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Oliveira. Walter Ferreira de; Damas. Fernando Balvedi, (2016) Saúde e atenção psicossocial
nas prisões: um olhar sobre o sistema prisional brasileiro com base em um estudo em Santa
Estudos sobre o sistema prisional não são novidade na área das Ciências Sociais e
Humanas, sendo que mais recentemente começou a receber a atenção dos pesquisadores do
campo da Saúde Coletiva. Da mesma forma, a saúde já estava prevista como direito universal
liberdade e aquelas pessoas que, nesta condição apresentam sofrimento ou transtorno mental
E uma incursão em tais questões, em que contrastam descompassos entre avanços nos
planos legal e prático-social, é o que proporciona a obra Saúde e atenção psicossocial nas
prisões: um olhar sobre o sistema prisional brasileiro com base em um estudo em Santa
Catarina, assinada pelos psiquiatras Walter Ferreira de Oliveira e Fernando Balvedi Damas,
fruto de uma dissertação de mestrado. Os autores introduzem o leitor a este espaço fronteiriço
direito. Com este caráter interdisciplinar conflui, especialmente, com a área de Psicologia
Social e outras áreas de saberes, fazeres, dizeres, poderes e vivencias com reflexões
e dinâmica das interações sociais no contexto prisional) e o papel da prisão como elemento
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Vigiar e Punir de Michel Foucault, ao explicar que, incidindo no corpo, as sanções penais se
deslocaram dos suplícios e morte, para seu disciplinamento e vigilância na reclusão visando
XIX.
paradoxo do atual sistema prisional do Brasil com movimentos em defesa dos direitos
humanos, aparatos legais e políticas públicas avançadas ao lado do modelo arcaico de punição
e suplício (que persiste sob a forma de perda de bens e de direitos imputada pelo Estado).
as variações, no tempo e no espaço, das sensibilidades sobre o louco, sua inserção social e as
instituições asilares destinadas às pessoas com transtorno mental, em geral e para o louco
com seu caráter segregacionista e de custódia aos loucos, transgressores da ordem que, por
isso, representavam perigo à sociedade pelos desvios de conduta e moral que materializavam
os problemas sociais. Tal forma de exclusão marcou a Renascença pelo que Foucault designou
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diagnosticar, classificar e tratar os considerados doentes mentais – o que era arbitrado pelo
Somente no século XX, aos doentes mentais que cometessem delitos, o contexto de
embutida, devem ficar sob custódia, por medida de segurança (prevista pelo Código Penal
brasileiro a partir de 1940) até cessar o perigo – fato que deveria ser atestado pela perícia
Proposto para atuar como organismo técnico, científico, assistencial e de defesa social
controle social (Cunha & Boarini, 2016), no entanto, configurando-se como prisão, foi alvo
saúde mental e a atenção psicossocial no âmbito do sistema prisional. Para tanto, abordam o
fundaram o SUS, a partir dos imperativos sociais e políticos dos direitos humanos
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nos seus correlatos no contexto das prisões como é mostrado no quarto capítulo. Nele, os
Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei – conhecida como EAP. Contrasta o
avanço no plano legal com o panorama precário e desolador da estrutura e da atenção à saúde
os aspectos metodológicos do estudo qualitativo cujo objetivo foi analisar como se efetivavam
a outros contextos.
O sétimo capítulo, “Acesso à saúde e ressocialização nas prisões”, traz reflexões sobre
em rede sendo que, no contexto das prisões tal produção enredada atinge presos e outros
diferentes tipos de serviços, explorando temas centrais como: assistência à saúde; alimentação
e higiene; atividade física, opções desportivas e de lazer (a atividade religiosa figura como
uma delas); acesso a atividades laborais; acesso à educação e visitas; questões de gênero.
agravada pelo contexto deteriorado com negação de direitos básicos constituindo-se em uma
entre outras formas de violência mais diretas. Como principais problemas de saúde entre os
presos, os gestores apontam dores de cabeça, febre e torções, transtornos, doenças sazonais,
infectocontagiosas com destaque à tuberculose, sensível que é às condições das unidades para
Quanto aos atendimentos nas unidades (internas e externas com escolta), gera-se uma
situação dúbia: dificuldades em atender, ao passo que não atender, negligenciando as queixas
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segurança pública como um todo (motins, rebeliões, fugas), já que presos não são passivos ao
se sentirem injustiçados.
As drogas são referidas como presentes na população carcerária, seja como tráfico ou
uso de drogas como devastador na prisão, mas há pessoas, funcionários (em outros estudos)
que entendem que as não estimulantes “acalmam” e tem utilidade social, ainda que
sua descriminalização. Podemos assinalar, neste sentido, que estratégias e ações de Redução
de Danos, com adequações, tem se mostrado profícuas no contexto prisional (Bravo, 2009).
Por fim, citam a judicialização das internações psiquiátricas que reflete a inadequação
e desassistência da atenção psicossocial no serviço público externo que acaba levando pessoas
ao ingresso no sistema prisional. Por sua vez, na prisão há pressões para transferência para
área de saúde mental. Pontuam exemplos fora das prisões em contextos internacionais e as
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barreiras encontradas no Brasil, como questões éticas postas pelo Conselho Federal de
podemos acrescentar) distintas e que requerem alianças a serem assumidas e construídas com
outros serviços públicos de saúde, entre eles os de Atenção Psicossocial. Com esta visão
ampla entre sistemas interdependentes, sinaliza para o papel mediador da Saúde Coletiva
neste processo e afirma que “Nosso País merece um sistema de saúde que cumpra seus
próprios preceitos de garantir saúde para todos, também no sistema prisional, em uma
perspectiva equitativa e integral” (p.181). Acrescentamos que a Psicologia Social tem seu
Com linguagem simples e clara sobre tema complexo, o livro facilita o entendimento
saúde como direito social. Em tempos de crises e retrocessos das conquistas sociais, é bem-
vinda tal reflexão pautada como questão “que atinge a todos nós” (p.120).
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Referências
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-
Coelho, M.T.AD. & Mascarenhas, L.M.; (2013). O direito à saúde nas prisões e hospitais de
custódia e tratamento do Brasil: em foco a saúde mental. In: Lourenço, L.C.; Gomes, G.L.R.;
Cunha, C.C. & Boarini, M.L. (2016). A medicina como voto de Minerva: o louco infrator.
Perspectivas Nacionais e Internacionais. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, 2010, 26, 51-64.
Silva, M.B.B. (2010) O desafio colocado pelas pessoas em medida de segurança no âmbito do
Sistema Único de Saúde: a experiência do PAILI-GO. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio