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Presidiário das minas ou dos campos, rapaz dos banhos, cozinheiro, músico, prostituta,
moleiro, médico… Em Roma o essencial da “população activa” não é dona de si própria. Mas
o leque de empregos ocupados por escravos reflecte a variedade dos destinos sob o jugo
romano, diferentes consoante a época, o modo devida e a personalidade do dono.
Legalmente servo “servus” não é nada. É apenas um utensílio falante, diz Varrão. Privado de
direitos civis e políticos (não pode nem votar nem ser assistido por tribunais), ele transmite
essas cadeias aos seus filhos. Catão o Antigo, definiu claramente o seu papel: “O escravo
deve trabalhar ou dormir”. Os maus tratamentos são frequentes, injustos e arbitrários. Se um
escravo assassina o seu senhor, os seus semelhantes, na casa serão executados com ele.
Esta solução definitiva representa no entanto uma perda pois o escravo é um investimento:
trata-se dele como um boi de carga. E para o fazer avançar, tal como se dá prémio de
cenouras ao boi, promete-se-lhe a possibilidade de talvez um dia resgatar a sua liberdade.
Numa sociedade que considera todo o trabalho, à excepção do da terra, como “impuro “ e
degradante, a fronteira entre livre e escravo muitas vezes é ténue. O cidadão livre mas
pobre, obrigado a trabalhar para sobreviver tem inveja do escravo que tem os seus próprios
escravos (chamados vigários). Uma forte hierarquia estrutura a sociedade servil: os
domésticos urbanos desprezam os trabalhadores agrícolas, os nascidos em Roma zombam
dos “bárbaros”. E como comparar o carregador oprimido com cargas com o secretário
preferido duma residência aristocrática?
Desenvolvida a par e passo como poderio romano, a escravatura torna-se massiva no sec II
AC pois as fontes de escravos são abundantes. O jugo abata-se tanto nos escravos nascidos
de escravos como num recém-nascido abandonado ou um adulto raptado por piratas e
vendido na outra ponta do Mediterrâneo. Na ilha grega de Delos, o maior mercado vendia
cerca de 10.000 homens por dia. Mas é a guerra que é a “mãe” da matéria-prima. As vitórias
romanas agrilhoam centenas de milhar de prisioneiros. Cipião agrilhoa 50.000 sobreviventes
da vitória sobre Cartago (202 AC); César deporta mais de 500.000 gauleses. No princípio da
nossa era, 2 a 3 milhões de escravos povoavam a Itália – cerca de 1/3 da população. Só em
Roma haveria centenas de milhar. Este aumento súbito trouxe profundas alterações sociais.
E a crer em Tácito, inquieta os cidadãos. “A inquietude estava generalizada devido ao grande
número de escravos que crescia sem medida, enquanto que a população livre diminuía de
dia para dia”. O senado rejeita uma moção que obrigava os escravos a trazer um trajo
distintivo, com medo que estes tomassem consciência da sua superioridade numérica.
O prestígio de um romano podia medir-se pelo número de escravos que possuía. Alguns
possuem milhares. No entanto, o cidadão simples contenta-se com um ou dois. Não ter
nenhum é o cúmulo da miséria. Na compra, o preço flutua muito e é marcado pela origem e
pela especialidade. A média é de 2.000 sestércios, mais 300 sestércios anuais para
manutenção. Mas as boutiques chiques propõem preços elevadíssimos para um gramático ou
um médico.
O grande grosso das vendas faz-se em leilões públicos no Forum – por lote ou por todo (tout-
venant), por cabeça para a qualidade superior. Exibida nua, a mercadoria tem no pescoço
um rótulo com indicação do seu pedigree (origem, qualidades, defeitos, competências, etc).
À que vinha de além mar pintava-se os pés com cal branca. Os reinos da Bitínia, do Egipto e
da Síria especializavam-se no mercado de carregadores. Tenso encontrado o que procurava
paga as taxas de importação e o escravo passa a integrar a sua “família” – o conjunto de
habitantes dum lar, “rústico” ou “urbano”. A sua sorte dependerá da sua afectação. No
campo irá fazer parte dos imensos domínios agrícolas do sul da península. Na cidade, poderá
ser encarregue de fazer os trabalhos mais diversos, intelectuais ou manuais. Nas grandes
residências, numerosos escravos especializados (limpeza, cozinha, manutenção…),
trabalham em turnos sob as ordens de um intendente, ele mesmo escravo. Uns,
directamente afectados ao senhor, acompanham-no no banho, penteiam-no, vestem-no,
servem-no à mesa, etc. Um grupo de escravos não menos numerosos servem a senhora. Os
guardas costa fornecem segurança aos senhores aquando das saídas. Músicos, saltimbancos
e dançarinas são indispensáveis nos banquetes das melhores residências.
Aos trabalhos menores opunham-se as tarefas “nobres” dos secretários, contabilistas,
pedagogos… os gregos ocupavam a grande maioria destes trabalhos de “letrados”. Foi assim
que obra colossal “História natural” de Plínio o Ancião, foi certamente a obra de secretários
eruditos anónimos para todo o sempre.
Estes colaboradores, confidentes, chegando mesmo a ser amigos do senhor são às vezes
adoptados e designados como herdeiros.
A partir de Augusto desenvolve-se a categoria de escravos imperiais. Propriedade do
imperador, eles trabalham nas minas (40.000 condenados em Cartagena na Espanha) e nos
terrenos agrícolas, servem nos palácios, povoam a sua administração. Outros “escravos
públicos” asseguram as tarefas de interesse geral: trabalhos de limpezas, vigilância dos
estabelecimentos públicos… Roma construi-se um império “servil”. O essencial da sua
economia baseia-se em mão de obra escrava. Assim, as revoltas são raríssimas. Depois de
duas insurreições nos grandes domínios da Sicília (em 139-132 e em 104-101 AC), a última
sublevação rebenta na Câmpania por instigação do gladiador Espártaco. Violentamente
reprimida não teve descendentes.
As transformações sociais da época imperial e principalmente a multiplicação das libertações
(alforrias), explicam tudo isto. A situação evolui a pouco e pouco. .. “É certo que é um
escravo, mas é um homem”, observa Séneca. A lei segue o progresso das ideias, confirma a
evolução dos costumes. São promulgados decretos que resguardam os escravos dos piores
abusos e, sobretudo, favorecem a sua libertação. Alguns libertos tornam-se riquíssimos. Ápio,
grego, que viveu no sec II, espantou-se que uma vez os escravos libertos, viviam em pé de
igualdade com os cidadãos livres, mesmo no que diz respeito às vestes. No entanto, nunca
ninguém em Roma considerou abolir a escravatura.