3 Mls Boner (1979 1986) Soda e
pce na Filo Poles Modena,
PRIMEIRA PARTE
O modelo jusnaturalista
Norberto BobbioO carater do jusnaturalismo
Enmbora a idéia do direito natural remonte a época clas-
sica, e ndo tenha cessado de viver durante a Idade Média, a
verdade é que quando se fala de “‘doutrina” ou de ‘“‘escola” do
direito natural, sem outra qualificagao, ou, mais brevemente,
com um termo mais recente e nao ainda acolhido em todas as
linguas européias, de “‘jusnaturalismo”, a intencdo é referir-se
a revivescéncia, ao desenvolvimento e a difusdo que a antiga e
recorrente idéia do direito natural teve durante a idade mo-
derna, no periodo que intercorre entre 0 inicio do século XVII
eo fim do XVIII. Segundo uma tradi¢fo j4 consolidada na
segunda metade do século XVII — mas que ha algum tempo,
com fundamento, tem sido posta em discussio —, a escola do
direito natural teria tido uma precisa data de inicio com a
obra de Hugo, Grécio (1588-1625), De iure belli ac pacis, pu-
blicada em 1625, doze anos antes do Discours de la méthode
de Descartes. Mas nao tem uma data de encerramento igual-
mente clara, ainda que nao haja duvidas sobre os eventos que
assinalaram o seu fim: a criacao das grandes codificagées, es-
pecialmente a napole6nica, que puseram as bases para o re-
nascimento de uma atitude de maior reveréncia em face das
leis estabelecidas e, por conseguinte, daquele modo de conce-
ber o trabalho do jurista e a funcio da ciéncia juridica que
toma o nome de positivismo juridico. Por outro lado, 6 bem
conhecida também a corrente de pensamento que decretou
sua morte: o historicismo, especialmente 0 historicismo juri-14 NORBERTO BOBBIO
dico, que se manifesta muito em particular na Alemanha
(onde, de resto, a escola do direito natural encontrara sua pa-
tria de adogao), com a Escola histérica do direito. Ademais, se
quiséssemos indicar precisamente uma data emblematica
desse ponto de chegada, poderiamos escolher o ano da publi-
cagao do ensaio juvenil de Hegel, Ueber die wissenschaftli-
chen Behandlungsarten des Naturrechts (Sobre os diversos
modos de tratar cientificamente o direito natural), publicado
em 1802. Nessa obra, o filésofo — cujo pensamento repre-
senta a dissolugao definitiva do jusnaturalismo, e nao sé do
moderno, como veremos no final — submete a uma critica ra-
dical as filosofias da direito que o précederam, de Grécio a
Kant e Fichte. — ———
Sob a velha etiqueta de “escola do direito natural”, es-
condem-se autores e correntes muito diversos: grandes filéso-
fos como Hobbes, Leibniz, Locke, Kant, que se ocuparam
também, mas nio precipuamente, de problemas juridicos e
politicos, pertencentes a orientagdes diversas e por vezes Opos-
tas de pensamento, como Locke e Leibniz, como Hobbes e
Kant; juristas-filosofos, como Pufendorf, Thomasius e Wolff,
também divididos quanto a pontos essenciais da doutrina
(Wolff, para darmos apenas um exemplo, é considerado como
o antiPufendorf); professores universitérios, autores de tra-
tados escolasticos que, depois de seus discipulos, talvez. nin-
guém mais tenha lido; e finalmente, um dos maiores escri-
tores politicos de todos os tempos, o autor de O Contrato
Social.
Por outro lado, enquanto para os juristas-filésofos a ma-
téria do direito natural compreende tanto o direito privado
quanto 0 direito piiblico (e muito mais o primeiro que o se-
gundo), para os outros, em especial para os trés grandes, por
cuja obra se mede hoje a importancia do jusnaturalismo, e em
fungao dos quais talvez valha ainda a pena falar de um “di-
reito natural moderno” contraposto ao medieval e ao antigo
— estou me referindo a Hobbes, Locke e Rousseau —, o tema
| de suas obras é quase exclu: lente 0 direito piblico, o pro-
| blema do fundamento e da ni tureza_do Estado. Embora a
divisdo entre uma e outra historiografia particular seja uma
convencdo, que pode também ser deixada de lado e que, de
qualquer modo, é preciso evitar considerar como uma mura-