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TERCEIRA CARTA

Caro amigo,

Nem tudo que brilha é ouro. Gosto desse adágio. Gosto porque ele
exprime bem o que quer dizer. Gosto porque é antigo: os iguais se atraem.
Gosto porque, apesar de sua idade avançada, ele conserva toda a
vivacidade da juventude. Gosto, sobretudo, porque aqui ele nos cai como
uma luva.
Quando percorres as ruas de Londres ou de Paris, a cada passo
encontras o que chamam de “aventurados do século”. Vês seus aparatos
brilhantes, seus hotéis suntuosos. Ouves o ruído de suas festas. Sabes
que em suas mãos corre ouro, à disposição de todos os seus caprichos.
A vida deles parece um tecido maravilhoso, tecido de ouro e de prazeres
incessantemente renascentes. A esse espetáculo, muitos são tentados a
exclamar: como são felizes: Beatum dixerunt populum cui hœc sunt!
Aqui é meu velho adágio que te sopra no ouvido: não confie. Nem
tudo que brilha é ouro. Vejamos quem está errado, ele ou a exclamação.
Ser escravo de vinte mestres contraditórios, cegos, caprichosos e,
frequentemente, desprezíveis. Viver temores contínuos, lamentos sem
consolação e desejos impossíveis de serem satisfeitos: isso é ser feliz? Tal
é, meu caro amigo, a condição de todos, homem ou mulher, rico ou pobre,
jovem ou velho, que toma a vida sobre a terra como a verdadeira vida, e
age por conseguinte.
O mestre infalível, que desceu deliberadamente do céu para ensinar
a ciência da felicidade, deu esta lição: “Não assentes vosso tesouro sobre
a terra, onde a ferrugem e as traças devoram, e onde os ladrões vasculham
e roubam1”. Alunos indóceis, os fascinados pelo grande erro não levaram
em conta a lição do Mestre. E eles assentaram seu tesouro, todo seu
tesouro, sobre a terra e nos bens da terra. Sim. Mas as traças e os ladrões
permaneceram, e noite e dia eles ameaçam o tesouro. A consequência é
que, para defendê-lo, é preciso vigiar noite e dia, sempre preocupado,
sempre com armas em mãos.
Na verdade, essas traças e esses ladrões não são somente os
insetos que roem os tecidos, ou os malfeitores que arrombam os cofres.
Por eles é preciso entender todas as criaturas hostis, animadas e
inanimadas, que podem atingir o tesouro, deteriorá-lo, levá-lo ou destruí-
lo. Seu número é incalculável. Sem falar da morte, sempre ameaçadora
e, cedo ou tarde, ladra implacável do tesouro. Conte, se puder, as
inundações, os incêndios, os furacões, os terremotos, as revoluções, as
bancarrotas, as traições, as fraudes, as doenças, o capricho dos fortes, a
inveja dos fracos, todas essas legiões de inimigos que é preciso

1 Mt VI, 19.
incessantemente vigiar, apaziguar ou combater, com a triste certeza de
nunca conseguir desarmá-los.
Concordarás que, para possuir um tesouro em semelhantes
condições, é melhor deixá-lo indefeso no meio da floresta de Bondy.
Outrossim, com exceção das horas onde o turbilhão do prazer, a
ocupação dos negócios lhes tira a consciência de si próprios, os homens
da terra são devorados pelas preocupações. Quer ver o interior de suas
almas? Olhe esta roupa roída por dois mil vermes: eis a alma deles.
Crivada por todos os lados pelas solicitudes; putrificada pelo crime,
corroída pela ferrugem, ela amedronta e dá pena2.
À escravidão e às solicitudes incessantes, se juntam, hoje mais do
que nunca, lamentos inconsoláveis. Mais feliz que a maioria dos
bacharéis modernos, criados como se devessem ser cidadãos de Roma ou
de Atenas, estudastes outra coisa além de autores pagãos: a Bíblia lhe é
conhecida. Uma única palavra é suficiente para te recordar toda a
história de Micas. No lugar de adorar, como seus pais, o Deus do céu,
esse Micas fabricou para si pequenos deuses de ouro e prata, que ele
adorava secretamente em sua casa. Esses deuses eram sua vida, seu
tesouro: ele não conhecia outro.
Ora, ocorre que uma tropa de soldados, passando por sua casa,
tiraram-lhe seus deuses. Então, Micas se pôs a lamentar e a correr atrás
dos soldados, reclamando seus ídolos. “Que tens? Gritaram-lhe os
soldados, virando-se. Por que gritas? – Vocês me tiraram os meus deuses,
e peço-lhes o que tenho! – Cale-te, senão morres e pilhamos tua casa3.”
O erro cruel que faz perder a vida para a vida sobre a terra tende a
povoar as cidades e os campos de Micas. No lugar de fazer do verdadeiro
Deus o tesouro de seu coração, tesouro inacessível às traças e aos
ladrões, eis homens que se consumem para criar para si uma fortuna,
grande ou pequena, para criar para si, como dizem, uma posição. Para
eles isso é tudo.
No momento em que menos esperam, uma ventania contrária, uma
bancarrota, um incêndio, uma falsa especulação, sei lá!, um dos mil
acidentes, tão comuns neste século de agiotagem e de revolução, vem
derrubar seus castelos de cartas. Que gritos de desespero são esses? É
Micas que chora seus deuses.
Ainda que não houvesse gritos e pranto! Mas as blasfêmias, os
ódios mortais, as torturas morais e, muito frequentemente, a demência e
o suicídio acabam revelando lamentos sem consolação, um mal
irremediável e, consequentemente o amor exagerado pelos bens da terra,
resultado inevitável da fascinação.

2 Si intueri volueris animam hominis aurum amantis, invenies eam ut vestmentum a


decem millibus vermium corrosan, ita cam perforatam undique a sollicitudinibus, et a
peccatis putrefactam, et ærugine plenam. São Crisóstomo, Homilía XLVIII, ad pop.
Antioquia, sub fin.
3 Juízes XVIII, 25 e seq..
Contudo, quero favorecê-lo. Admitamos, meu caro amigo, que, por
um privilégio sem precedentes, eles estivessem protegidos de todos os
golpes da sorte, de todos os atentados da doença, e que gozassem
tranquilamente de tudo o que acumularam. Seriam felizes? De forma
alguma. E isso por duas razões peremptórias. A primeira, a capacidade
de seu coração; a segunda, um pensamento que lhes pesa como um
pesadelo e que envenena fatalmente todos os seus desfrutes.
A capacidade de seu coração. Uma gota d’água não pode encher
um vaso grande. Por mais que queiram estreitar-lhe, o coração deles é de
uma capacidade infinita. Seus anseios são imensos: Somente o imenso
pode satisfazê-lo. Ora, nem em extensão, nem em duração, o imenso se
encontra nas criaturas. Relativamente ao coração do homem, todos
juntos são a gota d’água em um grande vaso. Para a instrução de todos
os séculos, a Providência permitiu que um homem, conhecido do mundo
inteiro, quisesse se saciar, caso assim fosse. Esse homem era um
monarca incomparável pelas riquezas e magnificência. Era, além disso,
um sábio como nunca houve igual. Sob essa dupla relação, seu nome
ainda é proverbial entre todas as nações civilizadas. Sabe o que quero
dizer. E volto às provas.
Magnificência de Salomão. Além do povo de Judá e de Israel, que
era inumerável como a areia do mar, sicut arena maris in multitudine, e
sobre o qual reinava, Salomão reinava também sobre todos os reinos,
desde o Eufrates até o país dos filisteus, e até a fronteira do Egito. Todos
os anos, todos lhe ofereciam imensos presentes, vasos de ouro e de prata,
tecidos preciosos, armas, perfumes, cavalos e mulas.
Essa conduta, que parece estranha, é explicada de dois modos. Por
um lado, está fundamentada sobre a admiração universal da qual
Salomão era objeto. Pois toda a terra desejava vê-lo para ouvir a
sabedoria que Deus lhe assentara no coração4. Por outro lado, Salomão
era a imagem do Messias, que deveria receber em tributo todas as nações
e suas riquezas materiais e espirituais: quem constituit hoeredem
universorum.
Sua frota, junto a de Hirão, rei de Tiro, lhe trazia continuamente,
de Ofir e de Tharsis5, enormes cargas de madeiras perfumadas, pedras
preciosas, marfim e ouro aos milhões, sem contar o que recebia todos os
anos dos intendentes das tribos e de todos os reis da Arábia. Quanto à
prata, em Jerusalém era tão comum quanto as pedras, de tal forma que
não a levavam em consideração6.
Salomão se serviu dessas incalculáveis riquezas para edificar, entre
outros, dois edifícios que foram duas maravilhas do mundo: o templo de
Deus e o palácio real. Nesses dois monumentos, o cedro, as madeiras
mais raras, o ouro, o marfim, as pedrarias foram empregadas com uma
arte infinita e com tal profusão, que nada nas construções modernas,

4 III Re, X, 24.


5 Crê-se que Tharsis era o Peru.
6 Fecitque ut tanta esset abundantia argenti in Jerusalem quanta et lapidum... Non erat

argentum, nec alicujus pretii putabatur in diebus Salomonis. III Re, X, 27.
mesmo nas mais magníficas, pode dar uma ideia. Seria muito extenso
descrever as riquezas do templo. Somente uma palavra do palácio.
Na sala do trono se via, em vez de pinturas, cinquenta escudos do
mais fino ouro, todos do peso de seiscentos sicles. Depois havia o trono,
todo de marfim e completamente revestido de um ouro puríssimo. Esse
trono tinha seis degraus e o estribo era de ouro. Doze estátuas de leões
repousavam sobre os seis degraus, seis de um lado e seis do outro. Nunca
se viu uma obra tão bela em todos os reinos do mundo7.
Todos os cálices e toda a louça do palácio eram de um ouro seleto.
Os viveres para Salomão e sua corte eram, todos os dias, de trinta
medidas de flor de farinha, e sessenta de farinha comum. Dez bois
gordos, vinte bois de pastagem, cem cordeiros, além da carne de veado,
os cervos, os cabritos monteses, os bois selvagens e todo o tipo de aves.
Ele tinha quarenta mil cavalos em seus estábulos para os carros, e doze
mil cavalos de sela. O incomparável monarca gozava em paz de todas
essas riquezas e de uma infinidade de outras. Durante o período de seu
reinado, que foi muito longo, nenhum ruído de guerra foi ouvido em seus
estados. “Judá e Israel, diz o texto sagrado, viveram em uma
tranquilidade perfeita, cada um à sombra de sua vinha e de sua figueira,
desde Dan até Bersebá8.”
Sabedoria de Salomão. Para o filho de Davi, o universo não tinha
segredos. Deus lhe dera uma sabedoria e uma prudência prodigiosas, e
um espírito capaz de compreender tantas coisas quanto os grãos de areia
que há sobre o leito do mar. De modo que ele superou todos os reis do
mundo em riqueza e sabedoria9.
Ele foi o maior dos geólogos. Ele conhecia claramente a constituição
do globo, a natureza e as relações mútuas das partes que o compõem, as
virtudes dos elementos10.
Ele foi o maior dos astrônomos. Ele conhecia os astros e seus
movimentos, a mudança das estações, o retorno das épocas, as
revoluções dos anos e as respectivas posições das estrelas11.
Ele foi o maior dos físicos. Ele conhecia a força dos ventos, sua
origem, seu percurso, seu apaziguamento, suas quantidades salutares
ou insalubres. As causas do raio, dos terremotos, das inundações, dos
furações e dos ciclones... vim ventorum12.
Ele foi o maior dos naturalistas. Ele conhecia a natureza e os
instintos de todos os animais selvagens e domésticos, quadrupedes, aves,

7 Non est factum tale opus in universis regnis. III Re, X, 21.
8 III Re, IV, 25.
9 III Re, 29; x, 23.
10 Ipse enim dedit mihi horum quæ sunt scientiam veram: ut sciam dispositionem orbis

terrarum, et virtutes elementorum. Sb, VII, 17.


11
Vicissitudinum permutationem, et commutationes temporum, anni cursus et stellarum dispositiones
(Ibid. 18, 19)
12
répteis e peixes. A diferença das plantas e as propriedades das raízes, e
todos os demais segredos da criação13.
Em uma palavra, Salomão foi o mais rico dos reis, o mais sábio dos
sábios. Testemunha, entre outros, o famoso julgamento que tornou seu
nome imortal, e os concursos de toda a terra, vindos a Jerusalém para
ouvir a sabedoria que saia de seus lábios. O mais sábio dos homens:
desde o cedro que coroa o Líbano até o hissopo que sai da muralha, todas
as criaturas eram conhecidas de Salomão, e conhecidas
cientificamente14. Mais do que ninguém, ele podia, portanto, tirar todos
os deleites que elas podiam oferecer.
Veremos amanhã o resultado de sua experiência.

Todo teu

13 Et universa terra desiderabat vultum Salomonis, ut audiret sapientiam ejus, quam


dederat Deus in cerde ejus. (Ibid, XI, 24; IV, 34).
14 Disputavit super lignis, a cedro quæ est in Libano, usque ad hyssopum quæ egreditur

de pariete, et disseruit de jumentis et volucribus, et reptilibus et piscibus. (III Re, IV,


33).

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