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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

O ATENDIMENTO ÀS ADOLESCENTES AUTORAS DE ATOS


INFRACIONAIS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Rocelly Dayane Teotonio da Cunha

Natal

2014
Rocelly Dayane Teotonio da Cunha

O ATENDIMENTO ÀS ADOLESCENTES AUTORAS DE ATOS


INFRACIONAIS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Dissertação de mestrado elaborada sob


orientação da Prof.a Dr.a Ilana Lemos de
Paiva e apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito parcial à obtenção de título de
Mestre em Psicologia.

NATAL

2014
III

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “O ATENDIMENTO ÀS ADOLESCENTES AUTORAS DE ATOS

INFRACIONAIS NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE”, elaborada por

Rocelly Dayane Teotonio da Cunha, foi considerada aprovada por todos os membros da

Banca examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como

requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 18 de agosto de 2014.

BANCA EXAMINADORA

Prof.a Dr.a Ilana Lemos de Paiva (Presidenta)

_______________________________________________________

Prof.a Dr.a Maria de Lourdes Trassi Teixeira (Examinadora externa)

_______________________________________________________

Prof. Dr. Oswaldo Hajime Yamamoto (Examinador interno)


_______________________________________________________
IV

À menina negou-se tudo que de leve

parecesse independência. Até levantar a voz

na presença dos mais velhos. Tinha-se

horror e castigava-se a menina respondona

ou saliente. Adoravam-se as acanhadas, de

ar humilde (Safiotti, 1979, p. 172).


V

Aos meus pais Ivonete e Ronaldo, que me

ensinam, desde sempre, que a persistência é

a melhor postura para o alcance dos sonhos.


VI

Agradecimentos

A Deus.

Aos meus pais Ivonete e Ronaldo e à minha irmã Raissa pelo apoio e

compreensão incondicionais.

Ao meu companheiro Daniel pelo amor e incentivo.

À minha orientadora Ilana Lemos de Paiva, com quem muito aprendi, agradeço

pela dedicação e compreensão com que orientou esta pesquisa.

Às minhas colegas de mestrado Carmem e Valesca pelo companheirismo e pelas

trocas de experiências.

À Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) pela

concessão da bolsa.

Ao Observatório da População InfantoJuvenil em Contextos de Violência

(OBIJUV): Tabita, Luana, Shirlene, Fernandinha, Daniela, Marlos, Arthemis, Sarah,

Jéssica, Hellen, Luciana, Thamiris, André e aos professores Dr. Marlos Bezerra e Dr.

Herculano Campos – pessoas com quem cresço todos os dias na luta pelos direitos de

crianças e adolescentes.

Às minhas amigas Dyalle Lira, Carol Campos e Ana Cândida pelo apoio afetivo

e pelo otimismo de sempre.

À Cândida, amiga que prontamente me acolheu, desde o início dessa jornada.

Agradeço pela sua disponibilidade.

À querida Keyla, amiga e revisora, que me fez acreditar que é possível, sim,

sempre melhorar.

À Indinanara pela ajuda nos passos iniciais na construção dessa dissertação.


VII

A todos do Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação (GPM&E), em especial,

ao Professor Dr. Oswaldo Yamamoto pela atenção e pelas valiosas contribuições desde

os Seminários de Dissertação.

À professora Lourdinha Trassi por aceitar o convite para compor a banca.

Aos profissionais entrevistados pela disponibilidade de compartilhar suas

vivências.
VIII

Sumário

Lista de siglas ...................................................................................................................X


Lista de tabelas ............................................................................................................... XI
Resumo .......................................................................................................................... XII
Abstract ......................................................................................................................... XIII
Introdução ....................................................................................................................... 14
Capítulo I – Papéis sociais atribuídos às mulheres: apontamentos para a temática da
infração feminina ............................................................................................................ 19
1.1. A opressão feminina............................................................................................. 23
1.2. Justificativas míticas, teológicas e científicas sobre a mulher ............................. 26
1.3. As sequelas patriarcais no contexto brasileiro: a criminalização da mulher pobre
..................................................................................................................................... 32
1.4. A relação do gênero feminino com atos infracionais........................................... 38
Capítulo II – A trajetória das políticas para infância e adolescência no Brasil:
perspectivas para a temática feminina no cometimento do ato infracional .................... 44
2.1. O abandono da infância – modelo caritativo ....................................................... 46
2.2. A salvação da infância: o modelo filantrópico..................................................... 52
2.3. Os primeiros passos do Estado em favor da infância e adolescência – modelo
assistencial .................................................................................................................. 61
2.4. Governando as “menores delinquentes” – modelo institucional ......................... 69
2.5. A proteção integral da infância e da adolescência – modelo da
desinstitucionalização e da socioeducação ................................................................. 71
Capítulo III – Método ..................................................................................................... 76
3.1. Campo de pesquisa e participantes ...................................................................... 76
3.2. Procedimento metodológico ................................................................................ 78
3.3. História Oral......................................................................................................... 79
3.4. A História Oral Temática ..................................................................................... 82
3.5. Procedimentos de coleta....................................................................................... 83
3.6. Procedimentos de análise ..................................................................................... 84
Capítulo IV – Apresentação e discussão dos resultados: o atendimento a adolescentes
autoras de atos infracionais no Rio Grande do Norte ..................................................... 86
IX

4.1. Contextualizando a criação das unidades de atendimento ................................... 89


4.1.1. O Instituto Padre João Maria ......................................................................... 96
4.1.2. A Granja Santana: o projeto diferenciado ..................................................... 98
4.1.3. O Centro Educacional Padre João Maria..................................................... 101
4.2. O cotidiano institucional: perspectivas de atendimento para as adolescentes
autoras de atos infracionais no Rio Grande do Norte ............................................... 106
4.2.1. A conduta “desviante”: motivos para institucionalização das adolescentes 106
4.2.2. Propostas educacionais: uma versão feminina ............................................ 113
4.2.3. Estratégias de Atendimento ......................................................................... 130
4.2.4. Normas e punição: a adolescente domesticada ........................................... 137
Considerações finais ..................................................................................................... 149
Referências ................................................................................................................... 154
Anexos .......................................................................................................................... 162
X

Lista de siglas

ANC Assembleia Nacional Constituinte


CEDUC Centro Educacional
CIAD Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNJ Conselho Nacional de Justiça
CNMP Conselho Nacional de Magistrados e Promotores
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
DEBEME Departamento do Bem-Estar do Menor
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM Fundações Estaduais para o Bem Estar do Menor
FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
FUBERN Fundação do Bem-Estar do Menor do Rio Grande do Norte
FUNDAC Fundação Estadual da Criança e do Adolescente
GPM&E Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação
IPJM Instituto Padre João Maria
LBA Legião Brasileira de Assistência
OBIJUV Observatório da População Infantojuvenil em contextos de violência
ONG Organização Não Governamental
PNAS Política Nacional de Assistência Social
PNBEM Política Nacional de Bem-Estar do Menor
SAM Serviço de Atendimento ao Menor
SERAS Secretaria de Assistência Social
SINASE Sistema Nacional de Atendimento
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
XI

Lista de tabelas

Tabela Descrição Página


1 Dados sobre os participantes da pesquisa 77
2 Propostas educacionais das unidades 126
3 As estratégias de atendimento das unidades 135
4 Descrição das medidas disciplinares das unidades de 142
atendimento
XII

Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar o atendimento destinado às adolescentes autoras

de atos infracionais no estado do Rio Grande do Norte. Por meio do método da História

Oral Temática e da análise documental, buscou-se desvelar aspectos históricos do

atendimento realizado nas unidades femininas da Fundação dos Direitos da Criança e do

Adolescente (FUNDAC), a partir das experiências de profissionais que atuaram nestas

unidades, desde o início das suas atividades. Para tanto, realizamos visitas à FUNDAC e

ao Centro Educacional Padre João Maria (CEDUC), a fim de identificar profissionais

que pudessem colaborar com o estudo, bem como documentos institucionais sobre a

rotina do atendimento. Foram encontrados oito profissionais de três unidades

identificadas: Granja Santana, Instituto Padre João Maria e CEDUC, que foram

entrevistados de acordo com um roteiro semiestruturado. A análise do material coletado

está apoiada na teoria marxiana e na perspectiva feminista da divisão sexual do trabalho.

Os resultados estão organizados em cinco eixos de análise: (1) a criação das unidades de

atendimento; (2) a conduta “desviante”: motivos para institucionalização das

adolescentes; (3) propostas educacionais: uma versão feminina; (4) estratégias de

atendimento e; (5) as normas e a punição: a adolescente domesticada. O estudo aponta

que o cometimento do ato infracional pelas adolescentes no RN tem sido associado à

conduta de suas famílias, principalmente de suas mães. Além disso, em geral, as

estratégias de atendimento, as propostas educacionais e as medidas disciplinares foram e

têm sido desenvolvidas com base na naturalização do que é o feminino. Assim, o

atendimento às adolescentes no RN, nesses trinta e cinco anos, deixou intacta a

hierarquização existente na relação social entre os sexos, reproduzindo a subordinação

das adolescentes no sistema de justiça juvenil.

Palavras-chave: adolescentes do sexo feminino; ato infracional; atendimento; sistema

socioeducativo.
XIII

Abstract

The objective of this study was to investigate the assistance for the female adolescents
perpetrators of offences in the state of Rio Grande do Norte. Through the Thematic Oral
History and Documentary Analysis methods, we sought to uncover historical aspects of
the work provided in women‟s units of the Fundação dos Direitos das Crianças e
Adolescentes (FUNDAC) [Foundation for the Rights of Children and Adolescents],
from the experiences of professionals who have worked in these units since the
beginning of their activities. For this, we made visits to FUNDAC and the Centro
Educacional Padre João Maria (CEDUC) [Educational Center Father João Maria], to
identify professionals who could participate in the study, as well as institutional
documents on routine of treatment. Eight professionals were found from three identified
units: Granja Santana, Instituto Padre João Maria and CEDUC, who were interviewed
according to a semi-structured script. The analysis of the collected material is supported
in Marxian theory and feminist perspective on the sexual division of labor. The results
are organized into five areas of analysis: (1) the creation of the service units; (2) the
deviant “behavior”: reasons for institutionalization of female adolescents; (3)
educational proposal: a female version; service strategies and; the rules and punishment:
the domesticated teenage girl. The study indicates that the commission of the offense by
the female adolescents in state of Rio Grande do Norte (RN) has been associated with
the conduct of their families, particularly their mothers. Moreover, in general, service
strategies, educational proposals, disciplinary measures were and have been developed
based on the naturalization of what is female. Therefore, the assistance to adolescent
girls in RN, those thirty-five years, left intact the existing hierarchy in social relations
between the sexes, it reproduced the subordination of female adolescents in the juvenile
justice system.

Keywords: female adolescents; offence; assistance; correctional system.


14

Introdução

Nosso objetivo neste estudo é investigar o atendimento desenvolvido no estado

do Rio Grande do Norte (RN) para adolescentes autoras de atos infracionais, desde a

criação da primeira unidade. Esta proposta surgiu no ano de 2010, a partir do contato

com estudos e vivências no Observatório da População Infantojuvenil em contextos de

violência (OBIJUV)1 e no Grupo de Pesquisa Marxismo & Educação (GPM&E)2 ,

vinculados ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte (UFRN). Nessa inserção, deparamo-nos com diversas questões relativas ao

campo da infração juvenil sob a perspectiva do gênero feminino.

Nossa experiência na monitoria da I Formação para Operadores do Sistema

Socioeducativo do estado do RN, curso promovido pelo OBIJUV nos anos de 2011 e

20123 , determinou a elaboração dos questionamentos de partida do presente trabalho.

De acordo com discursos e debates dos profissionais participantes do curso, a

ocorrência de atos infracionais femininos, na maioria das vezes, estava associada à

violência de pequeno porte e à influência de seus pais, padrastos e companheiros.

Essa situação, assim como a observação das peculiaridades na unidade de

atendimento para adolescentes autoras de atos infracionais, em Natal/RN, fez-nos

questionar, inicialmente: as infrações femininas decorrem apenas da influência de seus

pais e companheiros? As adolescentes, sem influência, não teriam a capacidade de

cometer delitos, desordem e/ou violência? De acordo com os processos culturais

empreendidos, ao longo dos tempos, não. O crime, o delito ou qualquer espécie de

1
O Observatório da População Infantojuvenil em Contextos de Violência foi implantado em agosto de
2009, tendo como objetivo contribuir com o enfrentamento à violência contra a população infantojuvenil
por meio de estudos, pesquisas e intervenções no âmbito do RN.
2
O Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação é uma base de pesquisa vinculada ao Programa de Pós -
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi implantado em
1995, com o objetivo de estudar a teoria social marxiana, congregando desde esse períod o diversos
pesquisadores, docentes e estudantes de graduação e pós -graduação.
3
Para melhor entendimento da situação do Sistema Socioeducativo Potiguar, consultar o Inquérito Civil
n. 010/2012 movido pela 21º Promotoria de Justiça da Comarca de Natal (2014).
15

desordem são considerados assuntos exclusivos dos homens. Segundo Perrot (1988), os

homens que cometem atos infracionais refletem atos viris masculinos nas “selvas das

cidades” (p. 256). No entanto, quando as mulheres desvanecem para este caminho,

diversas indagações surgem e provocam o mal-estar da sociedade em face dos atos

violentos cometido por mulheres. Impera o discurso de que, provavelmente, elas os

tenham cometido como forma de resistência contra o algoz, ou ainda, elas estariam em

situação de descontrole e imaturidade emocional.

A resistência da sociedade em face da infração feminina revela os impactos dos

preconceitos milenares contra as mulheres. Saffioti (2004) lembra-nos que a posição das

mulheres foi construída a partir dos conceitos de fragilidade e docilidade, tendo como

contrapartida a supremacia masculina. Logo, os homens são fortes e racionais e as

mulheres frágeis e emotivas, não sendo, assim, indivíduos com potenciais para atos

violentos. Na mídia, exemplos desse incômodo podem ser encontrados nas seguintes

manchetes: “uma quadrilha de meninas, é isso mesmo, uma quadrilha de meninas

[enfatiza a jornalista], vem cometendo assaltos na região metropolitana de Belo

Horizonte” (Rede Globo de Televisão, 2013); “tomara que agora elas aprendam e não

repitam mais esses atos, é muito feio para meninas, e o que mais surpreende é como

tratam com descompromisso o que acabam de cometer”, disse a jornalista, após a

tentativa frustrada de entrevistar as adolescentes, por resistência das próprias (Tribuna

do Ceará4 , 2011, 8 de junho).

Essas ocorrências nos motivaram a aprofundar o conhecimento sobre esse

campo e sobre as práticas que têm sido desenvolvidas nas unidades de atendimento para

adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas no estado do RN. Esse tema

do envolvimento de mulheres com infrações e delitos não tem ocupado a mesma

4
Barra Pesada, da Tribuna do Ceará, é um telejornal local do estado do Ceará.
16

atenção que os homens no campo das pesquisas. A situação se agrava quando se trata

das adolescentes autoras de atos infracionais (Assis & Constantino, 2001). No Brasil,

por serem minoria no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), elas

são praticamente esquecidas.

A fim de ultrapassar a marginalidade a que tem sido submetida essa temática,

bem como, o funcionamento das unidades de atendimento, nesta dissertação,

objetivamos investigar o atendimento destinado às adolescentes autoras de ato

infracional, no estado do RN, a partir da implantação da primeira unidade;

especificamente, objetivamos averiguar quais foram/são as instituições femininas para

adolescentes em conflito com a lei (antigas e atuais) no RN, e como se

configurava/configura o atendimento às adolescentes; e examinar como a posição

socialmente construída para a mulher tem impactado os modelos de atendimento.

Entendemos que é primordial avaliar quais os motivos que destinaram as

adolescentes para o cumprimento de medidas de responsabilização, as propostas

educacionais, as estratégias de atendimento e as normas e medidas de disciplinamento

desenvolvidos nas unidades ao longo da evolução legislativa da política para infância e

adolescência no Brasil e no âmbito potiguar. Ao analisarmos esses aspectos, buscamos

verificar quais os impactos, as dificuldades enfrentadas, as peculiaridades do

atendimento ao público feminino, podendo, assim, refletir, sob a ótica do gênero, sobre

os avanços e as continuidades do atendimento nas unidades norte-rio-grandenses.

Ressaltamos que, no RN, a institucionalização de crianças e adolescentes do

sexo feminino remete às primeiras ações de reestruturação da sua capital, a cidade do

Natal. No entanto, foi no ano de 1979, sob a égide da doutrina de situação irregular, que

se iniciou o atendimento específico para adolescentes com condutas envolvidas em

situações consideradas à época “antissociais”, notadamente aquelas envolvidas com o


17

uso de drogas e exploração sexual. De 1979 aos dias atuais, a Região Metropolitana de

Natal incorporou todo o serviço de atendimento às adolescentes envolvidas com

infrações do estado e, por isto, configura a maior parte do cenário que investigamos na

presente pesquisa.

Dito isso, apresentamos a estruturação dos capítulos teóricos da dissertação. O

primeiro se intitula: Papéis sociais atribuídos às mulheres: apontamentos para a

temática da infração feminina. Neste, empreendemos, inicialmente, uma breve

discussão sobre o surgimento da opressão feminina, discutindo como a tríade

patriarcado-racismo-capitalismo provoca situações de dupla discriminação às mulheres

pobres. Logo após, descrevemos como se constituíram as justificativas religiosas e

científicas sobre a subordinação feminina nas sociedades e no Brasil. O último tópico

trata especificamente do debate em torno da temática da relação do gênero feminino

com atos infracionais.

O segundo capítulo teórico da dissertação intitula-se A trajetória das políticas

para infância e adolescência no Brasil. Neste, resgatamos brevemente a história da

criança e do adolescente no Brasil, bem como discutimos os determinantes históricos

que culminaram na evolução da política para infância e adolescência.

No terceiro capítulo, descrevemos o método de História Oral Temática,

detalhando como se configurou o campo de pesquisa e a escolha dos participantes. A

partir daí, abordamos a escolha da história oral temática e a análise documental. Para

melhor entendimento desse percurso metodológico, resgatamos pontos históricos e

estratégicos que caracterizam os métodos como adequados para o objetivo da pesquisa.

E, finalmente, ressaltamos como organizamos os procedimentos de coleta e análise de

dados com base na perspectiva do materialismo histórico dialético.


18

No quarto capítulo, intitulado O atendimento para adolescentes autoras de atos

infracionais no RN, trazemos a discussão dos caminhos percorridos pela política de

assistência à infância e adolescência no estado do RN e como o atendimento às

adolescentes envolvidas com infrações foi desencadeado ao longo dos anos. Como

pontos para análise, destacamos os aspectos sobre os motivos da inserção das

adolescentes, as estratégias de atendimento, a proposta educacional, as regras e medidas

disciplinares das unidades de atendimento.

A partir dos dados analisados, o estudo aponta que os atos infracionais

cometidos pelas adolescentes no RN têm sido associados à conduta de suas famílias,

principalmente de suas mães. Além disso, em geral, as estratégias de atendimento, as

propostas educacionais e as medidas disciplinares foram e têm sido desenvolvidas com

base na naturalização do que é o feminino. Assim, o atendimento às adolescentes no

RN, nesses trinta e cinco anos, deixou intacta a hierarquização existente na relação

social entre os sexos, reproduzindo a subordinação das adolescentes no sistema de

justiça juvenil potiguar.


19

Capítulo I – Papéis sociais atribuídos às mulheres: apontamentos para

a temática da infração feminina

Não há razão para negar que mulheres e homens não ocupam posições

igualitárias nas sociedades. Desde o ano de 1997, o Relatório de Desenvolvimento

Humano5 ressalta que nenhuma sociedade trata da mesma maneira seus homens e suas

mulheres. Em meio às nossas atividades diárias, não é difícil perceber a situação

privilegiada do homem e a subjugação da mulher apresentada como algo natural.

Exemplos dessa desigualdade aparecem desde cargos e salários inferiores para mulheres

a regras morais que as definem como boas ou más (Saffioti & Almeida, 1995). Sabemos

que, mesmo após as conquistas históricas dos movimentos feministas, as desigualdades

entre os sexos se encontram latentes em pleno século XXI. Diante disso, questionamo-

nos, como se originou essa situação?

Tais questionamentos trazem à tona as reflexões de Saffioti sobre a ideologia da

“inferioridade” feminina, em que explicita: “presume-se que, originariamente, o homem

tenha dominado a mulher pela força física, via de regra esta é maior nos elementos

masculinos do que nos femininos” (Saffioti, 1987, p. 12). “Foi nas sociedades de caça e

coleta, nas quais reinava a igualdade de gênero, que os homens desfrutando de tempo

livre (a caça sendo atividade praticada uma ou duas vezes por semana) criaram sistemas

simbólicos que inferiorizaram socialmente as mulheres” (Saffioti, 2004, p. 72). Será

verdade, então, que a partir desse período, tais sistemas se operacionalizaram nas

práticas sociais e provocaram a desigualdade entre os sexos até os tempos atuais? Na

opinião de Hirata e Kergoat (2007), sim. Segundo essas autoras, as diferenças entre os

5
O Relatório pode ser encontrado no endereço eletrônico: http: www.undp.org.br Em seu sexto aspecto
referente à erradicação da pobreza, alerta-se aos países sobre a necessidade de obter a igualdade entre os
sexos, procurando privilegiar a energia e as capacidades produtivas das mulheres em todo o mundo.
20

papéis sociais atribuídos aos homens e as mulheres originaram a divisão sexual do

trabalho e consequentemente o domínio do homem sob a mulher. A relação sexual do

trabalho adapta-se às peculiaridades das diversas sociedades, mas em essência significa:

a designação prioritária dos homens a esfera produtiva e das mulheres à esfera

reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com

maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares, dentre outros). (p.

599)

Nessa perspectiva, essa forma de divisão sexual do trabalho tem dois princípios

organizadores: o princípio da separação (existem trabalhos diferentes, alguns para

homens, outros para mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem tem

mais valor do que um trabalho de mulher), a sociedade rebaixa o gênero ao sexo

biológico, reduzindo seus papéis sociais às diferenças sexuais como um destino natural

da espécie6 (Hirata & Kergoat, 2007).

Por exemplo, a educação dos filhos constitui tarefa tradicional das mulheres.

Mesmo que as mulheres desempenhem atividades remuneradas fora do ambiente

doméstico, continua a ser dela a responsabilidade do preparo educacional das crianças e

adolescentes. A naturalização deste processo é investida através dos tempos nas diversas

sociedades por fazer crer que esta atribuição, assim como todas as funções relacionadas

ao espaço doméstico, é exclusivamente das mulheres por sua capacidade natural de

reprodução (Saffioti, 1987).

Ao analisarmos a historicidade sobre a condição social da mulher nas

sociedades, percebemos que a atribuição de papéis desiguais entre os sexos deve-se à

6
Concordamos com Matthews (2003) quando destaca que o sexo opõe-se ao gênero. Segundo essa
autora, no estudo das sociedades animais, incluindo os humanos primatas, revela-se uma grande
variedade de diferenças e assimetrias entre fêmeas e machos, homens e mulheres – características
secundárias que asseguram a procriação. No entanto, as sociedades humanas supervalorizam a diferença
biológica, atribuindo aos dois sexos funções diferentes e, especialmente, hierarquizadas no corpo social
como um todo.
21

organização social ter por base a dominação ideológica do patriarcado (Saffioti, 2004)7 .

Narvaz e Koller (2006) afirmam, a partir de suas trajetórias como militantes feministas e

pesquisadoras, que os valores patriarcais se reinventam e deixam marcas através dos

tempos, sendo possível encontrar ainda suas sequelas nas organizações sociais. De

acordo com Saffioti (2004), a permanência do patriarcado persiste por esta ideologia

conseguir integrar-se a outras formas de dominação. Para autora, o sistema patriarcal

integrou-se, ao longo de sua formação, ao racismo e ao capitalismo, formando, assim,

os três esquemas básicos da dominação-exploração das mulheres que impregnam a

cultura da sociedade e na intervenção do Estado.

Em consonância, Feitosa (2012) afirma que, apesar de o patriarcado diferir entre

as culturas, aparecendo em maior ou menor grau, a supremacia masculina ditada pelos

valores patriarcais se faz presente em todas as organizações sociais. O patriarcado, o

racismo e o capitalismo são sustentados pelos mecanismos do Estado que propagam

diversas formas de discriminações através da religião, escola, meios de comunicação,

dentre outros aparatos administrativos. A perspectiva adotada por este trabalho, no

entanto, é a de que o racismo e o patriarcado tomam contornos específicos, a partir da

sua absorção pelo sistema capitalista, pois passam a se desenvolver a partir de novas

condições materiais e históricas.

O patriarcado encontra reforço na contradição capital-trabalho. O poder é

exercido por quem for homem, branco e heterossexual. Saffioti (1987) ressalta que um

nível extremo desse fenômeno diz respeito ao poder político. Para ela, em termos

simples, os homens brancos, heterossexuais, pertencentes às classes ricas “tomam as

grandes decisões que afetam a vida de um povo” (p. 47). Nessa conjuntura, a
7
O patriarcado é uma palavra antiga que, antes do século XIX, fazia referência aos dignitários da Igreja e
aos primeiros chefes de família que viveram antes e depois do dilúvio. No entanto, após o século XIX, o
conceito ressurgiu com a segunda onda do feminismo , demarcada a partir dos anos 1970 no ocidente.
Nessa perspectiva, o patriarcado designa uma formação social em que homens detê m o poder, ou ainda
significa o poder dos homens e a opressão das mulheres (Delphy, 1998).
22

participação das mulheres pode ser considerada mínima. As mulheres que chegaram aos

postos mais altos de uma república fizeram-no com o prestígio de seus companheiros

e/ou parceiros políticos. Segundo a autora, exemplos são Isabelita Perón, na Argentina,

e Corazón Aquino, nas Filipinas, e, ainda podemos acrescentar, Dilma Rousseff, no

Brasil. “A primeira por ter sido eleita vice-presidente em chapa integrada ao seu marido,

após a morte deste”. “A segunda foi eleita muito mais do que representou seu marido,

assassinado pela ditadura e Ferdinand Marcos” E a terceira foi eleita em 2010 e será

candidata à reeleição em 2014 vinculada à figura do ex-presidente Luís Inácio Lula da

Silva, seu parceiro político (p. 47). Evidentemente, tais relações não deslegitimam nem

diminuem a importância dessas conquistas políticas.

A subordinação da mulher não existe apenas no terreno político. Ela é marcante

no campo econômico e racial. Analisando a realidade brasileira, Saffioti (1987) ressalta

que, no sistema de produção capitalista, a presença da mulher é muito maior em

atividades do mercado informal de trabalho 8 .

Trata-se de setores de atividades que os capitalistas não tiveram interesse em

explorar, porque o capital busca os ramos mais rentáveis da economia, as

atividades que podem render mais lucros. Assim, quase todo o setor de emprego

doméstico está ocupado por mulheres, cuja presença é também maciça no

trabalho a domicílio, geralmente à margem trabalhista. [...] Múltiplas formas de

trabalho clandestino existem no Brasil. Elas absorvem homens e mulheres, mas

estas últimas são mais numerosas nestes tipos de trabalho. (p. 49)

Segundo Nogueira e Jacino (2013), quando abordamos aspectos da relação da

mulher no trabalho, a partir da perspectiva de um recorte racial, cabe ressaltar que as

8
Atividades não estruturadas segundo o modelo capitalista (Saffioti, 1987).
23

desigualdades são acentuadas à mulher negra. Ela é duplamente discriminada, por ser

mulher e negra (Saffioti, 1987).

As mulheres negras ingressam mais cedo e são as que saem mais tardiamente do

mercado de trabalho, são as mais afetadas pelas taxas de desemprego e/ou

discriminação salarial; independentemente de escolaridade equivalente à de

mulheres brancas, recebem salários menores. (p. 281)

De maneira geral, na conjuntura atual, tem sido lenta a superação das

desigualdades de gênero que submetem principalmente as mulheres, pobres e da cor

negra. Embora tenham ocorrido transformações nas famílias, com a entrada da mulher

no mercado de trabalho, as mulheres não foram desobrigadas dos afazeres domésticos e

dos cuidados com os filhos, persistindo a associação da responsabilidade feminina às

atividades relacionadas à limpeza da casa e à alimentação (Nogueira & Jacino, 2013).

1.1. A opressão feminina

Estudos antropológicos realizados por Muraro (1997) dão conta que as primeiras

sociedades eram coletivistas, tribais, nômades e essencialmente matrilineares. Nessas

sociedades, a organização girava em torno da figura da mãe, a partir da descendência

feminina, uma vez que desconheciam a participação masculina na reprodução. Nelas, os

papeis sexuais não eram rígidos, sendo possível encontrar tribos nas quais as relações

entre mulheres e homens eram bastante igualitárias (Narvaz & Koller, 2006).

Na organização da sobrevivência, ambos os sexos se envolviam com a coleta dos

alimentos e com o cuidado das crianças do grupo. As relações sexuais eram

casuais e não monogâmicas não tendo sido encontrado formas violentas de

relação entre machos e fêmeas. As disputas, quando ocorriam, circunscreviam-se

à luta pela sobrevivência e à disputa pelas fêmeas, geralmente entre machos


24

rivais. Tais disputas, entretanto, não tinham o objetivo de matar o macho rival,

apenas triunfar sobre ele na disputa pela fêmea e pela sobrevivência. As

sociedades matrilineares eram menos competitivas, não havendo formas

institucionalizadas de governo nem repressão à sexualidade. As mulheres

gozavam de liberdade, inclusive sexual, tendo papel importante na organização

social que ainda não separava a vida doméstica da vida pública. (Narvaz &

Koller, 2006, p. 20)

No entanto, uma vez reconhecida a participação do homem no ato da fecundação

e o surgimento da propriedade privada, essa estrutura se modifica, provocando a

substituição da organização social baseada no matriarcado pelo patriarcado (Saffioti,

2004).

No patriarcado, o homem passa a ser figura de referência nos grupos sociais,

mais do que isso, torna-se o detentor do poder de vida e de morte sob os outros

componentes da família, oprimindo todos seus membros, sobretudo, as mulheres

(Feitosa, 2012). De acordo com Engels (1984), na substituição do matriarcado pelo

patriarcado,

O homem assumiu o timão da casa; a mulher foi submetida, domesticada, feita

escrava de seu prazer e um simples instrumento de reprodução. Esta degradada

condição da mulher, tal como se manifestou, sobretudo entre os gregos dos

tempos heroicos, e mais ainda nos tempos clássicos, foi gradativamente retocada

e dissimulada, ou mesmo suavizada em alguns lugares, mas de maneira alguma

suprimida. (p. 66)

Para este autor, dois aspectos são essenciais para a consolidação do patriarcado nas

sociedades e, com isso, a opressão contra as mulheres: a monogamia e o casamento

burguês. Os grupos sociais que viviam antes livres passam a fixar e proteger suas
25

propriedades e manter relações predominantemente monogâmicas como forma de

garantir a herança dos filhos legítimos. Para tanto, o corpo e a sexualidade das mulheres

passam a ser controlados, e a divisão sexual e social do trabalho entre homens e

mulheres é estabelecida. Desse modo, se na sociedade matriarcal não havia divisão das

atividades entre os sexos, sendo todo o grupo responsável pelo sustento coletivo, na

sociedade patriarcal, os homens destinaram-se predominantemente à caça, e as mulheres

ao cultivo da terra e ao cuidado com as crianças (Narvaz & Koller, 2006).

Para Saffioti (2004), com a consolidação da organização patriarcal nas

civilizações, os homens inventaram a ideologia de dominação que tornaram as mulheres

socialmente submetidas. Segundo a historiadora Gerda Lerner, citada por Saffioti

(2004), o processo de formação do patriarcado se deu por volta do ano 3.100 a.C. e

levou dois milênios e meio para se consolidar como orientador da sociedade,

efetivando-se apenas no ano de 600 a.C. Desde então, o esquema de dominação das

mulheres pelos homens vem ocorrendo há cerca de 6.500 a 7.000 anos, impedindo a

constituição de uma sociedade igualitária (Saffioti, 2004).

Para Feitosa (2012), a razão da perpetuação dos valores patriarcais ocorre devido

ao fato de o patriarcado ainda constituir um sistema forte na sociedade como todo. Isto

é, embora haja mudanças sociais e econômicas nas sociedades, essa força adquirida ao

longo dos anos possibilita-lhe atravessar tempos e gerações (Therborn, 2006). Com

base em Therborn (2006), esse enraizamento se torna possível ao engrenar-se nas

relações sociais por meio de duas dimensões básicas:

A dominação do pai e a dominação do marido, nessa ordem. Em outras palavras,

o patriarcado refere-se às relações familiares, de geração ou conjugais – ou seja,

de modo mais claro, às relações de geração e de gênero. [...] o núcleo de poder

patriarcal se constitui, acima de tudo, no poder do pai sobre a filha e do marido


26

sobre a mulher: o poder do filho, via de regra, era uma versão suavizada daquela

sobre a filha. [...] Com relação às relações de marido e mulher, os principais

aspectos são: a presença ou ausência da assimetria sexual institucionalizada, tal

como a pologinia e as regras diferenciais para o adultério; a hierarquia do poder

marital e de representação familiar; e a heteronomia, ou seja, o dever da

obediência da mulher e o controle do marido sobre sua mobilidade, suas

decisões e seu trabalho. (Therborn, 2006, p. 29-30)

Com esse poder, os homens, por muito tempo, conseguiram dominar seus filhos,

suas mulheres e seus escravos em todos os âmbitos da vida social. De acordo com

Feitosa (2012), apesar da supremacia masculina se constituir de formas diferentes nas

diversas sociedades, é necessário entender que o valor patriarcal que atribui valores

maiores “às atividades masculinas em detrimento das femininas, se faz presente em

todas as organizações sociais” (p. 20).

1.2. Justificativas míticas, teológicas e científicas sobre a mulher

Nas primeiras organizações humanas, as mulheres carregavam significados

contraditórios, sendo considerados seres inclinados ao mal. Os mitos gregos propõem

que, na origem do Universo, as primeiras Deusas carregavam um significado dual, ora

representadas como boas, ora como más e destrutivas, cujos poderes independiam do

domínio masculino e da fecundidade (Narvaz, 2002). Nas civilizações antigas, a mulher

era considerada como objeto do mal e da fraqueza humana. Contos e mitos da

Antiguidade, aliados às concepções cristãs sobre o pecado original, disseminaram,

durante os períodos históricos, a inclinação das mulheres para fazerem o mal, e, por

isso, a necessidade do domínio masculino.

As versões sobre as posturas das primeiras mulheres criadas no mundo, segundo

lendas judaico-cristãs, dão a dimensão dessa questão. Em uma das versões originárias
27

dos textos bíblicos mais antigos, oriundos de testemunhos orais de textos rabínicos

(Narvaz, 2002), aparece a figura de Lilith, que, segundo a lenda, foi a primeira mulher

criada por Deus. Ao ser criada da mesma forma que seu companheiro, Adão, recusou-se

a submeter-se à sua dominação. Segundo Sicuteri (1985), Lilith pedia para ser

considerada igual e questionava quais as razões que justificavam submeter-se ao

domínio do homem. Outra versão, essa mais aceita por teólogos da filosofia cristã,

apresenta a primeira mulher, denominada Eva, que foi criada a partir da natureza de

Adão e, por desobedecer às regras impostas por Deus, influenciou seu companheiro a

cometer transgressão, causando, assim, o surgimento do pecado original: quando todas

as mulheres foram condenadas a sofrimentos múltiplos e perpétuos.

Tomados dessa premissa, sacerdotes católicos consolidaram essa crença e a

reproduziram na vida social (Narvaz, 2002). Em textos bíblicos, escritos por Santo

Agostinho e São Paulo, podemos notar que, para eles, as mulheres eram consideradas

seres completos, que, por serem criadas de um dos membros de Adão, necessitavam do

domínio de seres superiores, no caso, os homens. Nessas condições de incompletude, as

mulheres deveriam aceitar a inferioridade feminina como obediência a Deus pelo mal

cometido por Eva (Lima, 2002).

À medida que teólogos analisavam a existência das mulheres no mundo, mais se

justificavam práticas controvertidas e dominadoras sobre elas. De acordo com Lima

(2002), as crenças religiosas não apenas justificavam a superioridade masculina, mas

detalhavam como as mulheres deveriam se comportar para conseguir o perdão da figura

divina.

Como nos demonstra Duby e Perrot (1991), as justificativas do pensamento

cristão advogavam a discriminação diante das mulheres, com base na desobediência da

Eva judaica a Deus, quando ela proporcionou o pecado à humanidade. Segundo Lima
28

(2002), o cristianismo alimentou o processo de afastamento da participação da mulher

com os fenômenos divinos. Em trechos da Bíblia, primeira carta de Timóteo a São

Paulo citado por Lima (2002):

Não permito que a mulher ensine nem se arrogue autoridade sobre o marido,

mas permaneça em silêncio. Pois o primeiro a ser criado foi Adão, depois Eva. E

não foi Adão que se deixou iludir e sim, a mulher que enganada que incorreu em

transgressão. (p. 101)

Isso quer dizer que a dependência feminina e a dominação masculina faziam

parte dos desígnios de Deus, pois a mulher, um ser deficiente, dominada pela fraqueza

de seu caráter profano, foi criada para ser dominada pelos homens. Dessa forma, é uma

obrigação masculina e um favor ao feminino que os homens se dediquem a vigiar e

controlar o seu sexo secundário (Lima, 2002). Consonante a essa ideia, Delumenau

(1993) afirma que o homem procurou um responsável pelo sofrimento consequente da

perda do paraíso, e o encontrou na mulher, concedendo-a um status de vulnerabilidade e

fragilidade diante das tentações do mundo.

Corroborando essa discussão, Duby e Perrot (1991) demonstram que as

civilizações antigas representaram o feminino, nos mitos, como um objeto de saber

masculino. Nos discursos dos poetas, filósofos e médicos, havia a crença de que a

mulher seria um ser sem racionalização e biologicamente incompleto (Beauvoir, 1970),

precisando do homem para obter sua completude. Sob essa perspectiva, foi atribuída à

mulher, a passividade, e, na melhor das hipóteses, inferioridade, em relação ao padrão

anatômico, fisiológico e psicológico do homem (Sissa, 1993). Essa autora aponta, ainda,

que tudo que se propôs denominar de feminino, nesse período, derivava da mesma

conotação. Como ressaltava Platão (2000), na obra A República: façam as mulheres o

que fizerem não farão bem como os homens.


29

Com o advento da Idade Média, período marcado pelo domínio da Igreja,

institui-se um vínculo estreito entre as forças religiosas e as econômicas. Nesse

momento, a mulher, pelas visões dos padres, e até mesmo dos manuais da Inquisição,

associam ainda mais a figura feminina às condições negativas da sociedade. Na

concepção judaica do mundo (Lima, 2002), a má fortuna de ter nascido mulher

(Klapisch-Zuber, 1993), sua maldade, inferioridade e propensão à transgressão, são

tratadas, em São João Crisóstomo, nos escritos da Inquisição, como características de

alguém “inimiga da amizade, um mal necessário, uma tentação natural, uma calamidade

desejada, um perigo doméstico, pintada com dores suaves” (Malleus maleficarum,

citado por Lima, 2002, p. 36).

Segundo Duby e Perrot (1991), Klapisch-Zuber (1993) e Lima (2002), essa visão

de base teológica e machista permaneceu durante todo o período medieval e foi uma das

fontes centrais da análise histórica. Com o domínio espiritual sobre todos os campos,

foram asseguradas as crenças de características femininas associadas às razões

biológicas de fragilidade, o domínio da faculdade afetiva sobre as cognitivas e a

subordinação do prazer sexual à vocação materna. Nesse contexto, a mulher, vista como

naturalmente má e enganadora, deveria ser controlada, vigiada e submetida (Klapisch-

Zuber, 1993).

Influenciadas pela moral cristã, as ciências, nascidas do Renascimento até o

século XIX, mantêm as marcas dos preconceitos medievais contra as mulheres (Lima,

2002). A partir dos séculos XVII e XVIII, a Medicina e a Pedagogia insistentemente

legitimam a dominação das mulheres, por meio da contenção de seus corpos (Foucault,

1998). Para Foucault (1998), essa legitimação foi induzida por médicos e educadores,

devido à herança naturalista e científica que colocava o prazer sexual no campo da

morte e do mal.
30

Com a chegada da Idade Moderna, rompem-se as visões teológicas da figura

feminina, mas mantém-se a tese da submissão feminina. Desta vez, as explicações que

justificavam as subordinações femininas sustentam-se na cientificidade. A explicação

do universo fundamentada no saber bíblico é transferida para métodos racionais e

empíricos (Andery, Micheletto, & Pires, 2011), em que não há espaço para centralidade

em um ser divino, mas no homem, que passa a direcionar todas as explicações (Eliade,

1986).

Por outra ótica, a Modernidade e a consolidação da centralidade no saber

científico proporcionaram a liberdade de pensamento e, contraditoriamente à

legitimação da subordinação feminina, o surgimento de movimentos que puderam

questioná-la (Lima, 2002). Partindo do pressuposto de que as mulheres deveriam ser

lembradas pela história, diversos núcleos de estudos referentes às mulheres são criados

em países da Europa, nos Estados Unidos e, baseados nesses países, também no cenário

brasileiro. De acordo com Lima (2002), a partir desse período, cada vez mais

contingentes organizados de historiadores, sociólogos, antropólogos, e de outras áreas

do conhecimento, assumem caminhos de investigação sobre o gênero feminino. Assim,

alguns caminharam no sentido de investigar a história da mulher e suas condições de

vida e trabalho, outros sobre a sociedade como geradora da subordinação feminina.

Para esses estudiosos, era necessário se distanciar ao máximo das características

que impunha a mulher como um ser determinado apenas por suas condições anatômicas

e fisiológicas. Com esse propósito, iniciam a tentativa de expandir um conceito que

rejeitasse a ideia biologizante e religiosa que determinou o papel feminino no mundo,

tomando como base a premissa de que as condições de vida das mulheres consistiam no

resultado das relações sociais determinadas por cada sociedade (Scott, 1989).
31

É nesta conjuntura, por volta da década de 1960, que surge o conceito de gênero.

Abordado primeiramente pelas feministas americanas, este conceito proporcionou o

surgimento de versões sobre as diferenças nas relações entre os sexos, sobre a condição

real da mulher nas sociedades e a discrepante dominação do sexo masculino em todas as

esferas da vida em coletividade (Oarkley, 1972). A preocupação das feministas consistia

em dar visibilidade científica às pesquisas que investigavam a historicidade feminina,

fazendo com que a realidade de opressão às mulheres fosse denunciada na própria

história da humanidade (Scott, 1989). A partir desse movimento, feministas

empreenderam tempo na investigação sobre a relação social entre os sexos,

identificando como se construiu a posição social da mulher, como elas foram instruídas,

e como os aspectos da vida feminina determinavam os comportamentos subjugados aos

homens nos âmbitos da família, do trabalho e em outros campos.

No Brasil, influenciados pelo movimento sufragista9 iniciado em 1897 na

Inglaterra, discussões sobre a condição feminina e a luta pelo direito ao voto por esse

grupo social se iniciam, determinando a primeira onda feminista liderada pela bióloga

Bertha Lutz (1894-1976). Posteriormente, os movimentos que lutavam pelos direitos

das mulheres brasileiras foram se reconfigurando e caracterizando novas ondas

feministas (Pinto, 2010).

É válido ressaltar que os movimentos e alianças em prol dos direitos para

mulheres no Brasil, bem como a sua posição social, ocorreram em um terreno peculiar.

Para entendermos como as mulheres foram denominadas como sujeitos sociais na

realidade nacional, no próximo tópico se resgatará o que representou socialmente a

mulher no Brasil.
9
Segundo Pinto (2010), o sufrágio foi o primeiro movimento feminista desenvolvido no Brasil. Foi o
feminismo de tendência comportada. Liderado Bertha Lutz (1894-1976), o movimento não discutia a
inclusão das mulheres pelo objetivo da alteração das relações de gênero, mas a luta pelo voto
especificamente consistia para essas feministas como u m complemento para o bom andamento da
sociedade.
32

1.3. As sequelas patriarcais no contexto brasileiro: a criminalização da mulher

pobre

Ao remetermo-nos à historicidade do Brasil, observaremos que as relações

sociais, que submeteram negros, índios, mulheres, crianças e adolescentes ao homem

branco europeu, faz parte de um sistema mais amplo de dominação que remonta à

tentativa portuguesa de transplantar para o Brasil uma organização baseada no poder

patrimonial, de arquétipo patriarcal10 (Safiotti, 1979).

Essa tentativa, que se caracterizou como “preservação e adaptação de todo um

corpo de instituições e de padrões organizatórios-chaves, com vistas à criação de um

novo Portugal”, emergiu nas condições sociais da vida cotidiana dos colonizados

(Fernandes, 2006), e fundou, aqui, uma “colonização para subalternização” (Freyre,

1986, p. 220), provocando não apenas a colonização de terras brasileiras, mas, além

disso, a colonização de corpos, comportamentos, ações, e, sobretudo da vida dos

indivíduos.

Essas circunstâncias da colonização, como projeto europeu aristocrata e

escravocrata, apresentaram-se como elementos decisivos na vida das mulheres (Safiotti,

1979). Para as mulheres brancas, preservaram-se os conceitos de fragilidade feminina e

a procriação de filhos legítimos. Segundo Saffioti (1979), o comportamento das

mulheres brancas deveria representar exemplos de bons costumes. Não se permitia a

elas manifestar-se socialmente, pois, afinal, todos os seus comportamentos deveriam

enquadrar-se na moralidade e na obediência. Mesmo com condição social privilegiada,

10
Para Weber, o Estado Patrimonial se dá quando o príncipe organiza seu poder político sobre áreas
extrapatrimoniais e súditos políticos (Weber, citado por Silveira, 2006). Esse modelo ainda se trata de
uma face do poder patriarcal, pois o seu arquétipo possui raízes na ordem familiar, “posto que com o
crescimento de poder do governante sobre seus súditos, abarcando uma grande parcela de regiões e
conjuntos populacionais, a administração necessitou racionalizar-se e desenvolver um aparato
administrativo capaz de cobrir essa nova dimensão territorial e demográfica” (Silveira, 2006, p. 5).
33

estas mulheres não deixavam de ser vítimas de opressão social, econômica e familiar

(Cerdeira, 2004).

O papel atribuído às mulheres negras se deu de forma ainda mais destrutiva.

Além das funções que as inseriam na exploração do sistema produtivo de bens e

serviços, o uso do seu corpo por parte do senhor lhes era uma obrigação diária.

Enquanto as mulheres negras eram destinadas à exploração de força física e à supressão

dos desejos sexuais dos senhores, as mulheres brancas tinham a obrigação de cumprir as

atividades relativas aos seus papéis de esposas e mães dos filhos legítimos, não podendo

questionar a relação de seus maridos com as escravas, por sua condição feminina de

subalternidade. Essas condições eram aceitas sem grandes resistências, em virtude da

educação que recebiam em ambientes de famílias rigorosamente patriarcais. Segundo

Saffioti (1979), “documentos históricos assinalam que pela característica rígida com que

as jovens mulheres eram educadas, pela falta de instrução e pelas sucessivas

maternidades, estas se submetiam com bastante facilidade à autoridade do pai ou do

marido” (p. 168). Existiam também as mulheres brancas das classes mais pobres. Para

elas, a luta pela sobrevivência se fazia constante, afinal, como mulheres livres,

analfabetas e também invisíveis aos olhos das autoridades políticas, muitas delas sem a

presença de um marido, precisaram ocupar papéis considerados “masculinos”,

representando, assim, forças contrárias às funções estritamente femininas postas pela

sociedade da época (Dias, 1984).

Essa realidade em torno das mulheres só será alterada com o contexto da

passagem do Império para a República. De fato, não há mudança estrutural na posição

social da mulher, mas, temáticas como direito à educação, à informação e a presença em

eventos sociais para mulheres de classes mais abastardas já começam a ser discutidos. O

argumento de católicos de que a educação das mulheres fragilizaria a estrutura da


34

sociedade patriarcal é desconsiderado, a partir do processo de ruptura dos dogmas da

Igreja Católica e dos preceitos de governo do Império.

Nessa conjuntura, teóricos começaram a se opor às concepções acerca da

educação feminina, mesmo que os princípios ainda estivessem se resvalando diante da

considerada inferioridade mental da mulher. Sobre este aspecto, o filósofo Tito Lívio,

citado por Saffioti (1979), argumenta que a mulher não estava condenada à ignorância,

haja vista que a desigualdade das capacidades intelectuais entre os sexos se deve a

determinantes históricos. Assim, a solução para recuperar o “atraso mental” a que se

atribuiu à mulher estaria na promoção de sua própria educação. No entanto, na prática,

essa educação feminina não escapou dos princípios da Igreja Católica e do liberalismo.

Com a queda do regime monárquico, a República brasileira nasce num contexto

social de busca de inovações. Nesse período, surgem preocupações em torno da

adaptação das minorias para os novos tempos. Assim, marca a ruptura da instrução

oficial das amarras do catolicismo, tornando possíveis as primeiras organizações de

ensino para jovens mulheres no ensino primário e em cursos profissionalizantes. O

argumento que regia essas inovações se apoiava na seguinte problemática: se a mulher

era, desde os anos iniciais, a formadora da vida do indivíduo do sexo masculino, ela

deveria ser educada, a fim de desenvolver com eficácia o processo educacional das

crianças, especificamente do homem (Saffioti, 1979).

Em face do exposto, entendemos que a valorização da educação feminina

vinculava-se à permanência da reprodução social da valorização masculina. Apesar da

discussão em torno da necessidade da educação romper com preceitos morais da Igreja

Católica, na prática, a educação para mulheres reproduzia as concepções cristãs de

educação, certamente isso se deve ao motivo do catolicismo ter objetivos aliados aos

interesses dos oligarcas.


35

Em consonância com esse argumento, Almeida e Martins (2008) afirmam que a

educação destinada à mulher não se desprendeu dos atributos de pureza, doçura,

moralidade cristã, entre outros, incutidos pela Igreja Católica à mulher. Nessa

concepção, as mulheres, responsáveis pela beleza e bondade, deveriam reproduzir seus

comportamentos na vida social. Para isso, a educação adequada consistiria na formação

de uma sociedade mais evoluída. Essa preocupação com a instrução das mulheres

constituía parte do projeto civilizatório almejado para o país, nas primeiras décadas da

República. Com a instauração da ordem burguesa, da modernização e da higienização

no país, surge a necessidade de transformar capitais e metrópoles com hábitos mais

civilizados, similares aos modelos europeus. Nesse período, em que a mão de obra da

economia passa de escrava a livre, medidas de disciplinamento e controle são tomadas

como forma de adequar mulheres e homens, pertencentes aos extratos mais

empobrecidos11 “ao novo estado de coisas inculcando-lhes valores e formas de

comportamentos” europeus (Del Priore, 2008, p. 362).

De acordo com Del Priore (2008), essa situação direcionava também a

preocupação com a organização das famílias e de uma classe dirigente sólida, pois essas

deveriam ser “respeitosa as leis, aos costumes, as regras, e as convenções” (p. 362). Do

ponto de vista das classes empobrecidas, esperava-se cumprimento do trabalho e

disciplinamento no cotidiano. E, no que concerne às mulheres, recai grande parte de

pressões acerca do comportamento familiar e pessoal desejado que lhes garantisse

apropriada inserção na nova ordem, considerando que delas dependeria, em grande

escala, a consecução de novos propósitos.

11
Neste período de ascensão capitalista no Brasil, todos os indivíduos que não correspondessem aos
ideais do progresso, dentre eles, “mulheres, crianças, menores, vadios, vagabundos e capoeiras” são
tomados nas linhas do controle e enquadrados em ações educacionais e corretivas (Abreu & Martinez,
citado por Rizzini, 1997).
36

Neste processo de disciplinamento da nova ordem, o Código Penal, o sistema

judiciário e a ação policial se tornam os recursos primordiais para controlar e

estabelecer normas sociais para mulheres dos segmentos mais empobrecidos. Partindo

da premissa que essas mulheres tinham natural propensão à transgressão12 , toda ação

desses elementos governamentais, que constituíam um sistema coercivo, incidia nas

mulheres diversos tipos de violência e opressão. Assim, moderava-se a linguagem das

mulheres, estimulando boas maneiras e bons hábitos, reprimindo os excessos das

palavras. Esse controle era realizado de forma violenta, pois as classes dominantes

priorizavam ações punitivas e corretivas ao invés de direção intelectual ou moral

(Soihet, 2006, p. 364).

Nas últimas décadas do século XX, com a hegemonia alcançada pelo

neoliberalismo13 como ideologia prática materializada no Brasil, a vida e os

comportamentos das mulheres pobres sofrem impactos ainda mais severos. Segundo

Cohn (2000), esse contexto econômico, caracterizado por uma reorganização no cenário

social do país, provocou acirramento da desigualdade social e deterioração das

condições de trabalho e de sobrevivência. Esse fato agravou vários problemas sociais,

ocasionou diversas violações de direitos e reorganizou os papéis assumidos pelas

mulheres.

12
Lombroso e Ferrrero (2004) estudaram diversas características das mulheres que se envolviam no
cometimento de delitos, tais como: assimetria craniana e facial, mandíbula acentuada, estrabismo, dentes
irregulares, clitóris, pequenos e grandes lábios vaginais grandes, além da sexualidade exacerbada e dotada
de perversão, caracterizadas normalmente pela prática da masturbação e do lesbianismo. A quantidade
das características presentes em cada mulher determinava o tipo da anomalia (Lombroso & Ferrero,
1980). É válido ressaltar que, a depender do estigma, como é nos casos de lesbianismo, isso bastava para
a mulher ser considerada depravada ou perigosa.
13
Esse modelo, padronizado internacionalmente, tem orientado a economia dos Estados para a realização
de diversas reformas e adequações às regras internacionais , as quais correspondem à globalização do
mercado, a concretização do Estado mínimo, a desestatização da economia, o crescimento da
competitividade e das privatizações. Sobre es sa questão, Cohn (2000) alerta que o enfrentamento aos
problemas sociais, no modelo neoliberal dentro do modo de produção capitalista, tem sido feito por meio
de políticas, que, por sua vez, se dão de forma fragmentada e controvertida, as quais, na maioria das
vezes, ao invés de promover a inclusão social dos cidadãos, acabam legitimando a subalternização das
classes mais pobres.
37

Com essas condições do modo de produção capitalista, temos assistido ao

fenômeno denominado feminização da pobreza14 . De acordo com Mariano e Carloto

(2009), este termo é designado quando os impactos desiguais, gerados pela

inconsistência social da crise capitalista, têm afetado de maneira severa a vida das

mulheres pobres, destacando-se que a pobreza não tem apenas raça e idade, mas

também sexo. Apesar de estarem em condições de penúria, como vários contingentes de

homens pobres no mundo, as mulheres pobres, e especificamente as negras, compõem

as camadas de rendas mais baixas, e as maiores taxas de precarização do trabalho e

desemprego (Prá, 2001). Segundo Prá (2001), “dentre o mais de um bilhão de pessoas

da população mundial que se encontra em extrema condição de pobreza, 70% são

mulheres” (p. 177).

Nesse estado das coisas, a luta pela sobrevivência tem direcionado as mulheres a

comportamentos conhecidos como masculinos. Múltiplos são os exemplos das famílias

chefiadas por mulheres que assumem novos ramos de atividades e desempenham novos

papéis na sociedade.

O campo do cometimento de crimes ou contravenções, historicamente

masculinizado, também tem sido alterado. Ao longo dos anos, cada vez mais mulheres,

especificamente as mais jovens, têm se envolvido com a criminalidade. Embora a

quantidade de crimes seja inferior ao cometido pelos homens, é necessário ressaltar que

as mulheres em condição de miséria vêm se tornando mais vulneráveis à seleção do

sistema penal (Andrade, 2012), fazendo-nos entender que a criminalidade, apesar de ser

um fenômeno complexo, está associada à pobreza e à desigualdade social.

14
Esse termo “feminização da pobreza” surge nos anos 1970, mas, conforme afirma Lopes e Azevedo
(2006), ganha força durante a IV Conferência Mundial das Mulheres, em Beijing (China), no ano de
1995, para denunciar o aumento progressivo da pobreza entre as mulheres e dar visibilidade ao fato que
elas estão cada vez mais pobres que os homens.
38

1.4. A relação do gênero feminino com atos infracionais

Algumas pesquisas têm indicado pouco interesse dado à temática da

criminalidade feminina na sociedade (Fachinetto, 2008). Conforme Soares e Ilgefrintz

(2002), os estudos que centram suas análises na criminologia em relação ao gênero

feminino são raros e, quando existem, aparecem como capítulo secundário em obras que

privilegiam a maior incidência masculina. Para Assis e Constantino (2001), são motivos

desta ausência: a reduzida incidência feminina em comparação à masculina, a posição

social da mulher na sociedade e na família, o preconceito com as manifestações de

desajustes da mulher, e por fim, a falta de interesse público pela temática.

Para empreender uma investigação sobre essa temática, Espinoza (2004) nos

sugere considerar a categoria social controle como ponto de partida. Segundo esse

autor, tomando como base as raízes sociais em que os papéis femininos foram

configurados, não há como desconsiderar o controle como o ponto de partida nessa

questão, pois se trata de uma categoria que se efetiva antes do ingresso da mulher no

sistema penal, que permanece durante seu estágio e, ainda, persiste com a sua saída

desse sistema. Isso porque, na tentativa de a sociedade enraizada pelo patriarcado

manter os padrões sexistas reforçados pela família, torna a mulher, em específico a

pobre, alvo permanente de controle.

Exemplos disso remontam ao final do século XIX e início do XX, quando

instrumentos jurídicos (Código Penal) e policiais eram utilizados com frequência no

controle e disciplinamento das mulheres de classes populares (Del Priore, 2008). Nesse

período, juristas, policiais, médicos e educadores voltavam-se constantemente ao

discurso do controle das meninas e mulheres pertencentes às classes mais empobrecidas,

pois consideravam um elevado grau de propensão a transgressões. Para eles, desde a

infância, os hábitos e vícios ligados à pobreza, tais como: ausência da valorização do


39

casamento, da educação dos filhos, da família e da honra feminina – ocasionava o

cometimento de transgressões por essas jovens e/ou pelas mulheres adultas (Del Priore,

2008).

No caso de cometimento de infrações por mulheres e/ou jovens, o controle que

desde a infância era de responsabilidade da família é repassado para o sistema judiciário

e para as ações dos policiais, a fim de ensinar quais os reais valores femininos. Em

consonância a esse objetivo, a partir da década de 1940, reivindicações dos segmentos

do sistema judiciário e policiais começam a denunciar a necessidade da criação de

espaços de privação de liberdade exclusivos para mulheres em situações consideradas

criminosas, a fim de coibir os comportamentos inadequados. De certo, essa pretensão

não se apoiava na preocupação da construção de um espaço digno para reeducação

dessas mulheres, mas envolviam a finalidade de inculcar-lhes valores morais, de modo

que não se envolvessem com práticas criminosas. A cargo desta educação, para

reinserção social no contexto de aprisionamento das mulheres, elegeram-se as freiras.

Soares e Ilgenfritz (2002) revelam essa pretensão por parte das autoridades:

Como transformar essas “ninfomaníacas” com odor di femina, portador de um

fluido pecaminoso em mulheres dóceis, obedientes às regras da prisão,

assexuadas e trabalhadeiras? Como educá-las para reintegração social e

convertê-las em caridosas beatas, voltadas às prendas do lar, aos cuidados dos

filhos, à sexualidade humana educada para procriação e a satisfação do marido?

É necessário os ensinamentos religiosos para auxiliar nessa tarefa e entregar a

missão às profissionais do setor. (p. 57)

De acordo com Fachinetto (2008), é nesse contexto que a primeira instituição de

reclusão feminina no Brasil é criada, no ano de 1942, no Rio de Janeiro (então Distrito

Federal). Nessa instituição, o atendimento das freiras desvelava técnicas de controle,


40

cujo teor era reconduzir as mulheres ao seu destino doméstico e reprimir sua

sexualidade. Diferente dos objetivos direcionados aos homens em privação de liberdade,

essa instituição assumiu mais que a função automática de isolar, de forma que a presa

não viesse a reincidir no delito; objetivava, ainda, corrigir moralmente e controlar

socialmente a mulher que não se adequava às expectativas dos papéis de mãe e de

esposa. Nessas circunstâncias, a maioria das prisões femininas foi instalada em

conventos, com objetivo de induzir valores de passividade e submissão, bem como,

disseminar o ideal religioso de figura feminina (Espinoza, 2004).

Para Fachinetto (2008), no mundo contemporâneo, não existem mais exemplos

de instituições de privação de liberdade feminina dirigidas por organizações religiosas.

Contudo, inúmeras existem com o intuito de transformá-las em modelos tradicionais

baseados nos padrões sexistas. Segundo essa autora, isso explica o ponto limitador da

reabilitação historicamente direcionada para as mulheres, pois fracassam na busca de

ressocializar, estabelecendo apenas uma opção para o exercício do papel feminino: mãe,

esposa e dona do lar. Sobre esse aspecto, Lemgruber (1999) argumenta que essa questão

pode ser mais bem entendida a partir das distintas representações sociais do

cometimento de delitos de mulheres e homens:

A mulher é vista como transgressora da ordem em dois vieses: a) a ordem da

sociedade, b) a ordem da família – abandonando seu papel de mãe e esposa – o

papel que lhes foi destinado. E deve suportar dupla repressão: a) a privação de

liberdade de que é comum a todos os prisioneiros; b) uma vigilância rígida para

protegê-las, o que explica porque a direção de uma prisão de mulheres se sente

investida de uma missão moral. (Lemgruber, 1999, p. 100)

Nesse sentido, o encarceramento de mulheres é um sistema de atendimento

específico que, distinto da realidade masculina, tem como finalidade mediadora, além
41

da ressocialização, a reabilitação moral. É assim que se espera que essas mulheres,

consideradas infratoras e que chegam ao sistema punitivo como mães e esposas falhas,

devam ser tratadas e reorientadas para o espaço doméstico (Chies, 2008).

Evidentemente, essa preocupação também desemboca na problemática das

adolescentes autoras de ato infracional. Afinal, a presença de adolescentes como algozes

no cometimento de infrações incutiu a necessidade de propor a reeducação deste

público, para a convivência em sociedade e reabilitação moral.

Na realidade brasileira, várias foram as instituições socioassistenciais e os

educandários no cumprimento desse objetivo. No município do Natal/RN, no ano de

1955, destaca-se a popularmente conhecida como Casa das Arrependidas (atual Instituto

Bom Pastor), instituição administrada por freiras, que recebia mulheres jovens com

comportamentos divergentes dos moralmente esperados da mulher. Desse destino, essas

jovens eram obrigadas a abandonar suas casas e eram internadas, utilizando esse tempo

na aprendizagem de corte, costura, bordados, bem como atividades domésticas (Hora,

2008).

Assim, a situação das mulheres envolvidas com delitos e/ou presas não passa de

uma fotografia da mesma desigualdade retratada no espaço livre, por isso o estigma de

ser mulher e pobre acompanha as mulheres nesta situação permanentemente (Espinoza,

2004). Sobre essa perspectiva, Soihet (2006) ressalta que a conduta das mulheres das

classes populares tem sido alvo do sistema repressivo há bastante tempo. Desde a

instalação da ordem burguesa, as mulheres pobres constituíam um dos elementos

principais da lógica punitiva do Estado e, em função disso, vivenciavam os crescentes

preconceitos relativos ao seu comportamento; sua condição de classe e de gênero, fato

que ocasionava a incidência de violência (Espinoza, 2004).


42

Ao analisar a história social da infância e adolescência no Brasil, percebemos as

inúmeras referências de opressão à posição social das meninas, especialmente as pobres.

Exemplo disto são as distintas condições relativas aos padrões de socialização e hábitos

para meninas e meninos na família, na escola, nas ruas. Às crianças e adolescentes do

sexo feminino foram destinadas brincadeiras associadas às atividades domésticas e

ações estritamente vinculadas à vida privada (Minella, 2006). Inevitavelmente, essas

condições se reproduzem em diversos espaços da vida social, até mesmo nos espaços de

cumprimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade.

De acordo com Fachinetto (2008), inúmeros estudos sobre jovens das classes

populares têm demonstrado especificidades nas relações entre meninos e meninas na

vida social e que isso não ocorre de forma diferente no campo das medidas

socioeducativas15 . A virilidade como elemento norteador das ações masculinas e a

submissão da mulher que necessita da proteção deste homem viril (Fachinetto, 2008)

são elementos presentes na realidade do cumprimento de medidas socioeducativas e

também resultam do patriarcalismo na dominação-exploração de mulheres-adolescentes

(Safiotti, 2004)16 .

Fachinetto (2008), em sua pesquisa sobre o aspecto educacional/profissional –

eixo pedagógico da unidade de medidas socioeducativas ora estudada – percebeu que as

oficinas realizadas nas instituições direcionavam as adolescentes privadas de liberdade

para atividades predominantemente domésticas. No atendimento em geral, é possível

15
Em pesquisa sobre as vulnerabilidades masculinas, Silva (2013) menciona que os garotos no processo
de socialização são destinados a desenvolver habilidades assertivas “naturais ” do homem. Dentre essas,
são primordiais o alheamento aos sentimentos, a intolerância ao diferente, e a consequente incorporação
de estereótipos tradicionais , o que ocasiona a desvalorização das mulheres e a reprodução histórica de
opressão ao sexo feminino.
16
Ressaltamos que este estudo não toma como base o conceito de “gênero” como exclusivo, para tratar a
dominação em relação às mulheres ao longo dos anos. Prefere-se utilizar a categoria das relações de
gênero ou divisão sexual do trabalho sem uma ruptura com a ideologia do patriarcado, posto que, ao
adotar a ideologia do patriarcado, ao contrário da utilização do conceito de gênero, evidencia -se a
estrutura de desigualdades sociais entre os sexos e, deixa-se claro o vetor exploração-dominação discutido
por Safiotti (2004).
43

destacar marcas da posição social da mulher, das consequentes discriminações e do

controle em que se encontram as jovens em situação de privação de liberdade. Assim, as

adolescentes, além de sofrerem coerção própria do sistema penal, são afetadas

severamente pelas leis morais que as estigmatizam dentro e fora da instituição. No

capítulo a seguir discutiremos como se deu a trajetória da política para infância e

adolescência sob a perspectiva do gênero.


44

Capítulo II – A trajetória das políticas para infância e adolescência no

Brasil: perspectivas para a temática feminina no cometimento do ato

infracional

As circunstâncias da colonização no Brasil, como projeto europeu aristocrata e

escravocrata, apresentaram-se como elementos decisivos na vida das mulheres (Safiotti,

1979). O modelo político alicerçado na família patriarcal, estabelecido nas relações

políticas, reforçou a exploração das mulheres, desde sua infância, e provocou efeitos

marcantes nos papéis exercidos pelas mulheres até os dias atuais (Holanda, 2009).

Embora a estrutura da família patriarcal17 e a vida colonial não componham mais, no

século XXI, a única razão para opressão das mulheres – em virtude da reorganização

familiar marcada pelo rígido sistema de segregação do capitalismo – consequências

dessa estrutura ainda se expressam no cotidiano das jovens meninas (Narvaz & Koller,

2006).

Apesar da intensa urbanização ocorrida no final do século XIX ter fragilizado a

função dos chefes de família sobre as mulheres, não foi suficiente para sanar as formas

de exploração contra elas (Saffioti, 1979). Ao contrário, desde esse período, a ascensão

do capitalismo aliou-se às marcas patriarcais e reproduziu as formas mais elaboradas de

exploração que têm na feminização da pobreza sua pior face (Narvaz & Koller, 2006).

São exemplos as marginalizações destinadas às mulheres e meninas das classes pobres.

No histórico da assistência à infância e a adolescência no Brasil, observaremos

que coube a esse público os papéis sociais mais destrutivos na sociedade. No início do

século XX, diante dos temores em face da infância potencialmente perigosa –

17
Para Saffioti (1979), a partir do século XIX, há uma desorganização da família patriarcal. Mas, como
esse fenômeno não ocorreu uniformemente em todas as regiões do país, hoje, ainda podemos encontrar
famílias que mantêm a estrutura de bases patriarcais, submetendo mulheres desde a infância a situações
de exploração.
45

considerada resultado dos maus-hábitos da pobreza (Rizzini, 2009) – a adolescente

pobre frequentemente foi apontada como um ser de elevada propensão a transgressões

(Abreu, 2008).

É baseado nessa premissa que, nos primeiros vinte anos da República no Brasil,

médicos e educadores apontam a necessidade de educar a infância e a adolescência, a

fim de evitar comportamentos inadequados para a civilização do país. Nesse mesmo

momento, juristas criam uma legislação especial para menores de idade, para correção

dos desvios do comportamento das crianças, com base numa legislação específica.

Segundo Rizzini (2009), a mudança do regime político, a força do movimento

internacional de reforma penal, o novo Código Penal e a revisão constitucional de 1891,

puseram os chamados “menores” no foco de intervenção e desembocaram, no ano de

1927, no primeiro Código específico para adolescentes (Rizzini, 1993).

A criação do Código de Menores (1927), e toda a preocupação dos juristas em

torno dos “menores”18 , justificou a criação de recolhimentos, educandários e centros de

internação para as jovens que cometessem comportamentos inadequados aos

socialmente esperados, tais como: comportamentos considerados masculinos,

envolvimento sexual anterior ao casamento, uso de drogas e prática da “prostituição”19 .

Nas instituições desse período, o discurso se baseava em uma proposta de

tratamento jurídico diferenciado, pela necessidade de propostas educacionais aos

“menores delinquentes”, inspirados nos discursos internacionais. No entanto, esse

tratamento, que marcará o final do século XIX e o século XX, não ultrapassará os

significados da posição social das mulheres, herdados pelas sociedades europeias. Ao

contrário, “valores como o casamento, a educação dos filhos, o cuidado com a família e
18
A categoria menor relaciona-se, neste período, independente do sexo, a meninas e meninos que estavam
em situação de abandono e/ou de delinquência.
19
Ressaltamos que atualmente este termo refere-se apenas aos maiores de idade, no caso de crianças e
adolescentes utiliza-se o termo de exploração sexual.
46

a honra feminina serão defendidos na prática pedagógica a fim de delimitar seu campo

de exercício na sociedade e ensinar-lhes requisitos importantes para submissão” (Abreu,

2008, p. 305).

Na trajetória do histórico da política de assistência à infância e adolescência,

vemos que, dentre as variações das práticas sociais direcionadas à infância, a

institucionalização tem sido uma saída bastante disseminada. Para entendermos como se

estruturaram as fases desse percurso, vejamos como se organizou historicamente.

Ressaltamos ainda que os períodos a seguir não podem ser considerados sucessivos,

pois resquícios de modelos antigos ainda predominam nos serviços, como

apresentaremos nos próximos capítulos que descrevem os dados obtidos a partir da

pesquisa realizada.

2.1. O abandono da infância – modelo caritativo

Na seção anterior, dissemos que o desenvolvimento do período colonial no

Brasil se organizou na tentativa de transportar todo arcabouço ideológico e político

disseminado em Portugal20 . Partindo dessa perspectiva, entendemos que as intervenções

destinadas aos colonizados nas terras brasileiras seguiram determinações de Portugal,

aplicadas por meio da burocracia, dos representantes da Corte e da Igreja Católica.

Essas intervenções puseram os interesses de Portugal e os da Igreja Católica no mesmo

processo21 . Portanto, a necessidade de povoamento, de enriquecimento econômico e de

disseminação da cultura europeia entre os colonizados fizeram com que a população

infantojuvenil se tornasse o foco das atenções (Rizzini & Pilotti, 2009).

20
Para maior aprofundamento, consultar Farao (1958), Freyre (1986) e Holanda (2009).
21
Os interesses de Portugal e da Igreja Católica se encontravam no mesmo patamar. Segundo Freyre
(1986), era de interesse das duas partes o povoamento para exploração das riquezas existentes e a
aculturação dos costumes europeus para facilitar a colonização.
47

Não à toa, fora com a vinda dos padres jesuítas à colônia portuguesa que as

crianças foram eleitas como ponto de partida na catequização dos indígenas. Para os

jesuítas, as crianças, diferentemente dos índios adultos, eram consideradas seres mais

acessíveis (Marcílio, 2006). As crianças demonstravam serem as melhores opções para

o adestramento colonial por serem denominados como “bons línguas”, “bons espelhos”

e, ainda, tábulas rasas, passíveis da retenção de quaisquer conhecimentos que lhes

fossem conferidos (Arantes, 2009, p. 166). Segundo Marcílio (2006), foi com o desígnio

de educar essas crianças, afastando-as dos considerados maus costumes de seus pais,

que, entre os anos de 1550 e 1553, foram criados os primeiros projetos de

institucionalização da criança no Brasil: as Casas dos Muchachos – abrigos e internatos

para catequização dos índios, custeados pela Coroa Portuguesa.

Nas Casas dos Muchachos, os jesuítas pretendiam depositar nas crianças

afastadas deliberadamente de suas famílias os moldes teocráticos. Na verdade, com a

necessidade de muitos braços para trabalhar na colônia, e o considerável número de

índios, o trabalho nessas instituições visava à imposição da educação para a submissão,

a fim de facilitar a colonização (Marcílio, 2006). Nessas instituições, as crianças

indígenas somavam o maior número de educandos da Companhia de Jesus, mas não

havia apenas elas. Com a demanda de crianças abandonadas, expostas e enjeitadas

encaminhadas de Portugal à Colônia, os padres jesuítas passam a também recebê-las nas

Casas dos Muchachos (Alves, 2001). Igualmente aos pequenos índios, o trabalho volta-

se à assistência pela religião, a fim de compor “um grande „exército de Jesus‟ e sair

pelas matas e sertões pregando a palavra de Deus” (Marcílio, 2006, p. 26).


48

De certo, o trabalho dos padres jesuítas não consistia preocupação com as

crianças portuguesas abandonadas e enjeitadas na colônia 22 . O abandono e a rejeição de

crianças, natural na Europa, foi introduzido na América por consequência das

exigências da configuração da família monogâmica, indissolúvel e patriarcal23

(Marcílio, 2006). Na realidade, nesse período, que compreendeu os séculos XVI a

XVIII, não havia preocupação com o futuro ou até mesmo a sobrevivência dessas

crianças.

A visibilidade desse fenômeno – o abandono de crianças nas ruas, nas portas das

igrejas, nos conventos, nas instituições de caridade, nas portas de residências dos

grandes centros urbanos – o tornará preocupação do Rei de Portugal apenas a partir do

século XVIII. As dificuldades para adequação da família patriarcal aliada às situações

de miséria, exploração e marginalização da colônia resultaram no crescimento

expressivo de pobres e “desclassificados”, provocando, por sua vez, o abandono de

crianças como o primeiro problema relacionado à infância (Arantes, 2009).

O crescimento de crianças descartadas como objeto, que acabavam por ter como

única sorte a moradia e a esmola nas ruas, muitas das vezes, provocavam a morte por

fome e/ou por exposição às situações de insalubridade dos grandes centros urbanos

(Marcílio, 2006). Entregues a essa sorte, as crianças, na maioria das vezes, eram

devoradas por cães, porcos, dentre outros animais (Orlandi, 1985). Com o abuso dessa

situação, no ano de 1726, o Rei chega a propor duas medidas para a solução: a

22
Conforme Trindade (1999, p. 3), “a lógica do abandono passa pelo rigor do termo e sua
contextualização. No Brasil, desde a colônia até a crise do império, no final do século XIX, a criança
abandonada era tratada pelos termos „expostos‟ e „enjeitados‟. Esses termos correspondiam ao tipo de
abandono mais comum para o período, qual seja, o de recém-nascidos, e se consubstanciavam nas
práticas de enjeitar as crianças expondo-as em locais onde seriam, muito provavelmente, recolhidas. Os
locais mais comuns eram as igrejas e conventos e, mais tarde, as rodas dos expostos”.
23
Os filhos de relações extraconjugais não eram aceitos pela Igreja Católica, pois maculava a imagem da
família cristã.
49

distribuição de esmolas nas ruas e o recolhimento dos expostos em asilos (Marcílio,

2006).

Era convicção do Rei de Portugal que a solução para infância moradora de rua se

solucionaria na composição de serviço hospitalar e caridade social como uma única

instituição (Alves, 2001). Foi a partir dessas determinações que, no Brasil, à luz das

experiências de instituições de recolhimento já existentes em países como Portugal,

França e Itália, surgiram as primeiras instituições destinadas a proteger as crianças em

situação de abandono no século XVIII: as Santas Casas de Misericórdia 24 . Três Santas

Casas de Misericórdia foram implantadas nas cidades do Rio de Janeiro (1738),

Salvador (1776) e Recife (1789).

As constituições das Santas Casas da Misericórdia, no período colonial,

precedem o que será denominado de assistência à infância no Brasil (Arantes, 2009). De

caráter caritativo, a motivação dessas instituições era a assistência pelo amor a Deus

e/ou motivos associados às obras da Igreja (Alves, 2001). Nessas instituições, as

crianças expostas e/ou enjeitadas eram colocadas numa espécie de engrenagem

giratória, que permitia a ocultação de sua origem e anonimato do indivíduo que a

encaminhou a esse acaso. Desse destino, as crianças que eram rejeitadas nas Rodas

Giratórias eram alimentadas por amas de leite alugadas e também entregues às famílias

mediante pensões25 . Na instituição, a criança ficava na condição de órfã até sete anos

24
Instituição de caráter religioso que, segundo o governo da Corte, poderia arcar com a assistência dessas
crianças com o apoio dos recursos provenientes de esmolas e doações d os senhores ricos da sociedade
(Alves, 2001). Para Costa (1993), assim se demarcou o início da assistência à infância, a partir,
especificamente, da omissão do Estado com relação aos seus deveres e obrigações para com os grupos
mais vulneráveis do nosso povo.
25
A assistência à infância seguia as determinações de Portugal, aplicadas por meio da burocracia, dos
representantes da Corte e da Igreja Católica. Formalmente, era de responsabilidade das câmaras
municipais encontrar meios de proteger essas crianças sem famílias, sendo obrigadas a lhes destinar um
sexto de seus recursos. Como essa função era exercida de forma negligenciada, limitava -se a pagar
quantias irrisórias às amas de leite para amamentar e criar essas crianças ou as destinava aos serviços de
proteção, sobretudo, às Santas Casas de Misericórdia (Marcílio, 2006).
50

completos26 , e, a partir disso, passavam a ficar à mercê da determinação do destino que

lhes seria determinado pelo juiz (Rizzini, 2009). Na maioria das vezes, essas crianças

eram destinadas ao trabalho desde pequenas (Rizzini & Pilotti, 2009).

A utilização desse tipo de engrenagem das Casas da Misericórdia ainda:

permitia a manutenção do ocultamento da origem social da criança que resultava

de amores ilícitos. [...] Os espaços destinados a acolher crianças visavam, num

primeiro momento, absorver os frutos de tais uniões. [...] Com o passar do tempo

essas instituições passaram a ser utilizadas também por outros motivos [...]. A

Casa dos expostos, Depósito dos Expostos e Casa da Roda eram designações

correntes no Brasil para os asilos de menores abandonados. (Gonçalves, 1987, p.

37-38)

Dentro dessas instituições, foram evidentes as diferenças no trato de crianças

negras e brancas e entre as crianças e adolescentes de sexo feminino e masculino. No

que se refere à distinção social entre os sexos, deve-se destacar o número superior de

crianças do sexo feminino entregues ao abandono nas instituições (Trindade, 1999). Isso

implica dizer que, especialmente a partir de meados século XIX, já no período Imperial,

momento de grandes transformações ideológicas, sociais e políticas e de entrada maciça

do capitalismo industrial no Brasil (Rizzini, 2009), a menina, que sofre desde o

nascimento a opressão da desigualdade entre os sexos, não consistirá um produto

lucrativo como os meninos27 e, por esse motivo, é descartada em maior quantidade no

recolhimento, para que seja preparada nas artes domésticas – defendida pelo poder dos

homens como única função do sexo feminino na sociedade (Safiotti, 1987).

26
De acordo com o Alvará de 1775, assim que as crianças completassem sete anos, o Hospital e/ou a
Casa da Misericórdia ficaria desobrigado da criação, podendo os juízes (de órfãos), a partir daí, distribuí-
los pelas casas que quisessem.
27
Nesse período, ascensão do capitalismo industrial, os meninos, órfãos, pobres, vagabundos, mendigos
de rua, eram encaminhados às escolas de formação industrial ou agrícola, ou a instituições militares –
com vistas à preparação de braços de exploração para o trabalho (Faleiros, citado por Rizzini & Pilotti,
2009).
51

Nesse período, ainda que essas transformações multifacetadas tenham

desintegrado o modelo patriarcal rural – base da formação da vida social brasileira, as

gêneses das condições autoritárias sobre a condição feminina aliar-se-ão ao capitalismo

e reproduzirão as formas mais elaboradas de patriarcado, provocando ainda mais a

subalternização das mulheres, como denominou Narvaz e Koller (2006). No triunfo do

capitalismo, nos finais do século XIX, a infância, especialmente a pobre, ícone central

nas discussões dos novos rumos para formação do Estado Nacional28 , será alvo de

intervenções que reforçarão as polarizações entre os sexos e as discriminações de

crianças e adolescentes do sexo feminino pobres – por reconhecerem nelas possível

potencial a transgressões das regras educacionais adequadas às mulheres (Abreu, 2008).

Com vistas a abranger essas concepções, prevenir que as meninas abandonadas

e/ou enjeitadas não obtivessem comportamentos não hegemônicos à condição feminina

e dar-lhes destinos viáveis à submissão, alguns recolhimentos, asilos e conventos foram

criados.

Nesse período, auge da criação de inúmeras dessas instituições, o objetivo era

incutir ações voltadas para prevenção e regeneração de crianças e adolescentes, ou seja,

uma conveniente educação moral para este público (Rizzini & Pilotti, 2009). Exemplos

podem ser demonstrados na criação de casas específicas para o gênero feminino na

cidade do Rio de Janeiro, a partir do ano de 1740 (Arantes, 2009):

na época do Provedor Manoel Corrêa Vasques, foi inaugurado o Recolhimento

das órfãs da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, em 15 de setembro

de 1740, a partir de doações de 50.000 cruzados feita pelo Capitão Francisco dos

Santos e Marçal de Magalhães Lima. O Recolhimento funcionou em

28
Em 11 de setembro de 1896, o Senador Lopes Trovão proferia: “Temos uma pátria a reconstruir, uma
nação a firmar, um povo a fazer... e para empreender essa tarefa, que elemento mais dúctil e mo ldável a
trabalhar do que a infância?!” (Rizzini, 2009).
52

estabelecimento anexo ao hospital Geral da Santa Casa até o ano de 1842. Por

decreto de 14 de março de 1852, foi criado por D. Pedro II o recolhimento de

Santa Thereza, destinado a meninas desvalidas, ficando também sob a

administração da Santa Casa do Rio de Janeiro. Em 1866, os dois recolhimentos

passaram a funcionar no prédio destinado ao Recolhimento das desvalidas de

Santa Thereza. (Arantes, 2009, p. 177)

No final do século XIX e início do século XX, preocupados com a ineficácia do

atendimento nas instituições e a alta mortalidade infantil, diversos profissionais, em

especial os médicos higienistas, destinam-se a analisar e intervir na assistência à

infância. Várias propostas vão formalizar os cuidados adequados à infância –

movimento que será reconhecido mais tarde como assistência filantrópica, muitas

instituições vão sofrer insistentes denúncias, em que pese à falta de organização, ordem

e método na prática de atendimento (Rizzini, 1993).

Nesse período, constituiu destino às crianças e adolescentes do sexo feminino o

recolhimento pelas instituições religiosas. O atendimento nas casas de recolhimento de

acordo com cor e filiação (legítima e ilegítima) demarcou o papel e a posição que

deveria ser exercido pela criança na sociedade. Meninas negras e brancas geralmente

eram destinadas a desenvolver as artes domésticas – difundida historicamente como a

única função do sexo feminino. Todavia, ao passo que crianças e adolescentes de cor

branca eram direcionadas para o casamento, as negras tendiam a ser encaminhadas para

empregos domésticos (Faleiros, 2009).

2.2. A salvação da infância: o modelo filantrópico

Da metade do século XIX ao início do século XX, o Brasil vivenciou um

momento de grandes transformações sociais e econômicas. As mazelas resultantes da


53

aglomeração da pobreza urbana29 e as consequências desse fenômeno na moralidade das

famílias se tornara tema essencial da formação dos habitantes do país (Abreu &

Martinez, 1997). O período em pauta demarcava o início da República e, para os grupos

elitizados, assim como para os representantes do governo, esse momento significava a

busca do progresso e da civilidade, sendo necessário realizar um conjunto de

reordenações para construção de uma nação aos moldes internacionais (Rizzini, 1993).

A preocupação centrava-se na formação de uma sociedade com indivíduos úteis

e adaptados aos ensejos do Estado. Esse momento foi caracterizado por intensos debates

sobre a implantação de uma rede de instituições públicas e particulares de educação,

assistência, abrigos e/ou asilamentos dos indivíduos em geral (Schueler, 1999).

Com propósitos bem definidos para a normalização da sociedade, o Estado

pretendia se responsabilizar mais efetivamente pelos encaminhamentos a serem dados à

população, em especial a mais pobre. Isso porque, considerada a pobreza o fio condutor

dos fatores que impediam o progresso do país, havia a necessidade da criação de

diversas instituições formativas para a solução desse problema. Então, foram criadas

escolas elementares, secundárias, superiores, bem como asilos e internatos com cunho

educacional baseados nos ideais da construção de uma nação forte (Schueler, 1999).

É nessa empreitada nacional que os focos se direcionaram à infância pobre.

Diante das transformações vivenciadas no país, os debates políticos apontavam a

necessidade de salvar a infância e sanar os problemas que provocavam o fenômeno da

infância desvalida e/ou em situação de delinquência. A infância e os problemas que

estariam em torno dela deveriam ser vistos como uma questão pública (Viegas, 2007).

Isto é, fazia-se essencial intervir nas Casas de Misericórdias e outras instituições de

29
Ocasionadas pela grande quantidade de homens, mulheres, crianças e adolescentes sem condições de
sobrevivência, após a extinção do sistema escravagista no ano de 1988, e pela entrada do sistema
econômico capitalista (Abreu & Martinez, 1997; Rizzini, 2009).
54

beneficência privada, em função de transformá-las em institutos a serviço do poder

público (Marcílio, 2006), de modo que passassem a funcionar educacionalmente

alinhadas aos ideais do progresso.

Embora não fosse objetivo dos dispositivos públicos ocupar-se do trabalho

prático das instituições que atendiam crianças e adolescentes, normalmente baseadas em

princípios da caridade oficial – solidariedade humana e o sentimento humanitário –, os

embates entre políticos e intelectuais apontavam o dever do serviço público de propor

uma assistência pública de modo reelaborado, a fim de atender às transformações de um

país em busca de civilização. Dessa forma, a assistência pública para a solução dos

problemas em torno da população infantojuvenil deveria consistir em um sistema

objetivo com intuitos organizados, efetivos e bem definidos (Schueler, 1999). Para o

governo brasileiro, a causa da infância deveria ser uma questão de ordem pública e

administrativa, mas isso não incidiria na substituição das obras de caridade já existentes.

Nessas circunstâncias, de acordo com Rizzini (1993), a infância e a adolescência

foram enquadradas numa espécie de “esquadrinhamento social”:

quando notadamente haverá a busca do Estado pela a normalização e adequação

à sociedade toda daquela população que se encontra a margem da produção,

como: a pobreza ociosa, composta por vagabundos, desempregados, loucos,

doentes, mendigos, menores abandonados e delinquentes. (Rizzini, 1993, p. 36)

Nesse contexto, as crianças e os adolescentes se tornaram alvo dos

conhecimentos de médicos sobre higiene, controle e prevenção de epidemias

infectocontagiosas (Rizzini, 2009). Para esses médicos, as condições de crianças e

adolescentes no seio das famílias pobres, em especial as institucionalizadas em asilos,

abrigos e recolhimentos, representavam um perigo real ao progresso do país e

necessitavam urgentemente de intervenção (Arantes, 2009). Para eles, essa intervenção


55

apenas surtiria efeito na sociedade em geral se fossem tomadas um conjunto de medidas

normalizadoras, a partir do próprio comportamento dessas famílias (Rizzini, 2009).

Em consonância aos discursos políticos do momento, os médicos higienistas se

dirigiam a essa população, por considerarem esses seres indivíduos dóceis e de fácil

moldagem. Como a esses seres pesava o futuro da nação, cabia aos médicos higienistas

a orientação adequada e os limites para crianças e adolescentes (Rizzini, 2009).

Para o convincente discurso médico-higienista, inspirado no ideal revolucionário

e racionalista e humanista da medicina francesa, os altos índices de mortalidade

infantil, as péssimas condições de saúde dos adultos atestavam de forma

eloquente a incapacidade da família na preservação da vida de seus membros.

(Muricy, 1988, p. 32)

As famílias pertencentes às classes mais empobrecidas condenavam o futuro de

seus membros, por serem raças inferiores, indisciplinadas, preguiçosas e incapazes de

criar seus filhos (Rizzini, 1997). Na tentativa de reverter esse quadro, defendia-se a

necessidade de orientar e educar as mães com relação aos cuidados aos membros

infantis, para garantir, no futuro, adultos ordeiros, saudáveis e fortes para o trabalho

(Faleiros, 2009). Nessas circunstâncias, os médicos voltaram-se às mães, por meio de

palestras e campanhas que disseminavam cuidados e orientações à infância desde os

primeiros anos.

A realidade dos asilos, recolhimentos e abrigos consistirá também o foco de

intervenção desses médicos. Esse interesse surge quando se intensificam denúncias

sobre os altos índices de mortalidade e as condições de insalubridade que estavam

submetidas nessas instituições. Esses profissionais alegavam que as realidades das

Santas Casas da Misericórdia, Rodas dos Expostos e as outras diversas instituições

criadas no período Imperial não consistiam ambientes adequados para o


56

desenvolvimento higiênico e moral (Rizzini, 2009). Nos discursos empreendidos por

eles, a realidade de meninas convivendo nas mesmas instituições que acolhiam

mulheres que se prostituíam, chocavam-lhes (Madeira, 2008), ou seja, a realidade

desses espaços estava distante de formar, no futuro, mulheres adequadas para a

sociedade (Rizzini, 2009). Ao contrário, o trabalho nessas instituições desenvolvia

atendimentos com carência e sem orientação alguma no trato com esse público. Para

reverter essa situação, os médicos defendiam que os fenômenos em torno das crianças e

de adolescentes desvalidas e “delinquentes” deveriam ser estudados, reconhecidos e

controlados, de modo que propulsionassem cidadãs normalizadas para o país.

O que estava em jogo era o progresso do país, e, para os médicos, representantes

políticos e outros profissionais, era primordial a formação do povo brasileiro desde a

infância. Evidentemente, aos olhos dos grupos dominantes, a infância pertencente aos

extratos mais pobres constituía seres com potenciais maus-hábitos, oriundos da pobreza.

A alegação das intervenções médicas nas instituições seguia a discussão sobre

melhoramento das raças.

Esse direcionamento foi campo fértil para influências teóricas da sociedade

europeia, em particular, nas ideias do francês Francis Galton. As medidas disciplinares

descritas com detalhamento por Galton para o melhoramento das raças embasavam e

ganhavam destaque nos países que buscavam modificar a formação social das raças

consideradas inferiores, e não foi diferente no Brasil (Silva, 1999). De acordo com Silva

(1999), Galton explicava que se, desde os anos iniciais, a criança fosse educada de

acordo com pelo menos duas medidas disciplinares, certamente ocorreria o

melhoramento das raças e progresso. A primeira delas tratava-se da disciplina do tempo,

como diversas formas de fiscalização (tempo de acordar, brincar, estudar, comer), e a


57

segunda referia-se à disciplina trabalhista (atendendo ao projeto de construção de

adultos acostumados com o mundo do trabalho).

Embasados nessas orientações, os médicos começam a disseminar intervenções,

a fim de evitar comportamentos considerados inadequados para uma sociedade

normalizada. Na prática, meninas e meninos que estivessem em situação de abandono

ou estavam longe do controle das famílias ameaçava a ordem do país, e, por isso,

viravam objeto de intervenção (Rizzini & Pilotti, 2009). Dentre as inúmeras

reordenações na vida social dos brasileiros pobres, os higienistas se organizaram a fim

de controlar desde os índices de gestação até a orientação na criação de crianças e dos

adolescentes (Rizzini, 2009).

Nesta fase de assistência à infância e adolescência higiênica e filantrópica, os

ideais médicos que objetivavam a purificação da raça brasileira focaram nas mulheres e

nas crianças o controle das ações e dos comportamentos da sociedade. Não à toa, a

preocupação com o disciplinamento da infância surgirá como destaque nos debates

sobre o controle da sexualidade.

De acordo com César (2009), apoiados pelos valores cristãos da Igreja Católica,

desde o início do século XIX, a higienização sexual dos mais jovens já era preocupação

dos médicos e educadores. No cotidiano das escolas, asilos, internatos, recolhimentos,

dentre outros – todas as instituições que se direcionavam a educar a infância – era

essencial reproduzir o disciplinamento em torno da sexualidade, por meio de

pressupostos eugênicos, para interesse da purificação das raças e reprodução das

diferenças entre os sexos feminino e masculino.

Se relacionarmos como se caracterizou a assistência à infância feminina nas

instituições desse período, observamos que a preocupação com esse público não passa

do que César (2009) denominou de educação para o exercício do “sexo bem educado”.
58

Sob os auspícios das teorias científicas tão defendidas nesta passagem do século XIX

para o século XX, proteger e salvar a infância feminina era promover práticas que

reforçassem as expectativas do papel da mulher (Moreno & Saraiva, 2006).

Sobre esse aspecto, Pereira (2006) aponta que a responsabilidade do futuro

promissor do país não recai apenas à infância, como categoria geral, mas sim às

mulheres, desde meninas, por serem elas as geradoras e as primeiras agentes protetoras

e educacionais das crianças. Com isso, a imagem de maternidade como destino

feminino se reforça, e as práticas que fundamentam a repressão aos comportamentos

inadequados para meninas nas instituições são reproduzidos.

De acordo com Nóbrega e Mariano (2009), a realidade da Santa Casa da Paraíba

do Norte retrata bem a concepção ressaltada 30 . Nessa instituição, assim como outras

direcionadas para assistência a crianças e adolescentes do sexo feminino, o objetivo foi

sempre baseado em ofícios que as preparassem para as atividades de costura, confecção

de bordados e para o casamento. Para que não houvesse nenhum tipo de desordem à

disciplina, o funcionamento ocorria por meio de um rígido sistema de controle das

ações das meninas. Para esses autores, a preocupação com as meninas, diferente dos

meninos, era maior, por elas serem alvo de pessoas do ramo da prostituição.

No contexto da referida instituição, em documentos trocados por seus diretores,

mulheres e homens esperavam as meninas saírem das instituições para assim acolherem

e encaminharem para a prática da prostituição. Na tentativa de coibir essas práticas,

como discurso de proteção da vida das meninas, em alguns casos, as freiras e os padres

(geralmente diretores e formadores dessas instituições) chegavam a oferecer até dotes

para o casamento (Nóbrega & Mariano, 2009).

30
Instituição que funcionou na Igreja da Misericórdia da Paraíba do Norte, no atual estado da Paraíba na
região nordeste do país.
59

A criação e pedagogia utilizadas pelas Casas de Caridade do Padre Ibiapina 31 nos

permite entender as particularidades do atendimento às meninas (Madeira, 2008):

Em geral, sua atenção voltava-se particularmente para a construção de abrigos

que se propusessem a educar, sustentar e casar as órfãs desamparadas, acolher

crianças rejeitadas, amparar e ocupar mulheres consideradas perdidas. As Casas

deveriam, portanto, tornar-se um lugar de formação feminina, com base na

moral cristã e no trabalho, com vistas à purificação do corpo e,

conseqüentemente, da alma. Com esse intuito, elas eram confinadas aos limites

das Casas, sob as vistas de “irmãs superiores” e “irmãs mestras”, para evitar o

contato com o mundo, entendido como espaço da ociosidade e de extravio do

espírito. (p. 27-28)

Segundo Madeira (2008), a ideia era proteger a infância e adolescência feminina

de qualquer má influência. Com base na moral cristã e no trabalho, o funcionamento

nessa instituição tinha finalidade central de evitar ociosidade. Para tanto, ao trabalhar

com meninas, recomendava-se severidade contra o riso e contra as conversas além do

necessário, pois o caminho da honestidade, da decência e da vida simples, constituía o

modo certo de vivência para mulheres.

No que se refere ao refinamento dos modos, aconselhava a todas que fossem

fiéis, pontuais, falassem baixo e com poucas palavras; não abrissem ou

fechassem portas com ruídos, pois era tido como sinal de má educação; que as

beatas não fossem curiosas e evitassem familiaridades e amizades particulares

com as meninas; que estas não fizessem sozinhas aquilo que não se animariam a

fazer diante das superioras. (Madeira, 2008, p. 100)

31
De acordo com Madeira (2008), as Casas de Caridade do Padre Ibiapina foram criadas no final do
século XIX , nos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
60

A formação da menina não ultrapassava os limites que a destinava para ser boa

mãe e esposa. Para Ribeiro Neto (2009), outro exemplo que evidencia essa questão

refere-se ao relatório encaminhado ao Bispo de Niterói/RJ pelo provedor Capitão José

Fernandes Garrido sobre as atividades a serem aprendidas pelas meninas atendidas no

Educandário Nossa Senhora da Paraíba do Sul32 .

Aprendam a lavar, engomar, cozinhar, exercitam-se em todos os trabalhos

domésticos próprios de uma boa mãe de família. Tanto nos estudos como nos

trabalhos manuaes as asyladas estão sempre sob a vigilância de uma das Irmãs

de Caridade. (Ribeiro Neto, 2009, p. 9)33

Nas instituições de atendimento às meninas desvalidas e órfãs, a disciplina a

favor dos bons modos e o controle sobre a sexualidade refletia a moral cristã católica e

as marcas da ideologia patriarcal, fundadas no Brasil desde a colonização. Aos moldes

europeus, recomendava-se à menina a preservação dos bons costumes e os cuidados

com a higiene (Madeira, 2008). Segundo Marcílio (2006), essas instituições, por

exemplo, as Santas Casas da Misericórdia e as Rodas dos Expostos, que persistiram até

o início do século XX, não tinham propostas educacionais sistematizadas; o que

fundava o trabalho dessas instituições era o desejo de tirar as órfãs, desvalidas, expostas

das situações de ócio e direcioná-las ao aos bons costumes morais e ao mercado de

trabalho.

Com a chegada dos conhecimentos higiênicos dos médicos, os atendimentos e o

cotidiano dessas instituições para meninas começam a ser questionados. Médicos,

educadores e intelectuais questionavam sobre a realidade de algumas instituições que

32
O Educandário Nossa Senhora da Paraíba do Sul foi fundado no dia 4 de abril de 1883, com verba
testamentária de Dona Mariana Claudina Pereira de Carvalho, Condessa do Rio Novo. Ela determinou
que se fundasse uma casa de caridade, que deveria ser dirigida pela Irmandade Nossa Senhora da Piedade.
A Paraíba do Sul era a denominação do atual município do Rio de Janeiro (Ribeiro Neto, 2009).
33
Citação referente à Resolução de 28 de Junho de 1895. Relatório apresentado ao Bispo de Niterói pelo
provedor Capitão José Fernandes Garrido (1895, p. 86, citado por Ribeiro Neto, 2009).
61

mantinham meninas órfãs e desvalidas nos mesmos cômodos das mulheres de má

reputação34 . Eles preocupavam-se com os maus ensinamentos que poderiam ocorrer

com a influência de mulheres pecaminosas nos mesmos espaços de crianças inocentes

(Madeira, 2008).

Em consonância ao conjunto de medidas civilizatórias e moralizantes defendidas

pelas autoridades do país, essas instituições assistiam as meninas como meio de evitar o

desregramento sexual. Para Ribeiro Neto (2009), com o total apoio da Igreja, as

instituições de assistência à menina desamparada foram criadas do Nordeste ao Sul do

país para transformá-las em mulheres bondosas, recatadas, que deveriam se espelhar na

figura da Maria judaica, exemplo de mulher e mãe, e manter-se longe do pecado. A

expectativa de que as meninas desempenhassem funções domésticas específicas, e

cuidados com as crianças mais novas, delineia a característica da assistência moldada

aos históricos estereótipos culturais sobre as mulheres nesse período.

2.3. Os primeiros passos do Estado em favor da infância e adolescência – modelo

assistencial

A transformação social ocorrida no Brasil República – em razão da

diversificação da economia, do crescimento demográfico, da grande concentração das

massas nos centros urbanos – pôs em evidência, nos discursos das autoridades do país, o

abandono e o cometimento de infrações por crianças e adolescentes, exigindo políticas

públicas que solucionasse esse problema (Marcílio, 2006). A enorme demanda de

adolescentes nessas situações e a recusa de instituições em acolher meninos e meninas

34
Referem-se às mulheres que tiveram relações sexuais extraconjugais, meninas que perderam a
virgindade ou jovens abusadas sexualmente. É válido ressaltar que nos casos de abuso sexual, a menina
negra ou branca pobre geralmente era culpabilizada, pois médicos e juristas da época consideravam que o
ato tinha sido motivado pela menina, dotada de instintos perversos próprios das mulheres sem educação
(Abreu, 2008).
62

considerados com “desvios comportamentais” pressionavam o governo para criação de

recolhimento específico para esse público (Santos, 2004). Na tônica desses discursos

ecoava-se a necessidade da criação de novas instituições de “recuperação” para meninos

e meninas por meio da pedagogia do trabalho e do combate ao ócio. “A ideia que

norteava a criação dessas instituições era de que para correção dos meninos viciosos

pelo abandono e pela má educação familiar, seriam necessárias instituições especiais,

além das de pura caridade” (Marcílio, 2006).

Nesse contexto, surgiu a primeira medida de organização da assistência à

infância: a Lei Orçamentária Federal n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921, que criou o

Serviço de Assistência e Proteção à infância abandonada e delinquente (Rizzini, 2009).

Segundo Marcílio (2006), essa lei autorizou o governo a organizar o serviço de

assistência à infância e determinou a construção de abrigos e recolhimentos provisórios

para crianças e adolescentes de ambos os sexos que fossem encontrados abandonados

e/ou que tivessem cometido crimes e contravenções. Além disso,

nomeou o juiz de direito privativo para causas dos menores, bem como,

funcionários necessários ao juiz e providências para que os menores que

estivessem cumprindo sentença em qualquer estabelecimento fossem

transferidos para a Casa de reforma, logo após a sua instalação. (Fernandes,

1998, p. 22)

A implantação desse serviço constituiu a oficialização da fundação de

instituições de recolhimento para menores, como aponta Rizzini (2009):

A implementação desse “serviço” constituiu na fundação de duas novas

instituições para menores determinou a criação de um abrigo para o

recolhimento provisório de menores de ambos os sexos e uma casa de

preservação para menores do sexo feminino. Anexos à Escola 15 de Novembro,


63

seriam construídos dois pavilhões para menores abandonados e delinquentes,

visando à sua “modesta educação literária e completa educação profissional. (p.

126)

No final de 1923, o Decreto n. 16.272 se tornou outro instrumento de

regulamentação para assistência e proteção aos menores abandonados e delinquentes

(Rizzini, 1993). Em seu artigo 62, o decreto explicita que, no objetivo de corrigir o

menor, haverá abrigos para recolhimentos provisórios de menores, até que esses tenham

um destino apropriado (Marcílio, 2006).

De acordo com Rizzini (1993), a criação de uma estrutura assistencial em torno

da infância abandonada e delinquente considerada como desviante apresentará

aparelhos jurídicos e legislativos cada vez mais especializados. Exemplo disso pode ser

constatado nos tipos de classificação e intervenção particularizada para diversas

situações envolvendo crianças e adolescentes em situação de pobreza.

No vasto universo dos “abandonados” – temos os vadios, os libertinos, os

mendigos, os menores vítimas de maus tratos, os sem habilitação certa e os

menores sem meios de subsistência, os empregados em ocupações proibidas ou

contrárias a moral, os filhos de pais incapazes ou condenados pela justiça, os

órfãos e assim por diante. No caso do menor delinquente, aquele que for

“indigitado autor ou cúmplice de fato qualificado como crime ou contravenção

(Cap. V, Art. 24 do Código Penal) pode ser abandonado, pervertido, ou estar em

perigo de ser” (Decreto nº 16272 de 20/12/1923). Nestes casos, o decreto prevê

um tratamento mais rigoroso, que é a internação em escolas de reforma no

período de 3 a 7 anos. (Rizzini, 1993, p. 17)

Com base nessas iniciativas, no ano de 1927 é instituído o Código de Menores.

Esse código tinha como característica um enfoque fortemente corretivo, voltado para
64

práticas disciplinares e punitivas. Com o código promulgado, institui-se uma política de

“tratamento para menores”, o que significava corrigir os adolescentes que estivessem

causando desordem na sociedade.

Embasado na doutrina da situação irregular, o código agia diretamente na

internação dos considerados menores, retirando-os das situações de rua, e muitos dos

ambientes de suas famílias. A solução do “menor” estava, essencialmente, na internação

em instituições oficiais, que tinham como finalidade sua “reeducação e readaptação” à

sociedade (Evangelista, 2011). Na criação de reformatórios, escolas premonitórias e

correcionais para os “menores”, os espaços tinham o objetivo essencialmente de isolar,

classificar e corrigir os fenômenos desviantes que impediam a segurança da sociedade

(Rizzini, 2009).

Com base nos estudos realizados por Rizzini (1993):

as distribuições classificatórias dos menores delinquentes ocasionaram na

mudança da clientela dos asilos e internatos, agora a clientela dessas instituições

se tornam diferentes das vivenciadas com os enjeitados, nesse momento o foco

do atendimento passa a ser exclusivamente dos menores. (p. 43)

Nessas instituições, o espaço disciplinar foi subdivido em diversos grupos para

resultar no maior controle dos contatos, comunicações e comportamentos de todos os

internos. Dessa forma, fatores como idade, origem da família, em especial a distinção

entre os sexos, promovia uma segregação particular. O atendimento às meninas, por

exemplo, desenvolvia-se aliado ao discurso de honestidade da mulher – característica

socialmente imbuída às mulheres. De acordo com Abreu (2008), as instituições

femininas se organizavam com base em duas grandes classificações: a primeira

categoria se referia aquelas jovens que possuíam “boa índole” – meninas adequadas

para serem boas mulheres e mães (preparadas para as responsabilidades da maternidade


65

e do casamento) e a segunda categoria se referia aquelas consideradas as “mulheres da

vida” e/ou “as malditas prostitutas” que deveriam ser incansavelmente corrigidas (p.

292).

Nesse período, os serviços ofertados nas instituições de atendimento às

adolescentes prezavam por adultas no futuro que tivessem responsabilidades do lar e se

mantivessem longe dos “desvios sexuais”. Para Abreu (2008), essa preocupação se

apresentava como a essência do atendimento às meninas. Para a autora, o objetivo das

instituições existentes objetivava formar mulheres que, desde a infância, assumiriam as

tarefas do casamento e a educação dos filhos.

A esse objetivo, aliou-se também a incorporação da visão higienista de proteção

do meio e do indivíduo e a visão jurídica repressiva e moralista do Código de Menores.

Segundo Faleiros (2009), essas coordenadas nas instituições femininas previam a

vigilância da higiene moral e sexual das meninas, e, ainda, a intervenção diante do

abandono físico e moral das crianças.

Nesse período, o fato de ser abusada sexualmente, ou manter relacionamento

sexual com namorados e noivos antes do casamento, constituíam os maiores motivos

para internação nas instituições (Abreu, 2008). Geralmente, a culpa do considerado

“desregramento sexual” era atribuída às meninas, por despertarem os desejos

masculinos e transgredirem as regras da honra feminina, por isso, elas deveriam ser

afastadas e confinadas (Moreno & Saraiva, 2006).

No contexto da década de 1930, a ótica individualista frente ao problema do

“menor delinquente e abandonado” desenvolvia em grande escala as intervenções

fortemente corretivas (Evangelista, 2011). No entanto, neste período, o cometimento de

infrações por crianças e adolescentes ainda insistia em fazer-se presente. A pobreza, já

considerada a causa dos males que infringem o universo infantil, será ainda mais
66

elencada como o cerne do problema social das crianças. A despeito dessa questão, não

havia dúvidas de que a pobreza estava no centro dos problemas das menores, e que a

implantação de serviços socioassistenciais deveriam ser implantados (Alves, 2001). O

foco para suprimir os males causados pelas situações de pobreza generalizada pela

população, agora, era social.

Nesse período, os discursos a favor da proteção social, difundido em larga escala

pelo governo de Getúlio Vargas ganham espaço, e os problemas com relação a

adolescentes envolvidos com infrações começam a ser interpretados nessa nova ótica

(Marcílio, 2006). Mais que nos períodos históricos anteriores, a estratégia no governo

Vargas era manter a ordem e o progresso da nação e, ao mesmo tempo, a preservação da

raça (Faleiros, 2009). Em virtude disso, as unidades de atendimento passam a ter o

mesmo nível repressivo e moralista das instituições masculinas, não tendo tanta

importância as especificidades voltadas apenas para o atendimento nas unidades

femininas. Nesse momento, a preocupação estava na preparação dos meninos, bem

como das meninas, para as exigências do mercado de trabalho (Moreno & Saraiva,

2006).

Na chegada da década de 1940, o governo federal inaugura uma política mais

nítida de proteção aos considerados abandonados e delinquentes, criando órgãos

federais especializados no atendimento aos menores. A assistência pública aos menores,

que até então vinha sendo tratada por meio dos Juízos de Menores e pela atuação

isolada de algumas instituições, passa a ser centralizada, inicialmente no Distrito

Federal e, logo após, no ano de 1944, nas demais localidades do território nacional

(Rizzini, 2009).

Dessa forma, no ano de 1941, é criado o Serviço de Assistência ao Menor

(SAM), cuja finalidade era prestar assistência e amparo social, em todo território
67

brasileiro, aos “menores” e às “menores” desvalidas e infratoras. Esse organismo de

nível federal passa a associar às práticas corretivas e punitivas embasadas no Código de

Menores de 1927, as atividades de cunho médico, psicológico e pedagógico. No

entanto, com a impossibilidade de associar essas concepções com a lógica punitiva e

corretiva, como pretendia o SAM, a medida acaba se restringindo à internação,

transformando essa instituição num verdadeiro depósito de menores (Evangelista,

2011).

É válido ressaltar que, com relação ao atendimento à menina em situação de

delinquência e abandono, foi prática comum, no período de vigência do SAM, a retirada

de meninas das instituições para trabalharem mediante a soldada – que significava o

encaminhamento das meninas, pelo juiz, de acordo com a administração dos asilos, para

desenvolverem trabalhos domésticos35 (Rizzini, 1993).

O termo mediante a soldada era o processo pelo qual qualquer pessoa, tendo a

necessidade de contratar uma prestadora de serviços domésticos, solicitava ao juiz a

entrega de alguma menor, antecipadamente escolhida. De acordo com Rizzini (1993),

isto funcionava da seguinte forma:

o Juiz perguntava a menor a respeito e sendo de sua aceitação, ele autorizava a

entrega, após a assinatura do termo de responsabilidade pelo requerente. Este se

comprometia de depositar mensalmente em caderneta de poupança uma quantia

determinada em nome da menor, sendo uma pequena parte entregue em mãos.

(p. 28)

Nesse processo, a prática não funcionava de maneira eficaz, nem como o

combinado com o juiz, nem com a administração das instituições. Denúncias sobre a

situação das moças encaminhadas mediante as soldadas foram apresentadas no artigo de

35
Soldada é o termo que se refere ao ato de soldar ou moldar (Rizzini, 1993).
68

Eduardo Salamonde, para o jornal O Paiz. Esse autor denuncia que as jovens

denominadas de “rapariguinhas” eram entregues a cidadãos de caráter duvidoso e por

estabelecimentos que invertiam a verdadeira missão do encaminhamento das

adolescentes: “[As rapariguinhas] sofrem as mais duras opressões a troco de uma

soldada miserável e para se libertarem dessa nova escravatura, atiram-se nos braços do

primeiro sedutor de rua” (Salamonde, citado por Rizzini, 1993, p. 28).

No entanto, como observou Rizzini (1993), os processos do Juizado demonstram

que, antes mesmo das referidas fugas, mais comum era que as jovens fossem devolvidas

ao juiz, de modo geral, alegando-se problemas de comportamento: desobediência, má

criação, indisciplina e até mesmo sofrer das faculdades mentais, havendo a necessidade

de retornar à institucionalização. Ou seja, as desobediências aos papéis hegemônicos

destinados às mulheres faziam com que os requerentes das mediantes a soldadas as

devolvessem.

Nesse contexto, a situação da adolescente em situação de internamento se

tornava ainda mais subalterna, pois, conforme afirma Moreno e Saraiva (2006), o

confinamento forçado e desumano, muitas vezes com denúncias de abusos sexuais por

parte de funcionários, e a exploração por meio de trabalhos domésticos e da

prostituição, sujeitavam essas meninas a uma dupla escravatura.

A ideia de criação de uma assistência adequada aos menores no SAM fracassa.

Segundo Rizzini (2009), no decorrer dos anos, a má fama conseguida remeteu suas

estruturas a mais uma ameaça à criança pobre do que a proteção. A partir disso, todos

clamavam pela extinção do SAM, denominada, na maioria das vezes, como Escola do

Crime, Fábrica de criminosos, Sucursal do Inferno, dentre outros nomes. Diversos

profissionais, e até mesmo a sociedade, expressavam o desejo da mudança do modelo

de atendimento dessa instituição (Vogel, 2009). Com a portaria do Ministério da Justiça,


69

de 21 de março de 1961, realiza-se uma sindicância e a proposta do SAM é extinta,

sendo substituída, a partir da década de 1970, pela Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor – FUNABEM (Rizzini, 2009).

2.4. Governando as “menores delinquentes” – modelo institucional

No início da década de 1960, a Declaração dos Direitos da Criança, aprovada

pela assembleia geral das Nações Unidas, no ano de 1959, causa impactos nas

discussões sobre a infância e adolescência em todo o mundo 36 (Alves, 2001). Embora

esse momento para o Brasil fosse o do golpe militar de 1964 (Vogel, 2009),

internacionalmente, vivenciava-se amplas discussões sobre reformas na base estrutural

da assistência a essa população.

Nesse contexto, por volta de 1970, como dissemos, com o objetivo de substituir

o extinto SAM, cria-se a FUNABEM. Esse novo órgão pretendia ser o oposto do SAM

e do regime antigo. Com base na Lei n. 4.513, essa entidade, autônoma tanto na esfera

administrativa quanto financeira, pretendia-se afastada da burocracia e corrupção

assistida no período de funcionamento do SAM (Evangelista, 2011). A FUNABEM

surgiu nessa conjuntura cheia de “boas intenções”, quanto aos eixos norteadores do

atendimento aos adolescentes em situação de “delinquência”. No entanto, na prática,

prevaleceram heranças dos atendimentos deixados pelo SAM, reforçados pelo controle

autoritário vivenciado no país.

O novo órgão, que, inicialmente, tentara se afastar das experiências do SAM,

acabou reforçando as práticas repressoras no atendimento. Regido pela Doutrina de

Segurança Nacional, temente à “ameaça comunista”, a FUNABEM desprezou a

36
Contrária às proposições jurídicas existentes até então, a Declaração dos Direitos da Criança passa a
considerar as crianças como sujeitos de direitos, atribuindo ao Estado e à sociedade o deve r de garantir
esses direitos (Comitê Social Humanitário e Cultural das Nações Unidas, 1959).
70

tentativa do novo modelo de política social, e pôs, no lugar desta, uma legislação

preocupada unicamente com assuntos que inibam a conduta antissocial dos menores

(Rizzini, 1993).

Na década de 1970, tornam-se intensos os debates entre os juristas dos estados

do Rio de Janeiro e São Paulo sobre os estabelecimentos do direito do menor. A posição

dos juristas no Rio de Janeiro diante do problema do menor consistia na defesa da

manutenção dos poderes normativos como o do juiz; para os juristas paulistas, outros

focos de análise deveriam ser empreendidos com relação aos menores. Para estes, o

problema do menor deveria ser encarado como produto de uma situação de abandono e

criminalidade, cuja perversão maior é o comprometimento da vida das crianças e

adolescentes (Rizzini, 2009). No entanto, para ambos os profissionais, a preocupação

consistia na normatização e regulamentação das bases do direito do menor. As

preocupações diante das reais necessidades para garantias de direitos das crianças e

adolescentes foram mais uma vez deixadas em segundo plano.

Isso só se tornaria preocupação a partir de 1979, quando o novo Código de

Menores foi regulamentado. O novo código, para atender ao disposto na Declaração dos

Direitos da Criança, de 1959, trouxe, em seu bojo, uma roupagem doutrinária de

proteção à criança e ao adolescente. Porém, na prática, o Código trazia contradições que

inviabilizavam a efetiva garantia a esse público. No campo teórico, seu objetivo era

defender os direitos de crianças e adolescentes no país. No entanto, estabelecia, em suas

linhas, a consagração da noção do “menor em situação irregular”, fazendo com que

crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade se inserissem na

marginalização, considerada uma “patologia social” (Rizzini, 2009).


71

2.5. A proteção integral da infância e da adolescência – modelo da

desinstitucionalização e da socioeducação

Na chegada dos anos 1980, o cenário nacional começa a dar sinais de mudanças

no âmbito das políticas sociais. Para o campo da política de atendimento à infância e à

adolescência, esse período surge “como um tempo de grandes transformações” (Vogel,

2009, p. 307). Nesse momento, a sociedade civil renegava-se viver aos auspícios de um

regime civil-militar e lutava-se por novas políticas internas e por novos ideais. De

acordo com Viegas (2007), nessa fase, foram destaques na luta política pelos direitos

das crianças e adolescentes representantes da Frente Nacional de Defesa dos Direitos da

Criança e do Adolescente, da organização não governamental (ONG) Pastoral do

Menor, da Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB) e da Comissão Nacional

Criança e Constituinte, e profissionais de diversas áreas, que denunciavam o largo

histórico de opressões e negligências às crianças e aos adolescentes, especialmente as

mais pobres.

O alastramento do número de crianças e adolescentes vivendo nas ruas, o

aumento da mortalidade infantil (Ministério da Saúde, 1989), o número alarmante de

trabalhadores com idade menor de 14 anos (Fundo das Nações Unidas para a Infância,

1987) e, sobretudo, a falência da rede de proteção à infância e adolescência em todo o

país eram os principais argumentos que levaram esses membros da sociedade civil a

reivindicar uma nova política.

De acordo com Viegas (2007), duas emendas de iniciativa popular apresentada à

Assembleia Nacional Constituinte (ANC) proporcionaram o início da mudança:

Duas emendas de iniciativa popular, perfazendo mais de duzentas mil

assinaturas de eleitores, foram apresentadas à Assembléia Nacional Constituinte:

“Criança e Constituinte” e “Criança – Prioridade Nacional”. Seus textos foram


72

fundidos e entraram no corpo da Constituição Federal de 1988. (Viegas, 2007, p.

59)37

Com a aprovação da Constituição Federal de 1988, o Código de Menores e a

Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM) são revogados e discussões sobre

a necessidade de pensar o conteúdo e a reorganização administrativa da Política de

Assistência Social para a infância e a adolescência entram em cena (Viegas, 2007).

Como resultado dessas discussões, movimentos populares de rua, assim como a

constante denúncia nos meios de comunicação de massa relacionada à educação, saúde,

trabalho e violência contra as crianças, uma nova política de atendimento à infância e

adolescência é promulgada (Alves, 2001). Em 13 de julho de 1990 foi promulgada a Lei

Federal n. 8.069, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como

bem menciona Alves (2001),

O ECA foi uma conquista construída historicamente no decorrer de um processo

que durou várias décadas, envolvendo diferentes segmentos da sociedade

brasileira. O movimento inspirou-se em ideias de lutas empreendidas pela

sociedade civil e nos avanços alcançados no tocante aos direitos humanos, tanto

em âmbito nacional quanto internacional. (p. 14)

Com o ECA, instaura-se uma ruptura ético-política no marco normativo

brasileiro no período de redemocratização do país, com uma nova forma ideológica de

pensar o adolescente, colocando-o como sujeito de direitos. Também se esclarece as

peculiaridades do desenvolvimento humano na infância e adolescência, garantindo-lhes

a proteção integral, sem distinção de cor, raça e classe social.

37
Especificamente no Art. 277 da Constituição Federal de 1988: “É dever da família, da sociedade e do
Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (Constituição Federal, 1988).
73

Quanto às adolescentes e aos adolescentes em envolvimento com atos

infracionais, ao fixar as diretrizes a serem cumpridas na aplicação da medida

socioeducativa, o ECA demarca que o princípio dessa ação deve estar fundamentado no

processo educativo, a fim de reordenar os projetos de vida dos jovens que se inseriram

na prática de atos infracionais, abandonando assim todas as formas de atendimento

discriminatórias que marcavam a política anterior (Basílio & Kramer, 2003).

Em 2006, outro importantíssimo documento preconiza os aspectos práticos que

envolvem a política referente aos adolescentes autoras e autores de atos infracionais. O

Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) recomenda um novo

modelo de atendimento a esses adolescentes. Com base nos princípios do SINASE, a

medida de internação deve ser aplicada apenas em caráter excepcional, ou no caso de

reincidência do ato infracional, defendendo a prioridade de manter o adolescente autor

de ato infracional em sua convivência familiar e comunitária como fator contribuinte

para seu progresso cidadão (Conanda, 2006).

Para tanto, as unidades e programas que executam as medidas socioeducativas

devem orientar-se e fundamentar-se sua prática com base nas seguintes

diretrizes: prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente

sancionatórios; projeto Político Pedagógico como ordenador de ação e gestão do

atendimento socioeducativo; participação dos adolescentes na construção, no

monitoramento na avaliação das atividades socioeducativas; respeito à

singularidade do adolescente, presença educativa e exemplaridade como

condições necessárias e exigência e compreensão na ação socioeducativa.

(Conanda, 2006, p. 47-48)

O que se prioriza, a partir disso, é o aspecto relacional da adolescente e do

adolescente com o ato infracional que ele comete. Todas as condições, tais como, a
74

natureza, a incidência (ou reincidência), a condição familiar em que as adolescentes e os

adolescentes envolvidos com infrações se encontram são características que deveriam

pesar na decisão do juiz, antes de encaminhamento para uma unidade de internação

(Conanda, 2006). O SINASE, em conformidade aos propósitos do ECA, ainda reforça

que a centralidade do atendimento na execução de medidas de responsabilização deve

ser o aspecto socioeducacional.

Segundo a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (2006), a proposta

socioeducativa pode propiciar ao adolescente o acesso a direitos e, juntamente a isso,

propulsionar as oportunidades de superação da situação de exclusão, ressignificando os

seus valores e o preparando para o convívio social e para a autonomia, de modo que sua

participação na vida social possa ter continuidade, sem que este venha a reincidir nas

práticas tipificadas na Lei Penal como crime ou contravenção.

A evolução das políticas para infância e adolescência no Brasil, com a

substituição da Doutrina de Situação Irregular pela Doutrina de Proteção Integral,

assegurada pela Constituição Federal, e pelo ECA, propôs significativas mudanças na

forma de promover os direitos à população infantojuvenil. No entanto, na prática,

pesquisas têm demonstrado a situação de velhas práticas que violam as adolescentes e

os adolescentes em conflito com lei nas realidades atuais das instituições de

atendimento.

Quando tratamos especificamente das adolescentes nas instituições de medidas

socioeducativas, as violações se expressam duplamente. Apesar dos estudos serem em

menor número, no âmbito da adolescente autora de atos infracionais, pesquisas como as

de Assis e Constantino (2001) e Fachinetto (2008) expressam como as instituições

estudadas – execução de medidas socioeducativas para adolescentes do sexo feminino

no estado do Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro –, violam direitos básicos das
75

adolescentes e, além disso, reforçam as discriminações historicamente destinadas às

mulheres, sob o argumento de tornar o ambiente mais caseiro e feminino.


76

Capítulo III – Método

3.1. Campo de pesquisa e participantes

A finalidade deste estudo é resgatar a historicidade do atendimento destinado às

adolescentes autoras de atos infracionais no município do Natal. Os sujeitos desta

investigação foram profissionais que atuaram e/ou atuam nas unidades femininas de

privação de liberdade. Os critérios de inclusão para a amostra neste trabalho foram: ter

exercido ou ainda estar em exercício como profissional das unidades femininas de

privação de liberdade, contando desde a primeira unidade criada no RN, e aceitar

responder ao roteiro de pesquisa proposto para o resgate histórico do atendimento nas

referidas instituições.

Inicialmente, buscamos mapear os sujeitos e seus contatos, por meio do cadastro

dos servidores vinculados à Fundação Estadual dos Direitos da Criança e do

Adolescente (FUNDAC) – instituição de coordenação do sistema de garantias de

direitos das crianças e do adolescente do RN. No entanto, por motivo de o cadastro se

encontrar desatualizado e também pelas mudanças de endereços e telefones,

especialmente referentes aos servidores aposentados, tivemos algumas dificuldades

nessa identificação.

Para facilitar esse processo, na medida em que as primeiras pessoas foram

identificadas e entrevistadas, lançamos mão da estratégia de rede, ou seja, os próprios

depoentes indicaram outros para serem entrevistados, criando uma comunidade de

argumentos (Gattaz, 1996). Neste processo, contamos ainda com os contatos fornecidos

pelos profissionais que participaram do Curso de Formação Continuada para operadores

do Sistema de Atendimento Socioeducativo, coordenado pelo OBIJUV/UFRN.


77

Tomando como base esses dois caminhos, foram identificados doze

profissionais, mas apenas oito deles aceitaram participar da pesquisa, dentre eles,

profissionais do Serviço Social, da Pedagogia, da Administração e Educadores sociais

que atuaram desde a criação da primeira unidade feminina – Instituto Padre João Maria

e/ou ainda estão em exercício no Centro Educacional Padre João Maria – CEDUC

(instituição atual). Os quatro profissionais que não aceitaram participar alegaram que a

resistência deve-se à dificuldade de resgatar momentos do trabalho nas unidades da

FUNDAC, que os afetam emocionalmente. A Tabela 1 demonstra a função e a

instituição em que atuaram/atuam os profissionais que colaboraram com a presente

pesquisa.

Tabela 1
Dados sobre os participantes da pesquisa
Função Instituição Quantidade de entrevistados

Administração Granja Santana 1


(Direção da unidade)
Centro Educacional Padre João Maria 2

Assistente Social Instituto Padre João Maria 1

Pedagoga Instituto Padre João Maria 1

Educadores Granja Santana 1

Instituto Padre João Maria 1

Centro Educacional Padre João Maria 1

Total de entrevistados 8

Com autorização dos oito profissionais, iniciamos o processo de coleta de dados.

Foram realizadas entrevistas com roteiro semiestruturado com base no método de

História Oral Temática (Meihy, 1998). Nessas entrevistas, aspectos de três blocos de

discussão foram contemplados:


78

1) Dados pessoais, formação acadêmica e trajetória profissional nas unidades de

internação feminina (vínculos e cargos na instituição);

2) Caracterização do atendimento ao público feminino em situação de

cometimento de ato infracional;

3) Concepções, princípios e diretrizes do atendimento às adolescentes no

cumprimento de medidas socioeducativas.

A organização desses questionamentos em três blocos de discussão teve por

finalidade entender como se caracterizava/caracteriza o atendimento nas instituições de

privação de liberdade voltadas para o gênero feminino, relacionando como as

concepções e os princípios do atendimento se desenvolviam/desenvolvem nas

atividades diárias das instituições. Por esse caráter histórico, o estudo foi realizado por

meio do desenho da prática e das concepções que basearam/baseiam o atendimento nas

unidades femininas do estado potiguar.

3.2. Procedimento metodológico

Ressaltamos que as fontes orais obtidas com as entrevistas tiveram um papel

predominante para a construção da análise desta dissertação, sendo os documentos

escritos utilizados como instrumento de fundamentação para as informações orais.

Trazemos algumas razões que nos fizeram optar por este desenho metodológico.

A escolha da história oral como método fundamental corresponde a duas grandes

razões. A primeira delas refere-se à necessidade de dar visibilidade às temáticas que

pouco aparecem na produção científica. O uso da história oral, segundo Thompson

(1992), tende a democratizar a história, transformando seu conteúdo e propósito,

delegando voz àqueles que estariam marginalizados pela história oficial. Assim, o

estudo tenta ultrapassar a situação de negligência com que pesquisas, políticas,


79

documentos e histórias oficiais têm tratado o atendimento às adolescentes do sexo

feminino privadas de liberdade (Assis & Constantino, 2001).

A segunda diz respeito à regionalização temática. A História Oral moderna, a

partir da década de 1970, evidencia a necessidade de esse método desempenhar um

papel político junto à sociedade, buscando características específicas das regiões e

comunidades que marcam nossa experiência cultural (Gattaz, 1996). Dessa forma,

tomamos como características específicas o âmbito nacional e norte-rio-grandense para

construção da história do atendimento nas unidades femininas de privação de liberdade

no RN.

Ainda sobre a escolha da história oral, podemos notar que, na história da

humanidade, a oralidade sempre esteve presente na historiografia oficial, ainda que sua

presença fosse apresentada disfarçadamente. Os exemplos de historiadores que

recorreram aos testemunhos orais são inúmeros, afinal, quais alternativas restariam a

Heródoto e Tucídides (primeiros historiadores) na construção de seus documentos

escritos, em contextos em que a palavra escrita tinha menor importância que a oral? No

entanto, faz-se necessário destacar a diferença entre aqueles que se utilizaram dos

relatos orais em momentos em que a história oficial inexistia, daqueles que o fazem por

escolha metodológica (Gattaz, 1996).

Para isso, o próximo tópico resgatará o nascimento do método em história oral

como escolha metodológica. Alguns determinantes confluíram para o surgimento e

disseminação dessa técnica no mundo todo, vejamos como este processo ocorreu.

3.3. História Oral

Ao longo dos anos, as fontes orais nem sempre foram privilegiadas na

historiografia oficial. Com base em enciclopédias, pesquisadores, estudantes e


80

profissionais poderíamos entender aspectos da vida pessoal, política e econômica de

seres humanos notáveis na vida política e econômica, mas, de forma alguma, entrariam

em contato com versões históricas de comunidades, pessoas comuns e minorias.

Após a I Guerra Mundial, surgem estudos que tentam superar as histórias

específicas sobre a política e a elite. Nos Estados Unidos, historiadores exalavam um

sentimento de busca pelo passado nacional que não era apenas branco, anglo-saxão e

protestante. Para buscar esse objetivo, começaram a valer-se de depoimentos orais de

imigrantes de diversas nacionalidades. Gattaz (1996) ilustra essa tendência de

investigação:

inverso ao que normalmente historiadores buscavam, certos autores

demonstravam então um interesse especial pelo método de histórias sobre as

imigrações. L. Thomas e F. Znaniecki apresentaram um trabalho pioneiro sobre

imigrações. [...] construído a partir de autobiografias, cartas, diários e entrevistas

realizadas com velhos imigrantes polonenses. (p. 238)

No entanto, esses estudos orais pioneiros, cuja riqueza foi imensa, só conseguiram ser

reconhecidos após duas décadas de existência.

Apenas após a II Guerra Mundial, período marcado por grandes avanços

tecnológicos, é que surgiu o que chamamos de método da História Oral. Isso ocorreu

quando, com o surgimento do gravador portátil, foi possível registrar as entrevistas e

documentar versões diferentes sobre a história do mundo. É de consenso entre os

pesquisadores que Alan Nevins foi o primeiro a registrar suas primeiras entrevistas, em

1948, e, a partir daí, começou a difundir a técnica da pesquisa histórica com base nas

fontes orais. Segundo Joutard (1983), em 1948, o legado de um historiador permitiu a

Alan Nevins criar, na Universidade de Columbia, em Nova York, o primeiro centro de


81

História Oral do mundo, institucionalizando a prática, reforçando seu caráter

sistemático, ensinando e difundindo a técnica.

Alan Nevins, ao longo de suas pesquisas, interessou-se por norte-americanos

notáveis. Por esta razão, ironicamente, nas primeiras décadas de existência, a história

oral começou com projetos de investigações sobre pessoas importantes, mantendo-se

respectivamente a epistemologia utilizada na construção dos documentos históricos até

então: “na história fática das elites” (Gattaz, 1996, p. 239).

Esse contexto se modifica a partir da década de 1970. Insatisfeitos com o

direcionamento de projetos de história oral pelo mundo, pesquisadores questionam

sobre a função política da técnica, e sobre de quem eram as histórias e para quem eram

construídas. Esses profissionais entendiam que o método deveria priorizar as versões

históricas contadas por pessoas pertencentes a comunidades comuns ou a histórias das

minorias, assumindo uma função política e ultrapassando assim a elitização com que foi

desenvolvida a historiografia do mundo (Gattaz, 1996).

No Brasil, a ordem desses fatos foi semelhante. Meihy (1998) destaca que, na

década de 1940, as primeiras experiências de projetos de história oral no país foram

destinadas exclusivamente à vida política de Getúlio Vargas e aos grandes nomes da

política nacional. Para esse autor, o período de desdobramento do golpe civil-militar e a

concepção elitista e alienada das ciências frente à cultura popular no país coibiram

projetos que gravassem as experiências, as opiniões e os depoimentos de pessoas não

notáveis se inscrevessem na história oficial.

No entanto, “desde o momento da campanha pela anistia no fim dos anos 1970 e

principalmente depois da abertura política em 1983, notava-se uma grande vontade de

recuperar o tempo perdido” (Meihy, 1998, p. 32). Os historiadores orais começaram a

buscar por informações e características que marcavam nossa cultura. Para esses
82

pesquisadores, no auge da redemocratização, em meados dos anos 1980, investigar as

comunidades e minorias no Brasil definia-se como uma necessidade não só do âmbito

acadêmico, mas consistia a resistência diante da elitização da historiografia oficial. Com

isso, os pesquisadores em história acreditavam na necessidade de dar voz aos que

calaram diante das repressões vivenciadas no país.

3.4. A História Oral Temática

O que diverge entre os pesquisadores na área da história oral são as abordagens

com que são realizadas as pesquisas: a história de vida e a história oral temática. Neste

trabalho, tomamos como direcionamento a segunda, que visa à obtenção de informações

sobre uma realidade comum a uma determinada comunidade ou sociedade, enquanto

que a história de vida busca as versões históricas, mais subjetivas, consistindo um

retrato oficial do depoente (Meihy, 1998).

Segundo Meihy (1998), a história oral temática é a que mais se aproxima das

diversas pesquisas em várias áreas do conhecimento acadêmico. Essa técnica quase

sempre equivale ao uso da documentação oral da mesma forma das fontes escritas. Por

partir de uma temática específica, não privilegia a subjetividade do entrevistado, mas

foca no esclarecimento de pessoas sobre algum evento definido: “A objetividade,

portanto, é direta” (p. 51).

Com o projeto de história oral temática, pretende-se chegar a uma narrativa de

uma versão sobre o fato investigado. É necessário que o historiador oral temático

busque a verdade de quem presenciou o acontecimento ou que pelo menos dele

apresente alguma versão. Para Meihy (1998), como a verdade é um elemento externo,

nas análises, o pesquisador deve discuti-las, com a finalidade de apresentar outras

opiniões e/ou esclarecer as versões narradas. Assim, esse método tem um caráter bem
83

diferente da história de vida, pois “detalhes da história pessoal do narrador interessam

apenas na medida em que revelam aspectos úteis à informação temática central” (p. 51).

Devido os objetivos desta dissertação, interessaram-nos, especificamente,

informações que priorizaram a realidade do atendimento oferecido nas unidades em tela,

ao longo de seu processo histórico, não priorizando, nesse momento, as informações

subjetivas.

3.5. Procedimentos de coleta

As entrevistas, com consentimento (Anexo 1), foram individuais e registradas

em áudio. Esse primeiro passo nos deu as informações e impressões iniciais sobre o

atendimento oferecido às adolescentes nas unidades do estado, mas consistiu em um

estado provisório, pois transcrevemos e enviamos cada entrevista aos profissionais para

releitura e eventual alteração.

Dentre os principais pontos da metodologia empregada pelos estudiosos da

pesquisa em História Oral, destaca-se que a gravação é considerada só um meio

e a fita magnética um estado provisório da constituição do documento. [...] Cada

entrevista é transcrita e enviada às pessoas interrogadas que eventualmente a

modificam. [...] Sob esta perspectiva, o documento original não é a fita, mas o

texto escrito e corrigido. (Gattaz, 1996, p. 239)

A condução das entrevistas sob esta perspectiva se deu com base no

direcionamento descrito por Thompson (1992). As perguntas do roteiro foram questões

objetivas e claras como forma de evitar respostas confusas (Anexo 2). Ao entrevistar

cada profissional, priorizamos o respeito por cada informação, considerando que todas

elas poderiam ser elementos primordiais na reconstrução do passado. No que se refere a

essa questão, Thompson (1992) é bem específico:


84

O historiador tem que ser um bom ouvinte e um ajudante ativo; deve demonstrar

interesse e respeito pelo entrevistado enquanto indivíduo. Deve ainda realizar

perguntas simples e claras, evitando uma formulação tenda a obter uma reposta

pouco clara ou que inclua esta na própria pergunta. (p. 221)

Simultaneamente à realização dessas entrevistas, contamos com o auxílio do

mapeamento documental. A partir de investigações na biblioteca setorial do

departamento do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, pudemos identificar duas monografias específicas sobre o atendimento as

adolescentes em situação de privação de liberdade, uma publicada em 1979 e outra

publicada no ano de 1981. Nas dependências da atual instituição de atendimento, o

CEDUC, também pudemos identificar cronogramas de rotinas, oficinas e atividades

educacionais.

A partir das informações obtidas nas entrevistas e nos conteúdos documentais

encontrados, organizamos um índice de temas e períodos históricos, a fim de nortear a

construção do documento final.

3.6. Procedimentos de análise

No que se refere à análise, tratamos as informações com base nos procedimentos

da história oral temática: transcrição e textualização. A análise ainda tomou como

referenciais os aspectos teóricos relativos à divisão sexual do trabalho que se inscrevem

na perspectiva do materialismo histórico dialético.

Na construção do documento final sobre a temática, a transcrição foi o primeiro

passo, logo após a realização das entrevistas. Esse procedimento garantiu a formação do

corpo documental que foi trabalhado posteriormente. A transcrição significou uma


85

passagem rigorosa não só das palavras para o papel, mas para a construção do

documento final, em que foi necessário ir além, conforme explicita Gattaz (1996):

A transcrição literal, apesar de ser extremamente necessária, será apenas uma

etapa na leitura do texto final, que chamo de textualização, por ser ao fim e ao

cabo um modo de se reproduzir honesta e corretamente a entrevista em um texto

escrito. (p. 245)

Superado o processo das transcrições das entrevistas, iniciou-se a textualização.

Esta surge da necessidade de apresentar os fatos históricos investigados de forma

narrativa e coerente. Segundo Gattaz (1996), esse procedimento exige que haja uma

organização dos depoimentos com uma combinação de fatos que aparecem na entrevista

formando assim um índice de temáticas a serem narradas no documento final. A

textualização deve ser realizada quando for necessário para deixar o texto claro, sem

abandonar as características do que foi originalmente falado pelos entrevistados. Logo

após, o texto deve ser reescrito para serem realizadas as últimas adaptações e a

constituição do documento final.

Partindo dessa trajetória, a história do atendimento das unidades femininas para

adolescentes autoras de atos infracionais do município do Natal resultou no documento

final que se baseou no índice de temáticas que emergiram nas entrevistas e nos

documentos analisados.
86

Capítulo IV – Apresentação e discussão dos resultados: o atendimento

a adolescentes autoras de atos infracionais no Rio Grande do Norte

Diante do que expusemos até o momento, ficamos com a seguinte questão: como

se desenvolveu o atendimento às adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de privação de liberdade no município do Natal? Quais atores,

influências e trajetórias foram tomados na proposta educacional das adolescentes?

Vimos que, a partir da década de 1990, com a promulgação do ECA, há um

imenso avanço, pelo menos do ponto de vista legal, na forma de pensar sobre crianças e

adolescentes. O ECA, respaldado nas peculiaridades do desenvolvimento humano,

instaura suas diretrizes garantindo aos adolescentes de 12 a 18 anos de idade, sem

distinção de cor, raça, gênero e classe social, o reconhecimento deles como sujeitos de

direitos.

No que corresponde às medidas de responsabilização aos adolescentes autores e

autoras de atos infracionais, esse instrumento legal aponta para o potencial do princípio

educacional no reordenamento dos projetos de vida desses jovens. A aplicação das

medidas socioeducativas orienta que o atendimento deve respaldar-se nos princípios de

brevidade e excepcionalidade, não devendo ser aplicada a medida extrema de privação

de liberdade quando houver medida mais adequada ao ato cometido. Com essa

configuração, o ECA abandona as velhas práticas e aponta para a criação de uma rede

de cuidados que inclui todas as crianças e adolescentes sem distinção, sem privilégios,

sem discriminação, sendo a família, o Estado e a sociedade responsáveis por eles (Lei n.

8.069/1990).

Vários municípios e estados de todo o país se adequaram às novas

normatizações dessa área, fazendo com que as FEBEMs deixassem de existir, e Centros
87

Educacionais ou Centros de Atendimento Socioeducativo, em todo o país, substituíssem

as instituições anteriores e assumissem um papel sociopedagógico intenso, no que rege

essas medidas (Cavalcante, Cunha, & Barbosa, 2014).

No RN, com a substituição da FEBEM pela FUNDAC, criaram-se, em Natal, os

Centros Educacionais, divididos em unidades feminina e masculina, com o objetivo de

atender à nova configuração da política para crianças e adolescentes.

Nessa conjuntura, o Instituto Padre João Maria, unidade existente desde a década

de 1940 para o atendimento às crianças e adolescentes do sexo feminino em situação de

pobreza, transforma-se em Centro Educacional, a fim de atender especificamente as

adolescentes envolvidas com atos infracionais. Com a criação do Centro Educacional

Padre João Maria (CEDUC) e demais instituições no campo da defesa dos direitos das

crianças e adolescentes, a FUNDAC assume a seguinte diretriz educacional: promover

um espaço de reflexão para esses adolescentes reconstruírem seus projetos de vida na

sociedade em que vivem, conforme determinado pelo ECA.

No entanto, a realidade nas unidades de atendimento socioeducativo potiguar

tem apresentado outra face. Pesquisas realizadas no âmbito da UFRN 38 , bem como,

vistorias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, e inspeção judicial da

Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte,

em 2011, têm demonstrado a situação de violação aos adolescentes em cumprimento de

medidas socioeducativas, fazendo-nos concluir que as crianças e os adolescentes,

especialmente adolescentes (do sexo feminino e masculino) envolvidos com infrações,

têm permanecido à margem das prioridades do estado potiguar.

38
Exemplos são as produções acadêmicas de Evangelista (2011), autor da obra Barreiras da
sobrevivência: angústias e dilemas de jovens autores de atos infracionais pós-institucionalização, e
Maria Dilma Siqueira, em A condição sub-humana do infrator menor, de 1979, dentre outras produções
acadêmicas.
88

No caso das meninas, essa invisibilidade se agrava e apresenta peculiaridades.

No resgate histórico a seguir, demonstraremos que no estado do RN, as adolescentes

foram alvo de propostas educacionais embasadas na religião, não sendo elas

preocupação do poder público do RN. A partir da década de 1940, período de

agravamento da pobreza no estado, especialmente em Natal, governantes começam a se

preocupar com as adolescentes em situações consideradas de risco social39 . Todavia, na

prática, elas continuaram invisíveis ao estado e alvo das posturas patriarcais da religião

e dos governantes.

Para compreender a experiência do atendimento às adolescentes no município do

Natal, faz-se necessário, então, contextualizar as unidades que atenderam/atendem

crianças e adolescentes do sexo feminino em situação de vulnerabilidade na cidade do

Natal. Ressaltamos que focamos no atendimento realizado na cidade de Natal, por esta

ter sido sede da maioria das unidades de atendimento a este público. Posteriormente,

aprofundaremos como se desenvolveram os aspectos que estruturam esse atendimento e

o funcionamento das unidades para adolescentes autoras de atos infracio nais.

Tomaremos o contexto norte-rio-grandense, a partir da década de 1910, por ter

sido palco impulsionador das práticas de recolhimento de crianças no estado. Com base

nisto, descreveremos quais rumos foram tomados e como se desenhou o atendimento

das adolescentes autoras de atos infracionais.

Para analisarmos como se desenvolveu o atendimento às adolescentes privadas

de liberdade no município do Natal, organizamos a apresentação e discussão de

resultados de modo a entendermos, primeiramente, os motivos da institucionalização

das adolescentes nas unidades femininas. A partir desses dados, analisamos como essas

39
Nesse período, as situações consideradas de risco social às crianças e adolescentes eram notadamente
aquelas que se envolviam com exploração sexual e o uso de drogas.
89

unidades desenvolveram suas propostas educacionais, bem como, que medidas

disciplinares eram aplicadas, e que avanços e continuidades há no atendime nto.

Ressaltamos que cada profissional entrevistado foi identificado por meio da

vinculação ao cargo e da instituição em que atuou/atua, por meio de uma numeração

arbitrária (Educador 1 - Instituto Padre João Maria, Educador 2 - Granja Santana...,

Diretor - Centro Educacional Padre João Maria). A relação direta com as instituições

estudadas foi utilizada para o entendimento da associação das estratégias de

atendimento às adolescentes autoras de atos infracionais das três unidades identificadas:

Instituto Padre João Maria, Granja Santana e Centro Educacional Padre João Maria

(CEDUC).

Diante disso, reconstruindo os caminhos percorridos pelo atendimento às

meninas em situação de vulnerabilidade, desde o inicio da época republicana, pudemos

analisar as dificuldades enfrentadas e as peculiaridades do atendimento ao público

feminino, e ressaltar os avanços e retrocessos, no intuito de avaliar as propostas

educacionais, as estratégias do atendimento, a estrutura e o funcionamento da unidade

feminina, a partir da evolução das políticas para infância e adolescência no Brasil.

4.1. Contextualizando a criação das unidades de atendimento

O desenvolvimento da República no RN consolidou discursos científicos que já

vinham se estruturando desde o século XIX no cenário nacional (Souza, 1976). Esses

discursos estavam na raiz das primeiras propostas de limpeza, embelezamento da cidade

e combate à seca. Segundo Ferreira e Dantas (2001), um exemplo das primeiras

consequências da estruturação desses saberes na modernização, especialmente da

capital, diz respeito diretamente à presença dos trabalhadores do campo na cidade. O

processo de medicalização da sociedade brasileira, que implicava intervenção social

autoritária e um aparato administrativo que controlasse a vida pública e privada


90

(Machado, citado por Ferreira & Dantas, 2001), traduziu-se, no caso de Natal, em

práticas e legislações higienistas restritivas e punitivas, justificadas pela situação

sanitária provocada pela chegada de inúmeros retirantes vindos do interior do estado.

Calcula-se que, em 1904, forçados pelo ciclo de grandes estiagens que atingiu todo o

Nordeste, chegaram a Natal mais de 15 mil retirantes em busca de trabalhos nas obras e

reformas do espaço urbano (Lima, 2001). De acordo com Ferreira e Dantas (2001),

nesse movimento, de uma população de 8.909 habitantes, em 1870, Natal passou a

13.735 em 1890, 22. 722 em 1920, e mais de 30 mil, dez anos depois.

De acordo com Oliveira (2005), o crescimento demográfico da cidade,

principalmente no período entre 1890 e 1920, aliado à seca, “forneceram a capital, do

que viria constituir, ao longo dos anos, a pobreza e a miséria em Natal” (p. 90). Além

disso, muitos dos que chegaram à capital não foram abarcados pelo trabalho nas obras

urbanas e, em face da fome, vários retirantes saquearam casas e comércios (Lima,

2001), outros percorreram bairros residenciais na busca por comida. As condições

desses camponeses em situação de miséria, bem como a questão da salubridade

sanitária, acabaram por obrigar os governantes a tomarem iniciativas em face do

crescimento da pobreza que isso provocava (Oliveira, 2005). Em mensagem do

Governo do RN, o então governador Alberto Maranhão adverte: “ou reduziremos os

efeitos desastrosos do flagelo pelos meios infalíveis que já possuímos, ou teremos que

ver estacionado o nosso progresso e talvez aniquiladas as nossas fontes principais de

riqueza” (Ferreira & Dantas, 2001, p. 23).

Os meios infalíveis referidos pelo governador eram as políticas de repressão e

controle social. Em Natal, nesse período de estruturação da cidade, há um reforço a

políticas urbanas de coerção à mendicância e à vagabundagem (Ferreira & Dantas,

2001). Como podemos observar, essa lógica estava alinhada ao projeto civilizatório do
91

Brasil. É nesse contexto que se desencadeia a institucionalização de crianças e

adolescentes do sexo feminino em Natal. No dia 1o de janeiro de 1912 é criado, pelo

então governador Alberto Maranhão, o Asilo de Mendicidade Padre João Maria 40

(Melo, 2003). Conforme informações de Oliveira e Araújo (1979):

Sua primeira instalação verificou-se no “Monte Petrópolis” com o recolhimento

de 28 mendigos, sendo assim distribuídos: 14 homens, 12 mulheres e 2 meninas.

Nessa ocasião, tinha como objetivo “amparar os pobres, velhos e crianças

desamparadas”, tendo em vista a miséria em que se encontrava esse grande

número de pessoas. O asilo foi entregue a cinco irmãs de Sant‟Ana 41 , ficando

sob a direção da supervisora Ana Didina Cosatti. (p. 9)

O Monte Petrópolis correspondia à parte mais elevada do bairro de Petrópolis,

cuja principal referência é a Avenida Getúlio Vargas, atualmente dominada por

condomínios residenciais e grandes hotéis (Hora, 2008). A criação do bairro de

Petrópolis, bem como do bairro do Tirol, originalmente chamado de “Cidade Nova”,

configurou a primeira grande intervenção na cidade do século XX. O objetivo dos

governantes era reorganizar o espaço urbano, deixando-o moderno e radicalmente

oposto à cidade colonial. No entanto, esse espaço não seria destinado a todos. Com a

construção desses novos bairros, “com ruas largas em xadrez, facilitando a penetração

dos ventos dominantes, com exigências de recuos para insolação e ventilação das

habitações” (Ferreira & Dantas, 2001, p. 5), o governo expulsou inúmeras famílias que

residiam em cabanas e choupanas (Oliveira, 2005), e recolheu pessoas que sobreviviam

nas ruas. Com a criação do Asilo Padre João Maria, o Estado pretendia dar destino

40
O nome do asilo faz referência ao Padre João Maria, vigário da Paróquia Nossa Senhora da
Apresentação (antiga Catedral de Natal) por 24 anos, conhecido por seu trabalho diretamente
voltado às camadas pobres da população.
41
A congregação religiosa “Filhas de Sant‟ana” chegou ao Brasil no final do século XIX e dedicava-se à
assistência de pessoas pobres doentes. Em Natal, responsabilizaram-se por abrigos e instituições voltadas
para crianças e adolescentes do sexo feminino e mulheres adultas.
92

àqueles que, vivendo nas ruas, afastavam Natal dos novos padrões higiênicos, morais e

sociais necessários para o abandono dos costumes coloniais que remetiam ao atraso de

toda a população brasileira.

No dia 25 de maio de 1920, o Asilo de Mendicidade Padre João Maria passa a se

chamar Orfanato Padre João Maria. Segundo Oliveira e Araújo (1979), a grande procura

pela internação de crianças do sexo feminino, por parte dos responsáveis, e a situação de

outras abandonadas nas ruas obrigou o governo do RN a fazer uma reformulação no que

diz respeito às pessoas atendidas. Nessa ocasião, extinguiu-se o setor dos idosos,

ficando a instituição exclusiva para o atendimento às crianças e jovens do sexo

feminino. Nesse período, “o orfanato tinha como diretora, a supervisora Senhora Tecla

D‟Urso” e, a partir de 1925, passou a ter o objetivo de “proteger, instruir e educar

meninas pobres e desamparadas” (Oliveira & Araújo, 1979, p. 10). Nesse período de

desenvolvimento das ideias de moralização do país, o objetivo de recolher as crianças

órfãs e desamparadas a partir do enfoque religioso e caritativo, predominante desde o

Brasil Império (Rizzini, 2009), constitui em Natal a principal forma de atendimento às

crianças, consideradas a “célula da sociedade”.

Nas décadas de 1940 e 1950, o envolvimento de Natal na II Guerra Mundial e as

consequências de mais um período de estiagem no Nordeste (1941-1943) contribuíram

para o agravamento das sequelas da questão social na cidade. Com o fim da Guerra, as

atividades e os comércios vinculados à presença norte-americana acabaram e muitos

que sobreviviam dessas atividades passaram a “engrossar as fileiras dos vagabundos”

(Ferrari, 1968, p. 52). Há significativo aumento da população da cidade, agravando

assim a convivência com “o desemprego, a vadiagem, a delinquência (principalmente

juvenil), a mendicância, o menor abandonado, a prostituição (principalmente de

menores)”, dentre outros problemas (Ferrari, 1968, p. 52). Essa situação obrigou a
93

tomada de iniciativas por parte das autoridades políticas e religiosas potiguares. A

assistência aos flagelados pelas secas foi a primeiras delas. Oliveira (2005) ressalta a

ação do representante político Aluízio Alves (1921-2006) com base em O populismo no

RN (2005):

Dentro de três dias, 8 mil pessoas estavam abrigadas. Terminada a seca Aluízio

Alves organizou a volta dos retirantes, fazendo com que cada um levasse um

instrumento de trabalho, além de recursos para recomeçar a vida, inclusive

comida para um mês. Aconteceu que, no final, ficaram em Natal 60 menores de

ambos os sexos. Aluízio Alves sugeriu criar o Serviço de Assistência ao Menor

[...] com a ajuda da Liga Brasileira de Assistência criou o Instituto Padre João

Maria e, com auxílio da prefeitura organizou o abrigo Juvino Barreto. Ambos

foram inaugurados no dia 19 de abril de 1943. (p. 2)

Assim, o Orfanato Padre João Maria, sob a supervisão da Sra. Arcângela

Pinheiro, passa, no ano de 1943, a ser chamado de Instituto Padre João Maria e se

consolida como unidade de internação para crianças do sexo feminino em situação de

pobreza (Oliveira & Araújo, 1979), chegando a abrigar 180 meninas órfãs42

(Evangelista, 2011).

Após a II Guerra Mundial, Natal enfrenta problemas de uma cidade que cresceu

de forma rápida e com infraestrutura produtiva incapaz de absorver todos que

precisavam de trabalho. Além dos problemas gerados pela seca, já citados

anteriormente, a cidade vivenciava a chegada constante de trabalhadores rurais, vítimas

da concentração da propriedade fundiária, que expulsava os trabalhadores de suas terras

e aumentava o número de pessoas que passaram a procurar nos centros urbanos o seu

sustento (Oliveira, 2005). Sem obter condições de sobrevivência no centro urbano de

42
O Instituto Padre João Maria ficava localizado à Avenida Almirante Alexandrino de Alencar, ao lado
do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Norte, no bairro Barro Vermelho (Evangelista, 2011).
94

Natal, muitos desses trabalhadores retornaram as suas cidades de origem, deixando para

trás as crianças (Gouveia, Cavalcante, Cardoso, & Miranda, 1993).

Essa situação agravou mais ainda o número de “menores abandonados”

existentes na cidade. Diante disso, cria-se, junto à Liga Brasileira de Assistência (LBA),

o Serviço de Reeducação e Assistência Social (SERAS) para o enfretamento do

“problema do menor”43 . De acordo com Gouveia et al. (1993), a criação do SERAS

demarca o início de ações de assistência mais direta por parte do Estado, quando, então,

foi criado um abrigo para o público masculino 44 .

Anteriormente, os problemas provocados pela pobreza na cidade do Natal

ficavam sob a responsabilidade das obras sociais da Igreja Católica (Oliveira, 2005).

Como vimos, a cidade possuía, até então, apenas a instituição feminina (Orfanato Padre

João Maria), que ficava sob a responsabilidade das freiras da Congregação religiosa

Filhas de Sant‟ana e passou a se chamar “Instituto Padre João Maria”, logo após a

intervenção do representante político Aluízio Alves, junto à LBA. O Instituto Padre

João Maria funcionou até meados de 1975. No final do Governo de Cortez Pereira

(1971-1975), a instituição foi extinta, sendo as meninas encaminhadas para outros

programas do SERAS (Evangelista, 2011). Segundo informações da educadora que

trabalhou em unidade vinculada ao SERAS, as meninas foram distribuídas para algumas

casas e uma delas foi organizada no bairro de Petrópolis.

Lembro que foram me buscar e quando cheguei era uma casa próxima ao

batalhão, em Petrópolis, na Avenida Hermes da Fonseca 45 . E alugaram essa

43
Segundo informações de Gouveia (1993), o Serviço de Reeducação e Assistência Social foi instalado
no estado do RN no dia 26 de março de 1943, para enfrentar o problema da infância perigosa.
44
A ação do estado potiguar em face do “problema do menor” foi enfrentada junto com a participação
ativa das ações católicas. A primeira unidade de atendimento criada para meninos se deu no ano de 1954,
por decisão do Secretariado Arquidiocesano de Ação Social e se chamava Instituto Estevam Machado
(IEM), localizado em área periférica, hoje bairro das Quintas (Siqueira, 1979).
45
Trata-se do 16o Batalhão da Infantaria Motorizada, localizado na Avenida Hermes da Fonseca, no
bairro do Tirol.
95

casa, mas esqueci do nome do proprietário. Nessa época, não era específico o

atendimento para jovens infratoras. Não se você ouviu falar, mas tinham dois

atendimentos. Uma funcionava próximo ao Corpo de Bombeiros e a outra no

Bom Pastor, na Casa das Arrependidas46 . Não havia mistura. Levaram as

meninas do corpo de bombeiros para a casa que eu trabalhava, mas não sei bem

por qual motivo. Foi durante o governo de Cortez Pereira, e Aída, primeira

dama, que resolvia tudo, por ser da assistência social.

Logo que fundaram, só iam as meninas que moravam com as freiras

[refere-se às crianças e aos adolescentes do Instituto Padre João Maria],

depois de dois anos que começou a receber crianças do juizado, que foi

quando começou a confusão. Meninas já com 17 anos e viciadas davam

muito trabalho. Entravam em conflito com as crianças e às vezes até

castigavam sem a gente saber. As primeiras que chegaram deram muito

trabalho, ficavam em cima da casa só de calcinha tomando banho na caixa

de água. (Educadora 1 - Unidade de Atendimento em Petrópolis)

A educação e a assistência das meninas ficaram historicamente a cargo das ações

religiosas, não configurando assim o foco de atenção do Estado. A razão para essa

situação assenta-se na posição social das mulheres, baseada nos valores da sociedade

patriarcal. Na divisão social entre os sexos, a designação prioritária dos homens à esfera

produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva (Hirata & Kergoat, 2007) provocou nas

ações assistenciais e educacionais a reprodução de valores vinculados à preparação para

o casamento e para as atividades provenientes do espaço doméstico. Faleiros (2009), ao

46
Lembramos ao leitor que a unidade de atendimento citada pela educadora, o Corpo de Bombeiros
Militar do Rio Grande do Norte, trata-se do Instituto Padre João Maria, como já explicitamos em outra
nota. A outra casa se trata da Casa das Arrependidas (atual Instituto Bom Pastor), localizada no Bairro do
Bom Pastor, instituição administrada por freiras, que recebia mulheres que apresentavam comportamentos
divergentes aos moralmente esperados. Desse destino, essas jovens eram obrigadas a abandonar suas
casas e se encaminharem à reclusão, utilizando seu tempo na aprendizagem de corte, costura, bordados,
bem como em atividades domésticas (Hora, 2008).
96

ressaltar a diferença da formação para meninas e meninos em alguns abrigos do Brasil,

afirma: “Elas, em geral órfãs, eram recolhidas por instituições religiosas, segundo cor e

filiação (legítima ou ilegítima) e preparada nas artes domésticas, para o casamento

(dotes) ou para serem empregadas domésticas” (p. 221).

4.1.1. O Instituto Padre João Maria

A partir de 1964, a assistência à infância no Brasil passou a ser competência do

governo militar. Esse governo via na “questão do menor” um problema da Doutrina de

Segurança Nacional e Desenvolvimento, sendo, portanto, objeto de sua intervenção e

normalização (Rizzini & Pilotti, 2009). Foi assim que se criou a FUNABEM e a

PNBEM, às quais coube conduzir as políticas para crianças e adolescentes no Brasil

(Adorno, 1998). Nesse contexto, no ano de 1979, é sancionado o Novo Código de

Menores, que objetivava a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. No

entanto, trazia a noção do “menor em situação irregular”, que esquadrinhava a

população infantojuvenil numa espécie de patologia social (Rizzini, 1993) e

favoreceram a internação, em larga escala no país inteiro (Rizzini & Pilotti, 2009).

Foi nessa conjuntura nacional que, em Natal, o Instituto Padre João Maria passa

por mudanças estruturais e retorna o seu funcionamento. É válido ressaltar que no ano

de 1973, a criação da Fundação de Bem-Estar do Rio Grande do Norte (FUNBERN),

através da Lei n. 4.306 de 13 de setembro de 197347 , como organismo vinculado à

FUNABEM, responsável por implantar e executar a política do bem estar social do

Governo do RN, provocou mudanças administrativas no Instituto, que deixou de ser

dirigido por freiras.

47
A Lei n. 4.306 que criou a FUNBERN foi sancionada por meio do Decreto n . 6.747. Sendo o órgão
estadual de implantação e execução das normativas da FUNABEM e PNBEM , ficou sob a supervisão da
Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social (Oliveira & Araújo, 1979). Por volta de 1980, passará a
denominar-se, assim como as outras fundações estaduais do país: FEBEMs.
97

A partir daí, o Instituto ficou vinculado como um órgão da FUNBERN (Oliveira

& Araújo, 1979). No ano de 1979, a instituição voltou a funcionar em prédio localizado

no bairro da Cidade da Esperança48 (Evangelista, 2011). No entanto, com base na

Política de Atendimento à adolescente, conforme determinação do Código de Menores

(1979), o Instituto passou a atender a adolescentes “em situação irregular”, notadamente

aquelas que por situação da pobreza estavam abandonadas e outras por envolvimento

com a prostituição e o uso de drogas (Centro Educacional Padre João Maria, 2009).

Especificamente em relação ao atendimento às meninas, observa-se uma grande

preocupação da FUNBERN com a postura adequada para mulheres, separando-as em as

“meninas fáceis” e as “meninas difíceis”, a fim de preparar como mães de famílias

cristãs e mulheres adequadas as virtudes domésticas49 .

Essa separação ocorreu no ano de 1979, quando o Instituto voltou a funcionar.

As adolescentes que mantinham vício e/ou apresentavam posturas consideradas

inadequadas foram transferidas para uma nova unidade, e as outras adolescentes

permaneceram no próprio Instituto. Esse novo órgão, também ligado à FUNBERN se

chamava “Granja Santana”, em referência à administração das freiras da Congregação

“Filhas de Sant‟ana”. Apesar de, a partir de 1973, as freiras terem deixado a

administração do Instituto, nesse período, a pedido do Secretário do Trabalho e Bem

Estar Social do RN, Dr. Otomar Lopes Cardoso, a Senhora Pricile Roy retoma a

administração dessa unidade de atendimento.

48
O prédio em que funcionou o Instituto Padre João Maria, nesse período, localiza -se na Avenida Mor
Gouveia, próximo à rodoviária de Natal. Atualmente, nesse prédio funciona o Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente Acusado de Ato Infracional (CIAD) (Evangelista, 2011).
49
Assim como houve a separação das meninas por critério de honra (virgem e não virgens) nos
recolhimentos do Império, na República e no Serviço de Assistência ao Menor (SAM) no ce nário
nacional (Arantes, 2009).
98

4.1.2. A Granja Santana: o projeto diferenciado

A Granja Santana ficava localizada no município de Parnamirim, região

metropolitana de Natal (hoje, bairro de Emaús)50 . O objetivo desta unidade era

desenvolver um projeto diferencial, no aspecto educacional, especialmente para as

adolescentes em que o atendimento no Instituto Padre João Maria, segundo os técnicos,

não estava tendo efeito. A proposta era de salvação dessas meninas que, vivendo nos

“vícios”, precisavam de uma atenção específica.

Quando eu cheguei a Natal, em 1979, eu vim trabalhar com a freira Ir. Pricile

Roy, em um Projeto diferenciado com as meninas que já eram do Instituto Padre

João Maria. Esse projeto se chamava “Granja Santana” e foi criado pelo

governo como uma casa de atendimento da FUNBERN, hoje FUNDAC. O

Secretário de Assistência Social convidou a Ir. Pricile, que é uma freira

americana e já trabalhava com essa questão das meninas, nessa reeducação. A

ideia do projeto era salvar as meninas, para tirar das ruas e dos vícios. O

Secretário, assim como as freiras, queriam uma metodologia diferente, uma

proposta diferente, que era uma experiência que inclusive a Ir. Pricile já tinha

nos Estados Unidos de lidar com meninas e jovens. Claro que lá era diferente,

ela sempre dizia isso, mas pelo menos ela tinha identidade com a situação

[...]Eles alugaram uma granja, aqui perto, em Emaús, no município de

Parnamirim. As meninas escolhidas para ir para essa granja eram aquelas que

achavam que não tinha mais ninguém que pudesse trabalhar com elas. Na

verdade, até se perguntavam quem teria essa coragem de trabalhar com elas?

Então, a irmã disse: são exatamente essas que eu quero. Daí, a Granja de

50
Segundo informações de Evangelista (2011), a instituição se localizava por trás da fábrica Sacoplástico,
no município de Parnamirim, região metropolitana de Natal.
99

Santana abriu e começamos com dez meninas esse trabalho. Elas eram

consideradas as dez piores meninas do Instituto Padre João Maria. (Educadora

- Granja Santana)

A proposta do atendimento na Granja Santana não durou muito. No mesmo ano,

1979, o atendimento foi interrompido e as adolescentes retornaram para o Instituto

Padre Joao Maria, que mantinha o atendimento para as adolescentes em situação de

abandono e carência (Centro Educacional Padre João Maria, 2009). Segundo a freira

que administrava a Granja Santana:

Foi apenas um ano. Começou com o convite do Dr. Otomar Lopes Cardoso, que

era o secretário do serviço, como chama? Secretário de Assistência Social51 . Ele

me convidou para cuidar das meninas do Padre João Maria, algumas só...Com

relação à escolha das meninas dessa unidade, não sei exatamente. Acredito que

já vinha determinado pelo Juiz. Bem, aí o secretário me convidou, ele já sabia

da minha experiência com mulheres jovens nos Estados Unidos e no Brasil com

as mulheres prostitutas das Rocas e na Casa das Arrependidas no Bom Pastor.

Então, fomos encaminhadas para cuidar de uma casa que é por trás da fábrica

Sacoplástico, no município de Parnamirim. Acredito que a casa deve existir

ainda hoje, mas só funcionou apenas um ano. O término do projeto se deu no

final deste ano. Eu tive uns problemas de saúde e tive que voltar para me cuidar

nos Estados Unidos e, nessa mesma época, o Dr. Otomar foi transferido para

Brasília e o projeto acabou. Não sei para onde as meninas foram levadas. A

partir daí, foi dado baixa na minha carteira porque eu era funcionária efetiva

do estado. (Diretora - Granja Santana)

51
A entrevistada faz referência a Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social, como era denominada à
época.
100

Com o final do projeto da Granja Santana e o retorno das adolescentes para o

Instituto Padre João Maria, a FUNBERN reestruturou o departamento de coordenação

pelos atendimentos institucionais (unidade feminina e masculina), que passou a ser

chamado de Departamento Sócio Terapêutico. A partir disso, o Instituto encaminhou as

crianças e adolescentes em situação de abandono e carência para outras unidades da

Secretaria de Trabalho e Bem-Estar Social – aquelas com faixa etária até seis anos

foram direcionadas para a Creche Menino Jesus e aquelas acima dos seis anos foram

para o Instituto da Medalha Milagrosa52 – e passou a atender apenas à adolescente com

condutas consideradas infratoras, sob a égide do Código de Menores (Centro

Educacional Padre João Maria, 2009).

No ano de 1980, a FUNBERN passou a denominar-se FEBEM, como em outros

estados do país. Com isso, o Instituto Padre João Maria, desde então, ficou ligado ao

Departamento de Atuação Sócio Terapêutica (Centro Educacional Padre João Maria,

2009). Nesse período, o prédio do Instituto, que funcionava numa estrutura de

internato53 , necessitou passar por reformas e foi extinto. As adolescentes foram

distribuídas em casas alugadas pela FUNBERN nos bairros de Pirangi, Petrópolis e no

município de Extremoz – região metropolitana de Natal (Evangelista, 2011).

De acordo com Evangelista (2011), o Instituto Padre João Maria ficou extinto

até o final da vigência do Código de Menores. A instituição retornou apenas no ano de

1991, após a promulgação do ECA, ainda de forma precária, em uma unidade no bairro

do Alecrim. Em 1993, a unidade foi novamente desativada. Nesse período,

“considerando que as internas não se caracterizavam na situação autoras de ato

52
Na história das políticas para infância e adolescência no Brasil, a relação entre Estado e Igreja se
configurou numa aliança forte. No RN, essa relação não foi diferente. Na ausência da intervenção do
Estado com relação ao atendimento das meninas pobres, na maioria das vezes, realizaram-se convênios
com instituições religiosas, ficando as adolescentes a cargo da doutrina religiosa. No Caso do Instituto da
Medalha Milagrosa, o convênio foi com a FUBERN.
53
Lembramos ao leitor que o Instituto Padre João Maria se localizava no bairro da Cidade da Esperança,
onde hoje funciona o Centro de Atendimento ao Adolescente Acusado de Ato Infracion al (CIAD).
101

infracional grave, segundo a Lei n. 8069/90 – ECA [...] as internas passaram a ser

acompanhadas nas próprias famílias” (Centro Educacional Padre João Maria, 2009, p.

1).

4.1.3. O Centro Educacional Padre João Maria

Em meados da década de 1980, o Código de Menores (1979) já não alcançava as

exigências da sociedade nos serviços de proteção à população infantojuvenil. De acordo

com Costa (1993), nessa década, foi possível reunir as principais transformações sociais

que ocasionaram a falência da FUNABEM e das FEBEMs, e o surgimento de uma nova

política para crianças e adolescentes como sujeitos de direitos: o ECA, por meio da Lei

n. 8.069, promulgado do ano de 1990, e com ele a Doutrina de Proteção Integral.

No ano de 1994, a FUNDAC 54 substitui a FEBEM no RN e o Instituto Padre

João Maria retoma o atendimento às adolescentes em uma unidade no “Complexo do

Alecrim” (junção de quatro unidades da FUNDAC)55 (Centro Educacional Padre João

Maria, 2009).

Com a aprovação da Resolução n. 016/1996, o Instituto passou à denominação

de Centro Educacional Padre João Maria (CEDUC), nome que permanece até os dias de

hoje. De acordo com Evangelista (2011), um convênio da FUNDAC com o Ministério

da Justiça possibilitou, em 24 de setembro de 1998, a inauguração de uma nova unidade

para o atendimento às adolescentes56 . A instituição, a partir disso, destinou-se a atender

as adolescentes autoras de atos infracionais de 12 a 18 anos de idade, encaminhadas

pelas Varas da Infância e Juventude e os Juízos de Direitos das Comarcas de Natal e dos

interiores do estado do RN.


54
A Fundação Estadual da Criança e do Adolescente foi criada pela Lei n. 6.682, de 11 de agosto de 1994
(Centro Educacional Padre João Maria, 2009).
55
Segundo informações de técnicos do atual Centro Educacional Padre João Maria , o chamado Complexo
do Alecrim se localizava na Avenida Presidente Quaresma.
56
A unidade do Centro Educacional Padre João Maria, inaugurada no ano de 1998, localizava-se na
Avenida das Fronteiras, 1626, Conjunto Santa Catarina, Bairro Potengi, Zona Norte de Natal.
102

O funcionamento do atendimento para as adolescentes nessa unidade foi

realizado até 2012. As inúmeras irregularidades no âmbito da gestão da FUNDAC bem

como a omissão do estado do RN em relação às violações sofridas por adolescentes de

ambos os sexos do Sistema Socioeducativo potiguar causaram falência dos

atendimentos, sobretudo dos direcionamentos educacionais determinados pelo ECA e

reforçados pela Lei n. 12.594/2012 do SINASE, no âmbito das unidades do RN. Essa

situação em todas as unidades do estado ocasionou consequências específicas às

adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas do CEDUC Padre João

Maria.

De acordo com o Inquérito Civil n. 010/2012, movido pela 21 o Promotoria de

Justiça da Comarca de Natal (2014), há quase dois anos é de público conhecimento a

falência da FUNDAC. As interdições parciais dos Centros Educacionais de Caicó e de

Mossoró, devido aos alertas e os relatórios produzidos pelo Conselho Nacional de

Justiça (CNJ), e a interdição do Centro Educacional Pitimbu pela Corregedoria de

Justiça do Estado do Rio Grande do Norte demonstram a grave situação do Sistema

Socioeducativo norte-rio-grandense.

Isso é constatado no relatório de revisão de inspeção judicial, realizado em 18 de

abril de 2011 pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Norte:

O quadro vislumbrado, qual seja: as condições completamente indignas a que

jovens internados são submetidos compromete qualquer proposta educacional no

processo de ressocialização das unidades.

A omissão Estatal agrava a cada dia o quadro exposto. A sua inércia diante

do quadro constitui uma verdadeira agressão “ao núcleo fundamental de

direitos, não só da criança e do adolescente, mas do homem e do cidadão,


103

condição sine qua non ao desenvolvimento do Estado Democrático de

Direito”.

No que corresponde à recomendação do Conselho Nacional de Justiça

(fechamento do CEDUC Pitimbu) que atende o sexo masculino e as

interdições dos Centros Educacionais de Caicó e Mossoró faz-nos concluir

que não só CEDUC Pitimbu encontra-se em crise, mas todo o sistema de

internação de adolescentes em conflito com a Lei no Estado. Diante disso,

as demais unidades de internação não dispõem de vagas para recebimento

dos adolescentes autores de atos infracionais custodiados no Centro

Pitimbu, de forma que a interdição da unidade apenas agravaria ainda mais a

já caótica situação apresentada no Estado. (Tribunal de Justiça do Estado do

Rio Grande do Norte, 2011, p. 4-5)

Com efeito, não poderíamos esperar outro panorama da crise do Sistema

Socioeducativo potiguar. Com a interdição do CEDUC Pitimbu57 e as condições de

insalubridade e insegurança do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente

Acusado de Ato Infracional (CIAD), constatadas também em 2011, os adolescentes da

região metropolitana submetidos à medida de internação e os inseridos provisoriamente

no CIAD foram encaminhados para outras unidades do sistema. Essa situação trouxe

efeitos marcantes para o Centro Feminino.

O “Documento Interinstitucional: irregularidades no sistema socioeducativo”58 ,

ao fazer um resgate das irregularidades das unidades e da própria gestão da FUNDAC,

57
A interdição do CEDUC Pitimbu ocorreu no dia 13 de março de 2012, por decisão liminar da Vara da
Infância e Juventude da Comarca de Parnamirim/ RN.
58
Esse documento foi produzido pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Defensoria
Pública do Estado do Rio Grande do Norte, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte,
Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, Ordem dos Advogados do Brasil –
Seccional do Rio Grande do Norte, Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do A dolescente – Fórum
DCA e Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONSEC. Disponível em:
104

oferece algumas recomendações, dentre elas nos interessa ressaltar as que propõem

mudanças do Centro Educacional Padre João Maria.

Tendo em vista a situação de grave crise no que se refere às vagas

disponibilizadas pela FUNDAC, sugere-se, conforme consenso dos

participantes, que Vossa Excelência determine, como medidas emergenciais, as

seguintes providências, quais sejam:

a. disponibilizar vagas imediatas para o cumprimento de medidas

socioeducativas de internação, sugerindo-se que o Centro Educacional

Padre João Maria destinado ao cumprimento de medidas por adolescentes

do sexo feminino passe a receber adolescentes do sexo masculino

(quantidade maior) e as adolescentes do sexo feminino sejam remanejadas

para outro prédio com estrutura menor, como, por exemplo, o prédio da

FUNDAC que fica localizado na Rua Adolfo Gordo, abrindo-se

temporariamente vagas para pelo menos 15 (quinze) internações, até que o

CEDUC Pitimbu seja desinterditado. (Inquérito Civil n. 010, 2012, p. 325-

330)

O prédio da FUNDAC, referido no relatório, trata-se de um prédio localizado no

bairro da Cidade da Esperança. No entanto, esse não foi o destino dado às adolescentes.

A FUNDAC, atendendo à recomendação do Documento Interinstitucional, transfere os

adolescentes do sexo masculino para o prédio do CEDUC Padre João Maria e o

atendimento para as adolescentes passa a ser realizado em unidade (casa) pertencente à

FUNDAC, em uma rua ao fundo do CEDUC feminino, no mesmo bairro.

Alguns anos anteriores, esta unidade já foi utilizada para as medidas de

semiliberdade feminina, quando essa medida funcionava separada da privação de

http://www.mprn.mp.br/controle/file/2012_DOCUMENTO%20INTERISTITUCIONAL_IRREGULARI
DADES_SINASE.pdf
105

liberdade. Essa separação não ocorria recentemente, pois, sob a alegação da quantidade

inferior de meninas no Sistema Socioeducativo, o CEDUC feminino vem atendendo no

mesmo espaço a todas as medidas, divergindo, assim, dos procedimentos de execução

de medidas determinados pelo ECA e pelo SINASE.

A preocupação para com o gênero feminino no âmbito do Sistema

Socioeducativo advém do fato de que o Direito, seus representantes e os próprios atores

do Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, que são em sua

maioria homens, também assumem um papel de poder nas relações de gênero. No

contexto da execução de medidas socioeducativas, poucas são as prescrições do ponto

de vista legal e políticas nacionais que abordem essa questão. Não obstante, o SINASE

determina, em seu décimo eixo, a necessidade da adequação das propostas pedagógicas

às diversidades étnico-raciais, de gênero e de orientação sexual:

Questões da diversidade cultural, da igualdade étnico-racial, de gênero, de

orientação sexual deverão compor os fundamentos teórico-metodológicos do

projeto pedagógico dos programas de atendimento socioeducativo; sendo

necessário discutir, conceituar e desenvolver metodologias que promovam a

inclusão desses temas, interligando-os às ações de promoção de saúde, educação,

cultura, profissionalização e cidadania na execução das medidas

socioeducativas, possibilitando práticas mais tolerantes e inclusivas. (Conanda,

2006, p. 55)

Na prática, poderemos encontrar realidades que (in)visibilizam as adolescentes e

não contribuem para construção de projetos de vida aliados aos valores e ao respeito às

diversidades de gênero e orientação sexual.


106

4.2. O cotidiano institucional: perspectivas de atendimento para as adolescentes

autoras de atos infracionais no Rio Grande do Norte

No tópico a seguir buscamos apresentar e discutir quais eram/são os motivos

elencados pelos profissionais entrevistados que ocasionavam/ocasionam a

institucionalização das adolescentes autoras de atos infracionais no Rio Grande do

Norte. Lembramos que as unidades identificadas são: Instituto Padre João Maria, criada

em 1979, Granja Santana, criada no mesmo ano, e o Centro Educacional Padre João

Maria (CEDUC), inaugurado no ano de 1998.

4.2.1. A conduta “desviante”: motivos para institucionalização das adolescentes

Como dissemos, de acordo com a Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979,

implementa-se, no Brasil, um novo Código de Menores e a Doutrina de Proteção ao

Menor em situação irregular. Nesse momento, é reforçada a necessidade de o Estado

intervir na “questão do menor”, a fim de agir nos casos de abandono, infrações penais,

desvios de conduta, falta de assistência, ação ou omissão dos pais ou responsáveis, e

reprimir a ociosidade, implementando a ideologia do trabalho.

Com base nessa política, em 1979, a FUNBERN realizou, em Natal, uma

restruturação do Instituto Padre João Maria, restringindo o atendimento apenas às

adolescentes consideradas em “situação irregular” (Centro Educacional Padre João

Maria, 2009). Denominavam-se adolescentes em situação irregular aquelas que por uso

de drogas ou envolvidas com a prostituição se enquadravam, conforme o Código de

Menores, em situações de perigo que poderiam levar à criminalização. Para esse

instrumento legal, o abandono material e moral era um passo para a criminalidade,

devendo, assim, agir imediatamente no problema instalado, sem necessariamente


107

preocupar-se com a prevenção. Foi assim que ocorreu o primeiro momento da

assistência potiguar a adolescentes autoras de atos infracionais.

Nesse período de restrição do público-alvo da unidade, a realidade demonstrava

que, no Instituto Padre João Maria, a institucionalização das meninas decorria, na

maioria das vezes, de contextos das famílias consideradas “desestruturadas”. Segundo

Oliveira e Araújo (1979), os critérios para o ingresso das “menores” na instituição não

se restringiam apenas as que se envolviam com conduta “antissocial ou infratoras” (p.

13), mas abrangia todas as meninas órfãs, pertencentes a famílias de baixa renda,

menores com problemas de adaptação na família e as encaminhadas pelo Departamento

do Bem-Estar do Menor (DEBEME) – setor de coordenação das instituições da

FUNBERN. Para a educadora que atuou na referida unidade, eram motivos de

encaminhamento das adolescentes:

Tinha uma diversidade muito grande. Eram meninas que os pais eram

alcoólatras, por exemplo. Às vezes ela não estava envolvida com os atos

infracionais. Porque misturavam meninas envolvidas com essa situação e

meninas que não eram. Inclusive, tinha uma menina lá que era alcoólatra e

estava na unidade porque os pais morreram de tanto beber cachaça. Tinha

muita razão da família, não era tanto pela menina em si. Quando a menina

estava no ato infracional, ela já vinha de um contexto muito desordenado da

família. Era muito difícil ter uma menina com estrutura familiar organizada

envolvida no ato infracional, devido à estrutura familiar. Tinha meninas com

alcoolismo, tinha meninas que estavam incluídas em gangues e começavam a

roubar. Mas, todas essas meninas, talvez eu esteja exagerando, tinham um

contexto da família desordenada. Como elas mesmas diziam: todo o problema já

vem da minha casa, não foi à toa que sai de lá. Então, nessa época, as meninas
108

eram institucionalizadas no Padre João Maria, sem necessariamente ter

cometido infrações. Às vezes elas roubavam besteiras, que se fosse hoje não

seria nem considerado ato infracional. Por exemplo, passar numa banca e

roubar uma besteira. Era muito mais para manter a droga. (Educadora -

Instituto Padre João Maria)

Com base no relatório da FUNABEM (citado por Oliveira & Araújo, 1979), uma

das razões mais frequentes que causava a carência e, consequentemente, a necessidade

da institucionalização de menores, tratava-se da pobreza material e sociocultural das

famílias, pois, na medida em que as/os menores tivessem as necessidades básicas

supridas, o seu desenvolvimento ocorreria normalmente. Em consonância a essa

posição, Oliveira e Araújo (1979) traçam um perfil das adolescentes atendidas nesse

período. Segundo as autoras, a clientela do Instituto Padre João Maria constituía-se de

forma “bastante heterogênea, oriunda em sua grande maioria de famílias não

constituídas legalmente [...], contudo, a criança necessita de todo um equilíbrio social

básico para a sua integração e que somete lhe será propiciado pela família” (p. 19-20).

Exemplo da culpabilização direcionada às mulheres pode ser constatada no

seguinte relato.

As que utilizavam drogas eram as que tinham mais conflito dentro da família, de

vez em quando chegava uma que bateu no irmão, outra que bateu no cunhado.

Elas usavam geralmente a maconha e eram rebeldes, mas essa rebeldia era em

razão do histórico da família, por exemplo, associavam logo: a mãe de fulana tá

no presídio. Tinha uma menina, por exemplo, que a mãe era do cabaré e depois

passou a vender drogas. Tinha outra que foi criada por uma tia que não dava

limite e se envolveu com a barra pesada. (Educadora - Instituto Padre João

Maria)
109

Ao analisar os aspectos familiares dos responsáveis das internas no Instituto

Padre João Maria, Oliveira e Araújo (1979) chamam a atenção para a configuração dos

membros das famílias: “verificamos um grande número de mães empregadas

domésticas, [...] pois o mesmo atinge um percentual de 21,4%”; “as mesmas não

possuem qualificação profissional e, consequentemente faltam-lhes condições

financeiras para criar seus filhos, em ambiente favorável a uma educação adequada”;

“outra característica bastante evidenciada refere-se à conduta irregular da mãe, o que faz

surgir problemas que vão repercutir na vida da menor, levando-a na maioria das vezes

ao internamento” (p. 21).

Com relação à renda familiar das adolescentes inseridas no Instituto Padre João

Maria, Oliveira e Araújo (1979) verificam que mais da metade das famílias sobrevivem

com a metade de um salário mínimo59 , indicando que elas não possuem condições para

atender as necessidades básicas de suas filhas e filhos. A maioria dessas famílias,

“naturalmente, não possuem renda fixa, limitando-se provavelmente a biscates e até

mesmo o desemprego” (p. 22).

Como apontamos anteriormente, em meados de 1979, como forma de separar as

adolescentes envolvidas com drogas e/ou prostituição daquelas não envolvidas e tais

contextos, foi criada a Granja Santana. Inicia-se, então, a classificação do perfil das

adolescentes, usada como critério de atendimento. Nessa ocasião, foram escolhidas as

consideradas “piores” do Instituto Padre João Maria. Nessa unidade o objetivo era isolar

essas adolescentes para realizar um trabalho diferenciado. Pretendia-se a salvação das

adolescentes que, em situações adversas, estavam “perdidas”: “Alugaram uma granja

em Parnamirim. E a proposta era trabalhar com as meninas do Padre João Maria, com as

59
Conforme o Decreto n. 84.135, de 31 de Outubro de 1979, o salário mínimo passa a ser 2.932, 80
cruzeiros. Informações recuperadas de http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1970-1979/decreto-
84135-31-outubro-1979-433690-publicacaooriginal-1-pe.ht ml
110

quais ninguém tinha coragem de trabalhar. A gente começou o trabalho com 10

meninas, as piores que tinham” (Educadora - Granja Santana).

É importante ressaltar que a estruturação dessa unidade, com atendimento

paralelo ao Instituto Padre João Maria, objetivava salvar as adolescentes. Consideramos

que essa unidade configurou o segundo momento da assistência às adolescentes autoras

de atos infracionais. Assim como foi realizado no cenário nacional, a assistência a

crianças e adolescentes do sexo feminino, em Natal, fundava-se na ideia de proteger as

meninas das más influências que as desviariam do caminho da decência e da

honestidade, valores cristãos adequados para o comportamento das mulheres (Madeira,

2008).

Na década de 1990, conforme apontado alhures, constitui-se a terceira unidade

de atendimento às adolescentes autoras de atos infracionais em Natal/RN, o CEDUC.

Ao ser questionado sobre os motivos que levam à institucionalização das adolescentes

no CEDUC feminino, nos dias atuais, o diretor da unidade declarou:

O maior índice é assalto, maioria delas. Em relação à droga o índice é muito

alto, a maioria já usou ou usa, geralmente maconha e crack. Elas chegam

geralmente acompanhadas por uma amiga ou por um grupo de amigos. Só teve

uma recentemente que veio sozinha. Também já vieram algumas com os

companheiros, mas geralmente eles são maiores e elas menores. (Diretor -

Centro Educacional Padre João Maria)

A influência do grupo de amigos, da família e dos companheiros sobre as

adolescentes autoras de atos infracionais tem sido apontada como tema imprescindível

nos estudos que teorizam a infração juvenil (Assis & Constantino, 2001). Segundo esses

autores, no universo das meninas envolvidas com infrações,


111

nota-se que a força dos amigos se exerce com maior intensidade nos momentos

em que os conflitos familiares se exacerbam. Em geral, a adolescente necessita

de apoio do grupo para sair do espaço doméstico, diferentemente do menino, que

sempre convivi com os companheiros de rua. (p. 135)

De acordo com Assis e Constantino (2001), a influência dos familiares,

principalmente a experiência de criminalidade da mãe – associada à relação com

companheiros, pais, irmãos, tios e primos (mais fortes, poderosos e capazes de supri-las

financeiramente) –, provoca a inserção das adolescentes (filhas) na vida do crime e,

consequentemente, no sistema de privação de liberdade.

Os relatos dos entrevistados confirmam as análises apresentadas pelas autoras

Assis e Constantino (2001) e Oliveira e Araújo (1979), o que nos impõe a necessidade

de refletir criticamente sobre essa realidade. A justificativa pelo envolvimento das

adolescentes com infrações, até aqui destacadas, evidenciam marcas da lógica da

desigualdade decorrente das relações sociais, com especificidades nas relações entre os

sexos; “esta forma modulada historicamente e societalmente” (Kergoat, 2001, p. 36).

Aqui, vemos primeiramente a culpabilização da família pobre arraigada no processo

histórico do Brasil. Foi no Brasil Império, com crescimento de abandono e circulação de

crianças negras nos centros urbanos que surgiu a repulsa diante das crianças pobres e a

desqualificação da família por esta condição (Rizzini, 1997). Na história da política para

infância e adolescência vimos que o papel dos higienistas em muito contribuiu para o

reforço dessa desqualificação, pois, segundo eles, os hábitos sustentados pelas famílias

pobres degeneravam as crianças e os transformavam em possíveis perigosos, razão de

ameaça à ordem do país (Nascimento, Cunha, & Vicente, 2007).

Ao analisarmos o surgimento da tutela da família, da criança e do adolescente no

âmbito da legislação, vimos que a política de atendimento baseada nos Códigos de


112

Menores não é imparcial a essa situação. Ao contrário, a classificação da categoria

menor diz respeito a uma periculosidade associada à desestruturação da família pobre

(Nascimento et al., 2007). A desqualificação dessas famílias como justificativa da

classificação das adolescentes em situação irregular é uma forma clara de

criminalização da pobreza que, fruto de organizações familiares divergentes ao plano da

legalidade da ordem familiar burguesa instituída pela sociedade capitalista e patriarcal,

se torna alvo de repressão.

No que diz respeito à associação das infrações penais ao histórico das famílias,

os dados demonstram que razões para o cometimento de crimes por adolescentes do

sexo feminino podem ser encontradas na postura familiar, especificamente no

comportamento das mães. Com isso, entendemos que a culpabilização da família pobre

não impacta da mesma forma a todos os membros dos grupos familiares, mas afeta de

maneira mais destrutiva as mulheres.

Lembramos que na sociedade capitalista/patriarcal instituiu-se a divisão sexual

do trabalho baseada em uma hierarquia e uma separação que confere às mulheres as

atividades reprodutivas e aos homens as atividades produtivas, ambos sob forma de

exploração. Essa divisão sexual do trabalho atribuiu majoritariamente às mulheres as

tarefas necessárias e imprescindíveis à manutenção e ordem do espaço doméstico e da

família, enquanto que aos homens atribuiu-se tarefas pontuais consideradas como apoio

ou suporte àquela de responsabilidade das mulheres (Ávila, 2013). Assim, quando as

mulheres não conseguem cumprir o papel social esperado, elas são responsabilizadas de

forma severa, sendo, a partir disso, consideradas más cidadãs e inadequadas à sociedade

(Saraceno, 1997).

Nos últimos anos, essa responsabilização das mulheres tem se mantido intacta.

Apesar da entrada da mulher no mercado de trabalho, decorrente de inúmeras


113

transformações da sociedade contemporânea, não se pode afirmar que tenha havido uma

verdadeira emancipação, pois, mesmo trabalhando em mercados comuns aos dos

homens, ela não é dispensada da responsabilidade da vida doméstica.

4.2.2. Propostas educacionais: uma versão feminina

Nesta seção, discutimos quais propostas educacionais foram desenvolvidas na

Granja Santana, no Instituto Padre João Maria e no Centro Educacional Padre João

Maria. Conforme identificado nas entrevistas e na análise documental, abordamos aqui

a educação baseada nos valores cristãos (conforme aplicada na Granja Santana), a

educação pelo trabalho (Instituto Padre João Maria) e a socioeducação (Centro

Educacional Padre João Maria). Analisamos as propostas teóricas dessas perspectivas

educacionais e como elas foram abordadas na prática.

A educação baseada nos valores cristãos

Ao fazer uma releitura das propostas educacionais empreendidas para mulheres

pela Igreja Católica, constatamos que houve várias iniciativas para criações de

conventos, recolhimentos e escolas encarregadas de cuidar de jovens mulheres no

Brasil. Dessas iniciativas, “a mais carregada de efeitos para elas foi à criação de uma

rede de escolas católicas sob a direção e administração de religiosas” (Lopes, Azevedo,

& Frota, 2006, p. 170). No entanto, as religiosas também se encarregaram da formação

de crianças e adolescentes, mulheres envolvidas com crimes, idosos, dentre outros

grupos populacionais que se encontravam em situação de pobreza.

No que diz respeito ao trabalho com crianças, adolescentes e jovens do sexo

feminino, ao longo dos anos, as religiosas prepararam outras mulheres, a partir do

discurso religioso, com uma profunda visão tradicional do papel social da mulher

(Lopes et al., 2006). No trabalho educacional, desenvolvido com as adolescentes


114

institucionalizadas na Granja Santana, é possível enxergar esse histórico arraigado em

todo o país. Em resposta ao questionamento realizado na entrevista sobre quais eram os

objetivos da orientação educacional nessa instituição, a educadora descreve:

O código de Menores tinha uma função muito de isolamento, da privação de

liberdade e nós, desse projeto diferenciado, víamos que o contexto de trabalho

com essas meninas deveria ser com o trabalho voltado sobre a temática da

família. Então, para educarmos essas meninas, nós dizíamos: “aqui é a sua casa

e nós somos uma família”. As irmãs já trabalhavam com mulheres presas.

Tinham experiência desde o tempo que moravam nos Estados Unidos e aqui no

Brasil quando trabalharam na unidade que se chama hoje Instituto Bom Pastor.

Então, elas trabalhavam a questão da dignidade e sempre na perspectiva da

família. Quanto às atividades pedagógicas mesmo, nós tínhamos muitos cursos.

Nós as ensinávamos a cozinhar. Elas fizeram também cursos para confecção de

bolsas, costura, cortes de cabelo e cursos de manicure. (Educadora - Granja

Santana)

Essas informações são reforçadas pelo relato da religiosa que administrava essa

unidade de atendimento:

Com base na minha experiência dos Estados Unidos, a proposta educativa era

basicamente comunicar para menores infratoras o amor e a bondade. Nós

tínhamos poucos meios para trabalhar com esse tipo de meninas com problemas

de conduta. Havia ausência de atendimento profissional. No caso, fora a

assistente social que ia uma vez por semana, não tinham mais profissionais.

Tudo era muito difícil e todas as nossas necessidades dependiam da FEBEM

que era o órgão que coordenava. Lembro-me que a Casa era muito longe das

coisas e para conseguir até um transporte era coisa muito difícil. Aí no Brasil
115

era muito diferente dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos eu era acostumada

trabalhar com muitos profissionais com esse tipo de menina. Eram psicólogos,

psiquiátricas, da área do serviço social. As meninas eram perturbadas mesmo e

precisavam de uma assistência com muitos profissionais, mas não tinham.

(Diretora - Granja Santana)

Com isso, percebemos que a proposta educacional da referida unidade se baseou

predominantemente nos valores cristãos, no qual o intuito dessa educação se restringia a

reforçar padrões associados à posição socialmente construída para as mulheres.

A educação pelo trabalho

Como vimos, a FUNABEM, órgão que substituiu o extinto SAM, surgiu com a

finalidade de afastar-se das críticas e ser o oposto de seu predecessor. Ao se discriminar

as suas competências, ressaltava ser uma antítese ao SAM em vários aspectos, dentre

eles, no planejamento das soluções, na orientação, na coordenação e na fiscalização das

entidades da PNBEM, com imediatismo, legitimidade nacional e âmbito irrestrito,

pontos jamais efetivados pela antiga instituição (Lei n. 4.513/1964, Art. 5). Certos de

sua incumbência de atuação para o novo órgão de atendimento aos “menores”, a

FUNABEM deixava evidente seus objetivos legais, no qual destacamos:

I- Realizar estudos, inquéritos e pesquisas para desempenho da missão que

lhe cabe, promovendo cursos, seminários e congressos, procedendo ao

levantamento nacional do problema do menor;

II- Promover a articulação das atividades de entidades públicas e privadas;

III- Propiciar a formação, o treinamento e o aperfeiçoamento de pessoal

técnico e auxiliar necessários aos seus objetivos;


116

VII- Propiciar assistência técnica aos estados, municípios e entidades públicas

ou privadas que a solicitarem. (Lei n. 4.513/1964, Art. 7)

Na década de 1980, era perceptível que a FUNABEM, juntamente com PNBEM,

não havia conseguido os objetivos propostos. Nesse período, a incongruência das

finalidades da instituição com a ideologia da segurança nacional incidiam em discussões

sobre quais rumos essas instituições deveriam tomar para não serem extintas. Com o

intuito de trocar experiências de unidades de atendimento “modelos” e formar

profissionais, a FUNABEM propôs às FEBEM‟s de cada estado “um intercâmbio de

experiências” (Silva & Lima, 1986, p. 24).

Segundo Silva e Lima (1986), estágios foram oferecidos aos técnicos de várias

unidades da FUNABEM. Essa troca de experiência entre os profissionais possibilitaria a

aprendizagem do modelo de atendimento daquelas unidades-padrão, para,

posteriormente, implementá-las nas suas unidades de trabalho. No RN, o Instituto Padre

João Maria foi uma das unidades escolhidas60 . Os campos de estágio foram a Escola

Barão de Camargos e a Casa São Francisco, localizadas no estado de Minas Gerais,

devido às suas semelhanças com o Instituto Padre João Maria. Ambas atendiam

adolescentes do sexo feminino com conduta “antissocial e, portanto infratoras ou

abandonadas pelos pais ou responsáveis” (Silva & Lima, 1986, p. 25).

A proposta a ser implantada à época deveria se preocupar com uma lógica

pedagógica. Afinal, para o Estado nacional, a massa crescente de crianças e

adolescentes e jovens marginalizados e o caos no atendimento no interior das unidades

reforçavam a previsão dos prejuízos consideráveis, do ponto de vista socioeconômico e

político. Em documento publicado no ano de 1976, a FUNABEM já descrevia sua

preocupação com a questão dos menores. Para essa entidade, a preservação do “capital

60
A participação nesses estágios era aberta a todos . No entanto, apenas a psicóloga da instituição foi
escolhida e realizou o estágio no estado de Minas Gerais (Silva & Lima, 1986).
117

humano” importava diretamente à ideologia do modelo de desenvolvimento adotado, na

medida em que afetava o poder nacional (Vogel, 2009), haja vista que meninas e

meninos da nação estariam despreparados para a lógica do trabalho. A FUNABEM

pretendia disseminar a proposta da educação pelo trabalho, implantada pelo pedagogo

Antônio Carlos Gomes da Costa, desde 1976 61 (Silva & Lima, 1986). Com a realização

do estágio na Escola Barão de Camargos em Minas Gerais 62 , a técnica retornou ao

Instituto Padre João Maria e implementou essa proposta educacional.

Na concepção de Costa (1984), a educação pelo trabalho difere da educação

para o trabalho. Na primeira perspectiva, a educanda ou o educando aprende para

trabalhar, na segunda, a educanda ou educando trabalha para aprender. Para esse autor,

em linhas gerais, a educação pelo trabalho significa educar jovens envolvidos com

infrações utilizando o trabalho. “Educar é criar espaços para que o educando, situado

concreto e organicamente no mundo, como sujeito e não como objetivo, possa

empreender ele próprio a construção do seu ser, tanto no nível pessoal, como a nível

social” (p. 11).

Assim, a educação pelo trabalho é um processo educacional produtivo que

objetiva produzir homens conscientes e aptos para o “engajamento na classe

trabalhadora”. Ela propõe não apenas utilizar a mão de obra dos adolescentes, mas

desenvolver mulheres e homens capazes de serem produtivos e emancipados. Para que

assim ocorra não poderá ser desenvolvida de forma desmembrada da participação da

adolescente. A adolescente não poderá ser excluída das concepções da finalidade do

trabalho, da organização do trabalho e do produto final que esse trabalho resulta. “A

61
Nesse período, o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa era diretor da Escola Barão de Carmagos
em Minas Gerais.
62
A criação dessa proposta educacional surgiu a partir da dificuldade do trabalho pedagógico nas
Febem‟s de Minas Gerais e, sobretudo, a rejeição da comunidade e da Igreja sobre a presença dos
adolescentes na convivência com a sociedade (Silva & Lima, 1986).
118

proposta pedagógica – Educação pelo Trabalho – deve ser dar de forma participativa,

com diálogo e planejamento entre a equipe institucional e as educandas” (Silva & Lima,

1986, p. 28).

São os três princípios básicos desta proposta:

1º) A participação do educando na gestão de trabalho;

2º) A participação do educando no produto do seu trabalho;

3º) A participação do educando no conhecimento relativo ao trabalho realizado.

(Silva & Lima, 1986, p. 28)

A partir desses princípios, tentou-se implantar uma prática pedagógica no

Instituto Padre João Maria, em que “as educandas e educadores têm participação ativa

na construção do plano de ação institucional e na sua execução” (Silva & Lima, 1986, p.

30). A assistente social e a pedagoga da instituição descrevem esse contexto:

A princípio não existia nenhuma atividade de cunho pedagógico, depois a

equipe pensou em realizar com elas trabalhos manuais, tinham algumas

monitoras que acompanhavam. Depois de um curso que uma das técnicas fez em

Minas Gerais, a equipe conseguiu um convênio em uma fábrica de botões em

Parnamirim. Elas colavam aquelas pedras nos botões. Era um convênio, eles

vinham buscar as meninas na instituição, depois as deixava de volta e elas eram

remuneradas. Foi muito bom, aí abriram uma caderneta de poupança na Caixa

Econômica para elas e a gente administrava por elas serem menores de idade.

(Assistente Social - Instituto Padre João Maria)

Eu lembro que tinha uma fábrica de botões, a Bonnor, era ótimo! O pessoal de

lá nos mandavam os botões e as meninas pregavam. E a gente repassava uma

parte do dinheiro para elas. Elas ficavam direto dentro de casa, às vezes a mãe
119

passava muito tempo sem vê-las, então elas mesmas juntavam o dinheiro para

comprar coisas para elas. (Pedagoga - Instituto Padre João Maria)

Segundo Silva e Lima (1986), o convênio da instituição com a fábrica de botões

Bonnor constituía o elemento central da proposta educacional do atendimento às

adolescentes. De acordo com as observações in loco realizadas por essas autoras, as

adolescentes costuravam botões em cartelas que serviriam como mostruários da fábrica.

As adolescentes chegaram a trabalhar no espaço da fábrica, mas logo passaram a

trabalhar na própria unidade, que começa a parecer uma “mini-fábrica”. Isso porque as

adolescentes passam a ganhar por produção, sem, “contudo, manterem nenhum vínculo

empregatício com a Bonnor” (p. 33).

Na realidade, os princípios da educação pelo trabalho logo são desconsiderados.

Segundo Silva e Lima (1986), o desenvolvimento da prestação de serviço para Bonnor

descaracterizava qualquer proposta educacional, pois, na prática, as adolescentes eram

meros instrumentos de trabalho (eram utilizadas para produzir) e mercadorias (porque

recebiam remuneração pelo seu trabalho).

Notamos que na instituição essa consciência individualista (classe em si) é

repassada e fortalecida no educando. Exemplificamos essa justificativa com o

trabalho de botões do Instituto Padre João Maria, onde segundo a instituição

trata-se do momento em que as menores integrarem umas com as outras. Porém

o que acontece é o aumento do individualismo provocado pela ansiedade e

estímulo que recebem de produzirem cada vez mais, aumentando assim a

competição entre as educandas, impossibilitando o relacionamento e a

capacidade de relacionarem a produção com a forma coletiva que a mesma

realiza. (Silva & Lima, 1986, p. 38)


120

Além da prestação de serviços para fábrica Bonnor, em algumas ocasiões,

oferecia-se cursos de datilografia, de doces e salgados, de pintura de panos de prato para

as adolescentes. Segundo relato dos profissionais entrevistados que atuaram do Instituto

Padre João Maria, os convênios com empresas eram sempre recebidos com satisfação,

pois havia uma preocupação com a ociosidade das adolescentes.

A Socioeducação

A promulgação do ECA e da Doutrina da Proteção Integral, nos anos 1990,

enfatizou o direito da criança e do adolescente a serviços sociais, e propôs

transformações profundas no sistema de justiça juvenil. A partir dessas transformações,

a proposta de atendimento aos adolescentes (de ambos os sexos) em cumprimento de

medidas socioeducativas passou a ter um jargão predominantemente educativo (Basílio

& Kramer, 2003). Com intuito de abandonar as velhas práticas punitivas, o ECA

provocou uma ruptura ético-política e propôs aplicação de medidas socioeducativas

como forma de responsabilização e transformação da realidade das jovens e dos jovens

envolvidos com infrações.

Nesse contexto, as ações pedagógicas baseadas nas ideias da Educação Popular,

originadas entre os anos 1950 e 1960 (Beisiegel, 1984), foram mais uma vez

disseminadas no Brasil. O acirramento das desigualdades sociais, resultado do golpe

civil-militar de 1964, e até as medidas de aceleração da economia, com o famoso

“milagre econômico”, provocou no Brasil um período de crise e expôs as condições

sociais que afetavam a população infanto-juvenil (Oliveira, 2007). Com a política

integrada na perspectiva dos direitos humanos, o ECA e sua doutrina propunham

ultrapassar a reprodução do discurso menorista e fundar na assistência à infância e

adolescência ações educacionais que de fato promovessem a transformação social


121

(Basílio & Kramer, 2003). Assim, as concepções da Educação Popular ou Social

passam a direcionar os serviços de atendimento a crianças e adolescentes em situação de

vulnerabilidade social.

A Educação Popular ou Social se apoia na educação dialógica do teórico

brasileiro Paulo Freire e tem a finalidade de construir um projeto educacional mais

justo, solidário e humano. Nessa perspectiva, o processo educativo é considerado

mediador essencial para mudança de padrões de conduta, modos de vida, atitudes e

relações sociais. Ela se propõe a tratar os educandos de forma integrada aos contextos e

vivências de sua própria realidade social. Segundo Werthein (1985), a realidade social é

o ponto de partida para o processo educacional, que através da sua disseminação se

volta a ele, para enfim transformá- lo.

Na busca da Educação Popular por caminhos possíveis para a reorientação dos

valores, condutas e novas perspectivas para a transformação social, surge a Educação

Social de Rua (ESR). Esta se baseou na Pedagogia da Presença e objetivou propor uma

educação para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade que constituíam a

população em situação de rua (Oliveira, 2007). Nessa perspectiva, o processo

educacional integra a participação da família e da comunidade para assim haver a

verdadeira transformação social. A partir da aproximação com as realidades das

crianças em situação de rua e dos adolescentes em unidades de medidas

socioeducativas, o foco do trabalho da ESR é ampliado para adolescentes em conflito

com a lei (Oliveira, 2007).

No ano de 2006, a proposta educacional da ERS bem como as concepções

pedagógicas e políticas resgatadas da Educação Popular orientaram a formulação dos

princípios do SINASE. Nesse cenário, os princípios da ERS são incorporados à

proposta de atendimento no cumprimento de medidas socioeducativas. A proposta


122

educacional para adolescentes envolvidos com infrações deve direcioná-los a “atuar

como pessoas, cidadãos e futuros profissionais, para que não reincidam na prática de

atos infracionais (crimes e contravenções, se cometidos por adultos), garantindo, ao

mesmo tempo, o respeito aos seus direitos fundamentais e à segurança dos demais

cidadãos” (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006, p. 24).

Com a publicação das diretrizes básicas para o SINASE, formulado pelo

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), as unidades e

programas que executam as medidas socioeducativas devem se basear na

diretividade; na disciplina como meio; na horizontalidade na socialização das

informações entre a equipe multidisciplinar; na organização funcional e espacial

para promoção de boas atividades; na participação da família e da comunidade

no processo socioeducacional e a formação continuada de profissionais e na

diversidade ético-cultural, de gênero e orientação sexual como norteadora para

prática pedagógica. (Conanda, 2006, p. 48-49)

Segundo os parâmetros do Sinase (Conanda, 2006), a prática deve ter:

1º) Prevalência da ação socioeducativa sobre os aspectos meramente

sancionatórios;

2º) Deve ter o Projeto Político Pedagógico como ordenador de ação e gestão do

atendimento socioeducativo; participação dos adolescentes na construção, no

monitoramento, na avaliação das atividades socioeducativas; respeito à

singularidade do adolescente, presença educativa e exemplaridade como

condições necessárias e exigência e compreensão na ação socioeducativa

(Conanda, 2006, p. 47-48)63

63
O SINASE se torna a Lei n. 12.594 no dia 18 de Janeiro de 2012.
123

Contudo, no RN, o cotidiano institucional das unidades de medidas

socioeducativas apresenta outra realidade64 . Assim como nas demais unidades do RN,

no CEDUC, até os dias de hoje, não há um projeto político pedagógico que oriente o

atendimento. Com base nas entrevistas realizadas nesta pesquisa, as atividades

pedagógicas continuam sendo predominantemente manuais e as atividades esportivas

não ocorrem com regularidade. Ao ser questionada sobre a proposta educacional da

unidade, a diretora do CEDUC (de fevereiro de 2011 a novembro de 2012) relata que,

logo após a publicação do SINASE, a equipe técnica reuniu-se e realizou um

levantamento com as adolescentes do serviço sobre quais atividades pedagógicas elas

gostariam de participar.

Quando foi publicado o SINASE, nós nos reunimos para elaborar atividades

baseado nos eixos desse documento. Então, fazíamos um lev antamento. Elas

queriam informática. Não tinha informática, porque a unidade não oferecia

computador, na época. A gente geralmente tinha material para oficina

artesanal, então nós falávamos: “vamos fazer artesanatos”. Mas quem dava

esses materiais era a oficineira, ou então, para conseguir mais, pegávamos uma

parte dos lucros e comprávamos mais e o restante era para elas. Do lucro, 20%

se destinava a comprar os materiais e 80% para elas. Todas participavam. Elas

gostavam muito de fazer cachorrinho e a vendagem era muito boa. (Diretora 1 -

Centro Educacional Padre João Maria)

Nas atividades, elas tinham curso profissionalizante, de artesanato, confecção

de boneca, de cachorrinho, aula de reforço e o lazer. A gente garantia todos os

direitos estabelecidos pelo ECA: a educação, a profissionalização e o lazer.

64
No tópico da contextualização das unidades de atendimento, ressaltamos a difícil situação das unidades
de medidas socioeducativas do RN. Para maior aprofundamento , pode-se consultar o Inquérito Civil n.
010/2012 – 21ª Promotoria de Justiça da Comarca de Natal, e o Documento Interinstitucional:
Irregularidades no sistema socioeducativo, publicado em julho de 2012.
124

Agora, a nossa grande dificuldade, que ainda deve ser hoje, é que são quatro

medidas, tudo no mesmo ambiente: internação (a própria medida

socioeducativa), internação provisória (aguarda a primeira audiência),

semiliberdade (progressão de medida) e internação sanção (era quando ela não

cumpria as medidas da semiliberdade e passava no máximo três meses). O que a

gente tinha que trabalhar com elas era esclarecimento do que era cada medida,

porque cada medida tem sua particularidade perante o ECA e elas não

entendiam. Quem está na semiliberdade pode sair para trabalhar e ir à escola,

mas a de internação não, e isso gerava o conflito. Essa programação era

construída em conjunto com a equipe técnica, educadores, assistente social, só

não tínhamos psicóloga. (Diretora 1 – Centro Educacional Padre João Maria)

Para a educadora deste período (2004-2009), as atividades pedagógicas

escolhidas, por exemplo, a pintura, tinham características condizentes com as

habilidades femininas. Para essa profissional, é através dos trabalhos manuais que as

adolescentes se sentem mais realizadas.

Na verdade, as meninas gostam de muitas coisas. Elas gostam de música, de

dançar, jogar bola, pular corda e conversar, principalmente conversar. Então,

tudo isso eu acho que é bom para elas. Elas se sentem mais calmas, estão

desopilando, soltando aquela negatividade, ganhando confiança e socializando.

Mas nas oficinas elas gostam de fazer bijuteria, bonequinhas de chaveiro e de

pintura. Tudo isso, como elas mesmas dizem, é uma forma de ocupar a mente e

fazer um trabalho social. A Fundac, atualmente, não tem condições de

desenvolver o nosso trabalho, mas, como eu gosto, eu tiro do meu bolso pra

comprar algo que está faltando. (Educadora - Centro Educacional Padre João

Maria)
125

Em última visita a esta instituição, em março de 2014, observamos a mesma

situação. Para os técnicos, com a inviabilidade de financiamento pela FUNDAC para as

atividades, oficinas e estrutura, dentre outros, o cotidiano institucional tem se tornado,

basicamente, confecção de bijuterias e realização de bazares com o apoio de doadores.

Por estar funcionando numa pequena casa, a prática esportiva é inexistente e as rodas de

conversa ou atendimentos individuais acabam ocorrendo em setores inadequados da

unidade. A Tabela 2 apresenta como se desenvolveu a proposta educacional das

unidades de atendimento a essas adolescentes no estado potiguar.


126

Tabela 2

Propostas educacionais das unidades para adolescentes autoras de atos infracionais do

Rio Grande do Norte

Unidade de Proposta Atividades Oficinas Atividades


Atendimento Educacional pedagógicas profissionalizantes esportivas
Granja Educação - Aulas sobre - Cursos para - Nenhuma
Santana baseada em como cozinhar confecção de
valores - Aulas de bolsas, cortes,
cristãos alfabetização costura, cortes de
cabelo, manicure
Instituto Padre Educação pelo - Oficinas de - Curso de - Jogos
João Maria trabalho Artesanato datilografia
- Aulas de - Curso de doces e
alfabetização salgados
- Curso de pintura
de panos de prato
- Prestação de
serviço para fábrica
de botões
Centro Socioeducação - Escolarização - Nenhuma
Educacional do ensino - Vôlei e
Padre João fundamental I futebol (2002-
Maria (1º ano 5º) 2012)
(CEDUC) (2000-2002)
- Oficinas de - Nenhuma
confecção de (atual)
bijuterias
(atual)

Com base nos dados, percebemos que a proposta educacional das unidades de

atendimento a adolescente autora de ato infracional do estado norte-rio-grandense se

desenvolveu com a predominância de atividades que reproduzem as tarefas domésticas

e/ou exploram habilidades consideradas “naturalmente” femininas. Os tipos das

atividades pedagógicas e as oficinas profissionalizantes reproduzem nas unidades de

atendimento potiguar os mecanismos de exclusão incidentes sobre as mulheres nas

sociedades. Os dados chamam atenção pelas três propostas educacionais limitarem as

possibilidades educativas das adolescentes. Atualmente, sob a alegação da falência do


127

sistema de funcionamento da atual FUNDAC, elas continuam destinadas

exclusivamente a trabalhos manuais e repetitivos, com os quais acreditam ser social e

culturalmente identificadas.

Notamos ainda que no atendimento desenvolvido, desde a Granja Santana ao

atual CEDUC, enfatiza-se uma educação “alternativa”. A nosso ver, a grande

preocupação com o aperfeiçoamento da raça e o ordenamento da nação, instituída nas

primeiras ações para infância e adolescência desde a Primeira República, e

evidentemente a moralização da posição social das mulheres reforçada pelos

ensinamentos cristãos foram utilizadas como justificativas para afastar, no caso das

meninas, a criança e a adolescente pobres de comportamentos que ameaçassem a

opressão patriarcal.

Apesar dos avanços na política de atendimento para adolescentes em conflito

com a lei, é importante notar que, no âmbito do atendimento nas unidades femininas

desenvolvido no RN, observamos um empreendimento da naturalização da opressão

feminina relacionada à ideia da dimensão da família, em particular no que corresponde

aos cuidados e ao trabalho doméstico. Não obstante algumas aulas denominadas pelos

profissionais entrevistados por “aulas de alfabetização” que visava à instrução formal,

às adolescentes restaram oficinas que frequentemente pautaram/pautam as

possibilidades educacionais do ponto de vista da inserção social e profissional nas

responsabilidades domésticas e familiares.

Como vimos na síntese apresentada na Tabela 2, ao longo dos anos, priorizou-se

a oferta de cursos de confecção de bolsas, salgados e doces, pinturas de panos de prato e

artesanato. Embora saibamos que essas atividades contenham seus valores na sociedade,

a crítica que empreendemos aqui é que, quando se trata de mulheres, há uma nítida

invisibilidade do empoderamento feminino na perspectiva educacional e profissional.


128

Se analisarmos a perspectiva educativa desenvolvida aos adolescentes do sexo

masculino em cumprimento de medidas socioeducativas, perceberemos que estes,

frequentemente, foram utilizados também como mão de obra barata no setor produtivo

capitalista (Arantes, 2009). No entanto, são as jovens mulheres as mais excluídas das

propostas de qualificação exigidas pela lógica neoliberal, pois, na maioria das vezes,

resta a elas o trabalho em setores que os capitalistas não se interessam em investir

(Diogo & Coutinho, 2006). Como observamos, as regras da dominação de gênero

compõem várias esferas da atividade social (Saffioti, 2004), e não nos surpreende que

os mecanismos de exclusão para mulheres sejam encontrados na realidade do

atendimento do sistema de justiça juvenil.

Essas questões nos permitem refletir sobre como a ordem neoliberal mantém e

perpetua as desigualdades e consequentemente os processos de exclusão das mulheres

em atividades fora do ambiente doméstico. Segundo Hirata (2002), ao analisar

demandas relativas à situação de mulheres em diversos âmbitos, a perspectiva de que as

relações entre homens e mulheres são sexuadas deve ser considerada. Para a autora,

essas são “relações desiguais, hierarquizadas, assimétricas ou antagônicas de exploração

e de opressão entre duas categorias de sexo socialmente construídas” (p. 276). De

acordo com Diogo e Coutinho (2006), a inclusão das mulheres em diversos campos da

sociedade respalda-se nas relações de exploração e de opressão do masculino sobre o

feminino.

No sistema patriarcal/capitalista, as bases materiais e simbólicas de opressão

sobre as mulheres se reforçam (Ávila, 2013). De acordo com Fonseca (2000), no modo

de produção capitalista, o capital dialoga com o feminino e com o masculino de forma

diferenciada, apesar de ambos baseados na contradição capital-trabalho. Nesse contexto,

discrimina-se a mão de obra utilizada nos postos de trabalho e sexualiza-se as


129

ocupações. Discutindo a divisão do trabalho sob a perspectiva do gênero, Antunes

(1999) afirma “nas áreas onde é maior a presença de capital intensivo, de maquinário

mais avançado, predominam os homens. E nas áreas de maior trabalho intensivo, onde é

maior ainda a exploração do trabalho manual, trabalham as mulheres” (p. 202). Temos

aqui, então, uma estruturação do mundo do trabalho que se configura a partir das

relações de classe, com recortes mais perversos para questões de raça e gênero.

Essa configuração é refletida nos processos educacionais que objetivam persistir

as desigualdades existentes nessas relações e ensinar aos mais jovens os

comportamentos adequados para o exercício dos papéis sociais (Saffioti, 1987). Para

exemplificar, lembremo-nos da perspectiva educacional desenvolvida na segunda

unidade feminina de internação para adolescentes no RN: a educação pelo trabalho.

Ainda que a proposta, segundo Costa (1984), intuísse ser diferente da educação alienada

para o trabalho, se desenvolvido a partir da gestão participativa e emancipatória das

adolescentes, na prática, pelo menos no RN, essa proposta impulsionou a exploração da

força de trabalho feminina em detrimento de uma ação transformadora. Além disso, a

escolha do tipo de trabalho instituído pelo convênio com a fábrica de botões indica que,

quando se pensa na relação das mulheres com o trabalho, predomina-se o

direcionamento delas para a segmentação ocupacional nas áreas de serviços pessoais,

domésticos, comércio de mercadorias, dentre outros65 .

Concordamos com Diogo e Coutinho (2006) quando afirmam que essa questão

tem raízes históricas nos anos vinte e trinta do século passado. Nessa época, surge o

ideário da “mãe cívica”. Há um reforço da figura materna como a responsável pela

preparação física, moral e intelectual das filhas e filhos (Rago, 1997). Utilizando a

65
Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (2001), são as áreas
de serviços pessoais, domésticos, administração pública, saúde, ensino, serviços comunitários,
comunicações, comércio de mercadorias ou atividades agrícolas que concentram a maior parte da mão de
obra feminina.
130

premissa da velha “naturalidade” enfatizavam-se as qualidades das mulheres como

líderes domésticas.

4.2.3. Estratégias de Atendimento

Apresentamos aqui como se desenvolveram/desenvolvem as estratégias de

atendimento nas três unidades analisadas. Do ponto de vista dos objetivos que

propusemos, cabe lembrar, desde logo, que elencamos a equipe e as atividades

propostas, em cada unidade, como aspectos primordiais para entender o funcionamento

da rotina das instituições.

A partir da realização das entrevistas neste estudo, percebemos que o cuidado

com a limpeza da instituição e os cursos oferecidos as adolescentes em cumprimento de

medidas socioeducativas, comportaram/compõem o elemento central das estratégias de

atendimento, ao longo dos anos, no RN. Segundo os profissionais entrevistados, essas

atividades cotidianas não chegam a particularizar o atendimento, deixando-o “especial”

ou “diferente” do tratamento destinado aos adolescentes do sexo masculino em suas

unidades. Afinal, elas eram vistas simplesmente como as “menores infratoras”.

Ao questionarmos os profissionais sobre diferenças no atendimento para

adolescentes do sexo feminino e masculino destacamos alguns posicionamentos para

reflexão:

Essas meninas eram vistas como menores, elas eram os menores. A sociedade

sequer chegava até elas. Ali, eram consideradas as meninas indesejadas. O fato

não era nem de serem mulheres, mas eram simplesmente as infratoras. Usavam

armas e a gente tinha que ter o maior cuidado. (Assistente Social - Instituto

Padre João Maria)


131

A diferença é que na rotina dessa instituição tudo funciona perfeitamente. Na

outra casa era mais complicado [faz referência quando era diretor da unidade

masculina Ceduc Pitimbu], mas aqui já peguei tudo organizadinho. Pra mim, é

gratificante trabalhar em um lugar assim, porque ao invés de me preocupar com

pequenas coisas, eu posso me ater às mais importantes. E aqui o comportamento

delas é bem melhor. Na outra unidade, até por ser bem maior e os atos

infracionais mais graves, era bem mais complicado. Aqui, por trabalhamos com

as três medidas, algumas têm a oportunidade de sair e até passar final de

semana fora. Os problemas existem, mas em quantidade menor. Agora também

há outra diferença grande quando falamos da limpeza. A limpeza com os

homens é um caos, já aqui funciona tudo direitinho. Até a rotina é melhor, elas

participam bem mais. Mas a gente sabe que no caso dos atos dos homens

geralmente são bem piores, eles são mais violentos. (Diretor - Centro

Educacional Padre João Maria)

Com base nos relatos apresentados, não seria excesso afirmarmos que as

discriminações contra as mulheres vêm se manifestando, ao longo dos anos, também no

sistema de justiça juvenil. Ao analisar o sistema penal pela ótica do gênero, Andrade

(2003) afirma que o sistema de justiça criminal pauta-se nos valores patriarcais que

reforçam leis e atendimentos discriminatórios com valores profundamente marcados

pelo machismo. De acordo com essa autora, o sistema jurídico e todos os aparelhos que

decorrem dele tornam-se para as mulheres um reflexo de todas as contradições

existentes na sociedade. Os Códigos Penais de 1830 e 1940 dão a dimensão da visão

patriarcal sobre as mulheres no campo criminal. Para Borges (2010), o legislador

reforça a visão social que as mulheres apenas se constituem como boas e passíveis de
132

proteção se permanecem nos limites das tarefas domésticas. Aquela que, por diversos

motivos, desviar desse percurso sofrerá duplamente a discriminação.

Nas unidades do RN, a rotina das adolescentes autoras de atos infracionais

demonstra similitudes com a reflexão acima. As tarefas domésticas têm sido uma

obrigação diária, consideradas parte do processo educativo.

O que a gente dizia na Granja de Santana era: “isso aqui é a sua casa, não é

nossa, é sua casa, na sua casa você tem que ter responsabilidade, você tem

que dar conta, tomar conta”. O funcionamento da Granja de Santana tinha

um discurso muito de compromisso, de responsabilidade com compromisso,

aí, a gente dizia o seguinte, “em toda casa tem regra, né?”. Então, a gente

sentava com elas e traçava esse cronograma de compromisso, de

convivência, regras de convivência. Às vezes, uma perguntava: “de que horas

eu acordo?”. Eu respondia: “de sete horas, tem que estar gritando?”. E

continuava: “Oito horas é o que? Café, já levantou? Vai tomar banho”, se

não quiser tomar banho, a gente também num fazia essa guerra não, porque

quem vive na rua às vezes nem banho toma, você tem que fazer o outro

querer, gostar, porque pedagogia com imposição fechada, eu acho que não é

processo pedagógico, na minha concepção. Então pronto, assim era para

acordar. Depois nós combinávamos as tarefas de responsabilidade: tomar

conta da casa e rodízio nas atividades para não ficar tão, tão cruel, essa

semana eu lavo a louça, na outra eu varro a casa, na outra eu arrumo as

camas, na outra, então cada uma tinha uma atividade de cuidados com a

casa. (Educadora - Granja Santana)

O atendimento nas unidades do Instituto Padre João Maria (1979) e Centro

Educacional Padre João Maria (1998) apresentam uma lógica de continuidade no


133

atendimento. Inicia-se com entrevistas com as adolescentes; ao término do mês, há uma

reunião geral com as famílias, entrevista com os pais, apoio psicológico, visitas

domiciliares, aplicação de questionários; a orientação ocorre de forma individualizada e,

em alguns momentos, desenvolvem-se reuniões em grupo.

Como mencionado pelos profissionais entrevistados, na rotina do atendimento

das unidades a presença na instituição era/é diária, mas a interação com as adolescentes

ficava/fica por supervisão especificamente das educadoras/socioeducadoras.

O funcionamento do Instituto Padre se dava com uma estrutura com

assistente social, pedagoga, médico e professor de educação física. Na

prática, as meninas ficavam muito tempo sem fazer nada. Nosso trabalho era

específico era atualizar todos aqueles estudos sociais e mandar para o juiz.

Tínhamos que mandar atualizado constantemente para ele decidir em

relação ao julgamento. (Assistente Social - Instituto Padre João Maria)

As atividades que faziam com elas eram os agentes educacionais. Eles faziam

desde a limpeza do prédio com elas até ficar com elas na sala. Lembro que

tinha um trabalho muito interessante de artesanato. Daí saia muitas coisas,

como pano de prato, pegador de panela, confecções de boné e pintura. Tinha

muita pintura. Nessa época tinham muitos profissionais. A equipe era muito

integrada, a gente se reunia muito e cada um dava sua opinião sobre como

prosseguir o trabalho. Mas os relatórios eram por área do conhecimento.

Tinha o da assistente social, o da psicóloga. A equipe era muito integrada,

muito mesmo. (Pedagoga - Instituto Padre João Maria)

Quando cheguei aqui, fiquei surpreso como tudo funcionava de forma

sistematizada. Nossos educadores, pessoal da área técnica, os educadores.

Como essa unidade já vem há um tempo trabalhando com essas três medidas,
134

eles já pré-definiram essa rotina de forma excelente. E a quantidade ajuda

muito. Na outra unidade trabalhávamos com doze meninos, aqui são sete,

oito. E lá existia essa dificuldade, apesar de o número de profissionais

também ser maior. Apesar de se trabalhar as três medidas, cada unidade tem

a sua particularidade. Assim, de uma forma organizada. Quando se tem uma

quantidade menor, a medida socioeducativa pode ser trabalhada de uma

forma mais efetiva, o que não ocorre com uma grande quantidade. A

condição é a mesma, pouca, e o trabalho se torna bem maior. (Diretor do

Ceduc Padre João Maria)

Em relação à escolha das atividades destinadas às adolescentes, Oliveira e

Araújo (1979) afirmam que o Instituto Padre João Maria desenvolvia sua programação

cotidiana, de acordo com as necessidades da clientela, visando atingir aos objetivos que

a referida unidade se propunha. Nas entrevistas realizadas com profissionais das outras

duas unidades (Granja Santana e Centro Educacional Padre João Maria), percebemos

que a delimitação das atividades também é feita pelos técnicos. Apesar das profissionais

alegarem que as adolescentes eram/são consultadas, as opções que são dadas às

adolescentes institucionalizadas não ultrapassam opções que se adequam à condição

feminina. Na Tabela 3, apresentamos detalhadamente o objetivo, a equipe e as

atividades propostas nas três unidades de atendimento.


135

Tabela 3

As estratégias de atendimento das unidades para adolescentes autoras de atos


infracionais do Rio Grande do Norte
Unidade de Objetivo Equipe Atividades
Atendimento
Instituto - Atender menores - Diretora - Auxílio na limpeza da instituição
Padre João abandonadas e - Psicólogo - Aulas de alfabetização
Maria com condutas - Pedagoga - Curso de Datilografia
antissociais, na - Assistente Social - Cursos de doces e salgados
faixa etária de 12 a - Educadores - Cursos de pintura de panos de
18 anos. - Educador físico prato
- Cozinheiras - Cursos de bordado, de corte e
- Secretária costura;
- Equipe de - Curso de tapeçaria
segurança - Rodas de Conversa
- Oficinas de Artesanato
- Prestação de serviço para fábrica
de botões.

Granja - Atender - Diretora - Auxílio na limpeza doméstica


Santana adolescentes - Assistente Social - Aulas de alfabetização
envolvidas com - Educadoras - Cursos para confecção de bolsas,
drogas e com a - Cozinheiras cortes, costura, cortes de cabelo,
prostituição. manicure.
- Momentos de oração
- Atividades com jogos e
brincadeiras
- Aulas sobre como cozinhar

Centro -Atender - Diretor - Auxílio na limpeza da instituição


Educacional adolescentes - Psicólogo e da jardinagem
Padre João autoras de atos - Assistente Social - Oficinas de confecção de
Maria infracionais em - Pedagoga bijuterias
(CEDUC) cumprimento de - Educadores - Bazar
medidas - Cozinheiras
socioeducativas. - Equipe de
segurança

Como vimos, nas atividades propostas pelas unidades, a limpeza da instituição é

realizada pelas adolescentes, e os cursos são associados predominantemente às

atividades da vida doméstica. É válido ressaltar que as razões para esse estado das

coisas demarcam o quanto o sistema de justiça reflete os valores tradicionais das


136

sociedades. Assis e Constantino (2001) constatam que estudos em diversos países têm

demonstrado a relação entre esses dois aspectos. Ao analisar processos judiciais do final

do século XIX do Brasil, Abreu (2008) aponta que, do ponto de vista das relações de

gênero, há um empreendimento do poder judiciário em garantir uma política de

disciplinamento às mulheres, aos moldes da moralização da família burguesa. O

posicionamento do judiciário, em relação às mulheres, parte do princípio moral do

homem, branco e heterossexual. Os argumentos utilizados para justificar o direito, ou

até mesmo a situação de mulheres envolvidas com atos infracionais, atravessam os

tempos e não modificam suas interpretações. Segundo Campos (2003), essa visão

impera nos processos judiciários até os dias atuais e estagna o direito da mulher, que, no

âmbito penal, não teria evoluído desde o século XVI66 . No âmbito do atendimento

prisional essa lógica é reforçada.

Assis e Constantino (2001) apresentam a realidade das unidades de privação de

liberdade para mulheres adultas como exemplo dessa questão. As autoras verificam que

ao criar instituições de internação, os espaços foram planejados para punição dos

homens e, por isso, nunca são suficientemente adequados para atenderem as

necessidades femininas. Assim, inexistem serviços condizentes às necessidades

específicas das mulheres; na verdade, o sistema de privação de liberdade consiste numa

réplica dos serviços destinados aos homens, com adaptações que naturalização os papéis

sociais destinados às mulheres.

Sabemos que as razões não se limitam apenas a essa justificativa. De acordo

com Volpi (2002), no que se refere a medidas aplicáveis desde aqueles que tiveram seus

direitos violados até os que ameaçaram e violaram os direitos de outros, a resposta

66
Em sua pesquisa, Campos (2003) faz uma comparação entre as práticas desenvolvidas pelos tribunais
franceses nos séculos XVI, XVII e XVIII, e recentes decisões de tribunais brasileiros. A autora sinaliza a
semelhança dos referidos tribunais nas orientações e decisões relativ as aos casos de estupro.
137

social determinada pelo paradigma legal não rompe, da forma mais profunda, com a

perspectiva funcionalista. Evidentemente, essa realidade não difere quando tratamos das

adolescentes autoras de atos infracionais. Com base em Volpi (2002), dos programas de

proteção à aplicação de medidas socioeducativas, o atendimento reduz-se ao retorno ao

ambiente familiar, à inserção profissional, à verificação da frequência escolar e ao

desenvolvimento de atividades esportivas.

Essa abordagem universalizante, sem se preocupar em desenvolver a

desnaturalização da hierarquia do poder do homem sobre a mulher tem impedido que o

atendimento às adolescentes em conflito com a lei seja desenvolvido a partir de uma

abordagem crítica e que respeite as especificações dos gêneros.

4.2.4. Normas e punição: a adolescente domesticada

Este tópico tem o objetivo de discutir como se organizou/organizam as normas e

as medidas disciplinares no âmbito do atendimento as adolescentes autoras de atos

infracionais no RN. Temos discutido até aqui que ao analisar a condição de mulheres

em diversos campos, devemos considerar a premissa de que as relações entre homens e

mulheres são sexuadas. Assim, os mecanismos de controle e punição decorrentes nos

sistemas jurídico-penais e penitenciários para mulheres adultas, bem como nos sistemas

de justiça juvenil, se impõe como “um sistema genderizado, dicotómico, excludente e

repressor” (Silva, 2013, p. 60).

Nas entrevistas realizadas, perguntamos aos profissionais como se

desenvolvia/desenvolve o aspecto disciplinar nas unidades potiguares. Buscávamos

entender quais comportamentos eram passíveis de punição e, por fim, como se dava a

relação entre esse comportamento e a escolha da sanção a ser aplicada à adolescente no

sistema de justiça juvenil do estado.


138

Na Granja Santana, segundo informações das profissionais, as medidas

disciplinares eram baseadas pelo diálogo entre a diretora e as adolescentes. O objetivo

era trabalhar em uma proposta educativa os limites e os comportamentos adequados.

Para a diretora do período, ao contrário de ser uma unidade de institucionalização de

adolescentes autoras de atos infracionais, a unidade era uma casa e os moradores dela

eram uma família, assim, o trabalho apenas poderia partir da proposta do diálogo.

Quando as adolescentes cometiam alguma irregularidade em torno das regras de

funcionamento da casa, elas eram encaminhadas para uma conversa individual com a

freira diretora da unidade. “Nós tentávamos resolver no diálogo. Como a proposta era

trabalhar através do amor e da bondade, todo comportamento inadequado, elas eram

encaminhadas para conversar comigo” (Diretora - Granja Santana).

No Instituto Padre João Maria, o aspecto disciplinar era diferente da Granja

Santana. Não havia uma única forma de reagir aos considerados “maus

comportamentos”. A forma de tratamento à adolescente após uma transgressão às regras

da unidade era escolhida pela equipe técnica ou pelos educadores. Na prática, como as

adolescentes tinham uma relação mais direta com os educadores, algumas sanções eram

aplicadas sem o conhecimento da equipe técnica. No entanto, os comportamentos mais

graves eram levados ao conhecimento da equipe ou simplesmente da diretora, que

resolviam o destino a ser dado às jovens. Nesse cenário do Instituto Padre João Maria,

comportamentos tais como: ameaças, violência física e verbal, além de gritos e

manifestação com o uso do corpo, poderiam acarretar a escolha pelo encaminhamento

para Casa de Saúde Natal. Segundo uma educadora da unidade, qualquer “nervoso” era

passível de internação.

Não tem menina que você vai conversar e é agressiva? Pronto. Eram essas

meninas. Elas perdiam o final de semana, não iam pra casa. Mas teve uma
139

época em que elas iam para o quartinho da reflexão, mas eu acho que não dava

para refletir. Era um quarto bem pequeno, perto do dormitório. A equipe

decidia quando dias elas iriam passar lá, dependia do comportamento. Às vezes,

um dia, três dias e a alimentação a gente levava. (Educadora - Instituto Padre

João Maria)

Tinha o isolamento, elas ficavam isoladas por um determinado tempo e depois

voltavam. A equipe se reunia e determinava o isolamento. Era em um quartinho

para elas refletirem. Elas se agrediam com facas e tesouras. É tanto que nada

disso poderia ficar exposto. (Assistente Social - Instituto Padre João Maria)

O que ocorria era o seguinte: era a época do Código de Menores, então, tudo já

era repressivo. Não havia uma direção na questão disciplinar. Cada educador

fazia à sua maneira. O processo era punitivo mesmo. Tinha educador que era

mais calmo, mas tinha outros que era mais repressivo, aí era na base do

arrocho, na base do cacete mesmo, como o povo costuma dizer. (Educadora -

Instituto Padre João Maria)

Mas uma coisa que me deixa chocada até hoje é que teve uma época em que

qualquer menina que fosse atrevida era internada na Casa de Saúde Natal. Eu

tenho uma carta que mandaram para que eu comparecesse pra assinar um

documento, que eu não sei o que é, dizendo que já tinha internado oito meninas

internadas e ainda tinha mais para internar. Porque se a menina fosse agressiva

com você ou não te respeitasse, aí era considerada logo de doida e levavam

para internar. Era tipo um papel pequeno. Não sei se ainda tenho. Era a

diretora falando quantas meninas já tinham sido internadas e quais faltavam. E

quando as meninas chegavam da Casa de Saúde Natal dopadas. (Educadora -

Instituto Padre João Maria)


140

Para essa educadora, a estratégia da internação utilizada pela equipe técnica da

unidade era tomada especialmente quando as adolescentes usavam grande quantidade de

drogas. No entanto, era possível ver adolescentes sendo encaminhadas a esse destino

apenas por serem desobedientes aos educadores e à equipe de direção. O

encaminhamento ficava a cargo da equipe técnica:

Por sinal, teve um dia do meu plantão, tinha uma funcionária, que era de fora e

morava dentro da casa, e uma menina começou a cantar uma música com ela e

ela queria porque queria que eu levasse a menina pra Casa de Saúde, porque

estava doida. Aí, eu disse que não, que isso acontecia. Mas quem decidia era a

equipe de frente, a equipe técnica eu quero dizer. Essa parte de internar não era

com a gente. Eu encontrei uma mãe, uns três anos, muito revoltada. Até hoje

não se conforma pela menina ter sido internada sem ser doida, apenas por ter

respondido. Deve ter ficado com sequelas, não sei se eles davam choque.

(Educadora - Instituto Padre João Maria)

No CEDUC, as medidas disciplinares são previstas na Portaria n. 204 de 21 de

julho de 2009. Essa portaria orienta a criação de uma Comissão de Avaliação

Interdisciplinar com representantes de cada setor da instituição para a avaliação em

situações infração às regras da unidade. Porém, na realidade da instituição, não há

representantes de todos os setores com disponibilidade para participar da comissão.

Conforme a diretora da instituição, isso funciona da seguinte forma:

A adolescente infringiu alguma regra da casa, aí a gente reunia a equipe e

avaliava, considerando os atenuantes e agravantes. Mas a solução que

poderíamos dar era a diminuição do tempo de visita, elas não iam para o lazer,

não iam visitar a família. A gente ia sancionando dentro da portaria. Duas

brigaram, colocava as duas em alojamentos diferentes e reunia o conselho e se


141

decidia, por exemplo, as duas não vão visitar a família no sábado. Era uma

sanção disciplinar. (Diretora 1 - fevereiro/2011 a novembro/ 2012 - Centro

Educacional João Maria)

Em observações realizadas nessa instituição, nos meses de fevereiro e março de

2013, percebemos que as medidas disciplinares não eram discutidas numa Comissão de

Avaliação Interdisciplinar. De acordo com o diretor da unidade neste período, a

aplicação de sanções às condutas que infringem as regras fica mais a cargo das

educadoras. Na Tabela 4, apresentamos como se organizaram e se organizam as

medidas disciplinares nas unidades do RN. Ressaltamos que os dados referentes às

unidades de atendimento Granja Santana e Instituto Padre João Maria foram elencados

com base nas entrevistas realizadas com os profissionais; no caso do CEDUC, as

informações contidas no quadro estão previstas no regimento interno da instituição.


142

Tabela 4
Descrição das medidas disciplinares das unidades de atendimento as adolescentes autoras de atos infracionais do Rio Grande do Norte67
Unidade de Normas Condutas passíveis de Medidas aplicadas
Atendimento sanção
Granja Santana - Limpeza da casa deve ser - Desobediência aos - Diálogo individual com a diretora;
realizada pela manhã; educadores e diretoras; - Educador busca a menor e para retornar a
- Todas as adolescentes devem - Fuga. instituição.
cozinhar, de acordo com o dia de
sua responsabilidade;
- As adolescentes devem participar
das atividades pedagógicas.

Instituto Padre João - As menores deviam fazer a - Desobediência aos - Suspensão da ida para casa nos finais de
Maria (IPJM) limpeza dos quartos; educadores e diretoras; semana68 ;
- Não era permitido responder aos - Comportamentos - Encaminhamento para o “Quartinho da reflexão”
agentes educadores e técnicos. considerados inadequados (Educadora-IPJM);
para meninas. - A aplicação de medidas ocorria conforme a
- Ameaças, violência física e escolha de cada educador;
verbal, manifestação com -Internação na Casa de Saúde Natal69
gritos e o uso do corpo,

67
As informações sobre as normas, condutas e medidas aplicadas nas unidades da Granja Santana e no Instituto Padre João Maria foram elencadas com base nas entrevistas
realizadas com os profissionais de ambas as unidades. Quanto ao Centro Educacional Padre João Maria, os dados foram recuperados das normas gerais da instituição, em
documento cedido pela direção da instituição.
68
Segundo técnicos que atuaram no Instituto Padre João Maria, nesse período, as adolescentes não se encontravam privadas de liberdade, elas estavam institucionalizadas,
podendo ser liberadas aos finais de semana.
69
No ano de 2005 a Casa de Saúde Natal passou a se chamar de Hospital Psiquiátrico Professor Severino Lopes. A instituição é uma entidade filantrópica mantida pela
Sociedade Professor Carrilho que objetiva tratar indivíduos com transtornos mentais e dependentes químicos.
143

Centro Educacional - Limpeza dos quartos deve ser - Agressão verbal as demais - Aplicação da sanção de reflexão. A equipe de
Padre João Maria realizada pela manhã, logo ao adolescentes, educadores (plantão) aplica a medida e a
(CEDUC) acordar; coordenadores, educadores, adolescente só será liberada pela mesma equipe no
- Limpeza geral da instituição deve técnicos, policiais e pessoal plantão seguinte. Caso haja reincidência o tempo
de apoio; da reflexão estendido;
ser realizada todos os sábados; - Agressão física em relação - Aplicação de nove dias de reflexão;
- Apenas é permitido entrar na à outra adolescente; - Aplicação da sanção de reflexão. Funciona da
secretaria, na coordenação e na sala - Tentativa de fuga; mesma forma da medida aplicada a agressão
dos socioeducadores diante a - Fuga verbal;
solicitação; - Danos ao patrimônio; - Aplicação da sanção de reflexão. Nove dias.
- Não é permitido pegar nos - Ameaças de agressão física - Reparação ao dano pela família, caso esta não
e de morte; tiver condições de pagar, a socioeducanda pagará
equipamentos eletrônicos;
- Trocas de objetos pessoais, com seus trabalhos confeccionados.
- Evitar entrar nos quartos com - Aplicação da sanção de reflexão. Três (dias) para
comida; pegar objetos sem permissão
a primeira e sete dias para a segunda;
- O banho deve ser tomado ao e descumprimento das - Aplicação de advertência. Caso haja
acordar; atividades diárias. reincidência, as medidas podem ser suspensas das
- Lavar roupas somente nas terças e ligações e recolhimento após o jantar.
quintas;
- As refeições apenas podem ser
realizadas no refeitório.
144

Esses dados demonstram que o cotidiano institucional das unidades do RN é

marcado por uma série de regras e normatizações para as adolescentes

institucionalizadas. Nas três unidades do estado, percebemos que para cada norma

estabelecida está prevista previamente uma punição em caso de uma possível

transgressão à ordem estabelecida. Essas normas podem ser mais maleáveis ou mais

rígidas, dependendo da conduta da adolescente, funcionando, assim, como uma

gradação de punições. O tipo da conduta e/ou a reincidência dela, bem como o

profissional que aplica à medida são o que define a punição. Cada medida disciplinar

implica em um tipo de restrição.

Ainda com base na Tabela 4, a chamada “sanção de reflexão” vem sendo

utilizada como medida disciplinar desde o funcionamento do Instituto Padre João Maria

(1979). Essa sanção se assemelha à proposta de isolamento, isto é, a adolescente fica

por determinado momento em um local reservado para “refletir” sobre os atos

cometidos. A restrição com relação ao contato com os familiares também consiste num

argumento das normas gerais para o cumprimento das regras das instituições.

Se no Instituto Padre João Maria, segundo os profissionais entrevistados, essa

prática condizia à doutrina de proteção ao menor em situação irregular e era assegurado

pelo Código de Menores, no Centro Educacional Padre João Maria, construído sob os

auspícios da Doutrina de Proteção Integral e do ECA, a persistência da sanção de

reflexão, que na realidade compreende recolhimento da adolescente, prevista para

maioria das faltas disciplinares e a interdição da convivência com a família, não tem

respeitado algumas condições restritivas previstas no regime disciplinar proposto pelo

SINASE. Dentre elas:

a. Na previsão de sanção o/a adolescente não pode ser responsabilizado mais de

uma vez pela mesma transgressão;


145

b. Garantia da observância da proporcionalidade, sem prejuízo da aplicação da

advertência, sempre que cabível, em qualquer hipótese, vedadas sanções para

faltas leves;

c. Possibilidade de aplicação somente por colegiado, vedada à participação de

adolescentes, na aplicação ou execução das sanções;

d. Proibição da incomunicabilidade e da restrição de visita. (Conanda, 2006, p.

37-38)

Outro exemplo de ação da adolescente apresentado na Tabela 4 é a troca de

objetos pessoais ou o manuseio de objetos das outras adolescentes e/ou da instituição,

sem a permissão, o que pode implicar na aplicação da medida disciplinar de suspensão

das ligações e no recolhimento para o quarto após o jantar. Essa medida viola o direito

das adolescentes se comunicarem com a família e companheiros. No CEDUC, embora

não haja prejuízo com relação à realização das visitas, as medidas lá aplicadas impedem

a possibilidade das adolescentes do interior do estado se comunicarem com seus

parentes. Quando oriundas de cidades distantes da capital (Natal), as adolescentes

sofrem com a ausência da família, que muitas vezes não têm condições de chegar até a

unidade de atendimento para visitá- las.

Na rotina das três unidades, as adolescentes foram/são responsáveis pela limpeza

da instituição. Segundo o diretor do CEDUC, as atividades de organização da

instituição são desenvolvidas pelas adolescentes sempre com comprometimento. Esse

dado nos remete a uma reflexão outrora realizada. As tarefas associadas à noção de

abnegação e vocação como marca do feminino também marcam as relações no sistema

de justiça juvenil, pois reforçam que as ocupações para homens e mulheres têm relação

com os modelos preexistentes quanto ao que é apropriado para cada sexo (Colares &

Chies, 2004).
146

Na apreciação dos dados, outro aspecto nos chamou atenção. Na unidade do

Instituto Padre João Maria foi recorrente o encaminhamento das internas ao Hospital

Psiquiátrico Professor Severino Lopes (Casa de Saúde Natal) como medida aplicada às

adolescentes que infringiam as regras. De acordo com os relatos dos profissionais, essa

estratégia era tomada por se considerar que as jovens, ao se manifestarem de forma

ameaçadora ou expressarem atitudes que não condiziam ao comportamento adequado às

mulheres, portavam distúrbios do comportamento, havendo a necessidade da

medicalização.

Lima (1993) traz contribuições sobre essa questão. De acordo com o autor,

encaminhar crianças e adolescentes de diversas instituições vinculadas à FUNABEM a

hospitais psiquiátricos foi uma estratégia utilizada para eximir a FUNABEM da

responsabilidade da integridade física e psicológica das adolescentes. Adolescentes de

ambos os sexos que se rebelavam contra a ordem estabelecida eram considerados

portadores de desvio de conduta e seres inadaptados, justificando-se, assim, a

transferência para essas instituições.

Essa segregação certamente se agrava quando se trata de adolescentes do sexo

feminino em espaços de reclusão. Ao analisar os sistemas prisionais mistos, Colares e

Chies (2004) concluem que:

A punição para as mulheres se amplia na medida em que o aparelho prisional,

além de obscurecer a presença feminina, desconsiderando suas necessidades

específicas, com vistas ao condicionamento de seu comportamento, utiliza-se do

corpo feminino como dispositivo de controle do corpo masculino. (p. 421)

A partir desses dados, percebemos que o cotidiano institucional das unidades

femininas no RN se organizou com base no olhar patriarcal, para o qual a posição social

das mulheres bem como as teorias da criminalidade feminina – que objetivavam


147

vincular a infração das mulheres por meio dos argumentos de distúrbios emocionais e

hormonais – constituem normas e regras concernentes às concepções hegemônicas do

que é feminino. A adolescente autora de ato infracional do RN, além de estar sob as

regras próprias da instituição, está sob o controle para a domesticação.

Para Silva (2013), os contextos que no ocidente reproduzem a prisão

penitenciária70 têm uma base patriarcal e por isso exige-se continuamente indagar-se,

nesses sistemas, como as construções sociais e culturais sobre o sexo feminino

determinam formas específicas de controle e punição às mulheres.

A subalternização e inferiorização subjacentes a estas representações das

subjetividades femininas, nos vários contextos ocidentais, tiveram consequências

perniciosas nas aceções e formas de controlo sobre as mulheres. Assim, as novas

formas de poder emergentes na modernidade reproduziram as raízes patriarcais e

a normatividade da masculinidade hegemónica através de um sistema

genderizado, complexificado pelos discursos científicos sobre os corpos

femininos, que legitimaram a diferença feminina como patológica

subdesenvolvida e inferiores. (Silva, 2013, p. 60)

Dessa forma, em instituições de privação de liberdade femininas, exige-se das

mulheres a obediência às regras e leis institucionais, mas também aos padrões de

feminilidade, que por sua vez são relacionados à raça e à classe social (Rafter, 2004).

Segundo Colares e Chies (2004), as instituições prisionais são espaços de segregação.

Nesse processo de segregação, mantêm-se formas distintas de controle, conforme

critérios disciplinares desenvolvidos na instituição (Matthews, 2003). O peso dessas

diferenças recai sobre as mulheres. Afinal, a percepção do feminino está presa à

70
De acordo com Foucault (1998), foi a partir do século XIX que a prisão penitenciária tornou -se uma
prática comum.
148

construção social patriarcal do corpo e a sexualidade relacionada à capacidade

reprodutiva (Colares & Chies, 2004).

Essa percepção tem influenciado as práticas prisionais para as mulheres até a

atualidade (Almeda, 2002). Segundo Silva (2013), as classificações baseadas nos

primeiros estudos sobre o crime e punição de Cesare Lombroso (1835 – 1909), por

exemplo, ainda influenciam o cotidiano das instituições, que atribuem ao envolvimento

de mulheres com delitos causas como distúrbios emocionais e hormonais, ignorando as

determinações sociais, econômicas e políticas. Para a autora, controle e punição para

mulheres objetivam produzir corpos dóceis e domesticados.

A pesquisa realizada por Pereira (1993) aproxima essa discussão à realidade das

adolescentes autoras de atos infracionais no Brasil. Ela ressalta que, na realidade do

Educandário Santos Dumont71 , os mecanismos de controle empreendidos no

atendimento, tais como, a vigilância sobre os gestos, atitudes, hábitos e o combate à

ociosidade, objetivavam o controle total das vidas das adolescentes. Quando buscamos

entender esse controle nas unidades do RN, percebemos marcas dessa disciplina para a

obtenção da adolescente adequada e domesticada.

No tocante à política oficial para infância e adolescência, sobre a perspectiva de

gênero, temos pouco a comemorar. Apesar de textos institucionais, como o SINASE,

introduzirem princípios de igualdade entre os gêneros, esses avanços não têm efeito na

prática. Entendemos que as unidades de aplicação de medidas para adolescentes autoras

de atos infracionais no estado do RN desenvolveram uma versão feminina do

atendimento. Certamente, não pelo respeito às particularidades das adolescentes em face

dos adolescentes no mesmo contexto, mas ao insistir em naturalizar o que não é inato e

sim da ordem da relação social entre os sexos.

71
É uma unidade de cumprimento de medidas socioeducativas para adolescentes do sexo feminino em
conflito com a lei vinculada ao Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), órgão que, por
sua vez, vincula-se à Secretaria do governo estadual do Rio de Janeiro (Assis & Constantino, 2001).
149

Considerações finais

No nosso estudo, objetivamos discutir como se organizou/organiza o

atendimento destinado às adolescentes autoras de atos infracionais no estado do RN.

Para tanto, buscamos identificar o trajeto histórico da criação das unidades de

atendimento, traçar os motivos que destinaram as adolescentes para o cumprimento de

medidas de responsabilização e averiguar como as regras e medidas disciplinares foram

aplicadas no cotidiano institucional nas três unidades de atendimento identificadas

(Granja Santana, Instituto Padre João Maria e Centro Educacional Padre João Maria).

Para o entendimento desses aspectos, lançamos luz sobre a persistência da lógica

desigual imbricadas no sistema capitalista no Brasil, com seus contornos patriarcais e

racistas, contexto em que a política para infância e adolescência se insere e tem sido

desenvolvida. Nas unidades de atendimento para adolescentes em cumprimento de

medidas socioeducativas no RN, identificamos que os funcionamentos dessas unidades

reproduziram e reproduzem um aparato institucional, por meio de propostas que

reafirmam a naturalização das habilidades domésticas como algo inerente à concepção

do ser feminino. Para análise dessa constatação, partimos da discussão sobre a divisão

sexual do trabalho, como um elemento central na estruturação das relações sociais entre

os sexos e, consequentemente, para perpetuação da subordinação feminina, sofrendo

uma dupla discriminação e exploração, nos marcos do capitalismo.

Com base nessa perspectiva, vimos que a hierarquia e a separação do trabalho

que atribui às mulheres atividades reprodutivas – aquelas imprescindíveis para

manutenção da vida no dia a dia – adentram na realidade das unidades do sistema de

justiça juvenil e provocam uma dupla responsabilização as adolescentes: primeiro, do

ato cometido; segundo, pelas expectativas pelo seu comportamento adequado.


150

Com base na análise dos dados, consideramos que a seleção das adolescentes

que se inseriram/inserem nas unidades de medidas de responsabilização ao ato

infracional encontra suas marcas na histórica criminalização da família pobre:

estereótipo dos pobres como inferiores, viciosos, vadios, promíscuos, dentre outros

adjetivos daqueles que sempre foram alvo da vigilância da sociedade e do Estado.

Assim, a família pobre aparece como aquela incapaz de cuidar de si mesmo e de seus

filhos, por serem inábeis na educação e formação adequada às crianças e adolescentes

do país.

Nesse contexto de criminalização, a mulher pobre tem a carga mais pesada das

responsabilidades. Afinal, o modelo político alicerçado na família patriarcal desde a

colônia, aliado à formação da divisão sexual do trabalho na constituição do capitalismo,

reforçou a exploração das mulheres e impôs sobre elas uma organização de vida voltada

para o trabalho reprodutivo – aquela que se realiza no espaço doméstico, na unidade

familiar. A persistência dos estereótipos da família pobre e do comportamento das

mulheres pobres divergentes dos valores patriarcais e da família burguesa é o principal

elemento de inserção da adolescente nas unidades do Instituto Padre João Maria e na

Granja Santana. Vimos que se buscou justificativas para os atos infracionais cometidos

pelas adolescentes nas condutas de suas mães.

Aliado a essa constatação, percebemos ainda que as estratégias de atendimento

desenvolvidas nas três unidades se organizam por meio de uma abordagem

universalizante. Não houve/há uma preocupação com as especificidades do gênero.

Dado o contexto das unidades de medidas socioeducativas do RN, percebemos que, no

atendimento para as adolescentes, houve/há uma naturalização da subordinação das

mulheres em face do domínio dos homens – do mesmo modo como tem sido observado

na realidade do atendimento para mulheres adultas privadas de liberdade.


151

As propostas educacionais adotadas nas unidades aqui estudadas são reflexo

dessa reprodução discriminatória sobre as adolescentes. Sabemos que, com o objetivo

de prevenir que crianças e adolescentes “moralmente abandonados” viessem a infringir

as leis, o Estado, desde o início da República, propôs ocupar suas mentes. De acordo

com Rizzini e Pilotti (2009), a ideia não era apenas prover a educação de “crianças e

adolescentes desvalidas e/ou menores”, mas impor uma educação universal e racional

condizente com a formação do capital humano. Como questão crucial para o

desenvolvimento econômico do capitalismo, essa educação foi proporcionada a meninas

e meninos pobres de forma divergente e hierarquizada. Em relação à adolescente em

conflito com a lei no RN, observamos que houve/há uma versão educacional feminina.

No interior das unidades, são planejados e executados programas educativos que

reforçam as construções sociais sobre as mulheres.

Partindo dessas construções sociais, quando tratamos de verificar as regras e

medidas disciplinares das três unidades, percebemos que houve/há formas específicas

de controle e punição para adolescentes ao longo da história do atendimento no RN.

Vimos que visões fundadas na criminologia tradicional basearam algumas medidas

disciplinares – aquelas que atribuem as causas do envolvimento com infrações a

distúrbios emocionais. Identificamos ainda que o isolamento (Instituto Padre João

Maria) e a sanção de reflexão (Centro Educacional Padre João Maria) consistem na

maior representação das medidas disciplinares no estado, fazendo-nos entender que, no

atendimento realizado atualmente, as condições restritivas previstas no regime

disciplinar proposto pelo SINASE não têm sido seguidas. As medidas disciplinares das

três instituições contêm regras e ações restritivas que objetivam a produção de corpos

dóceis.
152

Ao longo da história da política de atendimento às adolescentes envolvidas com

infrações no RN, a representação do feminino foi naturalizada. Ao se desenvolver o

atendimento a partir dessa perspectiva, nesses trinta e cinco anos, as unidades deixaram

intacta a hierarquização existente na relação social entre os sexos. Segundo Carloto e

Mariano (2010), a invisibilidade sobre a condição social das mulheres tem se

incorporado no interior das políticas sociais. No caso da Assistência Social, ao colocar a

centralidade na família, suas ações têm aderido aos valores tradicionais sobre as

mulheres e provocado obstáculos para a sua verdadeira emancipação.

Essa situação não se limita a esse campo. Temos visto que as políticas sociais

em diversos âmbitos não consideram as especificidades dos sujeitos de forma eficaz.

Essa situação nos faz reconhecer que, embora a Política Nacional para Mulheres

defenda ações de caráter universal, ao mesmo tempo, alertamos para a necessidade de

contemplar as demandas específicas para mulheres. Concordamos com Viana (2013)

que quando nos propomos a lutar para implementação de políticas que respeitem de fato

as necessidades das mulheres, requeremos ações que contribuam com a transformação

das condições de vida das mulheres e que promovam a construção de sua cidadania.

Dessa forma, no que concerne à política para a infância e adolescência, também

é necessário que se pense em ações que ultrapassem a cultura assistencialista e

clientelista da assistência social brasileira, e que, em sua execução, busque-se novos

impulsos e garanta-se as condições necessárias para a transformação social das

condições de vida das adolescentes autoras de atos infracionais. Para alcance disso,

concluímos que há a necessidade da produção de mais estudos que questionem a relação

social entre os sexos e gêneros no campo da assistência para crianças e adolescentes, no

intuito de contribuir com a construção de práticas que sejam equitativas e,

simultaneamente, respeitem as necessidades básicas dos distintos gêneros. Para tanto,


153

são necessárias formações que objetivem desenvolver o pensamento crítico sobre o

contexto das adolescentes, como também sobre compreensão social e vivências

divergentes nas relações de gênero, com vistas a superar as práticas assistencialistas que

reproduzem a subordinação das mulheres.

E o mais essencial, é necessário que lutemos sempre a favor das questões das

mulheres como forma de conseguir caminho para outro projeto de sociedade,

definitivamente sem explorações. Entendemos que as relações de gênero se encontram

dentro de um complexo social profundamente afetado pelo sistema do capital e que

apenas a luta feminista não será capaz de sanar as discriminações seculares direcionadas

às mulheres, mas é imprescindível, a partir de uma postura emancipatória, evidenciar a

realidade de como a desigualdade social e a violação dos direitos das mulheres se

desenvolvem de maneira especifica para o público feminino.


154

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162

Anexos
163

Anexo 1

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Aos Senhores profissionais,

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: “O ATENDIMENTO ÀS


ADOLESCENTES AUTORAS DE ATOS INFRACIONAIS NO ESTADO DO
RIO GRANDE DO NORTE”, coordenado por Rocelly Dayane Teotonio da Cunha,
sob a orientação da Profa. Dra. Ilana Lemos de Paiva. Sua participação é voluntária, o
que significa que você poderá desistir a qualquer momento, retirando seu
consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade.

Essa pesquisa se insere no Programa de pesquisas do Grupo de Pesquisa


Marxismo e Educação (GPM&E) e do Observatório da População InfantoJuvenil em
contextos de violência (OBIJUV), vinculados ao Departamento de Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tal núcleo tem como uma de suas linhas
de pesquisa o estudo da infância e adolescência em situação de vulnerabilidade social,
com o objetivo de produzir conhecimento acerca desta temática.

Nesse sentido, a presente pesquisa objetiva, basicamente: desenvolver uma


reflexão acerca do atendimento prestado a as adolescentes do sexo feminino inseridas
em unidades de privação de liberdade do estado do Rio Grande do Norte desde o inicio
das suas atividades. Para a realização do estudo será desenvolvida um resgate histórico
com os profissionais que se inseriram e se inserem atualmente em unidades femininas.

Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a) ao(s) seguinte(s)


procedimento(s): entrevistas a partir de um roteiro semi-estruturado, cujo tema versa
sobre o atendimento às adolescentes do sexo feminino em unidades de privação de
liberdade no Rio Grande do Norte.
164

Os riscos envolvidos com sua participação são: inserção de um sujeito à parte de


toda a dinâmica da instituição, qual seja, o pesquisador, que serão minimizados através
das seguintes providências: uma inserção prévia do pesquisador na rotina do serviço. As
perguntas em nenhum momento farão referência às questões pessoais ou sobre a
dinâmica burocrática da instituição, apenas se atender ao esclarecimento sobre questões
que dizem respeito ao contexto do atendimento às adolescentes do sexo feminino em
unidades de privação de liberdade.

Ademais, se houver alguma questão que lhes cause constrangimento, você


poderá se eximir ou se negar a respondê-la.

Você terá os seguintes benefícios ao participar da pesquisa: a colaboração na


construção do conhecimento científico no que se referem à construção histórica do
atendimento às adolescentes no âmbito da privação de liberdade, além de fornecer
subsídios às práticas profissionais de intervenção na área da socioeducação e políticas
públicas tomando como essencial às particularidades do gênero feminino. Além de ter a
possibilidade de refletir e repensar sua prática como profissional que atua no
atendimento as adolescentes nas unidades de privação de liberdade.

Todas as entrevistas e encontros com a pesquisadora serão gravados em


gravador e transcritos posteriormente. Mas, todas as informações fornecidas serão
utilizadas pela pesquisadora e pelos pesquisadores colaboradores, para fins específicos
de desenvolvimento da pesquisa. A publicação e/ou divulgação em congressos e
publicações científicas, desses resultados, respeitará o direito ao sigilo e a não
identificação dos participantes. Deste modo, as informações fornecidas não serão
identificadas pelo nome ou qualquer outro critério que possibilite a quebra do sigilo e o
anonimato. As informações colhidas ficarão sob os cuidados da pesquisadora, em local
seguro por 5 anos.

Se você tiver algum gasto que seja devido à sua participação na pesquisa, você
será ressarcido, caso solicite.

Em qualquer momento, se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente


desta pesquisa, você terá direito a indenização.

Você ficará com uma cópia deste Termo e toda a dúvida que você tiver a
respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Rocelly Dayane Teotonio da
165

Cunha, Av. Perimetral, Nosso Refúgio, Casa 309, Quadra F, Liberdade -


Parnamirim/RN CEP 59155760, Tel. 94743194/ e-mail: .

CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada, os riscos e
benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da pesquisa “O
atendimento às adolescentes em privação de liberdade no município do Natal”.

Natal, _____de__________________ de 2013

______________________________________________________

Técnico Participante

Impressão Dactiloscópica _______________

__________________________________

Rocelly Dayane Teotonio da Cunha

(Responsável pela pesquisa)


166

Anexo 2
Roteiro de Entrevista Semiestruturado

Pesquisa: “O atendimento às adolescentes autoras de atos infracionais no Rio Grande


do Norte”

Público: Profissionais envolvidos no atendimento às adolescentes autoras de ato


infracional em unidades femininas de privação de liberdade do Natal.
Método: História Oral – entrevista temática
Mestranda: Rocelly Dayane Teotonio da Cunha
Orientadora: Ilana Lemos de Paiva

Objetivo Geral: Investigar o atendimento destinado às adolescentes autoras de ato


infracional, no município do Natal/RN, a partir da implantação da primeira instituição
de privação de liberdade, no ano de 1979 até a atual instituição.

Categoria de coleta I- Dados pessoais dos atores envolvidos


Objetivo Específico:
 Identificar os profissionais que atuaram e atuam nas unidades de privação feminina
no estado.
Questões:

1. Nome:
2. Sexo:
3. Idade:
4. Estado Civil:
5. Formação:
6. Formação adicional (cursos, especialização):
7. Instituição de Trabalho:
8. Função:
9. Tempo de exercício profissional:

Categoria de coleta II - Caracterização das Unidades de Internação feminina


Objetivos Específicos:
167

 Averiguar quais as instituições femininas de privação de liberdade (antigas e


atuais) no município, e como se configuravam/configuram o funcionamento de
atendimento;
Questões:

1. Como se estruturava o espaço físico, estrutura e capacidade da unidade de


internação feminina?
2. Como ocorria o cotidiano da instituição?
3. Quais profissionais que constituam a equipe de trabalho nesse período?
4. Descreva como se desenvolveu/desenvolve a articulação dos profissionais na
rotina de trabalho com as adolescentes internas.
Categoria de coleta III – Proposta e acompanhamento educacional do atendimento
Objetivos Específicos:
 Constatar como funcionava/funciona a proposta e acompanhamento educacional
das unidades femininas de internação.

1. Existia/existe um projeto político pedagógico que baseava/baseia o atendimento


na instituição? Se sim, o que se configuravam como atividades pedagógicas?
2. Como era o engajamento das adolescentes nas atividades da instituição?
3. Como se dava/se dar a questão disciplinar com as adolescentes diante de situação
de desobediência das regras da instituição?
4. Existia/Existe algum tipo de relatório, programa de acompanhamento, registro
das atividades individuais e grupais cotidianas?
5. Quais os documentos que organizavam/organizam a estrutura de funcionamento
das unidades femininas?
6. Existia/Existe acesso dessas adolescentes à educação formal? Se Sim, o acesso se
dar numa escola dentro da própria instituição de internação, ou fora desse
espaço?

Categoria de coleta IV- Análise sobre sexo feminino no funcionamento das


unidades de internação
Objetivo Específico:
Examinar se o atendimento às adolescentes foi e tem sido impactada frente posição
socialmente construída para a mulher, tem impactado no atendimento às adolescentes do
sexo feminino nas unidades.
168

1. Como eram/são vista as adolescentes do sexo feminino que cometiam/cometem


o ato infracional?
2. Você acredita que havia alguma peculiaridade no atendimento por se tratar de
um público feminino?
3. Com a inserção da adolescente na unidade de internação era/é realizado um
conhecimento do perfil social e econômico dela?
4. Quais eram/são os motivos de encaminhamento das adolescentes para a privação
de liberdade?
5. Algumas dessas adolescentes tinham namorados, esposos na mesma situação de
cometimento de ato infracional?
6. Como era a relação com sua família?
7. No processo do cumprimento de internação, existiu/existe alguma adolescente
gestante? Nesse caso, qual era o procedimento da equipe?

Categoria de coleta IV – Concepções e doutrinas do atendimento às adolescentes


do sexo feminino. (Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção
Integral)
1. Quais os direcionamentos e concepções que direcionavam/direcionamento o
funcionamento da instituição feminina?

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