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Crise do presidencialismo de

coalizão
Muitos já ouviram falar da expressão "presidencialismo de coalizão", cunhado pelo
brilhante cientista político Sérgio Abranches. A ideia do presidencialismo de coalizão
assenta-se em dois pilares básicos: o papel do presidente da República e a existência
de coalizões partidárias que sustentem o governo. Ao se pôr a fórmula em
movimento, os partidos que sustentam a coalizão participam do governo quase que
de forma semiparlamentarista, oferecendo a maioria de que dispõem no Congresso
para apoiar a agenda presidencial. Para assegurar três condições básicas: dar
governabilidade ao presidente, assegurar a aprovação das principais propostas do
governo no Congresso e evitar que a oposição paralise politicamente o governo com
pedidos de investigação.

Murillo de Aragão, O Estado de S.Paulo


24 de fevereiro de 2015 | 02h04

Enfim, funciona para dar operacionalidade à maioria. Se esse modelo não conseguir
assegurar tais condições, não funcionará. E, pior, será gerador de crises que, no
mínimo, terão impacto sobre a governabilidade e, no máximo, tornarão o governo
inviável. Nos dias de hoje, o modelo é claramente gerador de crises e de
instabilidade. Tanto por causa da fragmentação das forças políticas existentes no
País quanto pela incapacidade de o Poder Executivo exercer adequadamente o seu
papel. É tanto um problema de modelo quanto de gestão.

O Brasil vive, desde o início do primeiro mandato de Dilma Rousseff, uma crise em
seu presidencialismo de coalizão, fruto de uma soma espantosa de equívocos
políticos. Agora, no início do seu segundo mandato, a crise agravou-se pela
incompatibilidade entre a gestão política adotada pelo Planalto e as expectativas
dos aliados, pela deterioração do ambiente econômico e pelo temor que o petrolão
desperta na comunidade política. A combinação de tudo isso pode gerar um
sentimento de "salve-se quem puder", deixando o governo mais isolado ainda.

Mesmo sofrendo um declínio de apoio no Congresso Nacional ao longo do primeiro


mandato, o governo jamais enfrentou a questão nem buscou apaziguar as várias
forças que compõem a sua base política. O distanciamento e, algumas vezes, a
arrogância foram a tônica. Antes do início oficial do segundo mandato de Dilma,
era óbvio que o governo ia mal em suas articulações políticas, no entanto repetia
os mesmos erros de antes: pouco diálogo, desequilíbrio na representação dos
partidos no Ministério e demora no atendimento das demandas dos
parlamentares, entre muitas outras queixas. Que, em seu conjunto, transformaram
a Câmara dos Deputados em terreno rebelde, para não dizer hostil, às orientações
governamentais.

Em 2012, ao analisar esse mesmo tema, apontei o fato de que os focos de atrito
estavam em todos os partidos da base. Disse ainda que, "caso o conflito não seja
reduzido a limites toleráveis, o cenário é de derrotas no Congresso, de apoios
relativizados, de dissidências crescentes e, ainda, de real possibilidade de racha na
base política do lulismo". Foi exatamente o que aconteceu de lá para cá. A situação
só não degringolou por inteiro por conta da então popularidade da presidente.
Hoje a realidade é diferente. Temos o presidente do PT mais impopular dos últimos
12 anos.

O início de 2015 nos traz um cenário de rearrumação das placas tectônicas da


política nacional. Existe um sentimento majoritariamente anti-PT dentro do
Congresso que é transversal a todos os partidos. A base política que apoia o
governo está definitivamente rachada. E prosseguirá como uma base de apoio
condicional e muitas vezes estritamente pontual. Sem falar no fogo amigo que vai
e volta. Existe também um sentimento, igualmente transversal a muitos partidos,
de que o Congresso sempre foi tratado de forma depreciativa pelo governo central
e está na hora de reverter o jogo.
A aprovação do orçamento impositivo é uma tentativa de declaração de
independência que se seguiu a outras adotadas anteriormente, como a retomada
da votação de vetos presidenciais e a mudança no rito das medidas provisórias. Só
que, agora, a intenção é mais radical e vem acompanhada de outros sinais de
hostilidade, como o convite a todos os ministros para prestar esclarecimentos no
Congresso, além da criação de uma nova CPI da Petrobrás.

Porém, mais além das crises de natureza pontual, as consequências do desgaste


dos últimos anos projetam uma nova situação e o que se avizinha é um quadro de
mudança radical no relacionamento entre o Legislativo e o Executivo, em que a
hegemonia do segundo deixará de ser absoluta. O quadro de transformações tende
a se sedimentar e pode até mesmo resistir ao tornado do petrolão. O Congresso
descobriu-se poderoso e o Executivo, com sua deliberada política de reduzi-lo a um
Poder subalterno, acabou sendo o maior incentivador da transformação. Não
haverá retorno. Poderá, sim, caso o presidente opere adequadamente, haver uma
melhora no relacionamento entre os Poderes. Mas não será como antes.

Hoje a crise política não é apenas uma crise de gestão política. É, evidentemente,
uma crise sistêmica do modelo brasileiro. Mas, ao contrário do que alguns pensam,
pode não representar o fim do presidencialismo de coalizão, pelo simples fato de
que não temos condição de substituí-lo por outro modelo sem uma grave ruptura
institucional. Nem existe na prateleira uma alternativa que funcione melhor num
quadro de elevada fragmentação partidária. No final das contas, devemos, sim,
desejar e incentivar a formação de novas maiorias para que se façam os
aperfeiçoamentos necessários ao sistema. Antes que a voz das ruas e as forças da
sociedade encontrem caminhos menos pacíficos para isso.

*Murillo de Aragão é consultor e advogado, mestre em Ciência Política, doutor em


Sociologia pela Universidade de Brasília e autor do livro 'Reforma Política - o debate
inadiável' (Civilização Brasileira, 2014)

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