Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Em alguns poemas fala da sua filha. É praticamente a única pessoa concreta que traz para os
seus poemas.
Há um poema sobre o meu pai, Que escada de Jacob, que escrevi depois da morte dele. Depois da
morte dele.
No poema Testamento diz que, se morrer, quer que a sua filha se lembre de si.
Que não se esqueça de mim. Esse poema acaba a falar de batatas íntegras. Não há batatas íntegras,
há pessoas íntegras. Há dois conceitos que vemos desbaratados ou espezinhados: a integridade e
a bondade. A palavra bondade é uma palavra que já não se usa. Parece que é uma palavra
antiga, demodé. Fala-se de pessoas muito inteligentes, valoriza-se a inteligência. Mas uma pessoa
boa é rara. A bondade é também a solidariedade para com o outro. É a “com-paixão”. É a simpatia
no sentido “sentir com”. Dos nossos políticos, está muito arredada. A integridade também parece
um valor esquecido.
TESTAMENTO
Se eu morrer
Quero que a minha filha não se esqueça de mim
Que alguém lhe cante mesmo com voz desafinada
E que lhe ofereçam fantasia
Mais que um horário certo
Ou uma cama bem feita
Se eu morrer de avião
E ficar despegada do meu corpo
E for átomo livre lá no céu
_______
Na varanda,
em perfume comum
de outros aromas:
hibisco, uma roseira,
um pé de lúcia-lima
um segredo botânico
de luz.
___________________
Aniversário
Sentei-me com um copo em restos de
champanhe a olhar o nada.
Entre crianças e adultos sérios
tive trinta em casa.
os pés inchados.
1. O sujeito poético tem uma visão diferente dos aniversários. Comprove com
excertos do texto e evidencie como apresenta esta visão.
2. Explique a utilização de alguns verbos introdutórios de estrofes no futuro.
Manuel Alegre
Texto 11
Os anos 60, com as lutas estudantis e a guerra colonial, são igualmente um período propício a
um retomar da tradição de uma poesia de militância social e política, e não serão poucos os
autores que, de modo mais continuado ou mais fortuito, se mostram sensíveis a esse tipo de
envolvimento. O nome mais em evidência, neste contexto, será o de Manuel Alegre, que,
especialmente nas primeiras coletâneas, empresta à sua poesia uma ressonância bárdica, que a
música de intervenção, muito típica da época, irá significativamente ampliar.
Texto 2
Mas a poesia de Manuel Alegre não se limita, naturalmente, a esse propósito resistente, e o
desenvolvimento da sua obra depois de 1974 permitirá verificar a relevância que nela vai
ganhando cada vez mais uma celebração da própria poesia, assente no diálogo, em graus diversos
de incidência mais abertamente […] intertextual, com vozes de referência da tradição literária
portuguesa e ocidental, em que, sem dificuldade, se recortam nomes como os de Camões, Pessoa,
Torga ou Sophia, e os de Dante, Pound, Lorca ou Melo Neto.
Texto 3
Um poeta lutador
O seu primeiro livro de poesia, Praça da Canção (1965) exprime afinidades temáticas e ideológicas
com a poesia do neorrealismo, ao mesmo tempo que revela um original sentido de musicalidade
enraizado nas trovas de tradição popular. No segundo, O Canto e as Armas (1967), ainda mais se
acentua a propensão ideológica e de poesia de combate, acrescentando-se uma temática do exílio
que será constante ao longo de toda a sua obra, intimamente relacionando, a cada passo, vida e
criação estética, o que também se nota nas suas obras de ficção e de memórias: Jornada de África
(1989), O Homem do País Azul (1989) e Alma (1995). A estrutura do verso radica essencialmente
na tradição dos antigos cancioneiros e adota Camões como modelo supremo, pela própria
mitologia nacionalista. Esta propensão simultaneamente classicizante e popular, bem como a do
sentido ideológico, sendo o poeta sempre um cidadão interveniente e mesmo um permanente
revolucionário, mantém-se até à fase mais recente, inclusive em Sonetos do Obscuro Quê (1993),
onde, dialogando intertextualmente com modelos como Dante, Manuel Alegre continua a ver o
poeta como «capitão de guerrilha», empunhando «ora a metralhadora ora a caneta».
1
Vilas-Boas, António e Vieira, Manuel. (2018). Entre Palavras 12 - Dossiê Prático do Professor – Asa. pp.
298-299.
Texto 4
Poeta maior da literatura de intervenção dos anos 60, Manuel Alegre carrega na sua poesia as
angústias e os anseios de uma geração profundamente marcada pela ditadura e pela guerra
colonial. Os seus versos são a crónica de um tempo histórico comum e a expressão da saudade
de um espaço, que é simultaneamente o topos português lembrado pelo «lusíada exilado» e a
utopia de um Portugal que há de ser. São também o apelo a um percurso coletivo de regresso
(que a imagem da raiz metaforiza e que um título como Chegar Aqui indicia), de reencontro com
a pátria verdadeira, depois da passada aventura histórica de partida.
Texto 5
Em Manuel Alegre palavra e música são indissociáveis. O seu convívio com o legado dos
trovadores (nacionais, toscanos, provençais) e um profundo instinto da língua não estarão
ausentes de uma arte que domina as formas e os metros clássicos como os ritmos da
modernidade, […]. Ao cabo de trinta e cinco anos de edição, Manuel Alegre, cuja produção vem
suscitando valiosos estudos, afirmou-se como uma das personalidades mais densas e singulares
da atual literatura portuguesa.
José Manuel Mendes, «Alegre de Melo Duarte, Manuel», in Jacinto do Prado Coelho
(dir.), Dicionário de literatura portuguesa, Atualização do 1º volume, Porto, Figueirinhas,
2002, p. 43.
______________________
_______________________________
_________________
Coisa Amar