDIAL)

ARÁBIA SAUDITA US$ 748,4 bilhões 2,80%

BRASIL US$ 2,24 trilhões 1,72%

CHINA US$ 9,24 trilhões 3,81%

ESTADOS UNIDOS US$ 16,77 trilhões 16,75%

PAÍSES BAIXOS US$ 835,5 bilhões 2,08%

ção de 85% do capital votante. Por deter manda por pronta implementação da dos bilaterais de swap cambial, arran-
16,75% dos votos, os EUA exercem, na reforma. O foro tem maior poder de bar- jos financeiros regionais e iniciativas
prática, poder de veto. ganha no avanço do processo, tanto por financeiras de geometria variável de-
O congelamento implica não apenas congregar mais vozes quanto pela dis- vem, certamente, ser vistos como com-
o atraso na implementação dos termos posição em assumir responsabilidades plementares ao invés de alternativas
acordados em 2010, como também in- no FMI pós-crise. Na Cúpula do G20 em ao FMI. Contudo, a proliferação desses
terrompe um processo salutar de revi- Los Cabos, em 2012, os BRICS se com- arranjos sinaliza a insuficiência do Fun-
são periódica do FMI. De acordo com prometeram a contribuir com 43 bilhões do, tal como atua atualmente, para lidar
o Conselheiro Felipe Costi Santarosa, de dólares, sendo 10 bilhões do Brasil, com necessidades complexas em termos
assessor do Diretor-Executivo do Bra- para capitalização de fundo anticrise – de prevenção e saneamento de crises e
sil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, recursos esses condicionados à plena de governança monetária.
Panamá, República Dominicana, Suri- implementação da 14ª Revisão Geral. Por um lado, o padrão de condiciona-
name e Trinidad e Tobago junto ao FMI O insucesso do Governo Obama em lidades do FMI é criticado por países que
entre 2011 e 2015, o Brasil vem atuando avançar a questão da reforma junto ao se ressentem da deterioração política que
em estrita coordenação com os BRICS Congresso, passadas as eleições legisla-
nesse contexto. “É preciso levar adiante tivas de 2014, tem levado a esforços de
o processo de reformas, não apenas com Christine Lagarde para viabilizar a re-
a aprovação da Reforma de 2010 (14ª forma. “Estou desapontada, pois os pas-
A vocação do FMI para
Revisão Geral de Quotas)”, argumenta, sos necessários para a implementação ser arquiteto do sistema
“mas também com o avanço dos cha- dessa importante reforma sobre gover-
mados ‘forward looking commitments’, nança não foram dados”, afirmou a Di- financeiro mundial,
como a revisão da fórmula para cálculo retora-Gerente do FMI em declaração
das quotas e iniciar trabalhos para um à imprensa em 2014. “O Fundo buscará conforme vislumbrou
novo realinhamento das quotas, que, de alternativas para implementá-la”, com-
acordo com os estatutos do FMI, deve pletou.
Strauss-Kahn,
ocorrer a cada 5 anos – e, portanto, até o permanece obscurecida
final de 2015”. A fórmula de cálculo das ... e por fora.
quotas dá, atualmente, peso excessivo Fragmentação e proliferação de arranjos pela fumaça dos
aos fluxos comerciais brutos dos países financeiros internacionais
e peso reduzido a variáveis como PIB e Enquanto as reformas internas avan- incêndios, internos e
volume de reservas internacionais para çam a passos mais lentos que o desejado,
externos, que continua
definir a participação. outras iniciativas ocupam os vácuos de
O BRICS tem sido plataforma de co- atuação e de expectativas não atendidos a tentar apagar.
ordenação e de maior projeção na de- pela estrutura atual do Fundo. Acor-
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FOTO: IMF meets UN Secretary General /UN Photo by Eskinder Debebe

FOTO: VI Cúpula BRICS – MRE/Divulgação


Diretora-Geral do Fundo Monetário Internacional, Christine Reunião da VI Cúpula BRICS realizada em Fortaleza,
Lagarde, cumprimenta o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki- Ceará, em 15 de julho de 2014. Na ocasião, foi
moon. “Estou desapontada, pois os passos necessários para a assinado o Tratado para o Estabelecimento do
implementação dessa importante reforma sobre governança não Arranjo Contingente de Reservas do BRICS, com
foram dados. O Fundo buscará alternativas para implementá-la”. recursos previstos de US$ 100 bilhões.

os programas ortodoxos contracionistas quais o país solicitante receberá dólares variável do risco cambial. Neles, o expor-
geram em seus contextos domésticos. Por e em contrapartida fornecerá sua moeda tador e o importador pagam e recebem
outro, a falta de governança monetária aos países contribuintes, em montante e em suas próprias moedas, em operações
multilateral, que é história desde o aban- por período determinados”. Os montan- intermediadas por instituições financei-
dono da conversibilidade dólar-ouro pelo tes envolvidos não excluem a ação do ras e compensadas pelos Bancos Centrais
Governo Nixon, e a prevalência do dólar FMI, mas consolidam um mecanismo de dos respectivos países. O Brasil tem siste-
nas transações internacionais geram in- socorro prévio, com capacidade de libe- mas vigentes com Argentina e Uruguai, e
centivos para a busca de esquemas alter- ração potencialmente mais rápida e com há interesse em expandir o modelo para
nativos para uso de moedas. menor incidência de condicionalidades. os demais países do MERCOSUL.
O Brasil tem participado ativamente Uma segunda dimensão corresponde A vocação do FMI para ser arquiteto
do processo de formação de mecanismos aos acordos de comércio em moeda lo- do sistema financeiro mundial, confor-
financeiros inovadores para além do re- cal. Tais acordos derivam do desejo dos me vislumbrou Strauss-Kahn, permane-
gime do FMI. Em primeiro lugar, deve- países de efetuar operações de comércio ce obscurecida pela fumaça dos incên-
se mencionar o Arranjo Contingente de exterior que sejam menos afetadas por dios, internos e externos, que continua
Reservas (ACR) dos BRICS. O ACR foi flutuações da taxa de câmbio ou pela es- a tentar apagar. Dificilmente será o FMI
criado com montante inicial de US$ 100 cassez de reservas monetárias. As políti- o grande arquiteto dessa nova ordem.
bilhões, com os seguintes compromissos cas de relaxamento quantitativo promo- Será, não obstante, um elemento da rede
individuais: China (US$ 41 bilhões); Bra- vidas pelo Federal Reserve dos Estados complexa de arranjos e de iniciativas
sil, Índia e Rússia (US$ 18 bilhões cada Unidos e a sua atual contenção agravam que acomoda a atual realidade de poder
um); e África do Sul (US$ 5 bilhões). De as flutuações cambiais e afetam a previ- multipolar em consolidação. Seu maior
acordo com o Banco Central do Brasil, “a sibilidade dos contratos. Os sistemas de (ou menor) papel nas reformas do siste-
eventual liberação dos recursos se dará pagamento em moeda local retiram da ma internacional dependerá da sua ca-
por meio de operações de swap, pelas equação do exportador e do importador a pacidade de reformar a si. — J
Dossiê

O 70 Anos das Nações Unidas


Pedro Mariano Martins Pontes

e a Reforma do
Conselho de
Segurança

Conselho de Segurança no
contexto da crise dos Mísseis,
em 23 de outubro de 1962.

foto: UN photo/Paulo Filgueiras


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A ordem internacional contempo- Ao longo da história da ONU, efe- nos princípios que norteiam as operações
rânea tem por fundamento uma série mérides como seu 70o aniversário esti- de manutenção da paz da ONU: imparcia-
de normas e princípios que regulam as mularam estudos e reflexões sobre seu lidade, consentimento das partes e uso da
relações entre Estados. No centro desse papel no mundo e articulações políticas força apenas em legítima defesa. Nesse
emaranhado normativo e institucional a favor de reformas significativas. Nes- contexto, países como Índia, Brasil e Ja-
encontra-se a Organização das Nações te contexto, revela-se oportuna a análi- pão defenderam ativamente a alteração da
Unidas, tendo como marca indelével em se sobre as perspectivas de reforma do composição do Conselho. Em 1993, criou-
sua história o embate entre o realismo Conselho de Segurança e a atuação da se um grupo de trabalho aberto sobre o
político e os elevados propósitos que diplomacia brasileira em defesa de uma tema, devendo repensar a composição
motivaram sua criação – dilema incon- ordem global – centrada no multilatera- do órgão e seus métodos de trabalho. Por
tornável até os dias de hoje. Historica- lismo – mais inclusiva e representativa, sua vez, buscando divisão mais igualitá-
mente, diversos esforços foram envida- amparada na difusão de poder observa- ria dos custos da ONU, os Estados Unidos
dos para que as diferentes instâncias da da nas últimas décadas. defenderiam um “quick fix”, de modo a
ONU estivessem em consonância com incorporar apenas Alemanha e Japão, im-
os ventos políticos do mundo. A despei- ————— portantes contribuintes financeiros para a
to de algumas reformas, o Conselho de Uma reforma abrangente na estrutura Organização. Dada a oposição estridente
Segurança ainda reflete a correlação de das Nações Unidas depende de altera- de países em desenvolvimento, tal ideia
forças de 1945, o que tem minado sua le- ção na Carta de São Francisco. Aprova- não se revelou factível.
gitimidade e sua eficácia. da a proposta de mudança no âmbito da Após os fracassos na Somália, na
Ao atribuir ao Conselho responsa- Assembleia Geral, por maioria de 2/3, Bósnia e em Ruanda, as Nações Unidas
bilidades sobre o ingresso de países na a emenda depende da ratificação pelos foram duramente questionadas. Meses
Organização e sobre a escolha do Secre- Estados membros, sendo imprescindível após assumir seu cargo, Kofi Annan pu-
tário-Geral, a Carta da ONU garantiu ao a anuência dos cinco membros perma- blicou o documento “United Nations:
órgão influência sobre temas não dire- nentes, que podem impedir a entrada a Programme for Reform”, defenden-
tamente associados à paz internacional. em vigor de uma proposta aprovada na do a reforma do Conselho, a revitaliza-
No entanto, é alarmante a expansão do Assembleia. Tal ação teria, porém, alto ção da Assembleia Geral e outras refor-
escopo de atuação do Conselho, deba- custo político, e há importantes prece- mas administrativas. Ainda em 1997, o
tendo temas como Aids, mulheres, e dentes para o atual ímpeto reformista. então presidente da Assembleia (Ismail
mudança do clima. Por um lado, questio- No início dos anos 60, quando a ONU Razali, Representante Permanente da
na-se a legitimidade de um órgão com- passava a contar com mais de 100 Estados Malásia) propôs a inclusão de 5 novos
posto por menos de 8% dos membros da membros (eram 51 em 1945), países em membros permanentes (sem direito a
ONU para emitir resoluções vinculantes desenvolvimento articularam a ampliação veto) e 4 não permanentes, mas o pro-
sobre temas cruciais, a partir de uma do número de assentos não permanen- jeto não foi levado a voto. Ademais, a
ótica de segurança. Por outro, a expan- tes do Conselho, de 4 para 10. Apesar da proposta ensejou forte reação de países
são dificulta o acompanhamento da im- abstenção do Reino Unido e dos Estados contrários à reforma, que aprovaram,
plementação das decisões do Conselho, Unidos e do voto contrário da França e da em 1998, a resolução 53/30, a qual de-
conferindo maior margem à promoção URSS na Assembleia Geral, os “P5” termi- terminou que qualquer resolução sobre
de interesses dos membros permanen- nariam por ratificar a mudança, cientes de reforma precisaria do voto favorável de
tes – os chamados “P5”. Além de ocupa- que os países em desenvolvimento seriam 2/3 dos Estados membros.
rem postos estratégicos na Organização, essenciais nas votações da Assembleia. As reformas defendidas por Annan
os “P5” possuem memória institucional Com o fim da Guerra Fria, teve início se tornariam mais urgentes após a mar-
mais abrangente que a dos demais e fa- crescente expansão normativa do Conse- ginalização da ONU promovida pelos
miliaridade com a dinâmica do Conse- lho de Segurança – agora em pleno funcio- Estados Unidos, sendo a invasão do Ira-
lho, o que agrava o desequilíbrio. namento –, bem como certa flexibilização que em 2003 – sem autorização do Con-
Dossiê

selho – exemplo dessa tendência. Para Brasil, Alemanha, Índia e Japão con- semelhante à do G4, mas que previa a
os que se opunham à invasão, a ONU foi formariam o G4, que defende a expan- extensão imediata do veto aos novos
incapaz de impedi-la. Para os partidá- são do Conselho em ambas as categorias membros permanentes e 5 novos as-
rios da guerra, o Conselho fora incapaz – assentos permanentes e não perma- sentos rotativos (sendo 2 para a África).
de agir diante de uma ameaça à paz in- nentes. À época, propuseram a incorpo- Ademais, os membros africanos seriam
ternacional, gerando uma crise de legiti- ração de 6 novos membros permanentes escolhidos pelo próprio continente, e
midade sem precedentes. Nesse contex- (sem especificar quais) e mais 4 assentos não pela Assembleia Geral. Outro grupo
to, Annan convocou painel de alto nível rotativos, sugerindo, ademais, que os no- importante foi o “Small Five”. Compos-
encarregado de propor reformas ao sis- vos membros se comprometessem a não to por Cingapura, Costa Rica, Jordânia,
tema ONU, que formularia duas propos- usar o veto e que o tema fosse discuti- Liechtenstein e Suíça, defendia refor-
tas relativas à expansão do Conselho: do novamente em 15 anos. O chamado mas nos métodos de trabalho do Con-
uma contemplava a criação de assentos “Uniting for Consensus” (UfC), liderado selho. Os quatro últimos integrariam, a
“semi-permanentes” (com mandatos por Itália, Paquistão e Argentina e com- partir de 2013, o grupo ACT (“Accoun-
renováveis), enquanto a outra previa a posto por cerca de 14 países, rejeitou a tability, Coherence and Transparency”),
criação de 6 novos assentos permanen- criação de novos assentos permanen- com outros 18 países. Até meados de
tes. Logo, consolidar-se-iam diferentes tes, propondo mais assentos rotativos, 2005, houve intensa mobilização diplo-
coalizões que, grosso modo, têm atuado com mandatos estendidos e renováveis. mática a favor do processo de reforma,
no processo negociador desde então. A União Africana defendeu proposta o qual esbarraria na oposição explícita
Foto: UN photo/Paulo Filgueiras

Assembleia Geral da ONU debate a


reforma do Conselho de Segurança
em 2010.
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Foto: UN photo/Ky Jung

Embaixador Celso Amorim discursa


na reunião de Cúpula do Conselho de
Segurança, “Ensuring Council´s Effective
Role in Maintaining Peace and Security”,
em 2010.

dos EUA e da China – que prometeram afirmou que o Brasil estava “pronto para menos excludente e mais representati-
não ratificar qualquer tentativa de am- contribuir com o processo” e propôs a vo. Não reformá-lo seria “aceitar a per-
pliação dos assentos permanentes do incorporação de novos membros perma- petuação de desequilíbrios contrários ao
Conselho. nentes – sem poder de veto –, mas a pro- espírito do multilateralismo”, afirmou
posta não foi levada a voto. Em 1993, no em 2005.
Pleito brasileiro mesmo parlatório, Celso Amorim assu- As credenciais do Brasil represen-
O argumento brasileiro a favor da refor- miu a candidatura do Brasil a um assen- tam outra dimensão fundamental do
ma das Nações Unidas – em especial do to permanente, a qual receberia maior pleito. Quinto maior país do mundo
Conselho de Segurança – possui raízes ímpeto a partir de 2003, com seu retor- em extensão e população, signatário
profundas. A defesa da igualdade so- no ao cargo de chanceler, e, logo, com o original da Carta de São Francisco e
berana dos Estados por Rui Barbosa na surgimento do G4. importante contribuinte para as ope-
Haia, o repúdio à diferenciação entre Em “Campanha Permanente: o Brasil rações de paz da organização, o Brasil
interesses gerais e limitados na Confe- e a Reforma do Conselho de Segurança”, é, com o Japão, o país que mais vezes
rência de Paris, entre outros eventos, João Vargas destaca o argumento de que ocupou assento rotativo no Conselho,
integram o patrimônio diplomático bra- a ampliação do Conselho o tornaria mais tendo atuação destacada nas negocia-
sileiro, que respalda o discurso a favor legítimo. Representando fração maior ções sobre mudança do clima – que
de uma ordem internacional mais jus- da população mundial, o Conselho veria alguns tencionam tratar como tema
ta. Com Araujo Castro, ganhou força a um aumento no cumprimento de suas de segurança – e sobre desarmamento
percepção de que o desenvolvimento decisões, tornando-se mais efetivo. Para e não proliferação nuclear. Ademais,
nacional depende de condições inter- os críticos, mesmo com a inclusão de pa- sendo portador da tradição regional
nacionais favoráveis, devendo o Brasil íses como Brasil, Índia e Japão, o Con- de pacifismo e respeito ao direito in-
evitar que as potências ditassem regras selho ainda seria ilegítimo, contrariando ternacional, o Brasil tem contribuí-
que cerceassem seu desenvolvimento e o princípio da igualdade jurídica entre do sobremaneira para a integração e
buscar maior influência nas principais as nações. Contra essa perspectiva, cabe para a estabilidade política na Améri-
instâncias da governança global. lembrar a observação de Amorim: se o ca Latina e possui amplo apoio entre
Em 1988, na Assembleia Geral, Sar- Conselho será “eternamente imperfei- os países da região, apesar de Méxi-
ney defendeu a reforma do Conselho, to”, devemos nos esforçar para que seja co e Argentina integrarem o “UfC”.
Dossiê

Coletiva de imprensa dos Ministros das Relações Exteriores do G-4 em 2011.

Evolução recente ve da reforma: categoria de membros; Perspectivas


Em consonância com o relatório final da questão do veto; representação regional; O 70o aniversário da ONU estimula a refle-
Cúpula Mundial de 2005 – que reconhe- tamanho de um Conselho expandido e xão sobre seu papel no mundo, fortalecen-
ceu a importância da reforma do Conse- métodos de trabalho; e relação entre o do o ímpeto reformista. Em 1995, Boutros-
lho –, as negociações sobre o tema não Conselho e a Assembleia. Ghali reformulou sua “Agenda para a Paz”,
cessaram. O UfC continuou defendendo Em 2010, o facilitador das nego- repensando o “modus operandi” da ONU
a expansão apenas na categoria não per- ciações (Zahir Tanin, do Afeganistão) após as tragédias em Ruanda e Srebrenica.
manente e que as negociações permane- apresentou uma síntese das propostas Em 2005, incorporando recomendações
cessem no âmbito do grupo de trabalho (Rev.3), fundindo posições e eliminan- do painel criado em 2003, Annan publicou
– onde as decisões dependiam do consen- do repetições, mas o UfC e alguns paí- o relatório “In Larger Freedom”, no qual
so. Contra essa perspectiva, a Índia publi- ses africanos se opuseram ao texto. Por sugeriu, entre outras medidas, a reformu-
cou a proposta L69, com apoio do Brasil outro lado, mesmo com o apoio de Brasil lação da Comissão de Direitos Humanos e
e de vários países em desenvolvimento e Índia a uma proposta do L69 que con- a criação da Comissão de Consolidação da
– inclusive 11 africanos –, defendendo o templava o poder veto aos novos mem- Paz. Em ambas as ocasiões, houve consi-
início das negociações intergovernamen- bros permanentes, não haveria consenso derável apoio à reforma do Conselho, mas
tais, a expansão do Conselho em ambas entre a União Africana e o G4. o processo continua a enfrentar importan-
as categorias e maior representação para Em dezembro de 2013, o então tes obstáculos.
países em desenvolvimento – inclusive presidente da Assembleia Geral, John O Secretário-Geral deve catalisar os
Pequenos Estados Insulares –, sem men- Ashe (Antigua e Barbuda), criou um esforços em prol da reforma. Liderando a
cionar a questão do veto. Com o apoio do “Grupo Consultivo sobre a Reforma”, ONU após eventos que minaram sua cre-
G4 e dos signatários da proposta L69 – que publicou documento que deveria dibilidade, Boutros-Ghali e Annan em-
que passaram a se articular como grupo sintetizar as diferentes propostas e penharam-se pessoalmente no processo
–, a Assembleia Geral adotou em 2008 servir de base para negociações. Ape- reformador. Após algumas reformas ad-
a decisão 62/557, determinando o início sar do apoio do G4, o documento não ministrativas, Ban Ki Moon tem concen-
das negociações intergovernamentais no foi adotado, e a consolidação de um trado seus esforços na Agenda Pós-2015
plenário informal (dispensando o con- texto negociador mais resumido ficou e estimulado mudanças pontuais. Apesar
senso) e definindo os cinco temas-cha- para o ano de 2015. da paralisia do Conselho na questão síria
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Foto: Scan News/Cia Pak

e na crise da Ucrânia, da terceirização da A obtenção da maioria necessária intermediárias, que sugerem revisões
Questão Palestina para o Quarteto e da de 2/3 na Assembleia permanece um após 10 anos ou mais, podem se tornar
observância do maior número de refugia- grande desafio. Embora a expansão do atraentes caso o impasse se mantenha,
dos desde a Segunda Guerra, o Secretá- Conselho em ambas as categorias – de- mas não resolveriam o desequilíbrio
rio-Geral não está liderando um amplo fendida pelo grupo africano e pelo G4 gerado pela influência desmedida dos
processo de reforma da ONU. – seja apoiada pela maioria, o UfC tem membros permanentes no Conselho.
Os membros permanentes do Con- reiterado sua objeção à criação de no- Em “O Sexto Membro Permanente”,
selho continuam reticentes quanto à re- vos assentos permanentes. Contudo, os Eugênio Vargas Garcia descreve como,
forma. A China se opõe à entrada do Ja- grupos não são unívocos: há, na União na Conferência de São Francisco, Brasil
pão; os EUA e a Rússia adotam discursos Africana, países que defendem a aproxi- e Canadá propuseram a revisão da Carta
ambíguos, e mesmo França e Inglaterra, mação com o G4 e a flexibilização da po- entre 5 e 10 anos após sua entrada em vi-
que apoiam o G4 e se mostram favorá- sição relativa ao veto. Por sua vez, Brasil gor, mas obtiveram apenas 28 votos dos
veis à reforma, dificilmente aceitariam e Índia buscaram convergência com o 30 necessários (2/3) para a aprovação da
conferir poder de veto aos novos mem- grupo africano por meio do L69. Na ten- emenda. Setenta anos depois, a reforma
bros permanentes. No entanto, a última tativa de superar o atual impasse, posi- do Conselho de Segurança permanece
reforma do Conselho – efetivada há 50 ções intermediárias tem obtido atenção uma quimera. No entanto, a expansão da
anos – se deu de “baixo para cima”: com crescente. atuação do órgão e sua perda de legiti-
uma resolução aprovada na Assembleia, Proposta importante nesse sentido midade e eficácia exigem que a reforma
sem apoio dos membros permanentes. foi apresentada pelo “The Elders”. Em permaneça no topo da agenda diplomá-
Pressionados pela maioria dos mem- artigo assinado por Annan e Gro Brun- tica, dada sua singular importância para
bros das Nações Unidas, os “P5” acaba- dtland, o grupo defendeu nova categoria a governança global. Apesar dos gran-
ram por ratificar a emenda à Carta. Essa de membros rotativos, com mandatos des desafios a serem enfrentados, a 70a
mesma pressão “de baixo”, destaca o maiores e renováveis, e sugeriu que os sessão da Assembleia Geral será ocasião
Embaixador Antonio Patriota, atualizou países que aspiram a ser membros per- ideal para a negociação de concessões
a dinâmica da OMC e consolidou o G20 manentes ponham de lado sua ambição mútuas entre os principais grupos, de
como foro apropriado para tratar da go- “at least for the time being” em prol de modo a tornar exequível alguma propos-
vernança econômica internacional. uma solução mais imediata. Propostas ta de reforma. — J
Dossiê

PERSPECTIVAS ACADÊMICAS
SOBRE A NATUREZA E O
FUTURO DAS NAÇÕES UNIDAS
dois renomados juristas apresentam visões divergentes sobre
a evolução do multilateralismo e sobre o papel do direito

Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme Rafael Raicoski,


Pedro Mariano Martins Pontes, Tainã Leite Novaes,
João Lucas Ijino Santana e Jean Pierre Bianchi
fotoS: Vismar Ravagnani

Professor Antônio Augusto Professor Martti Koskenniemi


Cançado Trindade
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foto: Vismar Ravagnani

Entrevista
Antônio Augusto Cançado Trindade

Defensor do multilateralismo e
dos Direitos Humanos, o Professor JUCA: A ONU vai completar 70 anos. problemas globais. O que ficou faltando,
Cançado Trindade, mestre e Doutor Quais são os maiores desafios que a sobretudo nas reformas de 2005, foi es-
em direito internacional pela Organização enfrenta? Uma reforma tender as reformas, também, ao aparato
Universidade de Cambridge, ex- contribuiria para potencializar seu institucional, dadas as resistências dos
professor do Instituto Rio Branco papel na humanização do direito in- países mais poderosos. É difícil prever
e Juiz da Corte Internacional de ternacional? se essas resistências serão superadas. O
Justiça, enfatizou a importância da AACT: Certamente que sim. Creio que que a ONU pode e deve fazer é seguir
ONU, no marco de seus 70 anos, em adiante na criação de novos mecanismos
a reforma ficou a meio caminho. Tive o
um processo por ele denominado
privilégio de acompanhar o processo das e na busca de soluções alternativas para
de “humanização do Direito
Conferências Mundiais da década de poder resolver os problemas identifica-
Internacional”. A entrevista em seu
1990. Creio que as Nações Unidas conse- dos nas declarações e programas de ação
apartamento em Brasília destacou-se
pela densidade da argumentação e guiram estabelecer sua nova agenda para das Conferências Mundiais. O impor-
pelo engajamento do entrevistado o século XXI. A Organização sabe o que tante é que se mantenha viva a consci-
com o direito internacional enquanto deve ser feito, há programas de ação e há ência do que urge ser feito, para atender
instrumento de mudança. conhecimento de quais são os grandes as novas necessidades das populações.
Dossiê

A Carta da ONU é centrada nos povos. Para isso,


foto: Vismar Ravagnani

os Estados contraíram obrigações dirigidas à


satisfação das necessidades dos povos.

Nações Unidas, refém do veto das cha- cional de Justiça (CIJ). Ocorre que a CIJ
madas “grandes potencias”, de prevenir é um órgão judicial, e não político. Esse
e impedir a perpetração dos genocídios órgão judicial é o mais adequado para
nos Bálcãs e em Ruanda, na década de se pronunciar sobre essa matéria. Sem a
noventa, e, desde então, as devastações busca da determinação da validade das
no Iraque, Líbia e Síria, até o presente. decisões tomadas por órgãos políticos,
A Carta foi adotada em nome dos povos. As Nações Unidas lograram estabelecer a fica muito difícil avançar na constitu-
Ela é centrada nos povos. Para isso, os agenda internacional do século XXI, gra- cionalização da Carta da Nações Unidas.
Estados contraíram obrigações dirigidas ças ao recente ciclo de suas Conferencias No caso Lockerbie, a CIJ poderia ter se
à satisfação das necessidades dos povos. Mundiais, mas ainda não conseguiram pronunciado, mas optou por não o fazer.
O legado das Conferências Mundiais se renovar sua própria estrutura fossiliza- Dada a relutância de órgãos das Nações
resume no reconhecimento da legitimi- da (em razão do egoísmo das “grandes Unidas de se pronunciar a esse respeito,
dade da preocupação da comunidade potencias”) para fazer face aos novos foi um tribunal regional que tomou a ini-
internacional com as condições de vida desafios. Sustento a responsabilidade de ciativa, no caso Kadi, – embora tenha tido
da população (inclusive e sobretudo dos proteger, ao proteger, de decidir previa- o cuidado de dizer que se referia ao orde-
segmentos mais vulneráveis e margina- mente sobre a proteção e de avaliar pos- namento jurídico da União Europeia. Por
lizados), em toda parte. Portanto, urge teriormente a proteção, com fundamento que a CIJ, como órgão judicial principal
que a ONU busque encontrar novos nos princípios básicos da Carta das Na- das Nações Unidas, conforme reconhe-
mecanismos para superar a paralisia de ções Unidas. É esse o enfoque mais ade- cido no artigo 92 da Carta, não poderia
sua estrutura fossilizada, as dificuldades quado, porque, a meu juízo, a responsa- assumir esse papel, 70 anos depois da
geradas pela força da inércia, e, assim, bilidade constitui a coluna vertebral do Conferência de São Francisco? Os instru-
impulsionar o processo que denomino direito internacional contemporâneo. mentos internacionais são instrumentos
de humanização do novo jus gentium - o — vivos, estão sendo sempre interpretados
direito internacional contemporâneo. JUCA: O senhor acredita que há um e aplicados ao longo do tempo. A Carta
— processo de constitucionalização no tem sido modificada pela própria prática
JUCA: Qual é a opinião do senhor direito internacional, em que a Carta das Nações Unidas (como examino em
sobre a proposta brasileira de “Res- das Nações Unidas poderia ser consi- detalhes em meu Direito das Organiza-
ponsabilidade ao Proteger”, como derada a Constituição da comunidade ções Internacionais, 6ª. ed.), sem emen-
complementação ao conceito de internacional? das formais ou Conferências de revisão.
“Responsabilidade de Proteger”? AACT: Existe, sim, um processo de cons- Tomando a Carta como instrumento
AACT: Certamente foi iniciativa bem titucionalização do direito internacional, vivo, é certo que deve ser apreciada à luz
fundamentada, ao enfocar a responsa- como ilustrado pela Carta das Nações das necessidades de regulamentação das
bilidade do Estado no momento de pro- Unidas. Ocorre que esse processo ain- relações internacionais contemporâneas.
teger. Não deixa de ter sido reativa, ao da está em seus primórdios. Há um lon- A interpretação teleológica termina por
ser formulada considerando a proposta go caminho a percorrer. Sabemos, por aqui se impor, a exemplo da vasta juris-
inicial, do Canadá e de outros co-patro- exemplo, que, na Conferência de São prudência internacional de tribunais es-
cinadores, em resposta à proposta fran- Francisco, optou-se por estabelecer uma pecializados, sobretudo os que operam
cesa. Foram iniciativas corretas, mas paridade entre os órgãos principais das no âmbito de regimes de proteção. Esses
reativas. Nações Unidas. Refiro-me ao Conselho tribunais se referem às convenções que
A reação deu-se em razão da inca- de Segurança, Assembleia Geral, ECO- os criaram como “instrumentos vivos”,
pacidade do Conselho de Segurança das SOC, Secretaria-Geral e a Corte Interna- interpretando-as à luz de novas realida-
33

des. Uma vez que se reconheça isso, – sou África do Sul, tema foi retomado suces- sos outros Estados. As Nações Unidas
inteiramente favorável a essa interpreta- sivamente até que, com seu também cé- deram mostra de discernimento para
ção evolutiva, inclusive no tocante à CIJ, lebre Parecer de 1970 sobre a Namíbia, tratar, sob uma ótica evolutiva, a suces-
– então o processo de constitucionaliza- houve uma transformação, por meio do são de Estados no tocante à preservação
ção se acelera. Quanto tempo levará? Im- Direito, da ordem internacional. Tive a dos direitos dos povos: alguns órgãos de
possível prever. Não obstante, já temos ocasião de abordar este tema em minha supervisão das Nações Unidas tomaram
elementos suficientes para afirmar que, conferência de abertura no Seminário uma posição segundo a qual, em relação
sim, há uma constitucionalização gradual Internacional organizado pela CIJ na a tratados de direitos humanos, há uma
e lenta da Carta das Nações Unidas. Haia, em setembro do ano passado, para sucessão automática. Portanto, novos
— comemorar o centenário do Palácio da Estados continuam vinculados pelas
JUCA: Até que ponto o Direito pode Paz. Os tribunais internacionais con- obrigações contraídas pelo Estado pre-
ser um instrumento de transforma- temporâneos fornecem também outros decessor, em relação às pessoas e popu-
ção no Sistema Internacional? exemplos de transformações no mundo lações sob suas respectivas jurisdições.
AACT: Todas as questões que são leva- contemporâneo. A Corte Interamerica- E não poderia ser de outro modo. A su-
das à CIJ têm componentes jurídicos e na de Direitos Humanos e o Tribunal cessão automática de tratados humani-
políticos. Contudo, a CIJ é um órgão ju- Penal Internacional para a ex-Iugoslávia tários ou de direitos humanos decorre
dicial, que, por meio do direito, busca a contribuíram bastante para a ampliação de uma visão evolutiva – a qual sempre
realização da justiça. Uma vez que a jus- do conteúdo material do jus cogens, mu- sustentei – que se coaduna com os prin-
tiça é realizada, há uma transformação dando o entendimento que prevalecia cípios e propósitos da Carta da ONU e
da ordem internacional. Posso mencio- nos anos 60, segundo o qual as normas busca livrar os povos do flagelo da guer-
nar alguns exemplos. Desde a década de imperativas de direito internacional ge- ra e dos horrores cometidos no passado
1920, nos tempos da Corte Permanente ral se limitavam ao direito dos tratados. recente. Nós, juristas, atuamos no uni-
de Justiça Internacional (CPJI), discu- Eu e Antonio, cada um em seu tribunal, verso conceitual do dever ser, próprio à
tia-se a questão das minorias e das po- impulsionamos essa construção juris- referida visão evolutiva. Os que se atêm
pulações em territórios sob mandatos. prudencial. Hoje em dia, já se aceita que tão só à “realidade” dos fatos, de modo
São célebres seus pronunciamentos so- o jus cogens não se limita ao direito dos estático, e deslumbrados com o poder,
bre a Jurisdição dos Tribunais de Danzig tratados, mas também marca presença não são verdadeiros juristas; são, na me-
(1928), o Tratamento de Poloneses em em outros domínios do direito inter- lhor das hipóteses, politólogos, presos
Danzig (1932), as Escolas Minoritárias nacional. Outro exemplo que cabe ser ao aqui e ao agora, sem compreender as
na Albânia (1935), que contribuíram à mencionado é o da sucessão de Estados. transformações do mundo. Posso che-
evolução do direito internacional. Na era A Comissão de Direito Internacional das gar à conclusão de que, realmente, vale
da CIJ, viu-se ela diante do problema na Nações Unidas só elegeu esse tema para a pena estudar o Direito, inclusive como
codificação quando os problemas de su- instrumento de transformação do mun-
cessão já pareciam quase terminados. do para melhor. Sempre me dediquei à
Não obstante, a ordem internacional, construção do jus gentium. É muito fá-
em constante transformação, vivenciou cil desconstruir. Prefiro a construção. É
a implosão da URSS e da Iugoslávia, o bem mais difícil, mas infinitamente mais
que culminou na emergência de diver- gratificante. — J
foto: Vismar Ravagnani

Hoje em dia, já se aceita que o jus cogens


não se limita ao direito dos tratados, mas
também marca presença em outros domínios
do direito internacional.
Dossiê

fotos: Vismar Ravagnani


35

Entrevista
Martti Koskenniemi

outras. As Nações Unidas precisam ur-


JUCA: O principal foco da nossa re- gentemente de uma reforma completa.
vista será o aniversário das Nações Mas eu não sei como conseguir isso ou
Unidas. Ao completar 70 anos, pode- como seja possível que se consiga.
mos dizer que a organização precisa

de uma “bengala” para continuar an-
dando? O que seria essa “bengala”? JUCA: O senhor teve a oportunidade
MK: A maioria dos internacionalistas de trabalhar com diplomatas brasilei-
da minha geração passou a maior parte ros na ONU?
de suas vidas profissionais tentando re- MK: Há uma pessoa, Carlos Calero Ro-
formar as Nações Unidas, de uma forma drigues. Ele foi membro da Comissão de
ou de outra. Estou farto disso. Nenhu- Direito Internacional e também foi re-
ma das reformas teve sucesso. A quan- presentante brasileiro na 6ª Comissão da
tidade de horas de trabalho e dinheiro Assembleia Geral das Nações Unidas. Ele
gastos não guarda nenhuma relação era realmente impressionante e muito
com a insignificância dos resultados culto. No início da minha carreira, eu ser-
alcançados, e isso é muito desaponta- vi na Assembleia Geral. Normalmente, é
dor. Nos anos 1990, estive envolvido em entediante, mas você acaba fazendo ami-
Professor de Direito Internacional um projeto chamado “Nordic Project”, zades extraordinárias. Quando ele se pro-
na Universidade de Helsinque, responsável pela reforma completa das nunciava, repentinamente todos ao redor
Diretor do Instituto Erik Castrén Nações Unidas, especialmente em te- se calavam. Ele inspirava respeito de uma
de Direito Internacional e Direitos mas humanitários. Os países nórdicos forma que nunca havia visto antes.
Humanos, membro do Institut de investiram muito tempo, dinheiro e
Droit Internacional e diplomata —
trabalho intelectual planejando com a
finlandês durante quase duas OCHA (Escritório de Coordenação de
décadas, Koskenniemi tem profunda
experiência teórica e prática no
Assuntos Humanitários, na sigla em Nenhuma das
inglês) e as atividades humanitárias
sistema multilateral. O acadêmico
poderiam ser mudadas. Isso não levou reformas teve
demonstra grande ceticismo em
a nada. Esse esforço durou toda a dé-
relação à efetividade do sistema das
cada de 1990 e a única coisa que con-
sucesso de fato. A
Nações Unidas e acredita em futuro
pouco alvissareiro para o sistema seguimos foram algumas mudanças no insignificância dos
multilateral. ECOSOC, mas nós queríamos nos livrar
O encontro que a equipe da JUCA da ECOSOC como um todo, porque ele resultados alcançados
8 teve com o Professor Martti não desempenha nenhum papel. Nin-
Koskenniemi no lobby do Hotel guém no terceiro mundo sabe o que o é algo muito
Nacional de Brasília foi certamente ECOSOC é. Ok, a ONU vai fazer 70 anos
um dos mais intrigantes e e, como ocorre com muitos aos 70, al-
desapontador.
provocativos desta edição. gumas partes funcionam melhor que
Dossiê

Não vejo a Carta da ONU como uma futura


Constituição do mundo. Penso que isso está
foto: Vismar Ravagnani

muito distante da realidade.

Humanos. Servi na ONU, sentei no Con- comunidade internacional. Eu acho que


selho de Segurança. Ele não tem sentido, a ideia é válida, e nós precisamos de
é burocrático e corrupto e eu não quero algo que a represente. Entretanto, como
ser governado por esse tipo de sistema. instituição, a ONU é disfuncional, buro-
Numa visão romântica, nós almejaría- crática, oligárquica e conservadora, de
mos uma estrutura piramidal, a partir modo que acho que precisamos pensar
da qual seríamos governados pelo topo, em nós mesmos como uma única comu-
JUCA: O senhor vê a possibilidade de pelo Secretário-Geral e pela Assembleia nidade. Há momentos em que percebe-
a Carta das Nações Unidas ser con- Geral, como ocorre no nível interno dos mos que há solidariedade entre as pes-
siderada uma Constituição global? Estados, mas quando analisamos de den- soas, e isso desperta nosso romantismo
Acredita que as normas de direitos tro, percebemos que não é assim. O mun- por estarmos juntos, mas isso não irá
humanos possam lançar as bases de do é regido por uma rede de contatos e mudar o mundo.
uma ordem pública em escala global? uma série de regras formais e informais —
MK: Boa pergunta. Eu não vejo a Carta muito complexas. O Conselho de Segu- JUCA: O Brasil propôs o conceito de
da ONU como uma futura Constituição rança é inútil. É terrível estar lá para al- Responsabilidade ao Proteger como
do mundo. Vivo cercado por juristas, guém com formação jurídica como eu. um complemento à noção de Res-
especialmente alemães, que têm esse Nada é levado em consideração, exceto ponsabilidade de Proteger há alguns
complexo vocabulário de constitucio- os interesses do P5. Eu sei que o Brasil anos. Você diria que este conceito
nalismo global, muitos deles inspirados almeja unir-se ao P5, mas, desculpe-me contribui para o....
por Habermas, mas eu penso que tudo a franqueza, vocês nunca irão conseguir. MK: Não. É mais um exemplo de insig-
isso está muito distante da realidade. Pelo menos não no curso de suas vidas. nificantes jargões da ONU que diferen-
Meu amigo David Connely faz uma dis- No final dos anos 1990, tentou-se isso. tes países tentam propor quando veem a
tinção útil entre cosmópole e metrópo- Após o colapso da União Soviética, mui- possibilidade de avançar em suas agen-
le. Nós não somos regidos pela cosmó- tos se queixaram de que as Nações Uni- das políticas. A questão de utilizar a
pole. Somos regidos pela metrópole, o das não eram legítimas e criou-se uma violência para “objetivos humanitários”
que significa dizer que nós não somos série de grupos de trabalho dedicados tem apelo político junto a um grande
regidos pelas instituições de Direito a estudar as possibilidades de reforma público. Isso não pode ser mudado por
Público, agências da ONU, OMC ou a da organização. No entanto, essas pro- meio de fórmulas verbais apresentadas
diplomacia. Somos regidos pelo Direito postas nunca saíram nem 5 mm do chão. na ONU. A questão é como a ONU con-
Privado, pelos grandes centros finan- Para que isso acontecesse, o mundo teria seguirá sair da confusão na qual ela se
ceiros. Uma cientista política chamada de ser um lugar completamente diferen-
Gene Cohen propôs uma visão haber- te do que é.
masiana sofisticada sobre o constitucio- — Não somos regidos
nalismo global – eu fui convidado para JUCA: No seu livro, The Politics of In-
revisar o trabalho –, mas, infelizmen- ternational Law, o senhor afirma que pela Carta da ONU.
te, nós não somos regidos pela Carta a comunidade internacional somente
da ONU. Somos regidos pelo dinheiro. poderá ser posta em prática por meio
Somos regidos pelo
Enquanto nos esquecermos disso, não da ONU. Como a organização pode fo- dinheiro. Não vejo
entenderemos como somos regidos. Po- mentar a ideia de comunidade inter-
demos lamentar isso, mas eu não vejo nacional? como mudar essa
como mudar essa realidade. MK: Eu creio que a ONU é a represen-
Ademais, não acredito em Direitos tante mais importante da ideia de uma realidade.
37

foto: Vismar Ravagnani

Acho o cristianismo uma grande ideia, mas não tenho


muita fé no Papa. Ao mesmo tempo, a ONU é uma
grande ideia, mas não tenho muita fé na instituição.

envolveu por meio da ideia de Respon- século, as pessoas irão olhar para esse temos de conviver com essa realidade,
sabilidade de Proteger e suas diversas período e irão se perguntar: como essas pois ele é dominado pelo P5. Nunca in-
derivações. Eu não sei como a ONU con- pessoas conseguiram viver nessas cir- vistam tempo, dinheiro ou energia para
seguirá fazer isso, eu não me importo, cunstâncias? Como elas acharam aceitá- reformar esse monstro.
porque os esforços da ONU são insigni- vel o modo como elas e suas instituições —
ficantes. se comportavam? Essa é minha visão. JUCA: Professor, o Senhor é um forte
— — crítico das Nações Unidas...
JUCA: Nesse contexto, qual a eficácia JUCA: Qual seria a identidade das MK: Sim, mas também amo a ONU. A
do direito internacional para evitar Nações Unidas atualmente? Elemen- ONU imaginada é uma inspiração para
conflitos em uma ordem anárquica? to promotor do desenvolvimento so- muitas pessoas ao redor do mundo, e
MK: Esse é o modo convencional de cioeconômico ou garantidor da segu- isso é algo de que precisamos. A ONU
conceber o direito internacional, como rança? imaginada não tem relação com a ONU
se ele pudesse nos salvar. Segundo al- MK: A ONU, certamente, não garan- real, mas ela estimula o enraizamen-
gumas estatísticas, 2% da população te a segurança de ninguém. Passei toda to de certo grau de solidariedade entre
mundial concentra mais da metade da a minha vida diplomática na ONU e os povos. As pessoas ao redor de todo o
riqueza mundial. O direito internacional aprendi que a instituição assemelha-se a mundo têm as mesmas necessidades e
é parte de como o mundo é governado dois monstros. Um deles vive em Nova interesses e esse tipo de solidariedade
e ele é governado segundo os interesses Iorque, e o outro mora em Genebra. Eu é necessário. A ONU é útil na medida
de um grupo muito pequeno, no qual vo- acho que a ONU de Genebra, que lida em que ela fomenta essa necessidade.
cês, como diplomatas brasileiros, estão com temas sociais e humanitários, pode Mas a instituição, tal como ela se apre-
sendo introduzidos agora. Bem-vindos! fazer a diferença e interessa ao Brasil fo- senta hoje em dia, suas políticas e sua
Eu estive lá. Espero que, ao irem dormir, mentar esse tipo de instituição. Elas são burocracia – um corpo de diplomatas e
e agora conhecendo essas estatísticas, tremendamente burocráticas, corruptas especialistas – deixa a desejar... Eu acho
vocês consigam manter suas consciên- e conservadoras, mas, ao mesmo tem- o cristianismo uma grande ideia, mas eu
cias tranquilas. Ou seja, o direito inter- po, é possível fazer muitas coisas lá. O não tenho muita fé no Papa. Ao mesmo
nacional é parcialmente responsável monstro de Nova Iorque – que é o mons- tempo, a ONU é uma grande ideia, mas
pela bagunça que o mundo é. Daqui a um tro da segurança – é desesperador, mas eu não tenho muita fé na instituição. — J
Dossiê

“A preocupação central dos negociadores da Carta, o risco de


uma Terceira Guerra Mundial, não se confirmou. A ONU também
se tornou o principal espaço para a promoção e a proteção dos
direitos humanos e para os avanços nas negociações relativas ao
desenvolvimento sustentável e à mudança do clima.”

Foto: UN Photo/Devra Berkowitz


39

Entrevista com Antonio de Aguiar Patriota


Pedro Mariano Martins Pontes

Representante Permanente JUCA: Em 2015, as Nações Unidas com- Conselho de Segurança nas duas categorias
do Brasil junto à ONU, o
pletam 70 anos. Quais os principais êxitos de membros (permanentes e não-perma-
Embaixador Antonio de
da Organização ao longo de sua existên- nentes), além de torná-lo mais transparente
Aguiar Patriota desempenhou,
cia? e eficaz. É importante lembrar que muitos
em diferentes momentos,
AAP: A preocupação central dos negociado- países africanos também fazem parte, jun-
funções de relevo na
Organização, tendo presidido, res da Carta, o risco de uma Terceira Guer- tamente com o Brasil e Índia, do L.69, grupo
em 2014, a Comissão de ra Mundial, não se confirmou. Embora isso que reúne mais de 40 países em desenvolvi-
Consolidação da Paz. Em seu se deva, em parte, ao papel dissuasório dos mento e que tem se transformado em um dos
período como Chanceler, o arsenais nucleares durante a Guerra Fria, as principais atores pró-reforma nas discussões
Brasil teve atuação destacada Nações Unidas forneceram – e ainda forne- em Nova York.
e propositiva nas Nações cem – importante espaço para o diálogo e o A maioria de 2/3 necessária à aprova-
Unidas, conseguindo, ademais, entendimento entre os Estados. Se é verdade ção de uma resolução que trate da reforma
eleger dois de seus nacionais que a Organização ainda não logrou resolver do Conselho exigirá o voto favorável de 129
para as chefias da FAO e da disputas com grande potencial desestabi- Estados-membros – o que, à primeira vista,
OMC. A Revista JUCA teve o lizador, como a questão israelo-palestina, é pode parecer difícil de ser atingido. Tem-se
privilégio de conversar com preciso reconhecer que operações de ma- observado, contudo, grande frustração com
o Embaixador Patriota sobre nutenção da paz desdramatizaram dezenas a incapacidade do Conselho em solucionar
alguns dos principais temas
de conflitos internos ou internacionais, do as principais crises contemporâneas, como a
tratados neste dossiê.
Timor-Leste ao Haiti. A ONU também se questão síria, os conflitos no leste da Ucrânia
tornou o principal espaço para a promoção e as tratativas entre árabes e israelenses. Há
e a proteção dos direitos humanos e para uma crescente percepção entre Governos,
os avanços nas negociações relativas ao de- sociedade civil e academia de que a ineficá-
senvolvimento sustentável e à mudança do cia do Conselho acaba por afetar a legitimi-
clima. Esses desafios não poderiam ser en- dade da ONU como um todo e, com isso, a
frentados sem o recurso ao multilateralismo urgência em se reformar o órgão tem sido de-
– que tem nas Nações Unidas seu foro prin- fendida por um crescente número de vozes.
cipal, ainda que imperfeito. Caso alguns dos atuais membros perma-
— nentes insistam com a estratégia de impor
JUCA: Em entrevista recente, o senhor obstáculos ao processo – o que é interpreta-
chamou atenção para o fato de que a úl- do por muitos como miopia diplomática, pois
tima reforma do Conselho de Segurança um Conselho mais representativo e legítimo
veio “de baixo”, sendo articulada na As- deveria ser do interesse de todos – não se
sembleia Geral. O senhor acredita numa deve descartar o que ocorreu quando da últi-
convergência entre as posições do G4 e ma e única vez que o órgão foi reformado, em
da União Africana, de modo a garantir a 1963. Naquela ocasião, a Resolução 1991 – que
maioria necessária de 2/3 para a aprova- aumentou o número de assentos não perma-
ção da proposta? nentes de 6 para 10 – foi aprovada sem o voto
AAP: Há convergência entre as posições de- afirmativo dos P5. Ainda assim, todos os cinco
fendidas pelo G4 e o bloco africano, estando ratificaram a reforma, preferindo não assumir
ambos comprometidos com uma reforma do o ônus de impedir a entrada em vigor de uma
Dossiê

fotos: UN Photo/1- Paulo Filgueiras, 2- Maria Elisa Franco, 3- JC McIlwaine

iniciativa defendida pela ampla maioria nos e de seu mecanismo de Revisão Pe- qual passa a arquitetura de consolidação
dos membros da Organização. riódica Universal, que teve no Brasil um da paz (formada, além da CCP, pelo Fun-
— de seus principais apoiadores. A reforma do de Consolidação da Paz e pelo Escri-
JUCA: Em outra entrevista, o senhor do Conselho de Segurança – embora di- tório de Apoio à Consolidação da Paz),
afirmou que a ONU não tem sido bem ficultada por uma minoria obstrucionis- será fundamental para, com base na ex-
sucedida na promoção da paz. Os ou- ta – adquire uma urgência crescente aos periência adquirida e nas lições aprendi-
tros dois pilares de atuação da Orga- olhos de ampla e representativa maioria das, reorientá-la e adaptá-la às mudanças
nização (desenvolvimento e direitos da comunidade internacional. ocorridas desde 2005, assegurando que
humanos) têm funcionado melhor? — seus três elementos constitutivos estejam
Por quê? JUCA: A Comissão de Consolidação aptos a exercer papel central no trata-
AAP: Essa afirmação se refere, em gran- da Paz completa dez anos em 2015. mento internacional de situações de pós-
de medida, à capacidade de adaptação Qual a importância da atual Revisão conflito.
dos mecanismos de governança da ONU da Arquitetura de Consolidação da O Painel de Alto Nível encarregado da
aos desafios e às novas configurações ge- Paz? E do Painel de Alto Nível sobre revisão das Operações de Paz é outro pro-
opolíticas mundiais. Em matéria de de- Operações de Paz? cesso crucial desencadeado em 2015. Ele
senvolvimento sustentável, a ONU vem AAP: A Comissão de Consolidação da Paz vem sendo conduzido à luz da crescente
promovendo agendas ambiciosas e trans- (CCP) tem-se afirmado como estrutura tendência que o Conselho de Segurança
formadoras, que harmonizam as preocu- apta a acompanhar, de modo aprofunda- formule mandatos “multidimensionais”
pações sociais, ambientais e econômicas do, a situação em países recém-saídos de mais complexos e ambiciosos – inclusive
dos Estados e das sociedades; penso no conflitos, auxiliando-os na transição en- no que diz respeito ao uso da força por
exemplo da Rio+20, que revitalizou as tre a guerra e uma paz duradoura. Sendo capacetes azuis – em contexto de restri-
instituições que atuam nesse setor, como integrada por vizinhos regionais, países ções crescentes ao orçamento da ONU.
o PNUMA, e criou novos espaços, como o doadores, os cinco membros permanen- Deverá abordar temas de grande atuali-
Fórum Político de Alto Nível. Por sua vez, tes do Conselho de Segurança e outros dade, a exemplo do surgimento de amea-
o arcabouço onusiano de defesa dos di- atores interessados, é uma plataforma ças não-tradicionais à paz e segurança in-
reitos humanos também vem sendo siste- para diálogo abrangente – algo que mui- ternacional e do uso de novas tecnologias
maticamente fortalecido, como atestam a tas vezes não é possível no Conselho, em por parte das forças da ONU.
criação do Conselho de Direitos Huma- razão de sua composição. A revisão pela —

A inclusão de questões emergentes nos ODS


deve inspirar outros pilares da Organização,
como a promoção da paz e segurança
41

Não existe tema na pauta de trabalho da ONU


em que o Brasil não participe ativamente

JUCA: A Líbia está em caos. O auto- último recurso – e, que, mesmo quando AAP: Os Objetivos de Desenvolvimen-
denominado Estado Islâmico con- considerada necessária pelo Conselho to Sustentável (ODS) constituem uma
trola parte significativa do Iraque. O de Segurança, deve ser aplicada com mudança paradigmática na agenda de
conceito “Responsabilidade ao Prote- respeito ao mandato estabelecido pelo desenvolvimento das Nações Unidas,
ger” (RWP) mostra-se mais atual que Conselho e com o acompanhamento da demonstrando a capacidade de renova-
nunca. O que o Brasil tem feito para comunidade internacional, evitando que ção do multilateralismo para enfrentar
promovê-lo? seja desvirtuada por interpretações uni- desafios globais. A partir da integração
AAP: A situação da Líbia é uma tris- laterais. Dentre os vários marcos histó- das dimensões econômica, social e am-
te comprovação de que havia um sólido ricos de 2015 está a primeira década de biental, os ODS estabelecem parâmetros
fundamento na nossa cautela quando, em R2P, propiciando o contexto para uma universais para o desenvolvimento, com
2011, abstivemo-nos na votação da Reso- avaliação coletiva e objetiva sobre sua metas aplicáveis também aos países de-
lução 1973, que invocou a “Responsabili- implementação. senvolvidos. As negociações transparen-
dade de Proteger” (R2P) para respaldar Identifico um ressurgimento de inte- tes e participativas conferiram grande
uma intervenção militar no país. O Brasil resse de Governos e do meio acadêmico legitimidade ao processo e contribuíram
não se furtou a condenar os atos de vio- pelas ideias propostas pelo Brasil sobre para a inclusão de questões emergentes
lência contra civis, mas tampouco acredi- proteção de civis. Em abril, por exem- nos ODS, como desigualdades, consumo
távamos que o uso da força solucionaria plo, a Universidade de Columbia organi- e produção sustentáveis, cidades, infra
a crise. Antevíamos, ao contrário, que zou um seminário sobre a RwP à luz do -estrutura e acesso à justiça. Precisa-
havia o risco de exacerbar tensões lo- que ocorreu na Líbia. O recente artigo mos trabalhar para que essa renovação
cais e regionais, tornando uma situação de Alan Kuperman na “Foreign Affairs” inspire outros pilares da Organização,
ruim em algo pior. O que ocorreu na Lí- não deixa margem à dúvida: a população como, por exemplo, a promoção da paz
bia evidenciou que os interesses daqueles civil se encontra em estado muito mais e segurança. Essa será uma importante
que advogavam pela intervenção militar vulnerável após a intervenção da OTAN contribuição dos ODS ao multilatera-
aproximavam-se mais da mudança de voltada à substituição de regime – que lismo. Todo o processo de definição de
regime em Trípoli do que da proteção de foi, em suma, um exemplo de certa “irres- uma nova agenda para a cooperação in-
civis. Transcorridos mais de três anos, o ponsabilidade ao proteger”. Nos debates ternacional em torno dos ODS só foi via-
que vemos é o caos instalado no país – e recentes sobre o uso da força e proteção bilizado graças à Conferência Rio+20 e a
a instabilidade alastrada pela vizinhança. de civis, o conceito de RwP tem sido em- seu resultado consensual no documento
Fiel à sua tradição de ator constru- pregado frequentemente por outras dele- “O futuro que queremos”.
tivo, o Brasil não se limitou a criticar a gações para orientar suas reflexões. Aliás, é possível afirmar que não
resposta dada à crise líbia. Propusemos, — existe tema na pauta de trabalho das
em seguida, a “Responsabilidade ao Pro- JUCA: Qual a importância dos Objeti- Nações Unidas em que o Brasil não par-
teger” (RwP) – que, em síntese, agrega vos do Desenvolvimento Sustentável ticipe ativamente, com propostas origi-
método à aplicação da R2P. O conceito para o futuro do multilateralismo? nais e construtivas, visando fortalecer
recorda a prioridade que deve ser atri- Serão capazes de fortalecer o multila- o multilateralismo em um momento de
buída à prevenção de conflitos, para o teralismo para que, conforme a Carta transição da unipolaridade para a multi-
que a cooperação para o desenvolvi- de São Francisco, a ONU beneficie a polaridade. — J
mento é indispensável. Destaca, tam- comunidade internacional como um
bém, que a coerção pela força deve ser o todo?
Dossiê

Maria Luiza Viotti:


os seis anos em que o
Brasil foi representado
por uma mulher nas
Nações Unidas
Maria Lima Kallás
e Laís Loredo Gama Tamanini

foto: UN photo/Paulo Filgueiras


43

A participação brasileira no Conselho


Sessenta e dois anos depois de
Bertha Lutz ser a única mulher a
deixou a impressão de que o Brasil
compor a delegação brasileira na
Conferência de São Francisco, Maria
projeta uma visão própria do mundo e é
Luiza Ribeiro Viotti tornou-se a capaz de articular propostas de solução
primeira mulher a chefiar a Missão
Permanente do Brasil junto à ONU. para os conflitos.
Entre 2007 e 2013, com Viotti e
Regina Maria Cordeiro Dunlop
– Representante Permanente
Alterna – em Nova York e Maria JUCA: Conte-nos um pouco sobre a Humanos e Temas Sociais e o Departa-
Nazareth Farani Azevêdo em sua trajetória. mento de Organismos Internacionais.
Genebra, o Brasil contou com MLRV: Decidi prestar o concurso para o —
lideranças femininas em ambas Instituto Rio Branco ao final do segundo JUCA: Que balanço a senhora faz de
as delegações nas Nações ano do curso de Economia, na UFMG. sua gestão na Missão Permanente do
Unidas, em meio a importantes
Conhecia pouco sobre a carreira diplo- Brasil junto à ONU?
processos internacionais e grande
mática, mas a considerava estimulante MLRV: Chefiar a Missão do Brasil jun-
efervescência na política externa
pelo ecletismo, por seu caráter multidis- to à ONU foi das tarefas mais honrosas
brasileira, tendo o país sediado a
ciplinar, pela oportunidade de represen- e gratificantes, sem dúvida plena de de-
Rio+20 e ocupado assento rotativo
no Conselho de Segurança. tar o Brasil no exterior e tratar de ques- safios. Um dos desafios mais interessan-
Uma mulher à frente de uma tões internacionais. tes foi o mandato no Conselho de Segu-
delegação nacional na ONU não No Itamaraty, tive a sorte de traba- rança, em 2010 e 2011. Creio que nossa
é algo trivial. Ainda que a carreira lhar inicialmente na área de promoção participação deixou a impressão, em
diplomática tenha lentamente comercial, no momento em que o Brasil muitos países-membros, de que o Brasil
evoluído no sentido de incorporar abria novas frentes para seu comércio está entre os poucos países que, no de-
mulheres a seus quadros, estas exterior, sob a dinâmica chefia do Em- sempenho de mandato eletivo no CSNU,
representam apenas 22% do baixador Paulo Tarso Flecha de Lima, projeta uma visão própria do mundo e
quadro atual. grande entusiasta da participação das demonstra capacidade de articular pro-
Nesta edição da JUCA dedicada mulheres na carreira. Ao longo da car- postas de solução para os conflitos in-
aos 70 anos da ONU, convidamos a reira, também aprendi muito com ou- ternacionais. Demonstramos empenho
Embaixadora Viotti a compartilhar tros grandes chefes, entre os quais os em criar uma dinâmica construtiva para
um pouco de sua experiência na
Embaixadores George Maciel, Bernardo o tratamento de temas específicos, como
carreira diplomática. Na entrevista,
Pericás, Gelson Fonseca e Ronaldo Sar- por exemplo a facilitação do tratamento
ela narra sua trajetória, avalia a
denberg. Servi como Conselheira em La da questão entre a Tailândia e o Cam-
evolução da imagem do Brasil , faz
Paz, chefiei a Divisão de America Meri- boja, em fevereiro de 2011. Estimulamos
um balanço de sua gestão em Nova
Iorque e deixa lições para próximas dional I (DAM-I) e, antes de ser desig- a articulação de posições em novas con-
gerações de diplomatas brasileiros. nada Representante Permanente Junto à figurações, especialmente o IBAS, que
ONU, dirigi o Departamento de Direitos forneceram a base para negociações em
Dossiê

A mudança do
perfil do Brasil na
contextos de grande polarização. Foi cante na atuação em prol do desenvolvi-
assim no tratamento inicial da questão
ONU deve-se em mento econômico e da proteção e pro-
da Síria, em julho de 2011, quando, em
grande parte ao moção dos direitos humanos.
nome do IBAS, o Brasil negociou com  —
o RP do Reino Unido as bases para uma capital político JUCA: Em sua gestão, o Brasil teve
Declaração Presidencial, que viria a ser papel de destaque nas discussões
adotada em agosto daquele ano, e que acumulado ao acerca do uso da força e da paz e se-
constituiria a primeira manifestação gurança no Oriente Médio. Quais os
consensual do Conselho sobre Síria.
longo de tantos fundamentos dessa proatividade?
Mostramos capacidade de inovar con- anos. MLRV: Creio ter sido decorrência da
ceitualmente, como ilustraram o debate importância desses temas no cenário
que promovemos sobre a inter-relação internacional e o relevo que obtiveram
entre paz, segurança e desenvolvimen- Humanitário”, iniciativa que resultou na agenda do Conselho de Segurança no
to, bem como a iniciativa do Brasil so- da ampliação sem precedentes de nossa biênio 2010-2011. Também terá contri-
bre “Responsabilidade ao Proteger”. assistência humanitária, por intermédio buído o fato de o Brasil ser visto como
Também foram experiências inte- da ONU, a países afetados por desastres interlocutor fiável pelos lados em confli-
ressantes o exercício da Presidência da naturais ou por situações de conflito.   to e como país cuja opinião tem peso em
Configuração para a Guiné Bissau da — sua região e fora dela. Isso ficou claro,
Comissão de Construção da Paz, des- JUCA: Como a senhora avalia a ima- por exemplo, na solicitação para que o
de seu estabelecimento, em 2008, que gem externa do Brasil? Brasil exercesse bons ofícios durante a
envolvia a articulação, com os demais MLRV: Pelo duplo benefício de ter ser- consideração, pelo Conselho de Segu-
países membros, de estratégias e ações vido em Delbrasonu em três diferentes rança, do projeto de resolução sobre as-
de apoio à estabilidade e ao desenvolvi- momentos e de ter exercido a chefia da sentamentos israelenses nos territórios
mento do país (tocou-me visitar Guiné Missão por longo período, pude testemu- ocupados, em fevereiro de 2011.
Bissau diversas vezes para contatos com nhar mudanças importantes na imagem Mas o Brasil ocupou-se, muitas ve-
as autoridades locais e membros da so- e no papel do Brasil na ONU, decorren- zes em contextos de crises simultâneas,
ciedade guineense); as negociações so- tes sobretudo das próprias transforma- de desafios amplos e díspares, que foram
bre a evolução do apoio da ONU ao Hai- ções vividas pelo País – em especial o do terremoto no Haiti à instabilidade na
ti, cuja operação de paz, a MINUSTAH, novo ciclo de crescimento econômico e Síria, do processo de independência do
mantém-se, desde o início, sob comando os avanços em matéria de inclusão so- Sudão do Sul à consideração do pedido
militar brasileiro – algo incomum em cial. Mas a mudança do perfil do Brasil palestino de admissão como membro
missões de paz das Nações Unidas e que na ONU não decorreu apenas das trans- pleno da ONU; do conflito na Líbia à
reflete o respeito e a credibilidade que formações internas. Grande parte ad- crise pós-eleitoral em Côte d’Ivoire; da
o Brasil angariou no desempenho dessa vém do capital político acumulado pelo crise na Somália às questões relaciona-
responsabilidade; as negociações para a Brasil nas Nações Unidas ao longo de das à não proliferação nuclear no Irã e na
convocação da Rio+20 e para que o Bra- tantos anos – e da própria credibilidade RPDC. Em suma, tivemos que lidar com
sil viesse a sediá-la, a preparação da Con- internacional do País. Deriva também uma agenda crescentemente complexa e
ferência em si e a liderança dos proces- de uma política externa consistente, cla- demandante, em ambiente de forte po-
sos de seguimento de seus resultados; o ramente comprometida com objetivos larização. Nos debates no Conselho de
elevado perfil que sempre caracterizou que coincidem com os promovidos pela Segurança, notava-se uma tendência a
a atuação brasileira nas negociações li- ONU. Somos reconhecidos como fortes privilegiar o recurso a medidas coerci-
gadas à agenda do desenvolvimento eco- defensores – e praticantes – da paz e da tivas e certo automatismo em relação ao
nômico e da redução da pobreza; a pro- promoção de meios pacíficos de solução uso da força, tendo o Brasil procurado
moção, junto com a Suécia, do “Diálogo de conflitos. Temos uma tradição mar- contribuir para que estratégias de me-
45

fotos: UN photo/JC McIlwaine/ Eskinder Debebe/ Paulo Filgueiras

No Oriente Médio, o Brasil é visto pelos lados em conflito como


interlocutor fiável, cuja opinião tem peso na região e fora dela.

diação, de solução política, de prevenção MLRV: Num mundo crescentemente mes contribuições para a construção e o
de conflitos e de promoção de arranjos globalizado, países como o Brasil não desenvolvimento do Brasil, do que são
para garantir a sustentabilidade da paz podem se isolar dos problemas inter- exemplos sempre lembrados a consoli-
ganhassem maior impulso e espaço. Num nacionais ou permanecer inteiramente dação de nossas fronteiras e, no passado
ambiente em que ficaram mais visíveis imunes a seus impactos. Assim, interes- recente, a transformação de uma poten-
tanto as vantagens quanto as tensões sa ao Brasil influir no encaminhamento cial rivalidade regional em uma relação
decorrentes de um CSNU multipolar, o das questões internacionais para defen- de cooperação e integração econômi-
Brasil trabalhou para construir alternati- der seus interesses, na medida de nossas ca. Tenho certeza de que a diplomacia
vas de solução, procurando explorar o es- possibilidades e necessidades. Em mui- brasileira vai continuar a oferecer con-
paço político gerado pelo engessamento, tas questões, temos peso e condições tribuição vital para o desenvolvimento
em extremos opostos, das posições dos de fazê-lo. Onde, quando e como atuar brasileiro. Apesar do rigor com que nós,
principais atores. Exemplo desse esforço deve ser objeto de contínua análise e brasileiros, geralmente julgamos a nós
foi a negociação sobre a Síria, que já men- ponderação. mesmos, é preciso agir com a consciên-
cionei. — cia de que o Brasil é um país importante
 — JUCA: À luz de sua experiência, que no cenário internacional e tem significa-
JUCA: O Brasil é candidato a um as- lições a senhora deixaria para as pró- tiva capacidade de influência.
sento permanente no CSNU. Conside- ximas gerações de diplomatas? Não devemos subestimar o capital
rando essa ambição, a senhora acre- MLRV: Acreditem no Brasil e acreditem positivo que acumulamos ao longo de
dita que o Brasil deve expandir sua na diplomacia, ferramenta importantís- tantos anos. Precisamos trabalhar tanto
atuação internacional e posicionar-se sima para que a inserção internacional para preservar e ampliar esse capital,
sobre questões de paz e segurança do Brasil se dê em termos mais favorá- quanto para utilizá-lo em favor dos obje-
globais? veis. A diplomacia brasileira já deu enor- tivos de nossa política externa. — J
Dossiê

foto: UN photo/Victoria Hazou

Os Estados não se encontram iso-


lados na comunidade internacional, ha-

As Nações vendo os progressos científicos e tec-


nológicos aplicados às ferramentas de

Unidas, o Brasil
comunicação e de transporte permitido
intensificar tratativas interestatais, bem
como facilitado o deslocamento de cida-

e a Transferência
dãos ao redor do mundo. Além do aumen-
to dos fluxos migratórios, outra situação
merece atenção crescente na atualidade:
o aumento da criminalidade organizada

de Pessoas
transnacional. Hoje é cada vez mais co-
mum que criminosos cometam infrações
penais alhures, sendo, consequentemen-

Condenadas
te, condenados pela Justiça de Estados
estrangeiros. No Brasil, há atualmente
cerca de 3.000 estrangeiros em estabele-
cimentos prisionais espalhados pelo ter-
ritório nacional, seja respondendo a pro-
cessos penais ou cumprindo penas. Desse
Rafael Braga Veloso Pacheco
total, cerca de 90% possuem envolvimen-
to com o tráfico internacional de drogas.
47

Aproximadamente três mil


estrangeiros respondem a processos
penais ou cumprem penas em
estabelecimentos prisionais no Brasil.

Nesse contexto, deve-se considerar, No Brasil, o perfil desses estrangeiros do instituto: a transferência somente po-
de acordo com o Direito Penal, qual se mostra, em muitas ocasiões, seme- derá ocorrer mediante pedido expresso
seria o papel primordial da imposição lhante: pessoas de origem humilde, com do interessado. Antes de se aprofundar a
de uma pena. Consoante a doutrina e baixa instrução e que, devido a dificul- discussão, entretanto, faz-se necessária
a legislação criminal de diversos Esta- dades econômicas, aceitam promessas análise acerca da fundamentação jurídi-
dos, seu principal objetivo – incluindo irrecusáveis para transportar substâncias ca subjacente, bem como das diretrizes
o da pena privativa de liberdade – é ilícitas ao exterior. Muitos tentam, inge- formuladas pela ONU sobre o assunto.
proporcionar efetiva ressocialização do nuamente, embarcar com entorpecentes No âmbito da ONU, o Pacto Interna-
criminoso, de modo que, cumprida in- na bagagem de mão, ignorando os moder- cional sobre Direitos Civis e Políticos,
tegralmente a reprimenda, ele não volte nos mecanismos de inspeção; outros em- de 1966, afirma, em seu art. 10, que “toda
a delinquir. No Brasil, o art. 1º da Lei de pregam engenhosas táticas para burlar a pessoa privada de sua liberdade deverá
Execuções Penais afirma que “a execu- segurança aeroportuária, como a coloca- ser tratada com humanidade e respeito
ção penal tem por objetivo efetivar as ção de substâncias proibidas em fundos à dignidade inerente à pessoa humana”
disposições de sentença ou decisão cri- falsos de malas e em produtos de beleza. e que “o regime penitenciário consistirá
minal e proporcionar condições para a A nacionalidade desses estrangeiros é va- num tratamento cujo objetivo principal
harmônica integração social do conde- riada. Em sua grande maioria, entretan- seja a reforma e a reabilitação normal
nado e do internado”. to, a população carcerária estrangeira no dos prisioneiros”. A ressocialização de
No caso de pessoas que cumprem Brasil, por continentes, é proveniente de prisioneiros assume, assim, caráter no-
pena em estabelecimentos penais es- Bolívia, Paraguai, Peru e Colômbia; Nigé- tório de Direitos Humanos, pois é abor-
trangeiros, alguns questionamentos de- ria, Angola e África do Sul; Espanha, Por- dada em um dos principais tratados so-
vem ser feitos: como proporcionar uma tugal e Itália; Tailândia e Filipinas. bre esse ramo do Direito Internacional
efetiva reinserção à sociedade de um es- A esta altura, o leitor pode questio- Público já assinados na ONU, que não
trangeiro que não domina o idioma local nar: qual a relação das Nações Unidas poderia ficar alheia ao debate.
e se encontra longe de seus familiares? com esta problemática? E como o Brasil Posteriormente, criou-se, em 1997, o
Como conceder a presos estrangeiros os pode contribuir positivamente para o Escritório das Nações Unidas sobre Dro-
benefícios previstos nas leis de execução tratamento do tema? A resposta mate- gas e Crimes, com sede em Viena, com
penal, quando eles estão em situação rializa-se no desenvolvimento de ferra- o objetivo de assistir a ONU na atuação
migratória irregular e são impedidos, menta jurídica intitulada Transferência em questões como o tráfico internacional
assim, de procurar emprego e moradia? de Pessoas Condenadas, a qual vem re- e o uso abusivo de drogas; a prevenção
Diante de constrangimentos como esses, cebendo atenção crescente internacio- do crime; a justiça criminal; o terroris-
muitos juízes acabam por negar a presos nalmente, inclusive no Brasil. Referido mo internacional e a corrupção. Essas
estrangeiros a concessão de benefícios mecanismo pode ser conceituado como atribuições são realizadas por meio da
previstos na legislação, como progres- ferramenta de cooperação jurídica in- promoção e de uma abordagem próxima
são de regime de cumprimento de pena ternacional que promove o tratamento dos Direitos Humanos, como pode ser
– por exemplo, do fechado para o semia- justo, a reabilitação social de prisionei- interpretado dos documentos intitulados
berto –, suspensão condicional da pena ros e a efetiva aplicação da lei penal dos Drug control, crime prevention and crimi-
e livramento condicional, frustrando Estados, contribuindo para que crimino- nal justice: A human rights perspective, de
uma efetiva reinserção dessas pessoas sos não voltem a delinquir. Importante 2010, e UNODC and the promotion and
na vida em sociedade. ressaltar, também, o caráter voluntário protection of human rights, de 2012.
Dossiê

intergovernamentais. O texto-modelo foi gola, Argentina, Bolívia, Canadá, Chile,


Como reintegrar apresentado no 7º Congresso, em 1985. Espanha, Panamá, Paraguai, Peru, Reino
à sociedade um Desde então, a ONU tem estimulado a di- Unido e Países Baixos) e três convenções
vulgação dessa ferramenta, inclusive no multilaterais (MERCOSUL, Convenção
estrangeiro que contexto de outras iniciativas, como por Interamericana e Convenção da CPLP).
exemplo a Convenção das Nações Uni- Estão em andamento negociações com
não domina o das contra a Criminalidade Organizada diversos países, como Alemanha, Austrá-
Transnacional (Convenção de Palermo), lia, Bulgária, França e Suíça, sendo que
idioma local e que que aborda a questão da transferência acordos negociados com Japão, Itália e
se encontra longe de presos, e o UNODC Counter-Piracy Turquia, dentre outros, aguardam apro-
Programme, que se preocupa com o jul- vação do Congresso.
de seus familiares? gamento e o tratamento de criminosos No Brasil, o primeiro desafio decorre
envolvidos com a pirataria. de que a única fundamentação jurídica
Como resultado dos esforços da possível para a transferência é a vigência,
ONU, dois instrumentos regionais en- para o País, de tratado internacional sobre
traram em vigor ainda nas últimas déca- o tema, dada a inexistência de previsão
Antes mesmo, no entanto, da cria- das do século passado. A Convenção de legal na Lei nº 6.815/1980, o Estatuto do
ção do UNODC, que atualmente possui Estrasburgo, negociada no Conselho da Estrangeiro, que a permita com base em
importante papel na divulgação do me- Europa, vige desde 1985 e possui, atual- compromisso de reciprocidade – diferen-
canismo, as Nações Unidas já demons- mente, 64 Estados Partes. A Convenção temente do que ocorre com o instituto
travam sua preocupação em promover Interamericana sobre o Cumprimento da extradição. Outro desafio se refere ao
o instituto da Transferência de Pessoas de Sentenças Penais no Exterior, em vi- posicionamento sobre qual Estado seria
Condenadas. Em 1975, no 5º Congresso gor desde 1996, foi negociada na OEA e, competente para conceder medidas de
das Nações Unidas sobre a Prevenção do na atualidade, 17 Estados integram seu clemência à pessoa condenada. Atualmen-
Crime e o Tratamento do Criminoso, a texto. Ambos os instrumentos permitem te, com base no referido princípio da so-
ONU já recomendava que, para facilitar o a adesão de países de fora das respecti- berania das jurisdições nacionais, o Brasil
retorno aos países de origem de pessoas vas regiões. O Brasil ratificou a Conven- considera que somente o Estado senten-
que cumpriam pena em Estados estran- ção Interamericana em 2001 e a pro- ciador teria competência para conceder
geiros, políticas deveriam ser elaboradas, mulgou em seu ordenamento jurídico anistia, graça ou indulto ao condenado, ca-
por meio da cooperação regional e de tra- em 2007. A multilateralidade que trans- bendo ao Estado recebedor apenas execu-
tados bilaterais sobre o tema. Em 1980, bordou o aspecto regional desses textos tar a decisão. Isso limita as possibilidades
no 6º Congresso, elaboraram-se prin- é comprovada pelo fato de que muitos de atuação, pois há países que defendem
cípios básicos sobre a Transferência de Estados integram ambas as Convenções. que ambos os Estados teriam competên-
Pessoas Condenadas, com destaque para A respeito da visão brasileira, é notó- cia para conceder referidas medidas de
a valorização da soberania e da jurisdição rio que o País dispensa grande relevância clemência. Esse posicionamento impe-
nacionais – de modo que o Estado que re- ao instituto da Transferência de Pessoas diu, até o momento, que o Brasil aderisse
cebesse a pessoa condenada não pudesse Condenadas. O primeiro acordo desse à Convenção de Estrasburgo e dificultou a
modificar decisão imposta pela Justiça gênero negociado pelo Brasil foi com o negociação de alguns instrumentos bilate-
de outro país. Na ocasião, os membros do Canadá. Em vigor desde 1998, repercu- rais – por exemplo, com a França.
Comitê sobre o Controle e a Prevenção do tiu na imprensa brasileira por beneficiar Não obstante esses constrangimen-
Crime – o antecessor da Comissão sobre criminosos canadenses condenados pela tos, o País tem ampliado seus esforços
Prevenção ao Crime e Justiça Criminal Justiça brasileira pelo envolvimento no negociadores, principalmente com paí-
– foram encorajados a elaborar acordo- sequestro do empresário Abílio Diniz, ses onde há considerável número de pre-
modelo sobre o instituto e que pudesse em São Paulo. Estão em vigor para o País, sos brasileiros (Itália, França, Alemanha,
servir de parâmetro para negociações atualmente, 11 acordos bilaterais (An- África do Sul, Austrália) e com países que
49

Antes mesmo da criação do


UNODC, as Nações Unidas
já demonstravam sua
preocupação em promover o
instituto da Transferência de
foto: UN photo

Pessoas Condenadas.

possuem muitos de seus nacionais cum- prevendo expressamente a formulação de minalidade é a promoção da reinserção
prindo pena no Brasil (Nigéria, Colôm- pedidos com base em promessa de recipro- efetiva e benéfica de criminosos à socie-
bia, Romênia, Bulgária, Tailândia). cidade. O contínuo debate sobre o tema, no dade, objetivo para o qual contribui de
Até fins de 2014, o Brasil logrou tra- seio das Nações Unidas e em outras orga- maneira decisiva a aplicação, de forma
zer para o território nacional 140 brasi- nizações internacionais, certamente con- plena, da lei de execução penal dos di-
leiros que cumpriam pena no exterior, tribuirá para o amadurecimento e o apri- versos países, incluindo medidas rigo-
bem como permitiu o retorno aos países moramento da abordagem que o Estado rosas e benefícios no cumprimento da
de origem de 99 presos estrangeiros que brasileiro vem dispensando ao tema. pena. A Transferência de Pessoas Con-
cumpriam sentenças penais no País. Por A perspectiva humanista, nesse senti- denadas vai ao encontro dessas dire-
meio de adoção de medidas internas, o do, deverá sempre prevalecer nesse pro- trizes, promovendo não somente o tra-
número de transferências efetivadas po- cesso de aperfeiçoamento multilateral tamento justo e a reabilitação social de
deria crescer exponencialmente. É o caso, e brasileiro do instituto da Transferên- prisioneiros, como também favorecendo
por exemplo, de proposta legislativa em cia de Pessoas Condenadas, devendo o a efetiva aplicação da lei penal dos Esta-
trâmite no Congresso Nacional que visa princípio da dignidade da pessoa huma- dos. O Brasil vem atuando nesse sentido,
a atualizar o Estatuto do Estrangeiro, in- na ser sempre seu maior paradigma. É e a prioridade crescente dispensada ao
cluindo disciplina legal específica sobre quase consensual que uma das melhores tema demonstra que esse movimento
a Transferência de Pessoas Condenadas, maneiras de obstar o incremento da cri- tende a ser inexorável. — J

Leia mais

UN Handbook on the International Transfer of Sentenced Persons, disponível em https://www.unodc.org/documents/organized-crime/


Publications/Transfer_of_Sentenced_Persons_Ebook_E.pdf
UNODC and the promotion and protection of human rights, disponível em
https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/UNODC_Human_rights_position_paper_2012.pdf
Drug control, crime prevention and criminal justice:
A Human Rights perspective, disponível em https://www.unodc.org/documents/commissions/CCPCJ/CCPCJ_Sessions/CCPCJ_19/E-CN15-
2010-CRP1_E-CN7-2010-CRP6/E-CN15-2010-CRP1_E-CN7-2010-CRP6.pdf
Dossiê

Governo das
Nações Unidas?
A administração internacional de territórios se intensifica, susci-
ta apreensões pela expansão indevida de seus mandatos, mas deve
permanecer como opção à comunidade internacional em casos
mais graves de conflito armado e de dissolução do aparato estatal

Vinícius Fox Drummond Cançado Trindade

Menina com bandeira da ONU, no Camboja,


em janeiro de 1993.

FOTO: UN Photo/P Sacaud


51

FOTO: UN Photo/John Isaac

Barco de Patrulha da ONU percorre o Rio


Mecong, no contexto das operações da Governar territórios deixou de ser Posteriormente, a Carta das Nações Uni-
Autoridade Interina das Nações Unidas
exclusividade dos Estados. É pouco pro- das manteve essa lógica, por meio do sis-
no Camboja (UNTAC), que assumiu a co-
administração do país entre 1992 e 1993. vável que até mesmo os teóricos da cria- tema de tutela. No entanto, é também fe-
ção de um Estado federal mundial — Hans nômeno novo, porquanto organizações
Kelsen, por exemplo — pudessem antever internacionais vêm ocupando esse papel
que as Nações Unidas seriam capazes de, outrora conferido a Estados — dando
décadas depois de sua criação, regular os continuidade às breves experiências da
setores bancário e de telecomunicações Liga das Nações nas questões de Letícia,
de um território, definir o regime de con- do Sarre e da Cidade de Danzig.
tratos para a venda internacional de bens, Foi no pós-Guerra Fria que se in-
instituir juízes, promulgar legislação pe- tensificaram as experiências de admi-
nal, determinar remédios constitucionais nistração pela ONU, com a inclusão de
e exonerar funcionários públicos. Vimos, componentes civis em missões de ma-
no entanto, as Nações Unidas desempe- nutenção da paz, imbuídos da noção de
nharem essas funções — e outras mais — peacebuilding, o que exigia a resolução
no Kosovo e no Timor-Leste, assumindo das causas mais profundas dos confli-
grandes responsabilidades e encarando tos. Dessa forma, foi possível dissociar
desafios únicos em sua história, o que le- a administração internacional da gestão
vou o Relatório Brahimi até mesmo a in- por Estados estrangeiros, o que foi rece-
dagar se “the United Nations should be in bido de maneira positiva pela comuni-
this business at all”. dade internacional, graças à percepção
A administração internacional de de maior neutralidade na atuação das
territórios é fenômeno tanto antigo organizações internacionais. Ainda as-
quanto novo. Antigo porque, desde o sé- sim, a administração por organizações
culo XIX e, principalmente, a partir da internacionais não deixou de causar
criação da Liga das Nações, Estados re- certa apreensão com a possibilidade de
alizaram a administração direta de ter- expansão indevida dos mandatos e de
ritórios mediante o sistema de mandato. violações de soberania.
Dossiê
FOTO: UN Photo/Ferdi Limani

Sede da Missão de Administração Interina


das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK) em
Pristina, Kosovo, em abril de 2007.

A administração de territórios pelas A principal inovação, no entanto, os mandatos definidos pelo CSNU para
Nações Unidas tem ocorrido de maneira ocorreu na seara da administração di- as missões de paz; por outro, como au-
direta e indireta. A administração indire- reta, na qual as Nações Unidas exercem toridade doméstica, ao adotar atos com
ta, também denominada de co-adminis- autoridade exclusiva e completa sobre o efeito interno direto sobre o ordena-
tração, ocorre quando o Representante território, com amplas funções legislati- mento jurídico local. O impacto domés-
Especial do Secretário-Geral das Nações vas, executivas e judiciais. A administra- tico da administração internacional é
Unidas (SGNU) exerce certa forma de ção direta verificou-se, primeiramente, tema inescapável em eventuais debates
poder concomitantemente ao governo na Eslavônia Oriental (UNTAES), em sobre a matéria. Além de as lideranças
local. A co-administração foi autorizada 1995, quando se conferiu às Nações Uni- locais se apresentarem como interlocu-
pelo Conselho de Segurança das Nações das controle administrativo completo tores essenciais para o êxito da missão
Unidas no Camboja, em 1992, quando a sobre o antigo território da Republika de paz, a garantia de níveis satisfatórios
UNTAC (Autoridade Interina das Na- Srpska Krajina, no contexto das guerras de representatividade é de extrema im-
ções Unidas no Camboja) recebeu com- de dissolução da Iugoslávia. O mandato portância para contornar problemas de
petência administrativa e legislativa para da UNTAES foi extinto dois anos depois, legitimidade e de efetividade.
organizar o processo eleitoral, bem como momento em que se transferiu o poder Uma das missões mais abrangentes
poderes judiciais para investigar e punir sobre o território para a Croácia. Apesar da ONU, a UNMIK desempenhou im-
responsáveis por graves violações de di- dessa breve experiência inicial, os casos portantes funções civis administrativas,
reitos humanos no país. A experiência de mais paradigmáticos de administração com o propósito de desenvolvimento de
co-administração foi estendida, também, direta de territórios foram o do Kosovo instituições democráticas e autônomas
para a Somália (UNOSOM II), em 1993, (UNMIK) e o de Timor-Leste (UNTA- de governo no território, o que contri-
tendo o Representante Especial promul- ET), em 1999. buiu para evitar a deflagração de novo
gado novo código penal no país e intro- conflito generalizado na região. Ao ar-
duzido importantes garantias judiciais, Do Kosovo a Timor-Leste rogar-se autoridade sobre o Executivo,
como o habeas corpus. Experiência seme- A UNMIK e a UNTAET foram casos Legislativo e Judiciário (Regulamento
lhante foi implementada na Bósnia-Her- emblemáticos, em que os Representan- 1/1999), a UNMIK pôde definir as leis
zegovina, em 1995, com a criação de um tes do SGNU atuaram de maneira dúpli- aplicáveis ao território, nomear e exone-
regime de co-administração para efetivar ce. Por um lado, agiram como alta auto- rar funcionários públicos e juízes, criar
os termos do Acordo de Paz de Dayton. ridade das Nações Unidas, ao cumprir tribunais, instituir administradores re-
53

gionais e municipais, estabelecer o Ban- bases para um novo Estado, mantendo a Constituição do país, em março de 2002.
co Central e regular os setores de teleco- ordem, provendo segurança e auxilian- As eleições presidenciais ocorreram em
municações e de venda internacional de do na capacitação para um autogoverno seguida, em abril de 2002, com a vitória
bens. Em suma, a UNMIK estabeleceu do povo timorense. Na UNTAET, o cargo de Xanana Gusmão, seguida da declara-
um novo arcabouço jurídico-institucio- de Representante Especial do SGNU foi ção de independência e do encerramento
nal no Kosovo, que culminou na adoção ocupado pelo brasileiro Sérgio Vieira de da administração internacional.
pelo Representante do SGNU de um Mello, que recebeu do CSNU amplos po-
marco constitucional. Paulatinamente, deres na seara executiva, legislativa e ju- Estado de Direito e Legitimidade
as funções de governo foram transfe- diciária. Não obstante, optou-se por man- A administração direta de territórios
ridas para as autoridades locais, até o ter em vigor a maior parte das leis, desde pelas Nações Unidas suscita importantes
momento em que a declaração de inde- que estivessem em conformidade com os questionamentos. No âmbito jurídico, a
pendência interrompeu a administração tratados universais de direitos humanos. primeira questão levantada é a ausência
internacional do território. Em termos administrativos, garantiu-se a de dispositivo na Carta que confira ex-
Embora tenha exercido funções tra- participação dos timorenses em áreas de pressamente às Nações Unidas o poder
dicionalmente associadas a Estados, a atuação do governo, o que se refletiu na de realizar a administração de territórios.
UNMIK não estabeleceu mecanismos criação do Conselho Nacional de Consul- O que mais próximo se assemelha ao re-
de prestação de contas à população ou ta e do Conselho de Ministros. No âmbito ferido fundamento é o artigo 81, embora
de controle de legalidade de seus atos. judiciário, a UNTAET criou comissões de esse dispositivo esteja inserido no capí-
O problema da responsabilização agra- seleção, composta por nacionais e estran- tulo XII, sobre o sistema de tutela. Con-
vou-se com a decisão que excluiu os atos geiros, para a escolha de timorenses en- quanto essa discussão permaneça em
da UNMIK da jurisdição dos tribunais carregados de julgar graves violações de aberto, parece correto que o capítulo XII
nacionais (Regulamento 47/2000), fir- direitos humanos. seja interpretado de maneira teleológica,
mando o entendimento de que seus fun- A UNTAET foi eficiente em seu pro- para tornar efetivo o propósito de regular
cionários tinham imunidade absoluta a pósito de apoiar a construção de um auto- a administração civil de territórios pelas
qualquer processo jurídico. governo, envolvendo a população local na Nações Unidas. Além da interpretação
A UNTAET tomou rumo distinto, criação do novo Estado. Em 2001, iniciou teleológica, é possível recorrer ao prin-
mais pragmático e de maior contato com a o processo constituinte em Timor-Leste cípio dos poderes implícitos das Nações
população local. Diferentemente da UN- (Regulamento 2001/2), que culminou na Unidas para fundamentar sua competên-
MIK, no que concerne a seu mandado, a eleição para os membros da Assembleia cia em autorizar a administração de terri-
UNTAET tinha objetivo expresso de criar Constituinte e na posterior elaboração da tórios fora do sistema de tutela. Ademais
FOTO: UN Photo/Eskinder Debebe

O então Secretário-Geral da ONU, Kofi


Annan, recebido por Xanana Gusmão,
em Dili, em fevereiro de 2000. À direita, o
Representante Especial do Secretário-Geral
na UNTAET, Sérgio Vieira de Mello.
Dossiê

dos poderes implícitos, há autores que to, assim como a possibilidade de desen- mandato ou tutela. Em primeiro lugar,
defendem a existência de poderes cos- volver maiores mecanismos de controle. missões como a UNMIK e a UNTAET
tumeiros, que decorrem de prática rei- Essas são algumas questões que já vêm fundamentaram-se no consentimento
terada das Nações Unidas que não tenha sendo debatidas tanto na Assembleia local e no exercício da autoridade pelo
sofrido a objeção dos Estados Membros. Geral quanto na Comissão de Direito CSNU, à luz do capítulo VII da Carta,
Além do fundamento jurídico, ques- Internacional. A título de exemplo, em com caráter temporário e transitório,
tiona-se a extensão dos poderes da au- 2013, a VI Comissão da AGNU debateu sob o monitoramento do Departamen-
toridade administradora. As operações a responsabilidade criminal de funcio- to de Operações de Manutenção da Paz.
de administração internacional empre- nários e especialistas das Nações Unidas Ademais, resultaram de um processo de
endidas pelas Nações Unidas são apro- em missão. Em 2014, constou como item observância das regras de direito inter-
vadas por resolução do CSNU, tornan- de sua agenda a responsabilidade de or- nacional público e de deliberação entre
do-se órgãos subsidiários do Conselho, ganizações internacionais. Membros de uma organização represen-
como ocorreu nos casos da Eslavônia A administração de territórios pelas tativa da comunidade internacional.
Oriental, de Kosovo e do Timor Leste. Nações Unidas apresenta maior legiti- Para garantir um expressivo nível de
Cabe avaliar até que ponto o CSNU pode midade do que os antigos sistemas de legitimidade às missões internacionais
delegar amplos poderes à autoridade
administradora, sem um robusto siste-
ma de controle de seus atos. Discute-se,
igualmente, a possibilidade de outras
organizações internacionais, de caráter
regional, encarregarem-se da adminis-
tração de territórios — como ocorreu
no caso de Mostar, mediante decisão do
Conselho da União Europeia. Nessa hi-
pótese, parece correta a interpretação
que indica a necessidade de autorização
do CSNU, sobretudo quando a operação
apresenta natureza coercitiva.
Outro desafio jurídico, que ganha es-
paço no debate internacional, diz respei-
to à responsabilidade das Nações Unidas
pelos atos de seus agentes. Uma opera-
ção de administração internacional deve
observar uma série de imperativos de
direito internacional geral, que incluem
normas de jus cogens, bem como regras
de direito internacional dos direitos hu-
manos e de direito internacional huma-
nitário. Não obstante essas obrigações
gerais, ainda não há consenso acerca
da responsabilidade de organizações
internacionais por atos cometidos no
exercício do mandato de uma operação
FOTO: UN Photo/Mark Garten

de administração de territórios. Cabe,


também, verificar a extensão dos pri-
vilégios e imunidades dos funcionários
que atuam para a consecução do manda-
55

de administração, é necessária a adoção tal para a consagração do Estado de Di- com o propósito de manutenção da paz
de formas mais satisfatórias de controle reito na comunidade internacional. e segurança internacionais. Apesar das
de legalidade, de prestação de contas e Nos mecanismos de mandato e de tu- propostas malogradas de gestão de Tries-
de co-administração junto às popula- tela, houve grande desconfiança quanto te, de Jerusalém e da Namíbia, a fórmu-
ções locais. Além disso, diversos outros aos reais interesses do governo exercido la da administração internacional direta
mecanismos de controle, cujos graus de por Estados estrangeiros. No caso das poderá ser aventada, também, como so-
institucionalidade variam significativa- Nações Unidas, é significativa a percep- lução temporária em casos de territórios
mente, poderiam ser aventados: siste- ção de que seu governo é isento e melhor sob disputa entre Estados, como ocorreu
mas de petições individuais, ombudsper- posicionado para zelar pelos interesses na Liga das Nações. Por fim, permanece-
son, comissões de reparações e extensão da população local. Para além das experi- rá igualmente disponível aos Estados sob
dos mandatos de órgãos convencionais ências no Kosovo e no Timor-Leste, a op- ocupação, sobretudo quando a potência
de monitoramento já existentes no sis- ção da administração direta permanecerá ocupante tiver abdicado da responsabili-
tema das Nações Unidas. Legitimidade disponível à comunidade internacional dade de proteger a população civil e zelar
e legalidade devem caminhar em estrita em casos mais agravados de conflito ar- pelos interesses locais. — J
consonância, como requisito fundamen- mado e de dissolução do aparato estatal,

Leia mais

FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrise da. O Brasil e as Ope-


rações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Brasília: FUNAG,
1999.

PATRIOTA, Antonio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a


Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de seguran-
ça coletiva. Brasília: FUNAG, 1998.

UZIEL, Eduardo. O Conselho de Segurança, as missões de paz e


o Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas.
Brasília: FUNAG, 2015.

BÖHLKE, Marcelo. A proibição do uso da força no direito interna-


cional contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.

TRINDADE, Otávio Augusto Drummond Cançado. A Carta das


Nações Unidas: uma leitura constitucional. Belo Horizonte: Del
Rey, 2012.

O Representante Especial do Secretário-


Geral na UNMIK, Farid Zarif, dirige-se ao
Conselho de Segurança. Nova York, agosto
de 2014.
Diplomacia e Política Internacional

O BRASIL NO CENTRO DO MUNDO:

OS GRANDES
EVENTOS DE JULHO
DE 2014 E A ATUAÇÃO
DO ITAMARATY
Felipe Neves Caetano Ribeiro
e Fernanda Carvalho Dal Piaz

Em julho de 2014, o Brasil sediou o maior


evento esportivo do mundo e uma das mais
importantes reuniões da agenda internacional
contemporânea, a VI Cúpula BRICS. Tanto
a Copa do Mundo quanto a reunião das
principais potências emergentes tiveram – e
têm – implicações significativas para a política
externa brasileira, em geral, e para o trabalho
do Itamaraty, em particular. Nas próximas
páginas, vamos explorar um pouco mais os
eventos que colocaram o Brasil no centro das
atenções internacionais durante aquele mês.
57

Foto: Danilo Borges/Portal da Copa/divulgação

Estádio Mané Garrincha, em Brasília, durante o confronto entre


Brasil e Camarões, na primeira fase da Copa do Mundo de 2014.

A COPA DO MUNDO

No dia 18 de agosto de 2004, poucas evento foi um dos fatores que estimu- Além de ser uma linguagem univer-
horas antes de entrarem no pequeno lou o então chanceler brasileiro, o Em- sal, o esporte é, em termos práticos, o
estádio Sylvio Cator, em Porto Príncipe, baixador Celso Amorim, a usar o espor- setor da economia mundial que mais
os jogadores da seleção brasileira desfi- te como estratégia de política externa. cresce. Logo, era mais que natural que
laram em carros das Nações Unidas pe- Como consequência, não tardou os gestores da nossa política externa
las ruas da capital haitiana. No jogo que para que fosse criada, na Secretaria de se interessassem pelo tema, principal-
se seguiu, o Brasil venceu o Haiti por Estado das Relações Exteriores (SERE), mente quando se consideram as cre-
6x0, mas a derrota não abalou a euforia a Coordenadoria-Geral de Intercâmbio denciais do Brasil. Atualmente, o Ita-
da população local com a presença dos e Cooperação Esportiva (GCCE), cari- maraty é uma das únicas chancelarias
brasileiros. nhosamente conhecida, nos corredores do mundo que tem uma unidade espe-
O “Jogo da Paz”, como ficou conhe- do Itamaraty, como CGBola. A unidade cífica para tratar de esporte.
cida a partida, marcou o início da lide- surgiu da constatação de que o espor- Para a Embaixadora Vera Cíntia Al-
rança militar brasileira na Missão das te é um instrumento de diplomacia e varez, chefe da CGCE, a importância do
Nações Unidas para a Estabilização deve, portanto, ser concebido como um esporte para a consolidação dos objetivos
no Haiti (MINUSTAH). O sucesso do tema de política externa. de política externa brasileira é clara. Em
Diplomacia e Política Internacional
Foto: MRE/divulgação

Embaixada do Brasil em Londres, iluminada


com as cores da bandeira do Brasil.

primeiro lugar, o esporte contribui para Para organizar a Copa, o Brasil as- mento de seleções. A missão desses fun-
o desenvolvimento do nosso país, favore- sinou uma espécie de “contrato” com a cionários era garantir a articulação com
cendo a criação de empregos e a inclusão FIFA, em que cada Ministério teria res- órgãos e agências presentes nos Cen-
social. Em segundo lugar, a cooperação es- ponsabilidades específicas. Ao Itamara- tros Integrados de Comando e Controle
portiva possibilita estreitar laços político- ty cabia, por exemplo, garantir que todos (CICC). Finalmente, coube ao Itamaraty
diplomáticos com outros países. Por fim, o os países fossem tratados de forma igua- desempenhar funções de Cerimonial e
esporte tem importância fundamental na litária. Nesse sentido, o MRE trabalhou Protocolo, recebendo delegações lide-
projeção da imagem do Brasil no exterior. ativamente na orientação e no apoio aos radas por altas autoridades estrangeiras,
“Por muito tempo, os grandes eventos es- serviços consulares estrangeiros, prin- como Chefes e Vice-Chefes de Estado
portivos, que são a culminância do espor- cipalmente na concessão de vistos para e de Governo. Trinta e três dignitários
te, eram feitos, de modo geral, ou na Euro- turistas que vinham assistir aos jogos.
pa ou nos Estados Unidos. Esse foi um dos Todos os torcedores com ingresso para
argumentos do Brasil na briga para sediar jogos da Copa e um documento de via- “A contribuição do
os Jogos. Mais recentemente, os países do gem válido teriam acesso ao visto (com
BRICS, que em 2020 comporão metade exceção de pessoas que tivessem nomes cerimonial consiste em
do PIB mundial, começaram a sediar es- em listas da ABIN e da Interpol, ou de
ses eventos. Isso é bastante significativo”, membros de torcidas organizadas fi- montar o palco para
observa a Embaixadora. chados pelas polícias locais. Alguns tor-
A escolha do Brasil como sede da cedores da Barra Brava argentina, por
que o show aconteça.
Copa do Mundo não foi tão disputada exemplo, foram barrados). A invisibilidade é a
quanto a eleição do Rio de Janeiro para Funcionários do Itamaraty também
receber as Olimpíadas de 2016. Em 2007, atuaram em ocorrências envolvendo grande contribuição do
a FIFA ainda definia os países sedes com torcedores estrangeiros. Estima-se que
base no rodízio de continentes. Em 2014, mais de 3.200 torcedores estrangeiros cerimonial para a política
a Copa deveria ser organizada por um dos foram atendidos pela estrutura opera-
externa brasileira.”
membros da Confederação Sul-America- cional do Ministério. Além disso, houve
na de Futebol (CONMEBOL) e, naquele representantes do MRE em plantão nas
Embaixador Fernando Igreja,
contexto, a concorrência para a definição 12 cidades-sede e em duas cidades – Vi- Chefe do Cerimonial
do Brasil como país sede era menor. tória e Aracaju – com centro de treina-
59

estrangeiros fizeram-se presentes no elaboração de um artigo, assinado por tria, em Bogotá, também ganharam as
evento, incluindo todos os líderes dos Pelé, na qualidade de Embaixador Ho- cores verde e amarela.
países do BRICS, que, após o evento, se norário do Brasil para a Copa do Mun- A cem dias para a Copa, a ação de
dirigiram a Fortaleza para reunião de do da Fifa Brasil 2014. Por meio de cir- divulgação do país enfrentou a reper-
cúpula do agrupamento. cular telegráfica, a Secretaria de Estado cussão das manifestações populares
A Copa do Mundo de futebol atrai a instruiu todos as Embaixadas do Brasil de junho de 2013. Em que pesem as
atenção do planeta como nenhum outro no exterior a divulgar o artigo. No total, críticas, é notório que grandes eventos
evento esportivo. A Fifa estima que 1 bi- o texto foi publicado em 48 países. Fal- têm sido hospedados, cada vez mais,
lhão de pessoas assistiram à final da Copa tando cem dias para a Copa, a carta do por grandes países emergentes. Além
de 2014 entre Alemanha e Argentina, um ex-jogador Ronaldo Fenômeno (“Con- do Brasil, que vive sua década espor-
recorde histórico. Para a diplomacia bra- tando os dias para o Brasil receber o tiva, iniciada em 2007 com os Jogos
sileira, os principais ganhos resultam da show do futebol”) também foi divul- Pan-Americanos, todos os países do
oportunidade de promover a imagem do gada em todos os países com os quais BRICS sediaram grandes eventos nos
Brasil no exterior. Mais do que promover, o Brasil mantém relações diplomáticas. últimos anos. Tal fenômeno sugere
a Embaixadora Vera Lúcia acredita que Além disso, o Itamaraty estendeu a que a emergência de novos polos de
devemos atualizar a imagem do Brasil, campanha da Presidência da República poder na política internacional tam-
uma vez que o país passou, recentemen- de iluminar todos os monumentos bra- bém tem reflexos no campo do espor-
te, por crescimento econômico que é des- sileiros de verde e amarelo a dezenas de te, área que, há mais de uma década,
conhecido de boa parte do mundo. postos no exterior. Monumentos públi- o Embaixador Celso Amorim consi-
Como marco dos 1.000 dias para a cos de outros países, como o “Gateway derou estratégica para os objetivos de
Copa do Mundo, a CGCE coordenou a of India”, em Mumbai, e a Torre Colpa- política externa.

A década esportiva
O Brasil sediou e sediará grandes eventos
esportivos em uma década, o que resulta
Foto: Planalto/divulgação

em oportunidades de promoção e de atua-


lização da imagem do país no exterior:
2007: Jogos Pan-Americanos
2011: Jogos Mundiais Militares
2013: Copa das Confederações
2014: Copa do Mundo
2015: Jogos Mundiais dos Povos Indígenas
2016: Jogos Olímpicos e Paralímpicos

Sequência de grandes eventos


sediados pelos BRICS
2008: Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de
Beijing, China
2010: Copa do Mundo da África do Sul
2010: Jogos da Commonwealth, Índia
2014: Jogos Olímpicos de Inverno de Sóchi,
Rússia
Briefing sobre a Copa do Mundo
2018: a Copa do Mundo será sediada na Rússia
no Itamaraty.
Diplomacia e Política Internacional
Foto: Planalto/divulgação

Líderes dos BRICS e da América do Sul reunidos


em Brasília, para a VI Cúpula BRICS.

VI Cúpula BRICS

Simultaneamente à Copa do Mundo, cesso em ambos os aspectos fortaleceu a za, reunião dos Ministros das Finanças
ocorriam os preparativos para a VI Cúpu- imagem brasileira no exterior. e Presidentes dos Bancos Centrais, reu-
la BRICS, marco da presidência brasileira A escolha de Fortaleza como sede da nião dos Ministros de Comércio, reunião
desse agrupamento e do início do segun- Cúpula BRICS gerava, por si só, alguns dos Presidentes dos Bancos de desen-
do ciclo do grupo, após cada país ter se- desafios, que poderiam ter implicações volvimento nacional, Foro Empresarial
diado uma reunião de líderes. no sucesso do evento: a falta de uma rede e encontro do Conselho Empresarial do
A Cúpula, que teve sua agenda divi- hoteleira que comportasse as necessida- BRICS. No dia 15 de julho, ocorreu, tam-
dida entre as cidades de Brasília e For- des dos chefes de Estado e de suas dele- bém em Fortaleza, a reunião dos chefes
taleza, recebeu grande atenção da im- gações, ou mesmo o desafio de montar, de Estado e de Governo dos BRICS, em
prensa e da comunidade internacional, dentro do Centro de Eventos do Ceará evento que abrangia uma reunião de
contribuindo para colocar o Brasil no (CEC), a estrutura necessária para o bom cúpula, o almoço entre os líderes, uma
centro do mundo, em um momento em andamento da Cúpula e das demais ativi- reunião plenária e um show cultural. No
que se avaliavam tanto a capacidade bra- dades que o evento comportava. dia 16 de julho, houve, em Brasília, a reu-
sileira de organizar um megaevento es- O evento teve lugar nos dias 14, 15 e nião do BRICS com todos presidentes
portivo quanto a capacidade do BRICS 16 de julho, envolvendo as seguintes reu- da América do Sul, além da reunião en-
de produzir iniciativas concretas. O su- niões: no dia 14, ocorreram, em Fortale- tre China, Brasil e o quarteto da CELAC,
61

composto à época por Costa Rica, Cuba,


A Cúpula contribuiu Em julho de 2014, além de sediar um
Equador e São Vicente e Granadinas. para colocar o Brasil no dos mais importantes eventos esporti-
Ainda no dia 18 de julho, a Presidenta da vos do mundo, o Brasil tornou-se um
República reuniu-se com o então Presi- centro do mundo, em hub da política internacional. A capaci-
dente da Comissão da União Europeia, dade de convocatória brasileira, reflexo
Durão Barroso. um momento em que da legitimidade da política externa do
A realização da VI Cúpula BRICS re-
se avaliavam tanto a País, traduziu-se na presença dos líderes
presentou um fortalecimento do multi- dos BRICS, além dos Presidentes de to-
lateralismo, ao reunir cinco importantes capacidade brasileira dos os países da América do Sul e de paí-
polos da política mundial com os líderes ses centro-americanos e caribenhos, que
de diversos países latino-americanos. de organizar um debateram, em Brasília, temas de inte-
No âmbito da governança financeira resse comum. Em um processo coerente
mundial, a Cúpula, cujo tema era “Cres-
megaevento esportivo de fortalecimento do multilateralismo, o
cimento Inclusivo, Soluções Sustentá-
quanto a capacidade Brasil, nesta década, tem-se engajado no
veis”, chegou a ser comparada por se- recebimento de grandes eventos como
tores da imprensa à reunião de Bretton do BRICS de produzir a Rio+20, cujo legado de lançamento de
Woods, devido ao anúncio da criação do processos, como os Objetivos do Desen-
Banco de Desenvolvimento do BRICS e iniciativas concretas. volvimento Sustentável, soma-se aos es-
do Arranjo Contingencial de Reservas. forços dos BRICS em Brasília e em For-
Nas palavras do Embaixador Flávio Da- Interbancária. A Declaração de Fortale- taleza para promover um crescimento
mico, chefe do Departamento de Me- za, em que os líderes expressam consen- inclusivo, com soluções sustentáveis.
canismos Inter-regionais do Itamaraty sos acerca de diversos tópicos da agenda Os eventos de julho de 2014 deixam
(DMR), a comparação entre as institui- internacional, aborda ainda temas como como legado, além da criação de insti-
ções criadas na VI cúpula BRICS e as os 70 anos das Organização das Nações tuições que devem robustecer o cará-
instituições de Bretton Woods, embora Unidas e a necessidade de reforma de ter democrático da governança global
demonstre a relevância adquirida pelo suas instituições; a situação na Ucrânia; e o fortalecimento da imagem do País,
evento sob a ótica da imprensa interna- reformas no FMI e a relação entre segu- o exemplo de como a política externa
cional, é “exagerada e fora de lugar”. Se- rança e desenvolvimento. pode ser efetiva na obtenção de resul-
gundo o Embaixador, “pela primeira vez, Muitas das decisões tomadas em tados concretos, mesmo em um cenário
o BRICS ia além da crítica às instituições Fortaleza deverão produzir maiores de adversidade e de ceticismo. Esse ce-
financeiras internacionais e passava a efeitos a longo prazo. O funcionamento ticismo recaía tanto sobre a organização
oferecer dois bens públicos globais, si- do Banco de Desenvolvimento do BRICS da Copa quanto sobre o futuro do BRICS,
nalizando a maturidade e a competência e do Arranjo Contingencial de Reservas, tema sobre o qual muitos preferem res-
do agrupamento. Nesse caso, o que você por exemplo, depende, conforme ressal- saltar as diferenças entre os países, ao
tem são instituições complementares às tado pelo Embaixador Damico, de dois invés de concentrar-se nos interesses
que já existem”. processos distintos: “um processo ju- comuns. Para os dois terceiros-secre-
Além da criação do Banco de Desen- rídico-legislativo, que tem a ver com o tários redatores deste artigo, além dos
volvimento e do Arranjo Contingencial encaminhamento da aprovação desses legados já mencionados, permanecem
de Reservas, a VI Cúpula BRICS resul- tratados pelos respectivos parlamentos também o exemplo de comprometimen-
tou na assinatura do Entendimento para e, por outro lado, um processo organi- to das diversas áreas do Itamaraty en-
a Cooperação Técnica entre as Agências zacional de estruturação dessas institui- volvidas na realização desses eventos e
de Crédito e Garantias às Exportações ções que vem correndo em paralelo. De- a criatividade e a coerência da política
dos cinco países e na assinatura de um ve-se definir desde políticas de pessoal externa nacional. — J
Acordo de Cooperação em Inovação no até a própria política de empréstimo que
âmbito de Mecanismos de Cooperação o Banco deve seguir...”.
Diplomacia e Política Internacional
Foto: Herbert de Magalhães Drummond Neto/acervo pessoal

Nas trincheiras
da diplomacia
As condições de vida e trabalho dos funcionários do Serviço
Exterior Brasileiro nos chamados ‘postos de sacrifício’ passam
longe da imagem da diplomacia de ‘punhos de renda’

Tainã Leite Novaes


63
Há alguns anos, estava bastante popu- relatos de diplomatas dos mais variados como alguns dos mais interessantes do
lar propaganda de marca de chocolates níveis hierárquicos que servem ou já nosso Serviço Exterior.
que, ao querer identificar seu produto serviram nos ‘Postos D’ do Serviço Exte-
com ambientes de requinte e sofistica- rior Brasileiro. O dia-a-dia nos Postos D
ção, apresentava-o sendo servido “nas É importante esclarecer, para quem Entre os servidores do Itamaraty,
recepções do Embaixador”. não está familiarizado com a estrutura não é incomum que os Postos D sejam
A propaganda, veiculada em diver- do Itamaraty, que o Ministério das Rela- identificados como “Postos De sacrifí-
sos países, traz, em seu âmago, a imagem ções Exteriores do Brasil classifica seus cio”. Embora todo processo de remoção
amplamente difundida da diplomacia Postos no exterior, para fins de movi- acarrete sua cota de sacrifício, as con-
de “punhos de renda” – o estereótipo mentação de pessoal, em quatro grupos dições de vida e trabalho nos Postos D
do diplomata como um bon vivant, cuja – A, B, C e D –, segundo o grau de repre- são bem diferentes daquelas verificadas
principal atividade é frequentar festas sentatividade da missão, as condições no chamado “circuito Elizabeth Arden”
regadas a champanhe e caviar. específicas de vida na sede e a conve- (capitais de tradicional prestígio cul-
Embora o luxo e o glamour povoem niência da Administração. Distância do tural, político e socioeconômico, como
o imaginário relativo ao universo diplo- Brasil, índice de desenvolvimento hu- Roma, Paris, Londres e Washington).
mático, a realidade dos funcionários do mano, custo de vida, representatividade Na República da Guiné, por exemplo,
Serviço Exterior – não somente brasilei- política, questões de segurança: tudo energia elétrica é, ainda, uma raridade,
ro, como da maioria dos países – é algo influencia na classificação de um Posto. inclusive nos bairros mais ‘luxuosos’ de
mais complexa. Diversas foram as histórias de ex- Conacri, como nota o Ministro Conse-
A fim de tentar desmistificar a ima- periências em Postos D ouvidas pela lheiro Alírio de Oliveira Ramos, nosso
gem muitas vezes contraproducente reportagem da JUCA. Não poderemos Encarregado de Negócios en pied naque-
que, não raro, se tem da carreira diplo- contar tudo o que nos foi relatado. To- le país. Saneamento básico também é um
mática, e buscar exaltar o trabalho rea- davia, ao final da matéria, o leitor terá grave problema, bem como a maioria dos
lizado por servidores do Estado brasilei- um panorama geral do que significa serviços públicos que demandem algum
ro alocados em alguns dos mais ermos servir em Postos que, não obstante as tipo de infraestrutura. “Em Conacri não
rincões do planeta, a JUCA foi atrás de inúmeras dificuldades, se afiguram há sistema de transporte público. Quem

As Espadas de Qadissiya, na Zona Verde


de Bagdá, são arcos erguidos para celebrar
vitória em batalha da guerra Irã-Iraque.
No chão, capacetes de soldados iranianos
mortos durante o conflito. Nessa avenida,
que leva à Embaixada brasileira, Saddam
Hussein realizava suas paradas militares.
Diplomacia e Política Internacional

Foto: Sylvain Liechti/divulgação


Foto: Martine Perret/divulgação

Em Conacri, na Guiné Equatorial, epidemia do ebola gerou clima Em Kinshasa, na República Democrática do Congo, é preciso
de apreensão e ainda exige procedimentos preventivos. estar alerta aos sintomas da malária.

não tem o seu próprio veículo, se deslo- la] provocou uma paranoia na população das prateleiras dos supermercados. Afora
ca em táxis populares ou vans (sempre e o êxodo de levas de estrangeiros. Com o esses, não sofremos outro inconveniente
superlotadas). [A cidade] não conta se- tempo, todos aqui aprendemos a lidar com provocado pelo ebola. As pessoas saem à
quer com um sinal de trânsito. Belas pi- a praga, que, a esta altura, se encontra em rua como sempre fizeram, as lojas estão
ck-ups de último tipo disputam espaço fase de regressão. Aprendemos que o ebo- abertas, os supermercados razoavelmen-
com velhas charangas em ruas estreitas, la é muito letal, mas de difícil propagação. te bem abastecidos. Enfim, a vida segue
sem calçadas, com esgotos a céu aberto”, Nenhum estrangeiro residente na Guiné normalmente, como era antes da eclosão
complementa. até hoje [fevereiro de 2015] foi infectado da epidemia.”
À infraestrutura precária de Conacri pelo ebola”, nos explica, novamente, o Mi-
soma-se o fato de praticamente inexis- nistro-Conselheiro Alírio.
tirem, na cidade, opções de lazer. Nem Ainda segundo o Encarregado de Ne-
mesmo as praias, que poderiam consti- gócios na República da Guiné, são poucos “A malária pode ser
tuir alternativa acessível a toda a popu- os inconvenientes decorrentes da epi-
lação, são aproveitadas, uma vez que, em demia que os expatriados residentes em
grave. Em mais de
face da inexistência de serviço público Conacri continuam até agora a enfrentar,
uma ocasião levou à
de coleta de lixo, estas encontram-se como o controle sanitário a que têm que
totalmente poluídas. A questão do lixo se submeter para entrar no aeroporto in- morte de funcionários
preocupa ainda mais em um contexto ternacional, nos hospitais, em algumas
em que malária, meningite, cólera e ou- lojas e restaurantes. “Nessas ocasiões, do Serviço Exterior
tras enfermidades são endêmicas. é tomada a nossa temperatura com um
Há pouco mais de um ano, além de termômetro telemétrico e há a obrigato-
Brasileiro. Porém, se
todos os desafios já enfrentados pela po- riedade de lavarmos as mãos com gel ger- diagnosticada no seu
pulação guineana e pela comunidade de micida, ou água com cloro. Outro incon-
expatriados residentes no país, estes pas- veniente é a redução do número de voos início, é perfeitamente
saram a conviver com uma epidemia de internacionais. Como a frequência da
ebola. “Nos dois ou três primeiros meses chegada de navios também diminuiu, al- curável.”
depois da sua eclosão, [a epidemia de ebo- guns artigos importados desapareceram
Antônio Carlos de Salles Menezes,
Ministro de Segunda Classe
65

À criminalidade urbana, fortemente influenciada pelo imenso abismo


social existente na maioria desses países, soma-se, muitas vezes, a violência
decorrente de conflitos armados e de atos de terrorismo que, não raro, têm nos
agentes internacionais alvos valiosos para seus atentados.

Ainda mais crônica que a epidemia Enquanto servia em Uagadugu (Burkina maioria desses países, soma-se, muitas
de ebola é a endemia de malária em di- Faso), onde abriu nossa Embaixada, em vezes, a violência decorrente de confli-
versos países africanos. Se o ebola e o 2008, ele contraiu malária duas vezes. tos armados e de atos de terrorismo, que,
cólera tendem a vitimar, predominante- Da segunda vez, precisou ser transferi- não raro, têm nos agentes internacionais
mente, parcelas da população sem aces- do para tratamento em Paris, pois os re- alvos valiosos para seus atentados.
so a condições sanitárias minimamente cursos disponíveis em Uagadugu já não Segundo o Conselheiro Comissiona-
dignas, a malária se difunde de forma garantiam a preservação de sua vida. do e Encarregado de Negócios brasilei-
mais indiscriminada, uma vez que é Conforme relata, sua situação agra- ro a.i. em Bagdá, Herbert de Magalhães
transmitida por picada de mosquito. vou-se porque demorou a procurar Dummond Neto, “apesar [de a cidade]
Como conta o Secretário Thiago Vi- tratamento. Acometido por uma febre já ter sido vítima de diversas guerras e
dal, que serviu em Kinshasa (República na noite de uma sexta-feira, o Ministro bombardeios, a infraestrutura é relativa-
Democrática do Congo) e hoje serve na buscou um médico apenas na segunda- mente boa. Na opinião do Conselheiro,
Missão Permanente do Brasil Junto às feira seguinte, quando a doença já ha- no caso de Bagdá, a maior dificuldade
Nações Unidas, em Nova York, não exis- via evoluído significativamente. Diante é viver em confinamento. “A situação
te vacina para a malária – tal como exis- de um quadro bastante perigoso, ele foi de insegurança na capital iraquiana im-
te para a febre amarela, por exemplo –, transportado para ser tratado na França, pede que circulemos livremente pelas
mas existe um medicamento preventivo, onde se curou, embora ficasse com uma ruas. Dessa forma, somente saímos das
que se toma, geralmente, antes de partir sequela: a perda parcial da audição de instalações do compound brasileiro para
em missões mais curtas, de alguns dias um dos ouvidos, em decorrência da oto- reuniões oficiais ou eventos em espaços
ou poucas semanas. No entanto, não se toxidade do tratamento. Mesmo assim, protegidos. Na maioria das vezes, a equi-
indica a quimioprofilaxia por períodos o Ministro Antônio Carlos refere-se de pe de segurança é enviada previamente
muito prolongados, já que pode causar forma saudosa a seu tempo em Burkina ao local, de forma a fazer o reconheci-
efeitos colaterais perigosos. Nesse sen- Faso e não vê a hora de retornar ao con- mento do caminho e de possíveis ro-
tido, o mais indicado é sempre procurar tinente africano, onde vai assumir a che- tas de fuga, caso haja necessidade. Isso
um especialista em casos de febre. fia do Posto em Lomé, no Togo. “A doen- implica, também, o distanciamento de
O próprio Thiago Vidal nos con- ça pode ser grave”, afirma o Ministro – e nossa família, cuja presença na cidade é
ta que chegou a contrair malária uma aqui vale lembrar que, em mais de uma impraticável.”
vez, enquanto servia em Kinshasa, e, situação, já levou a óbito funcionários Para os funcionários da Embaixada em
embora tivesse sido infectado por um do Serviço Exterior Brasileiro –, “mas é Bagdá, como se pode prever, não há op-
dos mais perigosos parasitas da malá- perfeitamente curável, se detectada no ções de diversão externa, como cinemas,
ria, o plasmodium falciparum, que pode início”, complementa. teatros, restaurantes, ou qualquer outro
atacar o cérebro, levando o paciente a Além da infraestrutura precária, das tipo de atividade que exija sair das insta-
óbito, conseguiu recuperar-se rapida- endemias e das epidemias que assolam lações do Posto. “Por isso, nossos colegas
mente, pois, já nos primeiros sinais de diversos dos Postos D, outra preocu- passam a ser nossa família, e a boa convi-
febre, procurou um médico e iniciou o pação fundamental de quem serve em vência e o respeito são fundamentais para
tratamento intensivo. tais localidades refere-se às questões de que tudo funcione bem e possamos ser mi-
No caso do Ministro Antônio Carlos segurança. À violência urbana e à cri- nimamente felizes aqui”, diz Herbert.
de Salles Menezes, no entanto, o con- minalidade, fortemente influenciadas Outro exemplo de cidade onde a
tágio pela malária foi bem mais grave. pelo imenso abismo social existente na condição de segurança é bastante com-
Diplomacia e Política Internacional

plicada é Islamabade. De acordo com o Thomaz continua: “Islamabade é um Unidos; contra os dois ao mesmo tempo;
Secretário Thomaz Napoleão, que ser- pouco mais segura, mas tinha um preço contra a Índia. As manifestações eram um
viu na capital paquistanesa e hoje está para essa segurança. Esses checkpoints mi- tanto quanto violentas por lá, e aí a cidade
na Missão Permanente do Brasil Junto litares eram um pouco onipresentes. No fechava. E aí as Embaixadas fechavam, in-
às Nações Unidas, Islamabade é uma ci- começo era muito estranho. Para entrar clusive a nossa. Talvez sete ou oito vezes
dade bastante militarizada. “Em pratica- no McDonald’s, por exemplo, precisa pas- a Embaixada teve que fechar, durante o
mente todas as avenidas havia checkpoints sar pelo detector de metais! Tem barreiras tempo que eu estava lá, por protestos vio-
militares, especialmente perto dos luga- antibombas! Isso no McDonald’s, que dirá lentos. O pior foi lá por 2012, quando lan-
res mais sensíveis – órgãos do governo, nos ministérios, nos prédios mais visados,
grandes Embaixadas –, mas mesmo as nos hotéis mais chiques. Enfim, tinha uma
zonas mais residenciais, que, teorica- paranoia com segurança. A gente tinha,
mente, seriam mais tranquilas, tinham na Embaixada, uma série de medidas e de “Para um jovem
policiamento superintenso, porque o políticas relativamente a isso. Tínhamos
problema do terrorismo lá é muito real. duas empresas contratadas para garantir
diplomata, além da
O Paquistão, praticamente diariamen- nossa segurança. Havia seguranças arma- experiência de campo,
te, tem atentados terroristas. Não tanto dos na Embaixada, na Residência do Em-
Islamabade, que é relativamente mais baixador e nas casas de cada um dos di- Postos D trazem,
calma que o resto do país. Antes de eu plomatas e demais servidores do quadro.
ir para lá, houve o processo de democra- Uma das empresas de segurança fornecia ainda, a possibilidade
tização do Paquistão, que foi muito aci- os guardas e a outra era uma empresa de
dentado. Naquela época, houve uma se- inteligência, que conseguia prever quan-
de compreender o
quência de atentados muito grande em do ia haver manifestações violentas, por funcionamento completo
Islamabade, mas desde então a cidade é exemplo, que, muitas vezes, eram um pro-
relativamente calma. É bem mais tran- blema maior que o terrorismo. Não contra de uma Embaixada.”
quilo que a fronteira com o Afeganistão, o Brasil, mas havia manifestações contra o
que Peshawar, que Karachi.” governo [paquistanês]; contra os Estados João Zanini,
Terceiro-Secretário

As peculiaridades da vida em Pyongyang foto: Leonardo Jannuzzi/acervo pessoal

O dia a dia de um funcionário do Serviço Exterior na Coreia do


Norte é uma realidade à parte. O problema da violência urbana
é praticamente inexistente, mas a cidade apresenta especifici-
dades que tornam a vida de um expatriado bastante complexa.
No que concerne à infraestrutura, embora as dificuldades se-
jam menores que em vários outros Postos D, elas existem. A
água é racionada, de modo que, durante boa parte do dia, o
abastecimento é cortado. Em relação à eletricidade, no bair-
ro diplomático, ela é constante, mas é intermitente em vastas
áreas de Pyongyang. Em diversas partes da cidade, a ilumina-
ção pública é inexistente, o que dificulta a circulação à noite.
Devido, em parte, a restrições governamentais e, em parte,
às sanções impostas ao país pela comunidade internacional,
o acesso a alguns serviços básicos para o funcionamento de
uma Embaixada, como internet e serviços bancários, é bas-
tante limitado na Coreia do Norte. O Secretário Leonardo Jan-
nuzzi, que participou da missão de abertura da nossa repre-
sentação naquele país, em 2008, nos conta que para realizar
qualquer operação financeira, desde o pagamento de contas
até o saque de efetivo para o custeio rotineiro da missão, é pre-
67

çaram [na Califórnia] um vídeo que tirava nito para se conhecer – era necessário em Guiné-Bissau e em Burkina Faso. “Em
sarro do Profeta Maomé – Innocence of ter uma autorização do governo, que ge- Guiné-Bissau, quando voltava para a Em-
Muslims –, e houve protestos contra aque- ralmente vinha, a não ser para algumas baixada em horários não previsíveis, via
le vídeo, o que fez que o Youtube inteiro regiões mais perigosas, que o governo uma fila de pessoas no portão. Muitas
fosse banido no Paquistão. A Embaixada não autorizava. Ou seja, havia restrições. vezes de madrugada.  Fui entender que
teve que fechar durante dois dias. Eram Segurança era um problema sério, e o o guarda noturno cobrava 5 centavos de
protestos enormes, em alguns casos vio- governo não queria, de maneira alguma, dólar para deixar que as pessoas carregas-
lentos, contra a Embaixada americana. A que um ocidental, um brasileiro, fosse sem o celular na guarita. Era a taxa mais
nossa [Embaixada] ficava em outro bairro, sequestrado. A gente se acostumou com barata cobrada pelos guardas de Embai-
mas, ainda assim, qualquer Embaixada era esses protocolos de segurança, mas isso xadas. Poucos eram os lugares que tinham
alvo. A nossa menos, mas, ainda assim, não limitava nosso movimento.” eletricidade na cidade”, complementa.
podia bobear”. João destaca a importância dos ‘Pos-
Thomaz recorda, ainda, algumas das A realidade do terreno tos de sacrifício’ na formação de um di-
medidas e procedimentos adotados no Apesar de todas as dificuldades, para plomata. “Acho contraditório quando
dia a dia. “Teoricamente, nenhum de quem encara o novo com coração e men- vejo colegas trabalhando com direitos
nós, servidores da Embaixada, pode- te abertos, as experiências nos Postos D, humanos disputarem Genebra ou Postos
ria sair sozinho pela rua. Não que fosse na opinião unânime dos nossos entre- A. Não dá para falar sobre segurança ali-
proibido por lei, mas tinha uma política vistados, são sempre bastante enrique- mentar fazendo o circuito Brasília-Roma.
na Embaixada que sempre deveria haver cedoras, tanto em termos profissionais Lembro da biografia do Sérgio Vieira [de
com a gente algum segurança. Sincera- quanto pessoais. Mello]. Ele dizia para esquecer o caminho
mente, às vezes a gente quebrava essa “Todo lugar tem sua cultura, e – não normal da carreira de diplomata da ONU
regra, mas o Embaixador jamais estava sou acadêmico para discutir isso – Postos e ir para o terreno. E ele foi: Moçambique,
desacompanhado. O Embaixador tinha difíceis têm um aspecto cultural distinto”, Bangladesh, Camboja, Líbano.”
um carro blindado. Os outros tínhamos nos conta o Secretário João Zanini, nosso Para um jovem diplomata, além da
carros, mas não eram blindados. Para Encarregado de Negócios, a.i., em Coto- experiência de campo, Postos D trazem,
viajar – o Paquistão é um país muito bo- nou, mas que também já serviu no Togo, ainda, a possibilidade de compreender

foto: Leonardo Jannuzzi/acervo pessoal

ciso ir até Pequim, onde se encontra o banco em que a Embaixada


tem conta. Até mesmo para a compra de alguns insumos, como
determinados alimentos ou certas peças para a manutenção, às
vezes é necessário ir à China.
Leonardo nos conta ainda que as idas periódicas a Pequim, para
cumprir com as obrigações financeiras da Embaixada, são, tam-
bém, uma oportunidade de ver algo diferente, de sair de uma ro-
tina de pouquíssimas opções de lazer em Pyongyang.
A grande distância do Brasil é uma dificuldade a mais, bem como
o fuso-horário de doze horas, que torna bastante difícil comuni-
car-se seja com a Secretaria de Estado, seja com a família.
Ainda assim, ele ressalta a importância da sua experiência. “An-
tes de ir, eu já sabia que seria difícil, e eu não me arrependo. Eu
tinha muito interesse de ir para a Coreia do Norte. Acho que foi
uma época muito boa”. Para ele, a experiência foi fundamental
na sua formação enquanto diplomata, bem como para o seu cres-
cimento como ser humano.

Em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, a violência não é um


problema, mas o isolamento político do país impõe vida social restrita.
Diplomacia e Política Internacional

o funcionamento completo de uma Em-


baixada. Se, em Postos maiores, cada
Foto: Thomaz Napoleão/acervo pessoal

diplomata tende a cuidar de um tema


específico, em Postos pequenos, os pou-
cos diplomatas – quando não o único
– cuidarão de assuntos diversos. Todos
os entrevistados concordam que é um
aprendizado singular.
Além disso, em Postos D, um Tercei-
ro-Secretário (TS) terá um grau de inter-
locução com o governo local impensável
em Postos A ou B. Como o TS assume, em
diversas oportunidades, a encarregatura
de negócios do Posto, não raro tem con-
tato com altas autoridades locais. “Esse
mês, conversei com o Presidente do Be-
nin”, conta o Secretário João Zanini.
“Você passa a ter acesso a pessoas que
não teria em um Posto grande. Pessoas
preparadas, que sabem te testar. Pessoas
talhadas em experiências de fome, tor-
Apesar da rotina diária de atentados terroristas,
o Paquistão é um país a ser descoberto, com tura, luta armada, ameaça, assassinato
atrações como a Mesquita Faisal, em Islamabade. em família, doença, e uma série de outras
coisas que os fazem muito difíceis de do-
brar. É uma aula diária”, complementa.
Ademais, em visitas de autoridades
do alto escalão do governo brasileiro,
muitas vezes será o TS o responsável por
Foto: Thomaz Napoleão/acervo pessoal

acompanhá-las durante sua estadia no


país. Foi o que aconteceu, por exemplo,
com a Secretária Lara Lobo, que teve a
oportunidade de acompanhar, em qua-
tro situações diferentes, o à época Mi-
nistro de Estado, Embaixador Antonio
Patriota, o ex-presidente Lula, o então
Presidente do Supremo Tribunal Fede-
ral, Joaquim Barbosa, e o nosso atual
Chanceler, Embaixador Mauro Vieira,
durante suas passagens por Acra.

Sacrifício gratificante
Mesmo com as dificuldades, os di-
plomatas entrevistados pela JUCA mos-
traram-se extremamente realizados com
suas experiências. Nem a infraestrutura
Vista de Islamabade, capital do Paquistão, onde
o procedimento padrão recomenda que nenhum
precária, nem as endemias e epidemias,
servidor da Embaixada brasileira saia às ruas nem as questões de segurança impedi-
sem estar acompanhado de segurança.
69

Foto: Thomaz Napoleão/acervo pessoal

As cores e a diversidade do comércio popular


nas ruas de Islamabade.

ram a realização profissional e pessoal. A dades materiais extremas na adminis- metáfora das trincheiras pode ser apli-
grande dificuldade dos Postos D parece tração da Embaixada em Cotonou, con- cada, especialmente, aos Postos D.
ser mesmo a escassez de recursos mate- ta: “Já teve Embaixada em que cheguei Por trincheiras, entendemos lugares
riais e humanos verificada em diversas e a bandeira do Brasil estava rasgada! Se que, ao mesmo tempo em que exigem
das nossas Embaixadas menores. O Mi- a engrenagem não funciona, a represen- enorme dose de sacrifício dos comba-
nistro-Conselheiro Alírio Ramos, único tação do Brasil fica com imagem ruim, tentes, são essenciais para o triunfo de
funcionário do Serviço Exterior Brasilei- sem material, com serviço consular pa- qualquer campanha militar. O mesmo
ro em Conacri, fala que é como ser golei- rado, imagem desgastada”. pode ser dito a respeito dos Postos mais
ro, zagueiro e centro-avante ao mesmo Em seu discurso de posse, o Minis- difíceis do nosso Serviço Exterior: é neles
tempo. “Tenho sobrecarga de trabalho, tro de Estado das Relações Exteriores, que se desenvolve a nossa ‘diplomacia do
como muitos outros colegas de Embai- Embaixador Mauro Vieira, aproveitou front’. E como é neles que a nossa presen-
xadas no continente africano. Apesar das para transmitir “uma palavra especial ça, muitas vezes, ainda está por consoli-
rotineiras horas de trabalho noite adentro, aos colegas do Serviço Exterior que se dar-se, é neles que podemos obter os me-
devo identificar, no início de cada jornada encontram por todo o mundo, nas trin- lhores resultados, em termos relativos,
de trabalho, entre as muitas urgências do cheiras da nossa diplomacia”. Embora o para a nossa política externa. — J
serviço, aquelas mais prioritárias.” Chanceler tenha-se referido a todos os
João Zanini, que enfrentou dificul- Postos do Serviço Exterior brasileiro, a
Diplomacia e Política Internacional

Foto: CPLP/divulgação

O Chefe da Missão de Observação Eleitoral da


CPLP às eleições de 2014 em Moçambique, Pedro
Pires, concede entrevista coletiva.

Em 2014, comemorou-se o 40º aniversá-


rio da Revolução dos Cravos, em Portugal,

Democracia em
bem como da independência de uma série
de países africanos de língua oficial portu-
guesa: Angola, Cabo Verde, Moçambique,

bom Português
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Em
2015, os 30 anos da redemocratização bra-
sileira coincidem com um contexto inter-
nacional de crescente atuação da Comu-
As missões de observação eleitoral da Comunidade nidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP) nos esforços para a consolidação da
dos Países de Língua Portuguesa assumem papel democracia em seus países membros. Nesse
cada vez mais relevante nos esforços para a sentido, as Missões de Observação Eleito-
ral (MOE) realizadas pela organização têm
consolidação de democracias jovens e em gestação oferecido uma contribuição valiosa, não so-
mente para os países observados, mas tam-
bém para os próprios Estados observadores.
Tainã Leite Novaes
71

Foto: CPLP/divulgação
Em 2014, Moçambique realizou
o quinto pleito presidencial e
legislativo de sua história.

A CPLP é um foro multilateral pri- palmente em contextos pós-conflito –, para a Democracia e Assistência Elei-
vilegiado para o aprofundamento da mas também nos próprios países obser- toral (IDEA - International), segundo
cooperação entre seus membros, com vadores, que, em maior ou menor medi- a qual, esta representaria “recolha sis-
objetivos que vão muito além da pro- da, encontram-se em um contínuo pro- temática de informações relacionadas
moção e da difusão do idioma comum. cesso de consolidação de suas próprias com um processo eleitoral e formulação
Além das ações referentes à divulgação instituições – o regime democrático mais de julgamentos fundados sobre a reali-
da “última flor do Lácio”, a CPLP busca antigo da Comunidade é o português, que zação deste processo a partir das infor-
empreender iniciativas que estimulem a acaba de completar 40 anos; no Brasil, o mações recolhidas por pessoas que não
concertação político-diplomática, além processo de redemocratização apenas estão especificamente autorizadas a in-
da cooperação, nos mais variados âmbi- chegou ao seu 30º aniversário em 2015. terferir no processo e cuja participação
tos, entre seus membros. É nesse senti- Em 22 de julho de 2010, em Luanda, em atividades de mediação não deve ser
do que a CPLP se tem tornado uma das ocorreu a XV Reunião Ordinária do Con- tal que ponha em perigo sua responsabi-
mais importantes instituições atuantes selho de Ministros da CPLP, no contexto lidade de observação”.
em processos de observação eleitoral em da VII Conferência de Chefes de Esta- Nesse sentido, o observador seria
países de língua oficial portuguesa. do e de Governo da Comunidade dos “mera testemunha do processo eleito-
A CPLP foi criada em 17 de julho de Países de Língua Portuguesa. Na época, ral”, não devendo, de forma alguma, nele
1996 e, apenas três anos depois, já parti- completavam-se 11 anos do Referendo interferir, sob pena de colocar em risco
cipava com uma MOE no Referendo so- sobre Autodeterminação de Timor-Les- o princípio da não ingerência. É aspec-
bre a Autodeterminação de Timor-Leste, te, quando a Comunidade realizara sua to fundamental da atuação da CPLP em
em agosto de 1999. Desde então, a CPLP primeira missão de observação eleitoral. processos eleitorais o respeito absoluto
participou de diversos outros processos Com mais de uma década de experiên- à soberania e às leis internas do país ob-
de observação eleitoral, na maioria de cia e mais de uma dúzia de MOEs imple- servado.
seus Estados membros, em quase todos mentadas, a CPLP acumulara um know A CPLP apenas envia MOEs quando
os anos da última década e meia, o que -how que lhe permitiu, naquela ocasião, demandada, e as missões são geralmente
fez com que desenvolvesse um sólido ar- adotar resolução que instituiria o Manu- constituídas por representantes do Se-
cabouço institucional na área. al das Missões de Observação Eleitoral cretariado Executivo e por pelo menos
A presença da CPLP no acompanha- e o Código de Conduta do Observador um representante de cada Estado mem-
mento de processos eleitorais tem-se Eleitoral da CPLP. bro. A fim de garantir a heterogeneidade
revelado muito importante não somente A definição de “Observação Eleito- da missão, além de diplomatas, a CPLP
para a consolidação da democracia nos ral” adotada pelo Manual da CPLP é estimula a inclusão nas MOEs de peritos
Estados membros observados – princi- aquela dada pelo Instituto Internacional em eleições, acadêmicos, juristas, entre
Diplomacia e Política Internacional

Foto: CPLP/divulgação
Histórico de Missões de
Observação Eleitoral da CPLP
 Referendo sobre Autodeterminação de
Timor-Leste (ago/1999);
 Eleições para a Assembleia Constituinte
de Timor-Leste (ago/2001);
 Eleições Presidenciais em Timor-Leste
(abr/2002);
 Eleições Autárquicas em Moçambique
(nov/2003);
 Eleições Legislativas na Guiné-Bissau
(mar/2004);
 Eleições Presidenciais e Legislativas em
Moçambique (dez/2004);
O país anfitrião deve assegurar a liberdade
 Eleições Presidenciais na Guiné-Bissau
de circulação dos observadores eleitorais.
(jul/2005);
 Eleições Legislativas em São Tomé e
Príncipe (mar-abr/2006); outros profissionais, o que permite uma apuramento do escrutínio”. Ademais,
 Eleições Presidenciais em São Tomé e visão mais completa do processo. “deve estabelecer contato com pesso-
Príncipe (jul/2006); No que concerne à figura do obser- as e organismos das diversas esferas de
 Eleições Presidenciais em Timor-Leste
vador, especificamente, este deve atuar atividade do País, nomeadamente: re-
(abr e mai/2007);
como testemunha não somente do es- presentantes de partidos políticos, can-
 Eleições Parlamentares em Timor-Leste
crutínio, mas do processo eleitoral como didatos, administradores e funcionários
(jun/2007);
um todo, inclusive da campanha e da governamentais, responsáveis pela ad-
 Eleições Legislativas em Angola
apuração dos resultados. Para tanto, o ministração eleitoral, sindicatos, organi-
(set/2008);
 Eleições Legislativas na Guiné-Bissau
observador precisa agir em estrita con- zações de defesa dos direitos humanos,
(nov/2008); formidade com a legislação do país onde representantes de grupos étnicos e de
 Eleições Presidenciais na Guiné-Bissau se realiza o sufrágio, bem como com o minorias, líderes religiosos e eleitores”.
(jun e jul/2009); Código de Conduta do Observador Elei- Além da boa atuação do observador,
 Eleições Gerais em Moçambique toral da CPLP e com a Declaração dos para que uma MOE atinja seus objetivos,
(out/2009); Princípios de Observação Eleitoral In- é importante que cubra a maior parcela
 Eleições Gerais em São Tomé e Príncipe ternacional. A partir dos testemunhos possível do território do Estado obser-
(ago/2010); dos diversos observadores da MOE, vado, o que implica a necessidade de o
 Eleições Presidenciais em São Tomé e elabora-se um parecer sobre a credibili- país anfitrião assegurar a liberdade de
Príncipe (jul/2011); dade do processo, baseado em critérios circulação dos observadores.
 Primeiro Turno das Eleições Presiden- relativos à transparência do pleito, ao Seria desejável, ainda, a presença de
ciais na Guiné-Bissau (mar/2012); caráter democrático da eleição e à apli- representantes da MOE in loco durante
 Eleições Presidenciais em Timor-Leste
cação da lei eleitoral. todo o processo eleitoral - meses antes
(abr/2012);
De acordo com o Manual da CPLP, da votação, desde o início das campa-
 Eleições Parlamentares em Timor-Leste
no campo, o observador deve “tomar nhas. Todavia, como isso demandaria
(jul/2012);
nota da localização das seções eleitorais um grande montante de recursos finan-
 Eleições Gerais em Angola (ago/2012);
 Eleições Gerais em Guiné-Bissau
e dos seus horários de funcionamento; ceiros, a CPLP acompanha o processo a
(abr e mai/2014); das condições efetivas da votação; da partir de sua sede, com deslocamentos
 Eleições Gerais em São Tomé e Príncipe presença de representantes dos partidos pontuais ao país onde a MOE ocorrerá.
(out/2014); políticos ou dos candidatos; da qualida- Findo o processo eleitoral, a MOE
 Eleições Gerais em Moçambique de dos agentes encarregados da execu- deve elaborar relatórios estatísticos so-
(out/2014). ção das operações e das condições de bre cada local de votação visitado, os
73

quais conformarão um relatório final Para o Terceiro-Secretário Guilher- tes quanto o de votação na determinação
mais detalhado. Em no máximo 15 dias me Sorgine, que, em 2014, participou dos resultados.
após o encerramento da missão, tal re- como observador brasileiro nas MOEs Além do envio de observadores, o
latório deve ser entregue ao Secretário da CPLP em Guiné-Bissau e Moçambi- Brasil também contribui com o envio
Executivo da CPLP, que o encaminhará que, a grande importância dessas mis- de técnicos eleitorais – técnicos do Tri-
aos Estados membros. O relatório será sões é a de levar os olhos do mundo para bunal Superior Eleitoral e de diversos
objeto de apreciação na primeira reu- lugares extremamente remotos. Em Tribunais Regionais Eleitorais, que au-
nião do Comitê de Concertação Perma- Guiné-Bissau, por exemplo, havia seções xiliam na construção das listas de eleito-
nente realizado após o retorno da MOE. eleitorais montadas ao ar livre, embaixo res, na emissão dos documentos equiva-
de árvores, iluminadas por candeeiros - lentes a títulos de eleitor e nos processos
A participação brasileira e as MOEs estavam lá, para observar e de apuração e divulgação dos resultados.
O Brasil participou de todas as Mis- relatar, ajudando o país em seu processo Ademais, o país sempre convida mem-
sões de Observação Eleitoral da CPLP, de state building. bros das mais altas instâncias eleitorais
desde a primeira, em agosto de 1999, Sorgine relata, ainda, que, embora dos países parceiros para nos visitar
no Referendo sobre Autodeterminação o observador deva sempre atentar para durante eleições, a fim de que possam
de Timor-Leste. Além de ser, junto com o cumprimento de padrões eleitorais acompanhar o gerenciamento de um
Portugal, o maior contribuinte da orga- internacionalmente reconhecidos, sua processo eleitoral em um país continen-
nização, o Brasil sempre envia observa- visão não deve deter-se em pequenos tal, com enorme número de eleitores de-
dores e técnicos, indispensáveis para a problemas, mas deve abarcar o proces- sigualmente distribuídos pelo território.
realização dos pleitos. so como um todo. Sem ser leniente com A construção da democracia é um
Embora o Itamaraty não descarte, fraudes ou qualquer tipo de corrupção, processo longo e complexo, que pode ser
desde que demandado, a participação o foco do observador da CPLP não deve fortalecido pela cooperação entre os Es-
em processos de observação eleitoral recair sobre pequenas irregularidades, tados. No contexto da Comunidade dos
com missão própria – o que já fez no mas sim sobre irregularidades capazes Países de Língua Portuguesa, essa coo-
Haiti, na República Democrática do de influenciar os resultados das eleições. peração faz-se ainda mais importante,
Congo e no Zimbábue, para ficar ape- Para tanto, é importante que a MOE te- pois democracias jovens e democracias
nas com alguns exemplos mais recentes nha observadores nos mais diferentes em gestação têm a oportunidade de aju-
–, a opção tem sido, cada vez mais, por locais do país observado antes, durante dar-se, mutuamente, na consolidação de
participar enquanto membro da CPLP, o e após as eleições - os períodos de cam- suas instituições. — J
que não só confere um elemento a mais panha e de apuração são tão importan-
de legitimidade decorrente da própria
ideia de multilateralismo, como também
ajuda a fortalecer a Comunidade, que já
desponta como instituição modelo na
Foto: CPLP/divulgação

condução de MOEs.
De acordo com o Embaixador Paulo
Cordeiro, que atuou como observador
brasileiro na última MOE da CPLP em
Guiné-Bissau, as modalidades bilate-
ral e multilateral de participação em
processos de observação eleitoral não
são excludentes, mas complementares.
Ademais, ele concorda com a ideia de
que o engajamento brasileiro nas MOEs
da CPLP é um meio de dar maior visi-
bilidade à Comunidade e, consequente-
mente, ajudar no seu processo de con-
solidação. O observador eleitoral deve atuar como testemunha
de todo o processo eleitoral, incluindo a campanha, o
escrutínio e a apuração dos resultados.
Conselheiro Francisco Fontenelle
em sua atividade de divulgação do
Jiu-Jitsu brasileiro.
Foto: divulgação

Jiu-Jitsu com
B de Brasil
Como o apoio ao ensino e à prática do Brazilian Jiu Jitsu pode
contribuir para fortalecer o soft power nacional

Jean Pierre Bianchi


75

Em 20 de dezembro de 1915, chegou a Belém O resultado desse esforço foi a criação de


Mitsuyo Maeda – Conde Koma –, lutador japo- uma modalidade de combate e de autodefesa
nês que introduziu o Jiu-Jitsu no Brasil. Hoje, a bastante eficiente e em constante evolução. Ba-
modalidade está em franca expansão e é prati- seado em alavancas que permitem a neutraliza-
cada em mais de 100 países, levando o nome e a ção da força do adversário, o Jiu-Jitsu Brasileiro
bandeira do Brasil aos quatro cantos do mundo. possibilita ao lutador mais fraco enfrentar ad-
Nesses cem anos de história no país, a Arte Suave versários mais fortes em pé de igualdade. O ad-
evoluiu em bases autóctones, pelas mãos da famí- vento das competições de artes marciais mistas
lia Gracie, até tornar-se conhecida mundialmente (MMA na sigla em inglês), que reúnem lutado-
como Brazilian Jiu-Jitsu (BJJ), uma arte marcial res de diversas escolas diferentes, consagrou o
nova, eficiente e tão sincrética quanto o Brasil. Jiu-Jitsu Brasileiro pela sua eficiência nos com-
Da Finlândia ao Senegal, é imenso o contingen- bates. Hoje, é praticamente inconcebível que um
te de professores dessa arte que emigraram para lutador de ponta não tenha um bom nível de Jiu-
outros países com os ensinamentos na bagagem, Jitsu Brasileiro.
para formar grupos dedicados à prática da moda- A repercussão mundial e o sucesso de even-
lidade brasileira. A difusão do Jiu-Jitsu constitui tos como o Ultimate Fighting Championship
um amplo nicho de soft power ainda subaprovei- (UFC), Pride e outros, aliados ao excelente de-
tado pela diplomacia brasileira, mas que deve ser sempenho dos atletas brasileiros, elevou o nome
objeto de melhor avaliação pelo grande potencial do Jiu-Jitsu e, consequentemente, o Brasil a um
intrínseco para a imagem do país. novo patamar de excelência no esporte. O UFC,
Maeda chegou ao Brasil após haver passado de fato, tem entre seus fundado-
por diversos países demonstrando suas técnicas, res a própria família Gracie.
desafiando outros lutadores e absorvendo ele- Desde o inicio deste tipo
mentos de distintas modalidades como o wres- de competição, o Jiu-
tling, por exemplo. Em Belém, no ano de 1917, Jitsu Brasileiro vem
Conde Koma aceitou Carlos Gracie, então um apresentando nomes
jovem de 14 anos, como seu discípulo. Davam-se de grande enver-
os primeiros passos para o desenvolvimento de gadura nesse cir-
uma luta autenticamente brasileira. cuito. De Rick-
Carlos frequentou as aulas de Maeda son Gracie e
até sua família mudar-se para o Rio de Ja- Royce Gra-
neiro em 1921. Lá, aos 17 anos de idade, cie – filhos
passou os ensinamentos da arte a seus ir- de Hé-
mãos, dentre os quais Hélio Gracie, que,
por ser muito jovem e estar doente à épo-
ca, apenas assistia às aulas sem participar
efetivamente dos treinos; Hélio viria a
aprender a arte com os irmãos após sua re-
cuperação. A família Gracie encabeçada por
Carlos e Hélio – bem como outros discípulos
de Maeda –, passou a desenvolver novos gol-
pes e a renovar as técnicas trazidas do Japão.
Foi nesse contexto que o Jiu-Jitsu contempo-
râneo ganhou forma e abrasileirou-se a ponto
de existir, hoje, uma Federação Japonesa de Jiu-
Jitsu Brasileiro.
o
lgaçã
: divu

Hélio Gracie
Foto
Diplomacia e Política Internacional

lio Gracie –, cujo auge da carreira deu-se na dé- é ensinado como matéria curricular para alu-
cada de 1990, até nomes contemporâneos como nos de 6ª e 7ª séries do ensino fundamental. São
Jose Aldo, Pezão e Toquinho, todos apresentam mais de 40 entidades e cerca de 22 mil crianças
ligação umbilical com a Arte Suave. atendidas pelo projeto que, além dos emiraden-
O reconhecimento da eficiência dessa arte ses, inclui alunos de países como Síria, Iêmen,
marcial vai além do mero desporto para servir, Egito e dos Territórios Palestinos residentes nos
também, de espinha dorsal de treinamentos Emirados Árabes. Os cerca de 100 instrutores e
militares e policiais, mundo afora. As forças de seus assistentes ligados ao projeto são, em sua
segurança precisam ser treinadas para situações imensa maioria, brasileiros, de ambos os sexos,
reais de combate com técnicas eficientes e mui- que optaram por ensinar a Arte Suave longe de
tas lançam mão da arte marcial brasileira. É o casa e da família.
caso, por exemplo, do Exército Norte America- Outro projeto inclusivo ligado ao Jiu-Jitsu é
no, do Exército da Jordânia, das forças da UNI- o Tree of Life, que tem lugar em Israel. Marcos
FIL (Força Interina das Nações
Unidas no Líbano) e tantos ou-
tros que incluem em seus mé-
todos combativos o Jiu-Jitsu
Brasileiro.
Ainda, o Jiu-Jitsu tem um
direcionamento muito forte
para a defesa pessoal. Nesse
sentido, a cada dia ganha mais
popularidade entre agentes de
segurança e pessoas que dese-
jam aliar condicionamento físi-
co à disciplina e à defesa pesso-
al. Por ter esse viés, o Jiu-Jitsu
também vem tendo um papel
importante no empoderamen-
to das mulheres através do es-
porte. É comum encontrar, no
Brasil e no mundo, turmas e
campeonatos de Jiu-Jitsu ex-
clusivamente femininos, que
somente contribuem para a
pluralidade, a popularidade e o
desenvolvimento da arte.
Para além da característi-
ca mais combativa, o Jiu-Jitsu
Brasileiro oferece também um
conteúdo educativo e inclusivo.
Caso emblemático é o progra-
ma levado a cabo nos Emirados
Árabes Unidos onde o Jiu-Jitsu
Foto: divulgação

Carlos Gracie
77

Gorinstein, professor de Jiu-Jitsu e formado em marciais. Hoje em dia, percebo que essa realidade
sociologia, mudou-se para Jerusalém em 2010 vem mudando tanto no que diz respeito ao conhe-
com o objetivo de unir árabes e judeus por meio cimento da arte como à sua prática”, conta ele.
do contato durante a luta de Jiu-Jitsu. Nas au- Não obstante tratar-se de iniciativa isolada e
las ministradas por Gorinstein – em uma escola de caráter pessoal, Chicão levou e continua le-
bilíngue, cujo lema é “Nós nos recusamos a ser vando o Jiu-Jitsu por onde passa. Do Senegal ao
inimigos” –, as crianças aprendem a conviver em Suriname, da Argentina ao Egito, Chicão sempre
harmonia e a respeitar o próximo com base no tratou de ensinar e de divulgar a modalidade em
toque, que inexiste em outras matérias escola- suas missões no exterior. Há ampla aceitação do
res. “Esse contato físico propicia um melhor co- Jiu-Jitsu entre os lutadores de outras escolas,
nhecimento do outro e evita a violência”, afirma dado o renome e a eficiência desse esporte bra-
Marcos. sileiro. Em Cuba, por exemplo, Chicão treinou
Atualmente, os projetos da diplomacia brasi- com agentes de segurança do governo. Já no
leira no sentido de fazer uso do soft power repre- Paraguai, recebeu uma homenagem comovente:
sentado pelo Jiu-Jitsu no exterior são, ainda, in- no dia 20 de setembro de 2014, teve lugar a Copa
cipientes. As ações levadas a cabo pelas missões Francisco Fontenelle, um campeonato de Jiu-Jit-
diplomáticas brasileiras são muito pontuais e, su em Assunção, em tributo ao Conselheiro.
via de regra, reagem a uma demanda do próprio Hoje na Costa Rica, Chicão, 58, continua trei-
país onde estão instaladas. No Marrocos, por nando e orientando os interessados nessa prática
exemplo, a Embaixada brasileira patrocinou em desportiva. “Há trinta anos, as pessoas mal sabiam
2012 a 1ª Copa Embaixador de Jiu-Jitsu, obtendo o que era o Jiu-Jitsu Brasileiro, mas quando che-
grande êxito. Trata-se, no entanto, de iniciativa guei aqui, em 2013, tive o prazer de encontrar aca-
isolada que indica ser possível fazer mais. O Mi- demias já dedicadas ao ensino dessa arte e muita
nistério das Relações Exteriores poderia pensar gente praticando. Isso é muito gratificante para
maneiras de promover o esporte e, com o ele, o mim” diz ele. Esse cenário é fruto direto da imen-
Brasil. Somente nos Estados Unidos são mais de sa leva de instrutores brasileiros que, ao longo dos
300 academias e, em cada uma delas, existe uma anos, emigrou para ensinar a arte marcial.
bandeira brasileira a tremular. O horizonte vai Seria interessante exercício a condução de
muito além, com impacto na área consular: há um recenseamento desses profissionais para po-
uma verdadeira diáspora de instrutores espalha- der dimensionar a abrangência no mundo desse
dos pelo mundo, ensinando essa arte marcial em poder brando e a força que ele representa para a
países tão distantes como Cazaquistão, Angola, difusão cultural do Brasil. Ademais, as missões
Croácia, Catar, Ilhas Maurício, Sérvia, Filipinas, diplomáticas poderiam promover demonstra-
Islândia e Austrália, dentre outros. Em cada um ções com atletas brasileiros de renome e apoiar
desses lugares, é o Brasil e sua cultura que estão competições da modalidade a fim de contribuir
sendo representados por meio do esporte. para a sua popularização, fomentando a insta-
Cabe a lembrança, aqui, de personagem im- lação de academias dedicadas à prática. Outro
portante para a divulgação do Jiu-Jitsu Brasileiro passo importante é a atração dos instrutores e
no exterior: o Conselheiro Francisco Fontenelle, praticantes para outros aspectos da cultura bra-
diplomata de carreira, entusiasta e praticante da sileira como a língua e a música, por exemplo. As
arte marcial. Chicão, como prefere ser chamado, possibilidades são incontáveis para que todo esse
entrou para a carreira diplomática em janeiro de soft power se reverta em melhora da imagem do
1980. “Naquele tempo, antes de as competições Brasil e em maior atração geral por aspectos da
de MMA e a Internet popularizarem a luta, o co- cultura brasileira. Se comparado aos benefícios,
nhecimento do Jiu-Jitsu Brasileiro no exterior o investimento necessário para a posta em prá-
era muito limitado. Entre meus colegas de Chan- tica dessas ações é ínfimo. Nada mais adequado
celaria, era bastante incomum a prática de artes para os dias de hoje. — J
Diplomacia e Política Internacional

Foto: MRE/divulgação

História em quadrinhos na
exposição de 100 anos do
Barão do Rio Branco, em
2012, no Palácio Itamaraty.

A Política Internacional
Traduzida pela Nona Arte
Não é de hoje que as histórias em quadrinhos servem à projeção do soft power,
como estratégia propagandista, recurso de crítica ou apenas transposição da
política internacional para o universo artístico

Leonardo Rocha Bento


79

As manifestações artísticas cons- de seres humanos, as multinacionais do


O Manifesto das Sete Artes, lançado em
tantemente produzem representações petróleo e o comércio de armas.
1912 pelo italiano Ricciotto Canudo, pro-
da política internacional. O atentado A influência do contexto internacio-
pôs uma classificação das expressões ar-
terrorista à sede do Charlie Hebdo, em nal na criação artística pode ser explíci- tísticas, incluindo escultura, arquitetura,
janeiro de 2015, motivado principal- ta, mas, muitas vezes, as referências são pintura, música, poesia/literatura, dança
mente pelas charges satirizando religi- tão sutis, embora tão evidentes, que dei- e cinema, que se tornou bastante famo-
ões e precedido por outro ataque, qua- xam de ser notadas pela maioria dos lei- sa. Posteriormente, incluíram-se novas
tro anos antes, demonstra que qualquer tores. É o caso de “Calvin and Hobbes”, expressões, como a fotografia (oitava) e a
expressão artística, inclusive as da nona curiosamente batizados de Calvin e Ha- arte sequencial figurada (nona).
arte, pode produzir efeitos doméstica e roldo no Brasil. Os personagens de Bill
internacionalmente, ao mesmo tempo Watterson são nomeados em homena-
em que é influenciada pelo contexto his- gem a João Calvino e a Thomas Hobbes,
tórico, político e social em que é produ- e alguns traços de suas personalidades
zida. Entre as histórias em quadrinhos remetem aos pensadores. Enquanto o
mais conhecidas do público, há diversos menino Calvin tem um vocabulário so- Não existe consenso a respeito de quais
exemplos que ilustram essa inter-relação, fisticado e um pensamento filosófico manifestações compõem a nona arte.
os quais geralmente passam despercebi- avançado para seus seis anos, o tigre Ainda que as tiras de jornal e as histórias
em quadrinhos sejam, por excelência, ex-
dos pelos leitores. Hobbes é mais racional e mais cético
pressões sequenciais figuradas, é possível
A representação da realidade po- em relação à natureza humana, servindo
flexibilizar a classificação para também in-
lítica pela nona arte não é recente. Na como a voz da consciência do garoto.
cluir charges e cartuns. Ambos são veículos
metade do século passado, diversos te- Outro exemplo de tira com referên-
mais tradicionais de expressão de temas
mas contemporâneos serviam de em- cias históricas e sátiras políticas é Ma-
com conotação política, como as charges
basamento para o roteiro de histórias falda. Com essa pequena menina, a prin- de Henfil durante o regime militar brasilei-
em quadrinhos, como acontece em As cípio inofensiva, mas de personalidade ro, as sátiras a Maomé publicadas no Char-
Aventuras de Tintim, de Hergé. Desde extremamente contestadora, cuja cria- lie Hebdo ou as caricaturas do francês Ho-
“Tintim no País dos Sovietes” (1929), ál- ção completou 50 anos em 2014, o qua- noré Daumier, há quase dois séculos, que
bum encomendado para desmistificar o drinista Quino discutiu o governo militar ridicularizavam o rei Luís Felipe.
regime soviético e funcionar como peça argentino e o subdesenvolvimento peri-
de propaganda anticomunista, a políti- férico do país, democracia, bipolaridade
ca internacional foi pano de fundo para e a dependência ideológica em relação
o desenvolvimento da série. Críticas ao aos países desenvolvidos. As soluções
imperialismo na China e ao totalitaris- bastante simplistas para problemas in-
mo fascista estão presentes, respectiva- ternacionais propostas pela personagem
mente, em “O Lótus Azul” e em “O Cetro não poupam Estados nem organizações
de Otokar”, e a Guerra do Gran Chapo internacionais. Em uma tira, a menina
de “O Ídolo Roubado” é uma versão da afirma que trabalhará como intérprete
Guerra do Chaco. A abordagem carica- da ONU, alterando os discursos dos de-
tural e conservadora de Hergé, que mes- legados de modo que eles transmitam
clava preconceitos e ingenuidade, trou- opiniões gentis; em seguida, demonstra
xe-lhe muitas críticas pelo modo como temor quanto àquele cenário de incer-
tratou, por exemplo, a colonização belga teza apocalíptica da Guerra Fria, ao ex-
na África, representando os africanos pressar que esse futuro só chegaria se o
como seres humanos incompetentes e mundo sobrevivesse algumas décadas.
preguiçosos. Por esse motivo, durante Em outra, quando sua mãe lhe dá uma
sua carreira, o artista procurou desven- bronca, a menina reage dizendo que é
cilhar-se das críticas, incorporando à sé- presidente e não precisa respeitar nin-
rie debates caros à época, como o tráfico guém; a mãe retruca afirmando que é
Foto: Vismar Ravagnani
Diplomacia e Política Internacional

cultural estadunidense de melhorar a Homem de Ferro estiveram muito vin-


A expressão política por meio dos quadri- imagem do país no continente durante a culadas aos conflitos militares em que
nhos na Argentina é um fenômeno bas- Segunda Guerra Mundial. A síntese des- os Estados Unidos se envolveram: origi-
tante comum e já atraiu a reação violenta se aporte à Política da Boa Vizinhança nalmente, à Guerra do Coreia; posterior-
de setores criticados. O roteirista Hectór está em “Os Três Cavaleiros”, produção mente, à Guerra do Vietnã; e, no cinema,
Germán Oesterheld, criador de “El Eter- para o público latino-americano, que à Guerra contra o Terror, em uma tenta-
nauta”, colocou-se como personagem em mesclava animação e artistas reais, como tiva recorrente não envelhecer os perso-
uma história que retrata um conflito entre Aurora Miranda, e que ainda trazia Pato nagens perante o público. Nos anos 1980,
invasores e forças de resistência, em alusão Donald e o galo Panchito, como expres- o ensaio de unipolaridade global dos Es-
à polarização sociopolítica e aos golpes de sões dos Estados Unidos e do México. A tados Unidos inspirou clássicos como
Estado por que passou a Argentina. Parti-
união entre os três personagens buscava Watchmen e Batman: O Cavaleiro das
dário dos Montoneros, Oesterheld foi se-
indicar a aliança entre três das princi- Trevas. Recentemente, o declínio da he-
questrado e desapareceu, assim como suas
pais repúblicas americanas. Ao mesmo gemonia estadunidense e a Guerra con-
quatro filhas, durante o Processo de Reor-
tempo, a ausência de um personagem tra o Terror são os temas políticos mais
ganização do País.
argentino transmitia a mensagem políti- usados pela indústria de quadrinhos de
ca de alijamento do país, que ainda não super-heróis. A islamofobia crescente
declarara guerra ao Eixo. Zé Carioca re- foi tratada de maneira crítica em alguns
o Banco Mundial, o Clube de Paris e o força estereótipos brasileiros e recebeu títulos, e o Patriot Act e a polêmica sobre
Fundo Monetário Internacional. A aci- críticas da esquerda ideológica nacional, restrição de liberdades foram debatidos
dez crítica diante da subserviência de mas serviu ao propósito de reforçar a por meio da Guerra Civil entre super-he-
muitos Estados diante de organismos percepção popular de cooperação entre róis da editora Marvel; o exemplo mais
econômico-financeiros é marcante. Brasil e Estados Unidos. evidente do impacto das transformações
O soft power estadunidense não se do cenário internacional, entretanto,
O soft power limitou aos personagens de Walt Dis- talvez tenha sido o título Os Supremos
ney, mas envolveu um dos gêneros mais (“The Ultimates”, no original). Versão
estadunidense conhecidos dos quadrinhos: as histórias de Os Vingadores em outra realidade, Os
envolve um dos de super-heróis. O Capitão América foi Supremos equivaleriam a armas de des-
criado no contexto da Segunda Guer- truição em massa em poder dos Estados
gêneros mais ra Mundial como um bastião ianque na Unidos e seriam usados simultaneamen-
luta contra o Nazismo, personificado no te como destacamento das Forças Arma-
conhecidos dos Caveira Vermelha. Adolf Hitler é repre- das estadunidenses para iniciativas pro-
sentado em uma das histórias, levando ativas e preemptivas e como elemento
quadrinhos: um soco do herói. Anos depois, durante midiático de dissuasão. O ex-Presidente
as histórias de a Guerra Fria, antagonistas soviéticos dos Estados Unidos, George W. Bush, é
foram continuamente inseridos nos ro- representado explicitamente na revista;
super-heróis. teiros, de modo a transpor a bipolarida- as frentes de batalha no Afeganistão e no
de para os quadrinhos, dando-lhe uma Iraque são mostradas; e, na história cha-
As tiras de jornal e as histórias em roupagem maniqueísta e propagandista. mada “O Eixo do Mal”, há uma incursão
quadrinhos, ainda que de maneira ve- As constantes mudanças na origem do da equipe em um país do Oriente Médio
lada, também podem servir como parte
da estratégia de utilizar a arte como ins-
Foto: Vismar Ravagnani

trumento para a projeção do soft power


de um país, como aconteceu com Zé Ca-
rioca, inicialmente criado para algumas
tiras de jornal e posteriormente imor-
talizado em animações. “Alô, Amigos”,
em que o Pato Donald dança ao som de
“Aquarela do Brasil” em pleno Carnaval,
está inserida no esforço da diplomacia
81

(as referências indicam ser o Irã) que es- em arte sequencial figurada. Tem-se, as-
taria prestes a deter armamento nuclear, sim, a cobertura de eventos não fictícios
respondida por um ataque aos Estados lançando-se mão das qualidades grá-
Unidos feito por uma coalizão formada ficas da banda desenhada e do recurso
por China, Rússia, Síria e Coreia do Nor- pontual a personagens criados para sim- Francisco Solano López, que desenhou “El
Eternauta”, é descendente direto do ex-Pre-
te. Em outros títulos, o atual presidente bolizar pessoas ou grupos reais. O maior
sidente paraguaio homônimo. O artista
do país, Barack Obama, também já foi exemplo do gênero possivelmente é o
argentino ilustrou uma pequena história
transformado em personagem, princi- trabalho de Joe Sacco. Sacco tem obras
chamada “La guerra de la Triple Alianza”,
palmente para homenagear um líder de- mundialmente premiadas que retratam
sobre a Guerra do Paraguai, para a coletâ-
claradamente fã dos quadrinhos. experiências pessoais na Faixa de Gaza e
nea “La Patria Dibujada”, lançada para a
Como os exemplos anteriores já evi- na Cisjordânia (“Palestina” e “Notas so- comemoração do bicentenário argentino.
denciam, as guerras são um conteúdo bre Gaza”) e histórias durante a Guerra
rico para a nona arte, havendo todo um da Bósnia (“O Mediador: uma História
gênero dedicados a conflitos de gran- de Sarajevo” e “Área de Segurança - Go-
de magnitude. O sofrimento nas trin- razde”). tamente, a rotina de uma chancelaria, as
cheiras da Primeira Guerra Mundial é As experiências pessoais de quadri- discussões sobre a formação do interes-
a inspiração para “C`était la guerre des nistas costumam ser um grande trunfo se nacional e a aplicação da linguagem
tranches”, obra de não ficção do artista para histórias interessantes sobre ou- diplomática nos discursos. Além disso,
francês Jacques Tardi. Combates na Se- tros fatores indissociáveis da política alegoricamente expõem a visão de um
gunda Guerra Mundial são o mote das internacional, como os bastidores da di- dos envolvidos nos bastidores da reda-
histórias da DC Comics com o persona- plomacia e a reconstrução pós-conflito. ção do discurso de Villepin (Taillard de
gem Sgt. Rock. Em “The ‘Nam”, nos anos Em “Quai D’Orsay”, é possível conhecer Vorms, na história), na ONU, contra a in-
1980, a editora Marvel Comics procurou uma representação satirizada, mas não vasão do Iraque, representado pelo rei-
retratar as batalhas da Guerra do Vietnã menos fiel, do cotidiano da chancelaria no fictício de Lousdem. Também deriva-
sob a perspectiva de experiências reais francesa. Inspirados nos anos em que o do de experiências pessoais, mas vindo
de soldados estadunidenses. diplomata e roteirista Antonin Baudry do outro lado do mundo, o mangá japo-
Abarcando muito mais do que guer- passou como “ghost writer” do ex-chan- nês “Barefoot Gen” foi inspirado na vida
ras, outro gênero interessante emergiu celer Dominique de Villepin, os dois ál- de seu criador, Keiji Nakazawa, sobrevi-
durante o século passado: o jornalismo buns da série revelam, ainda que carica- vente do ataque nuclear a Hiroshima.
Embora, à primeira vista, não haja
relação provável, as representações da
Foto: Vismar Ravagnani

história, da diplomacia e da política in-


ternacionais são facilmente encontradas
na nona arte, como parte de uma estra-
tégia propagandista, como recurso de
crítica ou apenas como a transposição
de contextos reais para o universo artís-
tico. Muito mais do que apenas retratar,
a nona arte consegue influenciar os ce-
nários internacional e doméstico, sendo
instrumento para a propagação do soft
power ou produzindo reações contrá-
rias. Explícita ou implicitamente, tais
representações da realidade contribuem
para garantir um público fiel de interes-
sados tanto em ciências humanas quan-
to em manifestações artísticas menos
convencionais, como é o meu caso e o de
muitos dos que leem esta matéria. — J

Foto: Vismar Ravagnani


Cultura e arte Cultura e arte

MUNDO VASTO MUNDO


DIVULGACÃO DA LITERATURA BRASILEIRA NO EXTERIOR

Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes


Foto: MRE/divulgação

Estande brasileiro na Feira do Livro


de Frankfurt, em 2013.
83

“Recebi os seus discursos e felicito-os por todos (...). É bom, é indispensável reclamar para a nossa lín-
gua o lugar que lhe cabe, e para isso os serviços políticos internacionais que se prestarem não serão
menos importantes que os puramente literários. (...) Você será assim mais uma vez o embaixador do
nosso espírito. Um abraço pelas distinções que aí tem recebido e que são para o nosso Brasil inteiro.”

O trecho acima é de carta enviada por Ma- do Livro de Frankfurt em 2013 (maior feira do gê-
chado de Assis, em 1º de agosto de 1908, a Joaquim nero no mundo), quando o país foi homenageado
Nabuco, então Embaixador brasileiro em Washin- – um ganho de 82% em relação ao ano anterior.
gton. Ao longo de sua permanência no Posto, Na- Dolores Manzano é gerente executiva do projeto
buco realizou palestras em universidades, associa- Brazilian Publishers, uma parceria entre a CBL e a
ções e clubes americanos, nos quais abordou temas APEX-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de
como “O Espírito de Nacionalidade na História Exportações e Investimentos), que visa a promo-
do Brasil” e “O Lugar de Camões na Literatura”. ver exportações do conteúdo editorial brasileiro,
Nabuco empenhou-se em representar interesses na forma de direitos autorais ou de livros impres-
políticos e comerciais do Brasil e em apresentar sos. Ela observa que a internacionalização do livro
e promover a cultura nacional. Mesmo as pales- brasileiro vem crescendo, principalmente nos úl-
tras sobre Camões serviram a esse propósito, pois, timos cinco anos. “Em 2010, o valor dos negócios
como explicou à sua plateia em Yale, “parece natu- foi de US$ 1,65 milhão; em 2011, US$ 1,85 milhão;
ral sequência falar do Brasil, depois de ter falado em 2012, chegamos a US$ 2,7 milhões em vendas
dos Lusíadas, uma vez que o Brasil e os Lusíadas de livros impressos e ‘rights’ e em 2013 atingimos
são as grandes obras de Portugal”. US$ 3 milhões.” São poucos os setores que podem
Esse esforço de ser um “embaixador do nosso apresentar um aumento de mais de 60% no valor
espírito” constitui um dos aspectos essenciais do das exportações em três anos.
trabalho diplomático: a diplomacia cultural. Uma Fica, assim, claro um dos principais motivos
de suas vertentes mais importantes é a divulgação para divulgar a literatura brasileira: além de to-
literária, que é objeto deste artigo e se encontra das as suas outras dimensões, a cultura é um
em interessante processo de revitalização. mercado – complexo, extremamente dinâmico e
cujos lucros potenciais são significativos. Nesse
Por que divulgá-la? contexto, os objetivos da promoção da literatura
Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), brasileira são comparáveis à promoção comercial
venderam-se US$ 750 mil em direitos autorais ape- de qualquer outro produto nacional, dos ônibus
nas por ocasião da participação do Brasil na Feira Marcopolo às sandálias Havaianas. Uma distin-

Bolsas de Bolsas de apoio


Bolsas de Bolsas de
apoio à à publicação Número Total
Editais/ano intercâmbio residência de
tradução e de autores de autores total de executado por
tradutores
estrangeiros brasileiros
publicação brasileiros na bolsas/ano ano (R$)
CPLP

2011 37 - - - 37 314.568,18

2012 132 12 14 10 168 1.239.373,91

2013 209 52 - - 261 2.190.100,00

2014 169 29 6 - 204 1.863.066,14

TOTAL 547 93 20 10 670 5.607.108,23

Fonte: Ministério da Cultura


Cultura e arte

ção básica é que grande parte do valor do produto


(ou a totalidade de seu valor, no caso de direitos

Foto: Marc Jacquemin / Frankfurt Book Fair


autorais) é intangível. Não havendo critérios ob-
jetivos e universais determinando o que seja um
bom livro, o papel da promoção da literatura, da
exposição da obra diretamente ao público para
que ele mesmo julgue seus méritos, é ainda maior.
O Conselheiro André Maciel, chefe da Divi-
são de Difusão Cultural do Itamaraty, aponta que,
além das razões de cunho essencialmente econô-
mico, há uma motivação mais difusa e de mensu-
ração mais difícil, mas de forma alguma menos
importante: trata-se de ampliar e ajudar a moldar
a presença internacional do Brasil. As percepções
que atores externos têm do Brasil condicionam
sua atratividade para turistas, imigrantes e inves-
tidores, e limitam ou expandem as possibilidades
de ação externa do país. E, cada vez mais, é a di-
mensão internacional que impulsiona ou retarda
o desenvolvimento interno.
Um aspecto interessante dessa face imaterial
da divulgação literária é seu retorno de longo
prazo: uma iniciativa despretensiosa e localizada Tradução de “Reinações de Narizinho” para o
pode gerar reação positiva de proporções muito espanhol, com prefácio de Cristina Kirchner.

maiores do que o investimento inicial. Exemplo


disso é a trajetória de Monteiro Lobato na Argen-
tina. Depois da explosão editorial de suas obras eleitor pode também influenciar as perspectivas
infantis no Brasil, um amigo argentino promoveu do Brasil. O esforço de diplomacia cultural, no en-
a sua tradução para o espanhol, e foram todas elas tanto, encontra resistência na forma de estereóti-
editadas com grande sucesso a partir da déca- pos e preconceitos.
da seguinte. Depois de um longo ocaso editorial
iniciado nos anos 1980, em 2010 foi lançada nova Estereótipos e Literatura
coleção das obras de Monteiro Lobato, por inicia- Em reportagem recente, o Huffington Post, pu-
tiva da Embaixada Brasileira em Buenos Aires. O blicado em sua versão francesa em parceria com o
primeiro volume da coleção, “Las Travesuras de Le Monde, trouxe a manchete “Salão do Livro: Bra-
Naricita”, traz um prefácio entusiasmado da pre- sil não é (desta vez) motivo suficiente para atrair
sidente argentina Cristina Kirchner, tornando-o multidões”. Já no primeiro parágrafo a matéria
possivelmente o único volume de literatura infan- afirma que o samba, o carnaval, a bossa nova e o fu-
til prefaciado por um chefe de Estado. A mandatá- tebol são insuficientes para impulsionar a venda de
ria argentina, como inúmeros brasileiros, passou a livros e que “há muitas razões para se frequentar o
infância imersa no mundo de Lobato. Salão do Livro de 2015, mas o convidado de honra
Casos como esse ilustram o potencial da litera- não é uma delas”. O autor embasa essa conclusão
tura para agregar nova profundidade e diversidade afirmando que não há figuras na literatura nacio-
à percepção do Brasil por agentes externos. Cada nal da estatura de Neruda ou Vargas Llosa. A foto
leitura de um autor brasileiro, seja ele Guimarães que ilustra a matéria é de uma passista acima de um
Rosa ou Thalita Rebouças, aplica uma nova cama- carro carnavalesco. O artigo foi publicado no dia 19
da de complexidade, interesse e simpatia pelo país de março, um dia antes da abertura do evento, que
em todos os setores das sociedades estrangeiras, aconteceu entre os dias 20 e 23.
de empresários, investidores e formadores de opi- O artigo, além de ser exemplo de mau jornalis-
nião ao cidadão comum, que como consumidor e mo, foi também uma exceção em meio a dezenas
85

de reportagens elogiosas à escolha do Brasil como precisão psicológica de Machado de Assis quanto
convidado de honra, feitas por outros veículos, nos versos febris de Augusto dos Anjos; na intros-
como o Figaro ou o próprio Le Monde. O artigo pecção vertiginosa de Clarice Lispector; na acidez
também exemplifica o quão persistentes e noci- irreverente de Nelson Rodrigues; na revolta moral
vos são os estereótipos associados ao Brasil. de Castro Alves. Não há apenas um Brasil ou um
Clichés construídos ao longo de décadas brasileiro, e a única maneira de enterrar de vez os
mostram-se extremamente resistentes. Há um preconceitos acerca do país é apresentar ao mundo
exemplo clássico: o Rio de Janeiro romântico e esta complexa diversidade.
melancólico de meados do século passado foi,
por décadas, a imagem padrão do Brasil. O Rio de Inserção internacional brasileira
hoje, mais violento e desigual, ainda serve para Pode-se dizer que o Brasil tem um espaço a
muitos como retrato e resumo de todo o país. preencher nas relações internacionais, e a cultura
Passou-se de Orfeu Negro para Cidade de Deus brasileira é indissociável desse processo. O cres-
sem que o grau de simplificação tenha se alterado cimento na importância internacional do Brasil
tanto quanto seria desejável. Não é que essas vi- gera interesse natural pelo país, inclusive na sea-
sões do Brasil sejam menos legítimas, ou mesmo ra literária. Nos últimos quatro anos o Brasil tem
falsas – elas são apenas insuficientes, e sem uma sido convidado de honra nas principais feiras li-
participação ativa do Brasil na construção de sua terárias do mundo: Bogotá, em 2012; Frankfurt,
imagem, elas vão enraizar-se ainda mais. em 2013; Gotemburgo, em 2014; Bolonha (a maior
O que falta para o Brasil é atrair o olhar do feira internacional de literatura infanto-juvenil),
mundo para algo além do futebol, da violência ur- também em 2014; e Paris, em 2015. A prestigio-
bana, do carnaval e dos domingos em Copacabana. sa revista britânica Granta (que revelou autores
O Brasil é mais que isso, não só em termos de di- como Martin Amis e Ian McEwan) dedicou, em
versidade e riqueza interna, mas também de visão 2014, uma edição especial a jovens autores bra-
de mundo, anseios e ideais. A literatura brasileira sileiros. O escritor e ilustrador Roger Mello re-
é, sem dúvida, o veículo ideal para ecoar essas ou- cebeu, no mesmo ano, o prêmio Hans Christian
tras visões no exterior, pois ela é, essencialmente, Andersen, considerado o Nobel da literatura in-
um esforço contínuo e intenso de autoconheci- fanto-juvenil, coroando um recente boom brasi-
mento. O sertão bruto que atravessam os retiran- leiro nesse segmento.
tes de Rachel de Queiroz é tão brasileiro quanto o O Brasil está, portanto, em um momento aus-
pampa das sagas familiares de Érico Veríssimo. O picioso: ao mesmo tempo em que cria maior capa-
caleidoscópio de paisagens brasileiras tem sua me- cidade de projeção no exterior, vê-se diante de um
lhor expressão na literatura, desde a Manaus con- aumento significativo do interesse despertado em
temporânea até a belle époque carioca. Da mesma outras culturas. Se o Brasil quiser, no entanto, atu-
forma, o caráter, as preocupações e valores brasi- ar plenamente como protagonista na sociedade in-
leiros encontram expressão tanto na ironia e na ternacional, é ele quem deve mediar esse interesse,
Foto: MRE / divulgação

Foto: MRE / divulgação

Pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Paris, 2015.


Cultura e arte

caso contrário essa nova demanda será preenchida desses dois intérpretes do Brasil: o diplomata e o
com os mesmos clichés discutidos acima. escritor, e a divulgação literária encontra-se exa-
Todo ator de relevo no cenário internacional tamente nessa interseção. É dever do diplomata
possui políticas intensivas de divulgação cultural, refletir sobre seu país e ajudar a moldar a imagem
seja através de incentivos para o setor privado ou de dele no exterior, e a literatura é ferramenta essen-
instituições criadas para esse fim (como a Alliance cial para ambas as tarefas.
Française, o British Council ou o Goethe-Institut). O Ministério das Relações Exteriores (MRE)
A lição é clara: para se defender os interesses na- tem características que o tornam um parceiro in-
cionais, não basta apresentar as posições e os ideais dispensável na divulgação literária no exterior, a
brasileiros nos foros de política internacional, de- principal delas é sua capilaridade. O Brasil tem
ve-se também participar de forma intensa do gran- hoje 217 postos no exterior, espalhados por 137
de fluxo de ideias e percepções que está na base das países, dos quais 187 contam com Setores Cultu-
interações entre Estados e sociedades. rais. O MRE é o único órgão que está em contato
O soft power, a capacidade de influenciar a permanente com a realidade local das diversas so-
conduta alheia por meio do convencimento e da ciedades alvo da divulgação literária.
atração, depende fundamentalmente de um co- Os Setores Culturais são vitrines permanentes
nhecimento mútuo entre os atores envolvidos. da produção nacional. Atuam, de forma direta, na
Estas relações não se constroem na esfera estatal divulgação da literatura brasileira, editando, pro-
– cabe ao Estado apenas fornecer ou fomentar os movendo ou custeando a edição de livros, como
canais de comunicação entre as culturas. E neste o caso da reedição de “Las Travesuras de Narici-
campo talvez o púlpito da Assembleia Geral seja ta”, que se deu por intermédio da Embaixada em
menos importante do que livrarias, palcos e sa- Buenos Aires. As iniciativas dos Setores Culturais
las de cinema. A busca por uma maior presença são tão variadas quanto a tradução de “Vidas Se-
cultural brasileira não é, portanto, um capricho cas” para o grego ou de “Laços de Família” para o
na trajetória de uma potência emergente, mas um búlgaro.
componente essencial deste percurso. Outro instrumento valioso do MRE são os Ins-
Se a cultura brasileira não alcançar uma posi- titutos Culturais, presentes principalmente em ca-
ção internacional condizente com seu potencial, pitais da América do Sul. Suas atividades voltam-se
essa não será apenas uma perda para o país, mas para o ensino de disciplinas relacionadas à cultura,
também para a comunidade internacional. Nesse história e sociedade brasileiras e, especialmente, da
sentido, é emblemático o discurso do Presidente língua portuguesa. Durante a posse presidencial de
da Biblioteca Nacional, Renato Lessa, na abertura 2015, a Presidente chilena Michelle Bachelet can-
da Feira do Livro de Gotemburgo, em 2014: “Es- tou junto o Hino Nacional brasileiro. Perguntada
peramos que a tão desejada ‘internacionalização’ sobre o gesto, respondeu que adquiriu seu conhe-
da literatura brasileira possa ser entendida de cimento do português e sua simpatia pelo Brasil
forma dupla. Como apresentação e divulgação de aos 15 anos, quando estudou no Instituto Cultural
uma literatura embebida em uma história parti- Brasil-Chile, em Santiago.
cular e, ao mesmo tempo, como algo a ser acres- Os Setores Culturais e Institutos Culturais
centado a um fundo comum de objetos imateriais, seriam, assim, os olhos e mãos do Itamaraty na
compartilhável por toda a humanidade”. área cultural: avaliam o cenário local, identificam
oportunidades, estabelecem contatos e executam
Quem faz, como faz as ações planejadas. Por sua vez, o Departamen-
Celso Lafer, no ensaio que abre o livro “O Ita- to Cultural, que funciona na sede do Ministério,
maraty na Cultura Brasileira”, aponta que a repre- é responsável pelo planejamento mais amplo e de
sentação diplomática “só pode ser bem exercida longo prazo, assim como pela coordenação das
se for permeada de uma visão do país, ou seja, por iniciativas dos diversos postos. Em algumas oca-
sua identidade”. Não há como representar bem siões é também o MRE que coordena a participa-
um país sem, em alguma medida, compreendê ção do Brasil em feiras literárias, como ocorreu na
-lo. Há uma certa interseção entre as atividades Feira Internacional do Livro de Gotemburgo.
87

Foto: MRE / divulgação

Divulgação da literatura infantil


brasileira no exterior.

No Ministério da Cultura (MinC), as atribuições Jefferson Assumpção, diretor da DLLLB, ob-


de divulgação literária estão divididas principal- serva que o Brasil passou por um período de ho-
mente entre a Fundação Biblioteca Nacional (FBN) menagens e de grande visibilidade. “Ao mesmo
e a DLLLB (Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e tempo, fomos aprendendo a melhor maneira de
Bibliotecas). A FBN, uma fundação de direito públi- participar. Agora a ideia é ter delegações mais en-
co vinculada ao MinC, é responsável pelo programa xutas e visão mais estratégica de curadoria. Em
que é, possivelmente, a pedra angular do processo Paris, foi muito importante selecionar somente
atual de internacionalização da literatura brasileira: autores já traduzidos para a língua do país. Eles
o Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de têm algo para mostrar ao público e acabam pu-
Autores Brasileiros no Exterior. O programa incen- xando a venda de outros.”
tiva, através de bolsas, a tradução e edição de autores Por fim, cabe mencionar o setor privado, que
brasileiros no exterior, a ida de autores brasileiros a envolve atores essenciais à divulgação literária.
eventos internacionais e a residência de tradutores Além de autores, editores e agentes literários, há
estrangeiros no Brasil. Moema Salgado, diretora do entidades importantes, que fazem desde a capaci-
Centro de Cooperação e Difusão da FBN, ressalta a tação de mão de obra à realização de contatos no
centralidade dos tradutores para a divulgação lite- exterior, passando pelo apoio em feiras interna-
rária. “Muitas vezes [os tradutores] desempenham cionais, edição de revistas e elaboração de bancos
o papel de agentes literários, pois se apaixonam por de dados. A já mencionada Brazilian Publishers,
textos e conseguem editores para publicarem as por exemplo, fomenta a exportação de conteúdo
obras. Por isso é muito importante apoiar e valorizar editorial brasileiro, trabalhando diretamente com
o trabalho do tradutor estrangeiro”, avalia. as editoras brasileiras e suas contrapartes estran-
Outra atribuição importante que geralmente geiras. Dolores Manzano, que está à frente do pro-
recai sobre o MinC é organizar a participação bra- jeto, afirma que a empreitada vem modificando o
sileira em feiras literárias no exterior. Até a edição papel das editoras brasileiras no exterior: estão
do Decreto 8.297, em 2014, era a FBN a principal en- deixando de ser apenas compradoras para serem
carregada dessa tarefa, que passou para as mãos da também fornecedoras de conteúdo.
DLLLB, a Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Este artigo apresentou as linhas gerais da divul-
Bibliotecas. Ficar sob os holofotes em eventos desse gação literária no Brasil com o intuito de promover
porte não é uma operação trivial, seja em relação ao o conhecimento, o debate e o aprimoramento des-
custo ou à logística – envolvem o projeto de um es- tas políticas. Seu objetivo central foi de argumen-
paço atraente, dinâmico e informativo, a curadoria tar – espera-se que de forma convincente – que a
do conteúdo a ser exposto, a seleção da comitiva de divulgação literária é, hoje, um imperativo para o
autores e inúmeros outros detalhes, da iluminação Brasil, e que hoje, mais do que nunca, precisamos
às regulamentações anti-incêndio locais. de eficientes “embaixadores do nosso espírito”. — J
Cultura e arte

CORA CORALINA,
QUEM É VOCÊ?
A vida e a obra da poetisa goiana como espelhos de um
processo ainda inacabado de interiorização no Brasil

Felipe Neves Caetano Ribeiro


Foto: Felipe Neves Caetano Ribeiro

Retratos da escritora goiana Cora


Coralina, em sua casa na Cidade
de Goiás.
89

Em Brasília, impressiona o des- critora Anna Lins do Guimarães Peixoto Cora vivia em uma residência às mar-
conhecimento da maioria das pessoas, Brêtas, ou Cora Coralina, nascida na ci- gens do Rio Vermelho, onde era educada
candangos ou não brasilienses, acerca dade de Goiás, e cuja literatura é um de- e regrada por oito mulheres, sendo ela
da cultura do Centro-Oeste e, mais es- poimento simples e brilhante de alguém mais jovem que as irmãs. Frequentou a
pecificamente, acerca da cultura goiana. que personificou e expressou como nin- escola primária durante apenas dois ou
Muito além de críticas geralmente va- guém dois séculos de transformação e três anos, devido ao empobrecimento da
zias à construção de Brasília, é possível mudanças no interior do País. família. Era mal vista por interessar-se
verificar o desinteresse de muitos pelo Nascida em 1889, Cora Coralina refe- pelas letras e sentia-se feia, rejeitada e
processo de ocupação do Centro-Oes- ria-se à cidade de Goiás como um lugar inadequada em uma época em que a mu-
te, sobretudo por sua história, contada “longe de todos os lugares” ou “uma ci- lher era criada para o casamento.
também em relatos literários que re- dade de onde levaram o ouro e deixaram A introspecção e a sensação de não se
tratam um Brasil em transformação. A as pedras”. Um lugar cercado por serras amoldar aos padrões de sua época confe-
320 quilômetros da capital federal, um e morros, que a sufocavam e, paradoxal- riram a Cora Coralina uma sensibilidade
pouco afastada de pontos turísticos mais mente, lhe davam uma grande ânsia de perfeita para perceber os problemas, os
conhecidos, como Pirenopólis, encon- vida, expressa na literatura. preconceitos e as transformações de seu
tra-se uma cidade que é possivelmente o O dom para escrever manifestou-se na tempo. Essa sensibilidade, aliada à falta
mais completo e puro relato da interiori- vida de Cora ainda durante sua juventude, de uma instrução educacional frequen-
zação brasileira: a cidade de Goiás. embora houvesse em sua família uma es- temente limitadora da espontaneidade,
Goiás Velho, com sua arquitetura bar- pécie de rejeição por essa sua tendência permitiu à autora desenvolver uma poe-
roca única, reconhecida pela UNESCO inata. Na adolescência, Cora frequentou o sia simples, autêntica, regional e univer-
como Patrimônio Histórico e Cultural Gabinete Literário Goiano, na cidade que sal ao mesmo tempo, revelando aspectos
da Humanidade em 2002, espelha o len- era então a capital de Goiás, sem energia do passado e do presente de Goiás e sen-
to processo de ocupação e de integração elétrica, sem estradas de ferro e marcada timentos inerentes à natureza humana.
do Centro-Oeste à economia e à política pela pobreza, com a decadência do ouro e Em 1908, Cora Coralina conhece Can-
brasileira. A cidade e seus becos espe- a abolição da escravatura. tídio Tolentino de Figueiredo Brêtas, en-
lham também um isolamento duradouro Após o falecimento do pai, Cora Co- tão nomeado chefe de polícia na cidade
que conferiu algumas características aos ralina viu a pobreza intensificar-se em de Goiás e também frequentador do Ga-
goianos, como a coragem e a sensibilida- sua casa, enquanto sentia o peso do con- binete Literário Goiano. Mesmo em se
de, atributos presentes no caráter da es- servadorismo do final do século XIX. tratando de um homem formalmente ca-
Foto: Vismar Ravagnani

Vista da Casa Velha da Ponte (à esquerda),


onde viveu a escritora Cora Coralina, e, ao
fundo, a Igreja do Rosário em Goiás.
Cultura e arte

Cora Coralina faleceu em Goiânia, em 1985, reconhecida como uma das


principais poetas em língua portuguesa do século XX. Deixou um dos mais
importantes legados de divulgação da cultura goiana e do interior brasileiro,
em um país onde muitos ainda têm dificuldade de reconhecer-se longe do litoral.

sado, já que o divórcio naquela época não Em 23 de outubro de 1981, Cora Co-
era permitido, Cora Coralina viu em Can- ralina tornou-se a primeira a receber o
tídio uma oportunidade para a libertação “Troféu Jaburu”, maior prêmio na área
Caetano Ribeiro

e para a saída do ambiente conservador cultural goiana. No ano seguinte, Cora se-
da cidade de Goiás. No dia 25 de novem- ria homenageada no I Festival Nacional de
Foto: Felipe Neves

bro de 1911, Cora Coralina fugiu, grávida, Mulheres nas Artes. Em 1983, Cora Cora-
com Cantídio, em uma viagem de 17 dias lina foi eleita a intelectual do ano e tornou-
no lombo de um burro, deixando sua ci- se a primeira mulher a vencer o prêmio
dade natal, “em busca de seu destino”. “Juca Pato”, em 21 anos de história de um
Entretanto, não encontrou a liberta- dos principais concursos literários do Bra-
ção que esperava, já que o marido permi- sil, que já havia premiado Caio Prado Jú-
tia que continuasse escrevendo, mas não nior, Sérgio Buarque de Holanda e Carlos
a permitia publicar. Mesmo assim, Cora Drummond de Andrade. A vitória teve as-
Placa na antiga sede do Gabinete
conseguiu divulgar alguns de seus con- Literário Goiano, na Cidade de Goiás. pecto simbólico: a autora concorreu com
tos, poemas e artigos em jornais e revis- Teotônio Vilela, político e escritor alagoa-
tas do interior de São Paulo, para onde se no que contava com o apoio declarado dos
mudou com o marido e criou seus filhos. paulistas da União Brasileira de Escritores
Embora a cidade de Goiás, com seu uma lição de gratidão e divulgação de sua (UBE), e com Gerardo Mello Mourão, ta-
relevo pedregoso, representasse, em mui- terra, que a torna, possivelmente, a maior lentoso escritor cearense, indicado ao Prê-
tos aspectos, as pedras que Cora Corali- diplomata goiana, sem o haver sido. mio Nobel de literatura em 1979.
na encontrou em seu caminho, a autora Já no tarde da vida, inspirada pelo A vitória de Cora Coralina foi interpre-
sempre se referiu à sua cidade natal como regresso à sua cidade natal, Cora Corali- tada como uma importante ruptura com a
fonte de inspiração. Em 1956, após o fale- na publicou, em 1978, seu primeiro livro: dominação cultural exercida pelo Sudeste,
cimento de seu marido e com seus filhos “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias além de uma ruptura com preconceitos li-
plenamente criados e independentes, Mais”. Em 1981, Cora publica a obra “Meu terários e sociais preexistentes no Brasil.
Cora Coralina tomou uma decisão cora- Livro de Cordel” e, em 1983, “Vintém de Ainda nesse período, Cora Coralina rece-
josa: regressar à cidade de Goiás, onde Cobre: meias confissões de Aninha”. Essa beu o título de Símbolo da Mulher Traba-
praticamente não tinha mais familiares e obra, com poemas relativos à sua vida lhadora Rural, concedido pela FAO.
após 45 anos de ausência. Cora Coralina interior, tanto em sentido geográfico Cora Coralina faleceu em Goiânia, em
ouviu um chamado poético, o “chamado quanto pessoal, chegou às mãos de Car- 1985, reconhecida como uma das prin-
das pedras”, mas partiu também com a los Drummond de Andrade, que se co- cipais poetas em língua portuguesa do
missão de comprar a Casa Velha da Pon- moveu com a autenticidade e qualidade século XX. Deixou um dos mais impor-
te, residência onde fora criada e que ha- da obra da autora goiana, escrevendo-lhe tantes legados de divulgação da cultura
via pertencido a sua família. uma carta, que rendeu a Cora Coralina o goiana e do interior brasileiro, em um
Ao chegar na cidade de Goiás, sozi- reconhecimento nacional. Os referidos país onde muitos ainda têm dificuldade
nha, aos 67 anos de idade e “vestida de livros contêm poemas sobre o cotidiano de reconhecer-se longe do litoral e onde a
cabelos brancos”, Cora Coralina buscava do interior de Goiás, entre os séculos XIX integração, seja nas dimensões social, na-
dar uma última lição de coragem a seus e XX, além de relatos autobiográficos, ba- cional ou internacional, soa, para muitos,
filhos, mas acabou indo além: deixou seados na memória individual e coletiva. melhor na teoria do que na prática.
91

Sua obra, ainda pouco estudada, é, de Goiás e conhecer melhor o processo qualquer esforço de apresentação e que
em muitas dimensões, um esforço de de interiorização do País. A história da ilustra a simbiose entre a ainda desco-
olhar para dentro e constitui leitura autora, que “nasceria sempre antes do nhecida obra de Cora, seu local de nasci-
obrigatória para aqueles que buscam tempo”, confunde-se com sua própria mento, sua época e sua vida, ilustrando,
familiarizar-se com a ainda desconheci- poesia, razão pela qual este texto ter- também, um processo ainda inacabado
da história pública e privada do Estado mina com o poema abaixo que supera de interiorização. — J

Cora Coralina, quem é você?

Sou mulher como outra qualquer. Venho do século passado. Nunca recebi estímulos familiares para ser
Venho do século passado Pertenço a uma geração literata.
e trago comigo todas as idades. ponte, entre a libertação Sempre houve na família, senão uma
dos escravos e o trabalhador livre. hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
Nasci numa rebaixa de serra Entre a monarquia caída e a república a essa minha tendência inata.
Entre serras e morros. que se instalava. Talvez, por tudo isso e muito mais,
“Longe de todos os lugares”.   sinta dentro de mim, no fundo dos meus
Numa cidade de onde levaram Todo o ranço do passado era presente. reservatórios secretos, um vago desejo de
o ouro e deixaram as pedras. A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o analfabetismo.
carrancismo. Sobrevivi, me recompondo aos
Junto a estas decorreram Os castigos corporais. bocados, à dura compreensão dos
a minha infância e adolescência. Nas casas. Nas escolas. rígidos preconceitos do passado.
Nos quartéis e nas roças.
Aos meus anseios respondiam A criança não tinha vez, Preconceitos de classe.
as escarpas agrestes. Os adultos eram sádicos Preconceitos de cor e de família.
E eu fechada dentro aplicavam castigos humilhantes. Preconceitos econômicos.
da imensa serrania   Férreos preconceitos sociais.
que se azulava na distância Tive uma velha mestra que já  
longínqua. havia ensinado uma geração A escola da vida me suplementou
  antes da minha. as deficiências da escola primária
Numa ânsia de vida eu abria Os métodos de ensino eram que outras o destino não me deu.
O voo nas asas impossíveis antiquados e aprendi as letras  
do sonho. em livros superados de que Foi assim que cheguei a este livro
ninguém mais fala. Sem referências a mencionar.
 
Nunca os algarismos me Nenhum primeiro prêmio.
entraram no entendimento. Nenhum segundo lugar.
De certo pela pobreza que marcaria  
Para sempre minha vida. Nem Menção Honrosa.
Precisei pouco dos números. Nenhuma Láurea.
 
 
Apenas a autenticidade da minha
Sendo eu mais doméstica do
poesia arrancada aos pedaços
que intelectual,
do fundo da minha sensibilidade,
não escrevo jamais de forma
e este anseio:
consciente e racionada, e sim
procuro superar todos os dias
impelida por um impulso incontrolável.
Minha própria personalidade
Sendo assim, tenho a
renovada,
consciência de ser autêntica.
despedaçando dentro de mim
Foto: Vismar Ravagnani

  tudo que é velho e morto.


Nasci para escrever, mas, o meio,  
o tempo, as criaturas e fatores Luta, a palavra vibrante
outros, contramarcaram minha vida. que levanta os fracos
  e determina os fortes.
Sou mais doceira e cozinheira  
Do que escritora, sendo a culinária a mais nobre Quem sentirá a Vida
de todas as Artes: destas páginas…
objetiva, concreta, jamais abstrata a que está Gerações que hão de vir
ligada à vida e à saúde humana. de gerações que vão nascer.
 

Meu Livro de Cordel, 18ª edição, São


Janela da Casa Velha da Ponte, Goiás Velho. Paulo: editora Global, 2013, pp. 81-85.
Cultura e arte

Música Erudita Brasileira


para Exportação
Por que e como diversificar a pauta musical nacional

Vismar Ravagnani Duarte Silva


Foto: KazNUI/divulgação

Concerto de música brasileira em


Astana, Cazaquistão, em maio de 2012.
93

Na terra do samba, investir em difu- assim, a música brasileira não conseguiu divulgação da música erudita brasileira
são de música erudita pode soar estra- sair da categoria “exótica” para se con- no exterior e responsável por projetos
nho. Diferentemente do que ocorre com solidar no repertório erudito internacio- nessa área, ele observou que um argu-
a música popular brasileira, amplamen- nal. Conversei sobre isso com o maestro mento típico usado para desmerecer a
te divulgada, a simples existência de um brasileiro John Neschling, que esteve à divulgação [dessa música] é que se tra-
importante repertório erudito nacional frente da Orquestra Sinfônica do Esta- taria de empréstimo europeu, de uma
está longe de ser uma obviedade. No do de São Paulo (OSESP) durante anos produção cultural desenraizada do Bra-
exterior, a disparidade é ainda maior. A e atualmente é diretor artístico do Tea- sil. Oras, como ignorar a herança euro-
identificação de alguns ritmos e estilos tro Municipal de São Paulo. Perguntado peia incrustada no Brasil? [...] Alguém
populares como produtos típicos do Bra- se o fato de grande parte do repertório pensaria que nossa literatura não parte
sil é, naturalmente, uma vantagem desse brasileiro incluir elementos folclóricos profundamente da tradição europeia?
tipo de música. Igualmente, não há dúvi- tenderia a dificultar que ele seja consi- Voltando à música, produz-se sistemati-
das de que a qualidade teve e ainda tem derado música erudita, digamos, “séria”, camente música clássica no Brasil des-
um papel importante na difusão da mú- ele respondeu negativamente. “Se você de o século XVIII. Ainda que enraizada
sica popular brasileira em outros países olhar Bartók, por exemplo – ou mesmo numa tradição europeia, desde aquela
– basta lembrar os nomes de vários com- Brahms –, que era muito influenciado época, esse tipo de música continuou a
positores e de intérpretes de destaque. A pelo folclore húngaro, a música dele não ser produzido no Brasil e não foi mera
música erudita é menos divulgada, em é considerada menor por causa disso. cópia de segunda categoria da ‘original’
grande parte, porque não é comercial, [...] Falta um lobby brasileiro de cultura, produzida na Europa; ao contrário, ga-
depende de políticas proativas de estí- uma política cultural. No caso de César nhou colorações próprias. Mesmo no
mulo e difusão. Há, é claro, um público Franck na Bélgica, de Sibelius na Fin- século XVIII e início do século XIX,
menor, mas mesmo entre esse público o lândia, você tem um lobby, uma política nossos melhores compositores, como o
repertório nacional é pouco conhecido. que empurra esses compositores. Eles Pe. José Maurício e Lobo de Mesquita,
Se é assim no Brasil, é difícil esperar que não são, de forma alguma, melhores ou já deixavam marcas de personalidade
no exterior seja diferente. Mas há, real- piores que Villa-Lobos”. própria, que merecem ser divulgadas”.
mente, motivos para tentar mudar essa De fato, a nossa música erudita é o
realidade? E como fazer isso? resultado de uma mistura de influências
Antes de tratar da difusão da música “Falta um lobby, uma – europeia, africana, indígena – e, como
brasileira no exterior, é preciso discutir dizia Mário de Andrade, isso a caracteri-
um pouco qual é a sua identidade, quais política cultural”. za como autenticamente nacional, já que
são as marcas que a definem. A caracte- o povo e a cultura brasileiros são essa
rização da música erudita produzida no
Maestro John Neschling mistura. Embora não faça parte do es-
Brasil como verdadeiramente nacional tereótipo do “tipicamente brasileiro”, a
foi uma questão recorrente, pelo menos música erudita nacional não é, portanto,
a partir do Modernismo, quando se de- Entretanto, quando se fala em pro- menos autóctone que a música popular.
fendeu dogmaticamente a incorporação moção cultural do Brasil no exterior, À parte a justificativa de ser um pro-
de elementos folclóricos com esse fim. raramente se lembra da música erudita. duto nacional, há razões mais genéricas
Chegou-se a uma música tipo exporta- É difícil justificar para grande parte da para divulgar a música erudita brasilei-
ção com selo de origem “made in Bra- população a conveniência e o mérito de ra. Sobre a percepção do público, John
zil”, cujo maior exemplo seja talvez o investir nisso. Em conversa com o diplo- Neschling observa: “o que tem que ha-
sucesso de Villa-Lobos na França. Ainda mata Wellington Bujokas, entusiasta da ver, antes de mais nada, é um esforço
Cultura e arte

para que [essa música] seja ouvida. De- leiras em algum concerto tendem a in-
“Como posto pequeno, a capacidade de pois, é o público que vai decidir”. Segun- corporar essas peças a seu repertório e
ação que temos é muito limitada, seja do o colega Wellington Bujokas, “toda a repeti-las em outras ocasiões.
por falta de recursos financeiros, seja graça da divulgação da arte é justamente Promoção cultural de qualquer tipo
por falta de recursos humanos. Em dois a de fugir do lugar comum: divulgar o exige certo investimento financeiro.
anos, consegui organizar três concertos, que nos toca, mas nos toca não por ser A música erudita, embora não seja ex-
dois de câmara e um orquestral, todos médio, seja tipicamente europeu, seja ceção, oferece diversas possibilidades,
em cooperação com a Universidade tipicamente brasileiro, mas por ter um cujo custo não é tão alto. Concertos de
de Artes de Astana (KazNUI). Embora algo a mais, incomensurável”. Divulgar música de câmara, por exemplo, são o
os resultados obtidos estejam sempre a música nacional de concerto é, antes tipo de iniciativa que, com quantida-
aquém do que pretendíamos, tenho so- de mais nada, colocá-la na vitrine. Não de relativamente pequena de recursos,
bretudo orgulho de termos conseguido
é garantia de compra, mas é uma expo- pode ser mantida com alguma cons-
fazer lá a primeira gravação de estúdio
sição que, ao levar essa música ao co- tância, para uma difusão mais efetiva
lançada em CD da versão orquestral
nhecimento do público, da crítica e dos do repertório brasileiro. Há, também, a
completa do Martírio dos Insetos, para
músicos, pode conquistar novos apre- possibilidade de trabalhar com músicos
violino e orquestra, de Villa-Lobos. Além
disso, todos os concertos tiveram um
ciadores. Esses esforços, quando bem locais, que, muitas vezes, contribuem
bom público. No concerto orquestral, sucedidos, tendem a replicar-se de ma- espontaneamente para a divulgação
tivemos uma sala de 450 lugares prati- neira mais ou menos espontânea, pois os desse tipo de música. Um exemplo de
camente cheia. No último concerto que músicos que interpretaram peças brasi- promoção da música erudita brasilei-
organizamos, para quarteto de cordas,
com um professor de violino da KazNUI
e seus alunos, não apenas faltaram lu-
gares na sala de 150 assentos, como
também tivemos duas TVs cobrindo.
Finalmente, o que mostra bem a ca-
pacidade de irradiação das iniciativas,
Foto: Desirée Furoni

o quarteto que tocou naquela ocasião


depois gravou para a TV Madeniet (a
TV Cultura deles) o Quarteto de Cor-
das no.4 do Villa-Lobos, sem que nós,
da Embaixada, tivéssemos movido um
dedo para que isso acontecesse. Isso
me mostrou bem como pode ser efeti-
vo despender recursos mesmos que li-
mitados com música de concerto. Creio
que, se tivéssemos dado continuidade,
mesmo que apenas com concertos de
câmara, teríamos já alguma presença
no cenário musical de Astana, que esta-
va muito aberto para o Brasil.”

Wellington Bujokas
Terceiro-Secretário
Serviu na Embaixada em Astana
Cazaquistão, entre os anos de 2011 e 2013. Estreia da OSESP no BBC Proms,
um dos mais importantes festivais de
música do mundo. Agosto/2012, Royal
Albert Hall.
95

Foto: Acervo IEB/divulgação

Manuscrito do Estudo para Trompete,


de Camargo Guarnieri.

ra com poucos recursos, em um país que essa música seja tocada. Gravações, vezes é necessária uma intermediação
no qual ela é muito pouco conhecida, que tendem a facilitar a divulgação de entre os intérpretes e as instituições
é a experiência do diplomata Wellin- obras musicais, são igualmente raras. curadores dos acervos onde se encon-
gton Bujokas na Embaixada Brasileira O Itamaraty pode desempenhar pa- tram as obras.
em Astana, Cazaquistão (veja box). Por pel muito relevante na promoção da mú- Há muito o que fazer pela música
outro lado, há, naturalmente, iniciati- sica erudita brasileira no exterior, mes- erudita brasileira, e, para que haja resul-
vas que levam nossa música ao exterior mo com os vários obstáculos existentes tados significativos, é preciso uma atua-
sob a forma de concertos mais robustos na área. Conforme destacado pelo ma- ção positiva, é preciso políticas e vonta-
– nesse contexto, as turnês frequentes da estro Neschling, o MRE tem um poten- de de fazer acontecer. Não só no Brasil
OSESP constituem um exemplo. Parece- cial forte de atuação junto às orquestras essa música depende de apoio estatal. É
me que a maior efetividade possível pode internacionais, no sentido de incentivar assim em outros países também. Deve
ser conseguida com uma diversidade de a inclusão da música brasileira em seus haver um esforço de convencimento de
iniciativas, combinando estratégias pon- programas ou de levar músicos brasilei- que não basta investir em estereótipos.
tuais, algumas de grande envergadura, e ros que toquem esse repertório ao exte- Não se trata de esquecer a imagem de
iniciativas de divulgação constante, ainda rior. Ele acredita também que o Itama- um Brasil da música popular, mas de di-
que de abrangência não tão ampla. raty, por meio de contatos institucionais, versificar a pauta de produção e de ex-
Entretanto, nada disso é fácil. Segun- pode auxiliar na solução de problemas portação musical, mostrar nossa cultura
do Neschling, faltam estrutura, dinhei- práticos, burocráticos e logísticos como por meio de uma perspectiva diferente
ro, projetos e políticas. Há, por exemplo, a obtenção de partituras, algo que nem da usual e buscar aumentar a presença
uma dificuldade muito grande de con- sempre as orquestras e os músicos es- brasileira no cenário internacional, di-
seguir material – partituras – para per- trangeiros estão dispostos ou aptos a vulgando um estilo de música em que
formances de música erudita brasileira. fazer por meios próprios. Partituras de há, ainda, muito espaço para crescer e
Grande parte das composições ainda compositores brasileiros não estão dis- muito público para conquistar. — J
está manuscrita, inexistindo edições, poníveis tão facilmente para venda ou
muito menos material de orquestra. Isso locação quanto as de compositores do
inviabiliza – ou dificulta sobremaneira – repertório erudito tradicional. Muitas
Cultura e arte

DO FREVO AO JAZZ
Orquestra pernambucana leva a tradição da música instrumental
brasileira por novos caminhos, apropria-se do jazz como língua franca
e conquista atenção internacional. Sob a liderança do Maestro Spok,
e com as raízes firmes no frevo, comprova que a cultura popular é um
manancial infindável para experimentações sonoras universais

João Marcelo Costa Melo


Foto: Beto Figueiroa
97

A SpokFrevo Orquestra realizou sua O crítico norte-americano reconhece ra linha do gênero, o conhecimento de
segunda turnê pelos Estados Unidos em as raízes e a originalidade do frevo, regis- Marsalis sobre a música brasileira não se
outubro de 2014. Aterrissou no mercado trado como Patrimônio Imaterial da Hu- limita aos standards da bossa nova. Em
norte-americano com uma agenda ex- manidade pela UNESCO em 2012. Mas o 2013, ele abriu as portas do Jazz at Lin-
tensa e de alto nível. O périplo começou que lhe causa admiração é o tratamento ri- coln Center para a Banda Ouro Negro e
com quatro concertos em Nova Iorque, goroso conferido aos arranjos, a técnica e seu projeto de resgate da obra do maes-
no prestigioso Jazz at Lincoln Center, a a liberdade dos músicos. Ele acredita que, tro Moacir Santos, figura desconhecida
convite de Wynton Marsalis, diretor da diferentemente do samba – ou do jazz, no próprio país, em quem Marsalis disse
casa e reputado defensor das tradições nos EUA –, o frevo manteve-se dentro de enxergar um “Duke Ellington brasileiro”.
do gênero. A apresentação ficou registra- certos limites estéticos e geográficos, sem A SpokFrevo Orquestra chegou aos
da nas páginas do New York Times, onde alcançar o centro da expressão musical do olhos e ouvidos de Wynton Marsalis há
o crítico Ben Ratliff descreveu o frevo país ou da indústria fonográfica nacional. cerca de cinco anos, no festival de músi-
dos pernambucanos como um acelerado Essa circunstância singulariza a proposta ca instrumental de Marciac, na França,
e efervescente “primo distante” do jazz. musical da SpokFrevo, que, a partir dos na mesma noite em que se apresenta-
Ratliff identifica a SpokFrevo como anos 2000, tornou-se um laboratório para vam figuras como Chick Corea, Leroy
uma big band moderna, de metais par- criação de arranjos e improvisações. Jones e Roy Hargrove. Marsalis assistiu
ticularmente pesados, que vem renovar A química sonora do Maestro Spok, à apresentação da primeira fila. Ao final,
laços familiares ancestrais entre o frevo epíteto de Inaldo Cavalcante de Al- nos camarins, agarrou o maestro Spok
e o jazz. O seu argumento é o de que, as- buquerque, saxofonista, arranjador e pelo pescoço e perguntou: ‘que música é
sim como o jazz, o frevo nasce no século criador da orquestra, foi também o que essa?’. “Eu disse: é frevo!”, conta Spok.
XIX das festas, das marchas de compasso impressionou Wynton Marsalis. Trom- “Uma música do Recife, nossa cidade.”
binário, dos desfiles de rua com sombri- petista, compositor e educador nasci- Ali, no bate-papo dos camarins, surgiu
nhas, do diálogo entre metais. “Tudo soa do em New Orleans, Marsalis é talvez a o convite para os concertos em Nova
familiar para quem conhece o ‘early jazz’ maior referência do jazz nos dias de hoje. Iorque. O interesse de Marsalis, já admi-
de New Orleans”, escreve. Ele remete ao Entre outras razões, por colecionar nove rador das frases curtas e ágeis do frevo,
ambiente germinal do gênero nos Esta- prêmios Grammy, nas categorias jazz e apenas aumentou quando descobriu tra-
dos Unidos, enquanto sugere um impro- música erudita, além de ter sido o pri- tar-se de um gênero musical de origem
vável parentesco com a tradição popular meiro jazzman a receber em vida o Pu- popular, tradicional e nascido na rua.
de Pernambuco, onde o frevo é música, litzer em composição musical, honraria “Quando tocamos no exterior, as pes-
mas também é uma dança complexa, de concedida apenas postumamente a John soas nos veem no palco com a formação
passos complicados, que arrasta multi- Coltrane, Duke Ellington e Thelonious de uma big band e esperam ouvir uma
dões pelas ruas durante o carnaval. Monk. Além de ser um artista da primei- música familiar. Mas a Orquestra come-
Foto: Beto Figueiroa

A Spokfrevo Orquestra no Appel Room do Jazz at Lincoln Center, em Nova Iorque.


Cultura e arte

Foto: Beto Figueiroa

Músicos da SpokFrevo Orquestra e da


Jazz at Lincoln Center Orchestra, sob o
comando do maestro Spok e de Wynton
Marsalis, em um desfile improvisado pelas
ladeiras de Olinda.

ça com uma levada diferente, um padrão gênero subestimado da música popular lar diferentes sotaques. O frevo, pelo
melódico que não é comum ao jazz. Pro- brasileira a prateleiras mais prestigiadas contrário, não tem sequer um método
voca certo espanto”, diz Spok. Esse es- – embora já não se possa falar de prate- sistematizado.” Para Spok, isso corrobo-
panto não é exclusivo aos estrangeiros, leiras em tempos de download. Realiza, ra a tese auto-laudatória de que o músi-
em grande parte habituados aos estereó- assim, o potencial de projeção de um ati- co brasileiro é capaz de tocar qualquer
tipos de brasilidade. A SpokFrevo inova vo cultural e identitário a um só tempo coisa, enquanto o instrumentista estran-
ao tirar o frevo instrumental das ruas e singular e universal. geiro não toca bem as coisas do Brasil.
levá-lo para o palco das salas de concer- “Sempre sonhamos em fazer com “Claro que qualquer um pode tocar bem
to, vestido de gala, sem espaço para exo- que a música do frevo seguisse seu pró- qualquer coisa, mas é uma questão de fa-
tismos. Assim extrai a expressão sonora prio caminho, independentemente da miliaridade, de contato mais frequente.
do gênero, talvez o único de música bra- dança, da poesia e da festa. Eu sou um É como aprender uma língua estrangei-
sileira nascido de uma orquestra. Não apaixonado pelo Carnaval, adoro tocar ra. Você aprende, mas sempre leva o seu
perde a pressão da rua, mas imprime um para o povo dançar, mas, como músico, sotaque.”
tratamento elaborado, com liberdade fico muito feliz de levar o frevo instru- Essa característica de sua formação
para os músicos e uma dinâmica de exe- mental a um novo contexto”, diz Spok, como músico, em parte fundada na vi-
cução impecável. assumido seu papel de renovador do vência e na transmissão oral, para Spok,
Com seus 17 músicos, a SpokFrevo gênero. Aos 44 anos, é o caçula entre os representa um valor. “Por isso eu procu-
tem marcado presença no circuito de principais maestros do frevo pernam- rei reter ao máximo aquilo que adquiri de
festivais do verão europeu desde 2008. bucano, como Edson Rodrigues, Duda, forma intuitiva. A nossa orquestra, quan-
Visitou mais de uma dúzia de países. Nos Ademir Araújo, Guedes Peixoto e Clóvis do executa os arranjos, todos os músicos
Estados Unidos, apresentou-se em 2012, Pereira, com os quais conviveu desde têm muita propriedade para tocar com a
retornando dois anos depois para uma cedo. “Eu ouvia os músicos do jazz im- sintaxe do frevo. Na hora de improvisar,
série de nove apresentações, que inclu- provisando e me perguntava por que não inevitavelmente, surgem frases tipica-
íram, além do Lincoln Center, em Nova se poderia fazer o mesmo com o frevo, mente jazzísticas, mas que também fa-
Iorque, o Berklee Performance Center, que eu tocava tão tradicionalmente, se- zem parte da nossa linguagem.”
em Boston. Na última turnê, aprovei- guindo a partitura.” Em princípios de abril de 2015, Mar-
taram para divulgar o segundo álbum, Naturalmente, o jazz fez parte da salis retribuiu a visita e foi recebido no
Ninho de Vespa, que ganhou distribuição formação de Spok como saxofonista. “É Recife por Spok, que montou uma agen-
no mercado norte-americano pelo selo uma música muito bem sistematizada. da extensa para o norte-americano e a
Mótema, com sede em San Francisco. Há centenas de excelentes métodos de sua Jazz at Lincoln Center Orchestra.
Ao abrir espaço no circuito inter- jazz. Um estudante, com um bom méto- “Pensamos em fazer apenas o concer-
nacional do jazz, a SpokFrevo alça um do nas mãos, aprende a executar, a emu- to juntos no teatro, mas ele pediu para
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também tocar na rua, fazer um desfile.” coisa de tocar nas ruas, os mais novos pelo maestro Spok, que apresenta sete
A visita começou pelas ladeiras de Olin- com os mais velhos, sem pedir a nin- veteranos maestros do frevo pernambu-
da, com as duas orquestras tocando no guém, fazendo nossas próprias festas. cano, reunidos para comporem um tema
chão, e um encontro com músicos locais Fica até difícil distinguir onde é Nova a 14 mãos. Os registros, realizados entre
no Grêmio Musical Henrique Dias, re- Orleans e onde é o Recife.” Para o trom- os anos de 2008 e 2011, ajudam a estru-
duto do frevo e um dos mais tradicionais petista, assim como o frevo, o jazz tra- turar uma memória apenas recentemen-
centros de educação musical da cidade. dicional é uma música quente. “É um te valorizada.
No dia seguinte, Marsalis e Spok pro- ritmo forte, ninguém para de tocar. Os Enquanto isso, Spok reverencia o
moveram uma sessão de bate-papo e de músicos eram trabalhadores manuais, passado, sem tirar os olhos do futuro e
trocas de experiências no Paço do Frevo, tinham trabalhos duros, e eles tocavam sem descuidar do apuro técnico. “A alma
espaço cultural dedicado ao gênero, que como em seu trabalho.” está forte, poderosa, mas temos que
ocupa os quatro pavimentos de um pré- A visita de Marsalis ao Recife, as- trabalhar a lapidação, sem deixar nada
dio histórico no bairro Recife Antigo. sim como os concertos da SpokFrevo para trás. Tocamos algo que trazemos na
No encontro com Spok, em meio a em Nova Iorque foram registrados para alma, afinal nascemos aqui. Temos que
ilustrações musicais, Marsalis definiu o produção de um documentário, Do Fre- cuidar dessa música, porque ela é res-
jazz como uma celebração da liberdade vo ao Jazz. A iniciativa associa-se a um ponsável por tudo que conquistamos. Se
e identificou pontos de contato com o outro documentário, Sete Corações (Ate- tocássemos simplesmente jazz, não che-
frevo. “Temos muito em comum. Essa liê Produções, 2014), também idealizado garíamos a lugar nenhum”, resume. — J
Foto: Beto Figueiroa

Wynton Marsalis e o maestro Spok em


workshop no Paço do Frevo, no Recife.

“Frevo has its own characteristic rhythm and melodic formula that includes influences from ma-
xixe, capoeira and polka, and it is accompanied by a very fast and acrobatic dance that spices up
elastic Afro-syncopated moves with the kicking squats and flips of the Cossacks from the Russian
circus. The dancers dress in colorful clothing inspired by regional folk costumes and use yellow,
blue, green and red umbrellas (just like New Orleans), while performing their neck-breaking dan-
ce steps at a heart stopping pace. Some say the word “frevo” comes from the Portuguese word
“ferver” (to boil) and the tropical heat, loud prestissimo music and frenetic dance will definitely
bring any public revelry to a frothy boil. And when you add the tight Olinda streets, mind-num-
bing beverages, all types of exquisite visual stimulation and a couple of million people, you get a
feeling for the type of Bacchanalia I’m talking about.”

Wynton Marsalis,
trompetista e compositor norte-americano,
explicando o frevo em seu perfil no facebook
Cultura e arte

Vietnã:
uma cultura de cores
Vietnam: a culture of colors

Vismar Ravagnani Duarte Silva

Iluminação de influência japonesa em Hoi An.


Japanese-style lanterns in Hoi An.
Casal fazendo fotografias de casamento com as tipicas velas de Hoi An.
A couple having their wedding pictures taken with typical Hoi An candles. Cores
De Norte a Sul, chamou-me atenção uma identida-
de visual: o vermelho e o amarelo são predominan-
tes e servem como ponto de contato entre o regime
atual e as tradições antigas – ambas as cores são
associadas à realeza e aos imperadores; o vermelho
também significa boa sorte e, combinado com deta-
lhes amarelos ou dourados, é frequente em templos
budistas e em celebrações festivas como o Tét (Ano
Novo lunar). A arquitetura das escolas – públicas,
embora pagas – é semelhante, e seu estilo ocidental
deriva da colonização francesa. Os prédios públicos
são, em geral, amarelos, e os letreiros que os identi-
ficam têm fundo geralmente vermelho ou azul, com
texto amarelo ou branco, em fontes similares.

Colors
From North through South, a visual identity caught my attention:
red and yellow are predominant and serve as an intersection be-
tween the present regime and ancient Vietnamese traditions –
both colors are associated to royalty and the emperors of old; red
also means good luck and, combined with yellow or golden details,
is frequent in Buddhist temples and in festivities such as the Tét
(lunar New Year). The architecture of the schools – public, even if
taxes are due – is similar, and their western style goes back to the
French colonization. Public buildings are, in general, yellow, and
the placards that identify them have almost always a red or blue
Mulheres Dao Vermelhas conversando após o almoço, em Ta Phin. background and a yellow or white text, written in a similar font.
Red Dao women talking after lunch in Ta Phin.
Horário de pico em uma
avenida movimentada de
Ho Chi Minh.
Rush hour on a busy Ho Chi
Minh avenue.

“Determinados a conseguir êxito na segurança de


tráfego no ano de 2015”. Cidade de Ho Chi Minh.
“Determined to attain road safety in 2015”. Ho Chi Minh City.

Rua de comércio popular no


centro de Hanói.
A popular market in central Hanoi.
Estado
A presença do Estado é per-
cebida visualmente: cartazes
do Partido Comunista estão
espalhados pelas principais
avenidas, e fotos de Ho Chi
Minh são abundantes. Entre
os vietnamitas, política é um
tema delicado, mas algumas
insatisfações são expressa-
das frequentemente, como
corrupção e taxas sobre edu-
cação e saúde.

State
The State presence can be felt visu-
ally: placards of the Communist Par-
ty are placed throughout the main
avenues, and pictures of Ho Chi Minh
abound. Among the Vietnamese, po-
litics is a sensitive subject, but some
dissatisfactions are frequently ex-
pressed, such as corruption and taxes
on education and health care.

Rua no centro de Hanoi.


Street in central Hanoi.

Mercado flutuante de
Cai Rang, em Can Tho.

Cai Rang floating Market,


in Can Tho.
Duas gerações da minoria Dao Vermelha,
em Ta Phin, região de Sapa.
Two generations of the Red Dao Minority in
Ta Phin, Sapa region.

Jovem Dao Vermelha jogando peteca, um dos esportes de rua mais populares do Vietnã. Ta Phin.
A Red Dao young woman playing indiaca, one of the most popular sports in Vietnam. Ta Phin.

População e modo de vida


Nas áreas rurais, chama atenção a forte participação das mulheres na agricultura de subsistência, ao passo que os homens parecem dedicar-
se cada vez mais ao setor de serviços. São as mulheres as guardiãs das vestimentas típicas (inclusive o famoso chapéu cônico), praticamente
abandonadas pelos homens.
Os meios de transporte mais comuns são os de duas rodas. Em bicicletas ou motos – neste último caso, com auxílio frequente de buzinas –, os
vietnamitas se movimentam fácil e perigosamente pelo trânsito caótico das grandes cidades.

Population and lifestyle


In rural areas, the strong participation of women in subsistence
agriculture is striking, while the men seem to dedicate themselves more and more to the services sector. Women are the guardians of the typical clothing and style (including the famous
conic hat), practically abandoned by the men.
The most common means of transportation are the two-wheeled ones. On bikes or motorbikes – in the last case, with the frequent help of honking –, the Vietnamese move easily and
dangerously through the chaotic traffic of big cities.
105

Brasília Em P&B
brasilia in B&W

Vismar Ravagnani Duarte Silva

Esplanada dos Ministérios, com dois deles à esquerda e a Catedral Metropolitana à direita. A linearidade inclui as retas formadas pelas faixas de rolamento
do Eixo Monumental (ou pelos faróis dos carros) e somente é quebrada por pouquíssimas curvas, como é o caso do desenho exterior da Catedral.

Esplanada dos Ministérios, portraying the buildings of two Ministries on the left and the Metropolitan Cathedral on the right. The linearity includes the straight lines formed by the lanes
of the Eixo Monumental (or by the car lights) and is broken only by very few curves, such as the Cathedral’s exterior.
Popularmente conhecido
como “Buraco do Tatu”,
a passagem subterrânea
do Eixo Rodoviário
(“Eixão”) fica exatamente
no centro do Plano Piloto,
no cruzamento entre as
duas principais vias da
cidade, ligando a Asa Sul
à Asa Norte por baixo do
Eixo Monumental e da
Rodoviária. A simetria
da construção humana
é quebrada apenas pelo
elemento natural – uma
pequena poça que restou
de uma chuva de verão.

Popularly known as “Armadillo


Hole”, the underground
passage of the Eixo Rodoviário
(“Eixão”) is located exactly
on the center of the Plano
Piloto, at the crossing between
the city’s two main avenues,
connecting the Asa Sul (South
Wing) to the Asa Norte
(North Wing) under the Eixo
Monumental and the Central
Bus Station. The symmetry of
human construction is broken
only by the natural element –
a little puddle that remained
from a Summer rain.
As chamadas “tesourinhas” são pequenas alças de acesso que
conectam as quadras ao Eixo Rodoviário, via que corta o Plano Piloto
de Norte a Sul. O conjunto de retas e curvas se repete igualmente em
todas as dezesseis tesourinhas ao longo do Eixo e faz parte da rotina
diária dos habitantes da cidade.

The so-called “tesourinhas” (“scissors”) are small ramps that connect the city
blocks to the Eixo Rodoviário, a highway that crosses the Plano Piloto from North
to South. The set of lines and curves repeats itself identically in all the sixteen
tesourinhas along the Eixo and is a part of the daily routine of the city’s inhabitants.

Projetado por Oscar Niemeyer e localizado em uma área alta da cidade,


com vista desimpedida, o Memorial Juscelino Kubitschek se integra
perfeitamente aos céus de Brasília. Além da famosa estátua do ex-presidente
brasileiro – que não aparece na foto –, há um objeto arquitetônico em
formato de disco voador, posicionado no topo da estrutura piramidal.

Designed by Oscar Niemeyer and located on a high part of the city, with an unobstructed
view, the Juscelino Kubitschek Memorial is perfectly integrated to Brasilia’s sky. In
addition to the famous statue of the former Brazilian President – which is not featured
on the photograph –, there is an UFO-shaped architectonic object placed on the top of the
pyramidal structure.
Cultura e arte

Concurso Cultural
Você e o Itamaraty
O vencedor do “Concurso Cultural – Você e o
Itamaraty” foi Gaston Poupard, de Natal, Rio
Grande do Norte.
Os participantes foram convidados a enviar
uma foto que representasse o que o Ministério das
Relações Exteriores significa para cada um. A foto
vencedora teve 464 votos e seu autor ganhou a Co-
leção Barão do Rio Branco, editada pela FUNAG.
A equipe da JUCA agradece a todos que partici-
param do concurso.
Confira as novidades sobre as próximas edições
da JUCA por meio de nossa página no facebook:
https://www.facebook.com/revistajuca

“O Mundo do meu lado e o renascer do Sol no horizonte de todos.”


Gaston Poupard
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Bem que
Me traz de volta
pra vida
pra tua

eu queria
me leva contigo

Me puxa pra perto


espanta teu medo
me empurra pra longe
Irina Feisthauer Silveira pra eu não esquecer

Me mostra de novo
e explica porque
não pode ser como eu quero
se é tão pouco que peço

Me diz que tô errada


virada do avesso
sonhando de dia
deixando passar

Me traz de volta

Foto: Internet
por um dia, um instante
que te convenço a ficar;
sem razão.
Entrevistas
EntrevistaS

Foto: MRE/divulgação
111

Ministro de Estado Mauro Vieira:


DIMENSÕES DE UMA DIPLOMACIA
DE RESULTADOS

Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme Rafael Raicoski,


Pedro Mariano Martins Pontes e João Lucas Ijino Santana

JUCA – Em 2015, o Instituto Rio cio, imagino, não deve ter sido fácil, mas
Branco comemora 70 anos de funda- acho que foi uma decisão fundamental,
O Chanceler Mauro ção. Quais são as mais vivas lembran- pois havia certa dicotomia entre o Rio
Vieira conversou com a
ças que o senhor guarda do tempo em Branco do Rio de Janeiro e o Rio Bran-
JUCA sobre a formação
que frequentou as aulas do Instituto? co de Brasília. Eu adorei ter feito o curso
dos jovens diplomatas
Ministro de Estado – Este ano é no Rio, pois pude aproveitar o convívio
brasileiros, sobre os
muito especial, pois comemoramos os com meus pais e, ao mesmo tempo, apro-
atributos da “diplomacia
de resultados” mencionada 70 anos do Instituto Rio Branco e os 70 veitar a cidade. Além do mais, a Brasília
em seu discurso de posse, anos das Nações Unidas. A criação do daquele tempo não era a Brasília de hoje.
bem como sobre desafios Instituto – uma das mais antigas acade- O curso era excelente e contava com
enfrentados pelo Itamaraty. mias diplomáticas do mundo – mostra o grandes professores como Celso de
Diplomata de carreira, vanguardismo de nossa política externa. Mello, Alfredo Baumgarten Jr. e Ber-
formado pelo Instituto Eu me dei conta, ao assumir o ministério, tha Becker, além de colegas diplomatas,
Rio Branco, o Embaixador da necessidade de fazermos uma grande mas tinha um viés muito acadêmico e,
Mauro Vieira se destacou comemoração e, inclusive, já falei com portanto, de certo modo, distanciado do
ao chefiar postos cruciais a Presidenta Dilma, que me deu todo o dia a dia do ministério. Nesse sentido,
para a política externa apoio para celebrarmos esse momen- a mudança para Brasília foi importan-
nacional, como Buenos to. Acho que nós devemos dar destaque te, pois possibilitou integrar o curso de
Aires (2004 a 2010) e para esse fato, pois não há outro país que formação às estruturas da Secretaria de
Washington (2010 a 2014).
tenha uma academia diplomática com o Estado. Naquele tempo, nós chegávamos
prestígio e a antiguidade da nossa. mais inocentes no sentido de desconhe-
A mudança para Brasília foi um marco cer o funcionamento do Ministério. Para
importante na evolução do IRBr. No iní- nós, a SERE (Secretaria de Estado) era
Entrevistas

fotos: 1- MRE/divulgação, 2- MRE/divulgação, 3- Vismar Ravagnani

outro mundo. Foi uma medida de cora- laterais e na abertura de novos mercados JUCA – No discurso em sua Ceri-
gem trazer o Rio Branco para Brasília, e para nossos produtos e serviços. É uma mônia de Posse, em 02 de janeiro de
isso forçou transformações construtivas. política externa que tem um componente 2015, o senhor mencionou uma “di-
— comercial importante, sempre associado plomacia de resultados, que se mede
JUCA – A oitava edição da JUCA ana- a uma atuação diplomática intensa. Ago- com números”. Órgãos da imprensa
lisa os 70 anos das Nações Unidas. ra, nós sempre vamos defender princí- e articulistas interpretaram essa fala
Como o senhor avalia a importância pios básicos nas Nações Unidas, como a de diversas formas, em especial asso-
do Brasil na definição da agenda dessa reforma da instituição e, especificamen- ciando-a a uma ênfase na diplomacia
organização? te, do Conselho de Segurança. comercial. O que é uma “diplomacia
ME – O Brasil é um ator importantís- Também defendemos a reforma do sis- de resultados” e como a diplomacia
simo. Somos ouvidos e respeitados no tema de Bretton Woods. Há uma con- presidencial se enquadra nela?
cenário internacional e tem sido assim centração do potencial de decisão em ME – Uma diplomacia de resultados é
desde a fundação da ONU, quando qua- países que detinham o poder mundial uma diplomacia de conquistas, de reali-
se nos tornamos membro permanente ao final da Segunda Guerra. O Fundo zações. Isso não quer dizer que seja ape-
do Conselho de Segurança. Portanto, há Monetário, por exemplo, precisa ser nas comercial. A diplomacia comercial é
70 anos, já éramos um país que atuava no atualizado para que os países emergen- importante, mas não é só isso. A “diplo-
primeiro círculo de poder. Com o passar tes tenham maior peso nos processos de macia de resultados” é uma diplomacia
do tempo nossa presença acentuou-se tomada de decisão e maior participação em que conquistas ocorrem, em que há
em todos os foros. É preciso lembrar que, na formação do capital da instituição. É fatos novos: posições importantes que o
embora possa haver nuances, os princí- preciso haver uma presença maior até Brasil defenda, por exemplo, na discus-
pios que balizam nossa política externa para corrigir desequilíbrios, inclusive são sobre mudança do clima. Também
são permanentes: a defesa da paz e do na própria distribuição das cadeiras no podemos mencionar as iniciativas do
multilateralismo, a solução pacífica das conselho de diretores executivos. Além Brasil na área da integração regional.
controvérsias e a não interferência nos disso, há importantes mecanismos re- Falo de UNASUL, CELAC e do fortale-
assuntos internos de outros países. Além gionais, como o Banco Interamericano, o cimento e aprofundamento do MER-
disso, buscamos dar nossa contribuição Banco dos BRICS e o Banco Asiático de COSUL. A ALADI tem uma proposta
como sociedade aberta, multiétnica e Investimento em Infraestrutura, do qual eminentemente comercial. Já o MER-
multicultural. somos membro fundador. Esses arranjos COSUL, além de comercial, é também
A política externa do governo da Presi- institucionais, que são uma contribuição um projeto de integração física, política,
denta Dilma baseia-se não somente nos nova dos países emergentes, não surgem aduaneira, social e cultural. É um pro-
princípios que mencionei, mas também para substituir Bretton Woods. Eles são jeto muito mais amplo. É isso que vejo
numa presença do Brasil nos foros multi- inciativas complementares. como uma diplomacia de resultados.
113

Uma diplomacia de resultados é uma diplomacia de conquistas, de realizações.


Isso não quer dizer que seja apenas comercial. A diplomacia comercial é
importante, mas não é só isso. A “diplomacia de resultados” é uma diplomacia
em que conquistas ocorrem, em que há fatos novos: posições importantes que o
Brasil defenda, por exemplo, na discussão sobre mudança do clima.

Agora, a diplomacia é uma obra de pa- veira dizia que “a melhor tradição do de ajuste, há um limite mínimo indis-
ciência. Você constrói os resultados pela Itamaraty é saber renovar-se”. Eu creio pensável para manter as atividades fins
superposição de conquistas. Nenhum que nosso grande desafio é a atuali- básicas. Passado esse momento, espe-
dos mecanismos de concertação e inte- zação e a adequação das carreiras de ro ter condições de dotar o Ministério,
gração que mencionei nasceram do dia nosso serviço exterior às necessidades como um todo, e o Instituto Rio Branco,
para a noite. do mundo atual, tão cheio de desafios. em particular, de recursos que possam
A diplomacia presidencial, que é um fato Uma das iniciativas nessa direção foi a acomodar melhor suas atividades. Em
da vida diplomática moderna, é impor- ampliação dos quadros. Não podería- suma, precisamos estar preparados para
tantíssima. Um grande especialista nesse mos ter mais de duzentas representa- desempenhar as funções que legalmente
assunto é o Secretário-Geral [Embaixa- ções, no exterior, mantendo o mesmo nos competem, no Brasil e no exterior.
dor Sérgio Danese], que inclusive tem número de diplomatas de quando eu Por isso, a necessidade de preparo, aper-
um livro dedicado ao tema. A importân- entrei no Ministério. Naquela época, feiçoamento e recursos.
cia da diplomacia presidencial eviden- éramos cerca de 500 apenas. Mesmo —
cia-se, por exemplo, na participação da a presença física do Brasil no mundo JUCA – Resultados em diplomacia
Presidenta Dilma em diversos encontros cresceu muito nos últimos anos. Para devem ser avaliados no curto e no
internacionais, a exemplo das reuniões se ter uma ideia, quando eu entrei na longo prazo. De que forma o senhor
do MERCOSUL, da UNASUL, da OMC carreira, não tínhamos embaixada na acredita que o Itamaraty pode apri-
e da Assembleia Geral da ONU. Isso é Irlanda. Na Ásia, tirando o Japão, o Pos- morar sua prestação de contas junto
fundamental. Atualmente, os presidentes to mais remoto era a Coreia do Sul. Essa à sociedade, bem como promover, na
viajam mais bilateralmente e participam expansão se deu com grande intensida- imprensa, uma melhor compreensão
mais de eventos multilaterais, como a re- de, no período do Presidente Lula, e de nossa política externa?
cente Cúpula das Américas, ocorrida no agora da Presidenta Dilma. ME – É importantíssimo prestar contas,
Panamá. Mas é importante notar que a A formação não pode se restringir ao e se presta. Hoje, temos diversos meca-
diplomacia presidencial é um fenômeno treinamento inicial. Acho fundamentais nismos institucionais, como, por exem-
recente. Tanto é assim que foi somente a os cursos de aperfeiçoamento, como o plo, o Tribunal de Contas da União e o
partir do final dos anos 1970 que os che- CAD e o CAE. Evidentemente, temos de Portal da Transparência, que garantem
fes de Estado passaram a comparecer em levar em conta as questões orçamentá- a transparência do gasto público. Somos
peso às reuniões da Assembleia Geral. rias. Sabemos que o orçamento precisa um ator global e, portanto, temos embai-
— ser aumentado, mas vivemos um mo- xadas residentes em países onde poucos
JUCA – O que o senhor considera hoje mento de ajuste e, portanto, estamos nos Estados estão. Precisamos explicar isso
como o principal desafio do Itamara- adaptando, sem deixar de atender às ne- para que as pessoas vejam por que é im-
ty? De que forma o senhor pretende cessidades dos funcionários no exterior, portante manter embaixadas e consula-
contribuir para superá-lo? das embaixadas e da própria Secretaria dos. A importância do consulado é mais
ME – O ex-chanceler Azeredo da Sil- de Estado. Mesmo dentro do esforço óbvia, porque, quando um brasileiro em
Entrevistas

fotos: Vismar Ravagnani

situação de dificuldade no exterior é JUCA – Quando o Brasil avançou o nas funções que vierem a desempenhar
bem atendido (o que ocorre na maioria conceito de Responsabilidade ao Pro- futuramente.
das vezes), ele se sensibiliza. Por outro teger (RWP, na sigla em inglês), aca- —
lado, deve-se compreender que não há dêmicos incluíram o País no seleto JUCA – Há internacionalistas que
como ter presença consular em todas grupo de “empreendedores norma- acreditam que enfrentamos uma
as cidades e, muitas vezes, reclama-se tivos”. Para o senhor, em política ex- nova crise do multilateralismo, que
de falta de assistência em casos de aci- terna, criatividade e profissionalismo se manifesta na dificuldade em ob-
dentes em lugares remotos. É um desa- dependem de respaldo material? ter avanços substantivos na Rodada
fio de meios, pois não podemos estar em ME – Para um país como o Brasil, com Doha e no lento passo da reforma das
todos os lugares. Para se ter uma ideia, interesses múltiplos em todas as áreas, instituições de Bretton Woods e do
somente em 2013, mais de 2 milhões de a criatividade é um ativo importante e, Conselho de Segurança. Uma das con-
brasileiros visitaram os EUA. São núme- para ser criativo, é preciso ter uma so- sequências desse impasse seria a pro-
ros impressionantes. Nossos consula- ciedade como a nossa: grande, variada liferação de acordos bilaterais, regio-
dos, nos Estados Unidos, emitiram mais e multiétnica. Essa diversidade faz do nais e arranjos de geometria variável.
vistos que quaisquer outros consulados brasileiro um ser criativo. Mas, eviden- Em um sistema internacional, com-
brasileiros no mundo – talvez somente temente, a criatividade precisa ser sis- posto por 193 países, que tende à mul-
na China esse número seja maior – e aí, tematizada e, para isso, apoio material e tipolaridade, o senhor acredita que o
quando você tem dois milhões de pesso- formação são fundamentais. multilateralismo ainda pode entregar
as visitando um país, é impossível não Temos um processo histórico único. resultados concretos e expressivos?
haver emergências. Resolvemos todas as nossas questões ME – Sem dúvida. É a única forma de se
Reitero a necessidade de que se faça fronteiriças pacificamente. Não pode- obter avanços importantes para o conví-
um esforço para que a sociedade com- mos deixar de levar em conta que temos vio internacional. Sem multilateralismo,
preenda melhor o nosso papel, mas é um grande contribuição a dar, em todos o que resta? No século XIX, restaria o
evidente que a diplomacia não é sempre os níveis, inclusive no CSNU, que, aliás, uso da força. O multilateralismo é a base
pública. Os desdobramentos de uma tem muito a ganhar com a participação de tudo. A Rodada Doha é fundamental,
negociação, muitas vezes, não podem de grandes países emergentes. Isso vai e também são fundamentais as decisões
ser revelados em seus detalhes, pois a dar mais legitimidade ao órgão. No caso por consenso. Caso contrário, um grupo
publicidade de determinados elemen- específico da reforma do CSNU, eu pen- pequeno de países poderia avançar seus
tos pode comprometer os resultados e so ser a nossa presença indispensável. interesses unilateralmente. A multiplica-
mesmo criar frustrações quando o re- Se eu não chegar a ver o Brasil como ção de acordos bilaterais e plurilaterais
sultado desejado da negociação eventu- membro permanente, vocês certamente é algo que existe. Nós mesmos temos
almente não é alcançado. verão e, mais do que isso, atuarão nele alguns acordos dessa natureza, mas, ao
115

A renovação, indispensável em qualquer carreira, é para nós


fundamental e, justamente por isso, devemos reconhecer e
ressaltar a importância do IRBr para nossa diplomacia.

mesmo tempo, não podemos deixar de geral, são postos em que as condições de a UA tem uma posição muito clara, que
valorizar o multilateralismo. Também vida nem sempre são as melhores. Não é é próxima do que propõem os países do
precisamos valorizar a Rodada Doha e a a carreira mais fácil nem a mais cômoda, G4. Além do mais, a África é uma prio-
OMC, pois se não o fizermos, corre-se o mas eu não me arrependo, nem por um ridade da política externa brasileira. Por
risco de permitir a multilateralização de minuto, de tê-la escolhido. É importante tudo isso, foi uma satisfação fazer esse
regras definidas por um grupo seleto de ressaltar a renovação que tivemos com périplo. Foi algo que me dispus a fazer
países. O multilateralismo, que é cláusula as novas turmas do Rio Branco. Ao longo logo que assumi minhas funções e essa
pétrea da nossa política externa, tem de de 70 anos, o Instituto formou 70 turmas foi apenas a primeira de pelo menos três
ser a forma de solução de todas as contro- de diplomatas, fato que dá testemunho viagens que desejo fazer ao continente
vérsias, senão daremos um passo atrás. de que temos um sistema de recruta- ainda em 2015.
— mento estável e regular. A renovação, in- —
JUCA – Na visão do senhor, qual é a dispensável em qualquer carreira, é para JUCA – No início dos anos 1970, o ex-
importância dos novos diplomatas nós fundamental e, justamente por isso, chanceler Mário Gibson Barboza rea-
para a diplomacia brasileira atual? devemos reconhecer e ressaltar a impor- lizou um exitoso périplo pela África.
ME – É fundamental. Se não houvesse tância do IRBr para nossa diplomacia. O senhor esperava refazer esse cami-
jovens diplomatas, a carreira não so- — nho quarenta anos depois?
breviveria. Espero que, daqui a 29 ou JUCA – Recentemente, o senhor fez ME – Isso demonstra que o movimen-
30 anos, vocês estejam dando uma en- um périplo pela África. Qual é a im- to que ele fez estava certo. Aquela foi
trevista parecida para essa revista, que, portância do continente e da relação uma decisão de Estado, inclusive, com
espero, continue sendo publicada. Acho do Brasil com os países da região no o reconhecimento imediato das ex-co-
que a carreira diplomática deve ser vista processo de reforço do multilatera- lônias portuguesas que conseguiram se
como uma vocação. Eu mesmo fiz o con- lismo? tornar independentes. Fiz essa primeira
curso do Rio Branco porque tinha cla- ME – A África é um continente gigan- viagem com muito prazer e pude ver a
ro que essa era minha vocação. Agora, tesco, onde temos ampla rede de em- receptividade dos africanos para com
é uma carreira muito sacrificada, com baixadas. Devemos ter uma presença o Brasil. É uma grande satisfação ver a
mudanças constantes (que levam as fa- constante no continente, pois, além de demanda que existe pela presença brasi-
mílias de um lugar para outro a todo mo- compartilharmos visões de mundo, a leira na África. Isso se verifica em vários
mento...), o que impõe uma enorme ne- África tem peso político e comercial campos: político, diplomático, comercial
cessidade de adaptação. As pessoas têm importantíssimo no cenário internacio- e cultural. No início dos anos 1970, a po-
aquela visão do diplomata de punhos de nal. A participação da Presidenta Dilma lítica externa brasileira para a África foi
renda. Isso não reflete mais a realidade. nas comemorações do Jubileu da União passo fundamental, dado no momento
Uma minoria apenas viverá nas grandes Africana – organização da qual somos certo – no auge do processo de descolo-
cidades da Europa. Hoje em dia, os Pos- membro observador – demonstra a im- nização. Felizmente essa orientação foi
tos mais delicados são muito mais nu- portância da nossa relação com o conti- mantida e priorizada, sobretudo, nos úl-
merosos e muito mais importantes. No nente. Em relação à reforma do CSNU, timos doze anos. — J
Entrevistas

Embaixador Celso Amorim:


“Na Defesa, tive que ser diplomata.
No Itamaraty, eu podia ser guerreiro”

Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme


Rafael Raicoski, Pedro Mariano Martins
Pontes e Tainã Leite Novaes

O Embaixador Celso Luiz Nunes Amorim tem


singular trajetória na história do Brasil. Ministro
das Relações Exteriores nos governos de Itamar
Franco e Lula, Amorim chefiou o Itamaraty
por mais tempo que o Barão do Rio Branco,
patrono da diplomacia nacional. A essa vasta
experiência somou-se a chefia do Ministério da
Defesa por mais de três anos. À luz da crescente
complexidade do cenário internacional e dos
diversos desafios enfrentados pelo Brasil, a JUCA
teve o privilégio de conversar com o Embaixador
Amorim, ainda durante sua gestão no Ministério
da Defesa, sobre a inter-relação entre política
externa e defesa e sobre paz e segurança no
fotos: MRE/Divulgação

sistema internacional.
117

JUCA – O soldado e o diplomata são


Não se vê um Brasil, que é um país que tem um peso
normalmente apresentados como os país de alto nível muito grande dentro da região, na Amé-
arquétipos tradicionais das Relações rica do Sul, e mais amplamente, se você
Internacionais. Na opinião do senhor, tecnológico sem uma considerar parte da África, sobretudo a
qual o papel de cada um desses arqué- costa ocidental, é um objetivo de políti-
tipos no contexto contemporâneo, indústria de defesa ca externa que eu sempre persegui lá [no
em especial em países democráticos? Itamaraty] e é também objetivo da políti-
EMBAIXADOR CELSO AMORIM –
avançada. ca de defesa. Você tendo uma boa relação
Os arquétipos não são linhas estritamen- com esses países [vizinhos], a sua neces-
te definidas. Para Clausewitz, a guerra sidade de estar preparado para a guerra,
seria a política por outros meios. O ter- JUCA – O Ministério da Defesa pu- não é que ela diminua, mas ela pode ser
mo “guerra” pode ser mal interpretado, blicou o Livro Branco da Defesa Na- melhor direcionada para as ameaças que,
mas veja bem, guerra, de uma maneira cional em 2012. Atualmente, o MRE realmente, podem nos incomodar. Eu es-
tradicional, pegando a história do mun- elabora o Livro Branco da Política tou dando os exemplos mais óbvios, que
do, desde o início da civilização, quer di- Externa. No primeiro, há uma men- são América do Sul e Atlântico Sul, mas,
zer a defesa do interesse de uma comu- ção à complementariedade e à indis- em graus diversos, isso se aplica, tam-
nidade. [Nesse sentido], você pode dizer sociabilidade das políticas externa e bém, a outras situações. Digamos assim,
também que a política internacional e de defesa. Para o senhor, como se dá um objetivo da política externa, pelo me-
a diplomacia são a guerra por outros essa complementariedade e qual a nos que eu entendo, tem sido diversificar
meios. Claro que há outros componen- importância de cada um desses Livros as relações, porque isso diminui a depen-
tes. O mundo evoluiu, tornou-se mais Brancos para a sociedade brasileira? dência, cria maiores oportunidades para
complexo. E hoje, tanto os diplomatas CA – São duas coisas diferentes. Mesmo o Brasil atuar, tanto politicamente quan-
quanto os soldados estão envolvidos na que não houvesse transparência, haveria to economicamente, e isso também é um
manutenção da paz entre os povos. Não essa complementação. Com relação à objetivo da política de defesa, até por
apenas na defesa do interesse específico complementação, em várias das pales- uma razão muito simples: porque ao você
do seu país, mas na medida em que haja tras que eu tenho dado, eu tenho enfa- ter mais fontes de tecnologia, ou mesmo
uma coincidência na defesa do interesse tizado a noção de “Grande Estratégia”. de obtenção de meios para sua defesa,
do país e o interesse global, eles também Grande Estratégia, inicialmente, era você fica mais preparado para uma situ-
estão empenhados nisso. Daí o fato de uma noção muito militar, que era como ação que a gente deseja que não ocorra,
que a diplomacia e a política de defesa, você aplicar os recursos dos quais dispõe mas que pode ocorrer. Além disso, não
crescentemente, têm caminhado juntas, uma sociedade, um Estado, para a obten- quero ter aqui uma visão mercantilista
e não é incomum o que ocorreu comigo, ção de determinado fim militar, ou de da nossa política de defesa, mas é natu-
um Chanceler ser Ministro da Defesa, defesa. Eu tenho procurado usar o con- ral que, como toda indústria, [a nossa
ou vice-e-versa. [Isso] demonstra que ceito de Grande Estratégia justamente indústria de defesa] depende não só do
[a política de defesa e a política exter- na conjugação dos esforços de política mercado interno, mas também do mer-
na] são duas dimensões muito próximas externa e de política de defesa, em torno cado internacional. Aí também você tem
da política de Estado. Agora, o soldado de objetivos maiores do país. Um caso o interesse na diversificação. A Embraer
é o que está encarregado do uso da for- óbvio é o da integração da América do acabou de entregar o primeiro Super Tu-
ça. Ele tem que estar permanentemente Sul, ou o da nossa relação com a África, cano para a Força Aérea americana, e ao
preparado para uma situação extrema. E com o Atlântico Sul. Eu vejo essas coisas mesmo tempo a gente está procurando
o diplomata tem que estar sempre traba- muito próximas, e a explicação para essa vender para o Azerbaijão; vendendo na
lhando para evitar que essa situação ex- proximidade é que, de alguma forma, a África, o que é importante. Na parte de
trema se produza. Quando o Presidente política de defesa e a política externa tecnologia, a mesma coisa: vamos fazer
Lula me perguntou, uns dois, três meses têm como objetivo principal manter a os aviões com a Suécia, vamos fazer o
depois de eu estar aqui [no Ministério paz. Pode parecer contraditório, mas é submarino com a França, queremos fa-
da Defesa], como eu estava me sentindo, verdade: manter a paz ao mesmo tem- zer artilharia antiaérea com a Rússia, e
eu disse a ele: “Aqui, na Defesa, eu tenho po em que defendemos nosso interesse. por aí vamos. Eu acho que também aí
que ser diplomata. No Itamaraty eu po- E eu acho que você manter a paz na sua política externa e política de defesa têm
dia ser guerreiro”. própria região, ainda mais no caso do uma complementação grande.
Entrevistas

fotos: 1-Vismar Ravagnani; 2 e 3- MRE/divulgação

Sobre os Livros Brancos, nunca refleti JUCA – Nos anos 80, o Brasil chegou sendo feito foi perdido. Foi um erro, a
muito sobre o Livro Branco de Política a responder por parcela significativa demanda nacional tem que ser a base.
Externa. Participei de muitas discussões do mercado internacional de Defesa, Por exemplo, temos os blindados guara-
com a sociedade. A FUNAG organizou enfrentando, depois, problemas com nis, navios patrulhas... se não comprar-
muitos eventos importantes no meu financiamento a exportações e forte mos os nossos, não podemos esperar
período, até porque houve uma prolife- concorrência - à época, Reagan che- que outros venham comprar. Ao fazer
ração grande de cursos de Relações In- gou a afirmar que o mercado de Defe- isso, reduz-se o risco que você men-
ternacionais, e isso enseja ocasiões para sa era para “cachorro grande”. Para o cionou. Mas armamento é armamento.
esse diálogo. Eu participava, mas mais senhor, o Brasil deve almejar parcela Indústria de defesa não deve basear o
importante do que isso, todo o pessoal da maior desse mercado? Na Primavera crescimento econômico, mas tem um
cúpula do Itamaraty também participa- Árabe, armamentos brasileiros foram papel importante na defesa do país, no
va. Que eu saiba, eu fui o primeiro diplo- usados na repressão de manifestan- desenvolvimento de tecnologia e mesmo
mata a levar empresários para uma reu- tes; o senhor crê que isso prejudica a na geração de divisas. Não se vê um país
nião multilateral importante, no fim da imagem do Brasil como país de conso- de alto nível tecnológico sem uma in-
Rodada Uruguai, em 1994. Infelizmente, lidada tradição pacífica? dústria de defesa avançada. Quando tra-
eles não deram muita bola. Eles ficaram CA – Em um mundo utópico, em que balhei no MCTI, creio que cerca de 50%
pouquinho lá em Marrakech. Depois todos vivessem em paz sempre, não de- das despesas com pesquisa e desenvolvi-
a coisa empresarial cresceu muito, no veríamos ser promotores da indústria mento no mundo estavam relacionadas
governo Fernando Henrique. E aí, já no armamentista, mas a realidade é outra. a encomendas do pentágono. Assim foi
governo Lula, passei a ter uma interação Com relação ao primeiro aspecto da per- nos EUA e assim é nos outros países, em
muito forte com organizações da so- gunta, olhando em retrospecto, acho que graus diversos. O Brasil tem na indús-
ciedade civil. Nós ainda não estávamos nosso desenvolvimento naquela época tria de defesa importante potencial de
escrevendo um Livro Branco, mas está- era muito dependente do mercado ex- alavancagem. A Embraer, por exemplo,
vamos dando os elementos, no fundo, de terno, o que não é positivo. Para um país começou como empreendimento militar
uma transparência que é a essência dos grande como o Brasil, deve-se almejar e se tornou 3a maior produtora de aviões
Livros Brancos. Em ambos os casos - dos primeiro o próprio mercado, mas tendo comerciais do mundo. Nesse sentido, di-
Livros Brancos da Defesa e da Política presente a possibilidade de complemen- versificar parceiros é importante. Não
Externa - acho que há uma faixa de coin- tação. Por exemplo, a Avibrás fez uma dá para depender de um único mercado.
cidência de objetivos, que é a transpa- venda de 400 milhões para a Indonésia. Com relação a “cachorro grande” ou
rência para a sociedade brasileira: saber Isso é fundamental, mas a indústria não “cachorro pequeno”, depende do ponto
o que a sociedade está gastando - ou não pode depender apenas do mercado ex- de vista. Melhor não falar em complexo
está gastando, mas deveria estar. E há terno. Naquela época, por pressão nor- de vira-lata porque lembra o cachorro
também, principalmente no caso da de- te-americana, grande compra que seria (risos), mas os seres crescem. Pior que
fesa, um processo de criação de confian- feita pela Arábia Saudita, em função da ser cachorro pequeno é ter mentalidade
ça, sobretudo com os os vizinhos. qual a Engesa tinha se endividado, não de cachorro pequeno. Com relação ao
— se concretizou, e boa parte do que vinha uso na repressão de manifestantes, são
119

fotos: Vismar Ravagnani

dilemas complexos, mas numa situação Nações Unidas, tentei incentivar a coo- berdade aos países, pela diversificação
específica de guerra civil ou de uma re- peração entre o Conselho e o ECOSOC, de opções, mas não representam uma
pressão brutal notória, o Ministério da para garantir que ações de segurança quebra da ordem internacional. Já o
Defesa e o Itamaraty (que autorizam tivessem continuidade sob formas de uso da força à margem do conselho é
a exportação) tomam certos cuidados, ações de desenvolvimento. De alguma algo muito preocupante. Mesmo reco-
que são necessários. forma, foi o embrião da comissão para a nhecendo que o caso do Estado Islâmi-
— consolidação da paz, que é importante, co envolveu ações a pedido do governo
JUCA – O senhor defende que as ope- tem feito coisas boas, mas não tem força do Iraque e ação regional coordenada,
rações de paz devem conjugar a ação suficiente. O dinheiro é dos países, que a legitimação pelo Conselho seria in-
militar com a promoção do desenvol- só põem dinheiro quando há interesses dispensável. E seria possível, pois todos
vimento, mas como o senhor enxerga diretos. É o caso do Ebola. Enquanto só são contra o que está ocorrendo. Poderia
a expansão normativa do Conselho africanos morriam, não chamava tanta haver discussão sobre forma, mas pas-
de Segurança, que tem tratado temas atenção, mas com risco de expansão, vi- saria. O importante é envolver os ato-
como Ebola e AIDS em tempos recen- rou problema internacional e depois de res relevantes. O Conselho precisa ser
tes? segurança internacional, mas a solução reformado, mas em casos específicos, é
CA – A expansão do campo de ação do não é de segurança. Por um lado, uma preciso envolver atores que não estarão
Conselho, em temas não diretamente reunião do Conselho sobre o tema ajuda representados lá. Não há como resolver
associados à segurança, é complicada. a chamar a atenção do mundo, mas não as questões do Oriente Médio, o Estado
Na ONU, há duas coisas que realmente dá para cercar e fechar os países, a solu- Islâmico, a crise na Síria, sem envolver
contam: o Conselho e V Comissão. Con- ção passa pela cooperação. o Irã ativamente no diálogo, pois Teerã
ferências sobre meio ambiente, desen- — tem o poder de ser apoiador ou mesmo
volvimento, são fundamentais para mu- JUCA – Em 2015, o sistema multila- de ser “spoiler”. O ideal é conduzir pelo
dar mentalidades, estimulam o debate, teral centrado na ONU e nas institui- Conselho. Para lidar com o programa
surgem órgãos específicos... mesma coi- ções de Bretton Woods completa 70 nuclear do Irã, foi criado o 5+1, envol-
sa com as conferências sobre mulheres, anos. No âmbito da segurança cole- vendo a Alemanha, país politicamente
discriminação racial, mas são trabalhos tiva, muitos têm defendido o uso da forte e protagonista na área nuclear. Mas
de longo prazo. O Conselho e a V Co- força mesmo à margem do Conselho. esses arranjos alternativos devem sem-
missão atuam no curto prazo. Há situa- No âmbito econômico, o Banco dos pre passar pelo Conselho. Ruim com ele,
ções em que a participação no Conselho BRICS desponta como uma alterna- pior sem ele. Qualquer concepção de re-
é crucial pois enseja ação imediata. No tiva para países em desenvolvimen- forma da ONU deve passar pela reforma
entanto, não dá para securitizar todos os to. Para o senhor, são iniciativas que do Conselho, e não por sua marginaliza-
temas. Uma coisa é reconhecer que de- enfraquecem a ordem multilateral ou ção. — J
senvolvimento é essencial para a segu- que pressionam por sua reforma?
rança, outra coisa é querer transformar CA – Quanto ao Banco dos BRICS, sem-
desenvolvimento em um problema de pre houve iniciativas similares, em sua
segurança. Quando fui embaixador nas maioria regionais. Conferem maior li-
Entrevistas

Embaixador ALfredo Toro Hardy:


Economia e
Integração regional
Embaixador Luís Fernando de Andrade Serra
e Secretário Octávio Moreira Guimarães Lopes

Alfredo Toro Hardy é um diplomata e acadêmico venezuelano de notável trajetória. Como


diplomata, foi Embaixador da Venezuela no Brasil, no Chile, nos Estados Unidos, no Reino
Unido, na Espanha e, atualmente, em Cingapura. Na condição de acadêmico, além de autor
ou co-autor de 29 livros, ocupou os seguintes cargos: Diretor do Centro de Estudos Norte-
Americanos e Coordenador do Instituto de Altos Estudos da América Latina da Universidade
Simón Bolívar, Fulbright Scholar, Professor Visitante da Universidade de Princeton e
Professor eleito da Cátedra Simon Bolívar da Universidade de Cambridge. Como educador
de jovens diplomatas, foi Diretor da Academia Diplomática do Ministério das Relações
Exteriores da Venezuela e Consultor da Academia Diplomática de Londres.
fotos: Photo By Jaeden NG – use kindly authorized by Jaeden NG.
121

JUCA – Você serviu três anos como quanto a própria diversidade do Brasil Como hispano-
Embaixador da Venezuela no Brasil, também me impressionaram muito.
de 1994 a 1997. O que o supreendeu no — americano,
país? JUCA – Existem na América Latina
Alfredo Toro Hardy – O Brasil foi meu organizações regionais que estabele- impressionam-me
primeiro Posto como Embaixador e, cem diversos tipos de associação polí-
profundamente
como tal, uma experiência profissional tica e econômica, como o MERCOSUL, a
e pessoal inesquecível. Desde então sou Aliança do Pacífico, a UNASUL, a ALADI, o sentido de
um apaixonado por esse país. O calor de a Comunidade Andina e a ALBA. Em
sua gente, a pujança de suas cidades, a sua visão, como poderiam orientar- continuidade
beleza de sua natureza e a força expres- se idealmente os países da região em
siva de sua música me impressionaram meio a tantas iniciativas?
histórica e a
e me conquistaram. Devo reconhecer, ATH – Instituições e mecanismos de moderação próprios
ademais, que me emociono quando es- integração regional e sub-regional são
cuto o seu hino nacional: “Ouviram do cada vez mais importantes, por duas ao Brasil.
Ipiranga as margens plácidas...” razões. Primeiro porque elevam nos-
Os processos históricos do Brasil e da so nível de interlocução internacional. sentir um poder maior de conjunto pe-
América Hispânica foram distintos. No Juntos, temos a capacidade de combinar rante a China, da mesma maneira que
Brasil, deu-se, no essencial, uma sequên- nosso posicionamento global. Segundo a UNASUL provê uma delimitação ge-
cia moderada, desprovida de grandes porque, num momento em que as ca- ográfica apropriada para que nós sul-a-
sobressaltos. Em contraste, a história da deias de abastecimento e a mão-de-o- mericanos nos expressemos sobre temas
América Hispânica está marcada pelos bra intensiva asiáticas estão deixando que nos dizem respeito. E assim suces-
grandes gestos, o sangue e o recomeçar nossas economias sem capacidade de sivamente. Trata-se, no final das contas,
permanente. Como hispano-america- resposta, se faz necessário dispor de um de círculos concêntricos que convergem
no, impressionam-me profundamente colchão de proteção. Graças aos meca- numa mesma direção.
o sentido de continuidade histórica e a nismos de integração existentes, nossas —
moderação próprios ao Brasil. manufaturas encontram, na América JUCA – Você está servindo em Cinga-
Não podemos falar, contudo, de uma Latina, mercado que, para a maioria dos pura há cinco anos e já escreveu sobre
América Hispânica singular, assim como países da região, foi perdido em outras as relações entre China e América La-
tampouco podemos fazê-lo com rela- partes do mundo. tina, na obra “The world turned upsi-
ção ao Brasil. Este último evidencia uma A América Latina pode atuar como um de down: the complex partnership
imensa diversidade regional. De fato, todo ou como partes do todo, no que diz between China and Latin America”.
alguns países hispano-americanos têm respeito à integração. É evidente que o Como você vê a grande, e crescente,
mais em comum com certas regiões do todo implica maior capacidade negocia- proeminência da Ásia na economia
Brasil do que entre eles mesmos. Dada dora e de interlocução frente a terceiros mundial atualmente?
a sua conformação étnica e fusão de cul- e proporciona mercados mais amplos ATH – Examinemos o caso da China.
turas, Venezuela e Cuba têm muito mais para nossos países. Contudo, implica ao Este país mantém 35 anos contínuos de
traços em comum com o Brasil que vai do mesmo tempo heterogeneidade muito alto crescimento econômico. Como ex-
Rio de Janeiro até o Nordeste, do que os maior no que diz respeito a interesses pressou oficialmente o Fundo Monetá-
que teriam com Argentina, Chile e Uru- e posições. A escolha é, portanto, entre rio Internacional, atualmente o PIB da
guai, ou com países latino-americanos abranger mais, mas diluindo as forças, China, medido em poder de paridade de
com fortes raízes indígenas. Da mesma ou concentrar esforços, abarcando me- compra, ultrapassou o dos Estados Uni-
maneira, Argentina e Uruguai podem nos. A diversidade de organismos regio- dos, fazendo desse país a primeira eco-
identificar-se muito mais facilmente com nais e sub-regionais permite optar entre nomia do mundo. Com efeito, frente aos
o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pa- um ou outro, em função de nossos inte- 17,4 bilhões de dólares que constituem o
raná do que com boa parte da América de resses concretos e com base em cada si- PIB estadunidense, a China apresenta-
língua espanhola. Tanto as semelhanças tuação específica. Nessas circunstâncias, se com 17,6 bilhões. Certamente algumas
entre meu país com certa parte do seu a CELAC constitui canal útil para fazer vozes agourentas dirão que a China está
Entrevistas

fotos: 1 e 3- Photo By Jaeden NG – use kindly authorized by Jaeden NG, 2- MRE/divulgação

adentrando período de baixo crescimen- quais aspiram deslocar 340 milhões de Em síntese, tudo isso está em consonân-
to econômico, o que jogaria por terra as pessoas do campo para as cidades. Isto cia com o que previu o Prêmio Nobel de
estimativas de crescimento que mencio- se traduzirá em centenas de novas cida- Economia Robert W. Fogel, segundo o
nei. Penso, não obstante, que as razões des, assim como numa imensa rede de qual, em 2040, a economia chinesa será
pelas quais a China pode ter largos anos infraestrutura. sete vezes maior do que a dos Estados
de importante crescimento econômico à Terceiro, a capacidade para liberar a Unidos atualmente e três vezes maior
frente sejam sólidas. Entre elas, eu po- imensa força contida no consumo do- do que a daquele momento.
deria citar as seguintes. méstico. A esse propósito, há grande Como vemos, a Ásia mostra-se, e conti-
Primeiro, o volume de sua população e disparidade entre as taxas de poupança nuará a mostrar-se, fundamental para a
idade laboral. Os pessimistas insistem doméstica mais altas do mundo, cerca economia mundial.
em que a China está chegando ao chama- de 40% do PIB, e a baixa taxa de con- —
do “ponto de inflexão de Lewis”. Quer sumo privado, 36% do PIB, frente à ci- JUCA – Em Cingapura, há grande ên-
dizer, aproxima-se da etapa de uma eco- fra de 70% do PIB, no caso dos Estados fase na criação de um bom ambiente
nomia emergente na qual a mão-de-obra Unidos. A China aproxima-se do que de negócios. Paralelamente a carate-
começa a escassear, trazendo consigo in- poderia chamar-se de “momento Henry rísticas liberais, o governo conseguiu
flação e diminuição do crescimento eco- Ford”, quando os trabalhadores podem garantir um dos melhores sistemas
nômico. A China dispunha, em 2013, de adquirir o que produzem. Mais ainda, a educacionais do mundo, viabilizar
população em idade de trabalho de 977 China contará em 2020 com uma classe moradia para virtualmente todos os
milhões de pessoas, que em 2015 chega- média de 700 milhões de pessoas, equi- seus cidadãos e oferecer atendimen-
rá a 993 milhões. É certo que a política valente a 48% de sua população local. to médico básico e previdência social
de filho único está reduzindo o número Quarto, a margem de crescimento pos- para quase toda a população. Estas
de novas adições ao mercado de traba- sível a partir do PIB per capita atual. A são, tipicamente, plataformas reivin-
lho, que serão 30% menores dentro de renda per capita na China é um quinto dicadas pela esquerda. Como você vê
dez anos. Entretanto, a própria magnitu- da estadunidense, o que a coloca no ní- esta combinação cingapuriana? Cin-
de das cifras em questão tornam risível vel do Japão nos anos 60 e da Coreia do gapura desafia as tradicionais divi-
falar de escassez de mão-de-obra. Sul nos 70. Isto suscita duas considera- sões entre esquerda e direita?
Segundo, o ambicioso processo de ur- ções. Por um lado, dada a dimensão po- ATH – Compartilho da premissa implí-
banização e desenvolvimento de infra- pulacional da China, basta que sua ren- cita na pergunta: em Cingapura, as abor-
estrutura em marcha. Embora as zonas da per capita seja de um quarto da dos dagens tradicionais sustentadas pela
costeiras do país já tenham alcançado EUA para superar o PIB desse país. Daí esquerda e pela direita parecem não ter
sua maturidade econômica, existem ain- em diante restará uma ampla margem contornos precisos. Isto faz parte do
da gigantescos espaços no interior aptos de crescimento disponível. Por outro, a pragmatismo ao qual a pergunta ante-
a reproduzir as altas taxas de crescimen- partir de situação semelhante àquela em rior fazia referência. Não obstante, eu
to econômico. É para esses espaços que que Pequim se encontra atualmente, Ja- levaria sua abordagem mais longe, pois
apontam as estratégias de desenvolvi- pão e Coreia do Sul desfrutaram de lon- as distinções tradicionais entre estatis-
mento urbano e de infraestrutura, as gos anos de altas taxas de crescimento. mo e setor privado também insistem em
123

Em Cingapura,
borar sobre os planos que Bolívar aca- Buenos Aires. Isto lhe foi solicitado por
as abordagens lentava para essa relação bilateral? uma comissão oficial das Províncias
ATH – A desconfiança de Bolívar em re- Unidas del Río de la Plata, presidida por
tradicionais lação ao Brasil não derivava de sua con- Carlos María de Alvear e Eustaquio Díaz
sustentadas pela dição monárquica em si, senão da pos-
sibilidade de que essa se transformasse
Vélez, que se reuniu com ele em Potosí,
no começo de outubro daquele ano. Bo-
esquerda e pela direita numa ponta de lança das intenções da lívar assinalou que Pedro I era um prín-
Santa Aliança de recuperar, para a Es- cipe americano que fazia parte da nobre
parecem não ter panha, as repúblicas americanas recen- insurreição de independência contra a
temente liberadas. Desde o momento Europa e que havia erigido seu trono so-
contornos precisos. em que a intercessão britânica tornou bre a base da soberania popular.
possível o reconhecimento da indepen- O terceiro foi convidar o Brasil a parti-
desaparecer em Cingapura, coexistindo dência do Brasil por Portugal em 1825, cipar do Congreso Anfictiónico de Pana-
de maneira muito natural. Bolívar entendeu que o Rio de Janeiro má, que ocorreria no ano seguinte, em
Como assinalava Henri Ghesquiere em não atuaria como porta-estandarte dos território colombiano, e através do qual
seu livro Singapore’s Success, em Cinga- interesses da Santa Aliança. Pelo contrá- Bolívar aspirava impulsionar uma confe-
pura o Estado conduz o timão do desen- rio, tal intercessão confirmou que o Rei- deração de Estados americanos. Embora
volvimento, orientando o setor privado. no Unido atuaria como fator natural de o Rio de Janeiro tenha aceitado o convite
Dessa maneira, a mão invisível desse úl- conciliação entre o Império do Brasil e em 1825, não chegou a participar do Con-
timo é guiada pela mão visível do Estado. as repúblicas hispano-americanas. Dali gresso pois, no momento de seu aconteci-
Ainda que estimule ativamente o investi- em diante, o Brasil deixou de ser visto mento, se encontrava em guerra contra as
mento privado e dê um imenso espaço de como um adversário potencial para con- Províncias Unidas do Rio da Prata.
manobra a este dentro dos espaços que verter-se num vizinho com quem have- Não fosse pela dissolução de seus pro-
lhe foram fixados, o Estado subordina tal ria de manter relações cordiais. jetos e por sua morte prematura, a Gran
investimento aos seus planos estratégi- Em 1825, Bolívar detinha a presidência Colombia que Bolívar fundou teria for-
cos, às suas políticas industriais e a seus da Gran Colombia (hoje Venezuela, Pa- mado um Estado forte. Mais ainda, esta
marcos regulatórios. O Estado, ao mesmo namá, Colômbia e Equador) e do Peru, última se teria integrado ao Peru e à Bo-
tempo, participa diretamente da econo- enquanto seu lugar-tenente Antônio José lívia na Federação dos Andes, e essa Fe-
mia através de suas próprias empresas, de Sucre tinha sob seu comando o Alto deração, por sua vez, teria integrado uma
para as quais designa um conjunto de Peru, que logo assumiria o nome de Bo- Confederação de Estados americanos,
áreas fundamentais. Mais significativo lívia, em sua homenagem. Nessa posição, para a qual estavam convidadas a parti-
ainda, assumindo a natureza dinâmica do Bolívar praticou três ações que deixaram cipar todas as nações ibero-americanas
processo econômico, o Estado se aventu- evidente sua boa vontade frente ao Brasil. que se haviam tornado independentes
ra numa reinvenção periódica de seus ob- A primeira foi impor moderação e exigir recentemente. Para o Brasil, isto teria
jetivos estratégicos, privilegiando a cada cuidadosa avaliação das circunstâncias, representado a possibilidade de uma vi-
fase um novo grupo de setores. Neste por ocasião da invasão de Chiquitos, no zinhança estável na qual haveriam preva-
contexto, não se pode falar propriamente Alto Peru, pelas tropas do Governo do lecido as boas relações com os vizinhos.
de capitalismo privado, assim como tam- Mato Grosso, a mando do Comandan- Lamentavelmente, este não foi o resul-
pouco pode-se falar de capitalismo esta- te Araújo. Enquanto Sucre e outros de tado e as repúblicas hispano-americanas
tal. Trata-se de uma simbiose de ambos seus generais recomendavam que fosse não apenas se fracionaram e se confron-
os sistemas, guiada pelo pragmatismo ca- declarada guerra ao Brasil, Bolívar incli- taram entre si, mas também no interior
racterístico de Cingapura. nou-se à prudência. Esta atitude foi re- destas apareceram facções conflitantes,
— compensada quando o Imperador Pedro que desencadearam guerras civis. Have-
JUCA – Simón Bolívar, é sabido, era um I desautorizou a invasão e enviou carta ria que se esperar mais de um século para
um homem que não amava as monar- de desculpas a Bolívar. que as nações ibero-americanas, seguin-
quias, sobretudo as europeias. Seu re- A segunda foi negar-se a formar uma co- do os ideais pelos quais lutou Bolívar,
lacionamento com o Império do Brasil alizão de repúblicas hispano-americanas iniciassem processo de integração que
era, no mínimo, distante. Poderia ela- contra o Brasil, tal como havia proposto ainda guia seus esforços. — J
memória diplomática
Foto: Felipe Neves Caetano Ribeiro

GILBERTO CHATEAUBRIAND
ALUNO DA PriMEIRA TURMA DO INSTITUTO RIO BRANCO
Felipe Neves Caetano Ribeiro, Guilherme Rafael Raicoski,
Pedro Mariano Martins Pontes, Tainã Leite Novaes e Jean Pierre Bianchi

Há 70 anos, Gilberto Chateaubriand Filho do homem mais poderoso da Com parcos conhecimentos sobre artes,
ingressava na primeira turma Segunda República. Dono da maior cole- os jovens secretários logo indagaram so-
do Instituto Rio Branco, a ção de arte moderna brasileira. Aluno da bre as lembranças de Chateaubriand so-
contragosto do pai, o irascível Assis primeira turma do Instituto Rio Branco. bre seus tempos de Rio Branco, diálogo
Chateaubriand, um dos homens No contexto da celebração dos 70 anos azeitado pelo “gim AND tonic” ofereci-
mais poderosos do Brasil de da academia diplomática brasileira – e do pelo anfitrião.
meados do século XX, para quem por sugestão do Ministro Mauro Viei- Passados 70 anos de sua posse no
a diplomacia era uma “carreira ra –, a JUCA teve a honra de conversar Instituto, Gilberto Chateaubriand des-
de imbecis”. Único remanescente com Gilberto Chateaubriand, homem de creve com detalhes o processo de admis-
da turma inaugural do Instituto,
rica e singular trajetória e – para nossa são. “O concurso incluía títulos e provas,
Gilberto recebeu alguns dos
felicidade - pródiga memória. mas, naquela época, ter prestígio político
editores da JUCA 8 em seu
A fachada simples do prédio antigo ou amizades dentro do Itamaraty fazia
apartamento, no Leblon, no Rio de
enganava. Os quadros de Portinari, Di grande diferença. De início, eram 23 va-
Janeiro, para uma longa conversa
sobre seus anos de IRBr e de Cavalcanti e Segall logo na entrada do gas, mas o Itamaraty era muito político.
Itamaraty. apartamento – em si, um museu – ofe- A filha do dono do Jornal do Comércio
reciam uma prévia do que estava por vir. casou-se com um rapaz que queria ser di-
125

plomata, mas que foi reprovado no con- Carvalho e Silva. No entanto, nenhum o único Posto: Paris. “Ça suffit”, afirma.
curso. Logo, ‘esticaram’ as vagas para que teria marcado tanto como Afonso Ari- Nascido na capital francesa em 1925,
o jovem fosse admitido conosco, e minha nos, professor de direito constitucional optou pela nacionalidade brasileira para
turma acabou tendo 27 alunos. Muitos e de história do Brasil. não ter de lutar pelo governo de Vichy
foram admitidos dessa forma, e alguns se Não obstante as amizades forjadas durante a Segunda Guerra. Voltando à
mostrariam bons diplomatas”, afirma. no Instituto, os primeiros anos de car- cidade das luzes como diplomata, lem-
Não obstante o papel central exerci- reira de Gilberto Chateaubriand foram bra que o Brasil era ouvido e respeitado
do pelo Rio de Janeiro à época, a primei- alguns dos mais difíceis. “Eu sentia que pelas autoridades locais, em boa medi-
ra turma do Instituto Rio Branco teria tinha vocação, mas meu pai não queria da pela atuação do Embaixador Souza
como principal marca – segundo Cha- que eu fosse diplomata nem morto. Para Dantas – que, contrariando ordens de
teaubriand – a heterogeneidade. “Havia ele, era uma careira de imbecis. Ele mes- Vargas, concedeu vistos a centenas de
cariocas, mineiros, baianos, gaúchos... mo era amigo de vários embaixadores e judeus – nos anos da ocupação nazista.
havia os alunos brilhantes, os inteligen- acabou sendo Embaixador na Inglater- Na década de 90, conheceria na mesma
tes, e os esforçados, alguns com filhos ra, mas ficou quase dois anos sem falar cidade o então Ministro-Conselheiro da
e formação acadêmica – economistas, comigo. Ele, paraibano, escravocrata, Embaixada do Brasil, Mauro Vieira. “Re-
historiadores, advogados... –, e outros, não aceitava desobediência de um filho”. cebia principescamente”, lembra, “de fa-
como eu, sem curso superior”. A maioria Não obstante a relação difícil com o zer inveja a qualquer embaixador”.
tinha pouco mais de 20 anos, mas dois pai – de quem pouco fala – no período, Tão ou mais interessantes que as
tinham já mais de quarenta anos. Entre o início da carreira diplomática marcou memórias sobre seus anos de Itamaraty
os amigos, Chateaubriand destaca Édi- o jovem secretário. Servindo na en- seriam as impressões de Gilberto sobre
po Santos Maia, Otávio Berenga e Oscar tão chamada “Divisão Econômica” do personalidades com quem conviveu. So-
Lorenzo Fernandes. Este último “aca- Itamaraty, participou de algumas das bre Clarice Lispector, afirmou ser pes-
bou se interessando por economia e foi primeiras negociações do GATT. Além soa de difícil trato. “Queria investigar
assessor do Roberto Campos por muitos disso, foram os colegas de divisão – em as causas da vida”, lembra. “Vivia em
anos”. Entre os brilhantes, sobressaiu-se especial, o chefe, que “gostava de tudo, função de criar seus próprios problemas
Paulo Amélio do Nascimento Silva. Gra- menos de economia” – que aguçaram o existenciais. Mulher inteligentíssima,
mático, chegou a corrigir o professor de interesse de Chateaubriand pelas artes mas acabou vítima de si própria”. Com
português do Instituto – Antenor Nas- plásticas. No início da década de 1950, relação a Vinicius de Moraes, afirmou
cente, que passou a chamar-lhe “colega” conheceu o pintor José Pancetti, que lhe que, após sua exoneração, precisou de
– e terminou o curso em primeiro lugar. deu o que seria o primeiro quadro de sua apoio financeiro de amigos, entre os
Chateaubriand discorreu, em segui- coleção, “Paisagem de Itapuã”. quais o próprio Gilberto.
da, sobre os professores que tivera. “O Servindo ao Itamaraty entre 1945 e No marco dos 70 anos do Instituto
curso era experimental”, lembra. “Fo- 1968 – ano em que pediu exoneração e Rio Branco, o encontro que a equipe da
mos os cobaias. Tivemos um profes- passou a cuidar do inventário do pai – JUCA teve com Gilberto Chateaubriand
sor de geografia, um alemão, Hilgard Gilberto Chateaubriand conviveu com os demonstrou que algumas coisas muda-
Steinberg, que nos avaliou como se fos- maiores expoentes da diplomacia brasi- ram, enquanto outras permaneceram
semos geógrafos. Ele aplicou uma prova leira dos últimos 70 anos. San Tiago Dan- iguais. Mais aberto, mais diversificado e
sobre a colheita da castanha do Pará na tas? “Um gênio, excelente pessoa”. Araú- com um processo de seleção mais trans-
Amazônia, e todos os 27 alunos foram jo Castro? “Grande companheiro, pessoa parente, o Instituto continua proporcio-
reprovados”. “Tínhamos aula de italia- cultíssima”. Mauri e Mozart Gurgel Va- nando, ao longo do curso de formação,
no. A professora, Marcella Mortara, era lente? “Diplomatas exemplares, viviam boas histórias, socialização e divergên-
filha do italiano Giorgio Mortara, um dos em função do Itamaraty”. Elogios efusi- cias (quanto à abordagem acadêmica/
criadores da FGV”. Lembrou também de vos foram feitos a diversos nomes men- profissional, por exemplo), atestadas
seus professores de direito internacio- cionados. Chateaubriand teceria, porém, pela próprias memórias de Gilberto
nal – o renomado jurista Hildebrando comentários pouco diplomáticos sobre Chateaubriand sobre seus tempos de
Accioly, primeiro diretor do Instituto certo ex-Secretário-Geral do Itamaraty. Rio Branco, que se assemelham e diver-
Rio Branco e paraninfo da primeira tur- Em mais de 20 anos de carreira, gem, ao mesmo tempo, das percepções
ma – e de história diplomática, Lafayette Gilberto Chateaubriand serviu em um dos alunos atuais. — J
memória diplomática
Foto: Pixabay Free Pictures

No muro de Berlim, a pintura de um Trabant,


o emblemático veículo produzido na
Alemanha Oriental, rompendo a fronteira.
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Para além do Muro


A experiência cotidiana de diplomatas brasileiros que
testemunharam o colapso do bloco comunista revela detalhes
de um momento singular da história da civilização ocidental

Felipe Eduardo Liebl

Um dos grandes atrativos da car- abertura relativa das fronteiras húngaras oficiais “não recusarem a gentileza” de
reira diplomática é a possibilidade de ex- e, logo, tchecoslovacas, milhares de ale- fornecer produtos.
perimentar a vida em outros países, co- mães orientais passaram a fugir de seu A mudança real começou lentamente.
nhecendo novos locais e novas culturas. país. O clima de tensão chegou a um pon- Em 1988, locais como o Parque Izmailo-
Na matéria Trincheiras da Diplomacia, to em que uma ordem, controversa para a vo mostravam as novidades anunciadas
abordamos a realidade atual de servido- polícia de fronteira da Alemanha Oriental pela nova era, com pequenos vendedores
res em locais difíceis, mas, nesta matéria, (RDA) iniciou a mudança de uma realida- e artistas manifestando opiniões polêmi-
veremos a curiosa experiência daqueles de construída por gerações. cas. Todos os serviços para os diploma-
que viram a História passar a sua frente. O furacão de novidades mudou a tas eram regulados e todos moravam em
A queda do Comunismo no Leste Eu- vida da região. A viagem a oeste tornou- bairros específicos e separados.
ropeu aconteceu de maneira tão abrupta se possível e os obsoletíssimos Trabants Após a tentativa de golpe em 1991, a
quanto inesperada. Para os vários analis- passaram a ser vistos inclusive em Bonn, mudança começou a ser muito rápida.
tas especializados na região, a divisão eu- a centenas de quilômetros da malfadada Sem consultas verdadeiramente demo-
ropeia deveria durar por muitas décadas, fronteira interna alemã. cráticas, monumentos foram destruídos
como diz o hoje Conselheiro Alexandre O hoje Embaixador Roberto Colin vi- e ruas foram renomeadas.
de Azevedo Silveira. Ainda que reduzido, veu mudanças similares na URSS. A fal- As transformações foram percebi-
o sentimento de tensão da Guerra Fria ta de abastecimento e a burocracia para das pela própria lotação de diplomatas
estava presente quando esses diplomatas as compras contrastavam com as lojas brasileiros na região. A Embaixada em
despacharam suas bagagens rumo ao Ve- que aceitavam moeda forte e mostravam Berlim Oriental teria que mudar suas
lho e dividido Continente. uma realidade semelhante àquela dos perspectivas. É nesse contexto que o
Foi, então, que, entre os sobrevoos alemães orientais. Antes da mudança, hoje Embaixador Marcel Biato chegou à
rasantes de caças norte-americanos em tudo necessitava de pedidos prévios e de capital da RDA, em meados de 1990. A
Bonn e inúmeros entraves para a pas- formulários, desde reservar um quarto própria chegada de Biato mostra as som-
sagem de estrangeiros pelo Checkpoint de hotel até comprar um quilo de ba- bras da Guerra Fria. Ainda não havia a
Charlie, o sistema começou a ruir. Com a tatas. Novas Verbais pediam para lojas possibilidade de voos diretos entre as
memória diplomática

duas Alemanhas: para pousar na capital novo posto já acarreta várias pendências tual de comprar um Trabant poderia dar
oriental, foi necessário uma parada em e inúmeras mudanças na vida pessoal do um passo tecnológico imenso e comprar
Estocolmo. diplomata; a chegada a um país em vias um carro, ainda que usado, ocidental. Ra-
Nessa época, a RDA já era uma som- de acabar apresenta desafios especiais. pidamente, todas as revendas de carros
bra de si mesma. Se a onipresente Volks- O primeiro desafio era a própria mo- usados (e novos!) da Alemanha Ocidental
polizei ainda inspirava certo temor e se a radia. O governo da RDA já apresentava ficaram sem estoques pela demanda de
existência de grampos da Stasi era quase dificuldades para fornecer residências a ávidos recém-descobertos consumido-
certa, a sensação era de que o governo diplomatas estrangeiros. Assim, a chega- res. O carro do diplomata deveria, então,
estava implodindo. O colapso do país, da, à época, era matizada pela necessidade esperar.
contudo, não impedia as autoridades de (e pela autorização incomum pelo MRE) O sistema metroviário cobriria a
manter um semblante de autoridade. As de aluguel de uma residência na parte oci- maior parte da cidade, se não fosse o
revistas de rotina e o apreço pela buro- dental da cidade, em outra jurisdição. incômodo de ele, dividido pela Guerra
cratização dos processos continuavam. A O transporte para cumprir o percur- Fria, ainda não ter sido reunificado. Os
rotina migratória interna em Berlim não so entre a casa e a embaixada, localizada “U-Bahnen”, saindo de Berlim Ociden-
era um processo fácil. em área a nordeste da cidade, era outra tal, passavam pelo território oriental
As medidas de recepção e de aco- dificuldade. Como uma parcela das eco- sem sequer parar.
modação da população proveniente dos nomias em marcos orientais pôde ser A solução passava pelo taxi, mas essa
recém-reorganizados Estados da RDA convertida em bases de 1:1, o cidadão da alternativa também tinha problemas.
mudaram o processo de adaptação do di- RDA que passou sua vida inteira econo- Como não era permitida a passagem de
plomata ao novo Posto. A chegada a um mizando para ter a oportunidade even- carros pelo Checkpoint Charlie, ponto
Foto: Pixabay Free Pictures

Hoje convertido em atração turística,


o Checkpoint Charlie foi passagem
diária para diplomatas que, durante
certo período, tiveram que morar no
lado ocidental, embora estivessem
lotados em Berlim Oriental.
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Foto: Pixabay Free Pictures

Vários dos trechos por onde passava o


Muro são marcados no chão.

para mudança de jurisdição, era preciso O novo mundo aberto aos orientais não eram renomeadas, como na URSS, e que
sair do primeiro carro, cruzar, e buscar veio sem percalços. Devido às diferenças o Muro dava espaço às novas ruas e pas-
um novo taxi, agora em Berlim Oriental. de produtividade, diversas empresas pú- sagens.
Uma vez em território da RDA, o blicas foram privatizadas ou simplesmen- O próprio processo de anexação da
contato com os locais era desencorajado te fechadas. As medidas de compensação RDA foi muito característico da expe-
pelo governo anfitrião. Como na URSS, financeira não foram capazes de equili- riência civilizacional alemã. Mesmo
vivia-se em um casulo, cujos únicos in- brar as relações socais, e muitos alemães diante das incertezas desse novo mun-
terlocutores eram funcionários do Esta- orientais, cujas casas foram expropriadas do, o processo foi conduzido, segundo o
do, com sua confiabilidade devidamente pelo governo da RDA, logo começaram a Conselheiro Azeredo Silveira, de forma
testada. As lojas, sovietizadas e com no- ajuizar ações, com o objetivo de voltar a “quase burocrática”, o que não foi ver-
mes padronizados, mostravam preços suas residências antigas. Com a procedên- dade em outros países do bloco. Esse
muito módicos e estantes sem produtos. cia desses causos, alguns alemães orientais processo mostra como o povo alemão
A aproximação de lugares próximos viram-se sem emprego e sem casa. Os pró- considera, nas palavras do Embaixador
ao muro era proibida aos diplomatas, o prios costumes foram alvo de mudanças, Biato, “a História como um campo de
que levava ao curioso paradoxo de não conforme as novas leis penais, e os com- batalha”, cujos soldados não raro tive-
poder entrar em uma área em que se portamentos ocidentais por vezes menos ram que reescrever sua história várias
viam retroescavadeiras destruindo siste- progressistas foram se impondo. vezes, conforme as narrativas da época.
maticamente as barreiras que dividiam a Mesmo a vida em Berlim Ocidental Esse “rememoriar” deixou marcas, des-
cidade. estava muito diferente. Não apenas os de a duplicação de vários monumentos
Os paradoxos continuavam com a ri- vizinhos de cidade passaram a visitar as na cidade até o amplo processo de rea-
gidez de guardas e de soldados que sa- lojas e os mercados locais, mas também valiação da unificação alemã.
biam que seus empregos seriam extintos pessoas de países outrora socialistas co- A peculiaridade do Posto permitiu
em meses. A escala de unificação pro- nheciam uma nova realidade. Precon- àqueles que estavam em Berlim, à época,
gredia e não havia sinais de que os ser- ceitos e surpresas eram parte da rotina viverem, em apenas uma cidade, a expe-
vidores do aparato de repressão seriam dos poloneses que vinham, em excursão, riência de três Postos – a Embaixada em
integrados à nova sociedade alemã – eles comprar produtos antes luxuosos em Berlim Oriental, o Consulado em Berlim
não o foram. Mesmo os diplomatas do supermercados berlinenses. Ocidental e o Consulado-Geral na Ber-
serviço exterior da RDA viram-se sem A orientação espacial tornou-se difí- lim recém-unificada, testemunhando a
empregos após a unificação. cil, na medida em que as ruas e praças trajetória de um país em mudanças. — J
memória diplomática

Bastidores do No alvorecer da Nova República, após 21


anos de ditadura, um jovem Segundo-

discurso diplomático: Secretário destacava-se pela redação


de discursos no gabinete do primeiro
Presidente civil. Ficou conhecido

ghostwriters
como “o rapaz dos discursos” e, desde
então, não parou de escrever para as
mais altas autoridades do País. Assim,

no Itamaraty
como ghostwriter (escritor-fantasma),
o Embaixador Sérgio França Danese,
Secretário-Geral das Relações Exteriores,
começou sua trajetória diplomática. Outros
dois entrevistados da Juca também
Na carreira diplomática, passa-se metade da vida trilharam caminhos similares nos primeiros
anos de suas carreiras: o Ministro Norberto
escrevendo o que outros lerão e a outra metade Moretti e o Ministro Maurício Lyrio. O
primeiro, atualmente, é assessor do Ministro
lendo o que outros escreveram
das Relações Exteriores. O segundo chefia
a Secretaria de Planejamento Diplomático
– órgão do Ministério que, entre outras
João Lucas Ijino Santana atribuições, revisa e elabora os principais
pronunciamentos do Chanceler.
Foto: Vismar Ravagnani
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O Ministro Moretti conta que sua círculos da diplomacia. Dom Pedro I, são da tradição permaneceu. Ficou essa
primeira missão como ghostwriter, na por exemplo, não se fazia de rogado ao ilusão da oratória e na ilusão da oratória
Secretaria de Estado, foi redigir a minu- requisitar os serviços de Chalaça, asses- você tem que deixar implícito que quem
ta de um discurso que seria proferido, na sor e amigo pessoal que, entre outras está fazendo a oratória é você mesmo”.
Escola Superior de Guerra, pelo então coisas, lhe servia de ghost. O presidente O Ministro Norberto Moretti coincide
Secretário-Geral, Embaixador Marcos bossa-nova, Juscelino Kubitschek, tam- com o Embaixador Danese ao fazer alu-
Azambuja. Sentado em frente à tela verde bém tinha um escritor-fantasma para são à figura do deputado baiano. “Você
de um computador modelo IS 30 Itautec, chamar de seu: ninguém menos do que só tem a figura do deputado baiano por-
o jovem Terceiro-Secretário dedicava-se o poeta Augusto Frederico Schmidt, que que a retórica não é uma característica
à tarefa sem sequer pressentir que essa contava ainda com a valiosa colaboração geral. O deputado baiano é a figura da-
função o acompanharia ao longo de boa do jornalista e escritor Autran Doura- quele sujeito retórico, de quem Odorico
parte de sua carreira como diplomata. do. O Barão do Rio Branco entra aqui Paraguaçu é a caricatura”.
O Ministro Mauricio Lyrio, coinciden- como contraexemplo. Diferentemente A discrição e o sigilo que envolvem
temente, também redigiu suas primei- da maioria de seus contemporâneos, o métier servem de constante inspira-
ras minutas de discursos na Secretaria Rio Branco era ghost de si próprio. Uma ção para obras literárias, a exemplo dos
Geral, que, à época, era comandada pelo e outra vez recorreu ao expediente de romances A Serviço del-Rey, de Autran
Embaixador Sebastião do Rêgo Barros. O escrever para gazetas do Rio de Janei- Dourado, e A Sombra do meio-dia, livro
Embaixador Danese e os ministros Mo- ro, sob diversos pseudônimos, com a in- de estreia do Embaixador Sérgio Dane-
retti e Lyrio são figuras representativas tenção de direcionar o ânimo da opinião se. Ambas as tramas retratam os basti-
do ghostwriting na diplomacia brasilei- pública para temas de política externa dores do poder através das lentes de um
ra na atualidade. Muitos outros nomes, que lhe pareciam cruciais. escritor-fantasma, cujo grande desafio é
contudo, poderiam ser mencionados, dos Apesar de o ghostwriter ser uma figu- lidar com as contradições e os conflitos
quais os Embaixadores Marcos Azam- ra onipresente nas estruturas de poder, típicos de quem, por dever de ofício, sói
buja, Gelson Fonseca Junior, Alberto da as autoridades, em geral, hesitam em as- estar próximo do rei.
Costa e Silva, Ronaldo Sardenberg, Mar- sumir que se utilizam dos serviços desse O Embaixador Danese lembra que
cos Galvão, Ricardo Neiva Tavares, José profissional. Para o Embaixador Sérgio existe um “contrato” entre o ghost e a
Humberto de Brito, Eduardo dos Santos Danese, essa dificuldade resulta do fato autoridade para quem ele escreve. Por
e Antonio Patriota são alguns exemplos. de sermos um país que, historicamente, um lado, o escritor-fantasma precisa
A escrita fantasma é uma atividade cultivou a tradição do bem falar. “Curio- assumir um pouco a personalidade da
muito antiga e, como tal, extrapola os samente, a tradição se perdeu, mas a ilu- pessoa que lerá seu discurso. Por outro,

“Uma vez que você entregou o


texto, ele não mais te pertence.”
Foto: Vismar Ravagnani

“Às vezes, dá uma pena danada


de simplesmente entregar aquilo
de mão beijada para outra pessoa,
mas faz parte do trabalho”.
Embaixador Sérgio França Danese,
Secretário-geral das Relações Exteriores
memória diplomática

“você não pode achar, de maneira algu- central”. Tanto é assim, que, “muitas ve- rasa. Muito pelo contrário, você quer se
ma, que vai reivindicar aquilo de algu- zes, o ato político é a própria manifesta- inserir numa tradição. Tradição no bom
ma forma. Uma vez que você entregou ção verbal e, portanto, fazer diplomacia sentido. Não é para congelar a tradição”.
o texto, ele não mais te pertence”. Por e fazer o texto que expressa essa diplo- É fato que alguns diplomatas ficam
isso, prossegue, “é preciso ter um enor- macia são coisas indissociáveis”. mais conhecidos do que outros devido
me desapego, porque a sua felicidade Ao se discutir as características do à qualidade dos textos ou à frequência
não está em aquela frase ou aquela for- discurso diplomático, emergem duas com que escrevem, mas é preciso lem-
mulação que você fez ficar no discurso. questões centrais: o papel dos cânones brar que a redação de discursos faz parte
Eventualmente, você vai ser consultado e o espaço (ou a ausência dele) para a do “job description” de todo e qualquer
ou orientado a fazer alguma alteração. criatividade e a inovação. Perguntado profissional da diplomacia, que, por isso
Outras vezes, vão cortar com uma gran- sobre como equacionar essa questão, o mesmo, deve estar sempre preparado
de impiedade aquilo que você escreveu Ministro Lyrio afirmou a necessidade para desempenhar essa função. Dessa
e você não pode se sentir diminuído por de se ter equilíbrio entre criatividade e constatação, certamente, decorre o di-
aquilo”. Em outras ocasiões, “você cria- realismo. “É preciso ter equilíbrio en- tado segundo o qual “no Itamaraty, pas-
rá formulações muito boas e, às vezes, dá tre criatividade e realismo com o que sa-se metade da vida escrevendo o que
uma pena danada de simplesmente en- está sendo dito, sob pena de transfor- outros lerão e, depois, metade da vida
tregar aquilo de mão beijada para outra mar o discurso num passivo”. Ou seja, lendo o que outros escreveram”.
pessoa, mas faz parte do trabalho. Você o discurso tem de estar fundamentado Embora não exista receita de bolo,
tem que saber lidar com isso e aí eu acho em bases sólidas, senão pode causar um é possível identificar algumas habilida-
que análise faz muito bem”. Nessa mes- efeito contrário do que se pretendia ini- des básicas que o diplomata-ghostwriter
ma linha, o Ministro Norberto Moretti cialmente. Aliás, equilíbrio e moderação deve desenvolver. Para começo de con-
adverte que “não é uma boa ideia se ca- parecem ser aspectos que conformam versa, é preciso ter punch-lines: frases e
sar com o texto”. a própria essência da linguagem diplo- expressões que reforcem o teor retórico
No Itamaraty, o discurso é impres- mática, como um todo, e do discurso di- do discurso e façam o interlocutor refle-
cindível, pois, como de resto ocorre em plomático em particular. Sobre o papel tir e se emocionar. Ted Sorensen que o
qualquer chancelaria, a palavra é o prin- dos cânones, o Ministro Lyrio acredita diga. Ele foi o criador de uma das mais
cipal instrumento de trabalho. Por isso que “a existência de boundaries facilita poderosas e conhecidas punch-lines do
mesmo, o Ministro Mauricio Lyrio lem- (o trabalho do ghostwriter), porque você ex-presidente dos Estados Unidos John
bra que, “em política externa, a palavra é não quer, a cada discurso, fazer tábula F. Kennedy: “Não pergunte o que o seu

“O texto tem de ser


Foto: Vismar Ravagnani

meridianamente claro.
Você precisa dizer o que
você quer dizer, a não ser
quando se queira usar a
ambiguidade construtiva ou
uma linguagem meramente
referencial.”

Ministro Norberto Moretti


133

Foto: Emb. Georges Lamazière

“Em política externa, a


palavra é central.”

“Fazer diplomacia e fazer


o texto que expressa essa
diplomacia são coisas
indissociáveis.”

Ministro Maurício Lyrio

país pode fazer por você. Pergunte o que se você estivesse falando de improviso, só dos meios de comunicação e das redes
você pode fazer pelo seu país”. Porém, que à máquina de escrever – acabe tam- sociais impõe a necessidade de se produ-
nem só de punch-lines vive o ghostwri- bém sendo muito importante.” zirem textos diversos e variados, geral-
ter. Concisão, clareza e precisão são ca- Atualmente, a redação de discursos mente, em curtíssimo espaço de tempo.
racterísticas fundamentais do discurso no Itamaraty não obedece a um padrão Nesse cenário, o grande desafio para o
diplomático, afirma o Ministro Moretti. único de elaboração. Por vezes, cabe a um escritor-fantasma é manter a capacidade
“O texto tem de ter uma precisão meri- só diplomata preparar a minuta de dis- de análise e reflexão para produzir textos
diana. Tem de ser meridianamente cla- curso que será submetida a aprovação su- que fujam à armadilha da superficiali-
ro. Você precisa dizer o que você quer perior. Porém, em muitos casos, o traba- dade e, ainda assim, tenham eficácia do
dizer, a não ser quando se queira usar a lho de criação é uma obra coletiva, para a ponto de vista da comunicação.
ambiguidade construtiva ou uma lingua- qual contribuem diversos colegas, desde A profícua atuação de diplomatas
gem meramente referencial.” as divisões, passando pelos respectivos que, no exercício de suas funções pro-
Para o Embaixador Sérgio Danese, o departamentos e pela SPD, até chegar à fissionais, têm se destacado como escri-
redator de discursos precisa, necessaria- mesa do Ministro de Estado ou da Pre- tores-fantasmas se insere na longa tra-
mente, ter flexibilidade para adaptar a sidenta da República, onde, novamente, dição de valorização e aperfeiçoamento
própria escrita ao estilo do orador. Outro poderá sofrer alterações. Outra peculia- do discurso diplomático brasileiro por
fator que conta é a rapidez. “Como nós ridade dos tempos atuais é a profusão de parte do Itamaraty. Cabe, pois, às novas
não temos propriamente uma tradição de discursos, comunicados, artigos de opi- e futuras gerações beber da fonte dos
fazer discursos muito estruturada, quase nião e textos afins que são produzidos, que nos precederam para continuar pro-
sempre a solicitação é muito urgente e diariamente, nas chancelarias de todo o jetando, mais e melhor, a voz do Brasil
isso faz com que a capacidade de rapida- mundo. O volume de trabalho aumentou no mundo. — J
mente produzir um texto – quase como consideravelmente e a instantaneidade
ENSAIOS E RESENHAS

Albert Camus no Brasil


Em 1949, o célebre escritor francês desembarcava
no Rio de Janeiro para uma visita histórica

Alexandre Piana Lemos


Foto: Acervo Fundação Murilo Mendes. © by herdeiros de Murilo Mendes

Albert Camus, Maria


da Saudade Cortesão
e Murilo Mendes no
Rio de Janeiro.
135

O ano de 2013 marcou o centenário somada à visão das ingentes desigualda- poético, é também premonitório do que
do nascimento de Albert Camus (1913- des sociais, sufoca-o. o escritor viria a sentir em meio à paisa-
1960). Na França e no mundo francófo- Em verdade, segundo seu biógrafo, gem brasileira. No dia 15 de julho, apro-
no em geral, inúmeras foram as homena- Olivier Todd, é Camus quem dá a im- ximando-se do Rio de Janeiro, vê o Pão
gens prestadas nos últimos dois anos ao pressão de sufocar durante a viagem, de Açúcar, que do alto “parece esmagar
autor de O Estrangeiro e A Peste. No Bra- em função de seu estado depressivo (a a cidade”, ao lado de um “imenso e la-
sil, contudo, as cerimônias foram discre- obsessão com o suicídio transparece mentável Cristo luminoso”. As metáfo-
tas, e o mercado editorial perdeu ótima em várias páginas de suas anotações). ras, como se vê, remetem ao sentimento
oportunidade de relembrar a histórica É bastante provável que a enfermidade constante de asfixia, temor, impotência.
passagem de Camus pelo país, ocorrida tenha afetado parcialmente sua leitura O espetáculo da cidade, espremida entre
em 1949. do Brasil. Como quer que seja, o relato mar e montanha, estendendo-se infini-
Sofrendo de profunda depressão e é interessantíssimo justamente por fugir tamente pela orla, e a riqueza das cores
com a saúde abalada pela tuberculose que a estereótipos recorrentes na tradição da baía “fazem calar a todos” no barco,
o atormentava desde a juventude, Albert literária francesa, que apresentam, con- mas a grandiosidade da cena, segundo
Camus aceitou a sugestão de um de seus Camus, é excessiva. “A natureza sufoca o
editores e partiu em viagem à América homem”, repararia mais tarde.
do Sul, onde trabalharia como jornalista De certa maneira, os contrastes que
e daria uma série de conferências. O Bra-
O país impressiona a paisagem exuberante do Rio oferece
sil foi a primeira e mais importante etapa o escritor pela ao visitante – com matas virgens entre-
desse périplo. Desembarcando no Rio de cortadas por enormes prédios, e case-
Janeiro em 15 de julho de 1949, Camus grandiosidade de sua bres que se erguem ao lado de mansões
percorreu, ainda, Recife, Salvador, São – constituem o prisma através do qual
Paulo e Porto Alegre, além da histórica ci- paisagem, mas essa Camus enxergará o Brasil. Preferindo
dade colonial de Iguapé, antes de deixar o o conforto de um pequeno quarto na
país no dia 10 de agosto.
mesma grandiosidade, embaixada francesa a um dos palacetes
A leitura dos Diários de Viagem, onde somada à visão que lhe são oferecidos, o escritor nota
consta o relato de sua estadia em terras em seu diário que lhe chama a atenção
brasileiras, é interessante por dois mo- das ingentes o contraste entre palácios de luxo e pré-
tivos. Primeiramente, porque permite dios modernos construídos a cem me-
acompanhar o processo criativo do au- desigualdades sociais, tros de favelas, “espécie de bidonvilles
tor, o modo como Camus trabalhava suas
sufoca-o. incrustadas nas colinas, sem água nem
anotações em estado bruto para depois luz, onde vive uma população miserável,
convertê-las em obra de ficção. A novela negra e branca”. As mulheres que habi-
A Pedra que Brota, ambientada no Bra- tam as favelas, repara ele, descem com
sil, é fruto, como veremos, de episódios descendentemente, o Brasil como “terra seus cestos para buscar água aos pés
testemunhados pelo autor francês em da cocanha”, nação habitada por “bons das colinas e, enquanto fazem fila umas
nosso país, e baseia-se fartamente em selvagens”. Camus fala com acidez das atrás das outras, passam diante delas “as
anotações registradas à época. enormes desigualdades sociais do país bestas niqueladas e silenciosas da indús-
Os diários de Camus, todavia, são e impressiona-se com grandes cidades tria automobilística norte-americana.
valiosos sobretudo como testemunho como São Paulo, que crescem caotica- Jamais luxo e miséria me pareceram tão
das impressões do autor acerca de nos- mente, desrespeitando direitos básicos insolentemente misturados”.
so país. A leitura do relato desagradará dos cidadãos. O desconcerto de Camus frente às
a muitos, uma vez que as opiniões de Vindo do porto de Marselha, de onde situações vivenciadas no Brasil, é verda-
Camus a respeito do Brasil não são exa- parte no dia 30 de junho, Camus avista, à de, nem sempre é negativo. Cansado das
tamente lisonjeiras. O país impressiona latitude de Pernambuco, as “nuvens trá- inúmeras “soirées” e conferências a que
o escritor pela grandiosidade de sua pai- gicas que vêm do continente... mensa- é submetido, o escritor tem gratas sur-
sagem, mas essa mesma grandiosidade, geiras de uma terra assustadora”. O tom, presas com inúmeros aspectos da cul-
ENSAIOS E RESENHAS

tura brasileira. Encanta-se com Murilo tal. Disposto a conhecer um pouco mais Recife Antigo, com suas casas coloridas
Mendes, “espírito fino e melancólico”; dessa cultura, Camus encontrou-se com e suas ruas de paralelepípedo. Camus
janta e deslumbra-se com Manuel Ban- Abdias Nascimento, criador do Teatro exalta nossa arquitetura, nossas igrejas
deira, “pequeno homem extremamente Experimental do Negro, cuja intenção que não possuem “o excessivo peso do
fino”. Após o jantar com Bandeira, tem era trazer à tona a cultura do negro bra- barroco europeu”. O estilo jesuíta, segun-
a oportunidade de conhecer Dorival sileiro, então praticamente ausente de do ele, aqui se tornou mais leve e claro.
Caymmi, “um negro que compõe e es- nossos palcos. Em 1947, Abdias pedira O Pátio de São Pedro, com sua igreja, o
creve todos os sambas que o país can- a Camus permissão para encenar a peça fascina, assim como a Capela Dourada,
ta”. Ouvem-se “as canções mais tristes e Calígula, ao que o autor francês pron- com seus azulejos perfeitamente conser-
mais comoventes”. “Totalmente seduzi- tamente aquiesceu. Para a satisfação de vados. Indo a Olinda, Camus testemunha
do”, anota Camus. ambos, a companhia de Abdias encenou o ritual do bumba meu boi, que qualifica
Camus repara ainda, com satisfação, a a peça no teatro Ginástico especialmen- de “espetáculo extraordinário”.
existência de casas mourescas, da arqui- te para Camus. A passagem por Pernambuco defini-
tetura árabe em bairros operários do Rio Motivado pelo interesse de Camus na tivamente animou o viajante deprimido,
de Janeiro. Esse legado o remete à Argé- cultura afro-brasileira, Abdias ainda o le- que, antes de partir à Bahia, escreve em
lia de sua infância e conforta o escritor. O vou a Duque de Caxias para assistir a uma seu diário: “Gosto de Recife, definitiva-
fascínio dos brasileiros pelo futebol tam- macumba, ao que se seguiu uma noite de mente. Florença dos Trópicos, em meio
bém o impressiona, a ponto de pedir a gafieira no Rio. A experiência de ser le- a suas florestas de coqueiros, suas mon-
seus anfitriões para assistir a uma partida vado a bairros mais populares e de poder tanhas vermelhas, suas praias brancas”.
(Camus fora goleiro de renome jogando conviver com a população mais de perto Se Pernambuco fascinou Camus
pelo Racing Universitaire Algérois). o anima. Ele pensa “(...) nessas multidões por sua arquitetura, é na Bahia que o
De modo geral, Camus interessou-se que não cessam de crescer sobre a super- escritor se sente confrontado mais di-
pelo que imaginava ser “a cultura negra fície da Terra e que terminarão por reco- retamente com a cultura negra e com o
no Brasil”. Dizia ele simpatizar “a prio- brir tudo (...). Eu entendo melhor o Rio legado árabe no Brasil. Em Salvador, Ca-
ri” com os negros no Brasil (notando que assim, melhor do que em Copacabana”. mus come “pratos apimentados a ponto
era um “preconceito inverso”, que ele Depois do Rio, Camus partiu para Re- de curar paralíticos” e entra em contato
deveria vencer), que o remetiam, devido cife, onde passou os dias 21 e 22 de julho. com o candomblé (“essa curiosa religião
à condição social desfavorecida em que Nessa “terra vermelha, devorada pelo afro-brasileira, que, aqui, é o catolicismo
viviam, aos árabes de sua Mondovi na- calor”, ele quedou-se admirado ante o dos negros”). Os ares da capital baiana o
remetem imediatamente à Argélia natal,
naquilo que sua terra tinha de encanta-
dora e melancólica. Escreve ele, no dia
23 de julho: “A Bahia, onde só se veem
Foto: Flickr: Jared Enos

negros, me parece uma imensa casbá


borbulhante, miserável, suja e bela”, e a
beleza da sua baía, segundo ele dotada
de “certa medida e de certa poesia”, lhe
é preferível à do Rio, demasiado espeta-
cular para seu gosto.
O próximo destino de Camus no
Brasil seria São Paulo, onde Oswald de
Andrade o recebe. A respeito da capital
paulista, Camus escreve: “(...) cidade es-
tranha, Orã desmedida”, em referência
à cidade argelina na qual o romance “A
Peste” é ambientado. São Paulo, por seu
tamanho e urbanismo caótico, impres-
137

Foto: Max Haak / Agecom

No Brasil, Camus ficou


fascinado com a cultura
negra.

sionou Camus. Novamente, o escritor e o atraso e a pobreza extrema em que se impressionou o escritor, principalmente
francês choca-se com os contrastes en- encontra a maioria da população. Talvez a cerimônia da visita à Gruta do Senhor,
tre a modernidade que avança no Brasil motivado pela conversa que tem com onde, segundo relato local, a imagem do
Oswald a respeito da teoria antropofági- Bom Jesus fora lavada sobre uma rocha, a
ca, Camus anota: qual desde então passou a crescer ininter-
Camus dizia “O Brasil, com sua frágil armadura mo- ruptamente. Esse fenômeno é conhecido
derna, como uma chapa metálica incrus- até hoje em Iguapé como o da “pedra que
simpatizar “a priori” tada sobre esse imenso continente fervi- cresce” ou da pedra que brota.
lhante de forças naturais e primitivas, me O espetáculo de centenas de fiéis per-
com os negros no faz pensar num edifício, corroído cada vez filando-se diante da entrada da gruta,
Brasil, que o remetiam, mais de baixo para cima por traças invisí- tentando arrancar lascas da rocha mila-
veis. Um dia o edifício desabará, e todo um grosa, marcou Camus, que apresentou o
devido à condição pequeno povo agitado, negro, vermelho e episódio sob forma ficcional em sua no-
amarelo espalhar-se-á pela superfície do vela A Pedra que Brota, que consta na obra
social desfavorecida continente, mascarado e munido de lan- O Exílio e o Reino. Nessa novela, D’Arrast,
ças, para a dança da vitória”. um engenheiro francês, vem ao vilarejo
em que viviam, aos Essas impressões viriam a ser reforça- construir uma barragem e surpreende-se
árabes de sua Mondovi das quando, no dia seguinte, Camus par- com a procissão que presencia. Os tre-
te com Oswald para a cidade colonial de chos da novela reproduzem, em alguns
natal. Iguapé (no litoral paulista), a fim de acom- pontos ipsis litteris, as anotações de Ca-
panhar a Festa de Bom Jesus. A romaria mus em seu diário de viagem.
ENSAIOS E RESENHAS

No caminho para Iguapé, Camus cidades – é o país da indiferença e da desenvolvidas, mas em rápido e desor-
percorre imensos descampados – ex- exaltação. Não adianta o arranha-céu, denado crescimento, onde medravam
ceção feita à cidade de Registro, onde o ele ainda não conseguiu vencer o espíri- megacidades caóticas e superpovoadas,
escritor se surpreende ao descobrir uma to da floresta, a imensidão, a melancolia. nas quais vivia uma população miserável
colônia japonesa no Brasil – e conclui: São os sambas, os verdadeiros, que ex- e atrasada.
“São imensos espaços desabitados, sem primem melhor o que quero dizer”. Ao percorrer o Brasil, Camus perce-
cultura. A terrível solidão desta nature- Conquanto eivadas de arroubos poé- beu, sobretudo, a existência de conflitos
za desmesurada explica muitas coisas a ticos, é inegável que as palavras de Ca- sociais latentes em uma sociedade tão
respeito desse país”. mus logram captar aspectos importan- desigual quanto a brasileira, e vaticinou,
De certo modo, a viagem a Iguapé e a tes da sociedade brasileira. Não fugiu ao como visto, que esse povo, relegado à
descoberta desses sertões abandonados olhar do escritor a existência de nossos miséria, um dia emergiria e, tomando
parecem ter motivado Camus a sinteti- sertões, ilhas sem cultura, bolsões de em “lanças”, romperia seu isolamento e
zar suas conclusões acerca da terra pa- miséria abandonados à própria sorte, em rumaria para a “dança da vitória”.
radoxal que conhecia: meio à natureza devastadora. O Brasil contemporâneo, é verdade,
“País em que as estações se confun- Tampouco fugiram à sua atenção os não venceu todos os desafios vislumbra-
dem umas com as outras; onde a vege- contrastes que ofereciam, face àquelas dos pelo escritor francês em 1949, mas
tação inextrincável torna-se disforme; terras recônditas, as aterradoras metró- certamente não é o mesmo país de ou-
onde os sangues se misturam a tal pon- poles brasileiras, locus de uma moderni- trora. A julgar pelo avanço socioeconô-
to que a alma perdeu seus limites. Um dade incipiente. Como afirma o biógrafo mico da população brasileira na última
marulhar pesado, a luz esverdeada das Olivier Todd, o que Camus viu no Brasil década, o Brasil parece integrar cada vez
florestas, o verniz de poeira vermelha – e nas demais cidades sul-americanas – mais seus cidadãos à natureza aterrado-
que cobre todas as coisas, o tempo que foi o surgimento daquilo que, nos anos ra e aos espaços infinitos que tanto im-
se derrete, a lentidão da vida rural, a 1960 e 1970, viria a ser conhecido como pressionaram Albert Camus. — J
excitação breve e insensata das grandes terceiro mundo: porções do globo sub-

Para saber mais...


A leitura dos Diários de Viagem
(Journaux de Voyage), onde
consta o relato de sua estadia
Fotos: Divulgação

em terras brasileiras, é interes-


sante porque permite acom-
panhar o modo como Camus
trabalhava suas anotações em
estado bruto para depois con-
vertê-las em obra de ficção. A no-
vela A Pedra que Brota (presente
no livro L`Exil et le Royaume), é
fruto de episódios testemunha-
dos pelo autor francês em nosso
país. À direita, capa da biografia
do autor, de Oliver Todd.
139

RESENHA
O que Kissinger não diz
Alexandre Piana Lemos

Uma Ucrânia dividida. O Oriente A rigor, argumenta Kissinger, nun- gurança coletiva das Nações Unidas não
Médio fora de controle. Vivemos em um ca houve uma ordem mundial, pois as funciona a contento, mas não considera
mundo em desordem, em que a interde- diferentes ordens, baseadas em prin- alternativas de reforma propostas por na-
pendência é acompanhada, paradoxal- cípios díspares, se aplicaram, histori- ções emergentes. Ademais, conquanto de-
mente, pela falta de objetivos comuns e camente, a porções restritas do globo. dique todo um capítulo para alertar sobre
por grande discordância quanto às regras A pax americana, contudo, apoiada nas os perigos da proliferação nuclear, limita-
que devem ditar a conduta das nações. instituições de Bretton Woods, logrou se a repetir o discurso autocondescenden-
Ao menos é o que pensa Henry Kissinger, estabelecer um sistema mundial impos- te dos Estados Unidos acerca do tema.
que, em “Ordem Mundial” (“World Or- to globalmente, consolidando a ordem O papel dos países emergentes no sis-
der”), analisa o delicado equilíbrio geo- westfaliana de Estados. É justamente tema internacional não está no centro das
político do mundo atual. esse sistema, entretanto, que hoje se preocupações de Kissinger, o que pode
As publicações do ex-Secretário de encontra contestado por todos os lados. ser exemplificado pelo tratamento con-
Estado norte-americano geram enorme Face à ameaça do jihadismo e à ascensão ferido à questão iraniana. Ao tratar das
expectativa. Quem procurar em seu li- da China e de outros atores emergentes negociações levadas a cabo pelo Ocidente
vro respostas para as questões enfren- revisionistas (Irã, Rússia e Índia), o sis- com o Irã, ele destaca os acordos de 2004,
tadas na atualidade, contudo, pode de- tema atual, baseado em um conjunto de 2005 e 2009, mas deixa de mencionar a
cepcionar-se. Ao contrário do que fez ao valores ocidentais, mostra-se insuficien- única tentativa exitosa de intermediação:
longo de sua carreira, Kissinger exime- te para acomodar os distintos interesses. a liderada por Brasil e Turquia em 2010,
se de recomendar políticas específicas Urge, nesse contexto, encontrar um que originou a Declaração de Teerã.
para lidar com as crises atuais; o livro novo equilíbrio de poder. Kissinger la- É irritante, ainda, o modo como Kis-
é, antes de tudo, uma exposição acerca menta que a Europa, presa à ideia de singer aborda a questão iraquiana. Em-
de como a ordem mundial foi moldada uma entidade supranacional, não con- bora exponha seu ceticismo quanto a um
ao longo de 2000 anos e uma reflexão, tribua mais incisivamente para a con- projeto mais ambicioso de “nation-buil-
profundamente pessimista, a respeito da formação desse equilíbrio. Igualmente, ding”, ele admite ter apoiado a invasão
forma que ela assume hoje. mostra-se preocupado que os Estados de 2003. Não oferece, todavia, justifica-
Procurando entender a configuração Unidos, a única superpotência, hesite tivas para o ataque realizado, limitan-
específica do sistema internacional con- em agir como árbitro do sistema, sobre- do-se a dirigir constrangedor elogio ao
temporâneo, o autor concentra-se no estu- tudo quanto à China, em um momento ex-presidente George W. Bush por sua
do de quatro importantes concepções de no qual delicados balanços de poder “coragem” e “dignidade” na condução
“ordem” que influenciaram a geopolítica emergem na Ásia (envolvendo China, da política externa à época...
global: a ordem westfaliana europeia que, Índia e Japão), sem que haja um ator, Por fim, o problema maior de “Ordem
surgida das guerras religiosas do século tal como a Grã-Bretanha do século XIX, Mundial” é aquilo que seu autor não diz.
XVII, consolidou o sistema de equilíbrio que atue como fator de equilíbrio. Kissinger jamais apresenta nitidamente
de poder; a ordem islâmica, baseada não Em meio ao caos que identifica, Kis- sua visão de uma nova ordem. Para o caos
em Estados soberanos, mas na ideia de singer reconhece a necessidade de erigir do mundo contemporâneo, não aponta
uma comunidade religiosa (a “Umma”); a uma ordem verdadeiramente mundial, qualquer solução, a não ser um vago ape-
ordem chinesa, centrada na figura divina que contemple os interesses díspares das lo para que seja alcançado um equilíbrio
do Imperador, a quem o mundo exterior potências tradicionais (sobretudo dos Es- entre poder e legitimidade. Em tempos
se subordinava; e a ordem norte-ameri- tados Unidos) e das emergentes. O proble- de crise, o silêncio de um dos maiores es-
cana, que, expandindo-se a partir do ide- ma é que ele parece incapaz de considerar trategistas do século passado parece in-
alismo de Woodrow Wilson, dominou o seriamente os anseios dos novos atores. dicar que o futuro é incerto e que pouca
mundo após a Segunda Guerra Mundial. Assim, ele admite que o sistema de se- razão há para otimismo. — J
ENSAIOS E RESENHAS

Samuel Rawet
Entre a Solidão e o Diálogo
Pedro Meirelles Reis Sotero de Menezes

a foto que ilustra esta página é da Rua Samuel Rawet, no subúrbio carioca de Santa
Cruz. É a única com esse nome em todo o Brasil. Parece insuficiente, quase inapropria-
do, associar esta rua humilde a um grande nome da literatura nacional. Usando essa foto
como ponto de partida, tenho dois objetivos principais neste artigo: convencer o leitor
de que Samuel Rawet é um dos grandes escritores nacionais (ou incitar o leitor a tirar a
prova lendo a sua obra); e mostrar por que ter seu nome emprestado a uma rua suburbana
inexpressiva é, coincidentemente, a homenagem perfeita.
Foto: Google Street View

Rua Samuel Rawet, no bairro de Santa


Cruz, subúrbio do Rio de Janeiro.
141

Klimontów, Rio, Brasília e Tel-Aviv cação e passou a contribuir para sua gra- para a Novacap, empresa incumbida de
Samuel Rawet nasceu em Klimon- de com pequenas peças e programas. A construir Brasília. Integrou a equipe de
tów, interior da Polônia, em 23 de julho partir desse primeiro contato, passou a Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Joaquim
de 1929 e morreu em Sobradinho, cida- conviver com figuras do mundo teatral Cardoso (este último também um enge-
de-satélite de Brasília, em 22 de agosto e literário do Rio de Janeiro. Formou-se nheiro-escritor de grande talento), na
de 1984. Nasceu em um shtetl, uma das engenheiro em 1953, e passou a publicar capacidade de calculista de concreto. São
comunidades judaicas tradicionais e in- seus primeiros contos em pequenas re- dele os cálculos que mantêm de pé o Con-
trovertidas que pontilhavam o campo do vistas e suplementos literários, que ser- gresso Nacional, o Monumento aos Pra-
leste europeu até serem destruídas pe- viram de base para seu primeiro livro, cinhas, no Aterro do Flamengo e diversas
los horrores do século XX. Seu pai, um Contos do Imigrante, de 1956. outras obras marcantes.
pequeno comerciante, decidiu buscar a O livro foi bem recebido por parce- Continuou escrevendo paralelamen-
sorte no Novo Mundo, e em 1933 emigrou la importante da crítica, para a surpresa te a seu trabalho de engenheiro - depois
para o Brasil, conseguindo trazer a famí- de seu autor. Assis Brasil, um dos prin- de um intervalo de sete anos publicou
lia apenas três anos mais tarde. cipais críticos literários em atividade no Diálogo, outro livro de contos, em 1963.
Em 1938, Samuel desembarcou com a período, classificou o ano de 1956 como Escreveu também para o teatro, obten-
mãe e os irmãos no Rio de Janeiro, e de- fundamental na renovação da literatura do algum êxito - chegou a ver peças suas
pois do primeiro impacto da mudança. brasileira: Grande Sertão: Veredas trans- encenadas no Theatro Municipal do Rio
integrou-se aos subúrbios que o circun- cendeu os limites linguísticos do roman- de Janeiro. Quando ocorreu o golpe de
davam, vivendo como os moleques de- ce tradicional; o conto, por sua vez, foi 1964, Niemeyer, um comunista notório,
sordeiros que, volta e meia, infernizam a subvertido por Contos do Imigrante, fugiu do Brasil. Um de seus primeiros
vida dos personagens em seus contos. Ao que rompeu com a estrutura, a estética projetos do período de exílio foi a Uni-
longo da juventude interessou-se por li- e a temática que predominavam desde o versidade de Haifa, em Israel, no qual
teratura, lendo Dostoiévski, Mann, Gorki, tempo de Machado de Assis contou com a ajuda de Rawet.
Kafka, Graciliano Ramos, Lima Barreto Apesar da admiração de setores da crí- Em Israel, o escritor viu-se cara a
e outros, sendo este último, suburbano tica, o sucesso não se reverteu em vendas, cara com diversos dilemas e inquietações
como ele, um herói para a vida toda. muito menos na possibilidade de subsis- que trazia consigo. Apesar de ser o maior
Desde cedo interessou-se também tir da atividade literária. Rawet seguiu cronista da vida dos imigrantes judeus
pelo teatro - ainda adolescente ganhou adiante com a carreira de engenheiro e, no Brasil, a herança judaica sempre fora
um prêmio da Rádio Ministério da Edu- em 1957, o jovem de 24 anos foi recrutado fonte de angústia para Rawet: um confu-
Foto: Divulgação

Na foto do passaporte, Samuel Rawet ainda


garoto, ao desembarcar no Brasil em 1938,
trazido pela mãe, acompanhado da irmã e
do irmão mais velho.
ENSAIOS E RESENHAS

A obra de Samuel Rawet é ferozmente individual. Uma das raízes


que alimenta essa singularidade é a vivência pessoal do autor;
a outra é o autodidatismo eclético e desconfiado que pautou seu
desenvolvimento intelectual.

so emaranhado formado por religião, cul- Continuou publicando, principalmente seguintes sua obra continuou a ser lida
tura, tradição intelectual e por sua infeliz contos (Os Sete Sonhos, em 1967; Terre- e apreciada, mas a falta de novas edições
convivência familiar. Rejeitou o grosso da no de Uma Polegada Quadrada, em 1970), prejudicou o contato com uma nova gera-
tradição intelectual judaica, mas admira- mas também ensaios, artigos e uma nove- ção de leitores, e sua popularidade ficou
va intensamente Espinoza, Martin Buber la. Mudou-se para Brasília, mas decidiu restrita quase que exclusivamente a círcu-
e Kafka, herdeiros dessa mesma tradição, vender seu apartamento para custear a los literários e universitários.
ainda que divergentes ou hereges. Como publicação de suas obras e teve de voltar
também foi, afinal, o próprio Rawet. Uma ao Rio. Depois de cinco anos voltou para Entre a solidão e o diálogo
década mais tarde, em 1977, finalmente Brasília, onde trabalhou como engenhei- A obra de Samuel Rawet é feroz-
abjurou de forma explícita e desaforada ro do DNIT até a sua morte. mente individual. Uma das raízes que
seu judaísmo, no ensaio Kafka e a Mine- Os últimos anos foram de progressi- alimenta essa singularidade é a vivência
ralidade Judaica ou a Tonga da Mironga vo isolamento. Ressentia-se da família: a pessoal do autor; a outra é o autodida-
do Kabuletê. mãe ausente por força da doença mental, tismo eclético e desconfiado que pau-
Outro aspecto de si que mereceu re- do pai e dos irmãos Rawet recordava ape- tou seu desenvolvimento intelectual. A
flexão intensa em seu período de expa- nas a mesquinhez, a rejeição e uma certa marca que a vida do autor deixou sobre
triado foi sua homossexualidade. Tocou indiferença. Considerava, inclusive, que sua obra é evidente nos temas abordados
no tema em ensaios e contos, de forma havia sido defraudado no processo de di- em seus contos: a vida de imigrantes –
direta ou indireta. No ensaio Homosse- visão do espólio do pai. Ressentia-se tam- principalmente judeus – no Brasil em
xualidade e Valor, de 1970, chega a contar bém do mundo literário e editorial, que meados do século XX, a complexidade
como, durante sua estadia em Israel, foi sentia ser gerido por uma “máfia” fecha- das relações familiares e a vida nos su-
andar e pensar sobre o assunto na planí- da e obscura. Devido a desavenças com búrbios. As ruas do subúrbio e o círculo
cie onde alegadamente foram destruídas editores, perdeu contratos e viu lotes de familiar são os principais “palcos” por
Sodoma e Gomorra. Em seus escritos, obras suas apodrecerem em galpões. Sua onde passam os personagens na obra de
Rawet transpareceu aceitação e certa produção teatral estagnou diante de sua Rawet: são os dois polos que conformam
tranquilidade em relação a sua sexuali- insatisfação com os textos, com sua exe- suas vidas, e por sua força são quase per-
dade totalmente ausentes de sua relação cução e também por conta da censura do sonagens eles mesmos.
com o judaísmo. Essa aceitação foi acom- regime militar. As últimas obras foram O convívio íntimo e o público formam
panhada por uma revolta diante de qual- quase totalmente custeadas com dinhei- dois polos da ação nos contos de Rawet.
quer tentativa de enquadrar ou reprimir ro próprio, e chegavam às livrarias de for- Da mesma forma, a solidão e o diálogo
esse aspecto da vida humana: desprezava ma esporádica e desordenada. formam a antítese que subjaz a boa parte
igualmente os preconceitos da sociedade, Samuel Rawet morreu em 1984, só e de seus contos. Em alguns de seus contos
os mandamentos da religião e as teorias depauperado, em sua casa em Sobradinho, a rua é lugar de alívio - onde, livres das
explicativas de Freud e outros. cidade-satélite de Brasília. Viveu cinquen- tensões e obrigações do trabalho ou da fa-
Deixou Israel em 1965, frustrado com ta e seis anos intensos e volúveis. Publica- mília, seus personagens podem se perder
suas experiências profissionais e pes- ram-se obituários nos principais jornais no anonimato ou buscar construir rela-
soais no país. Perambulou pela Europa lamentando a perda do autor e seus últi- ções em seus próprios termos. Em outros,
mediterrânea antes de voltar ao Brasil. mos anos de obscuridade. Nas décadas esse convívio suburbano é ameaçador,
143

porque desconhecido e imprevisível. A reservando antipatia particular à reli- fia é característica do subúrbio carioca:
convivência doméstica, por sua vez, é gião, ao marxismo e à psicanálise. Sen- um centro comercial ativo e próspero
caracterizada como difícil e complexa. te que se há algum princípio que deva é rodeado por algumas áreas de classe
Há toda uma carga de expectativas, pre- pautar a ação humana, ele deve ser en- média e por um amontoado pouco orga-
conceitos, herança cultural e religiosa, contrado no próprio homem, e não em nizado de áreas mais simples e redutos
rancores subterrâneos e incompreensão algum esquema ou abstração. de pobreza real, de onde o Estado está
mútua que mina a comunicação, espe- ausente. Samuel Rawet reconheceria no
cialmente entre gerações. Justa homenagem bairro algo do convívio franco e vivo que
Na peça Calígula, de Albert Camus, Santa Cruz, onde está a Rua Samuel o atraía a Leopoldina e a Ceilândia, mais
o personagem principal pergunta a um Rawet, é um bairro histórico: foi sede de do que a Ipanema ou à Asa Sul. Avesso a
opositor: “Cherea, acreditas que dois uma importante fazenda colonial, mais toda pompa e pretensão, é difícil imagi-
homens (...) possam, ao menos uma vez tarde palácio de veraneio da Coroa por- nar uma homenagem que agradaria mais
na vida, abrir o coração e falar como se tuguesa no Brasil. Lá passaram a infân- ao autor do que emprestar o nome a uma
estivessem nus um diante do outro, des- cia dois monarcas: Pedro I do Brasil e rua típica de um subúrbio típico do Rio
pojados dos preconceitos, dos interesses Dom Miguel I de Portugal. Sua geogra- de Janeiro. — J
particulares e das mentiras em que vi-
vem?” Essa é, acredito, a indagação que
move boa parte do que escreveu Rawet:
seus personagens (e, possivelmente, o
autor através deles) buscam, de diversas
formas, estabelecer algum tipo de cone- Foto: Divulgação

xão, de diálogo, e escapar à solidão fun-


damental.
Na peça de Camus, a resposta de
Cherea é dura: “penso que é possível,
Caius. Mas julgo-te incapaz de fazê-lo.”
A mesma condenação parece valer para
os personagens de Rawet. É muito raro
que consigam estabelecer algum contato
genuíno e desobstruído.
Os ensaios produzidos por Rawet,
que compõem a outra metade de sua
obra, são também vigorosos e originais,
apesar de não conduzirem a leitura tão
envolvente quanto seus contos. Rawet
escreve de forma extremamente in-
formal, usando vocabulário altamente
peculiar. Suas ideias são tão variadas
quanto suas referências, e Rawet escre-
ve sobre uma gama vasta de questões, do
teatro de James Joyce aos botecos das No livro de estreia,
cidades-satélite de Brasília a questões publicado em 1956, a
solidão é principalmente a
metafísicas. Há algumas constantes, no de exilados judeus em uma
entanto, a mais recorrente delas sendo terra estranha, personagens
cuja existência anterior foi
sua preocupação com a ética. Rawet re- abandonada ou consumida
jeita as grandes estruturas que tentam por eventos fora de seu
controle.
sistematizar o comportamento humano,
ENSAIOS E RESENHAS

RESENHA
Sonâmbulos da destruição
historiador explica como as potências europeias caminharam inconscientemente rumo à grande guerra

Vitor Augusto Carvalho Salgado da Cruz

No momento em que se recorda dispunham. Nesse contexto, o objetivo governo, a imprensa e a opinião pública
o centenário da Primeira Guerra Mun- do historiador australiano foi reconsti- complexificavam o processo decisório.
dial (1914-18), o tema tem suscitado re- tuir as circunstâncias em que as decisões Apesar de lidar com grande volume de
novado interesse nos meios acadêmicos foram tomadas por homens de Estado, informações, o estilo narrativo de Clark
e no público em geral. No centro do de- como, por exemplo, Edward Grey, Ray- permite uma fácil leitura. Com efeito,
bate sempre esteve a determinação das mond Poincaré, Leopold von Berchtold, para além dos clássicos da história e das
responsabilidades por iniciar o conflito, Theobald Hollweg, Dragutin Dimitrije- relações internacionais, o livro lembra,
visto que o Tratado de Versalhes, ao atri- vic “Ápis” e Nikola Pašic, além dos pri- em alguns momentos, o realismo fanta-
buir a culpa à Alemanha, onerou o país mos imperadores Jorge V, Nicolau II e sioso de Crônica de uma morte anuncia-
e ensejou as circunstâncias que, segun- Guilherme II. Para isso, Clark utilizou da, de Gabriel García Márquez, quando
do diversos historiadores, permitiram extensa base documental, disponível se refere ao atentado contra Francisco
a ascensão do nazismo. Uma vez esta- nos arquivos de Londres, Paris, Berlim, Ferdinando: “Os austríacos tinham es-
belecida a paz, uma verdadeira “guerra Viena e Belgrado. colhido uma data infeliz para a visita. [...]
mundial de documentos” teve início e O ponto de partida da análise é a Apesar dos avisos sobre a probabilidade
os países que antes lutavam por territó- Sérvia da virada do século XIX para o de um atentado terrorista, o arquiduque
rios passaram a disputar o controle da XX. Após o assassinato do rei Alexandre e sua mulher seguiam em carro aberto
narrativa acerca do conflito. Baseados Obrenovic, o grupo regicida liderado no meio da multidão, por uma rota total-
nos documentos oficiais, os estudiosos por Ápis conquistou considerável in- mente previsível. Os renques de soldados
do assunto partiram em busca de ex- fluência na política nacional, o que lhe que costumavam ladear o meio-fio não
plicações remotas e categóricas, como permitiu perseguir o projeto nacionalis- estavam presentes, por isso o comboio
imperialismo, nacionalismo, armamen- ta de Grande Sérvia inclusive por meio passava praticamente desprotegido na-
tismo, políticas de aliança e imperativos de organizações paralelas como a Mão quela aglomeração.” Naquele dia em que
econômicos. A determinação das causas Negra. Além da conjuntura sérvia, outro o casal real celebrava seu aniversário de
do conflito geralmente busca atender a aspecto destacado é a intricada rede de casamento, a tragédia se materializou em
questão do “porquê”, mas muitas vezes relações entre as potências da época, as decorrência de diversos erros, sendo o
desconsidera os aspectos igualmente quais permitem inferir que as alianças último deles a falta de orientação aos mo-
importantes acerca de como transcorre- não eram necessariamente tão sólidas toristas do comboio, após a mudança de
ram os acontecimentos. Nesse sentido, como um observador do presente pode itinerário devido à primeira tentativa de
Christopher Clark traz uma contribui- supor. Ademais, são analisados episó- assassinato fracassada.
ção original em seu livro Os Sonâmbulos dios que acirraram as tensões no plano Apesar de substanciais diferenças,
— Como eclodiu a Primeira Guerra Mun- internacional, a saber, as crises do Mar- a atualidade apresenta algumas seme-
dial (Companhia das Letras, 2014). rocos e a Guerra itálo-turca pela Líbia, lhanças com aquele momento histórico,
A obra é centrada na análise das se- que estimulou a corrida pelos espólios como o crescimento da ameaça terroris-
quências de interações que resultaram do Império Otomano consubstanciada ta, o liberalismo comercial e a emergên-
na tragédia. Assim, a eclosão da guerra nas Guerras dos Balcãs. Também exis- cia de novas potências. Assim, conforme
seria decorrência de cadeias de decisão tiam disputas dentro dos Estados na- ressaltado por Clark, 1914 pode funcionar
controladas por agentes políticos com cionais, que faziam os países oscilarem como um oráculo, um alerta importante
objetivos conscientes, que avaliaram um entre posturas mais ou menos belicosas. sobre como os custos podem ser terríveis
conjunto de opções e decidiram com Entre outros fatores, as disputas entre quando a política falha, o diálogo acaba e
base nas melhores informações de que militares e civis e as relações entre o o acordo se torna impossível. — J
145
letter from the editors
brief brief

english texts
different aspects of Brazilian culture and iden-
Letter from the Editors tity to our international performance. In the BRIEF
sections Interviews, we have spoken to Min-
ister of Foreign Affairs Mauro Vieira on his
concept of a “diplomacy of results”, and to the
Letter from former Minister of Foreign Affairs and former
Defense Minister Celso Amorim about the re-
the Editors lation between diplomacy and defense.
While developing JUCA 8, our major
Portuguese version page 01 concern has been to improve the magazine
— in terms of visual identity and dissemination
70 years ago, the United Nations was created to of the Itamaraty’s work, without neglecting a
contribute to more peaceful and institutional- critical perspective. We have engaged in pro-
ized international relations. In that same year, ducing a magazine which is dense and critical
1945, the Rio Branco Institute was established at the same time, being, moreover, an oppor-
as the expression of the Brazilian willingness tunity to exercise leadership capacities and
to prepare its diplomats to an increasingly group work, which makes JUCA, a tradition
complex and interdependent world. The link of only 8 years, a significant part of Rio Bran-
between these two events is at the very heart co Institute`s activities for the training of dip-
of JUCA magazine, which, in its eight edi- lomats, as it reaches its 70th anniversary. We
tion, serves the dual purpose of expressing the have made efforts so that the magazine would
reflect the cooperative spirit of the 2013-2015
The United
thought of Itamaraty’s recently admitted dip-
lomats and working as a communication chan- Rio Branco Institute class, simultaneously
nel between the Institute and Brazilian society. keeping in mind that institutions with differ-
In the Brief section, we tackle, by means ent purposes, such as the United Nations or Nations at 70
of articles and interviews, UN’s seventieth Rio Branco Institute, regardless of their good
anniversary and the Brazilian performance in traditions (that must be kept), can and should Portuguese version page 05
this organization. We have talked to the Legal be improved. The efforts of manifold classes of —
Scholar Antônio Augusto Cançado Trindade the Institute to improve JUCA attests the con- Vinícius Fox Drummond Cançado
and to the former diplomat and Professor tinuity of that thought of renewal and relent- Trindade and Pedro Mariano Martins
Martti Koskenniemi, whose approaches to In- less quest for perfection that have inspired the Pontes
ternational Relations are radically divergent, creation of both the United Nations and IRBr.
but equally inspiring. In a more pragmatic We wish, at last, good luck to the next ed- “One of my earliest memories is walking up a
plan, we deal with important themes to Brazil- itors of JUCA, reinforcing the idea that this muddy road into the mountains. It was rain-
ian foreign policy, such as the need to reform magazine remain a means of expressing the ing. Behind me, my village was burning. When
the UN Security Council and the IMF. In this purposes that inspired, 70 years ago, the estab- there was school, it was under a tree. Then the
regard, we have also explored the backstage of lishment of the Rio Branco Institute: creativity, United Nations came. They fed me, my fami-
the UN`s fifth Committee, the body responsi- renewal, improvement, constructive and prop- ly, my community”. This quote by Secretary
ble for the organization’s budget and that ex- ositional actions; characteristics that mark the General Ban Ki Moon, remembering the havoc
plains, in part, its institutional paralysis. Brazilian performance at the United Nations, wreaked by the Korean War, is a symbol of the
In the Diplomacy and International Poli- as well. power of the United Nations to help civilian
tics session, we have tried to put an end to the Enjoy the reading! — J populations in humanitarian crises, seeking to
widely held view of “lace cuff diplomacy”. In guarantee respect for human rights and min-
this sense, the article “In the Trenches of Di- imal conditions of existence in all corners of
plomacy” gathers chronicles concerning the the world. Contrasting with this positive as-
routine of Brazilian diplomats in the so-called pect is a complex institutional structure that,
“sacrifice posts”, where restrictions of all sorts for some, has overlapping agencies and is inef-
make the exercise of the profession a chal- fective. For some, the UN is like Janus, a two-
lenge. In Culture and Art we present, apart faced god. Nevertheless, its ubiquity renders
from photographic essays, views that relate such simplifications impossible.
brief

Maintaining international peace and fos- 1990. In recent years, however, it has been un- is over armed and peace is underfunded.” As
tering cooperation have been the main pur- able to face the main threats to international for the regulation of nuclear weapons, the re-
poses of the United Nations since its creation. peace. Unilateral military interventions have cord is also a mixed one. Since the emergence
Over the years, however, the UN system has fueled Islamic radicalism and greatly increased of the UN, no nuclear device has been used in
become so complex that it not only defines pa- international instability. The inaction of the Se- conflict, but little has been done to reduce the
rameters for international regimes, but also in- curity Council in the context of the Syrian civil arsenal of nuclear-armed countries, one of the
fluences public policies in many realms, as the war and the supplying of weapons to anti-Assad pillars of the Nuclear Non-Proliferation Treaty.
main component of a dense system of norms groups enabled the rise and the strengthening Peacekeeping operations are, in many coun-
and institutions that make up the multilateral of the self-styled Islamic State, as well as the tries, the most visible and impacting aspect of
dimension of global governance, along with the outbreak of the largest refugee crisis since the the UN, being at the heart of the Security Coun-
WTO and the Bretton Woods institutions. end of World War II. In Libya, exceeding the cil agenda. Recognizing that a lasting peace
70 years after World War II, the multilat- Council’s mandate, the intervention generated requires efforts beyond emergency support
eral system faces several challenges. The Secu- a large flow of weapons to tribal groups that or use of force, peacekeeping operations have
rity Council has been unable to deal with the would soon fight each other, increasing regional combined military presence with the support
main threats to international peace. In trade instability. The marginalization of the Security for economic and institutional development
and finance, the stalemates at the Doha Round Council in the deliberations on the use of force after conflict situations, seen as a condition for
and the IMF reform have fostered initiatives and the violation of its mandates underscore the stabilization. A paradigmatic example is the
that bypass the multilateral framework. In the urgency of reform, not only of its composition, United Nations Stabilization Mission in Haiti
areas of sustainable development and human but also of its working methods. (MINUSTAH). With its military component led
rights, countries seek convergence on param- After the intervention in Libya and op- by Brazilian generals since 2004, MINUSTAH
eters that should guide the improvement of posing the idea that coercion would generate has conducted reconstruction activities and fos-
living standards and ensure the enjoyment of stability, Brazil proposed, in 2011, the concept tered development, in parallel with peacekeep-
fundamental rights, without ignoring cultur- of “Responsibility While Protecting” (RWP). ing activities. Acknowledging that security and
al sensitivities and the different institutional As adopted at the World Summit in 2005, the development issues are interconnected, Brazil
and financial capacities. As for climate change, original concept (“Responsibility to Protect”) has emphasized the importance of coordination
mankind faces the dilemma between the ur- calls for the intervention of the internation- between the Security Council and other UN
gent reduction of emissions of greenhouse al community – authorized by the Security agencies, in order to ensure the effective transi-
gases (GHG) and the necessary achievement of Council – when a State is incapable of pro- tion to peace in post-conflict scenarios.
a fair and equitable intergovernmental agree- tecting its population from genocide, war A landmark in the promotion of peace and
ment, with adequate means of implementation. crimes or crimes against humanity. It states, stability in post-conflict situations was the cre-
Concerned with the defeat of Nazism and however, that force should be used only as a ation of the Peacebuilding Commission (PBC)
fascism around the world, delegates at the last resort, when peaceful means of conflict in 2005. As the scars left by war tend to en-
San Francisco conference would be surprised resolution have been proved ineffective and in courage the recurrence of violence, the Com-
to note the wide range of subjects dealt with accordance with international law. Apart from mission was created to assist the institutional,
by the UN today. In this context, the present highlighting this exceptional character of the social and economic development of countries
article analyses the role of the UN in differ- use of force and the importance of preventive in post-conflict contexts, mobilizing resources,
ent realms, identifying some of the main ne- diplomacy, Brazil argued that the use of force acting preemptively against outbreaks of insta-
gotiating processes and topics on the inter- – which can only be authorized by the Security bility and proposing integrated strategies for
national diplomatic agenda and highlighting Council – must comply with clearer criteria, peace building. By including a wide range of
challenges to the UN system. — J requiring constant monitoring of the imple- actors in its meetings – such as regional neigh-
mentation of the mandate and the accountabil- bors, donor countries, international financial
The Peace and Security Agenda ity of those responsible for the intervention. institutions and troop contributing countries –
In order to “save succeeding generations from In line with Article 26 of the Charter, the the Peacebuilding Commission enables broad-
the scourge of war”, countries represented at UN plays a key role in promoting disarmament. er dialogues than those conducted at the Secu-
the San Francisco Conference established an Throughout its history, the United Nations rity Council.
international organization to maintain interna- served as a platform for the adoption of im- The PBC currently has six settings ded-
tional peace. After 70 years, the role of the UN portant agreements, such as those dealing with icated to specific countries -- Burundi, Guin-
in this context reveals a contrast between tri- the prohibition of biological weapons (1972), ea, Liberia, Central African Republic, Sierra
umphs and impasses. At the center of the collec- excessively injurious conventional weapons Leone and Guinea-Bissau, the latter chaired
tive security mechanism established by the UN (1980), chemical weapons (1992) and, recent- by Brazil since 2008. Apart from coordinating
Charter, the Security Council worked as expect- ly, the Arms Trade Treaty. Despite these mile- international assistance to the country, Brazil
ed in some clear cases of aggression between stones, there is much to be done, as the Secre- assumed in 2014 the annual presidency of the
States, as in the invasion of Kuwait by Iraq in tary-General recognized in 2012: “the world Commission, at a time of great challenges, such
147
brief

as the recurrence of conflicts in the Central strategy. One should also highlight the role of as the ILO. Gradually, the focus of these institu-
African Republic and in South Sudan and the the United Nations as a forum for the issue of tions migrated from post-war reconstruction to
Ebola epidemic in Guinea, Liberia and Sierra Palestine – which has major implications for the promotion of their agendas in low-income
Leone. In this context, Brazil promoted inno- peace in the Middle East – and the imposition countries. Being more democratic forums that
vative initiatives at the PBC, such as the session of sanctions by the Security Council. the Bretton Woods institutions or the “UN ma-
on revenue generation in countries emerging trix” such specialized agencies would assist de-
from conflict, with an emphasis on fighting the Social Matters and Sustainable veloping countries in voicing their demands and
illicit financial flows, and sessions dedicated to Development articulating common positions.
gender and to the impacts of Ebola in the three The “promotion of the economic and social ad- The role of the United Nations on these is-
most affected countries. vancement of all peoples” is, according to the sues would become even more visible with the
In parallel to supporting development as Charter, one of the fundamental goals of the UN. major conferences of the 1990s, such as those
a stabilizing element, there is a tendency to- Seventy years after World War II, mankind cer- in Cairo (population, 1994), Beijing (rights of
wards more “robust” mandates, so that peace- tainly lives in better conditions than in 1945, but women, 1995), Copenhagen (social develop-
keeping operations can achieve their goals in the relevance of the United Nations for this im- ment, 1995), Istanbul (urban habitat, 1996),
contexts of chronic instability. Regarding the provement is not consensual. On the one hand, among others. These conferences fostered col-
Democratic Republic of Congo, Resolution the Economic and Social Council (ECOSOC) laboration between governments and civil soci-
2098 (2013) broke new ground by creating an was emptied of its original purpose by the great ety and drew attention to several transnational
intervention brigade with an authorization powers – which do not have special privileges problems that required further cooperation. Of
to “neutralize” rebel groups, further blurring in it – and its recommendations have been fre- particular importance was the United Nations
the distinction between “peacekeeping” and quently neglected. Furthermore, the exponen- Conference on Environment and Development
“peace enforcement”. Previous operations had tial growth of countries like Japan, Germany, (Rio 92), which brought together more than 100
been authorized to use force in order to pro- China and India, had little or nothing to do with heads of State and around 2000 NGOs. Apart
tect civilians and its mandate, but an explicitly the organization. However, its achievements from being a milestone for future discussions on
offensive unit is without precedent. Although are not negligible. Apart from helping the de- topics such as climate change, desertification
the resolution affirms the extraordinary char- colonization process around the world, the UN and biodiversity, the UNCED consolidated the
acter of the initiative, the establishment of the provided essential technical support for newly concept of sustainable development, intertwin-
intervention brigade has great political and le- independent countries and served as a platform ing the debates on environment and develop-
gal implications for the UN. for raising the debate on development and sus- ment and guiding further efforts in this realm.
In light of the growing challenges faced tainability to the top of the diplomatic agenda. Twenty years later, the United Nations Con-
by the United Nations in its efforts to promote Based on the observation that the “lais- ference on Sustainable Development (Rio + 20)
and consolidate peace, three review processes sez-faire” advocated by the Bretton Woods would confirm the commitment of the interna-
are of great importance in the present con- institutions widened the income gap between tional community with the indivisibility of the
text. The first is the High-Level Independent countries, the newly created Group of 77 used three pillars of sustainable development – so-
Panel on Peacekeeping Operations, chaired by the UN to raise the debate on inequality among cial, environmental and economic –, the promo-
former Timorese President Jose Ramos Hor- nations to the top of international agenda. Due tion of which depends on appropriate funding
ta. Fifteen years after the Brahimi Report, the to this process, UNCTAD and UNDP were cre- mechanisms. In the same context, countries
panel will propose strategies for the improve- ated in 1964 and 1965, respectively. Both insti- committed themselves to the eradication of
ment of UN’s peacekeeping operations. An- tutions not only provided important technical extreme poverty by 2030. Therefore, it was de-
other important process is the review of the support to the least developed countries, but cided that the Millennium Development Goals
Peacebuilding Architecture, which includes also fostered the debate on development in the (MDGs) – a set of goals, targets and indicators
not only the Peacebuilding Commission but following decades. that guided the promotion of development be-
also the Peacebuilding Fund and the Peace- The UN was also successful in promot- tween 2000 and 2015 – will be succeeded by the
building Support Office. No less important is ing international cooperation on social issues. Sustainable Development Goals (SDG), which
the revision of the role of women in peace and Based on the idea that cultural, religious and represent the necessary confluence of three dis-
security issues. Resolution 1325 (2000) estab- ethnic prejudices stimulate excessive national- tinct processes: the environmental conferences,
lished the inclusion of a gender perspective in ism and rivalry between the countries, coopera- the social agenda and the debate on financing
peacekeeping operations and peace-building tion in education and culture became a priority. mechanisms for development.
processes. The current review analyses the Hence, UNESCO was created still in 1945. In the After Rio+20, an Open-ended Working
implementation of the resolution, highlighting following years, according to the needs of war- Group was established in the General Assembly
the vulnerability of women in conflict situa- torn countries, specific entities would be estab- which came to a proposal that contains 17 goals
tions and stressing the importance of women’s lished to deal with children (UNICEF), health and 169 targets on issues such as poverty erad-
participation in peace negotiations and the (WHO), refugees (UNHCR), agriculture (FAO), ication, food security and agriculture, health,
empowerment of women as a development and other topics, joining older institutions such education, gender equality, energy, water and
brief

sanitation, sustainable patterns of production the Intergovernmental Committee on Financ- The principle of common but differentiat-
and consumption, protection and sustainable ing for Sustainable Development, established ed responsibilities will be maintained, as the
use of oceans and terrestrial ecosystems and by the Rio + 20 and made up of experts from 30 negotiation mandate does not encompass the
climate change. Apart from guiding national countries, highlighted the importance of new revision of the UNFCCC. COP20, in Lima, de-
policies and cooperation activities until 2030, regulatory, institutional and programmatic fined the elements of the new agreement and
the SDGs represent a new paradigm: unlike measures to ensure the sustainability and the the information that shall be included in the
the MDGs, they were defined with compre- effectiveness of commitments to financing for Nationally Determined Contributions (NDCs).
hensive participation of governments, private development. Such measures were discussed Contrary to the Kyoto Protocol, the concept of
sector and civil society and will apply to devel- in July 2015 at the Addis Abeba Conference NDC stems from a bottom-up perspective, in
oped and developing countries alike. While the and shall guide the distribution and channeling which each country determines its contribu-
definition of the MDGs was “donor-driven”, of resources to the promotion of sustainable tions through a process of domestic consulta-
privileging sectors favored by investors, the development, which are essential to achieve tion with several actors. In Brazil, contribu-
SDGs were defined democratically, but they the goals and targets established by the Post- tions were determined thanks to the dialogue
follow the same structure of the MDGs: the 2015 Agenda. with civil society, ministries and public bodies.
goals, more general, unfold into targets and The third process is related to the environ- Another important result of Rio 92 was
benchmarks. In September 2015, at the Special ment agenda, as the promotion of sustainable the Convention on Biological Diversity, which
Summit on Sustainable Development, the Post- development is intertwined with issues such a counts with virtually universal ratification. In
2015 Agenda will be presented, consisting of climate change, energy production, use of nat- addition to reaffirming State sovereignty over
four elements: the SDGs themselves; a political ural resources, supply of basic goods and con- natural resources, the CBD regime is becoming
declaration, which will establish the guidelines sumption patterns. Social, environmental and more complex with each passing day, aiming
for Agenda; means of implementation and of economic concerns were crystallized in ambi- at guaranteeing conservation and sustainable
monitoring (indicators). These are also of great tious documents at the 1992 Rio Conference, use of biodiversity, as well as fair and equita-
importance, for when incorporated into the ju- such as the UN Framework Convention on ble sharing of the benefits arising from genetic
ridical systems of the countries – as some are Climate Change (UNFCCC), the Convention resources. Important achievements were the
planning to do – they will strengthen the com- on Biological Diversity (CBD) and Agenda 21. adoption of the Cartagena Protocol on Biosafe-
mitment to sustainable development. In addition, the consolidation of the principle ty, the Nagoya Protocol on Access to Genetic
In line with its participative and propo- of common but differentiated responsibilities Resources and the Fair and Equitable Sharing
sitional record in international fora and the (CBDR) was a great achievement, since de- of Benefits Arising from their Utilization, and
significant improvement of its social indi- veloped countries recognized their historical the Aichi Targets in COP 10.
cators over the last decades, Brazil excelled responsibility for the greenhouse gas accumu- Brazil, a possessor of great biodiversity
in the implementation of the MDGs and has lation in the atmosphere. and numerous natural resources, confers sig-
been vigorously engaged in the elaboration of Under the CBDR principle, the 1997 Kyoto nificant importance to the issue of access to
SDGs, highlighting poverty eradication as the Protocol – in force since 2005 – established the genetic resources, as well as prior informed
fundamental condition for sustainable devel- obligation to industrialized countries to reduce consent of the party providing resources. As to
opment, according to the final declaration of greenhouse gas emissions. However, the prac- the sharing of benefits arising from the utili-
the Rio + 20 (“The Future We Want”). The na- tical results were below expectations, especial- zation of genetic resources, which includes its
tional coordination for the Post-2015 Agenda ly because the US did not ratify the Protocol, commercialization, it should be stressed that
prepared the document “Guiding Elements for and there is still no effective climate mitigation traditional knowledge is also comprised in the
the Brazilian Position”, based on consultations and adaptation funding mechanism. CBD regime.
with representatives of civil society and local Despite obvious challenges, multilateral The relevance of the United Nations for
authorities and on decisions of the Interminis- action has achieved important results. In ad- the historical rise in living standards around
terial Working Group, which brought together dition to the decision of transferring US$ 100 the world is far from consensual. Nonetheless,
27 ministries and other public institutions. billion per year to the Green Climate Fund – during its 70 years, the UN has built a positive
The second process associated with the currently in process of capitalization –, there is inventory, fostering cooperation in several ar-
promotion of sustainable development is re- a political commitment to reach a new agree- eas, taking development to the top of the inter-
lated to financing mechanisms. In 2002, at the ment under the UNFCCC with the incoming national agenda, and consolidating the under-
Monterrey Conference, developed countries COP-21 in Paris, in 2015, which will enter into standing that the three pillars of sustainable
pledged to devote 0.7% of GDP annually to force in 2020. The new agreement shall ad- development must necessarily be dealt with
assist the development of low-income coun- dress adaptation, mitigation, funding, technol- together. The three major conferences of 2015
tries. In 2008, at a conference in Doha, it was ogy transfer and training in a balanced manner. – Addis Ababa, New York and Paris – highlight
concluded that the goal was not met. To make The legal nature of the agreement has not been not only the vitality of the UN, but also the
matters worse, many countries were register- defined, but some elements of the Kyoto Proto- recognition of the importance of multilater-
ing military aid as development aid. In 2014, col may be incorporated. alism for the solution of major contemporary
149
brief

challenges. Furthermore, the formulation of co-sponsors managed to approve in the HRC their territories. The possibility of achieving a
the SDGs demonstrates the UN’s capacity to resolution 27/32 on human rights, sexual ori- positive result remains uncertain.
generate results of real impact on people’s lives entation and gender identity. Although the uni- Another issue of growing relevance is the
and establishes a new paradigm for its work, versal system still lacks a binding instrument on right to privacy in the digital age, which has
based on the universality and the broad partic- LGBT rights, it is a topic that has been steadily significantly mobilized Brazilian diplomacy.
ipation of civil society that characterized shap- gaining ground in the UN agenda, as a necessary Brazil and Germany managed to approve im-
ing of the SGs. corollary of the principle of non-discrimination. portant resolutions on that topic in the UNGA.
The protection of persons in vulnerable Recently, both countries passed a resolution
Human Rights conditions can achieve new results in 2015. in the HRC that created a special rapporteur
The human rights agenda is one of the most This year is the 20th anniversary of the Beijing for the issue. Those efforts constitute the first
visible faces of the UN. Taking the Univer- Declaration and Platform for Action, repre- steps for the formulation of clear and univer-
sal Declaration of Human Rights as a starting senting an opportunity to identify challenges sally accepted rules on actions of extraterrito-
point, the Organization was able to build in the still to be overcome for the protection of wom- rial surveillance of States and the guarantee of
course of 70 years a significant number of uni- en’s rights. Consensus is being built around the the right to privacy in the digital age.
versal protection standards, despite cultural, issues of violence against women and girls and Certain issues, however, require further
political, and economic differences between human trafficking. However, the issue of repro- action from the UN. The increasing population
Member States. This building process is still in ductive rights and broad sexual education still of refugees and internally displaced persons
course. A wide array of human rights treaties divide Member States. It is also in 2015 that the (IDPs) is an alarming challenge, as that number
stemmed from this process, both of a general International Decade for People of African De- has surpassed the mark of 50 million, the high-
and specific nature, such as the 1966 Interna- scent begins, ushering in a process of adoption est since the end of World War II. The history
tional Covenants on the one hand, and trea- of concrete measures for social inclusion and of the UNHCR demonstrates that the agency
ties on the protection of multiple vulnerable the combat against racism, racial discrimina- managed to renew itself in the course of de-
groups on the other. tion, xenophobia, and related intolerance. Fur- cades, thanks to the expansion of the temporal
Brazil took part not only in this legislative thermore, from 2015 onwards the protection and geographical scope of the 1951 Convention
effort, but also in initiatives of institutional of indigenous rights may achieve new results and the adoption of the 1967 Protocol. Howev-
improvement, such as the replacement of the with the follow-up of the World Conference er, the agency is now facing serious challenges,
Human Rights Commission for the Human on Indigenous Peoples, which represented a such as the increase of Syrian refugees, the high
Rights Council, in 2006. The HRC enhanced moment of open and inclusive consultation be- vulnerability of women and children forcibly
transparency to the subject and introduced the tween Member States and indigenous peoples, displaced and the low number of ratifications of
Universal Periodic Review mechanism, which so as to share different perspectives on the the conventions on statelessness, of which Bra-
is already in its second working cycle. In addi- implementation of the UN Declaration on the zil is a Party. Moreover, there is still no binding
tion to this legal and institutional framework, Rights of Indigenous Peoples – adopted by the instrument on the protection of IDPs, but only
the UN now counts with several special proce- UNGA in 2007, with Brazil’s support. guiding principles. In this context, Latin Amer-
dure mechanisms, with a view to establishing An issue of growing importance and object ica has just undergone an evaluation process,
a compilation of good practices for States and of broad consultation is the relation between thanks to high-level consultations under the
monitoring specific human rights issues; the transnational corporations and human rights. auspices of the 30th anniversary of the Carta-
Office of the High Commissioner for Human A recent achievement was the adoption by the gena Declaration, and may contribute greatly in
Rights, as an outcome of the process initiated HRC of the UN Guiding Principles on Business areas such as the elimination of statelessness –
in Vienna, in 1993; and the ten human rights and Human Rights, in June 2011, with Brazil’s a challenge that affects about 10 million people
treaty bodies, which observe State compliance support, providing a conceptual framework worldwide –, cultural and economic integration
and issue general comments on international for future discussions. Those principles set of refugees, and the protection of victims of
human rights obligations. A recent develop- several standards for States and corporations, the transnational organized crime – one of the
ment was the entry into force of the individ- such as corporate responsibility in respecting many causes that have led to an increase in the
ual complaints mechanism under the Option- human rights, as well as State responsibility in refugee flows in the Americas.
al Protocol to the International Covenant on protecting human rights against violations by Nowadays, there is a growing complemen-
Economic, Social and Cultural Rights, which third parties and provide victims with just and tarity between the three pillars of the UN – se-
reaffirms the notion that human rights are uni- fair redress. In 2014, resolution 26/09 was ap- curity, development, and human rights. The
versal, interdependent and indivisible. proved by a slight margin in the HRC, creating multifunctional character of the development
Besides these developments, recent discus- a Working Group whose mandate is to elabo- agenda directly affects the human rights pillar,
sions in the III Committee of the UNGA and rate an international legally binding instru- which is reflected in the concern of establish-
the HRC indicate the emergence of new top- ment to regulate this matter. Nonetheless, de- ing the SDGs according to the standards of in-
ics in the human rights agenda, mainly related veloped countries oppose this initiative, since ternational protection – in particular, the right
to vulnerable groups. In 2014, Brazil and other most transnational corporations are based in to equality and the principle of non-discrimi-
brief

nation. The same goes for the security pillar, its limitations – dependent on resources and
as the enjoyment of human rights is essential therefore subject to uneven influence from
to eliminate the root causes of instability and States – but also its key role in promoting in-
conflict. Furthermore, the discussion in Gene- ternational cooperation over the years. Even
va on new concepts, such as the right to devel- without turning “swords into plowshares”,
opment and the right to peace, attests to this the UN established several regimes that limit
interrelationship. The conceptual framework the bellicosity and the capacity of unilateral
of the Post-2015 Agenda will certainly affect action of the most powerful and promote stan-
the long and continuous process of renewal of dards and principles that benefit mankind as a
the UN human rights agenda. And it could not whole. Although the cosmopolitan solidarity
be different, as facts always precede norms and advocated by Habermas is still a distant dream,
institutions. the UN has served as platform for consensus
Despite today’s challenges, the UN human forming on the need for multilateral solutions
rights agenda is a story of success. In the after- to the great contemporary challenges.
math of World War II, Hannah Arendt recog- The United Nations has been facing dead-
nized that “if genocide is an actual possibility locks in the role of maintaining international
of the future, then no people on earth … can peace and the organization – especially the
feel reasonably sure of its continued existence Security Council – needs reforms, but its rel-
without the help and protection of internation- evance to global governance is undeniable. If
al law”. It was from this feeling of insecurity the crises in Iraq and Libya render undeniable
that, in a process initiated with the adoption the harmful effects of unilateral military ac-
of the Universal Declaration of Human Rights, tions, recent developments at the HRC assert The UN Budget:
we have seen the emergence of regional courts, the importance of the UN for the promotion of
monitoring bodies, international conferences, human rights, especially those of people in vul- who foots the bill?
forums and treaties. This international process nerable situations. In addition, the realization
had a profound impact on national Constitu- in 2015 of the Addis Ababa, New York and Paris Portuguese version page 17
tions, which incorporated rules of Internation- conferences confirms the belief in the impor- —
al Human Rights Law to the list of fundamen- tance of multilateralism for the promotion of Fernanda Carvalho Dal Piaz
tal rights. sustainable development, unfeasible without
Nowadays the expansion of international adequate funding mechanisms, universal indi- On Christmas Eve, the city that never sleeps
protection is also seen in the realm of individ- cators and binding commitments to reducing usually calms down. There are always some
ual criminal responsibility, with the creation greenhouse gas emissions. tourists strolling along the streets, doing some
of the ad hoc tribunals for Rwanda and the The pursuit of cooperation between States last-minute shopping and enjoying the beau-
former Yugoslavia, the internationalized tri- resembles, as in Borges’ story, a garden of fork- tifully decorated city and the extremely cold
bunals of Sierra Leone, Cambodia and Leb- ing paths. Those represented by the United weather that characterizes New York at this
anon, and the International Criminal Court. Nations and other multilateral fora require time of year. Yet, in the United Nations head-
The prosecution of those who perpetrate patience, perseverance and still will not lead quarters, the political climate is more heated.
crimes against humanity, war crimes, and humanity to a perfect world. However, no alter- For decades, the last days of the year have co-
genocide is a recent achievement. It is now native path will lead us to the future we want. incided with the final definitions of the budget
time to move forward so that the ICC can also In spite of many challenges, the promotion of a of the biggest international organization on
try the perpetrators of the crime of aggression more just and equitable international order, an- Earth. On December 24th 2014, the delega-
– which was incorporated to the Rome Stat- chored in respect for human rights and in which tions of the 193 member states were still dis-
ute in 2010, in the Kampala Review Confer- people can develop without compromising fu- cussing the last details of the 2015 budget re-
ence –, impacting on the higher positions of ture generations, is only possible within multi- view and the draft for the 2016-2017 biennium.
chains of command of those responsible for lateral regimes and the regulatory and institu- Only on December 29th were the negotiations
international crimes. tional framework of the United Nations. — J resumed.
The topics under the umbrella of the UN
The United Nations at 70 have increased considerably. However, the
“The UN was not created to take mankind to member states’ willingness to contribute fi-
heaven, but to save humanity from hell.” Con- nancially to the Organization’s goals has not
sidering the statement of former Secretary grown in the same proportion, leading to a
General Dag Hammarskjold, an analysis of the discrepancy between what member countries
United Nations must acknowledge not only substantively approve and the amount of mon-
151
brief

ey available to implement the mandates. This holds the “power of numbers” in the Fifth Order, emphasizing projects related to devel-
year, the Post-2015 Agenda will be at the center Committee. opment. The emergence of “the power of num-
of the discussions in the United Nations. Many The countries that have the “power of the bers” was unacceptable to countries such as
ambitious resolutions will be put forward. In purse” – the main UN contributors – stand on the United States, which contributed 25% of
the Fifth Committee, which deals with finan- the other side of the dispute, especially the the UN’s regular budget at the time. The big-
cial and administrative matters, deliberation United States, Japan and the European Union. gest donors could not agree to having budget
will be centered on how to foot this bill. The “power of the purse” usually defends a decisions imposed on them by the numerous
Discussion on who pays and how to pay for reduction in their contribution to the regular emerging countries. Therefore, the rule of con-
the activities of the United Nations have never budget, the implementation of reforms that sensus gave a sort of “veto power” to the devel-
been easy. For instance, the financing of Peace- reduce the prerogative of the General Assem- oped nations.
keeping Operations – which are not explicit in bly over budget definition, and the adoption Increasing voluntary contributions is an-
the UN Charter – has never been made clear. of micro-management practices, such as the other way in which the “power of the purse”
At first, resources from the regular UN budget maintenance of nationals in the Secretariat, so bypasses debate in the Fifth Committee. Over
and voluntary contributions were used. But as to influence the execution of UN programs the last few years, these resources have repre-
there was no consensus on the way to spend and the proposal of the budget itself. sented the biggest share of the regular budget.
these resources. In 1960, France and the Soviet The Secretary-General also plays an im- For the 2014-2015 biennium, mandatory con-
Union suspended their contributions, for they portant role in the Fifth Committee. As the tributions will total US$5.5 billion, while vol-
did not agree with the mandate of the United chief administrative officer of the Organiza- untary ones will double that amount. However,
Nations Operation in Congo. As a consequence, tion, his stance heavily influences the final the Fifth Committee does not define the desti-
there was a severe financial crisis. It was only result. Of course, the approved budget is a re- nation of these resources; donators may direct
in 1962 that an advisory opinion by the Inter- sult of the continuous negotiation process that them to whichever project they wish to sup-
national Court of Justice determined that the takes place in the Committee. However, having port. In other words, if a great contributor is
responsibility to pay for Peacekeeping Mis- close links with the Secretariat makes it easier interested in financing a specific activity, there
sions belonged to all member countries. Since to push your project to the forefront, and rich will be money to execute it. Otherwise, financ-
then, the budget has been divided between countries constantly use this strategy. ing the project is likely to be much harder.
“regular budget” and “peacekeeping budget”. Developing countries, in turn, tend to com- Consequently, mandatory contributions are
The San Francisco Charter establishes that plain that the Secretariat usually favors the languishing. Developed countries fight to re-
the expenses of the Organization shall be borne interests of the “power of the purse”. These duce the mandatory share of their contribution,
by the Members as apportioned by the General suspicions are not groundless. The Secre- by defending “zero nominal growth”, but, at the
Assembly (Article 17). The ICJ advisory opinion tary-General finds it difficult to sponsor the same time, they increase their voluntary con-
was based on this article. Moreover, each mem- interests of small countries. In relation to Bra- tributions. There is a resulting lack of transpar-
ber state contributes according to its capacity. zil, for instance, the SG hardly ever defends the ency regarding the allocation of resources and
The Secretary General proposes the budget country’s proposals, such as the establishment selectivity of the projects that are sponsored.
(Article 97), but the General Assembly consid- of UN Radio in Portuguese and the strength- This does not mean that voluntary contribu-
ers and approves it, by a two-thirds majority of ening of the Economic Commission for Latin tions are not welcome, as they may be directed
the members present and voting (Articles 17 and America and the Caribbean. If getting the SG’s to a mandate that has been strongly supported
18). Finally, a member in arrears in the payment support is difficult for Brazil, which is the 9th at the General Assembly. Yet these activities do
of its financial contribution to the Organization biggest contributor to the Organization’s bud- not usually correspond to those defined as a pri-
may lose its right to vote (Article 19). get, imagine the obstacles for a country that ority by the UN’s substantive organs.
The UN Charter formula seems simple and contributes only 0.001% of the total budget. The financial crisis that the organization
objective. But in reality, the Fifth Committee is That explains the importance of the G77’s co- has been facing is a consequence of this type
known for its endless meetings and its North- operative position in protecting the interests of of financing, where voluntary contributions
South polarization. The place where the Group the less influential nations. outstrip mandatory ones. In spite of the defini-
of 77 + China acts most cohesively is in this During the 1980s, the “power of the purse” tion of mandates, there is usually no money to
Committee. The Group, which emerged during ensured a crucial victory in the Fifth Com- pay for them, nor political will to direct mon-
the Cold War with the objective of promoting mittee. The approval of the budget, which ey from the regular budget to some projects.
the economic interests of developing nations required a two-thirds majority, now needs A significant slice of the contributions goes to
in the United Nations, still maintains a firm consensual endorsement. As a consequence of “Peace and Security” mandates, especially to
and cooperative stance in the Fifth Committee African and Asian decolonization, in the 1960s Peacekeeping Operations and Special Political
of the General Assembly, in spite of all the so- and 1970s, the number of developing countries Missions. “Development” and “Human Rights”
cial, political and economic changes in recent substantially increased, disturbing the balance get a small part of the total contribution. Bra-
history. Pundits usually say that this grouping, of power in the UN. The new countries start- zil has always defended a more equal share
which today brings together 134 countries, ed to demand a New International Economic between the three pillars of the UN. Brazilian
brief

foreign policy has always advocated that eco- they should have more of a say because they
nomic and social development be a condition contribute more. Nevertheless, the negotia-
for international peace and security. tors of the San Francisco Charter stipulated
On the other hand, it is important to point that all countries have the right to their say on
out that the situation of the “big debtors” is not the destination of the resources. Besides, since
the cause of the UN’s financial crisis. Brazil, for it is the biggest international organization on
instance, has ended 2014 as the third biggest Earth, the UN should represent the collective
debtor to the UN, behind the US and Venezu- objectives of the international community as a
ela. The delay in payments may cause damage whole. It should not use its flag to support the
to the Organization’s cash flow. Yet, in recent interests of a small group.
years, such a problem has never hindered the There is no evidence that the debate in the
execution of any UN activity. In other words, Fifth Committee will become any easier in the
the budget crisis that the UN is undergoing next few decades. On Christmas Eve, intense
results from the way the Organization is fi- diplomatic activity will continue to heat the
nanced. There is no lack of money. headquarters of the United Nations in New
One of the solutions the Secretary-General York for generations to come. — J
has been using to overcome the Organization’s
financial problems is to support private enter-
prises. Some projects, such as “Every Woman,
Every Child”, get private financing. Although
this source of funding makes it possible to ex-
ecute UN programs, it also lacks transparency.
Moreover, the General Assembly’s support for
the projects sponsored by the Secretariat is du-
The Firefighter
bious. Once again, it is important to point out
that this sort of financing is not necessarily
and the Architect:
bad. On the contrary, it may contribute to proj-
ects in development and human rights, which
the post-crisis
are very important to developing countries.
The actual problem is related to something
International
else: should the SG get enough resources to
implement his own projects through private
Monetary Fund
financing, he may lead the Organization away
from the states’ interests. In the long run, ex-
Portuguese version page 20
cessive private financing may lead to a loss in —
UN relevance with regard to the countries that Guilherme Rafael Raicoski
have built it. In the context of the 2008 crisis, Dominique
The limit to the contribution of private Strauss-Kahn, former Managing Director of
enterprises is another problem that emerges the IMF, stated that the institution should not
from this debate. On the face of it, receiving only be the “fireman” responsible for “putting
private support for projects related to sustain- out” international crises, but also the “archi-
able development seems reasonable. However, tect” of a more coherent and coordinated in-
what are the ethical implications of receiving ternational system.
resources from private companies to finance Between fires and reconstructions, DSK’s
projects related to peace and security? Brazil aspirations are under a stress test eight years
holds that this kind of resource should be re- after the start of the international crisis. In
ceived cautiously, and affirms that discussions the 1990s, conditionalities programs imposed
in the General Assembly have to be wide and strong indirect control over emerging econ-
transparent. omies struggling with their balance of pay-
Throughout the 70 years of the United Na- ments. An effective firefighter in the 1990s, the
tions, the debate about who should foot the bill IMF was called again to exercise its relief func-
of the organization has always been intense. tions in highly-indebted European countries
Developed countries have always considered after 2008. Now, the IMF seeks to participate
153
brief

as an architect of the international financial the Executive Board currently controlled by demand for prompt implementation of the re-
order, building on a foundation of post-crisis European countries to developing countries; form. The relative weight of the BRICS implies
smoldering embers and using the well-known IV) Elections for Executive Directors for all 24 greater bargaining power at the negotiation
pillars of fiscal austerity as building blocks. seats in the Executive Board. table, not only because it brings together more
The builders, however, are not the same. Once the reform is implemented, Brazil voices, but also because it displays a willingness
Seventy years after its formal establishment in will hold 2.32 % of the quotas, becoming the to assume more responsibilities in the post-cri-
December 1945, the International Monetary 10th main shareholder of the IMF. In a press sis IMF. At the G20 Summit in Los Cabos, in
Fund and its contemporary, the United Nations, statement delivered after the approval of the 2012, the BRICS pledged to contribute with US$
have internal reforms as a central issue on their reform by the Executive Board, the former Di- 43 billion dollars – US$ 10 billion from Brazil -,
agenda and a condition for maintaining legiti- rector General of the IMF, Strauss-Kahn, cele- for a new anti-crisis fund. The contribution,
macy. Large emerging economies have had ap- brated the fact that the 10 biggest world econ- however, was conditioned to the full implemen-
preciable gains of relative power and require omies – USA, Japan, the four main European tation of the 14th General Review.
changes not only in the materials used to build economies and the four biggest BRICS econo- The failure of the Obama administration
the international order, but also in the power to mies – would also be top 10 IMF shareholders. to negotiate the reform’s approval by the US
define how the reform will be conducted. The 2010 reform, however, remains on hold Congress after the 2014 parliamentary elec-
due to non-ratification by the US Congress. Al- tions has led to efforts by Christine Lagarde
Reform on the inside… though 146 member countries accounting for to enable the reform even without ratification
Both at the United Nations and the IMF, the almost 80 % of the voting capital have consent- by the US. “”I am disappointed that necessary
process of institutional reform was conducted ed to the redistribution of quotas and over 77 steps could not be taken to implement this
organically over decades. Such an organic de- % have accepted the reform of the Executive important governance reform” said the IMF
velopment corresponded to the natural evolu- Board, the entry into force of IMF decisions Managing Director in a press statement in
tion of international bureaucracies rather than depends on the approval of 85 % of the voting 2014. “we are fully committed to helping our
institutional rearrangements reflecting the re- capital, and the United States holds 17.69% of membership finalize what it agreed in 2010”,
distribution of relative power. On the one hand, it. As the United States controls 16.75% of the she added.
there was an update of administrative practices voting power, it has an actual veto power over
and institutional routines. On the other hand, Executive Board decisions. … and on the outside
changes in the decision-making structure of Such a backdrop implies not only the Fragmentation and proliferation of
such institutions were cosmetic, if nonexistent. non-implementation of the terms agreed in international financial institutions and
In the realm of the IMF, the example of Bel- 2010, but also freezes a healthy process of pe- arrangements
gium is noteworthy. With a GDP just over US$ riodic review of the IMF. According to Coun- Whilst internal reforms are progressing at a
524 billion, the country controls 1.93 % of the sellor Felipe Costi Santarosa, advisor to the slow pace, other initiatives occur beyond the
IMF quotas, more than double of Argentina’s, Executive Director of the Chair of Brazil, Co- walls of the two IMF buildings in Washington.
whose GDP reached US$ 600 billion last year. lombia, Ecuador, Guyana, Haiti, Panama, Do- Bilateral currency swaps, regional financial ar-
It is well understood that the IMF structure minican Republic, Suriname and Trinidad and rangements and financial initiatives of variable
no longer reflects the realities of the interna- Tobago in the IMF Executive Board between geometry shall certainly be seen as comple-
tional economy. Nevertheless, the 2008 crisis 2011 and 2015, Brazil has been working in close mentary rather than substitute the IMF. How-
has created incentives for the largest holders coordination with the BRICS in this context. ever, the proliferation of these arrangements
of IMF quotas to accept a reform process of the “We need to take the reform process forward, demonstrates the insufficiency of the IMF, as
voting power, in a bargain to encourage large not only with the approval of the 2010 Reform it operates today, to account for diverse needs
emerging economies to play a greater role in (14th General Review of Quotas),” he argues, in terms of crisis-prevention and monetary
global economic recovery efforts. Brazil’s par- “but also with the advancement of the so-called governance. On the one hand, the pattern of
ticipation was increased to 1.79% quota and its ‘forward-looking commitments’ such as review- IMF conditionalities is criticized by countries
voting power achieved 1.72% after the 2008 re- ing the formula for quota calculation and start that resent the political deterioration that or-
form. Later, under the reform of 2010 (the 14th working on a new quota realignment, which, ac- thodoxy programs generate in their domestic
General Review of Quotas), the IMF members cording to the statutes of the IMF, should occur contexts. On the other, the lack of multilater-
agreed to the following: I) Double the number every five years – and therefore until the end of al monetary governance, consigned to history
of shares to 238.5 billion in Special Drawing 2015”. The quota calculation formula currently pages since the abandonment of convertibility
Rights (around US $ 737 billion); II) Redistrib- gives too much weight to gross trade flows of of the dollar into gold by the Nixon adminis-
ute more than 6 % of the total quotas for un- countries and reduced weight to variables such tration, and the prevalence of the dollar in in-
der-represented member countries, which will as GDP and volume of international reserves to ternational transactions generate incentives to
put four large emerging countries (China, In- define quota participation. search for alternative currency.
dia, Russia, and Brazil) among the top 10 share- The BRICS has been a platform for coordi- Brazil has actively participated in this pro-
holders of the IMF, III) Transfer two seats of nation and greater projection in the common cess of creating innovative financing mech-
brief

anisms beyond the IMF regime. First, one be the architect of a new order. It will, alterna-
should mention the Contingency Reserve tively, be part of a complex network of arrange-
Agreement (CRA) of the BRICS, also men- ments and initiatives that will accommodate
tioned in another article in this publication. the current reality of multipolar power under
The CRA has equivalent to US$ 100 billion, consolidation. A greater or lesser role will de-
with the following individual commitments: pend on its own ability to reform itself. — J
China (US$ 41 billion); Brazil, India and Russia
(US$ 18 billion each); and South Africa (US$ 5
billion). According to the Central Bank of Bra-
zil, “the eventual release of the funds will be
made through swap operations, in which the
requesting country will receive dollars and in
return provide its currency to the contributing
countries”. The amounts involved certainly do
not exclude the IMF action, but consolidate a
first-moment rescue mechanism, with poten-
tially faster release capability and less strict
conditionalities.
A second dimension corresponds to local
currency swap agreements. Such agreements
stem from countries’ desire to conduct trade
operations less subject to the effects of fluc-
tuations in the exchange rate or the shortage
of currency reserves. Quantitative easing pol- The 70th
icies promoted by the Federal Reserve of the
United States and its current containment Anniversary
aggravate currency fluctuations and affect the
predictability of contracts. Payment systems of the United
in local currency take away exchange rate risk
from the business equation of exporters and Nations and
importers. In such operations, exporters and
importers pay and receive in their own curren-
cies by means of transactions intermediated by
Security Council
financial institutions and compensated by the
central banks of the respective countries. Bra-
Reform
zil has functioning systems with Argentina and Portuguese version page 24
Uruguay, and there is interest in expanding the —
model for the other MERCOSUR countries. Pedro Mariano Martins Pontes
The difficulties of internal reform limit the
IMF’s aspirations to global financial reform. The contemporary international order is based
Without the legitimacy that derives from the on a vast array of norms and principles that
reallocation of quotas, big developing econo- rule the relations between states. At the core of
mies seek additional arrangements to reform this institutional and normative entanglement
the international financial order. Moreover, the is the United Nations. Born out of a military al-
emergence of new themes creates additional liance, the UN has as an indelible mark in its
impulses to reform not only the decision-mak- history the clash between the noble purposes
ing system, but the role of the IMF in the inter- that motivated its creation and the political re-
national system. alism that guides the action of the great powers
The IMF’s calling to be an architect of – an inescapable dilemma to the present day.
the global financial system, as envisioned by Since the beginning of the Cold War, many ef-
Strauss-Kahn, remains obscured by the smoke forts have been made to ensure that the several
of the internal and external fires it continually UN bodies were in line with the political winds
tries to put out. It is not likely that the IMF will of the world. The Security Council, however,
155
brief

still reflects the correlation of forces of 1945, ulated the expansion of non-permanent seats invasion of Iraq in 2003 – without Security
which has undermined its legitimacy and ef- of the Council from 4 for 10 members. Despite Council authorization – being an example of
fectiveness. the abstention of the United Kingdom and this ominous trend. For those opposed to the
By attributing to the Council responsi- the United States and the dissenting vote of invasion, the UN was to blame for not pre-
bility over the admission of countries to the France and the USSR at the General Assem- venting it. For those who supported an inter-
organization and over the choice of the Sec- bly, the P5 would eventually ratify the change, vention, the Council had been unable to take
retary-General, the UN Charter gave it influ- acknowledging that the support of developing action against a threat to international secu-
ence over issues that were not directly related countries would be decisive at the General As- rity, generating an unprecedented crisis of
to international peace and security. Recent- sembly. legitimacy. In this context, Annan summoned
ly, however, the expansion of the Council’s With end of the Cold War, the Security a high-level panel to conceive a significant
scope of activity has been astonishing, issuing Council became fully operational and began a overhaul of the UN, which made two propos-
resolutions on topics such as AIDS, women steady expansion of the scope of its activities. als regarding Security Council reform. One of
and climate change. On the one hand, the le- Furthermore, it established several peacekeep- them suggested the creation of a new category
gitimacy of a body composed of less than 8% ing operations, with some degree of flexibil- of “semi-permanent” seats (with renewable
of UN members states to issue binding reso- ity regarding the principles that had hitherto mandates of 4 years), while the other provided
lutions on such crucial matters is, at the very guided them – impartiality, consent of the par- for the creation of six new permanent seats. In
least, objectionable. On the other, this norma- ties and the abstention from the use of force ex- this context, countries engaged in the reform
tive expansion hinders the monitoring of the cept in self-defense. In this context, countries process gathered into different groupings, and
implementation of the Council’s resolutions, like India, Brazil and Japan vocally demanded a few changes notwithstanding, these have led
allowing more room for the permanent mem- a reform of the Council’s membership. In 1993, the negotiating process since then.
bers – the so-called “P5” – to promote their the General Assembly established the “Open Brazil, Germany, India and Japan estab-
interests. Nevertheless, the power gap between Ended Working Group on the Question of Eq- lished the “Group of Four” (G4), which advo-
this group and the non-permanent members uitable Representation and Council Expansion cates the expansion of the Security Council
is not restricted to agenda-setting or the veto and relating matters” (OEWG), to rethink the in both categories (permanent and non per-
power, as the P5 have more comprehensive body’s composition and working methods. manent). In 2004, the group proposed the in-
institutional memory and familiarity with the Meanwhile, seeking a more equal division corporation of six new permanent members
working dynamics of the Council and fill up of the organization’s costs, the United States and four more rotating seats. Besides, new
strategic posts at the UN with their nationals. called for a “quick fix” in order to incorporate members would pledge not to use the veto
  In 2015, the United Nations turns 70. His- only Germany and Japan, major financial con- power until the issue be discussed again in 15
torically, such events have motivated studies tributors to the UN, as permanent members. years. The so-called “Uniting for Consensus”
and reflections on the role of the UN in the Given the strident opposition from developing (UFC), a group of about 14 countries led by It-
world and fostered the creation of new bodies countries, the idea was soon rejected. aly, Spain, Pakistan and Argentina, rejects the
and the political articulation in favor of more After the tragedies of Somalia, Bosnia and creation of new permanent seats, suggesting
significant reforms. In this context, this article Rwanda, the legitimacy of the United Nations instead the establishing of more rotating seats,
presents an analysis of the prospects of Secu- was severely questioned. Soon after taking of- with extended and renewable mandates. The
rity Council reform and the efforts of Brazil in fice, the new Secretary-General Kofi Annan African Union’s proposal was similar to that
this process, supporting a more effective and began a comprehensive reform process and of the G4, but provided for the immediate ex-
representative Council, in consonance with the published the document “United Nations: a tension of the veto to new permanent members
diffusion of power observed in recent years. Programme for Reform”, defending not only and five new rotating seats (including two for
A comprehensive reform of the United Security Council reform, but also the revital- Africa). Another important group regarding
Nations depends on the alteration of its char- ization of the General Assembly and other ad- Security Council reform would be the “Small
ter. For that, a proposal must be approved at ministrative reforms. Still in 1997, PGA Ismail Five”, recently transformed into “Account-
the General Assembly by a majority of 2/3 and Razali of Malaysia proposed the inclusion of ability, Transparency and Coherence” (ACT).
the amendment must also be ratified by 2/3 of 5 new permanent members (without the right Led by Switzerland, it defends reforms in the
the member states, including the five perma- to veto) and four non-permanent seats, but his Council’s working methods.
nent members, which can prevent the entry proposal was not put to the vote. Furthermore, Until mid-2005, there was significant dip-
into force of any resolution amending the UN as a reaction against the reform, the Gener- lomatic mobilization in favor of reforming the
Charter. However, such an act would entail sig- al Assembly adopted resolution 55/30 (1998), Security Council. Nevertheless, the negotia-
nificant political costs and there are important which stated that any decision or resolution tion process could not overcome a major ob-
precedents for the present impetus for reform. about the reform would need a 2/3 majority. stacle: the explicit opposition of the United
    In the early 60s, when UN membership The reforms advocated by Annan would States and China – which promised not to rat-
surpassed 100 countries (there were only 51 become even more urgent after the United ify any attempt to expand the permanent seats
members in 1945), developing countries artic- States began to bypass the UN frequently, the at the Council.
brief

Brazil’s Campaign for a Permanent Seat paign. As the fifth largest country in size and it as a basis for future negotiations. In order to
Brazil’s argument in favor of UN reform has population, a founding member of the UN overcome the stalemate, Brazil and India sup-
deep roots. Rui Barbosa’s defense of sovereign and an important contributor to the organi- ported a proposal of the L69 that could woo
equality among of States in the Hague, the re- zation’s peacekeeping operations, Brazil is, African Union countries into a common posi-
jection of the distinction between general and along with Japan, the country that more often tion – contemplating the veto power to new
limited interests at the Paris Conference and has held a rotating seat at the Security Coun- permanent members – but no consensus was
other significant events are part of the Bra- cil. Besides, it plays a significant role in the reached between the G4 and the African Union.
zilian diplomatic heritage, which supports negotiations on climate change – which some In December 2013, the President of the General
the establishing of a more just and legitimate intend to treat as a security issue –, on interna- Assembly (John Ashe, from Antigua and Barbu-
international order. With Araujo Castro, the tional trade and finance and on disarmament da) created an Advisory Committee on Securi-
idea that national development depends on and nuclear non-proliferation. Furthermore, ty Council Reform, which published a report
favorable international conditions gained mo- as bearer of Latin American tradition of pac- aimed at synthesizing the different proposals
mentum, hence Brazil should prevent coun- ifism and respect for international law, Bra- as a basis for negotiations. However, despite the
tries with greater influence in the international zil has contributed greatly to integration and support of the G4, the document was not adopt-
order from imposing rules that would restrict political stability in the region and has broad ed, and the consolidation of a shorter negotiat-
the development of other countries and seek support among its countries, despite the fact ing text is something yet to be achieved.
greater influence over the main forums of glob- that Mexico and Argentina are part of the UfC.
al governance. Perspectives
In a speech at the General Assembly in Recent Events Events such as its 70th anniversary tend to
1988, former president José Sarney advocat- Negotiations on the reform of the Security stimulate reflection on the role of United Na-
ed the reform of the Security Council and Council did not cease after the 2005 World tions in the world, strengthening the reform
expressed Brazil’s willingness “to contribute Summit. The UfC continued to argue that the momentum. In 1995, then Secretary-General
to the process”. At the time, he proposed the expansion should be limited to the non-perma- Boutros-Ghali revised its concept note “Agen-
addition of new permanent members, albeit nent category and that negotiations should re- da for Peace”, rethinking the “modus operan-
without veto power. The proposal, however, main within the working group set up in 1993 di” of the UN after the tragedies of Rwanda and
was not put to the vote. In 1993, in the same – in which decisions depended on consensus. Srebrenica. In 2005, incorporating recommen-
podium, Celso Amorim publicized Brazil’s Against this perspective, India published the dations from the panel created in 2003, Annan
candidacy for a permanent seat, which would L69 proposal, supported by Brazil and sever- published “In Larger Freedom”, a report in
receive greater impetus after 2003, with Am- al developing countries – eleven of them from which he suggested, among other measures,
orim again as foreign minister and with the the African Union – advocating the start of in- the reformulation of the Human Rights Com-
emergence of the G4. tergovernmental negotiations, more seats in mission and the establishing of the Peace-
In “Permanent Campaign: Brazil and the the Council in both categories and more repre- building Commission, both carried out in the
Reform of the UN Security Council,” João Var- sentation for developing countries – including following years. On both occasions, there was
gas highlights the argument that the enlarge- one rotating seat for Small Island Developing considerable support for Security Council re-
ment of the Council would render it more le- Countries –, without mentioning the veto issue. form. This process, however, continues to face
gitimate. Representing a larger share of world With the support of the G4 and of signatories of major obstacles.
population, the Security Council would ex- the L69 proposal – around 40 countries, which  The UN Secretary General must spearhead
periment an increase in the compliance of its have been working as a group since then –, the the reform process. Leading the organization
decisions, thus becoming more effective. Some General Assembly adopted in 2008 the decision after events that greatly undermined its cred-
argue that even with the inclusion of countries 62/557, determining the beginning of intergov- ibility, Boutros-Ghali and Annan personally
like Brazil, India and Japan the Council would ernmental negotiations in the informal plenary committed themselves to the reform process.
still be illegitimate, disregarding the princi- Assembly (where consensus is not needed) and After advancing some administrative reforms,
ple of legal equality among nations. Against establishing the five key topics of the reform: Ban Ki Moon has recently concentrated his ef-
this perspective, it is worth remembering category of members, the veto issue, regional forts on the Post-2015 Agenda and stimulated
the observation made by Amorim in 2005: if representation, the size of an expanded Council only piecemeal changes. Despite the paralysis
the Council is to be “eternally imperfect,” we and its working methods and the relationship of the Security Council on the crises in Syria
should strive to render it less exclusive and between the Council and the Assembly. and Ukraine and the outbreak of the worst
more representative. Not reforming the Coun- In 2010, the facilitator of intergovern- refugee crisis since World War II, the current
cil would be the same as to “accept the perpet- mental negotiations (Zahir Tanin, Permanent Secretary General is not leading a comprehen-
uation of imbalances contrary to the spirit of Representative of Afghanistan) he presented a sive reform process.
multilateralism”. synthesis of the proposals (Rev.2) (Rev.3). How-   The permanent members’ acceptance rep-
Brazilian credentials represent another ever, the text was soon rejected, since the UfC resents yet another obstacle. China is adamant-
essential dimension of the country’s cam- and some African countries refused to accept ly against Japan›s bid for a permanent seat, the
157
brief

United States and Russia adopt an ambiguous it did not reach the necessary 2/3 majority. 70
stance, and even France and England, which years later, Security Council reform remains a
support the entry of new permanent members,
would hardly accept giving veto power to new-
chimera. However, given the expansion of the
Council’s scope of activity, its singular impor- Academic
comers. One should bear in mind, however,
that the last UNSC reform – which took place
tance to global governance and its loss of le-
gitimacy and effectiveness, the reform process Perspectives on
the Nature and
nearly 50 years – was pushed «from below»: must remain at the top of the diplomatic agen-
through a resolution at General Assembly not da. Major challenges notwithstanding, the next

Future of the
supported by the permanent members. Pres- General Assembly will be an ideal opportunity
sured by most UN members, the P5 eventually for the negotiation of mutual concessions be-

United Nations:
ratified the amendment to the Charter. This tween the main groups, so as to render feasible
same pressure «from below,» argues Ambas- a reform proposal. — J
sador Antonio Patriota, was able to update the
dynamics of institutions such as the IMF and Interview with
the WTO and consolidate the G20 as the ap-
propriate forum to discuss international eco- Professors
nomic governance.
    Obtaining the necessary 2/3 majority at Cançado Trindade
the General Assembly remains a major chal-
lenge. The UfC has held regular meetings and Martti
and reiterated its objection to the creation of
new permanent seats. The African group and Koskenniemi
the G4 also have been meeting frequently, re-
affirming the main points of their proposals. Two renowned legal scholars present
However, the groups are not univocal: some diverging views on the evolution of
African Union countries favor a rapproche- multilateralism and the role of law
ment with the G4 and flexibility regarding the
veto power. For their part, Brazil and India Portuguese Version page 30
sought convergence with the African Union —
through the L69. In an attempt to overcome Felipe Neves Caetano Ribeiro,
the current impasse, short-term intermediate Guilherme Rafael Raicoski, Pedro
proposals have obtained increasing attention. Mariano Martins Pontes, Tainã Leite
 One such proposal was presented in Feb- Novaes, João Lucas Ijino Santana and
ruary by “The Elders” – a group that includes Jean Pierre Bianchi
world leaders like Kofi Annan, Jimmy Carter
and Graça Machel. In an article signed by An- Interview with Judge Antônio Augusto
nan and Gro Brundtland, the group advocated CANÇADO TRINDADE (Judge of the ICJ)
a new category of rotating seats at the Security
Council, with longer and renewable mandates,
and urged aspiring permanent members put
aside their ambition “at least for the time be-
ing” in favor of a more immediate solution.
Intermediate proposals that suggest revisions
after 10 years or more could become attractive
if the current deadlock persists. However, they
would not solve the disparity between the in-
stitutional memory of the P5 and that of the
other members and would contribute less to
offset the undue influence of the permanent
members.
    At the San Francisco Conference, Brazil
and Canada proposed an article providing for a
review of the UN Charter in 10 to 15 years, but
brief

JUCA: This year marks the 70th anniversary proposal of Canada and other co-sponsors, living instruments; they are always applied and
of the UN. What are the main challenges that which by its turn was a response to the French interpreted in the course of time. The Charter
the Organization must overcome? Could a initiative. Those were correct but reactive ini- has already been modified by the practice of the
reform contribute to enhance its role in the tiatives. It was a reaction that stemmed from UN (I examine this in my book Direito das Orga-
humanization of International Law? the UN Security Council’s incapacity (due to nizações Internacionais, 6a ed.), without formal
AACT: Certainly, yes. I think the reform is an the veto power of the “great powers”) to pre- amendments or review conferences. Taking the
unsolved issue. I had the privilege of following vent the perpetration of genocides in Rwanda Charter as a living instrument, it must be under-
the World Conferences process in the 1990’s. and the Balkans in the 1990’s, and the crises in stood in light of the current needs of regulation of
I believe that the UN managed to establish a Iraq, Libya, and, recently, Syria. The United Na- contemporary international relations. Teleologi-
new agenda for the 21st century. The Organi- tions managed to set an international agenda in cal interpretation is of the utmost importance,
zation knows what must be done. There are the 21st century thanks to the recent cycle of as attested by the case-law of several specialized
action programs and knowledge of what are World Conferences, but still has not succeeded international tribunals, mainly those operating
the main global issues. What is still lacking, in refreshing its own fossilized structure (due under protection regimes. Those tribunals re-
even after the reforms of 2005 and largely to the selfishness of the “great powers”) in or- fer to their constitutive treaties as living instru-
because of the resistance of the great pow- der to give effective responses to the new chal- ments. They apply those treaties according to the
ers, is to reform the institutional structure of lenges. I support the ideas of responsibility to current reality. If greater importance is given to
the UN itself. It is difficult to foresee whether protect, while protecting, to decide previously this — I am entirely in favour of the evolutive in-
these resistances will cease. What the UN can on the nature of the protection, and to evaluate terpretation, including in the context of the ICJ
do and should do is to continue creating new later the quality of the protection, according —, then the process of constitutionalization will
mechanisms and coming up with new alterna- to the basic principles of the UN Charter. This increase. How long will it take? It is impossible
tives to solve the problems already identified is the most adequate approach, since I believe to predict. Nonetheless, we already have enough
in the declarations and action programs of the that responsibility constitutes the spinal cord elements to affirm that there is a slow and grad-
World Conferences. The important thing is to of contemporary International Law. ual process of constitutionalization of the UN
keep in mind what needs to be done in order to — Charter.
fulfill the basic needs of the populations. The JUCA: Do you believe there is a process of —
Charter was adopted in name of the peoples. constitutionalization of International Law? JUCA: To which extent can we consider Law
It is people-centred. To this end, States have Within that process, could the UN Charter to be an instrument of transformation of the
contracted obligations aimed at satisfying the be considered the Constitution of the inter- international system?
needs of the peoples. The legacy of the World national community? AACT: All the questions that are presented be-
Conferences rests on the recognition of the le- AACT: Yes, there is a process of constitutional- fore the ICJ have legal and political aspects.
gitimate concern of the international commu- ization of International Law, as attested by the However, the ICJ is a judicial organ. Through
nity with the life standards of the populations UN Charter. It occurs, however, that such a pro- law, it seeks the realization of justice. Once jus-
(mainly with the most vulnerable and margin- cess is in its early stages. There is a long way to go. tice is done, there is a transformation of the in-
alized sectors of society). Therefore, it is of We know, for example, that in the San Francisco ternational order. I can mention a few examples.
paramount importance that the UN finds new Conference a choice was made to establish pari- In the 1920’s, there was a discussion at the Per-
mechanisms to overcome stalemates in many ty between the main organs of the UN. I refer to manent Court of International Justice (PCIJ)
of its organs, giving a boost to the process that the UN Security Council, UN General Assembly, on the question of minorities and populations
I call the humanization of a new jus gentium — ECOSOC, Secretariat, and International Court in territories under the mandate system. Its fa-
that is contemporary International Law. of Justice (ICJ). The ICJ is a judicial organ, not mous decisions in the cases Jurisdiction of Dan-
— political. This judicial organ is the most adequate zig Courts (1928), Treatment of Polish Nationals in
JUCA: What is your opinion on the Brazilian to decide on that matter. Without the pursuit of Danzig (1932), and Minority Schools in Albania
proposal of “responsibility while protecting”, determining the validity of decisions made by po- (1935) contributed to the evolution of Interna-
as a complement to the concept of “responsi- litical bodies, it becomes hard to advance in the tional Law. In the ICJ era, the problem involving
bility to protect”? Brazil’s idea was to confer process of constitutionalization of the UN Char- South Africa was successively dealt with, until its
importance to the observance of mandates, ter. In the Lockerbie case, the ICH could have final reasoning in the 1970 Opinion on Namibia.
to accountability, and to sunset clauses, so hu- decided the matter, but opted to remain silent. In this example, there was a transformation of
manitarian action would not fall outside the Given the reluctance of UN organs to decide, a the international order. I had the opportunity to
limits of International Law and mandates giv- regional tribunal took the initiative in the Kadi examine this issue last September, in the open-
en by international organizations. case — although it was careful enough to refer ing conference of the international seminar or-
AACT: Certainly the Brazilian initiative was only to the EU law. Why does the ICJ not play ganized by the ICJ, in The Hague, in occasion of
well structured in emphasizing State respon- that role, 70 years after the San Francisco Con- the 100th anniversary of the Peace Palace. The
sibility in the moment of protection. It was a ference and having the authority of the main ju- contemporary international tribunals also offer
reactive initiative, as a response to the original dicial organ of the UN? International treaties are recent examples of transformation of the inter-
159
brief

national order. The IACtHR and the ICTY con- Interview with Professor Martti it led to nothing. It took the whole of the 90s,
tributed to the expansion of the material scope Koskenniemi the only thing we achieved was a few chang-
of jus cogens, changing the understanding that es in the ECOSOC, but we wanted to get rid
prevailed in the 1960’s, according to which im- of ECOSOC altogether, because it plays no
perative norms of general international law were real role. Nobody in the third world knows
limited to the Law of Treaties. Antonio Cassese what the ECOSOC is. Ok, the UN will turn
and I, each one from a different tribunal, gave a 70, and like people who are 70, some parts
boost to the jurisprudential construction. Now- work better than others. The UN badly needs
adays, it is widely accepted that jus cogens does a complete overhaul. But I don’t know who
not apply only in questions involving the Law of could achieve it or how it could be achieved.
Treaties, but also in other realms of Internation- —
al Law. Another example that I should mention JUCA: Do you see somehow the UN Charter
relates to State succession. The ILC only chose being considered as a global Constitution?
to codify this topic when the problems of succes- Do you believe human rights norms can lay
sion seemed to be over. Nonetheless, the interna- the foundations of public order on a global
tional order — which is continuously changing scale?
— saw the implosion of the USSR and Yugoslavia, MK: Good question. I don’t conceive the UN
resulting in the emergence of many other States. Charter as a future Constitution of the world.
The UN managed to deal with this issue suc- I am surrounded by lawyers – specially Ger-
cessfully by applying an evolutive perspective on JUCA: Professor, going back to your dip- mans – who have this complex vocabulary
State succession, guaranteeing the rights of the lomatic career, have you ever worked with of global constitutionalism, many people in-
peoples, since some UN treaty organs adopted Brazilian diplomats? spired by Habermas, but I think all of that is
the position of automatic succession in relation MK: There is one man, Carlos Rodrigues, who really so far away from the reality. My friend
to human rights treaties. Thus, obligations of the was a member of the International Law Com- David Connely has a useful distinction be-
predecessor State related to the protection of in- mission. He was also the Brazilian representa- tween the cosmopolis and the metropolis; we
dividuals and populations remain binding to the tive in the 6th Commission of the UN General are not ruled by the cosmopolis, we are ruled
new successor States. It could not be otherwise. Assembly. He was truly impressive, very cul- by the metropolis, which is to say we are not
Automatic succession of human rights treaties tured. From the beginning of my career, I was ruled by public law institutions, UN agencies,
and humanitarian treaties stem from an evolu- sent to the UN General Assembly. Often it gets WTO, or diplomacy, we are ruled by private
tive perspective — that I have always supported very boring, but you get to make remarkable law, we are ruled from great financial centers.
—, in accordance with the principles and pur- friendships. When he spoke, all of the sudden Political scientist Gene Cohen proposed a very
poses of the UN Charter, with a view to free the there was silence in the room. There was a ve- sophisticated habermasian view on global
people from the scourge of war and the horrors neer of respect I had never seen before. constitutionalism. I was invited to review the
committed in the recent past. We lawyers work — work, but unfortunately we are not ruled un-
in the conceptual universe of what ought to be, JUCA: The main focus of our magazine der the UN charter, we are ruled by money.
in accordance with the evolutive perspective. will be the anniversary of the UN. As As long as we forget that we don’t really have
Those limited by the “reality” of the facts and it turns 70, does it need a cane to keep a grasp on how we are ruled. We may lament
amazed by power, in a static manner, are at best on walking? What would be that cane? that, but I don’t see how it could be changed.
political scientists. They are limited by the here MK: For most international lawyers of my gen- Furthermore, I don’t believe in human rights. I
and now, without fully understanding the trans- eration, the greatest part of the professional worked in the UN, I sat at the Security Council,
formations of the world. I come to the conclusion life has gone into trying to reform the United and it is nonsense, bureaucratic, corrupt, and
that it is really worth studying Law, including as Nations, in one way or another. I am fed up I don’t want to be ruled by that sort of system.
a tool for transforming the world for the better. I with that. None of the reforms have ever really The romantic in us would want a pyramidal
have always been committed to the construction succeeded. The amount of working hours and structure from which we are ruled by the top,
of the jus gentium. It is very easy to deconstruct. I money spent in this effort is out of proportion by the Secretary General and the Assembly as
prefer construction. It is much more difficult, but with the insignificance of the outcome. And in a large domestic society, but from the in-
infinitely more rewarding. that’s really disappointing. In the 90s, I was in- side, it isn’t like that. The world is ruled by a
volved in a so-called Nordic Project, in charge vey complex set of rules and networks, formal
of a complete overhaul of the UN, especially and informal. The UNSC sucks. It is terrible
in humanitarian affairs. The Nordic countries to be there for someone with a legal training
invested a lot of time, money and intellectual like me. There is no consideration for anything
work into conceiving how the OCHA and hu- except for the interests of the P5. I know Bra-
manitarian activities could be changed. And zil wants to join the P5, but you’re never go-
brief

ing to get there, sorry to say that, at least not seen some data that says that 2% of the world the same time, the UN is a great idea, but I do
in the course of your lifetime. In the late 90s concentrates over half the wealth. Internation- not have much faith in the institution. — J
people tried that, after the collapse of the So- al law is part of the way the world is governed,
viet Union, many claimed the UNSC was not and it is governed in the interest of a very small
legitimate, and there was a series of working group, in which you are now being introduced
groups on reforming the UN, but such propos- as Brazilian diplomats. Welcome! I have been
als never lifted 5mm off the ground. The world there. And I hope you have a good conscience
would have to be a completely different place. when you go to bed at night being aware of this
— data. So, International Law is partly responsi-
JUCA: In your book, Politics of International ble for the mess the world is. A century from
Law, you say ideas such as international com- now, people will look at this period and will
munity can only be put in practice through ask: how was it possible for those people to live
the UN. How do you see the organization in such circumstances? How could they think
fostering the idea of a global community? themselves and their institutions as accept-
MK: I suppose the UN is the most important able? That’s my view.
representative of the idea of an international —
community. And I think the idea is valuable and JUCA: How would you assess the identity
we need a representative for it, but as an insti- of the UN nowadays? Promoting social and
tution it is dysfunctional, bureaucratic, oligar- economic development or guaranteeing se-
chic, conservative… So, I think we all need to curity?
think of ourselves as living together. And we do MK: It certainly cannot guarantee no-one’s
feel at moments that there is solidarity among security. I have worked all my diplomatic life
peoples, it presses our romantic feeling of being with the UN, and I have learned to understand
together, but it’s not going to change the world. the UN as two different beasts. One is the beast
— that lives in New York, and the other beast lives
JUCA: Brazil has proposed the concept of in Geneva. I think the Geneva UN, which deals
Responsibility While Protecting as a com- with social and humanitarian themes, can
plement of the notion of Responsibility To make a difference. It is in the interest of Bra-
Protect a few years ago. Would you say that zilian politicians to foster such an institution.
this concept contributes to the improve- They are tremendously bureaucratic, tremen-
ment of multilateral action? dously corrupt, tremendously conservative,
MK: No. It is one more example of the mean- but all kinds of things can be done there. The
ingless UN jargon that different countries try UN beast in New York is the security beast, and
to put forward when they see an opportunity to it is hopeless. And we have to live with it be-
advance their political agendas. The question cause the P5 occupy it. Never invest any real
of using violence for so-called “humanitarian interest, or money, or reform energy in that
purposes” appeals to a huge political public. beast.
It cannot be changed through verbal formulas —
presented at the UN. The question is how the JUCA: Professor, you are very critical of
UN can get away from the morass in which it the UN...
has engaged itself with the idea of Responsibil- MK: Yes, but I also love the UN. The imagined
ity to Protect and it’s various derivatives. I do UN is inspirational for many people around the
not know how the UN can do it, and I do not world, and that is something that we do need.
care, because the UN’s efforts are meaningless. There is no real correspondence with the real
— UN, but it stimulates some grass-roots level of
JUCA: In such a context, how effective is solidarity between peoples. People all around
international law in avoiding conflicts in an the world have the same needs and interests,
anarchical order? and there is need for this kind of solidarity. As
MK: That is the conventional way of thinking long as the UN gives rise this need, that is use-
about International Law, that it can save us. ful. But the actual institution, a set of policies,
That is a very idealized reasoning. I have no a group of specialized diplomats and experts, it
clue what anarchy is, but I suspect we are liv- is not great... I think Christianity is a great idea,
ing in an anarchical world, for the worse. I have but I don’t have too much faith in the Pope. At
161
brief

AAP: The main concern of the negotiators and academia that the ineffectiveness of the
of the UN Charter, the risk of a third world Security Council ultimately affects the legiti-
war, was avoided. While this is due in part to macy of the UN as a whole and, therefore, the
the deterrent role of nuclear weapons during urgent need to reform has been advocated by
the Cold War, the United Nations provided – an increasing number of voices.
and still provides – an important forum space If some of the current permanent members
for dialogue and understanding among the insist on the strategy of imposing obstacles to
states. Although it is true that the UN has not the process – which is interpreted by many
yet managed to solve disputes with great de- as diplomatic myopia, since a more represen-
stabilizing potential, such as the Israeli-Pal- tative and legitimate Council should be in ev-
estinian conflict, one must recognize that eryone’s interest – one should not disregard
peacekeeping operations reduced tensions what happened in 1963, the last and only time
in dozens of internal and international con- the UNSC was reformed. At that time, Reso-
flicts, from East Timor to Haiti. The UN has lution 1991 – which increased the number of
also become the main forum for the promo- non-permanent seats from 6 to 10 – was ad-
tion and protection of human rights and for opted without the affirmative vote of P5. Still,
negotiations on sustainable development and all five ratified the reform, preferring not to
climate change. These challenges could not be assume the burden of preventing the entry
addressed without recourse to multilateralism into force of an initiative put forward by the
– which has the United Nations as its main fo- vast majority of UN members.
rum, despite its imperfections. —

Interview with —
JUCA: In a recent interview, you called
JUCA: In another interview, you argued
that the UN has not been successful in pro-

the Permanent attention to the fact that the last Security


Council reform came “from below”, stem-
moting peace. In your opinion, has the UN
been more effective in promoting develop-

Representative of
ming from a General Assembly resolution. ment and human rights? Why?
Do you believe in a convergence between the APP: To a large extent, that statement refers

Brazil to the UN
positions of the G4 and the African Union, to the ability of UN governance mechanisms to
in order to ensure the necessary 2/3 majori- adapt to challenges and new global geopolitical
ty for the adoption of a proposal at the GA? settings. On sustainable development, the UN
Portuguese Version Page 38 AAP: There is convergence between the views has been promoting ambitious and transforma-
— expressed by the G4 and the African group, tive agendas, which harmonize social, environ-
Pedro Mariano Martins Pontes since both are committed to an expansion mental and economic concerns of States and
of the Security Council in both categories of societies; I think of the example of Rio + 20,
Ambassador Antonio de Aguiar Patriota, Per- membership (permanent and non-permanent) which revitalized the institutions that operate
manent Representative of Brazil to the UN, has and to render it more transparent and effec- in this sector, such as UNEP, and established
played a significant role in the United Nations tive. It is important to remember that many new mechanisms, such as the High Level Pol-
on a number of different occasions, having most African countries, along with Brazil and India, icy Forum. For its part, the UN framework
recently chaired the Peacebuilding Commission are also part of the L.69, a group comprising for human rights is also being systematically
in 2014. He is also one of the world’s leading ex- more than 40 developing countries, which has strengthened, as evidenced by the creation of
perts in multilateral diplomacy. During his time become one of the main pro-reform actors in the Human Rights Council and its Universal
as Foreign Minister, Brazil had an active and the discussions in New York. Periodic Review mechanism, with Brazil being
propositional role in the UN, and two of its na- A 2/3 majority required for the approval one of its main supporters. Security Council re-
tionals were elected to lead the Food and Agri- of a resolution on Security Council reform will form – although hampered by an obstructionist
culture Organization (FAO) and the World Trade require the affirmative vote of 129 Member minority – is thus becoming increasingly urgent
Organization (WTO). JUCA had the privilege to States – which, at first glance, may seem diffi- in the eyes of a large and representative major-
speak with Ambassador Patriota about some of cult to achieve. There is, however, an increas- ity of the international community.
the main topics dealt with in this magazine. ing feeling of frustration with the Security —
Council’s inability to solve major contempo- JUCA: Ten years after the establishment of
JUCA: In 2015, the United Nations cele- rary crises, such as the one in Syrian, conflicts the Peacebuilding Commission, what is the
brates its 70th anniversary. In your opinion, in eastern Ukraine and the negotiations be- importance of the current Peacebuilding
what are the main achievements of the UN tween Arabs and Israelis. There is a growing Architecture Review and the High-Level
to date? awareness among governments, civil society Panel on Peacekeeping Operations?
brief

AAP: The Peacebuilding Commission (PBC) years, what we now see is chaos in the coun- with targets that are also applicable to devel-
has established itself as structure capable of in- try and widespread instability in the neighbor- oped countries. The open and transparent ne-
depth monitoring the situation in post-conflict hood. gotiations gave great legitimacy to the process
countries and assisting them in the transition In consonance with its traditional role as a and contributed to the inclusion of emerging
between war and a lasting peace. By bringing constructive actor, Brazil did not simply criti- issues in the SDGs, such as inequalities, sus-
together regional neighbors, donor countries, cize the measures applied to the Libyan crisis. tainable consumption and production, cities,
the five permanent members of the Security We proposed then the concept of “responsibil- infrastructure and access to justice. We need
Council and other stakeholders, the PBC is a ity while protecting” (RWP) – which, in sum- to ensure that this renovation inspire other pil-
platform for comprehensive dialogue – some- mary, adds method to the application of R2P. lars of the UN, for example, the promotion of
thing that is often impossible in the Security The concept recalls that priority must be given peace and security. This will be an important
Council, owing to its composition. The cur- to conflict prevention, for which cooperation contribution of the SDGs to multilateralism.
rent review of the Peacebuilding Architec- for development is essential. It also highlights The whole process of defining a new agen-
ture (which encompasses the PBC, the Peace- that coercion by force should be a last resort da for international cooperation around the
building Fund and the Peacebuilding Support and that even when considered necessary SDGs was only made possible because of the
Office), grounded on past experience, will be by the Security Council, it should be applied Rio + 20 conference and its consensual final
fundamental for it to adapt to the changes oc- with respect to the mandate established by the report, named “The Future We Want”.
curred since 2005, ensuring its three constit- Council and with the monitoring of the inter- Withal, one can affirm that there is no topic in
uent elements are able to play a central role national community, preventing it from being the agenda of the United Nations in which Bra-
in the international treatment of post-conflict distorted by unilateral interpretations. Among zil does not actively participate with original
situations. various landmarks, the year of 2015 should also and constructive proposals, aimed at strength-
The High Level Panel in charge of the re- celebrate first decade of R2P, providing a back- ening multilateralism in a time of transition
view of Peacekeeping Operations is another ground for a collective and objective assess- from unipolarity to multipolarity. — J
crucial process initiated in 2015. It has been ment of its implementation.
conducted in light of increasing UN budget I acknowledge a resurgence of interest
restrictions and the growing trend of “mul- from governments and academia for the ideas
tidimensional” Security Council mandates, proposed by Brazil on the protection of civil-
more complex and ambitious – also with re- ians. In April, for example, the University of
gard to the use of force by peacekeepers. The Columbia organized a seminar on RWP in the
panel will address pressing issues, such as the light of what happened in Libya. Besides, the
emergence of non-traditional threats to in- recent article by Alan Kuperman in “Foreign
ternational peace and security and the use of Affairs” leaves no room for doubt: the civilian
new technologies by UN forces. population is much more vulnerable after the
— NATO intervention aimed at regime change –
JUCA: Libya is in chaos. The concept of which was, in a way, an example of “irresponsi-
“Responsibility While Protecting” (RWP) bility to protect”. In recent debates on the use
seems to be more useful than ever. What is of force and protection of civilians, the concept
Brazil doing to promote it? of RWP has often been used by other delega-
AAP: The situation in Libya is a sad proof that tions to guide their reflections.
there was a strong foundation in our caution —
when, in 2011, we abstained in the vote on Res- JUCA: What is the importance of the Sus-
olution 1973, which resorted to the “responsi- tainable Development Goals for the future
bility to protect” (R2P) to support a military of multilateralism? Could they strengthen
intervention in the country. Brazil did not ab- multilateralism so that, in accordance with
stain from condemning acts of violence against its Charter, the UN may benefit the interna-
civilians, but neither did we believe that the tional community as a whole?
use of force would solve the crisis. We foresaw, AAP: The Sustainable Development Goals
on the contrary, that there was a risk of exacer- (SDGs) represent a paradigm shift in the Unit-
bating local and regional tensions, worsening ed Nations development agenda, revealing
an already dire situation. What happened in multilateralism’s ability to renew itself in or-
Libya showed that the interests of those who der to address global challenges. By integrat-
advocated military intervention were more re- ing the economic, social and environmental
lated to regime change in Tripoli than to the dimensions of sustainable development, the
protection of civilians. After more than three SDGs set universal standards for development,
163
brief

held a non-permanent seat on the UN Security non-permanent members that are capable not
Council. only of projecting their own worldview, but
A woman leading a national delegation is no also of articulating solutions for international
small matter, especially at the Security Council. conflicts.
Although diplomacy has evolved towards incor- We made efforts to create constructive
porating women in its staff, only 22% of Bra- dynamics regarding specific subjects, such as
zilian diplomats are female and the number of the problem between Thailand and Cambodia
women entering the career every year has never in February 2011. We also stimulated consul-
exceeded 40%. tations in new formats, especially the IBSA
Considering the main topic of this edition of arrangement, which provided the basis for ne-
JUCA, the 70th anniversary of the UN, we took gotiation processes in contexts of huge polar-
the opportunity to invite Ambassador Viotti to ization. This was the case at the beginning of
share some of her experience with our readers. the Syrian conflict, in July 2011, when, in the
name of IBSA, Brazil negotiated with the UK’s
JUCA: Tell us a little about your personal RP the basis for a Presidential Declaration that
history. would be adopted in August of that year, and
MLRV: I decided to apply to Itamaraty’s se- which would be the first ever consensual dec-
lection procedure at the end of my second laration of the Security Council on the subject.
year at the Federal University of Minas Gerais, We proved capable of innovating the concep-
where I was studying Economics. I did not tual framework, for example in the debate we
know much about the diplomatic career, but promoted on the inter-relationship between

Maria Luiza
it seemed stimulating for its eclecticism, its peace, security and development, as well as on
multidisciplinary nature, for the opportunity Brazil’s initiative on “Responsibility while Pro-

Viotti and the


to represent Brazil abroad and to deal with in- tecting”.
ternational matters. At Itamaraty, I was lucky I would like to outline some other inter-

Six Years during


to start my career with trade promotion, at a esting experiences we had during that period.
moment when Brazil was opening new mar- The Presidency of the Configuration for Guin-
ket fronts under the dynamic leadership of
Which Brazil Was
ea-Bissau of the Peacebuilding Commission,
Ambassador Paulo Tarso Flecha de Lima, an since its establishment in 2008, involved liais-
enthusiastic supporter of women in diploma- ing with other Member States to create strate-
Represented by cy, who offered us opportunities and valued gies and actions to support stability and devel-
our work. Throughout my career, I also learnt opment in Guinea-Bissau. That same objective
a Woman at the much from other great bosses, such as George took me several times to the country, where I
Maciel, Bernardo Pericás, Gelson Fonseca and made contact with local authorities as well as
United Nations Ronaldo Sardenberg. I served as Counsellor in members of civil society. Another experience
La Paz, I headed the Division for South Amer- was the negotiations on the evolution of the
Portuguese version page 42 ica I, and before being appointed Permanent UN’s support for Haiti, whose peace operation
— Representative at the UN, I led the Department – MINUSTAH – remains under Brazilian mili-
Maria Lima Kallás and Laís Loredo for Human Rights and Social Issues and then tary command. This is something quite unusu-
Gama Tamanini the Department for International Organiza- al in peace operations, and it reflects both the
tions. respect and credibility gained by Brazil thanks
Sixty-two years on from the time when Bertha — to its performance. It is also worth mentioning
Lutz was the only female member of the Brazil- JUCA: What assessment do you make of the negotiations on hosting the Conference on
ian delegation at the San Francisco Conference your term at the Permanent Mission of Bra- Sustainable Development, as well as the prepa-
of 1945, Maria Luiza Viotti Ribeiro became the zil to the UN? ration of the Conference itself and following
first woman appointed Permanent Represen- MLRV: Being the head of the Brazilian dele- up its results. Finally, I would like to evoke
tative of Brazil at the UN. From 2007 to 2013, gation at the UN was certainly challenging, the high profile that has always characterized
with Ambassadors Maria Luiza Viotti and Re- but it was one of the most honorable and re- Brazil in negotiations related to the economic
gina Dunlop in New York and Maria Nazareth warding tasks I have ever been assigned to. The development agenda and poverty reduction;
Farani in Geneva, Brazil had female leaders in two years at the Security Council were among and the promotion, together with Sweden, of
the UN, in a context of great challenges and ac- its most interesting challenges. I believe that the “Humanitarian Dialogue”, an initiative that
tivism in Brazilian foreign policy, in which the our performance left the impression, in many was a result of the unprecedented enlargement
country organized the Rio+20 Conference and Member States, that Brazil is one of the few of our humanitarian assistance in favor of
brief

countries affected by natural disasters or con- crisis in Côte d’Ivoire; the crisis in Somalia and examples . I am sure that Brazilian diplomacy
flicts. the issues related to nuclear non-proliferation will continue to offer a vital contribution to our
 — in Iran and North Korea. In short, we had to development. Despite the rigor with which we,
JUCA: How do you assess Brazil’s image in deal with an increasingly complex and de- Brazilians, usually judge ourselves, we must
the international community? manding schedule in a deeply polarized envi- act with the awareness that Brazil is an import-
MLRV: Having had the double benefit of serv- ronment. In discussions in the Security Coun- ant country in the international arena and that
ing in Delbrasonu on three different occasions cil, one could notice a tendency to favor the use it has significant leverage.
and of having led the Mission for a long time, I of coercive measures and a certain automatism We should not underestimate the positive
have witnessed important changes in the image in the use of force, practices that Brazil sought capital accumulated over so many years. We
and role of Brazil at the UN. These have arisen to combat through the promotion of strategies need to work hard not only to preserve and ex-
mainly from the very transformations experi- of mediation, political solution, and arrange- pand this capital, but also to use it in favor of
enced by the country – especially the new cy- ments that ensure the sustainability of peace. the goals of our foreign policy. — J
cle of economic growth and progress in social In an environment where both the advantages
inclusion. But Brazil’s profile change at the UN and tensions arising from a multipolar UNSC
took place not only due to its internal changes. became more explicit, Brazil worked to con-
A significant contribution comes from the polit- struct alternatives, making use of the political
ical capital accumulated by Brazil in the United space generated by the immobilization of the
Nations over so many years and, also, from our positions of the main actors, at opposite ends
international credibility. It also derives from a of the spectrum,. An example of this effort was
consistent foreign policy, clearly committed to the negotiation on Syria, which I have men-
goals that coincide with those promoted by the tioned.
UN. We are recognized as strong advocates for  —
and practitioners of peace and the promotion of JUCA: Brazil is a candidate for a permanent
peaceful means of dispute settlement. We have seat on the UNSC. Considering this ambi-
a remarkable tradition of working for economic tion, do you believe that Brazil must expand
development and for the protection and promo- its international engagement and express
tion of human rights. its opinions on international security mat-
 — ters?
JUCA: During your time at the UN, Brazil MLRV: In an increasingly globalized world,
took an active role in the discussions on the countries like Brazil cannot isolate themselves
use of force and on peace and security in the from international problems or remain entirely
Middle East. What are the reasons for this immune to their impacts. Thus, it is interest-
proactivity? ing for Brazil to influence the views on inter-
MLRV: I believe it has been a result of the im- national issues in order to defend its interests,
portance of these issues in the international to the extent of our possibilities and needs. On
arena and the prominence they obtained on many issues, we have the necessary weight and
the Security Council’s agenda in the biennium position to do so. Where, when and how to act
of 2010-2011. The fact that Brazil is deemed a should be subject to continuous review and
reliable partner by the parties in dispute and as consideration.
a country whose opinion matters in its region   —
and beyond has probably also contributed to it. JUCA: Given your experience of six years as
This became clear, for example, in the request permanent representative to the UN, what
for Brazil to offer its good offices during the lessons do you have for future generations
Security Council’s appraisal of the draft reso- of diplomats?
lution on Israeli settlements in the occupied MLRV: Believe in Brazil and believe in diplo-
territories, in February 2011. macy, an essential tool for improving Brazil’s
But Brazil took up diverse and great chal- global stance. Brazilian diplomacy has already
lenges, often in contexts of simultaneous cri- made huge contributions to the construction
ses, which included the earthquake in Haiti and the development of Brazil, of which the
and the instability in Syria; the process of inde- consolidation of our borders and the trans-
pendence of South Sudan and the assessment formation of a potential regional rivalry into
of the admission of Palestine as a full UN mem- a relationship of cooperation and economic
ber; the conflict in Libya and the post-election integration in the recent past are memorable
165
brief

In light of this, one must consider what the this discussion? And how can Brazil contribute
main purpose of imposing a penal sentence is, positively to dealing with the issue? The answer
in line with Penal Law. According to the doc- can be found in the relatively recent elaboration
trine and criminal legislation of various States, of the juridical tool entitled the Transfer of Sen-
the main objective – including the deprivation tenced Persons, which has gradually received
of liberty – would be to provide the effective more international attention, including from
resocialization of criminals so that once the sen- Brazil. This mechanism can be described as a
tence has been fulfilled they shall not reoffend. tool for international legal cooperation which
In Brazil, article 1 of the national Law of Penal promotes the fair treatment and social rehabili-
Executions states that “the objective of penal tation of prisoners and the effective application
execution is to implement the provisions of a of State’s penal law, contributing to ensure that
sentence or criminal decision and provide the criminals do not reoffend. It is also important
necessary conditions for the harmonious social to highlight the voluntary characteristic of this
integration of the condemned and inmate.” institution: the transfer can only be carried out
There are some questions that must under a formal request made by the prison-
be raised regarding persons who fulfil judicial er. However, before specifically looking at this
sentences in foreign penal institutions: how to mechanism, an analysis of the underlying legal
provide an effective reinsertion of foreigners basis, as well as the subsequent guidelines for-
into society, if they do not master the local lan- mulated by the UN on the subject, is required.
guage and find themselves far from their fam- In article 10 of the United Nations Cove-
ily and friends? How should one confer those nant on Civil and Political Rights, from 1966,

The United benefits established by the laws of penal exe-


cution to foreign prisoners when their migra-
it is stated that “any person deprived of their
liberty should be treated humanely and their

Nations, Brazil
tory situation is irregular, being thus prevented inherent dignity respected” and that “the prin-
from looking for work or housing? Faced with cipal objective of a penitentiary regime is the

and the Transfer


constraints such as these, many judges simply normal reform and rehabilitation of the pris-
deny foreign prisoners the benefits prescribed oners”. Therefore, the question regarding the

of Sentenced
by legislation, such as regime progression relat- resocialization of prisoners is a prominent as-
ed to the fulfilment of a sentence – from closed pect of Human Rights, because it is present in
to semi-opened prison regime, for example –, one of the main treaties on this branch of Pub-
Persons the conditional suspension of the sentence and lic International Law signed within the UN,
parole, thus hindering the effective reinsertion which could not be absent from this debate.
Portuguese verision page 46 of these people into community life. Posteriorly, the United Nations Office on
— In Brazil, the profile of these foreigners is Drugs and Crime was established in 1997 in
Rafael Braga Veloso Pacheco often similar: of humble origins and with low Vienna, with the objective of better assisting
levels of formal education, they accept irrecus- the organization in questions related to the in-
States are not isolated in the international com- able offers to transport illicit substances abroad, ternational trafficking and abuse of drugs; the
munity, since innovations in communications due to their financial difficulties. On the one prevention of crime; criminal justice; interna-
and transportation have enabled increased in- hand, many foreigners naively try boarding air- tional terrorism and corruption. All of these
teraction between governments and a rise in planes with narcotics in their hand luggage, un- duties must be carried out by way of the pro-
the movement of people around the world. In aware of the modern baggage verification mech- motion of and with an approach close to Hu-
addition to the growth in migratory flows, an- anisms; on the other hand, there are resourceful man Rights, which can be seen in documents
other issue has been receiving a great amount attempts to deceive airport security, by placing such as Drug control, crime prevention and
of attention: the rise in transnational organized the illegal substances in false bottoms of suitcas- criminal justice: A human rights perspective,
crime. It has become increasingly common to es and even in beauty products. The nationality from 2010, and UNODC and the promotion
see criminals committing penal infractions in of these foreigners is diversified. However, the and protection of human rights, from 2012.
other countries, being then sentenced by the vast majority of the foreign incarcerated popu- However, prior to the establishment of the
foreign state’s justice system. In Brazil, there lation in Brazil, grouped by continents, is from UNODC, which currently has a prominent role
are currently around 3,000 foreigners on trial Bolivia, Paraguay, Peru and Colombia; Nigeria, in wide-spreading the mechanism, the United
or fulfilling sentences in penal establishments Angola and South Africa; Spain, Portugal and Nations already demonstrated its concern with
around the country. Approximately 90% of Italy; Thailand and the Philippines. the Transfer of Sentenced Persons. In 1975,
them have been imprisoned due to their in- By now, the reader may be asking himself: during the 5th UN Congress on Crime Preven-
volvement with international drug trafficking. what does the United Nations have to do with tion and the Treatment of Offenders, the Orga-
brief

nization recommended that, in order to ease the involvement in the kidnapping of the business- in the National Congress that aims to update
return of persons serving sentences abroad to man Abílio Diniz in São Paulo. 11 bilateral agree- the Foreigner’s Statute, proposing the inclusion
their countries of origin, policies and practices ments (Angola, Argentina, Bolivia, Canada, of specific provisions regarding the Transfer of
should be enacted, by means of regional cooper- Chile, Spain, Panama, Paraguay, Peru, United Sentenced Persons, expressly providing for the
ation and bilateral treaties. In 1980, the 6th Con- Kingdom and the Netherlands) and three multi- possibility of transfer requests on reciprocity
gress established the underpinning principles of lateral conventions (MERCOSUR, Inter-Ameri- basis. The ongoing debate on the subject at the
the Transfer of Sentenced Persons, attributing can Convention and the Convention of the Por- United Nations and other international organi-
great importance to national sovereignty and tuguese Speaking Countries Community) are zations will certainly help the maturation and
jurisdiction – which means that a State receiv- in force to Brazil. A number of instruments are improvement of Brazil’s approach to the matter.
ing a convicted person could not modify the being negotiated with several countries, such as In the light of this, the humanist perspec-
ruling imposed by another country’s courts. On those with Australia, Bulgaria, France and Swit- tive must always prevail in this multilateral
this occasion, the UN also encouraged the mem- zerland. Texts negotiated with Japan, India, It- and internal process of improving the Trans-
bers of the Committee on Crime Prevention and aly and Turkey, among others, are also awaiting fer of Sentenced Persons institution, of which
Control – the predecessor of the Commission on approval in Brazilian Congress. the principle of human dignity should always
Crime Prevention and Criminal Justice – to de- One challenge in Brazil is that the only be its greatest paradigm. It is almost consen-
velop a model agreement on the institution, as a possible legal basis for a transfer is the entry sual that one of the most appropriate ways to
parameter for intergovernmental negotiations. into force of an international treaty on the sub- prevent the increase of crime is to promote
The model text was presented during the 7th ject, given the lack of a legal provision in Law the effective and beneficial reintegration of
Congress, in 1985. Since then, the UN has been 6.815/1980 – the Foreigner’s Statute – allowing offenders into society. The application, in a
fostering the dissemination of this international transfers on a reciprocity basis – in contrast comprehensive manner, of several countries’
legal cooperation tool, including in the context with what it is verified in extradition cases. criminal enforcement laws, including rigor-
of other initiatives, such as the United Nations Another challenge is the prevailing Brazilian ous measures and benefits in the serving of
Convention against Transnational Organized position on which State has the competence sentences, contributes decisively to this. The
Crime (Palermo Convention), which mentions to grant legal clemency measures to the con- Transfer of Sentenced Persons, as shown,
the transfer of prisoners, as well as the UNODC victed person. Based on the said principle of meets these guidelines, not only by promoting
Counter-Piracy Programme, with respect to the the sovereignty of national jurisdictions, Bra- the fair treatment and social rehabilitation of
judgment and treatment of criminals involved zil currently defends that only the sentencing prisoners, but also by favoring the effective
in piracy. State should be able to grant amnesty, pardon application of the criminal law of the States.
On the back of efforts made by the UN, two or grace to the sentenced offender. This limits Brazil has been working towards this, and the
regional instruments entered into force in the cooperation with other countries, since some increasing priority that the country is paying to
last decades of the last century. The Strasbourg are in favor of both States having the right of the subject shows that this movement is likely
Convention, negotiated at the Council of Eu- granting such clemency measures. This posi- to be inexorable. — J
rope, entered into force in 1985 and currently tion has prevented Brazil from acceding to the
has 64 Member States. The Inter-American Strasbourg Convention and has complicated Read more:
Convention on Serving Criminal Sentenc- the negotiation of bilateral instruments – such UN Handbook on the International Transfer
es Abroad, negotiated within the Organiza- as the one with France. of Sentenced Persons, available in https://
tion of American States, entered into force in These constraints notwithstanding, the www.unodc.org/documents/organized-
1966 and today has 17 Members States. Both country has been striving to expand its negoti- crime/Publications/Transfer_of_Sentenced_
Conventions allow the accession by countries ations on the subject, especially with countries Persons_Ebook_E.pdf
from outside the region. Brazil ratified the In- where there are a large number of Brazilian
ter-American Convention in 2001 and enacted prisoners (Italy, France, Germany, South Af- UNODC and the promotion and protection of
it in its national legislation in 2007. The multi- rica, and Australia) and with countries with a human rights, available in
lateralism of the European and American texts large number of nationals serving sentences in https://www.unodc.org/documents/justice-
surpasses their regional aspect, something Brazil (Nigeria, Colombia, Romania, Bulgaria, and-prison-reform/UNODC_Human_rights_
proven by the fact that many states are parties and Thailand). position_paper_2012.pdf
of both Conventions simultaneously. By the end of 2014, Brazil had managed to
With respect to Brazil, it is clear that the bring back 140 Brazilians who were serving Drug control, crime prevention and criminal
country grants significant importance to the sentences abroad and allowed the return to justice:
Transfer of Sentenced Persons. The first bilater- their countries of origin of 99 foreign prisoners. A Human Rights perspective, available in https://
al agreement of this nature was negotiated with By means of the adoption of internal measures, www.unodc.org/documents/commissions/
Canada. In force since 1998, it was heavily publi- the number of performed transfers could grow CCPCJ/CCPCJ_Sessions/CCPCJ_19/E-CN15-
cized in the Brazilian press because it benefited exponentially. This is the case, for example, of 2010-CRP1_E-CN7-2010-CRP6/E-CN15-2010-
Canadian criminals convicted in Brazil for their a legislative proposal currently being analyzed CRP1_E-CN7-2010-CRP6.pdf
167
brief

taking on huge responsibilities and facing sev- perception of foreign interference and was
eral new challenges. That is why the Brahimi received in a positive manner by the interna-
Report brought up the question of “whether tional community, thanks to the impression
the United Nations should be in this business that international organizations enjoy great-
at all”. er neutrality in settling conflicts — although
Throughout its 70 years, the United Na- there was still some concern with the possi-
tions has managed to reform its agenda, given bility of unlimited expansion of mandates and
the new and evolving challenges around the violations of sovereignty.
world. Although there are still important in- The UN has exercised both direct and in-
stitutional hurdles to overcome, the UN has direct administration of territories. Indirect
successfully reinvented itself according to the administration, also called co-administration,
spirit of the Charter. One of the most visible occurs when the Special Representative to the
aspects of such a reinvention is the changing Secretary-General exercises power concur-
nature of peacekeeping operations, which are rently with the local government. Co-admin-
an essential instrument in the maintenance of istration was authorized by the UN Security
international peace and security. The acknowl- Council in Cambodia, in 1992, when UNTAC
edgement that sustainable peace depends on (United Nations Transitional Authority in
actions that go well beyond security measures Cambodia) received administrative and leg-
is a result of that process. The consolidation islative responsibilities to organize elections,
of sustainable peace includes not only the as well as judicial powers to investigate and
surveillance of cease-fire accords and treaties prosecute those responsible for serious human
United Nations between belligerent parties, but also measures rights violations in the country. The co-ad-
of institution-building, training, protection of ministration experience was extended also
Government? civilians, economic growth and support for to Somalia (UNOSOM II), in 1993, when the
basic public services. It is within such a hu- Special Representative to the UNSG passed a
The international administration of manitarian framework that the international new criminal code, which introduced import-
territories administration of territories by the UN must ant judicial guarantees, such as habeas corpus.
be assessed, as an element of peace operations. A similar co-administration model was put in
The international administration of territories The international administration of terri- place in Bosnia-Herzegovina, in 1995, so as to
is intensifying, raising concerns about the undue tories is both an old and a new issue. It is old enforce the terms of the Dayton Peace Accords.
expansion of UN mandates, but it should remain because, since the 19th century and especially However, the main innovation occurred
an option for the international community in the since the creation of the League of Nations, in the realm of direct administration, where-
gravest cases of armed conflicts and the dissolu- States have been in charge of the direct ad- by the UN exercises exclusive and complete
tion of the apparatus of the State ministration of territories through the man- authority over a territory, with broad legis-
date system. Subsequently, the UN kept up this lative, executive, and judicial powers. Direct
Portuguese version page 50 practice for a while, through the trusteeship administration was first exercised in Eastern
— system. However, it is also a new issue because Slavonia (UNTAES), in 1995, when the UN was
Vinícius Fox Drummond Cançado international organizations have been fulfill- given complete administrative control over the
Trindade ing this role since the end of the Cold War, as former territory of the Republika Srpska Kraji-
was the case in Kosovo and East Timor — giv- na, after the breakup of Yugoslavia. Two years
Ruling territories is no longer an exclusive ing continuity to the brief experience of the later, the territory was transferred to Croatia.
function of States. It is unlikely that even League of Nations in the cases of Leticia, Saar, Despite this brief experience, the most par-
those that supported the creation of a world and the City of Danzig. adigmatic cases of direct administration oc-
federal State — Hans Kelsen, for example — The move to a system of international curred in Kosovo (UNMIK) and East Timor
could have foreseen that decades later the administration where the UN plays the main (UNTAET), in 1999.
United Nations would be able to regulate the role was due in part to the de-colonization
banking and communication systems of a ter- movement. It was in the post-Cold War that From Kosovo to East Timor: different
ritorial unit, define its contract regime for the the UN began its experience with internation- experiences of direct administration of
export of goods, nominate judges, define the al administration, with the inclusion of civil- territories by the UN
criminal law system, establish constitution- ian components into peacekeeping missions. UNMIK and UNTAET were paradigmatic
al remedies, and exonerate public servants. The notion of peacebuilding required tack- cases in which the Special Representatives to
Nonetheless, we saw the UN conducting those ling the root causes of conflicts. Thus, inter- the UNSG had multiple functions. On the one
and other functions in Kosovo and East Timor, national administration escaped from the old hand, they acted as UN officials, in charge of
brief

fulfilling the mandates set by the UNSC; on the ritory. The highest UNTAET authority was the terpreted according to the object and purpose
other, they acted also as domestic authorities, Special Representative to the UNSG, a position of the Charter, so as to effectively regulate the
as they adopted several measures with direct held by the Brazilian Sérgio Vieira de Mello, civil administration of territories by the UN. In
consequences for the national legal system. who received broad executive, legislative, and addition to the teleological method of interpre-
The impact of international administration judicial powers from the UNSC. tation, the principle of the implied powers of
on domestic affairs is an inescapable subject, UNTAET took a very different path from the UN could be considered so as to support
since local leaders are essential partners for that of UNMIK, as it was more pragmatic and its ability to carry out the administration of
the success of any peacekeeping mission. In in closer contact with the local population. It territories outside the trusteeship framework.
addition, questions on representation, democ- also decided to maintain in force most of the Besides implied powers, there are authors who
racy and the rule of law are a top priority on domestic laws, provided they were in accor- advocate the existence of customary powers
the UN agenda. Given the broad legislative, ex- dance with universal human rights treaties. arising from repeated UN practice that has not
ecutive, and judicial powers related to UN ad- In the administrative realm, the mission was undergone an objection from Member States.
ministration, the discussion on ensuring satis- deeply engaged in ensuring the participation Another important issue is the expansion
factory levels of representation of local groups of the Timorese people, resulting in the cre- in the powers of the administrative authority.
is essential to avoid any problem regarding le- ation of the National Consultative Council and As in the cases of Eastern Slavonia, Kosovo,
gitimacy or effectiveness. the Council of Ministers. At the judicial level, and East Timor, UN peacekeeping operations
One of the most comprehensive UN mis- UNTAET established a selection committee, are approved by the UNSC, becoming its sub-
sions, UNMIK, played an important role in composed of nationals and foreigners, to ap- sidiary organs. The extent to which the UNSC
developing democratic and autonomous gov- point Timorese judges to try those responsible may delegate broad powers to the administra-
ernment institutions in Kosovo, which helped for serious human rights violations. tive authority must be assessed, since its deci-
to prevent the outbreak of a new conflict in the UNTAET was effective in its purpose of sions are not subject to a judicial review mech-
region. By assuming authority over the execu- supporting self-government in East Timor. anism. There is also the problem of regional
tive, legislative and judicial powers (Regulation The constitutional process in East Timor be- organizations carrying out the administration
1/1999), UNMIK was able to define which laws gan in 2001 (Regulation 2001/2), resulting in of territories, as in Mostar, following a decision
were valid in the territory, as well as appoint- members being elected to the Constituent As- of the Council of the European Union. In this
ing and exonerating civil servants and judges, sembly and, in March 2002, in its first national case, it seems correct to assume that the UNSC
establishing a Central Bank, and regulating constitution coming into force. Presidential must authorize regional organizations to carry
telecommunications and the international elections occurred subsequently, in April 2002, out such activities, especially if they intend to
sale of goods. In short, UNMIK established a with Xanana Gusmão’s victory and the decla- use coercive means to maintain peace and se-
new legal and institutional system in Kosovo, ration of independence, putting an end to in- curity.
which included the Special Representative’s ternational administration. Another important legal issue, which has
adoption of a constitutional framework. Grad- Broadly speaking, UNTAET’s work was been gaining ground in the international de-
ually, government functions were transferred positive, in that it involved the local population bate, is the problem of UN responsibility for
to the local authorities until the declaration in state-building efforts. It is thus arguable acts committed by its agents. International ad-
of independence interrupted the international whether UN administration could be consid- ministration missions should observe the lim-
administration of the territory. ered a new form of trusteeship, with the sole itations of general international law, including
Although UNMIK exercised state-like purpose of preventing local actors from exer- jus cogens norms, international human rights
functions, it did not establish a judicial review cising governmental functions in order to solve law, and international humanitarian law. Not-
system over its actions or an accountability problems of governance or sovereignty. withstanding those general obligations, there
mechanism that was available to the local pop- is no consensus on the responsibility of inter-
ulation. The lack of proper accountability be- Challenges for the Future: the Rule of Law national organizations for acts committed in
came worse with UNMIK’s decision to exclude and Legitimacy the exercise of their mandates. Another press-
its acts from the jurisdiction of national courts The direct administration of territories by the ing issue is the extent of the privileges and im-
(Regulation 47/2000), confirming the under- UN raises important questions. In the legal munities of officials working in international
standing that its staff had absolute immunity realm, the first question to be raised concerns administration missions. Furthermore, there is
from any legal process. the lack of a normative provision authorizing a need to develop monitoring mechanisms in
UNTAET’s experience was quite different. the UN to carry out the administration of ter- those missions, such as individual complaints
With respect to its mandate, UNTAET had an ritories. The provision that most nearly resem- systems, the ombudsperson institution, and a
express objective of setting the foundations bles such an authorization is article 81 of the more active role of the UN treaty bodies. Those
for a new state — differently from UNMIK —, UN Charter, although it is included in chapter are issues that are already being discussed both
maintaining order and security, and providing XII, which deals with the trusteeship system. in the UN General Assembly and the Interna-
assistance to the Timorese people in the pro- While this discussion remains open, it seems tional Law Commission. In 2013, for example,
cess of establishing self-government in the ter- correct to argue that chapter XII should be in- the Sixth Committee of the UNGA discussed
169
brief DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

criminal liability of UN officials on mission. Trieste, Namibia and Jerusalem, direct admin-
Moreover, in 2014, there was one item in the istration can still be considered as a temporary DIPLOMACY AND
Sixth Committee’s agenda specifically on the solution for territories under dispute between INTERNATIONAL POLITICS
responsibility of international organizations. States, as occurred under the League of Na-
The administration of territories by the UN tions. Finally, it also remains available to oc-
undoubtedly enjoys a greater legitimacy than cupied States, especially when the occupying
the old trusteeship system. Firstly, missions power has abdicated its responsibility to pro-
such as UNMIK and UNTAET were transito- tect the civilian population and care for local
ry and based on local consent and the express interests. — J
authorization of the UNSC, in light of chapter
VII of the Charter and under the auspices of More at:
the Department of Peacekeeping Operations. FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrise
Moreover, they resulted from a process in da. O Brasil e as Operações de Manutenção da
which Member States complied with interna- Paz das Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 1999.
tional law and reached a common solution im-
plemented by an organization that represents PATRIOTA, Antonio de Aguiar. O Conselho de
the whole international community. Segurança após a Guerra do Golfo: a articulação
The sense of legitimacy of an international de um novo paradigma de segurança coletiva.
administration mission depends on its effec- Brasília: FUNAG, 1998.
tiveness and lawfulness. The process of direct
administration in Kosovo enjoyed less legiti- UZIEL, Eduardo. O Conselho de Segurança, as
macy when compared to East Timor, not only operações de manutenção da paz e a inserção do
because the local population was less involved Brasil no mecanismo de segurança coletiva das
in government affairs, but also due to the lack Nações Unidas. Brasília: FUNAG, 2010.
of a legal basis for NATO intervention.
In order to ensure satisfactory levels of le-
Brazil at the
BÖHLKE, Marcelo. A proibição do uso da força
gitimacy in international administration mis-
sions, it is of paramount importance to adopt
no direito internacional contemporâneo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2011.
Center of the
mechanisms of judicial review, accountability,
and local participation in government affairs. TRINDADE, Otávio Augusto Drummond
World: the mega-
In addition, several other monitoring mech-
anisms could be considered by the UN and
Cançado. A Carta das Nações Unidas: uma lei-
tura constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,
events of 2014
Member States, such as individual complaints
systems, ombudsperson, reparation commis-
2012. and the work of
sions, and the involvement of existing UN trea-
ty bodies. Legitimacy and legality should be
Itamaraty
equally considered as fundamental elements
Portuguese version page 56
for the consecration of the rule of law in the

international community.
Felipe Neves Caetano Ribeiro and
During the the mandate and trusteeship
Fernanda Carvalho Dal Piaz
eras, there was great suspicion as to the real
interests of the parties involved. In the case of
In July 2014, Brazil hosted the greatest sporting
the United Nations, there is now a significant
event on Earth and one of the most important
perception that its administration missions are
meetings of the current international agenda,
in a better position to look after the interests
the VI BRICS Summit. Both the World Cup and
of local populations temporarily. Beyond the
the meeting of the biggest emergent economies
experiences in Kosovo and East Timor, direct
had – and still have – major consequences to
administration remains available to the inter-
Brazilian foreign policy, in general, and the work
national community as a tool in addressing the
of Itamaraty, in particular. In the following pag-
most serious cases of armed conflict and state
es, we will explore a little bit more the events
dissolution, with the purpose of maintaining
that put Brazil at the center of international at-
international peace and security. Despite the
tention during July 2014.
unsuccessful proposals for administration in
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

THE WORLD CUP MEBOL). Therefore, the definition of Brazil as To Brazilian diplomacy, the main benefit
On August 18th, 2004, just a few hours before the host country was natural. of great sporting events, especially the World
getting into the small Sylvio Castor stadium, To organize the World Cup, Brazil signed Cup, is the possibility of promoting Brazil’s im-
in Port-au-Prince, the players of the Brazil- a kind of “contract” with FIFA, according to age abroad. More than promoting, Ambassador
ian national football team paraded through which each Ministry had specific responsibil- Vera Lúcia believes we should update Brazil’s
the streets of Haiti’s capital city in Unites ities. Itamaraty was responsible for ensuring image, for the country has been through a
Nations vehicles. In the game that followed that all nations were treated equally. In practi- recent economic growth that is unknown in
the parade, Brazil beat Haiti 6 - 1. The de- cal terms, this meant that all national anthems many parts of the world.
feat, however, did not shake the euphoria of were to be played and all flags were to be To mark 1000 days to the World Cup, the
the local population with the presence of the raised. It may seem trivial, but there are coun- diplomats of CGCE wrote an article that was
Brazilians. tries in which this kind of negotiation is not signed by Pelé, as Honorary Ambassador for
The “Peace Game”, as the match was later easy. However, due to Brazil’s good relation- FIFA Brazil World Cup. The Secretary of State
known, marked the beginning of the Brazilian ship with all sorts of countries in the world, sent a telegram instructing all Brazilian Em-
leadership in the United Nations Mission to this was not a problem to Itamaraty. bassies abroad to publish the article. In total,
the Stabilization of Haiti (MINUSTAH). The Also, Itamaraty actively worked advising the text was published in 48 countries,
success of the event was one of the factors that and supporting foreign consular services, espe- 100 days before the World Cup, the letter
stimulated the former Brazilian Foreign Minis- cially in the concession of visas for tourists that of former player Ronaldo (“Counting down the
ter, Ambassador Celso Amorim, to use sport as were coming to watch the matches. All support- days until Brazil welcomes the world”) was
a foreign policy tool. ers that had a ticket to the Cup and a valid travel also published in all countries where Brazil has
As a consequence of this decision, the Gen- document could get a visa (with the exception diplomatic relations.
eral-Coordination of Sport Exchange and Co- of those who were listed by the Brazilian Intel- Additionally, Brazil raised to international
operation (CGCE, in its Portuguese acronym), ligence Agency and by the Interpol, or members level the President’s campaign to illuminate
affectionately known in the corridors of Ita- of supporter’s groups registered by the local all Brazilian monuments with green and yel-
maraty as “GCBall”, has been created from the police. Some members of the Argentinian Barra low lights. Therefore, besides many Brazilian
acknowledgement that sport is an instrument Brava, for instance, were not allowed in). Embassies that were illuminated, some public
of diplomacy and should, therefore, also be re- Itamaraty staff also dealt with incidents monuments, such as the “Gateway of India”, in
garded as a foreign policy topic. involving foreign supporters. Approximately Mumbai, and the Tower Colpatria, in Colom-
Besides being a universal language, sport 3.200 foreign supporters were assisted by the bia, also got yellow and green colors.
is, in practical terms, the sector of the world Ministry’s operational structure. Naturally, 100 days before the Cup the pub-
economy that grows the most. Therefore, it Moreover, there were representatives of licity of the country was affected by the reper-
was only natural that the those in charge of the Foreign Ministry on duty in the 12 host cussion of the big protests of June 2013, when
our foreign policy should be interested in the cities and in 2 cities with training centers for the population took to the streets to question
theme, especially when we consider Brazil’s the national teams (Vitória and Aracaju). The the use of public money to hold great sport-
credentials. Currently, Itamaraty is one of the objective of these teams was to ensure the ar- ing events. As a consequence, it became clear
only Foreign Ministries in the world that has a ticulation with the agencies and departments that, in spite of the great improvements that
specific unit to deal with sport. present in the control centers devised especial- the country had been through during the last
To Ambassador Vera Cíntia Alvarez, head of ly for the occasion. few decades, the challenges that hinder our
CGCE, the importance of sport to the consolida- Finally, Itamaraty dealt with protocol, economic, social and political development are
tion of Brazilian foreign policy goals is obvious. which involves receiving delegations headed still substantial.
Firstly, sport contributes to the development of by high foreign authorities, such as Heads and Despite the criticism against the World
our country, supporting job creation and social Deputy Heads of State and Government. 33 Cup, it is a fact that mega-events have increas-
inclusion. Secondly, sports cooperation makes foreign leaders were received in Brazil during ingly been hosted by great emerging powers.
it easier to narrow political and diplomatic ties the sporting event, including all Heads of State Brazil lives its sporting decade, which started
with other countries. Finally, sport is particular- of the BRICS countries. These leaders then in 2007 with the Pan American Games. Like-
ly important for the projection of Brazil’s image headed to Fortaleza to participate in the event wise, all the BRICS countries have hosted great
abroad. that would put Brazil at the center of interna- sports events in the last few years.
Brazil’s choice as host of the FIFA World tional politics a few days later. Obviously, there is no direct relation be-
Cup was not as contested as the choice of Rio Due to the size of the event, the World Cup tween development and hosting events, but
de Janeiro as host of the Olympic Games. In calls the attention of the whole world to the host this phenomenon suggests that the emergency
2007, FIFA still chose the hosts according to a country. FIFA estimates that a billion people of new powers in international politics also has
rotation of continents. In 2014, the World Cup watched the final match between Germany and consequences in sports, a field that, more than
would be host by one of the countries of the Argentina, an audience record in international a decade ago, Ambassador Celso Amorim con-
South American Soccer Confederation (CON- sporting events. sidered strategic to foreign policy goals.
171
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

success in both aspects certainly strengthened new BRICS Development Bank and the BRICS
The contribution of Protocol is to set up the Brazil’s image abroad. Contingent Reserve Arrangement.
stage so the show can begin. The invisibility of As for the authors of this article, two new- As stated by Ambassador Flávio Damico,
Protocol is its greatest contribution to Brazilian ly admitted Third Secretaries who embarked head of the Interregional Mechanisms Depart-
foreign policy”. (Ambassador Fernando Igreja, for the first time on a temporary mission in ment of Itamaraty, the comparison between the
Head of Protocol) Fortaleza, the expectations of participating in institutions created in the sixth BRICS summit
the sixth BRICS summit were great. Nonethe- and the Bretton Woods institutions, although
less, such expectations did not compare to the it shows the relevance acquired by the BRICS
The sporting decade challenges nor to the opportunities we would summit in the eyes of the international press, is
Brazil has hosted, and will still host, sporting find there. The work in the organization of the “exaggerated and out of place”. According to the
mega-events during one decade, which will summit encompassed activities in different Ambassador, “for the first time, BRICS were go-
substantially contribute to the correction and areas, such as protocol, logistics, or the work ing beyond the criticism of international finan-
update of Brazil’s image abroad: as liaison officers, in contact with the Russian, cial institutions and were presenting two new
2007: Pan American Games Indian, Chinese and South African delegations. global public institutions, showing the maturi-
2011: the Military World Games The choice of Fortaleza as one of the host ty, confidence and competence of the group…
2013: FIFA Confederations Cup cities for the BRICS summit created, per se, What we have are institutions which are com-
2014: FIFA World Cup some challenges. For instance, the lack of a ho- plementary to those which already exist”.
2015: the Indigenous Peoples’ Games tel infrastructure that could meet the needs of Besides the creation of the Development
2016: Olympic and Paralympic Games the Head of States and their delegations, and Bank and the Contingent Reserve Arrange-
the necessity to build, inside the Ceará Events ment, the sixth BRICS summit resulted in the
Center, the structure necessary to guarantee signature of an Agreement among BRICS de-
Sequence of great sporting events the proper work of the summit and all the oth- velopment Banks and Export Credit Insurance
hosted by the BRICS er activities involved. Agencies and a multilateral Agreement on In-
“Some time ago, sporting mega-events, which The event occurred on the 14th, 15th and novation in the Bank domain. The Fortaleza
are the culmination of sport, were hosted, in 16th of July, and encompassed the organization Declaration, in which BRICS leaders express
general, by European nations or by the US. of several meetings. On July 14th, there were the consensus on diverse topics of the internation-
Brazil presented this argument in support Finance Ministers and Central Bank Governors al agenda, approaches themes ranging from the
of its candidacy to host the Olympics. Lately, meeting, the Trade Ministers meeting, the Devel- 70th United Nations anniversary and its reform,
the countries that will be responsible for half opment Bank Presidents meeting, the Business the situation in Ukraine, the IMF reforms to the
of world’s GDP in 2020 – the BRICS – started Forum and a session of the Business Council of relation between security and development.
to host mega- events. This is extremely signifi- the BRICS. On July 15th, the meeting of BRICS Many of the decisions made in Fortaleza
cant”, said Ambassador Vera Lúcia. leaders took place in Fortaleza, in an event that will have their effects felt only in the long term.
2008: Olympic and Paralympic Games in Bei- included the summit itself, a lunch among the The institutionalization of the Development
jing, China leaders, a plenary meeting and a cultural event. Bank and of the Contingent Reserve Arrange-
2010: South Africa FIFA World Cup On July 16th, in Brasília, there was a summit be- ment, as emphasized by Ambassador Flávio
2014: Winter Olympic Games in Sochi, Russia tween the BRICS leaders and all South American Damico, depends on two different processes:
2018: Russia will host FIFA World Cup Presidents, besides a meeting between China and “one is legal-legislative and has to do with the
Brazil, and the CELAC quartet, which, at that procedures of ratification of these treaties by
time, consisted of Costa Rica, Cuba, Ecuador and the respective parliaments. The other parallel
Sixth BRICS summit Saint Vincent and the Grenadines. In addition, process is organizational, aimed at structur-
Concomitantly to the World Cup, the sixth The Brazilian President had a meeting with the ing these institutions. It is necessary to define
BRICS summit was being prepared. The event President of the European Commission Durão themes ranging from staff policy to the lending
marked the Brazilian presidency of the group, Barroso, on July 18th. rules by which the Bank will abide…”
as well as the BRICS’ second cycle of meetings, The sixth BRICS summit represented, In July 2014, besides hosting one of the
after each of its members had hosted a summit. by itself, a strengthening of multilateralism, most important sport events in the world,
The VI BRICS summit, which had its pro- since it managed to assemble five important Brazil became a hub of international politics.
gram divided between the cities of Brasília poles of international politics and the leaders The so-called “capacity to convoke”, a result of
and Fortaleza, received great attention from of various Latin American countries. In the do- the legitimacy of our foreign policy, translat-
the press and from international politics, con- main of international financial governance the ed into the presence of the BRICS leaders, all
tributing to bring Brazil into the spotlight, at a summit, whose theme was “Inclusive Growth: South American Presidents and some Carib-
moment when both Brazil’s capacity to host a Sustainable Solutions”, was compared by the bean leaders in Brasília, where they discussed
big sport event and BRICS’ capacity to produce international press to the Bretton Woods con- themes of mutual interest. In a process coher-
concrete decisions were being assessed. The ference, especially due to the creation of the ent with our quest for strengthening multi-
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

lateralism, in this decade Brazil has engaged the reality of Foreign Service employees – not
in hosting great international events, such only Brazilians, but from most countries – is a
as Rio+20. The legacy of the aforementioned bit more complex.
conference is complemented by BRICS efforts In order to try to demystify this often coun-
in Brasília and Fortaleza to promote inclusive terproductive image some people have about
growth, with sustainable solutions. the diplomatic career, and to try to exalt the
The great events of July 2014 bequeathed work of Brazilian civil servants posted to some
a valuable legacy: the creation of institutions of the most desolate corners of the planet, JUCA
that strengthen the democratic aspect of global contacted diplomats of various hierarchical lev-
governance, the enhancement of Brazil’s image els who are serving or who have served in some
abroad, and the example of how foreign poli- of the “D Posts” of the Brazilian Foreign Service.
cies can be effective, even in times of adversity It is important to clarify, for those not famil-
and generalized skepticism. This skepticism iar with Itamaraty’s structure, that the Brazil-
was directed both to the organization of the ian Ministry of External Relations classifies its
World Cup and to the BRICS’ future, regarding posts abroad, for personnel allocation purposes,
which many prefer to highlight the differenc- into four groups – A, B, C and D –, according to
es among the members, instead of focusing on the degree of representativeness of the mission,
their common interests. For the two recently the specific conditions of life at the station and
admitted Third Secretaries, another legacy the convenience of the Administration. Distance
will also remain: the lesson of commitment of
the manifold areas of the Ministry of Foreign In the Trenches from Brazil, human development index, cost of
living, political importance, security issues: ev-
Affairs to the success of these events, as well as
the lessons of creativity and coherence which of Diplomacy: an erything influences the classification of a post.
We heard many D Post stories, but, unfor-
have characterized Brazil’s foreign policy. — J
overview of the tunately we won’t be able to tell all of them.
However, after reading this article the reader

Brazilian Foreign
will have an overview of what it means to serve
in posts that, despite their numerous difficul-

Service’s D Posts
ties, happen to be some of the most interesting
in our Foreign Service.

The living conditions of functionaries in Everyday life in a D Post


the Brazilian foreign service in hardship Among Itamaraty’s employees, it is not uncom-
posts are nothing like the image of lace mon for the D Posts to be identified as “Posts
cuff diplomacy of sacrifice”. While every transfer process en-
tails its quota of sacrifice, living and working
Portuguese version page 62 conditions at D Posts are quite different from
— those in the “Elizabeth Arden circuit” (capitals
Tainã Leite Novaes known for their cultural, political and socio-
economic prestige, such as Rome, Paris, Lon-
“In the Ambassador’s receptions” don and Washington).
A few years ago, an advertisement for a brand In the Republic of Guinea, for example,
of chocolates was quite popular on TV. In order electricity is still a rarity, even in the most fancy
to identify its product with refined and sophis- neighborhoods of Conakry, as Minister-Coun-
ticated environments, the brand presented it as selor Alírio de Oliveira Ramos, our chargé d’af-
being served at “the Ambassador’s receptions”. faires en pied there, notes. Sanitation is also a
The advertisement, which was broadcast major problem, as well as most public services
in several countries, brings in its core the in- that require some sort of infrastructure. “[In
ternationally widespread image of “lace cuffs Conakry] there is no public transportation
diplomacy” – the stereotype of the diplomat as system. Those who do not have a car travel in
a bon vivant, whose main activity is to attend popular cabs (...) or vans (which are always
parties, drink champagne and eat caviar. crowded). [The city] doesn’t have any traffic
Although luxury and glamor populate the lights. Fine pick-up trucks jostle for space with
imagery concerning the diplomatic universe, old carts in narrow streets without sidewalks
173
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

and with open sewers” added the Minister. Permanent Mission to the United Nations in fluenced by the immense social gap existing in
Leisure options are also scarce in Conakry. New York, there is no vaccine for malaria – as most of these countries, there is often violence
Not even the beaches, which could become an there is for yellow fever, for example –, but arising from armed conflicts and acts of terror-
affordable alternative to the entire population, there is preventive medicine, which one usual- ism, and international employees are always
are viable leisure options: due to the lack of ly takes before departing on shorter missions, a valuable targets.
public garbage collection, they are highly pol- few days or a few weeks. However, chemopro- According to commissioned Counselor
luted. The issue of waste disposal becomes a phylaxis is not recommended for prolonged and Brazilian Chargé d’Affaires a.i. in Baghdad,
greater concern in a context in which malaria, periods, for it can cause dangerous side effects. Herbert de Magalhães Dummond Neto, “de-
meningitis, cholera and other diseases are en- In this sense, it is recommended for people liv- spite [the city] having already been targeted in
demic. ing in countries where malaria is endemic to several wars and bombings, the infrastructure
A little over a year ago, in addition to all the always look for a doctor if they have any kind is relatively good”. In the Counselor’s opin-
challenges already faced by the Guinean popu- of fever. ion, “in Baghdad, the greatest difficulty is to
lation and the expatriate community resident Thiago Vidal himself tells us that he caught live in confinement. The security situation in
in the country, an Ebola epidemic arose. “In malaria once, while serving in Kinshasa, and the Iraqi capital prevents us from circulating
the first two or three months after its outbreak, although he had been infected with the most freely around the city. Thus, we only leave the
[the Ebola epidemic] caused paranoia among dangerous parasite, the Plasmodium falci- Brazilian “compound” for official meetings or
the population and the exodus of waves of im- parum, which can attack the brain, causing events on protected areas. Most of the time,
migrants. Over time, everyone here learned to death, he managed to recover quickly, because a security team is sent in advance, in order to
deal with the plague, which at this point is in a in the first signs of fever, he went to a doctor scout the road ahead and trace possible escape
decline phase. We learned that Ebola is very le- and started intensive treatment. routes in case of an emergency. This also im-
thal, but difficult to spread. No foreign resident In the case of Minister-Counselor Antonio plies distance from our family, whose presence
in Guinea to this day [February 2015] has been Carlos de Salles Menezes, however, the conta- in the city is impossible (…). For the Embassy
infected with Ebola” explains Minister Alírio. gion by malaria was much more serious. While staff, as can be expected, there are no external
Still according to our chargé d’affaires in serving in Ouagadougou (Burkina Faso), where entertainment options such as cinemas, the-
the Republic of Guinea, “there are but a few he opened our embassy in 2008, the Minister aters, restaurants or any other activity that re-
difficulties associated with the epidemic for contracted malaria twice. The second time, the quires leaving the compound facilities. So our
the expatriate residents in Conakry, such as Minister had to be transferred for treatment in colleagues become our family, and respect for
the sanitary control we have to submit to when Paris because available resources in Ouagadou- others is essential for everything to work well
entering the international airport, hospitals, or gou no longer guaranteed the preservation of and for us to live minimally happy here”.
some stores and restaurants. The control usu- his life. Another example of a city where the se-
ally consists in taking our temperature with a According to the Minister, his situation curity situation is quite complicated is Islam-
telemetric thermometer and in the obligation worsened because he was slow to seek treat- abad. According to Third-Secretary Thomaz
to wash our hands with a germicidal gel, or ment. Affected by a fever late on a Friday, he Napoleão, who served in the Pakistani capital
chlorinated water (...). Another drawback is only sought a doctor the following Monday, and is now in Brazil’s Permanent Mission to
the reduction of the number of international when the disease had already evolved signifi- the United Nations, Islamabad is a very milita-
flights (...). As the frequency of arrival of ships cantly. Facing a very dangerous situation, the rized city. “In virtually every avenue there are
also decreased, some imported items disap- Minister was taken to be treated in France, military checkpoints, especially near the most
peared from supermarket shelves. Besides where he healed, though not without after ef- sensitive places – government agencies, ma-
that, we do not face further disadvantages fects: a partial loss of hearing, due to the oto- jor embassies –, but even the most residential
caused by Ebola. People go out as they have al- toxicity of the treatment. Even so, Minister areas, which in theory would be quieter, had
ways done; the shops are open; supermarkets Antonio Carlos refers to his time in Burkina intense policing, because the problem of ter-
reasonably well-stocked: in short, life goes on, Faso in a nostalgic way, and can’t wait to return rorism is very real. There are terrorist attacks
as it did before the outbreak of the epidemic”. to Africa, where he will head our Embassy in in the country almost every day. Not so much in
More chronic than the Ebola epidemics is Lomé, Togo. “The disease can be serious”, says Islamabad, which is relatively quieter than the
malaria, endemic in several African countries. the Minister – and it is worth remembering rest of the country. Before I went there, during
If Ebola and cholera tend to afflict predomi- that it has led to the death of more than one Pakistan’s democratization process, there was a
nantly the poorest part of the population, who Brazilian Foreign Service employee –, “but it very large sequence of attacks in Islamabad, but
do not have access to minimal sanitary stan- is perfectly curable if detected early” he adds. since then the city is relatively calm. There have
dards, malaria is diffused more indiscriminate- Besides poor infrastructure, endemic dis- been some attacks, but much less than before. It
ly, since it is transmitted by mosquito bite. eases and epidemics that ravage many D Posts, is much quieter than in the border with Afghan-
According to Third-Secretary Thiago another major concern of those who serve in istan, than in Peshawar, than in Karachi”.
Vidal, who served in Kinshasa (Democratic such locations refers to security issues. In ad- Thomaz goes on saying that “Islamabad is
Republic of Congo) and now serves at Brazil’s dition to urban violence and crime, strongly in- a little safer, but there is a price for that securi-
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

ty. These military checkpoints were somewhat there were restrictions. Security was a serious Lifetime Experience
ubiquitous. At first it was very strange. Just to problem, and the government did not want a Despite all difficulties, for those who face the
give you an idea, to enter McDonald’s you had Westerner, a Brazilian, to be kidnapped. We unknown with an open heart and an open
to go through a metal detector! There were got used to these security protocols, but they mind, the experience in the D Posts, in the
bomb barriers! This in McDonald’s, let alone limited our movement a little”. unanimous opinion of our interviewees, al-
in the ministries, the most targeted buildings, ways seems to be very enriching, both profes-
the most fancy hotels. Anyway, there was a Pyongyang sionally and personally.
safety paranoia. At the Embassy, we had ​​a se- The everyday life of a Foreign Service officer in “Every place has its own culture, and – I’m
ries of security measures and policies, because North Korea is quite peculiar. The problem of not academic to discuss it – difficult Posts have
we don’t want to die, of course. We had two urban violence is virtually nonexistent, but the a distinct cultural aspect”, tells us Third-Sec-
companies hired to ensure our safety. There city has particularities that make the life of an retary João Zanini, our Chargé d’Affaires a.i.,
were armed secutity agents at the Embassy, ​​in expatriate very complex. in Cotonou, who has also served in Togo, in
the Ambassador’s Residence and in the homes Regarding infrastructure, though difficulties Guinea-Bissau and in Burkina Faso. “In Guin-
of each Forign Service employee. One of the are smaller in Pyongyang than in many oth- ea-Bissau, when I returned to the Embassy
security companies provided the guards and er D Posts, they exist. Water is rationed, so for after working hours, I saw a line of people at
the other was an intelligence company that much of the day the supply is cut. With regard the gate. Often late at night. I realized that the
could predict when there would be violent to electricity, in the diplomatic neighborhood, it night watchman charged 5 cents to let people
demonstrations, for example, which often is constant, but is intermittent in vast areas of charge their phones in the guardhouse. It was
were a bigger problem than terrorism is Islam- the North Korean capital. In several areas of the the lowest rate charged by the Embassy guards.
abad. There weren’t demonstrations against city, street lighting is non-existent, what hinders There were few places that had electricity in
Brazil, but there were some against the [Paki- movement at night. the city”, he added.
stani] government; against the United States; In part due to government restrictions and, in John goes on, reflecting on the importance
against both at the same time; against India. part due to the sanctions imposed on the country of these more difficult Posts in a diplomat’s
The demonstrations were somewhat violent by the international community, access to some formation: “I find it contradictory when I see
there, and the Embassies closed, including our basic services for the operation of an Embassy, colleagues who work with human rights com-
own. The Embassy had to close seven or eight as internet and banking, is quite limited in North peting for Geneva or other A posts. You cannot
times during the time I was there, because of Korea. Second-Secretary Leonardo Jannuzzi, talk about food security only going from Brasil-
violent protests. The worst one was around who was in the opening mission of our repre- ia to Rome (...). I remember Sergio Vieira [de
2012, when a video that made fun of the Proph- sentation in that country in 2008, tells us that Mello’s] biography. He said to forget the nor-
et Muhammad – Innocence of Muslims – was in order to perform any financial transaction, mal path of UN diplomatic career and go to
released [in California]. There were protests from paying bills to withdrawing cash for rou- the front. He went. Mozambique, Bangladesh,
against that video, and Youtube was banned tine purposes of the mission, one has to go to Bei- Cambodia, Lebanon.
in Pakistan. The Embassy had to close for two jing, where the bank in which the Embassy has For a young diplomat, in addition to field
days. There were huge protests, in some cas- an account is located. Even to buy certain kinds experience, D Posts also give the opportunity
es violent, against the American Embassy. Our of food or certain parts for vehicle maintenance to understand the full functionality of an Em-
[Embassy] was in another neighborhood, but it is sometimes necessary to go to China. bassy. If, in larger stations, each diplomat tends
still, any embassy was a target. Ours less so, but Leonardo tells us that the periodic visits to to take care of a specific topic, in small stations,
still, we couldn’t take any chances”. Beijing, to meet the financial obligations of the the few diplomats – if not the only one present
He concludes by stating that “So we had a Embassy were also opportunities to see and do – take care of several issues: political, econom-
series of measures, a series of policies. Theo- something different, to get out of a routine that ic, consular, protocol, administrative, cultural,
retically, none of us Embassy employees could had very few leisure options in Pyongyang. and so on. All interviewees agree that this is a
go out alone in the street. Not that it was pro- The great distance from Brazil is also a difficulty, unique learning experience.
hibited by law, but there was a policy at the and with twelve-hour time difference, it becomes Furthermore, in D Posts, a Third-Secretary
Embassy that we should always be accompa- quite hard to communicate either with the Ita- will have a level of dialogue with local gov-
nied by a security guard. Honestly, sometimes maraty or with one’s family . ernment that would be unthinkable in A or B
we broke that rule, but there was a rule. The Still, Leonardo Jannuzzi emphasizes the impor- Posts. As the TS often stay in charge of the Post
Ambassador was never unaccompanied. The tance of his experience. “Before I went, I knew it (in the Ambassador’s vacations, for example),
Ambassador had a bullet-proof car. Others had would be difficult, and I do not regret it. I was very they often have contact with high-level local
cars, but they were not bullet-proof. To travel – keen to go to North Korea. I think it was a very authorities – State Ministers or even Presi-
and Pakistan is a very beautiful country to get good time”. For him, the experience was extremely dents. “This month, I talked to the President
to know – was needed to have a government important not only for his formation as a diplomat, of Benin” says Secretary João Zanini. “You will
permit, which usually came through, except but also for his growth as a human being. have access to people who you wouldn’t in a
for some most dangerous regions. That is, bigger post. People who are prepared, know
175
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

how to test you. People who experienced star- around the world, in the trenches of our diploma-
vation, torture, armed struggle, threats, mass cy”. Although the Chancellor referred to all Bra-
family murders, illness, and a host of other zilian Foreign Service Posts, the metaphor of the
things that make them very difficult to bend. It trenches can be applied especially to D Posts.
is a daily lesson”, he adds. By trenches, we understand places which while
Moreover, during the visits of high-level requiring huge amount of sacrifice of the fighters
Brazilian authorities, the TS will often be re- are essential to the success of any military cam-
sponsible for accompanying them during their paign. The same can be said about the most dif-
stay in the country. This happened, for exam- ficult Posts of our Foreign Service: it is there that
ple, to Third-Secretary Lara Lobo, who was we develop our “frontline of diplomacy”. And as
able to accompany, in four different occasions, it’s there that our presence is often still timid, it
the then Chancellor Ambassador Antonio Pa- is there that we can get the best results, in rela-
triota, the former President Lula, the then tive terms, for our foreign policy. — J
President of the Supreme Court Joaquim Bar-
bosa and our current Chancellor, Ambassador
Mauro Vieira during their stays in Accra.

Sacrifice in the Posts


Even with the difficulties and problems re-
ported along the article, all interviewees were
extremely satisfied with their experiences in
the so-called “Posts of sacrifice”. Neither poor
infrastructure, nor the endemics and epidem-
ics, nor even security issues prevented the
Democracy in
professional and personal development of the
diplomats who spoke to JUCA.
Good Portuguese
The greatest challenge for D Posts seems to
The Election Observation Missions of the
be the scarcity of material and human resourc-
Community of the Portuguese Language
es observed in several of our smaller Embas-
Speaking Countries have an increasingly
sies. Minister Alírio Ramos, the only employee
important role in the efforts to consolidate
of the Brazilian Foreign Service in Conakry,
recent and fledging democracies
says it’s like being a goalkeeper, a defender
and a forward at the same time. “I have work
Portuguese version page 70
overload, like many other colleagues Embas-

sies in Africa. Despite the routine late working
Tainã Leite Novaes
hours, I have to identify, in the beginning of
each working day, among the many emergency
In 2014, we celebrated the 40th anniversary of
tasks, those of highest priority (...). Reconciling
the Carnation Revolution – which restored de-
attention to State affairs with the meeting of
mocracy in Portugal –, as well as the Indepen-
deadlines of accounting and consular sectors;
dence of Guinea-Bissau. In 2015, we celebrate
choose between attending official invitations,
30 years of the Brazilian redemocratization
protocol routines and requests the State Secre-
and 40 years of the Independence process in
tariat is not an easy challenge.
several African Portuguese-speaking coun-
João Zanini, who has been facing extreme
tries: Angola, Cape Verde, São Tomé and Prín-
material difficulties in the management of our
cipe and Mozambique.
Embassy in Cotonou, says: “I once arrived in
Simultaneously, we can see a growing
an Embassy and the Brazilian flag was torn! If
importance of the Community of the Portu-
these basiccogs don’t work, Brazil’s image is
guese Language Countries (CPLP) in all of its
damaged (…)”.
spheres, what makes us wonder how the CPLP,
***
namely its Election Observation Missions
In his inaugural address, the Brazilian Minister
(EOM), is contributing to the consolidation of
External Relations, Ambassador Mauro Vieira,
democracy not only in the observed countries,
gave “a special word to Foreign Service colleagues
but also in the observing States.
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

The CPLP is a multilateral forum for the cipe ( jul/2006); process and making informed judgments on the
deepening of mutual friendship and coopera- • Presidential Elections in East Timor (apr and conduct of such process based on information
tion among its members which has objectives may/2007); collected by persons who are not inherent-
that go far beyond the promotion of a common • Parliamentary Elections in East Timor ly authorized to intervene in the process and
language. Besides the dissemination of Portu- ( jun/2007); whose involvement in mediation or technical
guese, the CPLP seeks to implement initiatives • Legislative Elections in Angola (sep/2008); assistance activities should not jeopardize their
that stimulate political coordination as well as • Legislative Elections in Guinea-Bissau main observation responsibilities”.
cooperation among member Sates in a variety (nov/2008); In this sense, the observer would be “mere
of areas. In this context, the CPLP is becoming • Presidential Elections in Guinea-Bissau ( jun witness to the electoral process” and should
one of the most important international insti- e jul/2009); not, in any way, interfere in it – otherwise, the
tutions in the field of election observation in • General Elections in Mozambique (oct/2009); principle of non-intervention could be jeopar-
countries where Portuguese is spoken. • General Elections in São Tomé and Príncipe dized. The absolute respect for sovereignty and
The CPLP was created on July 17th 1996, (aug/2010); internal laws of the observed country is central
and only three years later it established its first • Presidential Elections in São Tomé and Prín- to CPLP’s actions in electoral processes.
EOM to observe East Timor’s Referendum on cipe ( jul/2011); CPLP only sends EOMs when demanded
Self-Determination, in August 1999. Since then, • First Round of the Presidential Elections in to, and the missions generally consist of repre-
the CPLP has participated in a series of other Guinea-Bissau (mar/2012); sentatives of the Executive Secretariat and at
election observation processes, in most of its • Presidential Elections in East Timor least one representative of each member State.
member States, in almost every year of the last (apr/2012); In order to ensure the heterogeneity of the
decade and a half, which helped it in creating a • Parliamentary Elections in East Timor mission, as well as diplomats, CPLP encourag-
strong institutional framework in this area. ( jul/2012); es the inclusion of election experts, academ-
The CPLP’s presence in the in elector- • General Elections in Angola (aug/2012); ics, lawyers, among other professionals in the
al processes has proven to be very important • General Elections in Guinea-Bissau (apr e EOMs, which allows for a more comprehen-
not only for the consolidation of democracy may/2014); sive view of the process.
in the observed member States - especially in • General Elections in São Tomé and Príncipe Regarding the observer, specifically, he/
post-conflict contexts -, but also in the observ- (oct/2014); she should act as a witness not only of the vote,
ing countries, which, to a greater or lesser ex- • General Elections in Mozambique (oct/2014). but also of the electoral process as a whole,
tent, find themselves in a continuous process of including the campaign and the verification
consolidation of their own institutions - the old- of the results. Thus, the observer must act in
est democratic regime in the Community is that strict accordance with the laws of the coun-
of Portugal, which has just completed 40 years CPLP’s role in Election Observation try where the suffrage takes place and with
of age; in Brazil, the redemocratization process Missions CPLP’s Election Observer Code of Conduct
only reaches its 30th anniversary in 2015. On July 22nd 2010, he 15th Regular Meeting of and the Declaration of Principles of Interna-
the CPLP Council of Ministers took place in tional Election Observation. With the observ-
Luanda, in the context of the 7th Conference ers’ testimonies at hand, the EOM draws up an
CPLP Election Observation Missions of Heads of State and Government of the Com- opinion on the credibility of the process based
• Referendum on Self-Determination in East munity of Portuguese Language Countries. on criteria relating to the transparency of the
Timor (aug/1999); At the time, eleven years had passed since election, the democratic nature of the election
• Constituent Assembly Elections in East Timor East Timor’s Referendum on Self-Determina- and the application of the electoral law.
(aug/2001); tion, the Community’s first election observa- According to the CPLP’s Manual, the ob-
• Presidential Elections in East Timor tion mission. With over a decade of experience server on the ground should “take note of the
(apr/2002); and more than a dozen implemented EOMs, location of polling stations and their opening
• Regional Elections in Mozambique CPLP’s accumulated know-how made it possi- hours; the actual conditions of the vote; the
(nov/2003); ble for the member States to adopt a resolution presence of representatives of political parties
• Legislative Elections in Guinea-Bissau establishing CPLP’s Manual on Election Ob- or candidates; the quality of the officials re-
(mar/2004); servation Missions and CPLP’s Election Ob- sponsible for implementing the operations and
• Presidential and Legislative Elections in Mo- server Code of Conduct. clearance conditions of the ballot”. Moreover,
zambique (dec/2004); The definition o “Election Observation” “he/she must make contact with people and or-
• Presidential Elections in Guinea-Bissau adopted by CPLP’s Manual is the same estab- ganizations of the country’s different spheres of
( jul/2005); lished by the International Institute for Democ- activity, namely: representatives of political par-
• Legislative Elections in São Tomé and Prínci- racy end Electoral Assistance (IDEA - Interna- ties, candidates, administrators and government
pe (mar-apr/2006); tional): “election observation is the purposeful officials responsible for election administration,
• Presidential Elections in São Tomé and Prín- gathering of information regarding an electoral trade unions, human rights organizations, rep-
177
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

resentatives of ethnic groups and minorities, election observation processes mentioned States. In the context of the Community of Por-
religious leaders and voters”. – bilateral and multilateral – are not mutual- tuguese Language Countries, such cooperation is
In addition to the good performance of the ly exclusive, but complementary. Moreover, even more important because young and newborn
observer, it is important to cover the largest the Ambassador agrees with the idea that the democracies have the opportunity to help each oth-
possible part of the observed State’s territory Brazilian engagement in CPLP’s EOMs can be er in the consolidation of their institutions. — J
for an EOM to achieve its objectives, implying considered a means of raising the profile of the
the need for the host country to ensure free- Community and consequently helping in its
dom of movement for observers. process of consolidation.
The presence of EOM representatives on In the field, the Brazilian observers in-
the ground, guaranteed throughout the elec- corporated into the CPLP’s EOMs act in strict
tion process, would also be desirable months compliance with CPLP’s Manual on Election
before the vote, since the beginning of the Observation Missions and CPLP’s Election Ob-
campaigns. However, as this would require the server Code of Conduct.
spending of large amounts of resources, CPLP For Third Secretary Guilherme Sorgine,
keeps up with the process from its headquar- who, in 2014, participated as a Brazilian ob-
ters, with occasional trips to the country where server in CPLP’s EOMs in Guinea-Bissau and
the EOM is going to take place. Mozambique, these missions are important in
After the elections, the EOM should pre- bringing the world’s eyes to extremely remote
pare statistical reports on each visited polling places. In Guinea-Bissau, for example, there
station, which form a final and more detailed were polling stations established outdoors,
report. In no more than 15 days after the end under trees, illuminated by oil lamps – and the
of the mission, this report shall be submitted to EOMs were there to observe and report, help-
CPLP’s Executive Secretariat, which will for- ing the country in its State-building process.
ward it to the member States. The report will Sorgine reports that although the observer
be analyzed in the first meeting of the Perma- must always pay attention to the fulfillment of
nent Concertation Committee held after the internationally recognized electoral standards,
return of the EOM. his/her vision should not hold up in small is-
sues, but should take into account the process
Brazil’s participation in the CPLP’s EOMs as a whole. Without being lenient with fraud
Brazil has participated in all CPLP’s Election or any kind of corruption, the CPLP observer’s
Observation Missions since the first one, in focus should not be on small irregularities, but
East Timor’s Referendum on Self-Determina- on irregularities able to influence the election
tion, in August 1999. In addition to being, along results. Therefore, it is important that the EOM
with Portugal, the largest financial contributor has observers throughout the observed coun-
to the organization, Brazil always sends ob- try before, during and after the elections - the
servers and technicians, essential for the orga- campaign and verification periods are as im-
nization of the elections. portant as the vote in determining outcomes.
Although Brazil does not discard the bilat- In addition to sending observers, Brazil also
eral participation in election observation pro- often contributes by sending electoral techni-
cesses, when demanded – as it has done in Haiti, cians – technicians from the Superior Electoral
the Democratic Republic of Congo and Zimba- Court and various Brazilian Regional Electoral
bwe, to name but a few recent examples -, the Courts who help in the construction of the vot-
country has increasingly chosen to participate ers’ lists, in issuing voting cards and in results
in such processes as a member of CPLP, which verification and divulgation processes. Further-
not only renders the EOM more legitimate, more, Brazil always invites members of the high-
due to its multilateral character, but also helps est electoral authorities of partner countries to
strengthen the Community, which is becoming visit during its elections so that they can see how
a model institution in the conduct of EOMs. the management of an electoral process in a con-
According to Itamaraty’s Undersecre- tinental country with a huge number of voters
tary-General for Africa and the Middle East, unequally distributed across the territory is done.
Ambassador Paulo Cordeiro, who served as ***
a Brazilian observer in CPLP’s last EOM in Building democracy is a long and complex process
Guinea-Bissau, the forms of participation in that can be strengthened by cooperation among
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

tors who emigrated to other countries bearing of excellence at sports. In fact, UFC itself has
their knowledge to build teams devoted to the among its founders the very same Gracie Fam-
practice of this Brazilian martial art. The prop- ily. Since the beginning of this type of compe-
agation of Jiu Jitsu constitutes a large niche of tition, Brazilian Jiu Jitsu has been presenting
soft power still unexplored by Brazilian Diplo- top quality athletes. From Rickson and Royce
macy. However, it must be the object of a better Gracie – Helio’s sons – whose career peak took
evaluation due to the great potential benefit for place during the 1990’s, to contemporary ath-
the country’s image. letes such as José Aldo, Pezão and Toquinho,
Maeda arrived in Brazil after having visit- all of them have a very close relation with the
ed many different countries, showing his abil- Gentle Art.
ities, challenging other fighters and absorbing The acknowledgement of this martial art
elements from other sports such as Wrestling. efficiency goes beyond the mere sport to work
While in Belém, in the year of 1917, Count as backbone of military and police training
Koma accepted the fourteen-year-old Carlos throughout the world. Security forces need to
Gracie as his pupil. The first steps were taking be trained for real combat situations with ef-
place for the development of an authentically ficient techniques. And many of them resort
Brazilian martial art. to Brazilian Jiu Jitsu. This is the case of the
Carlos attended Maeda’s classes until American and the Jordanian Armies, the UNI-
his family moved in to Rio de Janeiro in 1921. FIL forces in Lebanon and others that embrace
There, at the age of 17, he started teaching BJJ in their combat techniques.
his younger brothers the secrets of the art. In addition, Brazilian Jiu Jitsu is strongly

Jiu-Jitsu: the Amongst his brothers was Hélio Gracie whom,


for being too young and ill by then, could only
related to self-defense techniques. Therefore,
day by day it becomes more popular among

Gentle Art and


watch the practices but not effectively take security agents and people who wish to tie fit-
part in the trainings. Hélio would learn the art ness to discipline and self-defense. Because of

Brazilian Soft
from his brothers after his recovery. The Gra- this feature, Jiu Jitsu has also been playing an
cie Family, led by Carlos and Hélio – as well important role in the empowerment of women

Power
as other pupils of Maeda –, began developing through sport. It is very common to find in Bra-
new moves and updating techniques brought zil and abroad Jiu Jitsu teams and tournaments
from Japan. This was the context from where for women exclusively. These characteristics
How support for the teaching and practice contemporary Jiu Jitsu gained its actual form. only come to contribute to the plurality, popu-
of Jiu Jitsu can contribute to intensifying It has been adapted and developed into a Bra- larity and development of the art.
Brazilian soft power zilian art – to the point that there exists today a Besides its more combative characteristics,
Japanese Federation of Brazilian Jiu Jitsu. BJJ also offers an educational and inclusive
Portuguese version page 74 The outcome of this effort was the creation content. An emblematic case is the program
— of a new, very effective and constantly evolving carried out in the United Arab Emirates where
Jean Pierre Bianchi kind of martial art for combat and self-defense. Brazilian Jiu Jitsu is taught as a curricular as-
Based on leverage, which allows the neutral- signment for 6th and 7th grades’ school kids.
In December, 20th, 1915, Mitsuyo Maeda – ization of the opponent’s strength, Jiu Jitsu More than 40 schools and about twenty-two
Count Koma –, arrived in Belém, the capital makes it possible for a weaker person to defend thousand kids benefit from the project, which
of northern Pará State. This Japanese martial against stronger opponents on equal footing. also includes kids from Syria, Yemen, Egypt
artist was responsible for introducing Jiu Jit- The appearance of mixed martial arts compe- and Palestine living in the United Arab Emir-
su in Brazil. Today, the sport experiences a titions (MMA), which bring together fighters ates. The instructors – about a hundred – and
great expansion, being taught in more than a from different schools, consecrated Brazilian their assistants are mostly Brazilian, of both
100 countries and bearing the name and flag of Jiu-Jitsu for its efficiency in fights. Today, it sexes, who decided to teach the Gentle Art far
Brazil throughout the world. During these 100 is unconceivable for a top fighter not to have a away from their homeland and their family.
years of history in Brazil, the Gentle Art has good level of BJJ. Another inclusive project related to BJJ
evolved on autochthonous bases through the The worldwide repercussion and the suc- is called Tree of Life and takes place in Isra-
hands of the Gracie Family, becoming known cess of events such as the Ultmate Fighting el. Marcos Gorinstein, a Brazilian sociologist
worldwide as Brazilian Jiu Jitsu (BJJ). It is re- Championship (UFC) and Pride, among oth- and Jiu Jitsu instructor, moved to Jerusalem in
garded as a new and effective martial art, just ers, combined with excellent performances of 2010 aiming to unite Arabs and Jews through
as syncretic as Brazil. From Finland to Senegal, Brazilian athletes, has taken Jiu Jitsu and, con- direct contact in Jiu Jitsu matches. During
there is an immense contingent of BJJ instruc- sequently, the Brazil’s name, to another level the classes given by Gorinstein – at a bilingual
179
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

school whose motto is ‘We refuse to be ene- preciation for Jiu Jitsu among fighters of dif-
mies’ –, children learn to live in harmony with ferent schools due to the good reputation and
each other and respect others based on close the efficiency of this Brazilian martial art. In
physical contact, which does not exist in any Cuba, for instance, Chicão trained Government
other assignment. “This direct contact pro- security agents. And in Paraguay, he was paid a
vides a better understanding of the other and moving tribute: on September, 20th, 2014, took
avoids violence”, says Marcos. place the 1ª Francisco Fontenelle Tournament,
Nowadays, projects of Brazilian Diploma- a Jiu Jitsu Championship in Asunción, as a
cy considering the use of the soft power rep- homage to the Counselor.
resented by Brazilian Jiu Jitsu abroad are still Currently living in Costa Rica, Chicão, 58,
incipient. Actions taken by Brazilian Diplomat- continues to practice and teach those who
ic Missions are specific and, most of the time, have an interest in this martial art. “30 years
react to a demand of the country in which they ago, people would have barely heard about
are based. In Morocco, for example, the Bra- BJJ, but when I got here, in 2013, I had the
zilian Embassy supported the 1st Ambassador pleasure to find Jiu Jitsu academies and many
Championship of Brazilian Jiu Jitsu, having people practicing it. This is very gratifying for
achieved great success. Nevertheless, those me”, says him. This scene is a direct outcome
are isolated initiatives that indicate that much of the large wave of Brazilian instructors that,
more can be done. The Ministry of External throughout the years, emigrated to teach this
Relations could think of more manners to pro- martial art.
mote Jiu Jitsu, and consequently, Brazil’s im- It would be an interesting exercise to con-

International
age. There are more than 300 BJJ academies duct a census of these professionals in order
only in the United States. And in every one of to measure the international scope of this soft

Politics Translated
them there is a Brazilian flag fluttering. This power tool and the strength it represents for
connection goes even further, having an im- the diffusion of Brazilian culture. Further still,
pact on consular area: there is a real diaspo- Diplomatic Missions could promote demon-
ra of instructors scattered around the world stration matches with renowned Brazilian by the Ninth Art
teaching this martial art in countries as distant athletes and support BJJ tournaments. These
as Kazakhstan, Angola, Croatia, Qatar, Mauri- actions could contribute to the popularization It is not new for comics to be used to
tius Islands, Serbia, Iceland, Australia and the of the sport and to foster the opening of new promote national soft power, be it as a
Philippines, amongst others. In each of these academies devoted to the practice of BJJ. An- propaganda strategy, means of criticism
places, it is Brazil and its culture that are being other important step would be the attraction or merely in the transposition of
represented through the sport. of instructors and practitioners abroad to other international politics to the artistic domain
It is worht remembering here the import- aspects of Brazilian culture such as music and
ant role played on the fostering of BJJ abroad the Portuguese language. There are countless Portuguese version page 78
by one single person: Counsellor Francisco possibilities for all of this soft power to be con- —
Fontenelle, a career diplomat, enthusiast and verted into a better image of Brazil and in more Leonardo Rocha Bento
practitioner of Jiu Jitsu. Chicão, as he prefers interest towards other aspects of Brazil. When
to be addressed, joined the Foreign Service in compared to the benefits, the investment need- Artistic manifestations continually produce
January, 1980. “By then, before MMA competi- ed to put these actions into practice is very low. representations of international politics. The
tions and the internet made BJJ become popu- Nothing could be more appropriate in the cur- terrorist attack on the French weekly maga-
lar, very few people abroad knew about it. And rent context. — J zine Charlie Hebdo, in January 2015, mainly
among my colleagues at the Chancellery, the motivated by its cartoons satirizing religions,
practice of martial arts was very uncommon. had already been preceded by another attack,
Today, I see that this situation is changing re- four years earlier, and demonstrates that any
garding the acknowledgement of this art as artistic expression, comics included, can bring
well as its practice” he says. about effects domestically and internationally,
Even though it was an isolated and person- while it is simultaneously influenced by the
al initiative, Chicão took and keeps on taking historical, political and social context in which
Jiu Jitsu wherever he goes. From Senegal to it is produced. Among the most wide-known
Surinam, from Argentina to Egypt, he always comic strips and books, there are numerous ex-
took time to teach and promote the sport amples of this interrelation, which generally go
during his missions abroad. There is much ap- unnoticed by the readers.
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

For this reason, throughout his career, the art- Political expression through comics in Argentina
Manifesto of the Seven Arts, published in 1912 by ist tried to dodge criticism, incorporating into is a very common phenomenon, and one which
the Italian Ricciotto Canudo, proposed a classifica- the series issues dear to his age, such as slavery has attracted a violent reaction from sectors
tion of the artistic expressions, including sculpture, and human trafficking, multinational oil com- criticized through art. The writer Hectór Ger-
architecture, painting, music, poetry/literature, panies and the arms trade. mán Oesterheld, creator of “El Eternauta”, in a
dance and cinema, which became famous and The influence of international context comic penciled by Francisco Solano López, made
even commonplace. Subsequently, new expressions in artistic creation can be explicit, as in “The himself character in a story that depicts the con-
were included, such as photography (the eighth) Adventures of Tintin”, but normally the ref- flict between invaders and forces of resistance, in
and figurative sequential art (the ninth). erence to politics and to history is so subtle, an allusion to the sociopolitical polarization and
although so palpable, that it goes unnoticed the coups d’état by which Argentina passed. A
by most readers. This is the case with “Calvin supporter of the Montoneros, a left-wing under-
and Hobbes”, curiously called “Calvin e Har- ground organization, Oesterheld was abducted
There is no consensus about which manifesta- oldo” in Brazil. Bill Watterson’s characters are and went missing during the National Reorgani-
tions are really considered as part of the ninth named after John Calvin and Thomas Hobbes, zation Process conducted by the military, along
art. Although comic strips and books are figu- and some traces of their personalities refer to with many of his relatives, including his four
rative sequential expressions by excellence, one the thinkers. While Calvin has a sophisticat- daughters.
can make the classification more flexible to also ed vocabulary and an advanced philosophical
include cartoons and editorial cartoons. Both thinking for a six-year old boy, the tiger Hobbes
are more traditional means of expression of po- is more rational and skeptic regarding human
litical-related themes, such as Henfil’s editorial nature, serving, many times, as the boy’s voice The Argentinean comic-book artist Francisco
cartoons during Brazilian military regime, the of conscience. Solano López is a direct descendant of the hom-
satires of Mohammed published in Charlie Heb- Another example of subtlety and ingenuity onymous Paraguayan former President. The
do or, almost two centuries ago, the caricatures in making historical references and political artist, known for his work in “El Eternauta”,
of Honoré Daumier, including the disparage- satires through comics is Mafalda, a little girl, drew a little story called “La Guerra de la Triple
ment of King Louis Phillipe, also in France. inoffensive at first sight, who would apparent- Alianza”, which depicts a point of view on the
ly have nothing to do with the international Paraguayan War, for the collection “La Patria
context. In the strips of this extremely con- Dibujada”, published for the celebration of the
The representation of political reality by tentious character, whose creation celebrated bicentenary of Argentina.
the ninth art is not new. In comics published 50 years in 2014, the comic book artist Quino
during the first half of last century, several con- included comments on the Argentinean mili-
temporary themes served as a basis for scripts, tary government, democracy, the bipolarity be- Comic strips and books can also, albeit in a
as it happens in The Adventures of Tintin, tween socialism and capitalism, the peripheral veiled way, be part of a wider strategy to use the
created by the Belgian artist Georges Prosper underdevelopment of Argentina, and cultural ninth art as a soft power tool in international
Remi (1907-1983), better known by his artistic and ideological dependence on the developed relations. An example of this oftentimes pros-
name Hergé. Since “Tintin in the Land of the world. Mafalda’s very simplistic solutions to elytizing resource is the much-studied case of
Soviets” (1929), the character’s first album, international problems do not spare States or of Zé Carioca, initially penned for newspaper
which was commissioned as a story capable of international organizations. In one comic strip, strips and then immortalized in animations.
demystifying the Soviet regime and be a piece the girl says she will work as an UN interpret- “Saludos Amigos”, animation in which Don-
of anti-Communist propaganda, although the er when she grows up, modifying delegates’ ald Duck dances to the sound of “Aquarela do
writer had never visited that country, interna- speeches in such a way that they convey kind Brasil” in the height of Carnival, is part of the
tional politics was the background to the de- opinions to all sides; only to then despair at efforts of North-American cultural diplomacy
velopment of the series. Criticism of imperial- the apocalyptic uncertainty of the Cold War, to improve the country’s image in the continent
ism in China and of Fascist totalitarianism was by saying that that day would only come if the during the Second World War. The synthesis of
evoked, respectively, in “The Blue Lotus” and world survived a few more decades. In another this contribution to the Good Neighbor Policy is
in “King Ottokar’s Scepter”. The Chaco War, a strip, when her mother scolds her, she reacts “The Three Caballeros”, a film aimed at the Lat-
military conflict in South America during the by saying that she is President and does not in-American audience, which featured real ac-
1930s, also gained its version in “The Broken need to respect anybody; the mother then re- tors and singers, such as Aurelia Miranda, per-
Ear”, as the Gran Chapo War. Hergé’s carica- torts that she, in turn, is the World Bank, the forming alongside Donald Duck, representing
ture and conservative approach, which mixed Paris Club and the International Monetary the United States, and Panchito Pistoles, a cock
prejudice and naivety, brought him much Fund. The author’s critical acidity before the representing Mexico. The union of the three
criticism for the way he treated, for example, subservience of many States to financial and characters envisaged to indicate an alliance
Belgian colonization in Africa, depicting Afri- economic organizations stands to the fore. between three of the main American republics.
cans as incompetent and lazy human beings. The curious absence of an Argentinean charac-
181
DIPLOMACY AND INTERNATIONAL POLITICS

ter was also part of a political message: Argenti- name given to the superpower beings in the warfare, tackling themes such as backstage
na, which had not yet declared war to the Axis, story, would be simultaneously an US Army diplomacy and post-conflict reconstruction.
would be isolated. Zé Carioca reinforces Brazil- detachment to do proactive and preemptive In “Quai D’Orsay”, one can get to know a sat-
ian stereotypes, like the “malandro”, a roguish, actions and a media-driven element of dissua- irized but not less accurate representation of
though endearing, wheeler-dealer, and was very sion. The former US President George W. Bush the everyday of the French Chancery. Inspired
criticized by the Brazilian ideological Left, but is explicitly depicted in the book, the frontlines by the years the diplomat and writer Antonin
served the purpose of reinforcing public per- in Afghanistan and in Iraq are shown, and, in Baudry passed as the speechwriter for Domi-
ception of the existing cooperation ties between a story called “Axis of Evil”, there is an incur- nique de Villepin, the French Minister of For-
Brazil and the United States. sion by the group in an unnamed country in the eign Affairs from 2002 to 2004, the two books
North-American soft power was not re- Middle-East (the references suggest that it is of the series reveal, although in a caricatural
stricted to Walt Disney’s characters, but also Iran) that is on the verge of obtaining nuclear way, the routine of a Chancery, the discussions
involved one of the more wide-known comic weapons, which is responded to by a coalition about the formation of the national interest,
genres, superhero stories. Captain America composed of China, Russia, Syria and North and the application of diplomatic language in
was created during the Second World War as Korea. In other titles, the current US Presi- speeches. Furthermore, “Quai D’Orsay” alle-
a Yankee bastion in the fight against Nazism, dent, Barack Obama, has made appearances as gorically exposes the point of view of one of
personified by the Red Skull. Adolf Hitler was a character, mainly as homage to a leader who those involved in the backstage of the French
depicted in one story on the receiving end of is openly a fan of comic books. position regarding the Second Gulf War and
one of the hero’s punches. Years later, during As the examples taken from superhero sto- in the writing of the speech that Villepin, who
the Cold War, Soviet characters and groups ries already indicate, wars, probably the inter- became the Chancellor Taillard de Vorms in
were continually portrayed as villains, a way national politics events which draw the most the story, gave at the UN, against the invasion
of reproducing bipolarity in comics and to give attention, are a rich source of content for com- of Iraq, which also gained its fictional version
them a Manichean and propagandistic outlook. ics. There is a whole genre dedicated to large- as the realm of Lousdem. Also derived from
The influence of the international scenario scale conflicts. The suffering of trench warfare personal experiences, but come from the other
has been permanent in dictating the directions during the First World War was the inspiration side of the world, the Japanese manga “Bare-
of superhero comics. The constant changes in to “C’était la guerre des tranches”, a non-fiction- foot Gen” was inspired by the life of its creator,
Iron Man’s origin story were closely bound al work of the French writer and artist Jacques Keiji Nakazawa, a survivor of the Hiroshima
to the military conflicts in which the United Tardi. Battles in the Second World War are the nuclear attack .
States were involved: originally, to the Korean theme of Sgt. Rock stories, published by DC Although at first sight there is no likely
War; years later, to the Vietnam War; and, in Comics. In “The ‘Nam”, in the 1980s, Marvel relation between them, the representations of
the movies, to the War on Terror, in a recur- Comics tried to depict the battles of the Viet- international history, diplomacy and politics
rent attempt to bridge gap between the original nam War under the perspective of real experi- are easily found in the ninth art, as part of a
story and the political context associated with ences of North-American soldiers. propaganda strategy, as a resource of criticism
each new generation of readers. In the 1980s, Another interesting genre emerged during or just as the transposition of real contexts to
the first tentative steps of a projected Amer- the last century, not just limited to warfare, the artistic universe. Much more than merely
ican unipolarity served as the background but also encompassing international politics depicting domestic and international contexts,
to classics such as Watchmen and Batman: as a whole: journalism in the medium of figu- comic books and strips can in many cases in-
Dark Knight Returns. Recently, the decline of rative sequential art. Thereby, the coverage of fluence them, by being a means of spreading
US hegemony and events such as the War on non-fictional events is not restricted to the for- soft power, as in the Second World War, or by
Terror have been the political themes most mats imposed by traditional media, but makes producing contrary reactions, such as criticism
frequently used by superhero comics indus- use of comics’ graphic qualities and of the oc- against Hergé or the disappearing of Oester-
try. The rising tide of islamophobia has been casional resort to created characters symbol- held. Explicitly or implicitly, these representa-
critically discussed in some titles, and the Pa- izing or conflating real people or groups. The tions of reality contribute to guarantee a loyal
triot Act and the controversies concerning greatest example of comic journalism possibly audience interested both in human sciences
freedom restrictions have been thoroughly de- is the work of Joe Sacco. Sacco has worldwide and less conventional artistic manifestations,
bated through the Civil War between Marvel prize-winning books which depict personal as is my case and that of many of you who are
Comics’ superheroes. Nonetheless, the most experiences in the Gaza Strip and in the West reading this article. — J
evident example of the impact of the trans- Bank (“Palestine” and “Footnotes in Gaza”) and
formations in the international scenario may stories set during the Bosnian War (“The Fixer:
have been the book “The Ultimates”. The Ul- A Story from Sarajevo” and “Safe Area Gorazde:
timates, an alternative version of The Aveng- The War In Eastern Bosnia 1992-1995”).
ers in another reality, would be equivalent to The personal experiences of comic artists
weapons of mass destruction and advanced are great assets in the making of stories relat-
military weaponry. This “metahumans”, the ed to international politics which go beyond
CULTURE AND ART

not only defend Brazil’s political and commer- Councilor André Maciel, head of the Cul-
CULTURE AND ART cial interests, but also to present and promote tural Diffusion Division at Itamaraty, points
national culture. Even the talks on Camões out that beyond purely economic reasons,
served this purpose for, as he told his Yale au- there are others of a more subtle and indi-
dience, “It seems natural to talk of Brazil hav- rect goals to be pursued by literary promo-
ing spoken of The Lusiad, since Brazil and The tion. These other reasons are not, however,
Lusiad are Portugal’s greatest works”. in any way less important than economic
This effort to be an “ambassador of our interests: they are related to the molding of
spirit” constitutes one of the essential aspects Brazil’s international presence. The percep-
of diplomatic work: cultural diplomacy. One tion that international actors hold of Brazil
of its most important fields is the promotion conditions the country’s appeal for tourists,
of literature, which is the object of this article immigrants and investors, and limits or ex-
and is currently undergoing a process of revi- pands the country’s international perspec-
talization in Brazil. tives. And increasingly it is the international
dimension that boosts or slows down inter-
Why Promote Literature? nal development.
According to the Brazilian Book Chamber An interesting aspect of the immaterial
(BBC), 750 thousand dollars in printing rights facet of literary promotion is its long-term
were sold during Brazil’s participation in the returns: a small-scale and local effort can
2013 Frankfurt Book Fair (the largest in the generate positive effects wholly out of pro-
world), when the country was chosen as guest portion with its humble beginnings. An ex-
of honor – an 82% increase in relation to the ample of this is the case of Monteiro Lobato’s
previous year. Dolores Manzano is the execu- books in Argentina. After the author’s chil-
Mundo vasto tive manager of the Brazil Publishers project, a
partnership between the BBC and APEX-Bra-
dren’s books underwent a boom in sales in
Brazil in the thirties, an Argentinian friend
mundo sil (the Brazilian Export and Investment Pro-
motion Agency), which aims at promoting the
promoted their translation to Spanish, and
attained great success in the following de-
The promotion of Brazilian literature exportation of Brazilian editorial content, be cades. After a period of editorial stagnation
abroad it in the form of physical books or publishing starting in the 1980s, in 2010 a new collec-
rights. She observes that the international- tion of Lobato’s books was launched by ini-
Portuguese version page 82 ization of Brazilian books has been growing tiative of the Brazilian Embassy in Buenos
— steadily, especially during the last five years. Aires. The first volume, “Las Travesuras de
Pedro Meirelles Reis Sotero de “In 2010, international sales brought in 1.65 Naricita”, brings an enthusiastic preface by
Menezes million dollars, in 2011, 1.85 million, in 2012, we Christina Kirchner, making it probably the
reached 2.7 million in printed books and rights only children’s book prefaced by a Head of
“I have received your speeches and congratulate and in 2013 we sold more than 3 million.” Few State. The Argentinian president, like un-
you on them all (...). It is good, it is indispensable sectors can boast an increase of more than 60% countable Brazilians, spent her childhood
to claim for our language its rightful place, and in exports in just three years. immersed in Lobato’s world.
for this end international political services will Thus, one reason for promoting Brazilian Cases such as these illustrate the poten-
be no less important than purely literary ones literature is quite clear: Beyond its other di- tial literature has for providing new depth
(…). And thus you will be once again the ambas- mensions, culture is also a business – a com- and diversity to the perception foreigners
sador of our spirit. I hug you for the distinctions plex, dynamic business that holds immense have of Brazil. Each reading of a Brazilian
you have attained there, which are, in fact, for potential. In this context, the objectives of lit- author, be it Guimarães Rosa’s classics or
the whole of Brazil.” erary promotion are the same as with any other Thalita Rebouça’s teen novels, adds a new
national product, from Marcopolo buses to Ha- layer of complexity, interest and sympathy
The excerpt above is taken from a letter sent by vaianas flip-flops. A basic distinction, though, for the country in all sectors of foreign so-
Machado de Assis in 1908 to Joaquim Nabuco, resides in the fact that a large part of the prod- ciety, from executives, investors and media
then the Brazilian Ambassador in Washington. uct’s value (or its total value, in the case of au- personalities to the common citizen who, as
Throughout his stay, Nabuco gave lectures in thor rights) is intangible. In the absence of uni- a consumer and elector, also helps in shaping
American universities, associations and clubs, versal and objective criteria for determining a Brazil’s perspectives. The efforts of cultural
discussing topics such as “The Spirit of Nation- book’s quality, there is greater need for expos- diplomacy, however, encounter persistent
ality in the History of Brazil” and “The Place of ing the product directly to the public, so it can resistance in the form of prejudices and ste-
Camões in Literature”. Nabuco endeavored to judge for itself each book’s merits. reotypes.
183
CULTURE AND ART

Stereotypes and Literature same way, Brazilian preoccupations, values and depends fundamentally on mutual acceptance
In a recent article, the Huffington Post, character find expression as much in Machado and understanding between the international
published in its French version in partnership de Assis’ psychological precision as in the fever- actors involved. These relations are not con-
with Le Monde, bore the headline “Paris Book ish verse of Augusto dos Anjos; in the dizzying structed primarily on the State level – it can
Salon: Brazil is not (for once) reason enough to introspection of Clarice Lispector; in the acid only supply or encourage means of communi-
attract crowds”. Already in its first paragraph irreverence of Nelson Rodrigues or in the moral cation between cultures. And in this field the
the piece stated that samba, carnival, bossa revolt of Castro Alves. There is more than one General Assembly pulpit might be less effec-
nova and football are insufficient to boost book Brazil, as there is more than one kind of Brazil- tive than bookstores, stages and movie the-
sales and that “there are many reasons to check ian, and the only way to bury the prejudices re- atres. The search for an increase in the quanti-
out the Paris Book Salon of 2015, but the guest garding the country once and for all is to expos ty and the quality of Brazil’s cultural presence
of honor is not one of them”. The author ar- the world to this complex diversity. abroad is not an unnecessary whim in the path
rives at this conclusion by asserting that there of an emerging power, but an essential compo-
are no figures in Brazilian literature of the stat- Brazilian international insertion nent of it.
ure of a Neruda or a Vargas Llosa. The article It can be said that Brazil has a space to fill in If Brazilian culture does not attain an inter-
was published on the 19th of March, one day be- international relations, and Brazilian culture national standing comparable to its potential, it
fore the opening of the event, which took place is inseparable from this process. The growth will not only be a loss for the country, but also
from the 20th to the 23rd. in the international importance of Brazil gen- for the international community. Renato Lessa,
Besides being an example of poor journal- erates a natural increase in interest for the President of the Fundação Biblioteca Nacional
ism, the article was also an exception among country, including in its literature. In the last (National Library Foundation), gave a speech
dozens of reports praising the choice of Brazil four years Brazil has been guest of honor in the at the opening of the Gothemburg book fair, in
as guest of honor in other papers, such as Le main literary fairs in the world: Bogota in 2012, 2014, that expresses this idea quite clearly: “we
Figaro or Le Monde itself. The article is also an Frankfurt in 2013, Gothenburg in 2014 and hope that the much-awaited “internationaliza-
example of how persistent and damaging the Paris in 2015. Prestigious British literary mag- tion” of Brazilian literature can be understood
stereotypes associated to Brazil can be. azine Granta dedicated in 2014 a whole issue as a two-faced process: as the presentation and
Clichés fostered during whole decades can to young Brazilian authors. Writer and illustra- promotion of a literature steeped in a particu-
prove very resilient. There is a classic example: tor Roger Mello received in the same year, the lar history and, at the same time, as an element
the romantic and melancholic Rio of the fifties Hans Christian Andersen award, the highest to be added to a common fund of immaterial
was, for a long time, the standard image for the international recognition given to an author objects, shared by all of humanity”.
whole of Brazil. Today’s more violent and un- and an illustrator of children’s books, crowning
equal Rio still serves for many as a picture and a recent Brazilian boom in this segment. Literary promotion: who does it and how
summary of the whole country. We have gone Thus, Brazil is living an auspicious mo- Former Minister of Foreign Affairs Celso Lafer,
from Black Orpheus to City of God without the ment: at the same time it generates a greater in the essay that opens the book Itamaraty in
degree of simplification having changed much. capacity for external action, it witnesses a Brazilian Culture, writes that diplomatic rep-
It is not to say that these visions of Brazil are marked increase in the interest it raises in oth- resentation “can only be exercised well if it is
less legitimate or even false – they are merely er cultures. If, however, Brazil wishes to pur- permeated by a vision of the country, that is,
insufficient, and without active participation sue its full potential in international society, it by its identity”. It is impossible to represent a
by Brazil in shaping its own image, they will must mediate this interest itself, or else this de- country without, at some level, understanding
take root even more firmly. mand will be filled by the old clichés discussed it. There is a certain intersection between these
Brazil needs to draw the world’s attention above. two interpreters of Brazil – the writer and the
to something beyond football, urban violence Every relevant international actor pursues diplomat – and literary promotion is situated
and Sundays in Copacabana. Brazil is more than intense policies of cultural promotion, be it exactly at this intersection. It is the duty of a
that, not only in terms of diversity and richness, through private sector incentives or institu- diplomat to reflect upon his country and to
but also in relation to worldviews, aspirations tions created for this end (such as the Alliance help in shaping its image abroad, and literature
and ideals. And Brazilian literature is, with- Française, the British Council or the Goethe is an essential tool in both of these tasks.
out a doubt, the ideal vehicle for reverberating Institut). The lesson is clear: in order to defend The Ministry of Foreign Relations (MRE)
these other visions abroad, for it is no more national interests, it is not enough to present has characteristics that make it an essential
than a continuous and intense effort of self-un- Brazilian positions and ideals in international partner in international literary promotion, the
derstanding. The rough backlands that Rachel forums, it is also necessary to participate ac- most obvious one being its global reach. Brazil
de Queiroz’s emigrants traverse is as Brazilian tively in the great flux of ideas and perceptions has today 217 diplomatic and consular post-
as the rolling plain of Erico Veríssimo’s family that is the base for interactions between States ings in 137 countries, of which 187 can count
sagas. The kaleidoscope of Brazilian landscapes and societies. on Cultural Sections. MRE is the only public
has its best expression in literature, from con- Soft power, the ability to influence others’ organ in permanent contact with local reality
temporary Manaus to Rio’s belle époque. In the conduct through persuasion and attraction, in the many societies targeted for literary pro-
CULTURE AND ART

motion. Cooperation and Diffusion of the FBN, high- ing manner – that literary promotion is, today,
Cultural Sections showcase national cul- lights the importance of translators for liter- an imperative for Brazil and that today, more
tural production on a permanent basis. They ary promotion: “many times [translators] play than ever, we need efficient “ambassadors of
act directly in the diffusion of Brazilian lit- the part of literary agents, for they fall in love our spirit”. — J
erature, editing, promoting or subsidizing with their texts and seek out editors to publish
the edition of books, such as the re-edition of them. That is why it’s so important to support
“Las Travesuras de Naricita”, which occurred and value the foreign translator’s work”.
through intermediation of the Brazilian Em- Another important duty that normally
bassy in Buenos Aires. Cultural Section initia- falls to MinC is organizing the Brazilian par-
tives are as varied as translating Barren Lives, ticipation in literary fairs abroad. Until the ap-
by Graciliano Ramos, to Greek or Family Ties, proval of Decree 8.287, in 2014, FBN handled
by Clarice Lispector, to Bulgarian. this task, which then passed into the hands
Another valuable instrument at the MRE’s of DLLLB. To be in the spotlight in events of
disposal are the Cultural Institutes, present in this magnitude is not a trivial operation, be it
most South American capitals. Their activities in relation to costs or logistics - it involves de-
are focused on teaching subjects related to signing an attractive, informative and dynam-
Brazilian culture, history and society and, es- ic space, content curatorship, the selection of
pecially Portuguese language classes. During participating writers and numerous other de-
the 2015 presidential inauguration, Chilean tails, from lighting to compliance with local
president Michelle Bachelet sang along to the fire prevention laws.
Brazilian national anthem. Asked about the Jefferson Assumpção, director of the
gesture, she answered that she acquired her DLLLB, observes that Brazil has been the
knowledge of Portuguese and her sympathy guest of honor in many recent international
for Brazil at the age of 15, when she studied at fairs of great visibility. “At the same time, we
the Brazil-Chile Cultural Institute, in Santiago. have been learning the best way to participate.
Cultural Sections and Cultural Institutes Now the idea is to have leaner delegations and
can be understood as the eyes and hands of Ita- a more strategic curatorship. In Paris, it was
maraty in the cultural field: they can evaluate very important to select only authors already
the local environment, identify opportunities, translated into French. They have something
establish contacts and executed planned ac- to show to the public and end up boosting oth-
tions. In its turn, the Cultural Department, in er author’s sales.”
the Ministry’s offices in Brasília, handles more Finally, mention must be made of the pri-
in-depth and long-term planning, as well as co- vate sector, which involves agents essential
ordinating different lines of action taken world- to any literary promotion initiative. Besides
wide. In some occasions it is also the MRE that authors, editors and literary agents, there are
coordinates Brazil’s participation in literary important entities that perform services that
fairs, such as the Gothemburg Book Fair. go from workforce preparation to establishing
In the Ministry of Culture (MinC), literary contacts abroad, helping out at fairs, editing
promotion duties are divided mainly between magazines and compiling databases. The al-
the National Library Foundation (FBN) and ready mentioned Brazilian Publishers, for ex-
the Directorship of Books, Reading, Literature ample, encourages the export of Brazilian edi-
and Libraries (DLLLB). The FBN, a public law torial content, working directly with Brazilian
foundation attached to the MinC, is respon- publishers and their foreign counterparts. Do-
sible for the program that is possibly the cor- lores Manzano, who leads the project, believes
nerstone of the current process of internation- that the initiative is changing the profile of
alization of Brazilian Literature: the Program Brazilian publishers abroad: they are becom-
for Support of Translation and Publishing of ing more than just buyers in the international
Brazilian Authors Abroad. The program en- market and becoming providers of content.
courages, through grants, the translation and This article has presented the main fea-
publishing of Brazilian authors, the presence tures of literary promotion in Brazil, aiming
of Brazilian authors at international events at furthering knowledge, debate and the im-
and the residency of foreign translators in Bra- provement of these policies. Its central objec-
zil. Moema Salgado, Director of the Center of tive has been to argue – hopefully in a convinc-
185
CULTURE AND ART

try’s economic and political life. This city and Literary Cabinet. Divorce back then was illegal
its alleys also reflect a long-lasting economic and, even though he was officially married, Cora
and political isolation, responsible for granting saw in Cantídio an opportunity for emancipa-
the citizens of Goiás their distinctive sensitivi- tion from the repressive environment of Goiás
ty and bravery. Both of these attributes can be City. On November 25th, 1911, a pregnant Cora
found in the personality of Anna Lins do Gui- eloped with Cantídio on a 17-day horseback ride,
marães Peixoto Brêtas, or Cora Coralina, whose in search of her destiny. However, Cora did not
writings are a simple and brilliant testimonial of find the liberation for which she was looking.
someone who best personified and expressed Although he allowed her to write, he would not
two centuries of changes in the heart of Brazil. let her publish. Even so, Cora managed to pub-
Born in 1889, Cora Coralina used to refer to lish articles, poems and tales in small newspapers
her hometown as a place “far away from any- and magazines in São Paulo, the state to which
where else” or “a city from which all the gold she moved and where she raised her children.
had been taken away and stones had been left”. Despite the fact that Goiás City and
It was a place surrounded by hills and sierras, its rocky hills represented, in various aspects,
which overwhelmed and stifled her and, para- the boulders Cora would find on her path in
doxically, instilled in her a great thirst for life, various aspects, the author always referred to
which was expressed through her literature. her hometown as her source of inspiration,
Cora Coralina’s talent to write manifested ear- which made her feminine sensitivity arise. In
ly during her youth, but there had always been 1956, after raising her children and becom-
a certain rejection for her innate tendency ing a widow, Cora made the brave decision of

Cora Coralina,
from her family: “a lady who read novels and returning to Goiás, where she had almost no
declaimed Almeida Garret could not become close relatives and after a lapse of 45 years.

who are you?


a good housewife.” During her teenage years, Cora Coralina had heard a poetic call, which
Cora Coralina attended the Literary Club of she would name “the call of the rocks,” but
Goiás city. It had been the former capital of the she also parted with a mission: recovering “the
The life and work of the poet from Brazilian homonym State, but after the end of old house by the bridge,” the house which had
Goiás as reflections of a still unfinished the gold rush and the abolition of slavery had once belonged to her family, and where she
“interiorization” process in Brazil fallen into decadence: it had no electricity, no had been raised, by buying it at an auction.
railroads and was marked by pervasive poverty. When she went back to Goiás alone, at the
Portuguese version page 88 After her father’s death, Cora Coralina and age of 67, “clad in white hair”, Cora was planning
— her family went through hard times, while she to give her children a last lesson on courage. She
Felipe Neves Caetano Ribeiro also felt the burden of 19th-century conserva- went further, though: by calling attention to
In Brasília, it is impressive to notice the lack of tive mores. Cora lived in a house beside the Rio her homeland, she taught everyone a lesson on
knowledge on the part of most people, be they Vermelho and was brought up the sixth of eight gratitude. One may say, therefore, that she was
locals or not, about the culture of Brazil’s Mid- daughters. She attended school for only two or the greatest diplomat the State of Goiás has ever
west and, specifically, the culture of the State of three years, due to her family’s financial hard- had, even though it was never her formal duty.
Goiás. Besides the rather empty criticism of the ship. She was seen as a strange girl because of her Later in life, inspired by her personal his-
foundation of Brasília, there is a certain indiffer- interest in literature, and she also felt ugly, reject- tory, as well as by her homeland, Cora Corali-
ence to the history of the Brazilian Midwest and ed and inadequate, at a time when women were na published her first book in 1978: “Poemas
its occupation process, a history which is also raised with the sole purpose of becoming wives. dos Becos de Goiás e Estórias Mais” (Poems
told through literary texts, which portray an ev- Her introspection and her feeling of not belong- of the Alleys of Goiás and Other Stories). In
er-changing country. There is a city located 320 ing made her sensitive to the problems, prejudic- 1981, Cora published the book “Meu Livro de
kilometers away from Brasília, a little bit further es and transformations of that time. Since it was Cordel” and, in 1983, “Vintém de Cobre: meias
than more popular tourist sites in the State of free from the constraints that formal education confissões de Aninha”. These books, with po-
Goiás, such as Pirenopólis, which is possibly the imposes on one’s spontaneity and creativity, such ems about her inner life in the geographical
best depiction of Brazil`s vast Midwestern hin- sensitivity allowed Cora to develop her straight- and personal dimensions, reached Brazilian
terland`s occupation process: Goiás City. forward and simple poetry, which revealed as- renowned poet Carlos Drummond de Andrade,
“Goiás Velho”, as it is frequently called, with pects of the past and the present of Goiás, as well who was touched by the authenticity, simplic-
its unique baroque architecture, recognized by as feelings inherent in human nature. ity and quality of Cora’s poetry and who wrote
UNESCO as a world heritage site in 2002, re- In 1908, Cora met Cantídio Tolentino de her a letter, which granted her national at-
flects the slow process of occupation and inte- Figueiredo Brêtas, who had been named Chief of tention and recognition. Her books contained
gration of the Brazilian Midwest into the coun- Police of Goiás City and also attended the city’s reports about the daily life in inland Goiás
CULTURE AND ART

between the 19th and 20th centuries, as well as etry and with the history of the State. This fact
a series of autobiographical reports, based on makes her certainly the best translator of the
personal and collective memories. soul and spirit of people from Goiás and one of
On October 23rd, 1980, Cora Coralina be- the most important Portuguese-language poets
came the first artist to receive the Jaburu in the 20th century, describing a still ongoing
award, the greatest cultural award in the State Brazilian “interiorization” process. — J
of Goiás, conferred to those who stand out in
promoting the culture of the state. The follow-
ing year´s First National Festival of Women in
Arts paid a tribute to Cora and her work. In
1983, Cora was the first woman to win the Juca
Pato award, since its creation in 1962. One of
the most important literary prizes in Brazil,
it had been granted to famous figures such as
Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda,
Juscelino Kubitschek and Carlos Drummond
de Andrade.
Cora’s receiving the Juca Pato prize had an
important impact because she had two strong
adversaries. One was Teotônio Vilela, a pol-
itician and writer from the State of Alagoas,

Brazilian Classical
who counted with open support by the Brazil-
ian Union of Writers in São Paulo. The other

Music for Export


was Gerardo Mello Mourão, a talented and re-
nowned writer from the State of Ceará, nomi-
nated for the Nobel Prize in Literature in 1979.
Not only was Cora’s nomination as “the Why and how to diversify Brazilian musical
intellectual of the year” by winning the Juca exports
Pato award interpreted as an important rup-
ture from the cultural domination exerted by Portuguese version page 92
the Brazilian Southeast, but it was also deemed —
a rupture from predominant literary and social Vismar Ravagnani Duarte Silva
prejudice in Brazil. In the same period, Cora
Coralina also received the title of Symbol of In the land of samba, it may sound strange to
Women Rural Workers from the Food and Ag- invest in the promotion of classical music.
riculture Organization (FAO). Unlike Brazilian popular music, which is very
Cora Coralina passed away in Goiânia, in widespread, the very existence of an import-
1985, bequeathing one of the most important ant national repertoire of classical music is far
legacies of dissemination of the culture of Goiás from being obvious. Abroad, this knowledge
and of the Brazilian countryside. This fact is of gap is even wider. The perception of some pop-
ultimate importance in a country where many ular rhythms or styles as being typical prod-
people still find it hard to identify with any re- ucts from Brazil is, of course, an advantage of
gion far from the coast, a country where inte- this type of music. Moreover, there is no doubt
gration, be it social, national, or international that its undeniable quality has had and still has
is easier said than done. Her works, which still an important role in the diffusion of Brazilian
await in-depth study are mandatory reading popular music in other countries – one can eas-
for those who wish to get acquainted with the ily remember the names of various successful
public and private history of Goiás, as well as to composers and performers. Classical music is
those who want to have a deeper knowledge of less popular, mainly because it is not commer-
the occupation process of the Brazilian interi- cially viable without proactive stimulus and
or. The story of Cora Coralina, an author who diffusion policies. The international audience
“would always be ahead of her time, regardless is, of course, smaller, but even within this au-
of her date of birth” conflates with her own po- dience the national repertoire is little known.
187
CULTURE AND ART

If it is so in Brazil, it is difficult to expect any- ed in a European tradition, from that time this es, in a country where it is very little known,
thing different abroad. But are there reasons musical style has been continually produced in is the experience of the diplomat Wellington
for trying to change this? And how to do it? Brazil, and it has not been merely a second-rate Bujokas at the Brazilian Embassy to Astana,
Before examining the promotion of Bra- copy of an ‘original’ produced in Europe, but Kazakhstan. On the other hand, there are, of
zilian music abroad, it is necessary to discuss has acquired its own colors. Even in the 18th course, initiatives that take our music abroad
its identity, what are the features that define and the beginning of the 19th century, our best with more robust presentations –São Paulo
it. The characterization of classical music composers, such as the priest José Maurício State Symphony Orchestra’s (OSESP) frequent
produced in Brazil as truly national was a re- and Lobo de Mesquita, already left their mark, tours are an example of this. It seems that the
current issue, at least since Modernism, when which deserves to be promoted”. Indeed, our greatest effectiveness can be attained through
it was dogmatically advocated that it should classical music is the result of a melting pot – diversifying the initiatives, combining isolated
integrate folklore elements with this aim. The European, African and Indigenous influences strategies – both large and small in scope –
result was a music for export bearing a “Made – and, as Mário de Andrade said, this charac- with steady and long-term promotion.
in Brazil” stamp, the greatest example of which terizes it as authentically national, since the However, none of this is easy. According to
may be the success of Villa-Lobos in France. people and culture of Brazil are this mixture. Neschling, structure, money, projects and po-
And even so, Brazilian classical music hasn’t Although it is not included in the stereotype of litical will are lacking. It is, for instance, very
succeeded in exiting the “exotic” category and “typical Brazilian” things, it is not any less au- difficult to obtain orchestra scores and parts
consolidating itself in the international classi- thentically national than popular music. for performances of Brazilian classical music.
cal repertoire. I talked about this with Brazil- In addition to the fact that it is a nation- A great part of the compositions is still in man-
ian conductor John Neschling, who was head al product, there are more general reasons for uscripts, and there are no recent editions, not
of the São Paulo State Symphony Orchestra promoting Brazilian classical music. About the even orchestra parts. This makes it impossi-
(Osesp) for years and is the now artistic direc- perception of the audience, John Neschling ble – or prohibitively difficult – to perform the
tor of the São Paulo Municipal Theater. Asked observes: “what is necessary, above all, is an ef- pieces. Recordings, which help the diffusion of
if the inclusion of folklore elements in a great fort to make [this music] available to the public. music works, are equally rare.
part of the Brazilian repertoire tends to be an Then the audience will decide”. According to Itamaraty can play a very relevant role
obstacle to it being considered, say, “serious” my colleague Wellington, “the interesting thing in the promotion of Brazilian classical music
classical music, he answered “no”. “If you con- in promoting art resides in the fact that we can abroad, even with the many obstacles in this
sider Bartók, for instance – or even Brahms –, escape from mundanity, promoting something area. As observed by maestro Neschling, the
who was much influenced by Hungarian folk- that touches us, and it touches us not because it Brazilian Ministry of External Relations has a
lore, his music is not considered to be lesser is typically European or typically Brazilian, but strong potential for maintaining contact with
because of that. […] What we lack is a Brazilian because it has something special, incommen- international orchestras, in order to promote
cultural lobby, a strong cultural policy. In the surable”. Promoting national classical music the inclusion of Brazilian music in their pro-
cases of César Franck, in Belgium, and Sibelius, means, first of all, putting it . There is no guar- grams, or to take Brazilian musicians who play
in Finland, there is a lobby, a policy that pro- antee that it will be sold, but this exposure can, this repertoire abroad. He also believes that
motes these composers. And they are in no way by making critics, audiences and musicians fa- Itamaraty, through institutional contacts, can
better or worse than Villa-Lobos”. miliar with it, garner new appreciators. These help in solving practical, bureaucratic and lo-
However, when one speaks of cultural efforts, when successful, tend to reverberate gistical problems, such as obtaining scores,
promotion of Brazil abroad, classical music is quite spontaneously, because musicians who something that foreign orchestras and musi-
rarely remembered. It is difficult to justify to perform Brazilian pieces in a concert tend to in- cians are not always willing to do. Scores by
a great part of the population the convenience clude some of them in their repertoire and play Brazilian musicians are not so easily available
and the merit of investing in this. In a conver- them again in other occasions. for sale or rent as the ones by composers who
sation with the diplomat Wellington Bujokas, Any type of cultural promotion requires fi- belong to the traditional classical repertoire.
an enthusiast of the promotion of Brazilian nancial investment. Classical music, although Many times it is necessary to intermediate
classical music abroad and responsible for it is no exception, has several low-cost possi- between performers and the institutions that
projects in this area, he observed that “a typi- bilities. Chamber music concerts, for instance, keep those works.
cal argument used to belittle this line of work are the kind of initiative that, with a relatively There is much to do for Brazilian classical
is that it is a style borrowed from Europe, a low amount of resources, can be sustained with music, and in order to get significant results
musical genre with no roots in Brazil. Now, some degree of regularity, contributing to a there has to be a positive engagement, there
how could we ignore the European heritage more effective promotion of the Brazilian rep- have to be policies and institutional will to
ingrained in Brazil? Would anyone think that ertoire. There is also the possibility of working make things happen. Not only in Brazil does
our literature does not have deep roots in the with local musicians, who many times contrib- this kind of music depend on State support.
European tradition? Back to music, a classical ute spontaneously, sharing that music with It is also so in other countries. There has to
repertoire has been systematically produced in third parties. An example of how to promote be an effort to convince people that it is not
Brazil since the 18th century. Even if it is root- Brazilian classical music with limited resourc- enough to invest in stereotypes. This does not
CULTURE AND ART

mean forgetting the image imprinted by Bra- bands playing two-beat marches. “It all sounds
zilian popular music, but diversifying musical familiar to anyone who knows the ‘early jazz’ of
exports, showing our culture from a perspec- New Orleans”, he writes, referring to the germi-
tive other than the usual one and seeking to nal stage of the genre in the United States.
increase the Brazilian participation on the in- The American critic acknowledges the
ternational scenario in a musical style that has deep and solid roots of frevo, a century-old mu-
much potential for growth and an enormous sic genre, recognized by UNESCO as a World
potential audience. — J Intangible Heritage in 2012. What impresses
him is the stringent standards of performance,
the technique and the freedom of the musi-
cians. He notes that, unlike samba – or jazz in
the US –, frevo remained within certain aes-
thetic and geographical boundaries, in the pe-
riphery of the Brazilian music industry. These
circumstances make SpokFrevo, a laboratory
for experimentation and improvisation since
the 2000s, unique in its genre.
The sound chemistry of Maestro Spok, an
ephitet for Inaldo Cavalcante de Albuquerque,
saxophonist, arranger and creator of the or-
From Frevo to chestra, also struck Wynton Marsalis, whose
knowledge of Brazilian music goes far beyond
Jazz the bossa nova standards. In 2013, he had al-
ready opened the Jazz at Lincoln Center doors
Portuguese version page 96 for the Ouro Negro Band and its tribute to
— Maestro Moacir Santos, a rather unknown ge-
João Marcelo Costa Melo nius in his own country, in whom Marsalis sees
a sort of ‘Brazilian Duke Ellington’.
An orchestra from the state of Pernambuco takes A trumpeter, composer and music educator
Brazilian instrumental music down new paths, born in New Orleans, Wynton Marsalis is a jazz
appropriates jazz as a ‘língua franca’ and attains icon. His prestige is attested by nine Grammy
international recognition with the blessing of awards, in both jazz and classical categories,
Wynton Marsalis and a Pulitzer for music composition, the first
one awarded to a living jazzman – and after-
The SpokFrevo Orchestra held its second US wards only granted posthumously to John Col-
tour in October 2014. This time, they arrived in trane, Thelonious Monk and Duke Ellington.
the North American market with an extensive Marsalis met SpokFrevo Orchestra about
and high-level agenda. The tour began with five years ago at the Marciac music festival, in
four concerts in New York, at the prestigious the French Alps. That night, figures like Chick
Jazz at Lincoln Center, as a result of an invita- Corea, Leroy Jones and Roy Hargrove also took
tion by Wynton Marsalis, the house’s director the stage . Marsalis attended the concert in the
and renowned defender of the genre’s tradi- first row, and afterwards, at the backstage,
tions. The presentation was registered on the grabbed Spok by the neck and asked: “what
pages of the New York Times, in a review by kind of music is that?”. “I said: it’s frevo”, re-
Ben Ratliff, who described the frevo music of calls Spok, as he replied: “And what is frevo?”.
Pernambuco as a fast and effervescent “distant “It’s a music from Recife, our city.” Right there,
cousin” of jazz. at the backstage, they were invited to perform
Ratliff presented SpokFrevo as a modern three nights at the Lincoln Center. Marsalis, al-
big band with particularly heavy brass sections, ready astounded by those short and quick fre-
that seeks to renew ancestral family ties be- vo phrases, became more interested when he
tween frevo and jazz. His argument is that, like discovered it consisted of a traditional musical
jazz, frevo was born in nineteenth century par- genre that emerged from street parades.
ties, in street parades with parasols and brass “When we play abroad and the audience
189
CULTURE AND ART

sees us on the stage like a conventional big legacy of systematized knowledge. There are Marsalis’ visit to Recife as well as the
band, they expect to hear something familiar. hundreds of excellent method-books. The stu- SpokFrevo tour in the US were registered in
But then the orchestra begins with a different dents have at their disposal the learning tools the documentary From Frevo to Jazz. The ini-
rhythm, a melodic pattern that is unusual. It to improve their technique and emulate differ- tiative, led by Spok, is an offshoot of a another
always causes some surprise”, describes Spok. ent accents. By contrast, frevo does not even film, Seven Hearts (Ateliê Produções, 2014),
The amazement that he mentions is not exclu- have one systematic method-book.” According which presents seven veteran conductors, tra-
sive to foreign audiences, largely satisfied with to Spok, this circumstance supports the self- ditional masters of frevo, gathered to compose
the stereotypes of “Brazilianness”. SpokFrevo laudatory thesis that Brazilian musicians can a theme in collaboration. The film, produced
innovates in taking the frevo from the street to play anything, while foreign musicians have between the years 2008 and 2011, strongly
concert halls, dressing it in gala suit, leaving no problems in playing Brazilian music properly.” contributes in structuring a collective memory
space for exoticism. In doing so, it extracts the Of course a foreign musician can play anything until recently undervalued.
most of its sound expression, perhaps the only well , but it’s harder for him. It is a matter of fa- Meanwhile, Spok keeps honoring the past
Brazilian genre born of an orchestra. It does miliarity. It is like learning a foreign language. without taking his eyes off the future and with-
not leave behind the pressure of the streets, but You learn it, but you keep your accent.” out neglecting the technical mastery of his
shows sophistication, with freedom for musi- This feature of his training as a musician, music. “Our soul is strong, powerful, but we
cians and a flawless performance dynamic. largely based on experience and oral transmis- have to work hard in polishing it without leav-
With its 17 musicians, SpokFrevo has been sion, is a comparative advantage for Spok. “So I ing anything behind. We play something that
consistently present in the European summer tried to retain the most of what I got intuitively. we bring in our souls – we were all born here,
festivals circuit since 2008. It has visited over a In our orchestra, all musicians have the author- after all. We have to take care of this music, be-
dozen countries, but reached the United States ity to play with the frevo syntax. When we im- cause it is responsible for everything we have
only in 2012, returning two years later for a provise, some typically jazz sentences inevitably achieved. If we played simply jazz music, we’d
series of nine presentations, which included, come up, but it is also part of our language.” be going nowhere.” — J
besides the Lincoln Center in New York, the In early April 2015, Spok repaid the cour-
Berklee Performance Center in Boston. During tesy to Marsalis, as he welcomed him and his
the last tour, in 2014, they took the opportunity Jazz at Lincoln Center Orchestra in Recife. “I “Frevo has its own characteristic rhythm and
to promote their latest album, Ninho de Vespa expected we would play together in a concert melodic formula that includes influences from
(Wasp’s Nest), which gained distribution in the hall, but he asked me to play also in the streets, maxixe, capoeira and polka, and it is accom-
US market by Motema label, a music company the orchestras on the ground, as a music pa- panied by a very fast and acrobatic dance that
based in San Francisco. rade”, says Spok, who set up an extensive agen- spices up elastic Afro-syncopated moves with
In building up a position in the interna- da for the visitor. The trip began in the slopes the kicking squats and flips of the Cossacks from
tional jazz circuit, SpokFrevo raises an under- of Olinda, a historic neighboring city, with a the Russian circus. The dancers dress in color-
rated genre of popular Brazilian music to more joint parade and a meeting with local musi- ful clothing inspired by regional folk costumes
prestigious shelves – although it is hard to cians in Grêmio Musical Henrique Dias, a local and use yellow, blue, green and red umbrellas
speak of shelves in download times. It unlocks guild dedicated to frevo and a traditional cen- ( just like New Orleans), while performing their
and projects the potential of a cultural asset ter of music education, founded in 1954. The neck-breaking dance steps at a heart stopping
that is at once singular and universal. next day, Marsalis and Spok promoted a chat pace. Some say the word “frevo” comes from the
“I always dreamed of making frevo music session and an exchange of experiences with Portuguese word “ferver” (to boil) and the trop-
take its own path, regardless of dance, party local musicians in the Paço do Frevo, a cultural ical heat, loud prestissimo music and frenetic
and poetry. I am passionate about Carnival. I center inaugurated in 2014 , which occupies a dance will definitely bring any public revelry to
love playing for the people to dance, but, as a historic building in Old Recife neighborhood. a frothy boil. And when you add the tight Olinda
musician, I am very glad to take the instrumen- During the conference with Spok, amid streets, mind-numbing beverages, all types of ex-
tal music of frevo to a new context”, says Spok, musical illustrations, Marsalis defined jazz as quisite visual stimulation and a couple of million
acknowledging his role in the renewal of the a celebration of freedom. He identified many people, you get a feeling for the type of Baccha-
genre. At 44, he is the youngest among the main points of contact with frevo. “We have a lot in nalia I’m talking about.”
frevo conductors in Pernambuco, such as Ed- common. This thing of playing in the streets, Wynton Marsalis
son Rodrigues, Ademir Araujo, Guedes Pereira the young with the old, without asking any-
Peixoto and Clovis Pereira, with whom he hung one, creating our own parties. It is difficult to
out since childhood. “I used to listen to the distinguish where is New Orleans and where
jazz musicians improvising and wondered why is Recife.” According to the trumpeter, just like
we could not do the same with frevo, which I frevo the traditional jazz is a hot music. “It has
played so traditionally, following the score.” a strong pace, no one stops playing. The mu-
Jazz music was naturally part of Spok’s sicians were manual workers, they had hard
training as a saxophonist. “It is a music with a jobs, and they played as hard as they worked.”
INTERVIEWS

foreign policy, such as Buenos Aires (2004-2010) Minister: Brazil is an actor of utmost impor-
INTERVIEWS and Washington (2010-2014). tance. Our voice is heard and respected in the
international scene and it has been like that
JUCA: In 2015, The Rio Branco Institute since the foundation of the UN, when we al-
celebrated its 70th anniversary. What are most became permanent members of the Se-
your most vivid memories from the time curity Council. Therefore, 70 years ago, we
when you attended the institute? already were a country able to act in the first
Minister: this year is very special because circle of power. As time went by, our presence
we celebrate the 70th anniversary of the Rio became even more important in every inter-
Branco Institute and the 70th anniversary of national forum. It is relevant to stress that,
the United Nations. The creation of the Insti- although there may be nuances, the principles
tute – one of the oldest diplomatic academies which guide our foreign policy are permanent:
in the world – shows the vanguard role of our the defense of peace and multilateralism, the
foreign policy. When I took office as Minister pacific settlement of disputes and non-inter-
of Foreign Affairs, I noticed the need of pre- ference in the internal affairs of other coun-
paring a great celebration and I have already tries. Moreover, we have sought to give our
spoken to President Dilma Rousseff, who has contribution as an open society, both multieth-
given me all the necessary support to celebrate nic and multicultural.
this moment. I think that we should highlight The foreign policy of President Dilma`s
this event, since there is no other country with government is based not only on the princi-
a diplomatic academy combining the prestige ples that I have mentioned, but also on a pres-
and tradition of ours. ence of Brazil in the international multilateral
Dimensions of In the history of the Rio Branco Institute, fora as well as on the opening of new markets
the move to Brasília was a landmark. In the be- for our products and services. It is a foreign
a Diplomacy of ginning, it might not have been easy, but I think policy that has an important commercial com-
it was a crucial decision, since there was a cer- ponent, always associated with an intense
Results: Interview tain dichotomy between the Rio Branco firstly diplomatic engagement. In this sense, we are
established in Rio and the Rio Branco Institute always going to defend fundamental princi-
with Brazilian in Brasília. I loved to attend the Rio Branco ples in the United Nations, such as the reform
Institute in Rio de Janeiro, since I could enjoy of some of its organs, especially the Security
Minister of living with my parents and, simultaneously, I Council.
could enjoy the city. Brasília in the 70s was not We also defend the reform of the Bretton
Foreign Affairs, the Brasília that you know today. Woods system. There is a concentration of the
The course was excellent and we had great decision-making power in countries that had
Ambassador professors, such as Celso de Mello, Alfredo
Baumgarten Jr and Bertha Becker, besides other
the global power at the end of World War II.
The Monetary Fund, for instance, needs to be
Mauro Vieira professors who were also diplomats. Neverthe-
less, the course was excessively academic and,
updated, so that emergent countries can have
more power in the decision-making process
Portuguese version page 110 therefore, somehow distant from the daily rou- and greater participation in the institution`s
— tine of the Ministry. In this sense, the move to process of capitalization. A greater presence of
Felipe Neves Caetano Ribeiro, Brasília was important, since it made way for the emergent countries is also important to correct
Guilherme Rafael Raicoski, Pedro integration of the course to the structures of the unbalances, including the distribution of chairs
Mariano Martins Pontes and João Ministry of Foreign Affairs. When I attended the in the IMF`s executive board. Furthermore,
Lucas Ijino Santana Rio Branco Institute in Rio de Janeiro, the Min- there are important regional mechanisms,
istry was like another world. It was a brave mea- such as the Interamerican Bank, the BRICS de-
Minister of Foreign Affairs Mauro Luiz Iecker sure to bring the Rio Branco Institute to Brasília, velopment bank and the Asian Infrastructure
Vieira shared with us his opinions on the train- for it forced constructive transformations. Investment Bank, of which we are founding
ing of recently admitted diplomats, the attri- — members. These institutional arrangements,
butes of the “diplomacy of results” mentioned in JUCA: The 8th edition of the JUCA maga- which are a new contribution from emerging
his inauguration speech, as well on challenges zine analyses the 70th anniversary of the countries, do not exist to replace the Bretton
faced by Itamaraty. Diplomat graduated in the United Nations. How do you evaluate the Woods Institutions, they are complementary
Rio Branco institute, Ambassador Mauro Viei- importance of Brazil in the agenda of the initiatives.
ra stood out when heading crucial posts for our aforementioned organization? —
191
INTERVIEWS

JUCA: In your inauguration speech in Jan- fairs, Azeredo da Silveira, used to say that the Minister: It is extremely important to be ac-
uary 2nd 2015, you mentioned a “Diplomacy best tradition of Itamaraty is knowing how to countable to society and publish our bills.
of Results measured with numbers”. Some renew itself”. I believe that the greatest chal- Nowadays, we have diverse institutional mech-
press vehicles and analysts interpreted this lenge faced by Itamaraty is fostering the updat- anisms, such as The Brazilian Supreme Audit
phrase in diverse forms, especially associat- ing and adequacy of the careers of our foreign Agency and the Transparency Portal, which
ing it with an emphasis on commercial di- service, making them compatible with the ne- guarantee transparency to the public. We are
plomacy. What is a diplomacy of results and cessities of today’s world, so full of challeng- a global actor and, therefore, we have resident
how presidential diplomacy fits it? es. One of the initiatives in this sense was the Ambassadors in countries where just a few
Minister: A diplomacy of results is a diploma- broadening of places offered in the admission countries do. We need to explain this fact, so
cy of conquests, of facts. This does not mean test for the diplomatic career. We could not that people see why it is important to maintain
that it is only commercial. Trade diplomacy have more than 200 diplomatic posts abroad, Embassies and Consulates. The importance of
is also important, but it is not everything. A keeping the same number of diplomats that we Consulates is more obvious, for when a Brazil-
diplomacy of results is a diplomacy in which had when I entered the Ministry. Back then ian with difficulties abroad is well received and
conquests are made, in which we can find new (when I entered the Minsitry), we were only assisted (what usually occurs), this citizens be-
facts: important stances defended by Brazil re- 500 diplomats. Even this physical presence of come more sensitive to the Brazilian presence
garding climate change, for instance. We can Brazil in the world grew substantially over the abroad. On the other hand, it is necessary to
also mention Brazilian initiatives in the area of past few years. Just for your information, when understand that we cannot have consular pres-
regional integration. Here, I refer to UNASUR, I entered the career, we did not have Embas- ence in every city and, frequently, there are
CELAC and the strengthening and deepening sies in Ireland. In Asia, except for Japan, the complaints about the lack of assistance in cases
of MERCOSUR. ALADI has an eminently com- most distant post was South Korea. This ex- of accidents in remote areas. It is a challenge
mercial purpose. MERCOSUR, besides trade, pansion took place with great intensity in the of means, since we cannot be everywhere. For
is also a project of infrastructure, political, period of former President Lula and now with your information, only in 2013 more than 2 mil-
customs, social and cultural integration. It is a President Dilma Rousseff. lion Brazilians visited the United States: these
broader project. That is what I see as a diplo- The training of diplomats cannot be re- are impressive numbers. Our Consulates in the
macy of results. Diplomacy is something pa- stricted to the initial time, at the Rio Branco USA have issued more visas than any other
tiently built. You build the results through the Institute. I personally find extremely relevant Brazilian Consulates in the world – maybe in
overlapping of conquests. None of the mecha- the improvement courses, such as CAD (De- China this number may be bigger – and then,
nisms of integration and coordination which I velopment Course for Diplomats and CAE when you have 2 million people travelling it is
have mentioned came out of the blue. (Course of Higher Studies). Evidently, we must impossible not to have emergencies.
Presidential diplomacy, which is a fact in take into account the budgetary issues. We I reiterate the necessity to make an effort
modern diplomatic life, is of utmost impor- know that the budget must be increased, but so that the society have a better understanding
tance. A great expert in the subject is the Sec- we are going through a moment of adjustment of our role, but it is evident that diplomacy is
retary-General [Ambassador Sérgio Danese], and, therefore, we are adapting and, simulta- not always public. Oftentimes, the consequenc-
who, by the way, wrote a book on that theme. neously, fulfilling the necessities of Embassies, es of a negotiation cannot be revealed in detail,
The importance of presidential diplomacy is functionaries abroad and of the Ministry of since the publicity of some elements may put
evinced, for instance, by the participation of Foreign Affairs. Even in the context of finan- in risk the results and even create frustrations
President Dilma in diverse international meet- cial adjustment, there is an indispensable lim- in case the aspired result of the negotiation is
ings, such as the MERCOSUR, UNASUR, the it to maintain the basic main activities. After not reached.
WTO meetings and the UN General Assem- that moment, I hope to have the conditions to —
bly. This is fundamental. Currently, Presidents provide the Ministry and, particularly, the Rio JUCA: When Brazil put forward the con-
travel more to bilateral meetings and take part Branco Institute, with resources that fit better cept of responsibility while protecting
more frequently in multilateral events,, such their necessities. To sum up, we need to be pre- (RWP), scholars included Brazil among
as the recent Summit of the Americas, which pared to develop the functions which are le- the restrict group of “normative entrepre-
occurred in Panama City. Nonetheless, it is im- gally attributed to us in Brazil and abroad. For neurs”. In your opinion, in foreign policy,
portant to notice that presidential diplomacy is that reason, the necessity of prepare, training, creativity and professionalism depend on
a recent phenomenon. It was only after the late improvement and resources. material resources?
1970s that the heads of state started to massive- — Minister: For a country such as Brazil, with
ly attend the sessions of the General Assembly. JUCA: Results in diplomacy must be as- multiple interests in every area, creativity is a
— sessed in the short and long terms. How very important asset and, to be creative, it is
JUCA: What do you consider nowadays as can Itamaraty improve its accountability to necessary to have a society as ours: great, di-
the main challenge of Itamaraty? How do the Brazilian society, as well as promoting verse and multiethnic. This diversity makes the
you intend to overcome it? in the press a better understanding of our Brazilian a creative being. However, evidently,
Minister: Brazilian ex-Minister of Foreign Af- foreign policy? creativity must be systematized and, for that,
INTERVIEWS

material support and training are essential. Minister: It is essential. If we did not have re- ing to do as soon as I took office and that was
We have a unique historical process. We cently admitted diplomats, the career would only the first of at least three trips that I intend
resolved pacifically all our border issues. We not survive. I hope that, in 29 or 30 years, you to make to the African continent in 2015.
cannot ignore that we have a great contribu- will be giving a similar interview to the JUCA —
tion to give, in all levels, including the United magazine, which I hope will continue to exist. JUCA: At the beginning of the 1970s, the
Nations Security Council, which, furthermore, I think that the diplomatic career should be ex-Minister of Foreign Affairs Mario Gib-
has much to gain with the participation of great seen as a vocation. Me, myself, I did the exam zon Barboza made a successful trip to Afri-
emergent countries. This is going to confer because it was clear to me that it was my voca- ca. Did you ever expect to repeat that Africa
more legitimacy to this organ. In the specif- tion. Now, it is a career of sacrifices, with con- trip 40 years later?
ic case of the reform of the Security Council, I stant changes (which take families from one Minister: This coincidence shows that the
think that our presence was indispensable. If I place to the other every now and then), what movement made by Mario Gibzon Barboza was
cannot get to see Brazil as a permanent member imposes an enormous necessity of adaption. correct. That was a State decision, including
of the UN Security Council, you certainly will People have that vision of glamorous diplomats, the immediate recognition of the Portuguese
and, moreover, you will work in the Council. but this does not reflect reality anymore. Only ex-colonies, which had recently become inde-
— a minority will live in the big European cities. pendent. I made that first trip with great plea-
JUCA: There are internationalists that Nowadays, the most delicate posts are much sure and I could see the receptivity of the Af-
believe we currently face a new crisis of more numerous and much more important. rican people towards Brazil. It is a pleasure to
multilateralism, which is manifested in the Generally, life conditions are not always the see the existing demand for Brazilian presence
difficulty of advancing substantially in the best in these very posts. Diplomacy is not the in Africa. This is verified in several domains:
Doha Round and the slow pace of reform of easiest career neither the most comfortable, political, diplomatic, commercial and cultural.
the Bretton Woods Institutions and of the but I do not regret, even for a minute, of hav- At the beginning of the 1970s, Brazilian foreign
Security Council. One of the consequences ing chosen it. It is important to stress that the policy for Africa was a fundamental step, made
of the impasse would be the proliferation renovation that we have had with the recent at the right moment – at the apex of the decolo-
of bilateral, regional agreements and “vari- groups of diplomats trained in the Rio Branco nization process. Fortunately, that orientation
able geometry” arrangements. In an inter- Institute. Over the last 70 years, the Institue has been kept and prioritized, mainly over the
national system composed by 193 countries, trained 70 groups of diplomats, a fact that testi- past 12 years. — J
which tend to multipolarity, do you still fies that we have a system of recruitment stable
believe that you could deliver concrete and and regular. Renovation, indispensable in any
expressive results? career, is for us essential and, precisely for that,
Minister: Undoubtedly, multilateralism is the we must recognize and stress the importance
only way to obtain important advancements to of the Rio Branco Institute to our diplomacy.
international coexistence. Without multilater- —
alism, what is left? In the 19th century, the use of JUCA: Recently, you made a trip to some
force would remain. Multilateralism is the base African countries. How would you assess
of everything. The Doha Round is essential and the importance of Africa and the relations
so are the decisions based on consensus. Other- between Brazil and African countries to the
wise, a small group of countries could unilater- process of reinforcing multilateralism?
ally put forward their interests. The multiplica- Minister: Africa is a giant continent, where we
tion of bilateral and plurilateral agreements is have a broad network of Embassies. We should
something that exists. We have some bilateral have a constant presence in the continent,
and plurilateral agreements, but, simultaneous- since, besides sharing common world views,
ly, we cannot neglect multilateralism. We must Africa has a political and commercial weigh
value the Doha Round and the WTO, because, if in the international scene. The participation
we do not do that, we will risk allowing the mul- of President Dilma in the celebrations of the
tilateralization of rules defined by a small group jubilee of the African Union – organization
of countries. Multilateralism, which is a funda- of which we are observers members – shows
mental clause of our foreign policy, must be the the importance of our relations with the con-
solution of all forms of controversies, otherwise tinent. In relation to the reform of the Security
we would be going backwards. Council, the African Union has a clear position,
— which is closer to that stance of the G4 coun-
JUCA: In your opinion, what is the impor- tries. Moreover, Africa is a priority of Brazilian
tance of recently admitted diplomats to foreign policy. For all that, it was a pleasure go-
Brazilian current diplomacy? ing to Africa. It was something that I was will-
193
INTERVIEWS

system and the significant challenges faced by South American integration, or that of our re-
Brazil, JUCA had the privilege to speak with lationship with Africa. The explanation for this
Ambassador Amorim about the relationship closeness is that, somehow, defense policy and
between foreign policy and defense and peace foreign policy are mainly targeted at keeping
and security in the international system. peace. We foster peace while defending our in-
terests. We have a great weight in our region,
JUCA: The soldier and the diplomat are and by promoting integration we stimulate
usually presented as the traditional arche- peaceful relationships. The same applies, more
types of International Relations. In your broadly, to the west coast of Africa. I always
opinion, what is the role of each of these sought cooperation with Africa while I was
archetypes in contemporary internation- Foreign Minister, but it was not only a foreign
al relations, particularly in the context of policy goal, but also a defense policy one. If
democratic countries? you have a good relationship with neighbor-
Amorim: The archetypes are not strictly defined ing countries, the need to be prepared for war
lines. The term “war” can be misinterpreted, but does not decrease, but efforts can be harnessed
throughout history it has meant the defense of for real threats. To varying degrees, this also
the interests of a community. Inverting Clause- applies to other situations. The diversifica-
witz axiom, you can also say that international tion of partnerships has been a foreign policy
politics and diplomacy are war by other means. goal, because it reduces dependence and cre-
But there is more to it, as the world became ates greater opportunities for Brazil to act,
more complex, both diplomats and soldiers are both politically and economically. But this is
“In the Ministry involved in the maintenance of peace among also a purpose of defense policy, for one who
peoples, to the extent that national and global has more sources of technology or of obtain-
of Defense I had interests converge. Thus, diplomacy and defense ing means for defense can more easily ward
policy have become closely intertwined, and it is off threats. Moreover, as in any industry, our
to be a diplomat. not unusual that which happened to me a: Chan- defense industry benefits significantly from
cellor become Minister of Defense, or vice-versa. the international market. Here diversification
In the Foreign This shows that they are two closely related di-
mensions of State policy. The soldier is the one in
is also very important. Embraer has just de-
livered the first Super Tucano for the US Air
Ministry I could charge of the use of force. He must always be pre-
pared for extreme situations. And the diplomat
Force, and at the same time we are looking to
sell things to Azerbaijan and to some African
be warrior”: must always be working to prevent this extreme
situation from happening. When President Lula
countries. We can say the same for technolo-
gy: we will make aircrafts with Sweden; we
Interview with asked me, a couple of months after I became De-
fense Minister, how I was feeling, I told him: “In
will make submarines with France; we want to
build anti-aircraft artillery with Russia, and so
Ambassador Celso the Ministry of Defense I have to be a diplomat.
In the Foreign Ministry I could be warrior”.
on. Foreign and defense policies are also com-
plementary in this aspect.
Amorim —
2 - JUCA: Itamaraty is preparing the White
On the White Books, I have never reflected
on the White Book on Foreign Policy. During
Book on Foreign Policy. In 2012, the Ministry my time at Itamaraty, we organized several
Portuguese version page 116 of Defense published the The White Book on debates with society, especially academics, at
— National Defense, which stresses the com- a time of great increase in the number of In-
Felipe Neves Caetano Ribeiro, plementarity and inseparability of foreign ternational Relations schools in Brazil. All the
Guilherme Rafael Raicoski, Pedro and defense policies. How are both policies Itamaraty´s high staff was involved. To my
Mariano Martins Pontes and Tainã complementary and what is the importance knowledge, I was the first [Brazilian] diplomat
Leite Novaes of these White Books? to lead entrepreneurs to an important multilat-
Ambassador Celso Amorim has a unique record Amorim: Regarding complementation, in sev- eral meeting at the end of the Uruguay Round
in the history of Brazil. Apart from serving as eral lectures I have emphasized the notion of in 1994. Later the business aspect grew a lot,
a foreign minister for longer than the Baron of “Grand Strategy”, not as the application of re- under the Fernando Henrique. Then, with
Rio Branco, the patron of Brazilian diplomacy, sources toward military or defense goals, but Lula, I had a very strong interaction with civil
Amorim also headed the Ministry of Defense for as the combination of foreign policy efforts society organizations. We were not writing a
more than three years. In light of the increasing and defense policy efforts around a country’s White Book, but we were giving the elements
complexity of the current international major objectives. An obvious case is that of of transparency, which is the essence of White
INTERVIEWS

Books. In both cases – the White Books of de- The use of weapons in the repression sion of the Security Council’s scope of
fense and foreign policy –, I think there is a of protesters is a complex dilemma, but in activity?
coincidence of objectives, which is transparen- situations of civil war or of notorious bru- Amorim: The expansion of the Security Coun-
cy for Brazilian society: to know how the gov- tal repression, the Ministry of Defense and cil´s scope of activity is problematic. Two
ernment is spending – or is not spending, but Itamaraty take necessary precautions be- things really count at the UN: the Security
should be. And there is also, especially in the fore authorizing arms exports. Council and the V Commission. Conferences
case of defense, a process of confidence build- — on the environment, development and human
ing, especially with our neighbors. JUCA: Diplomacy and Defense are closely rights are fundamental to change mentalities,
— intertwined in peacekeeping operations. but these are long-term efforts. The UNSC and
JUCA: In the 80s, Brazil had a significant What is their importance for Brazilian for- the V Commission operate in the short term,
share of the global trade of military goods, eign policy? and participation in the UNSC is crucial be-
but soon faced significant external pressure Amorim: Brazil has benefited from the rela- cause it enables immediate action. However,
and problems with export financing. Do tively peaceful nature of the world in the last you cannot securitize all themes. One thing is
you believe Brazilian exports should corre- 60 years and it is natural that, as a great coun- to recognize that development is essential for
spond to a larger share of this market? In try, Brazil should help to ensure peace in the security; another thing is to try to turn devel-
the Arab Spring, weapons made in Brazil extent of its capabilities and in places where opment into a security problem. When I was
were used in the repression of demonstra- it can make a difference. Our most import- Permanent Representative at UN, I tried to en-
tors. Do you believe that damages Brazil’s ant actions were in places where Brazil could courage cooperation between the UNSC and
image as a peaceful country? make a difference. In the early 90’s, we played ECOSOC, to ensure that security actions were
Amorim: In a utopian world in which every- a significant role in Mozambique and Angola, backed by development efforts. In a way, this
one lived in peace, we should not foster the as requested by Boutros Ghali. We´ve had an was the embryo of the Peacebuilding Commis-
arms industry, but reality is very different. In increasing engagement in peacekeeping oper- sion, which is important, but lacks resources.
the 80s our arms industry was very dependent ations since then. I must highlight our role in Countries put their money where their inter-
upon the external market, something which Lebanon, where we command the naval com- ests are. This is the case of Ebola. With the risk
increased its vulnerability. A big country like ponent of the mission. Brazil is one of the few of expansion to other continents, it became
Brazil should first focus on supplying its own countries outside the region participating in an international problem and then an inter-
market, and think of exports as something the mission (UNIFIL), and we have learned a national security problem, but the solution is
complementary. For example, Avibrás has just lot. The Middle East is increasingly complex, elsewhere. A UNSC meeting on the subject
sold US$400 millions to Indonesia. That is but we are giving our contribution. helps to raise awareness, but you cannot sur-
fundamental, but the industry cannot rely sole- We are also doing an important job in Haiti. round and close countries, the solution lies in
ly on the external market. Back then, because Within the parameters of the UN peacekeep- cooperation.
of pressure from the United States, Engesa was ing operations and in coordination with other —
unable to sell armored vehicles to Saudi Arabia South American countries, Brazil contributed JUCA: As the UN turns 70, there are signif-
after obtaining a loan and ended up indebted to the stabilization of the country, which al- icant initiatives that try to bypass multi-
and lost must of what it had achieved. We have lowed a relative improvement in the political lateral fora, be it in the realm of peace and
the Guarani armored vehicles, patrol ships, but situation. There have been two democratic security, of trade or finance (ex. the BRICS
if we don’t buy them, we cannot expect others and peaceful elections, and we will soon have development bank). Do you believe such
to. The arms industry should not be the engine a third. The coordination between the military initiatives damage multilateralism or push
of economic growth, but it plays a significant component and cooperation for development for global governance reform?
role in a country’s defense strategy, in develop- is of the utmost importance. In the Ministry Amorim: Initiatives such as the Bank of the
ing new technologies and may even be relevant of Defense, we are planning to create an engi- BRICS are common, particularly in region-
for providing foreign currencies. There are no neering body in Haiti, outside of MINUSTAH, al areas. They provide greater freedom for
countries of high level of technological devel- to leave a legacy. I regret that, despite the im- countries, which then have more options, but
opment without an advanced defense industry. portant contribution from Brazil, the Artibo- they do not transform the international order.
When I worked in the Ministry of Science and nite hydroelectric has not been built, given the The use of force without a UNSC mandate is,
Technology, around 50% of expenditure on lack of contributions from other countries, but however, very worrying. Even acknowledging
research and development in the world came the resources will be used in other projects. that military action against the Islamic State
from the Pentagon. So it has been in many MINUSTAH is now being reduced. Haiti’s was supported by Iraq and other countries in
countries, to varying degrees. Brazil has signif- problems are not solved and the population the region, the legitimation by the UNSC is in-
icant potential leverage in the defense indus- needs support, but Haitians themselves must dispensable. And possibly a resolution would
try. Embraer, for example, began as a military take the lead in the rebuilding process. be approved, since everyone is against what
project and then became the third largest pro- — is happening. The UNSC not only needs to be
ducer of commercial aircraft in the world. We JUCA: How do you see the recent expan- reformed, but also must involve all relevant ac-
cannot have the mentality of a small country.
195
INTERVIEWS

tors, specially those who are not represented ucator of young diplomats, he was Dean of the
there. There is no way to solve the Middle East Diplomatic Academy of the Ministry of External
problems without involving Iran because Teh- Relations of Venezuela and Consultant at the
ran can be a great supporter or a great “spoil- Diplomatic Academy of London.
er.” To deal with Iran’s nuclear program, the 5
+ 1 was created, involving Germany, a strong JUCA: You served 3 years as Ambassador
player in the nuclear area. But these alterna- of Venezuela in Brazil, from ’94 to ’97. What
tive arrangements should always involve the startled you in the country?
UNSC. Any conception of UN reform must go Alfredo: Brazil was my first posting as Am-
through the reform of the UNSC and not by its bassador and, as such, an unforgettable profes-
marginalization. — J sional and personal experience. Since then, I
have been passionate toward the country. The
warmth of its people, the vitality of its cities,
the beauty of its nature and the expressive
might of its music impressed and conquered
me. I must admit, moreover, that I get emotion-
al when I hear its national anthem: “Ouviram
do Ipiranga as margens plácidas…”.
The historical processes of Brazil and His-
panic America were distinct. In Brazil, there
Economy took place, essentially, a moderate sequencing,
devoid of major upheavals. In contrast, the his-
and Regional tory of Hispanic America is marked by grand
gestures, blood and permanent restarting. As a
Integration: Hispanic Latin American, I am rendered pro-
foundly impressed by the feeling of historical
Interview with continuity and moderation intrinsic to Brazil.
We cannot speak, however, of a single His-
Ambassador panic America, much as we can neither do so
regarding Brazil. The latter has an immense
Alfredo Toro regional diversity, which is natural in view
of its eight million square kilometres. In fact,
Hardy some Hispanic Latin American countries bear
more in common with certain regions of Bra-
Portuguese version page 120 zil than with one another. Given their ethnic
— composition and fusion of cultures, Venezuela
Ambassador Luís Fernando Serra and Cuba have many more features in common
And Secretary Octavio Moreira with Brazil’s stretch from Rio de Janeiro to its
Guimarães Lopes Northeast, than they would have with Argen-
tina, Chile and Uruguay or with Latin Amer-
Alfredo Toro Hardy is a Venezuelan diplomat ican countries with strong Amerindian roots.
and scholar with a noteworthy track record. He In the same manner, Argentina and Uruguay
has been Ambassador of Venezuela in Brazil, could identify much more easily with south-
Chile, the United States, the United Kingdom, ern Brazil’s Rio Grande so Sul, Santa Catarina
Spain and, presently, Singapore. As a scholar, ad- and Paraná than with a great portion of Span-
ditionally to authoring or co-authoring 29 books, ish-speaking America. Both the similarities
he occupied the following positions: Dean of the between my country with a certain portion of
Centre of North American Studies and Chairper- yours and the very diversity of Brazil also im-
son of the Institute of Higher Studies on Latin pressed me very much.
America at University of Simón Bolívar, a Full- JUCA: There are in Latin America regional
bright Scholar, a Visiting Lecturer at Princeton organisations that have set up several types
University and elected Professor at the Simón of political and economic association, such
Bolívar Chair of University of Cambridge. As ed- as the MERCOSUL, the Pacific Alliance, the
INTERVIEWS

UNASUL, the ALADI, the Andean Communi- years of high economic growth. Between 1983 “Henry Ford Moment”, when the workers can
ty of Nations an the ALBA. In your view, how and 2013, the average rate of this indicator acquire what they produce. Moreover, China will
should the countries of the region ideally ori- reached 10.12%. As expressed officially by the feature in 2020 a middle class of 700 million peo-
ent themselves among so many initiatives? International Monetary Fund, recently the ple, equivalent to 48% of its population.
Alfredo: As a starting point, it is important to GDP of China, measured by purchasing power Fourthly, the growth margin possible from
highlight that the institutions and mechanisms parity, overtook that of the United States, ren- the annual per capita GDP. The per capita in-
of regional and sub-regional integration are in- dering that country the first economy world- come in China is a fifth of the American one,
creasingly important, for two reasons. Firstly, wide. In effect, confronted with the 17.4 billion which places it at the level of Japan’s in the
because these raise our level of international di- dollars that constitute the American GDP, 1960s and of South Korea’s in the 1970s. This
alogue. Together, we have the capacity to com- China presents 17.6 billion. Certainly there are elicits two considerations. On the one hand,
bine our force, therefore our global positioning. ill-boding voices that will say that China is en- given the population dimension of China, it
Secondly, because, at a moment when the sup- tering a period of low economic growth, which suffices for its per capita income to be one-
ply chains and intensive labour of Asia are leav- would cast into the dust the growth estimates fourth that of the USA in order to exceed the
ing our economies bereft of capacity to respond, that I mentioned. I think, nevertheless, that the GDP of the latter. From then on, there remains
it becomes necessary to deploy a protection buf- reasons for which China can have many years a broad growth margin available. On the other
fer. Thanks to the existing integration mecha- of important economic growth ahead are solid. hand, from a situation similar to that in which
nisms, our manufactures find, in Latin America, Among those, I can cite the following ones. the Beijing regime finds itself today, Japan and
a market that, for the majority of the countries Firstly, the volume of its population and South Korea benefitted from long years of high
of the region, was lost in other parts of world. working-age labour. The pessimists insist that growth rates.
Latin America can act as a whole or as parts China is reaching the so-called “Lewis inflec- In summary, all of this is in accordance
of the whole, in relation to integration. It is evi- tion point”. That means that a stage is nearing with what was forecasted by the Nobel Prize
dent that the whole involves greater negotiating for an emerging economy when the labour winner in Economics, Robert W. Fogel, accord-
and dialoguing capacities in facing third parties begins to turn scarce, prompting with it infla- ing to whom, in 2040 the Chinese economy
and provides broader markets for our coun- tion and diminished economic growth. China will be seven times larger than that of the Unit-
tries. However, this entails at the same time far possessed, in 2013, a population of working age ed States currently and three times bigger than
greater heterogeneity regarding interests and of 977 million people, which in 2015 will reach the one of that moment.
positions. The choice is, therefore, between 993 million. It is certain that the one-child pol- As we can see, Asia features, and shall con-
broadening further, but diluting forces, or else icy is reducing the number of new additions to tinue to feature, in fundamental ways for the
concentrating efforts, encompassing fewer na- the labour market, which will be 30% smaller world economy.
tions. The diversity of regional and sub-regional within ten years. And yet, the very magnitude —
organs to which you make reference allows the of the figures at issue makes it laughable to JUCA: In Singapore, there is great empha-
option between one and the other, as a function speak of scarcity of labour. sis toward creating a good environment for
of our concrete interests and based on each Secondly, the ambitious process of ur- businesses, strict compliance with market
specific situation. In these circumstances, the banisation and development of infrastructure norms, and constant expansion of the free-
CELAC constitutes a useful channel to make a under way. Although the coastal zones of the trade agreements. Running parallel to these
greater joint power felt in relation to China, in country have already attained their economic liberalised characteristics, the government
the same manner that the UNASUL provides an maturity, there exist yet huge space in the inte- was capable of ensuring one of the best edu-
appropriate geographical outline for us South rior able to replicate the high rates of econom- cational systems of the world for its youth,
Americans to express ourselves on issues that ic growth. It is towards these spaces that the of providing housing to virtually all of its
are of our concern. And so on in succession. strategies of urban and infrastructure develop- citizens and of offering basic medical care
In the end, it is a matter concentric circles that ment point, which aspire to redeploy 340 mil- and social welfare for almost the entire
converge toward the same direction. lion people from the countryside to the cities, population. How do you see this Singapor-
— in the next two decades and a half. This will ean combination? Does Singapore chal-
JUCA: You have been serving in Singapore translate into hundreds of new townships, as lenge the traditional divisions of left and
for 5 years and have written on the rela- well as into an immense infrastructure grid. right spectrums?
tions between China and Latin America, Thirdly, the capacity to release the massive Alfredo: The question appears to me to be
in the book The world turned upside down: forces incorporated within domestic consump- most crucial and I share the premise implied
the complex partnership between China and tion. On this issue, there is great disparity be- by it: in Singapore, the traditional approaches
Latin America. How do you see the great, tween the highest domestic savings rates of the upheld by the left and the right appear to have
and growing, pre-eminence of Asia in the world, about 40% of the GDP, and the low private no precise outlines. This is part of the pragma-
world economy currently? consumption rate, 36% of GDP, compared to the tism to which the previous question referred
Alfredo: Let us examine the case of China. figure of 70% of GDP, in the case of the United to. Nevertheless, I would take the approach
That country has maintained 35 continuous States. China is nearing what one could call the even further, since the traditional distinctions
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between statism and private sector also tend In 1825, Bolívar held the presidency of Gran neighbourhood in which good relations with
toward disappearing in Singapore, co-existing Colombia (today’s Venezuela, Panama, Colom- the neighbours would have prevailed. Sad-
in a most natural manner. bia and Ecuador) and of Peru, while his chief ly, that was not the result and the Hispanic
As was pointed out by Henri Ghesquiere in lieutenant Antonio José de Sucre had under his American republics not only fragmented and
his book Singapore’s Success, in Singapore the command Upper Peru, which would soon as- moved to confrontations among themselves,
State is at the forefront of development, orient- sume the name of Bolivia, in his honour. In that but also within each there appeared conflict-
ing the private sector. In this manner, the invis- position, Bolívar carried out three actions that ing factions, which unleashed civil wars. It was
ible hand of the latter is guided by the visible rendered evident his goodwill toward Brazil. to take over a century for the Latin American
hand of the State. Even though it fosters actively The first one was to set moderation and de- nations, following the ideals for which Bolívar
private investment and gives huge space for ma- mand careful evaluation of the circumstances, fought, to initiate a process of integration that
noeuvring to private capital within the confines on the occasion of the invasion of Chiquitos, in still guides their efforts. — J
that were set for that, the State subordinates Upper Peru, by troops from the Government
such investment to its strategic plans, to its of Mato Grosso, under orders of Commander
industrial policies and to its regulatory frame- Araújo. Whereas Sucre and others among his
works. The State, at the same time, participates generals recommended declaring war on Bra-
directly in the economy through its own compa- zil, Bolívar was inclined toward prudence. This
nies, dedicated to a set of fundamental sectors. attitude was rewarded when Emperor Pedro I
More significantly yet, by taking on the dynamic disallowed the invasion and sent a letter of
nature of the economic process, the State ven- apologies to Bolívar.
tures into a periodical re-invention of its stra- The second one was to decline to form a co-
tegic objectives, privileging at each stage a new alition of Hispanic American republics against
group of sectors. In this context, one cannot talk Brazil, such as had been proposed by Buenos Ai-
properly of private capitalism, and neither can res. This was requested from him by an official
one speak of state capitalism. It is rather a sym- committee from the United Provinces of Río de
biosis of both systems, guided by the character- la Plata, presided by Calos María de Alvear and
istic pragmatism of Singapore. Eustaquio Díaz Vélez, who met him in Potosí, in
— early October of that year. Bolívar pointed out
JUCA: Simón Bolívar, as is well known, was that Pedro I was an American prince who was
a man who felt no love for monarchies, es- part of the noble insurrection for independence
pecially the European ones. His relation- from Europe and that he had enacted his throne
ship with the Empire of Brazil was, to say upon the basis of people’s sovereignty.
the least, a distant one. Could you elaborate The third one was to invite Brazil to par-
on the plans that Bolívar nurtured toward ticipate in the Amphictyonic Congress of Pana-
this bilateral relationship? ma, to be held the following year, in Colombian
Alfredo: The mistrust of Bolívar in regard to territory, and through which Bolívar aspired to
Brazil derived not from its monarchical condi- stimulate a confederation of American states.
tion per se, but rather from the possibility that Although Rio de Janeiro accepted the invita-
this would transform into a spearhead of the tion in 1825, it did not succeed in taking part in
intent of the Holy Alliance of recovering, for the Congress since, at the moment of the con-
Spain, the American republics recently liberat- ference, it was at war against the United Prov-
ed. Since the moment when the British inter- inces of the Río de la Plata.
vention made possible the recognition of the Were it not for the dissolution of his proj-
independence of Brazil from Portugal in 1825, ects and for his premature death, the Gran
Bolívar understood that Rio de Janeiro would Colombia that Bolívar founded would have
not act as the standard-bearer of the interests formed a strong State. Still further, the latter
of the Holy Alliance. On the contrary, that in- would have integrated with Peru and Bolivia
tervention confirmed that the United Kingdom into a Federation of the Andes, and this Fed-
would act as natural factor for conciliation eration, in turn, would have constituted part of
between the Empire of Brazil and the Hispan- a Confederation of American states, to which
ic American republics. From then on, Brazil an invitation to participate would be made to
ceased to be seen as a potential adversary, con- all Latin American nations that had become
verting into a neighbour with which he would independent recently. For Brazil, this would
maintain cordial relations. have represented the possibility of a stable
DIPLOMATIC MEMORY

dent of Rio Branco Institute’s first class. On to call him “his colleague” – in class and fin-
DIPLOMATIC MEMORY the Brazilian diplomatic academy’s 70th anni- ished the Rio Branco course in first place.
versary - and as suggested by Minister Mauro Chateaubriand then spoke about his teach-
Vieira - JUCA had the honor to talk to Gilberto ers. “The course was experimental”, he recalls.
Chateaubriand, a man with a unique person- “We were the guinea pigs. We had a Geogra-
al history and - for our satisfaction – a lavish phy teacher, a German, Hildberg Steinberg,
memory. who tested us as if we were Geographers. He
The simple facade of the old building was applied a test on the harvest of Brazilian nuts
deceiving at first. Paintings by Portinari, Di in the Amazon, and all 27 students were failed.
Cavalcanti and Segall at the entrance of the “We had classes of Italian. The teacher, Marcel-
apartment – a museum itself – foreshadowed la Mortara, was the daughter of Giorgio Mor-
what was about to come. With scant knowl- tara, one of the men who created the Getúlio
edge of arts, the young third-secretaries soon Vargas Foundation (FGV)”. He also recalled
inquired Chateaubriand about his memories his International Law teachers - the renowned
concerning his times at Rio Branco Institute, lawyer Hildebrando Accioly, first director of
while we all sipped some “gin AND tonic” of- the Rio Branco Institute and patron of Cha-
fered by the host. teaubriand’s class - and his Diplomatic History
Even though 70 years have passed since his teacher, Lafayette Carvalho e Silva. However,
first days at Rio Branco, Gilberto Chateaubri- none would have marked the young diplomats
and is able to describe the admission process as much as Afonso Arinos, who taught Consti-

Gilberto in detail. “It did include tests and evaluation of


titles, but, at that time, having political prestige
tutional Law and History of Brazil.
Notwithstanding the friendships forged at

Chateaubriand,
or friends at the Foreign Ministry made a huge the Institute, the first years of Gilberto Cha-
difference. At first, there were 23 positions, but teaubriand’s career were some of the toughest.

Student of Rio
the daughter of Jornal do Comércio’s owner “I felt I had a vocation, but my father did not
had married a young man who wanted to be want me to be a diplomat at all. For him, it was

Branco Institute’s
a diplomat, but who was not amongst the 23 a career of imbeciles, which is odd because
who had passed the exams. As a result, they he was friends with several Ambassadors and
created a few vacancies in order to admit the eventually himself became the Brazilian Am-
First Class young man, and my class ended up with 27 stu- bassador in London. He did not speak to me
dents. Many were admitted this way, and some for two years after I passed the exam. He, an
Portuguese version page 124 turned out to be good diplomats”, he says. oligarch from Paraíba, would not accept dis-
— Despite the geographical protagonism of obedience from a child”.
Felipe Neves Caetano Ribeiro, Rio de Janeiro at the time, Rio Branco Insti- Despite the difficult relationship with his
Guilherme Rafael Raicoski, Pedro tute’s first class would have as a main feature father – about whom he speaks little – the
Mariano Martins Pontes, Tainã Leite its heterogeneity, as stated by Chataubriand. young diplomat was positively affected by
Novaes and Jean Pierre Bianchi “There were students from Rio de Janeiro, the beginning of his career. Working at the
Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul ... there so-called “Economic Division” in the Foreign
70 years ago, Gilberto Chateaubriand was ap- were three kinds of students: brilliant, smart Ministry, he participated in some of the first
proved in the first entrance exam to the Rio and ‘hardworking’. Some already had chil- GATT negotiations. Furthermore, his col-
Branco Institute, confronting his father, the dren. The academic background varied: econo- leagues in that division – especially his boss,
irascible Assis Chateaubriand, one of the most mists, historians, lawyers… Others, like myself, who “liked everything but economics” sharp-
powerful men in Brazil in the mid 1920s, for did not have a college degree. Most were in ened Chateaubriand’s interest for visual arts.
whom diplomacy was a “career of imbeciles”. their early twenties, but two were already mid- In the early 1950s, he met the painter José
The only remainder of the Institute`s inaugural dle-aged. Among his friends, Chateaubriand Pancetti, who gave him what would be the first
class, Gilberto received some of the editors of highlights the names of Édipo Santos Maia, piece of his collection, “Itapuã landscape” .
JUCA magazine in his apartment, in the Leblon Otavio Berenga and Oscar Lorenzo Fernandes. Working at the Foreign Ministry between
neighborhood in Rio de Janeiro, for a long talk The latter “became interested in economics 1945 and 1968 – when he resigned and went on
about his years in the Rio Branco Institute and and worked as an adviser to Roberto Campos to take care of his father’s inventory – Gilber-
in Itamaraty. for many years”. Among the “brilliant” stu- to Chateaubriand has known the greatest ex-
The son of Brazil’s most powerful man during dents, Paulo Amélio do Nascimento Silva stood ponents of Brazilian diplomacy in the last 70
the Second Republic; owner of the biggest pri- out. A Grammarian, he once corrected the Por- years. San Tiago Dantas? “A genius, a great per-
vate collection of Brazilian modern art; stu- tuguese teacher - Antenor East, which went on son”. Araújo Castro? “Great companion, a cul-
199
DIPLOMATIC MEMORY

tured man”. Mauri and Mozart Gurgel Valente. Czechoslovak, borders, thousands of East Ger-
“Model diplomats, lived for the Foreign Min- mans managed to flee the country. Tension es-
istry”. Effusive praises were made to several calated to a point in which a still-controversial
names mentioned. Chateaubriand would say, order to the GDR border police sparked a pro-
however, undiplomatic comments on a former found change in a generations-old reality.
Secretary General of the Foreign Ministry. The winds of change altered lives through-
In more than 20 years of career, Gilberto out the region. Westward trips became possible
Chateaubriand served in only one embassy: to an extent that obsolete Trabant cars could
Paris. “Ça suffit”, he says. Born in the French be seen even in Bonn, hundreds of kilometers
capital in 1925, he opted for the Brazilian na- from the ill-fated Inner German Border.
tionality when he turned 18, in order not to The now-Ambassador Roberto Colin lived
fight for the Vichy government during World such changes in the Soviet Union. The lack of
War II. Returning to the City of Light as a dip- supplies and the bureaucracy in shopping were
lomat, he remembers that Brazil was heard and at odds with hard-currency accepting stores,
respected by local authorities, mostly due to in a reality close to that of the Germans. Before
Ambassador Souza Dantas’ initiatives during the change, for one to purchase anything, filling
the Nazi occupation. Ambassador Dantas ig- forms and making reservations was the norm,
nored Getúlio Vargas’ orders and granted visas from booking a hotel room to buying a kilo of
to hundreds of Jews. In the 1990s, he would potatoes. Notes Verbales kindly asked authorities
meet in the same city the then Minister-Coun- Beyond the Wall not to “refuse the kindness” of supplying goods.
selor of the Embassy of Brazil in Paris, Mauro Real change started slowly. By 1988, places
Vieira. “He received guests as a prince”, he re- The daily experience of Brazilian such as Izmailovo Park displayed a new world,
calls, “as well as any ambassador”. diplomats who witnessed the collapse with small salesmen and artists selling goods
As interesting as Chateaubriand’s mem- of the European communist bloc reveals and ideas. All services for diplomats were still
ories about his years at Itamaraty are his details of a unique moment for the history regulated and they were required to live in spe-
thoughts of personalities he had the chance to of Western civilization cific and isolated neighborhoods.
know. He commented on Clarice Lispector’s After the 1991 coup attempt, change picked
personality: “She wanted to investigate the Portuguese version page 126 up pace. Without any sort of democratic ref-
causes of life” he recalls . “She lived on the pur- — erendum, monuments were torn down and
pose of creating her own existential problems. Felipe Eduardo Liebl streets renamed in what ultimately caused the
A highly intelligent woman, but who ended up then-unthinkable end of the country.
becoming a victim of herself”. Regarding Vini- One of the greatest appeals of a diplomatic career The change could be noticed by the post-
cius de Moraes, he said that after his dismissal is related to experiencing life abroad, knowing ing of Brazilian diplomats in the region. The
from Itamaraty, he needed financial support new places and cultures. For some diplomats, Embassy to East Berlin had to change its per-
from friends, including Gilberto. this path has a special taste. In the article on “dif- spectives. It was within this framework that
As the Rio Branco Institute celebrates its ficult postings”, we have seen some civil servants’ the now Ambassador Marcel Biato arrived at
70th anniversary, the meeting that the JUCA contemporary reality; here, however, we shall see the GDR’s capital, mid-1990.
team had with Gilberto Chateaubriand demon- the curious experience of those who saw History Biato’s arrival itself was still overcast by
strated that some things have changed, while pass right under their nose. the Cold War’s shadows. There were no direct
others have remained the same. With a more The fall of Communism in Eastern Europe flights connecting both Germanys; in order to
open, diverse and transparent selection pro- happened as fast as it was unexpected. For several land in the Eastern capital, a stop in Stockholm
cess, the Institute continues to provide good analysts specialized in the region, the European had to be made.
stories, socialization and controversies (as the division would last for many more decades, re- Back then, the GDR was already a shadow
academic approach / professional, for exam- minds us Counselor Alexandre de Azevedo Silvei- of its former self. Even if the ever-present Volk-
ple), as certified by Gilberto’s own memories ra. Even if not peaking as during the Cold War’s spolizei still caused certain fear and even if
that, all at once, resemble and differ from the heyday, tensions were still high when these dip- Stasi bugs were everywhere to be found, there
perceptions of current students. — J lomats packed for the Old and divided Continent. was a feeling of governmental implosion.
Then, when American jets still performed The country’s collapse did not stop author-
low-flights over Bonn and several hindrances ities from trying to keep a façade of control.
still existed for foreigners trying to cross Check- Routine checks and bureaucracy in all aspects
point Charlie, the system started to crack. of life lingered on. Migrating from one side of
Change was abrupt and unexpected. Berlin to the other was not an easy task.
With the opening of the Hungarian, and soon Measures taken by West Germany to welcome
DIPLOMATIC MEMORY

the newly-reorganized States in Eastern Germany officers would be readmitted to the new order
changed the very own process of a diplomat’s ad- – indeed, they were not. Even the GDR’s diplo-
aptation to a new post. If this process already leads mats were laid off after the reunification.
to several issues and to several changes in a diplo- The new world, now open to the East Ger-
mat’s private life, being posted to a country bound mans, did not come without difficulties and
to end leads to special challenges. traps. Due to productivity differences, many
The first of them was the rent. As the GDR public-owned companies were privatized or
was already having trouble providing housing simply shut down. Not even the cash trans-
for posted diplomats, arriving in East Berlin fers to East Germans were able to offset social
was linked to getting a rent in West Berlin, an- relations. Soon, lawsuits from West Germans
other jurisdiction altogether, something rather claiming their ancient homes, expropriated by
uncommon in Itamaraty practice. the GDR, started to appear. As they were judged
The road from the new home to the Embas- in favor of the old owners, many East Germans
sy, located in Northeastern Berlin, was another found themselves without both a home and a
challenge. As a share of Eastern Germans’ sav- job. Everyday life also changed, as new criminal
ings could be converted in a 1:1 ratio to Deutsch- laws and behaviors were imposed and the old
marks, the GDR citizen who saved his entire progressive past was left behind.
life to get a change to buy a Trabant could take Life in West Berlin also changed a lot. Not
a huge technological step and buy a Western only had the new neighbors paid visits to shops

Behind the
car, even if used. Quickly, all West German car and local markets, but also people from the for-
dealerships were out of both used and new cars, merly Communist States also learned about a
as demand from the newly-found consumers
soared. So the diplomat had to wait for his car.
new reality. Bigotry and surprise were part of the
routine of Poles who came in droves to buy for- Scenes:
Berlin’s subway system would have cov-
ered most of the city, if it were not for the in-
merly luxurious articles in Berlin’s supermarkets.
Orientation itself became harder, as streets
ghostwriters
convenient that the it was still divided by Cold
War blocks. U-Bahns from West Berlin crossed
and squares were renamed, as in the USSR and
as the Wall gave way to new roads and crossings.
in the Brazilian
Eastern land without being able to stop. The GDR’s annexation process was very Ministry of
External Relations
The solution, then, was taking cabs. But much in line with the German civilizational ex-
even this alternative had its problems. As cars perience. Even as uncertainty loomed, it was
were not allowed to cross Checkpoint Charlie, conducted, as Counselor Alexandre de Azevedo
one needed to leave the first car, cross the bor- Silveira stated, in an ‘almost bureaucratic fash- Portuguese version page 130
der, and search for a new car, now in East Berlin. ion”. This was not the case in all Eastern coun- —
Once in the GDR, contact with the local tries. It also shows how the German people con- João Lucas Ijino Satana
population was discouraged by the host coun- siders, as Ambassador Biato stated, “History as a
try. As in the USSR, this led to the feeling of battlefield”, with its soldiers not rarely having to In diplomacy, one spends half a lifetime writ-
living in a cocoon, interacting only with State write their own tales several times, according to ing for others to read and the other half reading
employees, whose loyalties to the system had the narratives adopted. This “rewiring of memo- what others have written
been thoroughly tested. The stores were sovi- ry” left its scars, from the duplicity of landmarks
etized, with pattern naming schemes, display- to the broad process of Historical revaluation. In the early sunshine of the New Republic, a
ing cheap prices and empty shelves. The post’s peculiarity allowed those serving young Second-Secretary made a name for him-
Approaching the Wall was forbidden to there then to live, in a single city, the experience self writing speeches at the first civilian cabi-
diplomats, which led to the curious paradox of of three posts – the Embassy to the GDR, the Con- net after twenty-one years of dictatorship. He
not being able to enter an area that was being sulate in West Berlin and the Consulate-General eventually became known as “the speech man”
quickly ravaged by backhoe loaders. The de- in the recently reunified Berlin. It also allowed and has never stopped writing for the country’s
struction of the barriers showed a Berlin still the diplomat to witness the path taken by a coun- highest authorities ever since. Thereby, Am-
scarred by the war, old pavement stones and try undergoing remarkable changes. — J bassador Sérgio França Danese, Vice-Minister
old shops’ façades, all once blocked by the Wall. of External Relations, started on his path as a
Paradoxes were also noticeable by the ghostwriter. Minister Norberto Moretti and
security agents’ steadfastness, even if they Minister Maurício Lyrio, both of them inter-
knew their jobs would be terminated a couple viewed by JUCA, also became ghostwriters at
months afterwards. The unification marched the earlier stages of their careers. The former
forwards and there were no signs that these is an assistant of the Minister of External Re-
201
DIPLOMATIC MEMORY

lations, while the latter heads the Department to Moretti agrees with Ambassador Danese speech will become a burden”. That is to say, the
of Diplomatic Planning, which is in charge of for referring to the “deputado baiano” charac- speech must have solid foundations, or it might
reviewing and composing the Minister of Ex- ter. “The “deputado baiano character” exists generate a reaction opposite to the one intend-
ternal Relations’ key-speeches, among other only because rhetoric is not taken for granted. ed. Indeed, balance and restraint seem to be
functions. The “deputado baiano” stands for the rhetoric aspects that characterize both diplomatic lan-
Minister Moretti’s first assignment as a character, embodied in the comic character of guage as a whole and diplomatic speech-making
ghostwriter at the Ministry was to write a Odorico Paraguaçu. in particular. As for the canons, Minister Lyrio
speech draft for former Vice-Minister Am- The discretion and confidentiality required believes “the boundaries help (the ghostwriter´s
bassador Marcos Azambuja, who was to speak in the métier have inspired literary works, such work) because you do not want to make tabula
at the War College. Sitting in front of a green as A Serviço del-Rey (At the service of the king), rasa with every new speech. On the contrary,
monitor of an IS30 Itautec computer, this written by Autran Dourado; and A sombra do you want to embed yourself in a tradition. Tra-
young Third-Secretary embarked on the en- meio-dia (The midday shadow), Ambassador’s dition in a good sense. It is not to say that tradi-
deavor of being a ghost without even imagining Danese first book. Both stories portrays the be- tion is immutable”.
this role would follow him throughout his dip- hind-the-scenes of politics through the lens of a Some diplomats eventually become well
lomatic career. Similarly, Minister Lyrio also ghostwriter who has to deal with the issues of known either because of the high quality of
wrote his first speech drafts at the office of for- being very close to the “king”. their writing or because they do it very often.
mer Vice-Minister Ambassador Sebastião do Ambassador Danese believes that there Anyhow, every diplomat is supposed to be
Rêgo Barros. Ambassador Danese and minis- is an understanding between the ghostwriter able to ghostwrite – it is in the job description.
ters Moretti and Lyrio are ghostwriting promi- and the authority for whom he writes. On the Hence, he or she has to be ready to do it at any-
nent figures in Brazilian diplomacy nowadays. one hand, the ghost has to absorb somehow the time. At Itamaraty, there is an old saying that
Many other diplomats, such as Ambassadors personality of the person that will deliver the goes “here, one spends half a lifetime writing
Marcos Azambuja, Gelson Fonseca Junior, speech. On the other hand, “you may not claim for others to read and the other half reading
Alberto da Costa e Silva, Ronaldo Sardenberg, authorship whatsoever. Once you have handed what others have written”.
Marcos Galvão, Ricardo Neiva Tavares, José the text, it does not belong to you anymore”. Although there is no “recipe”, the ghost/
Humberto de Brito, Eduardo dos Santos e An- He continues, “you must maintain professional diplomat has to develop some basic skills. To
tonio Patriota, are also examples of prominent detachment from the text, for your happiness begin with, he should have punch lines: rhe-
ghostwriters. must not depend on specific phrases remain- torical phrases and expressions that connect
Ghostwriting is a very old activity, which ing or not in the speech. Should the need arise, the speaker with the audience. Ted Sorensen
goes well beyond the inner circles of diplomacy. you will be asked to make some adjustments, knew this very well. He created one of the
Pedro I, for instance, did not hesitate to ask Cha- but sometimes your text will be ruthlessly most popular and powerful of John F. Kenne-
laça, his friend and assistant, to write speeches changed. In this case, don’t take things too per- dy’s punch lines: “ask not what your country
for him. The bossa-nova President himself, Jus- sonally”. On several occasions, “you may come can do for you. Ask what you can do for your
celino Kubitschek, had a ghostwriter as well: up with such a good phrasing that you would country”. However the ghostwriter cannot live
none other than the poet Augusto Frederico feel sorry for handing it to someone else, but on punch-lines alone. The diplomatic speech
Schmidt, who in turn could count on the con- that is business. You have to learn how to deal must be accurate, brief and straightforward,
tribution of Autran Dourado, a Brazilian writer with it. I think therapy helps in this regard”. advises Minister Moretti. “Your text should
and journalist. Baron of Rio Branco was quite Accordingly, Minister Norberto Moretti warns have a meridian accuracy. You have to say what
the opposite. Unlike most of his coevals, Rio “marrying your text is not a good idea”. you mean, unless you wish to make use of con-
Branco ghostwrote for himself. Now and again, As in any other Ministry of Foreign Affairs, structive ambiguity or denotative language.”
he concealed his identity by using pen names discourse is pivotal for Itamaraty: is its main According to Ambassador Sérgio Danese,
for publishing articles in Rio de Janeiro’s news- working tool. Minister Maurício Lyrio says the ghostwriter must be able to adapt his own
papers. By doing so, he tried to influence public that “ words have a central place in foreign pol- writing to the tone of the speaker. Promptness
opinion on pivotal issues of foreign policy. icy”, so much so true that “sometimes, the po- is also required. “As we are not used to prepare
Even though the ghostwriter is a ubiq- litical act is the statement itself and, thus, mak- speeches in advance, you have to write in a hur-
uitous figure in politics, high authorities in ing diplomacy and writing the text that speaks ry very often – as if you were speaking off-the-
general hesitate to confess that they make for this diplomacy are intertwined”. cuff while you type on the typewriter or on the
use of them. According to Ambassador Sérgio Two central issues emerge when discussing computer – thus, being fast is very important.
Danese, it is because Brazil is a country that diplomatic speech: the role of : the canon and Currently, there is no single speech-writ-
has always nourished the oral tradition. “Oddly the room available (or the lack thereof ) for ing procedure at Itamaraty. Sometimes, a sin-
enough, the tradition has gone, but the illusion innovation and creativity. Asked how to solve gle person writes a draft that will be examined
of this tradition did not fade away. The illusion this charade, Minister Lyrio affirms that “there by a higher ranking official. However, the mak-
of rhetoric remains and, thus, you must imply must be balance between imagination and real- ing of a speech is usually a work of many hands,
that it is your own rhetoric”. Minister Norber- ism with regard to what you say, otherwise the which relies on the help of the Ministry’s Divi-
DIPLOMATIC MEMORY ESSAYS AND REVIEWS

sions and Departments, especially the Depart- Recife, Salvador, São Paulo and Porto Alegre,
ment of Diplomatic Planning. When this long ESSAYS AND REVIEWS besides the historical colonial town of Iguapé,
peer-reviewing process comes to an end, the before leaving the country on August 10th.
text will finally get to the Minister of External Reading his “Travel Journals”, where the
Relations’ hands or even into the hands of the account of his stay in Brazilian territory is
President herself, an occasion on which it can found, is interesting for two reasons. First, be-
be amended once again. Currently, the minis- cause it allows the observation of the author’s
tries of Foreign Affairs in different countries creative process, the way Camus worked on
publish a plethora of speeches, official state- his raw notes in order to eventually transform
ments, articles and other sort of texts in a daily them into works of fiction. As we shall see, the
basis. Consequently, the amount of work has novel “The Growing Stone”, set in Brazil, orig-
increased a great deal. Furthermore, due to the inates from episodes witnessed by the French
dynamics of mass media and social networks, author in our nation and is strongly based on
government agencies have to respond to pub- the notes then made.
lic opinion very quickly by publishing all kinds Yet Camus’s journals are valuable main-
of written texts in the shortest time possible. ly as a testimonial of the writer’s impressions
Therein lies the greatest ghostwriter’s chal- of our country. Reading his account may dis-
lenge: being able to think thoroughly and pro- please many, since Camus’s opinions about
foundly on a given topic to compose a speech Brazil are not exactly flattering. The nation im-
that evades the trap of superficiality and is ef- presses the writer with the sheer grandeur of
fective as a communication tool. its landscape, but this same grandeur, added to
The proficuous work of diplomats who have the sight of huge social inequalities, stifles him.
also excelled at ghostwriting speeches is coher- Indeed, according to his biographer, Olivi-
ent with Itamaraty’s longstanding tradition of Albert Camus in er Todd, it is Camus who gives the impression
valuing and perfecting Brazilian diplomatic dis- of suffocating during the journey due to his de-
course. It is for the new and future generations Brazil pressive state (the obsession with suicide be-
to drink from the source of our predecessors comes manifest on several pages of his notes).
to make sure Brazil’s voice is always projected In 1949, the famous French writer It is quite likely that his illness has partially
loud and clear on the world stage. — J disembarked in Rio de Janeiro for a affected his reading of Brazil. Whatever the
historical visit. case might be, his account is highly interesting
exactly because it shuns recurring stereotypes
Portuguese version page 134 of French literary tradition which patronize
— Brazil as “Cockaigne”, a nation where “noble
Alexandre Piana Lemos savages” dwell. Camus speaks caustically of
the country’s huge social inequalities and is
The year of 2013 marked the centennial of Al- impressed by major cities such as São Paulo,
bert Camus’s birth (1913-1960). In France and which grow chaotically and disregard the cit-
the French-speaking world in general, count- izens’ basic rights.
less homages were paid in the last couple of Having set sail from Marseille on June
years to the author of “The Stranger” and “The 30th, Camus glimpses at the latitude of Per-
Plague”. In Brazil, however, the celebrations nambuco the “tragic clouds coming from the
were discreet, and the publishing market lost continent... messengers of a frightening land”.
a great opportunity to remember Camus’s his- The poetic tone is also a foreboding of what
torical sojourn in the country in 1949. the writer would later feel amidst the Brazil-
Suffering from deep depression and ailing ian landscape. On July 15th, approaching Rio,
from the tuberculosis that plagued him since he sees the Pão de Açúcar, which “seems to
his youth, Albert Camus accepted a suggestion crush the city” from above, standing beside an
by one of his publishers and set out for South “immense, miserable luminous Christ”. As is
America, where he would work as a journalist evident, the metaphors convey a constant sen-
and deliver a series of lectures. Brazil was the timent of suffocation, dread, impotence. The
first and most important station of this jour- sight of the city, squeezed between sea and
ney. Disembarking in Rio de Janeiro on July mountain, spreading infinitely along the coast-
15th, 1949, Camus would then travel through line, and the bay’s richness of colors “silenced
203
ESSAYS AND REVIEWS

everyone” on board, but the scene’s grandeur social conditions in which the Arabs of his ic features. On 23rd July, he writes: “Bahia,
is, according to Camus, excessive. “Nature suf- native Mondovi lived. Willing to know a little where one only sees Negroes, seems to me like
focates man”, he would later remark. more about this culture, Camus met Abdias an immense kasbah, swarming, poor, dirty and
In a certain way, the contrasts that Rio’s Nascimento, creator of the Teatro Experimen- beautiful”, and the beauty of its bay, which he
lush landscape offers the visitor – native for- tal do Negro, whose intention was to bring to found having a “certain measure and certain
ests interspersed with huge buildings, shacks the fore the Brazilian black culture, then vir- poetry”, is preferred over Rio’s, too showy for
standing beside mansions – constitute the tually absent from our stages. In 1947, Abdias his taste.
lens through which Camus will look at Brazil. had asked Camus permission to stage the play Camus’s next stop in Brazil would be São
Preferring the comfort of a small room in the “Caligula”, which the French author promptly Paulo, where Oswald de Andrade welcomes
French embassy to the lavish houses offered granted. To mutual satisfaction, Abdias’s com- him. About the city, Camus writes: “(...) strange
to him, the writer takes note in his journal of pany staged the play in the Ginástico theater city, oversized Oran”, referring to the Algerian
the remarkable contrast of luxurious palaces especially for Camus. city were the novel “The Plague” is set. With
and modern buildings erected some hundred Driven by Camus’s interest in African-Bra- its size and chaotic development, São Paulo
meters from the slums, “bidonvilles of sorts zilian culture, Abdias also took him to Duque impressed Camus. The French writer is once
perched upon hills, without water or electric- de Caxias in order to watch a macumba rite, more shocked by the contrasts between the ad-
ity, where a poverty-stricken population of and then to a samba dance club in Rio. The ex- vancing modernity in Brazil and the backward-
whites and negroes dwells”. The women who perience of being taken to more popular neigh- ness and extreme poverty in which the major-
live in the slums come down with baskets to borhoods and having the opportunity of inter- ity of the population lives. Perhaps motivated
collect water at the foot of the hills, and as they acting with the population cheers him up. He by the conversation he has with Oswald about
stand in line “the chromed, silent beasts of the thinks “(...) about these crowds that don’t stop the anthropophagic theory, Camus notes:
American automobile industry [pass by]. Lux- growing upon the surface of Earth and even- “Brazil, with its frail modern armor, like
ury and squalor had never seemed so disdain- tually will cover everything (...). I understand a metal plate laid over this huge continent
fully mixed to me”. Rio best this way, better than in Copacabana”. swarming with natural and primitive forc-
One must concede that Camus’s bewil- After Rio, Camus left for Recife, where he es, makes me think of a building increasingly
derment before the situations experiences stayed during 21st and 22nd July. In this “red corroded from the bottom upward by invisible
in Brazil is not always negative. Tired of the land, devoured by heat”, he was delighted by vermin. One day the building will collapse and
innumerable soirées and conferences he’s Old Recife, with its colorful houses and cobble- this whole small, restless people, black, red
subject to, the writer has pleasant surprises stone streets. Camus praises our architecture, and yellow, will spread over the continent’s
with several aspects of Brazilian culture. He our churches that don’t have “the excessive surface, masked and armed with spears, for the
is enraptured by Murilo Mendes, a “fine and weight of European Baroque”. According to dance of victory”.
melancholic spirit”; he dines and is enthralled him, the Jesuitical style here became light- These impressions would be rein-
by Manuel Bandeira, an “extremely fine little er in bulk and color. Pátio de São Pedro, with forced on the subsequent day, when Camus
man”. After dining with Bandeira, he has the its church, fascinates him, along with Cape- left with Oswald for the colonial town of Igua-
opportunity of meeting Dorival Caymmi, “a la Dourada and its perfectly preserved tiles. pé (on the coast of São Paulo state) in order to
Negro who composes and writes all the samba Camus goes to Olinda and watches the bumba attend the Festa de Bom Jesus. This religious
songs the country sings”. “[The] saddest and meu boi ritual, qualified by him as an “extraor- pilgrimage impressed the writer, especially the
most moving songs” are heard. “Totally se- dinary spectacle”. ceremony of visiting the Gruta do Senhor, a
duced”, jots down Camus. His stay in Pernambuco definitely cheered cave where, as local tradition has it, the image
To his satisfaction, Camus also remarks the up the depressed traveler, who before his trip of Jesus was washed on a rock, which grows
presence of Moorish houses, Arabian archi- to Bahia writes in his journal: “I definitely like unceasingly since then. To this day, this phe-
tecture in working class quarters of Rio. This Recife. Florence of the Tropics, amidst its co- nomenon is known in Iguapé as “the growing
legacy remembers him the Algeria of his child- conut tree forests, its red mountains, its white stone” or “the sprouting stone”.
hood and comforts him. The Brazilian fascina- beaches”. The spectacle of hundreds of believers in
tion with soccer impresses him as well, to the If Pernambuco fascinated Camus with its line before the cave’s entrance, trying to break
point of asking his hosts to take him to a match architecture, in Bahia he would face more di- chips off the miracle stone, marked Camus,
(Camus had been a renowned goalkeeper of rectly Brazil’s black culture and Arabian her- who would later refashion this episode in a
Racing Universitaire Algérois). itage. In Salvador, Camus eats “dishes spiced fictional form in his short story “The Grow-
In a general manner, Camus was interested to the point of curing paralytics” and gets in ing Stone”, included in the book “Exile and
in what he believed to be “Brazil’s Negro cul- contact with candomblé (“this curious Af- the Kingdom”. In this short story, D’Arrast, a
ture”. He allegedly sympathized a priori with ro-Brazilian religion that here is the Catholi- French engineer, comes to the village to build a
the black people of Brazil (remarking it was cism of the Negroes”). The state capital’s mood sea-wall and is surprised by the procession he
an “inverted prejudice” he should overcome), reminds him immediately of his native Algeria, watches. Passages of the story reproduce – at
who remembered him of the disadvantageous of his homeland’s enchanting and melanchol- some points verbatim – Camus’s notes in his
ESSAYS AND REVIEWS

travel journal. Indeed, contemporary Brazil has not


On his way to Iguapé, Camus ranges over met all challenges anticipated by the French
immense stretches of wild country – one ex- writer in 1949, but it is certainly not the same What Kissinger
ception is the town of Registro, where the writ- country it used to be. Based on the social-eco-
er is surprised to find a Japanese settlement nomic progress made by the Brazilian popu- Does Not Say
in Brazil – and reaches the conclusion: “It’s lation during the last decade, Brazil seems to
a huge space, uninhabited, devoid of culture. be increasingly integrating its citizens into its Portuguese version page 139
The terrible solitude of this unbound nature awe-inspiring nature and the infinite spaces —
tells much about this country”. that caused such a profound impression on Al- Alexandre Piana Lemos
In a certain way, the trip to Iguapé and the bert Camus. — J
discovery of this abandoned hinterland cause Ukraine divided. Latent conflicts in the Chi-
Camus to summarize his conclusions about the na Seas. The Middle East out of control. We
paradoxical land he was acquainting himself are living in a world of disorder where with
with: increasing interdependence comes, paradox-
“A land where the seasons are undifferen- ically, a lack of common goals and great dis-
tiated; where the impenetrable vegetation be- agreement about the rules that should dictate
comes formless; where the bloods mix to the the nations’ conduct. At least that is Henry
point the soul has exceeded its limits. A plod- Kissinger’s belief when analyzing the delicate
ding surf, the greenish light of the forests, the geopolitical balance of the current world in
red dust varnish covering all things, the melt- “World Order”.
ing time, the slowness of country life, the brief Publications by the former American Sec-
and meaningless excitement of the big cities – retary of State are always most eagerly awaited.
it’s the country of indifference and frenzy. The Those looking for answers for the urgent issues
skyscraper is pointless, it still hasn’t been able dealt with in the present, however, may be in for
to defeat the spirit of the forest, the vastness, a disappointment when reading his latest book.
the melancholy. The samba songs, the true Contrary to what he did throughout his career,
ones, express best what I mean”. Kissinger fails to recommend specific policies to
Although streaked with poetic flights, it address the current crises; instead, his book is ac-
is undeniable that Camus’s words manage to tually an exposition of how the world order has
capture chief aspects of Brazilian society. His been shaped over 2000 years and a deeply pessi-
eye did not fail to discern the existence of our mistic reflection about the form it now assumes.
hinterlands, culture-devoid islands, poverty Seeking to understand the specific layout
patches prey to their fate amidst the devastat- of the contemporary international system, the
ing nature. author focuses his attention on the study of
Neither did the contrast formed between four major concepts of “order” which influ-
those forlorn backwaters and the terrifying enced global geopolitics: the European West-
and modernising Brazilian metropolises es- phalian order that, emerging from the religious
cape his attention. As stated by the biographer wars during the seventeenth century, consoli-
Olivier Todd, what Camus saw in Brazil – and dated the balance of power system; the Islamic
the remaining South American cities – was order, based on the idea of a religious commu-
the coming into being of what later, in the nity (“Umma”) rather than on sovereign states;
1960s and 1970s, would be known as the Third the Chinese order, centered on the divine role
World: underdeveloped portions of the globe, of the Emperor to whom the outer world was
yet in rapid and reckless growth, where mas- subject; and the North American order, which,
sive, chaotic and overpopulated cities bloomed expanding from Woodrow Wilson’s idealism,
with a poor and backward population. dominated the world after World War II.
More than anything, in his travel across Strictly speaking, argues Kissinger, there
Brazil Camus observed the existence of po- has never been a world order, since the differ-
tential social conflicts in so unequal a society ent orders referred by him applied historically
and foretold, as mentioned, that this pover- to restricted portions of the globe and were
ty-stricken people would once emerge, wield- based on mutually incompatible principles.
ing “spears”, break free from its isolation and Yet the pax americana supported by the Bret-
proceed to the “dance of victory”. ton Woods institutions managed to establish
205
ESSAYS AND REVIEWS

a world system that gained worldwide preva- Also, the way Kissinger approaches the
lence and consolidated the Westphalian order Iraq issue is exasperating. Although he expos-
of states. It is precisely this system, however, es his skepticism towards a more ambitious
that is now being challenged from every side. “nation-building” project, he admits having
Faced with the threat of jihadism and the rise supported the 2003 invasion. Nonetheless, he
of China and other revisionist emerging play- never provides any rationale for the attack,
ers (Iran, Russia, and India), the current sys- and limits himself to an embarrassing praise of
tem, based on a Western set of values, is clear- ex-President George W. Bush for his “courage”
ly proving to be insufficient to accommodate and “dignity” at conducting the external poli-
such distinct interests. tics of that time...
In this context, it is critical to reach a new All in all, the greatest problem of “World
balance of power. Kissinger regrets that Eu- Order” is what its author does not say. Kissing-
rope, bound to an idea of supranational enti- er never presents clearly his vision of a new
ty (the European Union), does not contribute order. The seasoned diplomat does not point
more incisively to attain this balance. Similarly, out any solution for the chaos of contemporary
he is concerned that the Unites States, the sole world, save for an unsure appeal in the sense
superpower, hesitates to act as the system’s ar- that a balance between power and legitimacy
bitrator, especially in regard to China, in a mo- should be reached. In times of crisis, the si-
ment where delicate balances of power emerge lence of one of last century’s greatest strate-
in Asia (involving China, India, and Japan) gists seems to indicate that the future is uncer-
tain and there is little reason for optimism. — J
without a player acting as a stabilizing factor,
such as the United Kingdom did in the eigh- Samuel Rawet -
Between Solitude
teenth century.
Amidst the chaos he identifies, Kissinger

and Dialogue
acknowledges the necessity of building a truly
world order that takes into account the incom-
patible interests of both traditional (mainly
the United States) and emerging powers. The Portuguese version page 140
problem is that he seems to be unable to con- —
sider seriously the desires of the new players. Pedro Meirelles Reis Sotero de
Thus, he concedes that the collective se- Menezes
curity system by the United Nations does not
work satisfactorily, but he fails to appreciate The street pictured in page 140 is named after
any attempt at reform proposed by emerging Samuel Rawet, and is located in Santa Cruz,
nations. In a similar fashion, although he ded- a suburb of Rio de Janeiro. It is the only one
icates a whole chapter to alerting about the named after the author in the whole of Brazil.
dangers of nuclear proliferation, he limits him- It seems insufficient, almost inappropriate, to
self to repeating the self-indulgent discourse of associate this humble street to one of the great
the United States about the theme. The obliga- names of national literature. Using this pic-
tions of the traditional nuclear powers under ture as a starting point, however, I intend to
the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear show that not only is Samuel Rawet one of the
Weapons (NPT) are not mentioned. great Brazilian writers but also that lending
The role of the emerging countries in the his name to an inexpressive suburban street is,
international system is not in the center of incidentally, the perfect homage to the author.
Kissinger’s concerns, as may be exemplified by
the treatment the ex-Secretary of State gives to Klimontów, Rio, Brasília and Tel-Aviv
the Iranian issue. When addressing the harsh Samuel Rawet was born in Klimontów, in the
negotiations undertaken by the West with Polish countryside, in 1929, and died in So-
Iran, he highlights the agreements of 2004, bradinho in the Brasília metropolitan area, in
2005, and 2009, but fails to mention the sole 1984. He was born in a shtetl, one of the tra-
successful attempt at intermediation: the one ditional and introverted Jewish communities
led by Brazil and Turkey in 2010, which result- scattered across eastern Europe, that would
ed in the Tehran Declaration. later be destroyed by the horrors of the twen-
ESSAYS AND REVIEWS

tieth century. His father, a small town trader, and other striking buildings of the era. reviews and a short novel. He moved to Brasília,
decided to try his luck in the New World, and Rawet kept writing simultaneously to his but decided to sell his apartment to pay for the
in 1933 emigrated to Brazil, bringing his family engineering work, and after a gap of seven publishing of his works and had to move back to
three years later. years he published Diálogo, another book of Rio. After five years he moved back to Brasília,
In 1938 Samuel disembarked with his short stories, in 1963. He also wrote for the the- where he was employed as an engineer by the
mother and brothers in Rio de Janeiro, where atre with some success - some of his plays were local government until his death.
after the shock involved in the change of sur- enacted in the traditional Theatro Municipal, His last years were ones of isolation. He
roundings he integrated seamlessly into the in Rio de Janeiro. After the military coup of resented his family: his absent and mentally ill
surrounding suburbs and into the groups of 1964, Niemeyer, a notorious communist, left mother, his indifferent brothers and father, as
unruly kids that now and again torment the the country. One of his first projects abroad well as the overall sense of rejection and mean-
characters in his stories. In his youth he be- was the University of Haifa, in Israel, for which ness that pervaded his family life. He even be-
came interested in literature, reading Dosto- he asked for the help of some of his Brazilian lieved he had been swindled by his brothers
evski, Mann, Gorki, Kafka, Graciliano Ramos, colleagues, including Rawet. during the division of his father’s estate. He
Lima Barreto and others. Lima Barreto, a son In Israel, he saw himself face to face with also resented the literary and publishing world,
of the suburbs like himself, remained a hero for dilemmas and anxieties he carried with him- which he believed was run by a closed and ob-
Rawet throughout his life. self. In spite of being the greatest chronicler scure “mafia”. Due to disagreements with edi-
He also became interested in the theater of the life of Jewish immigrants in Brazil, his tors, he lost contracts and saw whole batches
- while still a teenager won a prize from the jewish heritage had always been a source of of his books rot unsold in warehouses. His the-
Ministry of Education Radio and started con- anguish for Rawet: a confused entanglement of atrical production stagnated in face of his deep
tributing with small drama pieces to their pro- religion, culture, intellectual tradition and his frustration with his own texts, their execution,
gramming. After this initial contact, he started own unhappy family life. He rejected the bulk and censorship by the military regime. His last
rubbing shoulders with Rio de Janeiro’s the- of Jewish intellectual tradition, but admired works were almost completely paid for by him-
atrical and literary community. He graduated intensely Spinoza, Martin Buber and Kafka, self, and only reached bookstores in a sporadic
as an engineer in 1953, and started publishing heirs of this selfsame tradition, even if deviant and disorderly fashion.
his first short stories in small magazines and or heretical. As was Rawet himself. A decade Samuel Rawet died in 1984, alone and im-
literary supplements. These stories formed the later, in 1977, he would finally renounce Juda- poverished, in his house in Sobradinho, near
core of his first book, Tales of the Immigrant, ism explicitly and quite agressively in the essay Brasília. He lived fifty-three intense and rest-
in 1956. Kafka and Jewish Minerality or the Tonga of less years. Obituaries were published in all
The book was well received by critics, to the Mironga of the Kabuletê. pain newspapers, mourning the loss of a great
the surprise of its author. Assis Brasil, one of Another aspect of himself that merited author and also his last years of obscurity. In
the main literary critics of the time, stated the intense reflection during his period of expa- the following decades his body of work contin-
year of 1956 was fundamental for the reno- triation was his homosexuality. He touched on ued to be read and appreciated, but the lack of
vation of Brazilian literature: Grande Sertão: the topic, directly or indirectly in stories and new editions obstructed the contact of a new
Veredas (The Devil to Pay in the Backlands, essays. In the essay Homosexuality and Values, generation of readers with it, and his popular-
by João Guimarães Rosa) transcended the lin- of 1970, tells of how, during his stay in Israel, he ity became restricted almost exclusively to lit-
guistic limits of the traditional novel, while the went for a stroll in the plains where Sodom and erary and academic circles.
short story was subverted by Tales of the Im- Gomorrah were supposedly razed, thinking on
migrant, which broke with the structure, aes- the issue. In his works, Rawet showed a de- Between solitude and dialogue
thetics, and themes that dominated the genre gree of acceptance and tranquility towards his Samuel Rawet’s oeuvre is ferociously indi-
since the time of Machado de Assis. sexuality that was totally absent from his rela- vidual. One of the roots that feeds this singu-
Critical acclaim did not, however, trans- tionship with Judaism. This acceptance was larity is his own experiences; the other is his
late into sales, much less into the possibility of accompanied by a deep sense of revolt against autodidactic, eclectic and skeptic intellectual
living off the author’s literary activity. Rawet any attempt to repress or regulate this aspect development. The imprint left by his life on
forged ahead with his career in engineering, of human life: he despised equally society’s his works is quite clear in the themes touched
and in 1957, at the age of 24, he was recruited by prejudices, religious taboos and the explanato- upon in his short stories: the life of immigrants
Novacap, the company responsible for the con- ry theories of Freud and others. – mainly Jews – in Brazil in the middle of the
struction of the new capital, Brasília. He became He left Israel in 1965, frustrated with his twentieth century, the complexity of family
part of the team of Oscar Niemeyer, Lúcio Costa professional and personal experiences in the ties and life in the suburbs of Rio. Suburban
and Joaquim Cardoso (also a writer-engineer of country. After wandering through Mediterra- streets and family homes are the main “stag-
great talent), and was assigned the task of de- nean Europe, he returned to Brazil and kept es” on which Rawet’s characters appear: they
signing concrete structures. His are the calcula- on publishing. He wrote mainly short story are the two extremes that limit and shape their
tions that underpin the Brazilian Congress, the volumes (The Seven Dreams, in 1967; the One lives, and for their overwhelming influence are
Second World War Memorial in Rio de Janeiro Square Inch Terrain, in 1970), but also essays, almost characters themselves.
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ESSAYS AND REVIEWS

In the same way intimate and public inter- any principle that should guide human action
action form two opposite poles in the short sto- it must be found in man himself, not in any
ries’ action, solitude and dialogue form an an- scheme or abstraction. The Sleepwalkers
tithesis that underlies most his stories. In some
of them, the streets are a place of relief – where, A fitting homage of Destruction
free from the pressures and obligations of work Santa Cruz, where Samuel Rawet Street is lo-
and family, his characters can lose themselves cated, is a historical neighborhood: it boasts an Christopher Clark explains how the
in anonymity or seek out relationships they can important colonial manor which later became European superpowers unconsciously
build on their own terms. In other stories, this the Portuguese royal family’s vacation palace in triggered World War I
suburban setting is uncomfortable and even Brazil. There two monarchs spent their child-
threatening, for it is also unknown, unpredict- hoods: Pedro I of Brazil and Miguel I of Por- Portuguese version page 144
able. Domestic interaction, in its turn, is char- tugal. Today its geography is characteristic of —
acterized as complex and trying. There exists Rio de Janeiro’s suburbs: a bustling and pros- Vitor Augusto Salgado da Cruz
a heavy burden of expectations, prejudices, perous commercial district is surrounded by
cultural and religious heritage, subterranean some middle-income areas and by chaotic and On the centenary of World War I (1914-18), the
resentments and mutual incomprehension that sprawling poorer areas. Samuel Rawet would issue has been raising renewed academic and
hampers or even compromises communication, recognized in the neighborhood something of public interest. The matter of assigning re-
especially between generations. the vivid and open common life which attract- sponsibility for starting the conflict has always
In Albert Camus’ play Caligula, the title ed him to poor suburbs such as Leopoldina and been at the center of the debate. The Treaty
character asks one of his opponents: “Do you Ceilândia more than to Ipanema or Brasília’s of Versailles blamed Germany and its allies,
think, Cherea, that it’s possible for two men of rich areas. Averse to all pomp and pretension, jeopardizing the country´s development and
much the same temperament and equal pride it is hard to imagine a more fitting memorial to giving rise to the circumstances that allowed
to talk to each other with complete frankness – the author than lending his name to a typical the ascension of Nazism, according to sever-
if only once in their lives? Can they strip them- street of a typical suburb in Rio de Janeiro. — J al historians. Once peace was established, a
selves naked, so to speak, and shed their preju- true “World War of documents” began and the
dices, their private interests, the lies by which countries that used to fight over territory start-
they live?” This is, I believe, the question that ed disputing the control of the narrative about
moves much of what Rawet wrote: his charac- the conflict. Based on official documents,
ters (and possibly, through them, the author) scholars of the war have developed remote and
seek, in many ways, to establish some sort of categorical explanations, such as imperialism,
connection, of dialogue, and escape their fun- nationalism, arms race, diplomatic alliances
damental loneliness. and economic imperatives. Generally speak-
In Camus’ play, Cherea’s answer is a hard ing, determining the causes of the conflict is
one: “I think it’s possible, Caius. But I judge aimed at understanding the questions related
you incapable of it.” The same verdict seems to “why” things happened, which often disre-
to apply to Rawet’s characters. Only rarely can gards aspects equally important on how those
they establish genuine and unobstructed con- events unfolded. In this context, Christopher
tact among themselves. Clark presents an original contribution with
Rawet’s essays, which comprise the other his book The sleepwalkers - how Europe went to
half of his oeuvre, ate also vigorous and orig- war in 1914.
inal, although not as compelling as his short The book focuses on an analysis of the se-
stories. Rawet writes in an extremely informal quence of interactions that resulted in the trag-
manner, making use of a highly peculiar vocab- edy. Thus, the outbreak of the war would have
ulary. His ideas are as varied as his intellectu- derived from chains of command controlled by
al references, and he explores a wide range of political actors with conscious goals, who eval-
topics, from James Joyce’s theatres to the seedy uated a number of options and decided based
bars in the shantytowns near Brasília or meta- on the best information available. In this con-
physics. There are a few constants, though, the text, the objective of the Australian historian
most recurring being his preoccupation with was to reconstruct the circumstances in which
ethics. Rawet rejects great structures that try the decisions were made by statesmen, such
to systematize or codify human behavior, re- as Edward Grey, Raymond Poincaré, Leopold
serving particular scorn for religion, Marxism von Berchtold, Theobald Hollweg, Dragutin
and psychoanalysis. He feels that if there is Dimitrijevi “Apis”, Nikola Paši , as well as the
ESSAYS AND REVIEWS

cousins emperors George V, Nicholas II and sparked the race for the Otoman Empire’s an absolutely predictable route. The ranks of
Wilhelm II. In order to do that, Clark used an spoils that led to the Balkan Wars. There were soldiers that were used for protection were
extensive database, available in files located in also disputes within national States, which absent, so the convoy passed virtually unpro-
London, Paris, Berlin, Vienna and Belgrade. made the countries oscillate between positions tected in that agglomeration.” On the day the
The starting point of the analysis is Serbia of more or less bellicosity. Among other fac- royal couple was celebrating their wedding an-
during the transition from the nineteenth to the tors, disputes between civilians and military niversary, tragedy struck because of the several
twentieth century. After the assassination of and relations between governments, the media errors committed; the last one being the lack
King Alexander Obrenovi , the regicide group and public opinion made the decision making of orders to = the drivers after the first, unsuc-
led by Apis gained considerable influence in process considerably more complex. cessful, assassination attempt.
national politics, which allowed them to pur- In spite of dealing with a great deal of in- Despite substantial differences, present
sue the nationalist project of Greater Serbia formation, Clark’s narrative style makes the times hold some similarities with that historic
by means that included the use of clandestine book easy to read. As a matter of fact, beyond moment, like the rise of terrorist threats, trade
organizations such as the Black Hand. Beyond classics of history and international relations, liberalization and the emergence of new world
the Serbian context, there was an intricate web the book sometimes resembles the magical re- powers. Thus, as pointed out by Clark, 1914 can
of relations between world powers of the time, alism of Gabriel García Marquez’s Chronicle of function as an oracle, an important warning
which allows us to infer that alliances were not a Death Foretold when referring to the attack about the high costs that ensue when politics
necessarily as strong as a contemporary ob- on Franscisco Ferdinand: “The Austrians had fail, dialogue ends and compromising becomes
server would assume. In addition, there is an in chosen an unfortunate date for the visit. [...] impossible. — J
depth analisys of the events that increased ten- Despite warnings on the likelihood of a terror-
sion at an international level, namely the Mo- ist attack, the Archduke and his wife were trav-
rocco crises and the Lybian-Italian War, which eling in an open car through the crowd, with
JUCA

JUCA DIPLOMACIA E HUMANIDADES


JUCA
IN THE TRENCHES OF DIPLOMACY NAS TRINCHEIRAS DA DIPLOMACIA
Daily life in difficult diplomatic missions N
8 O difícil dia a dia nos postos D

ISSN 1984-6800
of the Brazilian Foreign Service do Serviço Exterior Brasileiro
diplomacy &
humanities 70 YEARS OF THE RIO BRANCO INSTITUTE 70 ANOS DO IRBr
Nº08—2015 A conversation with Gilberto Chateaubriand, 2015 Um Perfil de Gilberto Chateaubriand,
English version alumnus of the diplomatic academy’s first class aluno da primeira turma do Instituto
pages 145 to 208.
GHOST WRITERS AT ITAMARATY GHOST WRITERS NO ITAMARATY
The craft of speech writing in the house that Rio Branco built O ofício de fazer discursos na Casa de Rio Branco
DIPLOMACIA E HUMANIDADES
FOR A DIPLOMACY OF RESULTS POR UMA DIPLOMACIA DE RESULTADOS
In an interview, Chancellor Mauro Vieira explains his Em entrevista, Chanceler Mauro Vieira defende uma juca.irbr.itamaraty.gov.br
Instituto concept of foreign policy política externa que se traduza em conquistas reais www.facebook.com/revistajuca
Rio Branco

O QUE É JUCA?
É a revista anual dos alunos do Curso
de Formação em Diplomacia do
Instituto Rio Branco. Compõem seu
universo temático a diplomacia, as
relações internacionais, outras ciências
humanas, as artes e a cultura.
Foi concebida para divulgar a produção
acadêmica, artística e intelectual da
academia diplomática brasileira e
visa, ainda, a recuperar as memórias
da política externa do País e difundi-las
nos meios diplomático e acadêmico.
A revista foi intitulada com o apelido
de juventude do Barão do Rio Branco,
patrono da diplomacia brasileira.

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The United Nations at As Nações Unidas aos WHAT IS JUCA?
JUCA is the annual magazine of the
students of the Training Course in
Diplomacy of the Rio Branco Institute.
It deals with issues such as diplomacy,
international relations, other human
sciences, arts and culture. JUCA
was conceived to disseminate the
academic, artistic and intellectual
work of the Brazilian diplomatic
academy. It also aims at recovering
memories of Brazil’s foreign policy and

ANOS
disseminating them in the academic
and diplomatic environments. The
magazine is named after the Baron of
Rio Branco’s – the patron of Brazilian
IRBr

diplomacy – youth nickname.


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