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Amar o amor: Clarice entrevista Vinicius

Antes de publicar o primeiro livro, ainda estudante de Direito, Clarice Lispector havia

trabalhado na imprensa como repórter e redatora da Agência Nacional e em periódicos

como a Vamos ler! e o jornal A Noite No final da década de 1960, então consagrada,

aceitou o convite para assumir uma página de entrevistas na revista Manchete. Durante

quase um ano e meio, personagens importantes da literatura, teatro, música, artes

plásticas e esportes passaram pela sabatina da escritora, entre elas amigos como Lygia

Fagundes Telles, Rubem Braga, Maria Bonomi, e também Vinicius de Moraes.

O que logo se percebe nas conversas com Clarice é sua total inadequação para a função

no tocante à técnica jornalística: é pessoal demais, por vezes indiscreta (sem contudo

soar invasiva), e, a pior das heresias, fala de si como se fosse ela a entrevistada. É claro,

não poderia ser diferente e a revista sabia disso — a sessão receberia o nome de

“Diálogos possíveis com Clarice Lispector”. Mais do que possíveis, talvez fosse melhor

dizer improváveis.

Na entrevista em questão, a primeira abordagem soa logo como um tapa na cara com

luva de pelica: “Vinicius, você amou realmente alguém na vida?”. Ora, em tese, isso não

é pergunta que se faça — ainda mais assim de sopetão — ao maior expoente da lírica

amorosa no Brasil, autor de sonetos que são monumentos da língua portuguesa e se

equivalem aos de Camões em importância.

No melhor estilo morde e assopra, continua dizendo que telefonou para uma das

mulheres do poeta e elaque lhe disse que ele Vinicius quando ama se dá a tudo por

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inteiro: crianças, mulheres, amizades; e. que por isso teria lhe vindo a ideia de que

amava o amor e nele incluía as mulheres. “Que eu amo o amor é verdade”, responde

Vinicius, “mas isso não quer dizer que eu não tenha amado as mulheres que tive. Tenho

a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.”

Clarice, certamente por conhecer sua biografia de muitos casamentos, avança:

“Acredito, Vinicius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um

homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada,

pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são

permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores”.

Bonita reflexão sobre o amor, no entanto, em tudo contrária à do poeta, que rebate: “É

claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o

mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que

tem a dimensão do infinito”.

A entrevistadora retoma a palavra sem peio: “Você acaba um caso porque encontra outra

mulher ou porque se cansa da primeira?”

“Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso

talvez porque esse amor paixão pela sua própria intensidade não tem condições de

sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu ‘Soneto

de fidelidade’: ‘que não seja imortal posto que é chama / mas que seja infinito enquanto

dure’”.

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A entrevista prossegue, mas por enquanto quedemos aqui. Com perguntas tão óbvias

quanto desconcertantes, Clarice toca de modo intuitivo em alguns pontos sensíveis do

poeta. O amor paixão é um deles. Segundo o filósofo Alain Badiou*, no ideal romântico

do amor a ênfase recai sobre o êxtase inicial do primeiro encontro, que não seria para

ele o momento mais importante da relação amorosa, . *baseada sim em uma construção

duradoura, a que também dá o nome de “aventura obstinada”. Assim, diferentemente da

apreensão do instante como única dimensão temporal da eternidade, propõe uma

concepção “menos milagrosa e mais laboriosa, ou seja, uma construção persistente,

ponto por ponto, da eternidade temporal”.

Clarice concorda com Badiou. Para Vinicius, porém, o amor deve ser vivido no

paroxismo. “Mas amar é sofrer. Mas amar é morrer de dor”, canta em um de seus afro-

sambas, o “Canto de Xangô”, em parceria com Baden Powell. O poeta deseja fundir-se

com a amada. A consciência aguda do infortúnio lhe traz sofrimento e dor. Adentrando

as razões do coração que a própria razão desconhece, ele busca então no incessante

recomeçar das paixões tornar possível o impossível: a renovação do amor em novos

pares — o oposto da proposta de Clarice, de “criar no mesmo par novos amores”.

Vem daí a sensação de que sua vida tem sido como se uma mulher o depositasse nos

braços de outra. Por isso também há em muitos de seus versos acentuada analogia entre

mulher real e mulher ideal, em que a todo tempo uma assume qualidades da outra.

Nenhum poema exemplifica melhor a confusão do que “Epitalâmio”. Nele, ao final de

longa citação de nomes de femininos — alguns que reforçam antiteticamente qualidades

arquetípicas (Sombra / Alba, Vândala / Santa, Altiva / Suave), e outros que evocam

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mulheres supostamente reais (prima Alice, Maria, Nina, Linda, Marina, Maja, Clélia)

com as quais o poeta teve algum tipo de experiência no passado — espanta-se:

Vejo chegar alguém que me procura

Alguém à porta, alguma desgraçada

Que se perdeu, a voz no telefone

Que não sei de quem é, a com que moro

E a que morreu... Quem és, responde!

És tu a mesma em todas renovada?

Sou Eu! Sou Eu! Sou Eu! Sou Eu! Sou Eu!

O “Sou eu!” que ecoa enfaticamente no último verso do poema traz uma ambiguidade

reveladora, pois pode tanto significar a resposta da mulher como a própria voz do poeta,

que se confunde com ela ou até mesmo com todas elas — nesse caso, a polifonia

proviria de tantas vozes quantas foram as mulheres arroladas. É uma resposta que junta

em um único sintagma poeta, mulheres reais e a mulher ideal (“a mesma em todas

renovada”) e realiza, portanto, no poema a fusão com a mulher amada, impossível na

vida real.

O amor devotado à mulher foi a via mais importante do poeta para a tentativa de

alcançar o absoluto da plenitude amorosa. Mas não a única. Em sua primeira resposta a

Clarice, esclarece: “por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o

amor de homem para mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o

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amor de homem para homem o amor de ser humano pela a comunidade de

seus semelhantes”. A conversa segue, quando, de repente, fazem uma pausa.

Vinicius rompe o silêncio: “Tenho tanta ternura pela sua mão queimada...”.

(Poucos anos antes, Clarice havia adormecido com o cigarro aceso e provocado um

incêndio em sua casa. Com graves queimaduras no corpo e correndo risco de morte,

passou dois meses hospitalizada na Clínica Pio XII, de onde saiu com sequelas,

principalmente na mão direita.)

A escritora se emociona e reconhece: “este homem envolve uma mulher de carinho”.

A pedido de Clarice, Vinicius ainda faz um poema de improviso para ela. “Você escreve

uma palavra em cima e a outra embaixo porque é um verso. É assim”:

Clarice

Lispector

“Acho lindo o teu nome, Clarice”, elogia o poeta.

A entrevista acaba e, , mas Clarice levando leva até o fim sua apuração,. aA escritora

telefona para uma das esposas do poeta e lhe pergunta: “Como é que você se sente

casada com Vinicius?” Ela responde: “Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante

do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.” Conversa

também com uma “mocinha inteligente”: “Você teria um ‘caso’ com ele?”. “Não (...) eu

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amo um outro homem. E Vinicius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A

música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E ‘de repente, não mais que de

repente’, ele se transforma em outro (...)”.

O epílogo acaba por revelar o inevitável desdobramento ético da obra de Vinicius,

impregnada de vida e a todo momento ultrapassada por um efeito de contágio

transformador de outras vidas, que, por sua vez, não lhe seguem o exemplo, mas a

coragem de viver.

“Porque há grandeza em Vinicius de Moraes”, termina Clarice.

*No livro Elogio ao amor (Martins Fontes, 2009).

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