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Secretaria da Educação do Estado do Ceará

SEDUC-CE
Professor Nível A - Especialidade: Educação Física

Edital Nº 030/2018 – SEDUC/SEPLAG, de 19 de Julho de 2018


JL088-2018
DADOS DA OBRA

Título da obra: Secretaria da Educação do Estado do Ceará - SEDUC - CE

Cargo: Professor Nível A - Especialidade: Educação Física

(Baseado no Edital Nº 030/2018 – SEDUC/SEPLAG, de 19 de Julho de 2018)

• Conhecimentos Específicos

Autora
Silvana Guimarães

Gestão de Conteúdos
Emanuela Amaral de Souza

Diagramação/ Editoração Eletrônica


Elaine Cristina
Igor de Oliveira
Ana Luiza Cesário
Thais Regis

Produção Editoral
Suelen Domenica Pereira
Julia Antoneli
Leandro Filho

Capa
Joel Ferreira dos Santos
APRESENTAÇÃO

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SUMÁRIO

Conhecimentos Específicos

1. Histórico da Educação Física........................................................................................................................................................................... 01


2. Educação Física como linguagem................................................................................................................................................................. 02
3. Processo ensino-aprendizagem na Educação Física.............................................................................................................................. 08
4. Construindo competências e habilidades em Educação Física.......................................................................................................... 18
5. Avaliação em Educação Física......................................................................................................................................................................... 28
6. Educação Física e sociedade............................................................................................................................................................................ 39
7. Fundamentos didático-pedagógicos da educação física..................................................................................................................... 42
8. Atividade física e saúde..................................................................................................................................................................................... 61
9. Crescimento e desenvolvimento................................................................................................................................................................... 67
10. Aspectos da aprendizagem motora........................................................................................................................................................... 70
11. Aspectos sócio-históricos da educação física........................................................................................................................................ 75
12. Política educacional e educação física...................................................................................................................................................... 89
13. Cultura e educação física................................................................................................................................................................................ 93
14. Aspectos da competição e cooperação no cenário escolar............................................................................................................. 97
15. Competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio para a disciplina
de Educação Física................................................................................................................................................................................................... 99
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
1. Histórico da Educação Física........................................................................................................................................................................... 01
2. Educação Física como linguagem................................................................................................................................................................. 02
3. Processo ensino-aprendizagem na Educação Física.............................................................................................................................. 08
4. Construindo competências e habilidades em Educação Física.......................................................................................................... 18
5. Avaliação em Educação Física......................................................................................................................................................................... 28
6. Educação Física e sociedade............................................................................................................................................................................ 39
7. Fundamentos didático-pedagógicos da educação física..................................................................................................................... 42
8. Atividade física e saúde..................................................................................................................................................................................... 61
9. Crescimento e desenvolvimento................................................................................................................................................................... 67
10. Aspectos da aprendizagem motora........................................................................................................................................................... 70
11. Aspectos sócio-históricos da educação física........................................................................................................................................ 75
12. Política educacional e educação física...................................................................................................................................................... 89
13. Cultura e educação física................................................................................................................................................................................ 93
14. Aspectos da competição e cooperação no cenário escolar............................................................................................................. 97
15. Competências e habilidades propostas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino médio para a disciplina
de Educação Física................................................................................................................................................................................................... 99
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física

ao grupo social em que será trabalhada. Esse fato permi-


1. HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA te uma liberdade de trabalho, bem como uma liberdade de
avaliação – do grupo e do indivíduo – por parte do profes-
sor, que pode ser bastante benéfica ao processo geral edu-
cacional do aluno.
Geralmente a Educação Física na escola é vista como Historicamente, as atividades físicas sempre estiveram
uma disciplina complementar, como se ela fosse menos im- em um patamar inferior em relação às atividades, reconhe-
portante do que Matemática, História ou Língua Portuguesa. cidamente, intelectuais. Nesse sentido, Betti destaca dois as-
Será que é verdade? É preciso compreender que a Educação pectos que contribuem para a desvalorização da educação
Física é uma disciplina obrigatória do currículo escolar e que física. O primeiro refere-se à maneira simplificada em que a
apresenta características próprias, como veremos a seguir. área é vista, não se identificando e nem reconhecendo os
O termo Educação Física pressupõe a ideia de controle conhecimentos que lhes são específicos. O segundo refere-
do corpo ou, ainda, de controle do físico. Educar, desde o -se à ideia de que há familiaridade intensa entre as pessoas e
século XVII, é uma ação que está intimamente relacionada as práticas corporais, dando a falsa impressão de que a área
à disciplina corporal: a separação proposta por Descartes, e o profissional seriam quase que dispensáveis, inclusive no
entre corpo e mente, torna-se base de todo o processo edu- ambiente escolar.
cacional ocidental. Fato bastante visível nas salas de aula: o Atualmente, ruas e avenidas estão sempre cheias de pes-
corpo fica sentado e parado, sem “atrapalhar” o exercício de soas caminhando, principalmente nas épocas mais quentes
raciocínio e de aprendizado feito pela mente. do ano, em que os corpos ficam mais expostos. Como nos
A princípio, a Educação Física, quando inserida no cur- mostra o documento da Secretaria Estadual de Educação,
rículo escolar, era tida como um momento para a prática da somos bombardeados por imagens que, por muitas vezes,
ginástica, com a finalidade de deixar o corpo saudável. Após nos levam a buscar padrões de beleza possíveis para pou-
muitas reformas na própria ideia de Educação Física, atual- cos, levando algumas pessoas a pagar altos preços não só
mente ela é uma disciplina complexa que deve, ao mesmo do ponto de vista financeiro, mas também da saúde, fazen-
tempo, trabalhar as suas próprias especificidades e se inter- do uso de medicamentos, energéticos, alimentos, cirurgias e
-relacionar com os outros componentes curriculares. Segun- excedendo-se em academias colocando em risco a própria
do os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento saúde com substâncias proibidas ou inadequadas. Obser-
oficial do Ministério da Educação, a Educação Física na esco- vamos uma supervalorização do trabalho com o corpo fora
la deve ser constituída de três blocos: da escola em detrimento do trabalho dentro dela. Há uma
diferença acentuada entre os profissionais das escolas e os
Jogos, Ginásticas, Esportes e que atuam fora dela, em clubes e academias, por exemplo.
Atividades rítmicas e expressivas
Lutas Temos de um lado, um profissional e área com exposição
Conhecimentos sobre o corpo positiva e de outro, uma educação física que está sem pres-
tígio ou sem significado na escola.
Segundo o documento, essas três partes são relaciona- A educação física no Brasil surge ligada intimamente à
das entre si e podem ou não ser trabalhadas em uma mesma formação e educação corporal disciplinadora, com objetivos
aula. dos mais variados: militares, de saúde, estéticos, esportivos
O primeiro bloco, “jogos, ginásticas, esportes e lutas”, de alto rendimento ou não, recreativos, servindo, muitas ve-
compreende atividades como ginástica artística, ginástica zes, a mecanismos de alienação ou propósitos políticos, va-
rítmica, voleibol, basquetebol, salto em altura, natação, ca- lendo-se da prática ou de eventos esportivos para desviar a
poeira e judô. O segundo bloco abrange atividades relacio- atenção das tensões políticas e das lutas ideológicas3. Exem-
nadas à expressão corporal, como a dança, por exemplo. Já plos desses mecanismos encontram-se no jovem do final da
o terceiro bloco propõe ensinar ao aluno conceitos básicos década de 60, que o governo militar buscava para formação
sobre o próprio corpo, que se estendem desde a noção es- de um exército forte para desmobilizar correntes opositoras
trutural anatômica, até a reflexão sobre como as diferentes ao regime que vigorava, como também no futebol, personi-
culturas lidam com esse instrumento. ficado na seleção brasileira, marcava o tom vitorioso de um
Se analisarmos uma aula em que o professor trabalha governo autoritário e ditatorial.
apenas os quatro esportes coletivos (voleibol, basquetebol, A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD)
futebol e handebol), sob a ótica de uma Educação Física que 9.394, trouxe alguns avanços para a área da educação física.
visa à reflexão do aluno sobre si e sobre a sociedade em Inseriu-a como disciplina obrigatória nas grades curriculares
que está inserido, logo perceberemos o quão pobre se torna das escolas brasileiras, reconhecendo-a como componente
a experiência sobre o corpo nessas aulas. Nesse sentido, é curricular e também como área de estudo relevante na for-
fundamental que a compreensão de si, de sua cultura e de mação global dos indivíduos.1
outras culturas seja ampliada, a fim de efetivar a disciplina
de Educação Física como um componente curricular edu-
cacional.
A Educação Física tem uma vantagem educacional que
poucas disciplinas têm: o poder de adequação do conteúdo 1 Fonte e texto adaptado de: www.brasilescola.com/Paula Rondinelli/
Nestor Bertini Junior; Elvira Cristina Martins Tassoni

1
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
propostas para Educação Física Escolar (EFE)”, tendo em vis-
2. EDUCAÇÃO FÍSICA COMO LINGUAGEM ta que é notável:
Além dos benefícios imediatos atribuídos a realização
de esforços físicos adequados na infância e na adolescên-
cia, evidências (que) apontam que as experiências positivas
Desde a sua origem o ser humano vem produzindo cul- associadas à prática de atividades físicas vivenciadas nessas
tura, tudo o que o homem faz vem de um contexto onde idades se caracterizam como importantes atributos no de-
se produz e reproduz cultura a partir do seu conhecimento. senvolvimento de atitudes, habilidades e hábitos que po-
Conforme a necessidade de cada época que este ho- dem auxiliar futuramente na adoção de um estilo de vida
mem esteve inserido dentro da sociedade, este buscou ativo fisicamente na idade adulta (GUEDES; GUEDES,1997,
suprir suas insuficiências com criações que tornassem os p.49).
movimentos mais eficientes e satisfatórios, procurando de- Para Chagas et.al (2012) o conteúdo deve ser articulado
senvolver diversas possibilidades de uso do corpo no intuito com a vida pra que assim exista um real significado para
de solucionar as mais variadas necessidades. Sendo essas aquilo que se aprende nas aulas. Deste modo, para facilitar
criações gestuais com caráter utilitário, ou não, elas visavam a adesão dos alunos às práticas corporais, seria importante
ao seu modo, a combinação do aumento da eficiência dos diversificar as vivências experimentadas nas aulas, para além
movimentos corporais com a busca da satisfação e do pra- dos esportes tradicionais (futebol, voleibol, handebol ou
zer na sua execução. De acordo com os Parâmetros Curricu- basquetebol). Castellani Filho (1993), ao se referir ao esporte
lares Nacionais (PCN‟s): como um conteúdo da EFE o considera “como uma prática
Derivaram daí conhecimentos e representações que social, resultado de uma construção histórica que, dada à
se transformam ao longo do tempo. Ressignificadas, suas significância com que marca a sua presença no mundo con-
intencionalidades, formas de expressão e sistematização temporâneo, caracteriza-se como um dos seus mais relevan-
constituem o que se pode chamar de cultura corporal de tes fenômenos sócio-culturais” (p.13), mas não o único.
movimento. Lovisolo (1995) ainda argumenta, com base num amplo
Dentro desse universo de produções da cultura corporal levantamento de opinião, que a comunidade entende EF na
de movimento, algumas foram incorporadas pela Educação escola a partir justamente destes dois fenômenos sociais:
Física como objetos de ação e reflexão: os jogos e brincadei- o esporte e a ginástica. Um resultado do seu trabalho, que
ras, os esportes, as danças, as ginásticas e as lutas, que têm chama atenção para as dificuldades de efetuar mudanças de
em comum a representação corporal de diversos aspectos conteúdo, refere-se ao fato de que a maioria dos responsá-
da cultura humana. São atividades que ressignificam a cultu- veis pela escola (54%), não observam diferença entre EF e
ra corporal humana e o fazem utilizando ora uma intenção esporte; e apenas 12,8% dos alunos conseguem diferenciar
mais próxima do caráter lúdico, ora mais próxima do prag- as duas áreas. Do mesmo modo, Rangel; Betti (1995) obser-
matismo e da objetividade. (BRASIL,1998, p.28). vou que, na análise do discurso dos alunos de EF do ensino
Deve-se salientar que a inserção desse universo de pro- fundamental, eles reclamam por conteúdos mais diversifi-
duções no espaço escolar privilegie o entendimento de que cados.
estas práticas têm significado cultural e que novas formas de A inclusão e a possibilidade das vivências das ginásti-
experimentação, em confronto com as tradicionais, poderão cas, dos jogos, das brincadeiras, das lutas, das danças pode
possibilitar que o aluno dê sentido próprio ao seu campo facilitar a adesão dos alunos na medida em que aumentam
gestual e se perceba no mundo como agente. as chances de uma possível identificação do mesmo com o
De acordo com Gonçalves (1994), a EF como práxis edu- conteúdo proposto. É importante
cativa - que leva em consideração o desenvolvimento pes- ressaltar também que a EFE deve incluir tanto quanto
soal e a questão social - possui como objetivo a formação da possível todos os alunos nos conteúdos que propõem, ado-
personalidade do aluno, através da atividade física, “lidando tando para isto estratégias adequadas.
com o corpo e o movimento integrado na totalidade do ser Catunda (2012), ressalta que é de fundamental impor-
humano”, portanto a EF, atuaria nas camadas mais profun- tância para a formação de crianças e adolescentes, que se
das da personalidade, “onde se formam os interesses, as in- considere a pluralidade e as necessidades dos alunos e que
clinações, as aspirações e pensamentos” (p.104). Para isso, os objetivos da disciplina constantes em seu planejamento
a cultura corporal do movimento, que aqui será entendida seja um guia para diversidade da prática.
como o “conjunto de ações corporais produzidas na socie- Além de se diversificar os conteúdos, para se garantir
dade no transcorrer da sua história e que tem capacidade um ensino que possibilite ao aluno vivenciar variadas pos-
de representação ou simbolismo” (Gonçalves, 2006, p.129) e sibilidades de expressão corporal é preciso aprofundar os
visualizando que o objeto central desta perpassa em torno conhecimentos, ou seja, tratá-los nas três dimensões (pro-
do fazer, do compreender e do sentir com o corpo, esta se cedimental, atitudinal e conceitual) abordando os diferentes
faz de grande valia à formação humana. aspectos que compõem as suas significações. Embora se sai-
Partindo desta premissa, Gonçalves (2006) ressalta que ba da impossibilidade de oferecer todos os conhecimentos
“cabe ao professor verificar, em cada uma das produções relacionados à cultura corporal do movimento na EFE, en-
corporais os benefícios fisiológicos e psicológicos e suas tende-se que alguns deles precisam ser desenvolvidos e, de
possibilidades de utilização como instrumento de comuni- preferência, de forma transversal e espiralada.
cação, expressão, lazer e cultura e, a partir daí formular as

2
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Uma apropriada aplicação dos conteúdos está justa- A apresentação de um currículo, no qual esteja incluído
mente no equilíbrio e na importância que deve ser dada um conjunto de princípios de sistematização, uma ordem
igualmente às três dimensões, mesmo que a disciplina apa- lógica de conteúdos diversificados e aprofundados, traria
rentemente seja mais ligada a uma delas. Daí surge a preo- diversos benefícios aos professores e alunos nas aulas. Para
cupação com o aprofundamento dos conteúdos. Essa seria citar alguns: possibilidades de refletir sobre a própria prática;
a forma ideal para que os objetivos gerais do ensino fossem facilitar a transferência de alunos de uma escola para outra;
alcançados, já que estes visam à formação integral do indiví- melhor planejamento das atividades; implementação de um
duo (ROSARIO E DARIDO, 2005). maior número de conteúdos; melhores condições de apren-
Considerando a possibilidade de alcançar esses obje- dizagem (ROSARIO E DARIDO, 2005).
tivos o papel da EF ultrapassa o ensinar esporte, ginástica, Kunz (1994), entende que a elaboração de um progra-
dança jogos, atividades rítmicas, expressivas e conhecimento ma mínimo poderia resolver a “bagunça interna” de nossa
sobre o corpo, em seus fundamentos e técnicas (dimensão disciplina, um programa de conteúdos baseados na com-
procedimental), mas inclui também os seus valores subja- plexidade e com objetivos definidos para cada série de en-
centes, ou seja, quais atitudes os alunos devem ter nas/para sino. Esse programa traria opções para o professor que, por
as atividades corporais (dimensão atitudinal) e também, exemplo, implementar um mesmo conteúdo, com a mesma
busca garantir o direito do aluno de saber porque ele está complexidade.
realizando este ou aquele movimento, isto é, quais conceitos Darido (2001), a partir de outros autores, entende que
estão ligados àqueles procedimentos (dimensão conceitual) o conteúdo é uma seleção de formas ou saberes culturais,
(DARIDO et al. 2001). conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens,
Segundo Ferraz (1996) as dimensões dos conteúdos po- valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos
dem ser entendidas da seguinte maneira: de conduta, etc., cujo aprendizado e assimilação são funda-
A dimensão procedimental diz respeito ao saber fazer mentais para o desenvolvimento da socialização adequada
(...). No que diz respeito à dimensão atitudinal, está se re- do aluno na escola.
ferindo a uma aprendizagem que implica na utilização do A EFE como prática pedagógica deve ser baseada na di-
movimento como um meio para alcançar um fim, mas este nâmica comunicativa, repleta de intencionalidades e valores,
fim não necessariamente se relaciona a uma melhora na ca- na qual interagem o professor e o aluno e as possibilidades
pacidade de se mover efetivamente. Neste sentido, o movi- da cultura corporal do movimento, por intermédio de vá-
mento é um meio para o aluno aprender sobre seu potencial rias linguagens tendo assim uma ressignificação de forma
e suas limitações (...). a assumir o seu papel como agente de transformação do
[A dimensão conceitual] (...) significa a aquisição de um individuo.
corpo de conhecimentos objetivos, desde aspectos nutri- Como foi constatado nesta pesquisa ainda existe um dis-
cionais até socioculturais como a violência no esporte ou o tanciamento entre o que se espera da EF com uma proposta
corpo como mercadoria no âmbito dos contratos esportivos pedagógica que aproxime o conjunto de práticas, cultura
(p.17). corporal do movimento, da realidade dos escolares. Apesar
Sendo assim, mais do que ensinar a fazer, é importante deste se tratar de um conjunto de saberes diversificado e
que a EFE tenha como objetivo que os alunos obtenham uma riquíssimo, existe a possibilidade de transmiti-lo na escola,
contextualização das informações como também aprendam porém não é o que se observa na maioria das aulas de EF.
a se relacionar com os colegas, reconhecendo quais valores Assim como pode se observar que não existe uma preo-
estão por trás de tais práticas. Deste modo, não basta a esta cupação em incluir os alunos no processo de planejamento
ensinar aos alunos a técnica dos movimentos, as habilidades dos conteúdos, não há uma discussão sobre as experiências
básicas ou, mesmo, as capacidades físicas, mas é preciso ir passadas pelos alunos e não há participação na construção
além, e ensinar o contexto em que se apresentam as habili- das aulas. Essa falta de participação do aluno - não permi-
dades ensinadas, integrando o aluno na esfera da sua cultu- tem que esse reflita sobre as atividades, que as questione;
ra corporal do movimento. impossibilitando, assim, a formação de uma consciência crí-
No entanto, como nos alerta Betti (1994) não é propor tica, capaz de transferir essa reflexão e questionamento das
que a EFE se transforme num discurso sobre a cultura cor- regras e do seu movimento corporal para a realidade social,
poral do movimento, mas uma ação pedagógica com ela. O a qual se encontra inserido, buscando transformá-la. Esses
autor argumenta que a linguagem deve auxiliar o aluno a dados são preocupantes por que demonstram que a EF tem
compreender o seu sentir corporal, o seu relacionar-se com sido, neste caso, incapaz de assumir um papel de formação
os outros e com as instituições sociais de práticas corporais. de um sujeito crítico e capaz de refletir sobre as suas ativi-
É indispensável evitar a inércia dos saberes, conduzindo o dades.
aluno a adquirir uma posição na qual possa tornar o conhe- Ao verificar os dados, estes apontam para uma „liber-
cimento significativo para si e para a sociedade (BARBOSA- dade‟ dada ao aluno para praticar o que lhe satisfaz, que
-RINALDI et al., 2009). a maioria aponta o conteúdo esporte como o mais utiliza-
Como em qualquer área do conhecimento, a EF possui do e que foi descrito até, a falta de aplicação de conteú-
especificidades e acolhe a produção da cultura que se traduz do durante as aulas, estamos próximos daquilo que seria o
em saberes e, mais especificamente, em conteúdos organi- produto de uma orientação a um ambiente competitivo ao
zados de forma pedagógica na escola. considerar como finalidade única do esporte e das ativida-
des envolvidas em um programa de EF. Já a prática esportiva

3
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
orientada à aprendizagem relaciona-se com a motivação de Não é possível precisar quando os seres humanos pas-
seus praticantes, elegendo a educação como um processo saram a compreender uns aos outros através de sons arti-
constante que visa o desenvolvimento individual e também culados e códigos por escrito, mas a linguagem escrita foi
o comprometimento social dos envolvidos. registrada muito recentemente. Durante os milhões de anos
Devemos salientar que cabe ao professor verificar, em da evolução humana, apenas os últimos 300 anos foram re-
cada uma das produções corporais e na diversidade de pro- gistrados por escrito. Antes disso, como não há registros da
duções da cultura corporal do movimento, que foram in- linguagem, os seres humanos viviam no que denominamos
corporadas pela EF os benefícios fisiológicos e psicológicos período pré-histórico, em que os códigos somente podiam
e suas possibilidades de utilização como instrumento de ser transmitidos de uma geração para outra através da fala.
comunicação, expressão, lazer e cultura , como objetos de Os seres humanos conheciam apenas os acontecimentos
ação e reflexão e, a partir daí formular suas propostas. Essa que vivenciavam e aqueles que eram contados pelos outros
diversificação dos conteúdos possibilita ao aluno uma diver- que viviam próximos (Gonçalves, 2000).
sidade de vivências que aumentam as chances de uma pos- Conforme Tofler (apud GONÇALVES, 2000, p. 57-58),
sível identificação com os conteúdos e propensão a prática grande parte da existência humana aconteceu nas cavernas.
de atividades física fora da escola e mesmo adulto adotando Tomando o tempo de existência humana da ordem
um estilo de vida ativo. de 500.000 anos e dividindo-o por 65 anos, como base de
É nesse sentido que a EF, no contexto da escola, precisa tempo para uma geração, teríamos um número de aproxi-
ser constantemente pensada, sempre numa dinâmica que se madamente 800 gerações. Deste total, 650 gerações foram
traduza em mudanças e compromisso profissional para com passadas nas cavernas e a comunicação era essencialmente
a área. A aquisição dos conhecimentos considerados neces- corporal. Há apenas 70 gerações foi possível a comunicação
sários tem na escola seu espaço clássico. É imprescindível de uma geração para outra através da escrita, e somente as
que a reelaboração dos conhecimentos promova a emanci- últimas 10 gerações puderam ter algum acesso à comunica-
pação humana, que como mostra a pesquisa, de fato nem ção de massa com a invenção da imprensa. Além disso, ape-
sempre acontece.2 nas as últimas duas gerações conheceram o motor elétrico e
Como se sabe, a comunicação humana pode efetivar-se somente a geração atual conhece o computador.
por meio de palavras (linguagem verbal) ou por meio de ou- Realizando essa análise de outra forma, Gonçalves (2000,
tros signos (linguagem não-verbal). Há substratos comuns p. 58) conclui: “buscando comparar as 800 gerações com um
entre todos esses signos, com destaque para o fato de te- adulto de 80 anos de idade, diríamos que ele aprendeu a
rem sido criados pelo homem com finalidades específicas. viver numa casa aos 65 anos (...) e comunicar-se através da
Trata-se, pois, de convenções, variáveis de acordo com as escrita aos 73 anos de idade”.
necessidades e interesses do grupo social que podem ser O ser humano pode se expressar de diversas maneiras,
agrupadas em conjuntos conhecidos como códigos. com diferentes linguagens, porém as linguagens falada e es-
Os gestos e os movimentos fazem parte dos recursos de crita predominam atualmente no nosso cotidiano. Em colu-
comunicação que o ser humano utiliza para expressar suas na escrita recentemente, Sevcenko (2004) afirma que a cada
emoções e sua personalidade, comunicar atitudes interpes- duas semanas uma língua “some” no planeta, como con-
soalmente e transmitir informações. sequência “da expansão européia [...] processo predatório,
No sentido amplo do termo, toda a produção huma- acelerado pela globalização.” (p.59). Assim, as linguagens
na pode ser compreendida como cultura (SANTOS, 2005), escrita e falada poderiam estar a caminho de uma massifica-
a qual é rica em símbolos que podem ser expressos e re- ção, tornando-se comum a todos, como é o caso dos nomes
gistrados por meio da linguagem (VAN DER MERWE, 1996). de lojas, produtos e jargões relacionados à linguagem nor-
Segundo Campelo (1997, p. 15), esses símbolos vivem mais te-americana (o inglês) evidentes em nosso dia-a-dia.
que os próprios seres humanos, fazendo-se necessário que No entanto, ao mesmo tempo em que “somem” algu-
alguém os analise, por isso os símbolos perdem seu sentido mas linguagens, “surgem” outras. Esse processo de desapa-
sem a presença humana. recimento/surgimento não é instantâneo, é gradual, pois se
Há vários tipos de linguagem, dentre os quais a lingua- trata da ressignificação dessas linguagens, fruto de sincretis-
gem corporal, que consiste em códigos e expressões usadas mos entre diferentes formas de comunicação. Não sabemos
por determinados grupos em certas situações (MANSER, ao certo em que ritmo acontecem, embora possamos evi-
1990). A linguagem ainda é entendida como um conjunto denciar esse processo. Essas evidências podem aparecer não
de códigos que podem ser transmitidos e compreendidos só na linguagem falada/escrita, mas também na linguagem
através da fala, da escrita, da leitura, da arte e do corpo. Pode corporal.
ser definida também como um conjunto de símbolos verbais
e não verbais, que está presente em todo o universo edu- LINGUAGEM, CORPO E CULTURA
cacional (RAMOS, 2000), sendo que os órgãos dos sentidos A linguagem possui múltiplo significado que varia cul-
são utilizados para entender seus códigos. Mas desde quan- turalmente segundo relações presentes na educação e na
do isso acontece? percepção das imagens. Segundo Geertz (1989, p.27), “as
culturas são estruturas de significado através das quais os
homens dão forma às suas experiências”, vistas como for-
2 Fonte: www.fiepbulletin.net - Texto adaptado de Daniela Da Silva mas de aprendizagem ou de comportamentos aprendidos.
Lima/Kélvia Siqueira Silva/Max Oliveira Madeira

4
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
O autor cita um exemplo: não basta falar a língua de outra com novos significados. Os significados e a linguagem têm
cultura para estarmos inseridos nela; o significado das pala- que ser constantemente renovados porque a experiência
vras muitas vezes não reflete a análise e nem a interpretação humana é extremamente dinâmica, caso contrário, as infor-
de sua cultura. Durham (1977, p.32) lembra que a cultura mações perdem seu sentido.
constitui o processo pelo qual os homens dão significados Nossos corpos estão impregnados das vivências de nos-
às suas ações através de uma manipulação simbólica que é sos antepassados, o que chamamos de herança cultural e
atributo fundamental de toda prática humana. também genética. Esse legado inscrito em nossos corpos
Na Educação Física e suas representações corporais o mistura elementos biológicos e ambientais enfrentados pela
significado das experiências também variam culturalmente. espécie humana. A expressão corporal foi a linguagem que
Tais representações e linguagens dos movimentos, das dan- predominou na pré-história (BRIKMAN, 1989) e sua com-
ças, das ginásticas, das lutas, dos jogos, são manifestações, preensão ainda é incerta nos nossos dias (O’CONNOR e
muitas vezes incompreensíveis para pessoas de culturas di- SEYMOUR, 1995).
ferentes, como por exemplo, as danças folclóricas de cada Conforme uma classificação apresentada na obra de
país ou os jogos populares diferentes em cada região. Campelo (1997, p. 9-11) o corpo pode ser entendido como
Antes mesmo de comunicar-se através das palavras, os uma mídia, aliás, uma mídia primária. É o tipo de comuni-
seres humanos já se comunicavam por meio do movimento cação que ocorre no flerte, na articulação e na leitura dos
e do corpo, que sente, se expressa e se movimenta... o corpo gestos e da mímica facial, no movimento e deslocamento no
fala. espaço (...), quem se senta ao lado de quem, quem cumpri-
Percebemos que a concepção corrente que privilegia a menta quem, onde ficar, como andar, para que lado olhar,
linguagem escrita como a única manifestação de um texto que gestos são permitidos e quais são proibidos (PROSS
precisa ser repensada. O senso comum entende que um tex- apud BAITELLO, 1997, p. 9-10)”.
to é algo que se organiza pela combinação de letras, frases, A mídia secundária requer aparatos que aumentam o
parágrafos, períodos e que a expressão de um texto se dá raio de ação da mídia primária e inclui a linguagem nesse se-
pela escrita, predominantemente. gundo item. Já a mídia terciária requer, além desse aparato
Movimentos corporais como, por exemplo, as expres- da mídia secundária, também um aparato para que o recep-
sões faciais, os gestos que compõem uma coreografia de tor seja alcançado pela mensagem, citando como exemplos:
dança bem como os presentes nas modalidades esportivas, rádio, televisão e correio eletrônico.
podem também ser entendidos como portadores de texto.
Isso equivale a dizer que a comunicação pode ser otimizada CORPO COMO LINGUAGEM: IMPLICAÇÕES
e potencializada na medida em que compreendermos os ar- PEDAGÓGICAS
gumentos contidos nas manifestações corporais. A linguagem corporal geralmente é associada à Edu-
Darido (2002) ao construir relações entre o universo da cação Física (Mattos e Neira, 2000) e também à Educação
Educação Física Escolar e a área de Linguagens, destaca a Artística (Gonçalves, 2000) na escola. Mas como trabalhar
necessidade da ampliação do sentido do termo texto, pas- com a linguagem corporal na escola? Como ensiná-la para
sando a ser entendido como uma totalidade significativa e os alunos? O que eles devem aprender?
articulada que é verbal e não-verbal. Para Labarrière (1999), o foco deve ser geral quando se
Para Del Nero (1997) a capacidade de nos comunicar- relaciona Educação Física ao ensino da linguagem. Ele dá
mos tanto por meio dos gestos, pela motricidade, quanto como exemplo o estudo da imprensa esportiva ou de li-
pela fala é inata, servindo de base para as demais formas de vros e textos sobre esporte. Cita a possibilidade dos alunos
manifestação da linguagem. responderem por escrito a questões sobre esporte quando
A construção de um texto depende, portanto, da capa- esse for o tema da aula de Educação Física. Já Mattos e Neira
cidade de elaboração de arranjos constituídos por gestos e/ (2000, p. 16) propõem que o ensino da linguagem corporal
ou palavras que ganham em amplitude e complexidade na no Ensino Fundamental visa à proficiência dos movimentos
medida em que se assegura a ampliação dos repertórios. nos esportes, lutas, ginásticas e atividades rítmicas.
Quanto maior for o repertório de movimentos, mais ricas Para o Ensino Médio, propõem que a linguagem corpo-
tendem a ser as possibilidades de construção de um texto, ral vise a compreensão e a utilização das formas de expres-
da mesma forma que quanto maior o número de palavras são, como gestos e movimentos, seus significados, suas téc-
que conhecemos, maiores são as possibilidades de comuni- nicas e táticas. Os alunos nesse segmento devem ler e com-
cação e expressão. preender uma dança, um jogo ou um esporte, percebendo
A linguagem é a manifestação mais complexa da inteli- e interpretando o que se passa, diferenciando ritmos e sa-
gência humana pois permite que pensamentos sejam com- bendo acompanhá-los com o movimento, compreendendo
partilhados. É preciso mais do que uma mente em perfei- os jogos e interferindo neles de forma eficiente e estratégi-
to funcionamento para que isso aconteça, aliás, não existe ca. Ainda, devem perceber nos esportes um vasto campo
mente sem corpo (DAMÁSIO, 1994). O corpo tem um papel de atuação que extrapola o ser expectador para assumir a
essencial no comportamento inteligente (DREYFUS, 1992). postura de quem compreende e interpreta o que vê. Nes-
O corpo e seus sentidos permitem que os seres huma- se sentido, há um ponto em comum entre o que propõem
nos captem informações, como os códigos da linguagem, Mattos e Neira (2000) e a proposta de Labarrière (1990) no
e também que essas informações sejam transformadas e que diz respeito à mídia esportiva e sua interpretação.
transmitidas para outros seres humanos (GONÇALVES, 2000)

5
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Se o “corpo fala” é algo passível de análise no campo revelada pela respiração profunda? Como percebo os des-
bibliográfico, é preciso que se entenda o que ele – corpo - vios posturais adquiridos ao longo dos anos?
tem a dizer. Com base em questões deste tipo e ultrapassando uma
Se o corpo como linguagem deveria ser algo passível de leitura terapêutica do corpo, objeto de outras áreas do co-
leitura de todo e qualquer educador, na escola as possibili- nhecimento, a Educação Física poderia revelar, com proprie-
dades de leitura desse corpo que hoje tanto se fala – e que dade, qual é o seu papel na percepção desse corpo sensível,
muito tem a falar – certamente deveria ser alvo do olhar do do qual, no dia-a-dia, pouco se vê e quase nada se percebe.
professor de Educação Física, já que é por meio dela – Edu- No campo esportivo o olhar para este corpo sensível
cação Física – que o corpo deveria ser conhecido. tornaria mais claros os limites do atleta, quer em relação
Talvez, mas não somente, o mais comum seja realizar àqueles que se evidenciam fisicamente, sobretudo por meio
essa leitura por meio do movimento esportivo o qual se das dores musculares provocadas pelo acúmulo de ácido lá-
evidencia pela análise do adversário, pela troca de olhares, tico na musculatura, quer por meio das atrofias musculares,
toques e sinais próprios da definição de determinadas jo- geradoras de posturas muitas vezes impeditivas de determi-
gadas, da direção da bola, evitando-se, pela antecipação do nados movimentos especializados ou, ainda, pela expressão
movimento, que esta atinja o chão, no caso do Voleibol ou da alta carga emocional provocada, por exemplo, pela tris-
balance a rede no caso de gol no Futebol. teza própria da derrota de uma partida ou da alegria con-
Mas, para além dessa leitura, digamos técnica, até bas- tagiante do momento do gol. Tudo isso, aliás, é bastante
tante comum no campo esportivo, em que nenhuma pala- importante de ser discutido nas aulas de Educação Física,
vra necessariamente precisa ser dita, a linguagem do corpo principalmente questionando-se a valorização exacerbada
pode incitar o olhar de forma que possamos compreendê- da superação de limites, tão típica do esporte.
-lo a partir da decifração dos códigos, marcas e registros a O corpo que se movimenta ou o corpo móvel entendido
ele pertinentes. Das várias possibilidades de traçarmos este como aquele que em movimento expressa, em linguagens
particular, acentuaremos três que nos parecem de fácil vi- diversas, a possibilidade de interação com o mundo que o
sualização. cerca teria, como exemplo no campo esportivo, um amplo
Pensando nas particularidades da Educação Física e do rol de movimentos especializados de acordo com normas
Esporte, diríamos que o corpo como linguagem pode ser específicas, ainda que passíveis de compreensão por cul-
compreendido, ou melhor, lido, a partir de um corpo que: turas diversas. Ou seja, apesar das especificidades gestuais
sente e que, portanto, é passível de registrar e evidenciar passíveis de identificação numa leitura mais atenta do corpo
as sensações nele presentes; se expressa, e que, portanto, móvel, não é difícil identificar a fluidez da comunicação en-
realça as marcas, gestos e posturas particulares de cada ser; tre aqueles que praticam uma mesma modalidade esportiva.
se movimenta, a partir de um rol de possibilidades próprias Assim, se um brasileiro, um alemão, um japonês, um indiano,
que demonstram um pouco de si ou padronizadas em ges- um equatoriano e um africano, que não falam a mesma lín-
tos específicos, como é o caso dos Esportes. Em outras pa- gua, se encontrarem em uma quadra de Basquetebol, mes-
lavras diríamos que a Educação Física e o Esporte poderiam mo assim, apesar de não poderem contar com a linguagem
se ocupar da leitura do corpo em diferentes instâncias, preo- verbal para se comunicarem, poderão fazê-lo pela lingua-
cupando-se com o que ele tem, de fato, a dizer ao sujeito e gem corporal, pela linguagem de um corpo móvel que, no
ao outro. caso, fala a língua do Basquetebol.
Entre tantas imagens possíveis, destacaremos algumas Mais do que qualquer outra coisa, é importante que os
capazes de evidenciar tais possibilidades, cujas particulari- alunos saibam que a linguagem corporal é uma forma de
dades são evidentes no cotidiano da Educação Física e do comunicação tão eficaz quanto à linguagem falada ou es-
Esporte. Ou seja, começaríamos pelo corpo que sente ou crita e que, portanto merece ser explorada e compreendida
pelo corpo sensível entendido como aquele cujas sensações por todos, ainda que, tradicionalmente não se tenha dado
revelam as particularidades dos órgãos dos sentidos, cujo ênfase a este particular no campo da Educação Física, talvez
exemplo nítido é o trabalho que pode ser realizado no cam- pelo desconhecimento, por parte dos professores, de como
po da Educação Física pelas práticas corporais alternativas. É isso deva ser feito.
nesse sentido que as atividades de massagem, por exemplo, Talvez, outro caminho a ser explorado em aulas de Edu-
no interior de uma aula de Educação Física poderiam contri- cação Física para o desenvolvimento de questões relacio-
buir para o entendimento da linguagem do corpo via iden- nadas à linguagem corporal seja o dos diferentes estilos ou
tificação das tensões musculares, entre outras coisas que re- técnicas utilizados por atletas ou equipes em determinados
velam algo sobre o sujeito. Talvez, a leitura do corpo sensível países. Afinal, é comum falar-se em: escola asiática de Volei-
pudesse auxiliar o aluno a ter uma melhor consciência de si, bol, escola brasileira de salto triplo e escola russa de Ginásti-
de seu corpo e das possibilidades de movimentá-lo. ca, como exemplos claros de linguagens específicas. Outras
Para além da repetição mecânica dos gestos próprios da vezes, há uma tendência de se relacionar o estilo de jogo de
atividade esportiva os alunos poderiam realizar movimentos equipes esportivas às características culturais de um povo,
que o levassem à compreensão de seu próprio corpo, con- falando-se do estilo duro do futebol alemão em relação ao
tribuindo, inclusive, para o seu desempenho. Até onde per- futebol alegre dos africanos, por exemplo. Esses, certamen-
cebo o movimento de minhas articulações? Até onde posso te, podem se configurar em elementos imprescindíveis para
sentir o alongamento de meus músculos? Qual a sensação o debate em torno do tema transversal da pluralidade cultu-
ral. Ou seja: será que as populações apresentam realmente

6
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
características culturais corporais tão específicas e marcan- do homem e da própria Educação Física. Neste espaço, os
tes? Será que o fato de o Futebol brasileiro ser mais ofensivo adornos que na aparência de cada ser expressam parte da
ou alegre tem a ver com a forma de encarar a vida de seu sua individualidade poderiam contribuir para um melhor co-
povo ou com o ambiente tropical que propicia uma maior nhecimento e possibilidade de compreensão de uma gera-
movimentação corporal? Será que a tenacidade das atletas ção que entre tatuagens e piercings imprime um corpo cujo
asiáticas de Voleibol tem a ver com o ambiente tido como padrão está muito distante daquele presente na maior parte
mais rígido ou tem ligação com as dificuldades enfrentadas das gerações de professores hoje na ativa. O “corpo como
por estes povos no pós-guerra? Ou seja, será que estas mar- mídia” identificado sabiamente por Baitello Júnior (1997),
cas estão impregnadas em seus corpos e movimentos? parece ser o ponto nevrálgico deste corpo que expressa, en-
Nesta mesma perspectiva, conteúdos como a Capoei- tre outras coisas, a cultura a qual pertence.
ra, por exemplo, poderiam ser trabalhados propiciando o Isso para não falarmos das expressões ritmico/corporais
conhecimento de sua história, gestual, procedimentos e e da dança que demonstram inúmeras possibilidades de ex-
movimentos que revelam, por exemplo, a importância da pressar sentimentos, emoções, sons e significados, por meio
ginga, da reza que antecede a entrada na roda entre outras dos movimentos corporais, como é o caso da percussão rea-
particularidades que contribuíram, inclusive, para o seu “em- lizada no e pelo próprio corpo ou da Umbigada, do Sam-
branquecimento”. Enfim, uma verdadeira aula de História e ba de crioula, do Samba de roda, do Reizado entre outras
Antropologia, a partir de uma aula de Educação Física preo- manifestações culturais ricas em significados e sentimentos
cupada com a linguagem corporal. passíveis de análise pela linguagem corporal.
Outro aspecto referente à linguagem corporal que me- Para além disso, diríamos que um professor de Educa-
receria ser abordado em aulas de educação Física estaria ção Física atento ao que o corpo expressa poderia identificar
relacionado a sobrecarga corporal presente nos casos de obesidade ou
ao conteúdo em si. Ou seja, o quanto é preciso se co- os limites impostos àqueles que enfrentam problemas de
nhecer do Voleibol por exemplo, para poder se comunicar anorexia.
com os demais jogadores de uma equipe? Se como apren- Poderia, também, orientar os alunos de modo a evitar
dizes da modalidade entrarmos em uma equipe de com- um corpo bombado, encharcado de suplementos vitamíni-
petição, conseguiríamos jogar – leia-se, nos comunicar? Se cos e anabolizantes, não perdendo de vista os benefícios da
um atleta de alto nível participar de um racha na praia de atividade física para o desenvolvimento humano.
Copacabana em uma manhã de domingo conseguirá se co- Como afirmou Darido (2002), a Educação Física na es-
municar ou falará sozinho? Talvez, para que este atleta não cola deve reconhecer que tem a difícil tarefa de propiciar
se torne uma espécie de estrangeiro incompreendido neste aos alunos que ordenem, de forma articulada, os dados de
contexto, houvesse a necessidade de simplificação dos ruí- experiências comuns aos membros de uma determinada co-
dos de comunicação entre os membros do grupo facilitando munidade linguística, assim como possibilitar-lhes a com-
a compreensão e clareando os objetivos da atividade pro- preensão da linguagem corporal como interação social que
posta. Afinal, no esporte de alto rendimento, não basta se amplia o reconhecimento do outro e de si próprio, instru-
comunicar pelo corpo, é preciso se comunicar bem. mento do entendimento mútuo (BRASIL, 2002, p. 145).
O mesmo é válido para jogos e brincadeiras, os quais, ri- Concordamos com Remonte (2005) que é necessário
cos em gestos e simulações, tentam, muitas vezes, esconder trazer as temáticas da comunicação e linguagem para o
o que o corpo está expressando para sair-se vencedor, como escopo da formação profissional, e acrescentamos que ela
é o caso do passa-anel e do telefone sem fio. deve estar presente tanto na formação inicial como na con-
Por outro lado, situações como a descrita a seguir, tam- tinuada.
bém devem ser analisadas quando o assunto é a linguagem Apenas para encerrar essas primeiras imagens que nos
corporal. Ou seja, se transportássemos um professor de incitam a pensar nas diferentes possibilidades de leitura do
Educação Física das quadras das escolas brasileiras da dé- corpo pela Educação Física, reforçamos a idéia prescrita por
cada de 1930 para uma aula em uma quadra das escolas Campelo (1997) da retomada do “corpo como um texto”,
atuais ele seria compreendido? Como ele transmitiria o con- um texto de cultura, cujas marcas, sensações, movimentos e
teúdo próprio de seu tempo aos alunos de escolas públicas estereótipos revelará a cada um parte de si e do mundo. É,
do Ensino Médio, por exemplo? E se transportássemos um portanto, função do professor de Educação Física saber lê-lo
professor de Body combat para a escola de 1930, ele seria de modo a poder ensinar aos seus alunos essa possibilidade,
compreendido pelos alunos? alfabetizando-os no campo da linguagem corporal.3
Por fim, chegamos ao corpo que se expressa ou ao cor-
po gestual, próprio das capas de revistas, reproduzido nas
academias que se proliferam Brasil afora como o padrão de
corpo da atualidade.
A Educação Física poderia discutir com os alunos sobre
os ditames de uma moda que escraviza e impõe cultural-
mente a necessidade de alterações - inclusive biológicas -
de um corpo cujo padrão é, por muitos, inatingível e, numa
perspectiva crítica, analisar a realidade existente, quebran- 3  Sara Quenzer Matthiesen / Suraya Cristina Darido / Luiz Alberto Lo-
do o estereotipo atual como o único existente na história renzetto / Laércio Schwantes Iório/Irene Conçeição Andrade Rangel

7
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
flexibilidade nos procedimentos didático-pedagógicos para
3. PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM permitir a participação de todas as crianças possuidoras de
NA EDUCAÇÃO FÍSICA características individuais diferentes.
Na visão de Scalon (1998), o esporte se tornará educati-
vo quando permitir o desenvolvimento de suas amplitudes
motrizes e psicomotrizes em relação aos aspectos afetivos,
O esporte atualmente é considerado um dos maiores cognitivos e sociais da personalidade. A família, os compa-
fenômenos sociais do século. nheiros, os educadores e o meio de educação são fatores de
Esta evolução fez com que o esporte assumisse múlti- socialização responsáveis pela influência no processo edu-
plas possibilidades, interessando diversos setores como, por cativo.
exemplo, o político, o econômico, o social, o cultural, o edu- A prática esportiva ensina uma série de regras, as quais
cacional, entre outros. os alunos aprendem a respeitar, desenvolvendo o senso crí-
Confirma-se este caráter plural do esporte através dos tico, a cooperação e outros importantes aspectos educacio-
avanços oriundos da modernidade que contribuíram para nais. Educar pela prática esportiva significa expor e aproxi-
que algumas proposições na área esportiva fossem lançadas, mar os alunos de suas limitações, como um ser humano que
entre elas, a divisão do Ministério do Esporte em secretarias pensa e reage a estímulos.
denominadas de secretaria nacional de esporte educacional, Mesquita (2000) afirma que para a prática esportiva
secretaria nacional de desenvolvimento de esporte e lazer e exercer um papel de formação educacional deve:
secretaria nacional de esporte alto rendimento, entendendo
assim que o esporte é desenvolvido por várias razões e sig- • Fazer parte do processo educativo e formativo da
nificados, pois ao contrário não haveria necessidade desse criança, contribuindo para o seu desenvolvimento
desmembramento. global (físico, social e emocional);
O presente estudo destina-se a aclarar e enriquecer o • Promover situações que permitam a vivência dos
fenômeno esporte escolar, buscando a compreensão sobre praticantes e a aquisição de valores essenciais do
o funcionamento, a razão e os significados das Práticas Es- “saber ser” (autodisciplina, autocontrole, perseve-
portivas Extracurriculares (PEE) exercida nas instituições de rança, humildade) e de “bem estar” (civismo, compa-
ensino formadoras. nheirismo, respeito mútuo, lealdade);
Depreende-se da literatura especializada no tema, bem • Permitir o desenvolvimento da competência relacio-
como da experiência docente, que o esporte desenvolve, nada ao “saber fazer”, inerentes às capacidades e ha-
por seu ambiente e prática, diversos vetores educacionais bilidades motoras do indivíduo (aquisição alargada
junto a seus praticantes. do vocabulário motor);
Valores como socialização, responsabilidade, coopera- • Contribuir para o equilíbrio do indivíduo, tão neces-
ção, respeito, liderança, personalidade, persistência e vida sário hoje para viver na sociedade contemporânea
saudável - dependendo dos processos e procedimentos em- (permitir a diminuição do stress diário).
pregados nas sessões ministradas –, podem ser alcançados Delors (2001) comprovam que em um ambiente funda-
por meio da prática esportiva, fazendo-se do esporte um do nos quatro pilares do conhecimento - aprender a conhe-
importante elemento humanizador de preparação de jovens cer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser
e crianças para a vida em sociedade. -, considerados por eles vias do saber, obrigatoriamente é
Considerando que a iniciação da criança na prática es- produzida a educação global do indivíduo enquanto pessoa
portiva se dá na maioria das vezes no ambiente escolar – e membro da sociedade.
geralmente na forma de atividade extracurricular -, é neste Na escola, as práticas esportivas relacionadas aos fa-
contexto que podem ser encontrados os grandes erros e tores gerais da educação e direcionadas para os objetivos
acertos que constituem hoje a problematização do tema. multidisciplinares que fazem parte da atual proposta do pro-
As práticas esportivas extracurriculares: cesso de ensino-aprendizagem, poderão desempenhar um
peculiaridades e reflexos na formação dos papel fundamental no desenvolvimento corporal e social da
praticantes criança.
Para o desenvolvimento das operações mentais na faixa
As práticas esportivas extracurriculares utilizadas como etária de 11 a 15 anos (estágio operatório formal) é necessá-
meio educativo no ambiente escolar demandam cuidado rio um ambiente rico em estímulos, onde o crescimento físi-
extremo com o respeito às características individuais da co, emocional e social da criança vai estar ligado a um am-
criança. Logo, os processos de ensino-aprendizagem deve- biente adequado e propício que favoreça o desenvolvimen-
rão ser dirigidos ao conjunto ou à classe, naturalmente hete- to total de suas potencialidades (Ferreira & Caldas, 1992).
rogênea, buscando-se uma globalização das atividades (Shi- Evidencia-se, então, a importância de se utilizar as práti-
gunov & Pereira, 1994) e obtendo-se resultados individuais cas esportivas escolares como meio educativo, consideran-
otimizados a partir de um tratamento coletivo abrangente e do o desenvolvimento das capacidades e habilidades corpo-
includente. rais e a integração social, e evitando-se, pois, toda a prática
Na escola, toda a proposta educativa deve ser consti- que tenha como objetivo a especialização.
tuída a partir de objetivos que sejam compatíveis com as
capacidades das crianças. Por isso, é necessário que haja

8
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Para Shigunov e Pereira (1994, p.127), pelos indivíduos, produzindo-se inúmeras decepções. Na
prática esportiva, a vitória e a derrota são vividas e sentidas
“programar atividades desportivo-motoras com objetivos
de modo a preparar o ser em formação para as situações de
educacionais num contexto escolar inicial parece implicar o
sucesso e frustração nas etapas vindouras de sua vida.
estabelecimento de uma filosofia diferente da que é praticada
Assim, nos diversos tipos de práticas esportivas escola-
nos clubes, onde há tendência para uma especialização pre-
res, deve-se buscar a identificação dos possíveis e desejáveis
coce que facilita o acesso às competições e, consequentemen-
reflexos na vida do praticante, bem como na estrutura da
te, à conquista de resultados”.
instituição. Práticas coletivas e individuais podem trazer in-
Para a criança que vai ser inserida em uma prática espor- contáveis benefícios à toda a comunidade escolar.
tiva em nível de rendimento máximo deve sempre ser levado
em consideração o respeito a sua essência lúdica da prática Práticas esportivas coletivas - PEC
(Arena, 1998, p.45). Só assim, a criança aprenderá com maior A prática esportiva quando orientada corretamente de-
facilidade os diversos movimentos exigidos. senvolve competências em vários planos, entre eles o pla-
“Brincar” ocupa um lugar importantíssimo na realiza- no tático-cognitivo e o técnico-sócio-afetivo. Através do
ção da criança, não só no presente, mas também no futuro. espírito de colaboração e de entreajuda desenvolvido pelas
Para Teles (1997, p.14), “brincando, ela (a criança) explora o práticas esportivas coletivas constroem-se personalidades
mundo, constrói o seu saber, aprende a respeitar o outro, solidárias e responsáveis.
desenvolve o sentimento de grupo, ativa a imaginação e se Além disso, merece destaque a inteligência desenvol-
auto-realiza”. vida pela necessidade coletiva e individual de produzir res-
Indivíduos dotados de uma imaginação desenvolvida e postas para superar as diversas situações e problemas que
estimulada são mais criativos. E sabe-se que hoje a pessoa ocorrem durante a prática. (Garganta, 1998).
criativa ocupa um lugar importantíssimo na sociedade, pois No período de iniciação esportiva, na faixa-etária de 11
é ela quem pesquisa, descobre, inventa e promove mudan- e 12 anos, a criança encontra-se interessada em realizar ati-
ças. Pessoas que são incapazes de ousar, de sonhar, que vidades em grupo, para descobrir-se e firmar-se, pois existe
nunca saíram da rigidez de seus hábitos, vivendo apenas sua um sentimento de insegurança em relação ao auto-conceito
rotina, estão comprometidos e limitados em termos de saú- (Gottman & Declaire, 1997).
de e produção mental. De fato, as atividades em grupo e a possibilidade de rea-
Elias e Dunning (1992) ao estudarem a teoria multidisci- lizar coisas em comum proporcionam à criança nessa fase
plinar das emoções reconhecem que as práticas esportivas de desenvolvimento grande satisfação e a prepara para um
proporcionam tensões controladas e agradáveis, importan- convívio social saudável na idade adulta.
tes para a manutenção da saúde mental. Esta forma diferen- Importante referir que em função do seu crescimento
ciada e não negativa de pensar a tensão é fundamental para e transformação corporal, a criança possui dificuldades de
a dinâmica dos grupos esportivos. aceitação, confrontando-se através da prática coletiva com
Segundo a visão dos mencionados autores, a dinâmica o seu grupo de convivência.
da prática se dá através do equilíbrio entre a rigidez e a flexi- Nesse campo, onde a convivência social ganha desta-
bilidade das regras, gerando assim o que chamam de tensão que, existem estudos que comprovam o fato de que crianças
ótima normal, de tal forma que, se houver um desequilíbrio com habilidades privilegiadas são mais populares e, portan-
entre essas partes, serão prejudicadas as relações de inter- to, possuem melhores relações interpessoais (Scalon, 1998).
dependência entre os participantes. Por isso, estar inserida em um programa de práticas espor-
Boijikian (1999) afirma existir, em nossos dias, uma cons- tivas, possibilita novas experiências e a ampliação de suas
cientização unânime de que pessoas bem condicionadas fi- capacidades e habilidades, inclusive a comunicativa.
sicamente e com mentes equilibradas, pela relação deveres- De acordo com Rubio e Simões (1998), os indivíduos
-lazer, são mais produtivas e felizes. Também comprova que encontram-se agrupados para alcançar objetivos comuns, e
existe uma relação positiva entre praticantes de esporte e atribuem-se aos grupos esportivos motivos do tipo político,
futuro profissional. Aqueles que praticam alguma modalida- econômico, social e de competitividade.
de esportiva no período formativo têm obtido êxito tanto no As práticas esportivas coletivas possuem alguns ele-
campo profissional, quanto pessoal. mentos comuns (bola, terreno de jogo, alvo a atacar, alvo a
Outra característica desenvolvida pelas práticas espor- defender, regras, companheiros e adversários) e podem ser
tivas é aquela que estabelece uma ligação do crescimento diferenciadas segundo as fontes energéticas, a ocupação do
e desenvolvimento do indivíduo com o ambiente no qual espaço de jogo, a disputa de bola e as trajetórias predomi-
está inserido – a escola. O planejamento de qualquer prática nantes da bola (Graça & Oliveira, 1995). O quadro II advindo
esportiva requer um mínimo de envolvimento do praticante, dos mesmos autores mostra como se pode classificar as prá-
fazendo com que ele esteja livre pelo menos por algumas ticas esportivas coletivas de acordo com a função exercida
horas de entrar em contato com os chamados vícios de nos- por essas categorias de referência.
sa realidade.
As práticas esportivas num ambiente competitivo tam-
bém podem ser comparadas com as situações vividas pelas
sociedades contemporâneas, onde são exigidas múltiplas
competências que nem sempre são exercidas com sucesso

9
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
indivíduos são submetidos ao insucesso e a traumas espor-
tivos. As gozações, opressões, discriminações, renuncias, são
causadas por uma comparação de padrões pré-estabeleci-
dos que consequentemente acaba ignorando as diversida-
des existentes, acarretando sérias complicações do indiví-
duo com o seu eu e com o grupo.
Portanto, nas atividades individuais essa comparação é
menor e a busca pela superação individual se sobrepõe, tor-
A categorização é importante para a boa adaptação da nando-se o principal objetivo da prática escolhida vencer e
estrutura física e humana da instituição de ensino a uma ou ultrapassar os próprios limites para suprir suas necessidades
várias práticas determinadas. Além disso, poderá ser respei- e desejos, encontrando satisfação e prazer.
tada e explorada a motivação e a predisposição física e psi- Por outro lado, se a comparação social pode ser menos
cológica de cada praticante. cruel, os êxitos e fracassos da prática individual não serão
Assim, partindo-se da referida classificação, é possível compartilhados. A culpa por cada derrota não será diluída
uma escolha mais produtiva das práticas coletivas a serem no grupo. O prazer da vitória poderá ser solitário.
oferecidas pela escola, bem como uma melhor conciliação Em relação a isto, percebe-se que a cobrança de rendi-
destas com as práticas individuais, elaborando-se um qua- mento do praticante individual, muitas vezes é realizada em
dro mais completo de desenvolvimento. cima de si próprio, já a do praticante coletivo além do seu
rendimento individual haverá uma cobrança em relação ao
Práticas esportivas individuais - PEI rendimento do grupo.
Atualmente, as práticas esportivas individuais vêm am- Isto quer dizer que, muitas vezes acontece do rendi-
pliando seu espaço no ambiente escolar. São várias as práti- mento individual de um jogador coletivo superar a expec-
cas esportivas oferecidas: ginástica olímpica, tênis, natação, tativa do professor-treinador, mas ser insuficiente para o
ping-pong, tênis de mesa, judô, karatê, taewkondo, muscu- resultado da equipe, e portanto, ter que aprender a conviver
lação, ginástica aeróbica, capoeira, xadrez, entre outras. que o resultado – vitória e derrota -, estão relacionados as
A reportagem realizada em junho 2004 pelo Globo Re- ações coletivas e não individuais, logo, o esforço individual
pórter, programa da Rede Globo de Televisão, sobre as ativi- por vezes não resolverá o problema coletivo.
dades esportivas mais praticadas pelas pessoas revelou um Por fim, enquanto o praticante individual poderá reali-
número surpreendente das atividades individuais em relação zar a sua prática com apenas o seu treinador, o praticante
às coletivas. Das dezenas de práticas pesquisadas pela equi- coletivo dependerá de um grupo esportivo para que possa
pe responsável por essa edição sobre esporte, descobriu-se realizar sua atividade.
que entre as seis atividades esportivas mais procuradas pe- Assim, serão diferentes as contribuições para o desen-
las pessoas, cinco delas são práticas individuais. Ficando em volvimento da criança no ambiente escolar dadas pelas
primeiro lugar uma prática coletiva - o futsal –, seguida pelas práticas coletivas e individuais. Vislumbra-se, pois, a neces-
práticas individuais de academia, hipismo, esportes náuticos, sidade de um quadro coerente e completo de práticas ofe-
natação e golfe. recidas, fundado na correta utilização do processo de ensi-
Embora a maioria das práticas esportivas individuais ci- no-aprendizagem.
tadas anteriormente não faça parte daquelas oferecidas pe-
las escolas brasileiras, é simples entender o seu crescimen- PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DAS
to no ambiente escolar. Em tempos passados, as práticas PRÁTICAS ESPORTIVAS
coletivas constituídas pelas quatro modalidades esportivas Ao fazer uma análise contemporânea crítica das práticas
(basquetebol, voleibol, futsal, e handebol) dominavam esse esportivas para as crianças, o que de imediato se percebe é
espaço. Todavia, com o advento da globalização, surgem que, tanto pela ação concreta de quem atua, como também
novas modalidades e com elas a tendência de um estilo de pelo que se encontra registrado na literatura especializada
vida introspectivo, ou seja, busca-se a facilidade da vida in- no tema, há uma grande incongruência entre o que se quer
dividualizada, acentuando-se o interesse pelas práticas in- fazer - a intenção - e o que realmente se está fazendo – a
dividuais. ação.
Outro fator que contribui com o crescimento desse in- Percebe-se de forma clara e evidente a existência de
teresse pelas práticas individuais é aquele que evita os as- pelo menos três concepções diferentes predominantes na
pectos presentes na prática coletiva, tal como a comparação atuação dos professores no ensino das práticas esportivas.
social, a exigência advinda do próprio grupo ou equipe, e Segundo Rochefort (1998), a primeira delas, chamada
ainda a funcionalidade da prática dependente de várias pes- iniciação esportiva, está voltada para a aprendizagem es-
soas. portiva com base na movimentação técnica específica de
Por exemplo, enquanto o praticante individual será algum desporto. Funda-se na presunção de que a criança
comparado apenas com adversários, o praticante coletivo deve ter adquirido na Educação Física os padrões motores
será analisado dentro de seu próprio grupo, o que multiplica fundamentais e ao ingressar na “escolinha” – treinamento
os fatores de insegurança e pode dificultar a auto-afirmação. específico de determinada prática esportiva - estaria apta a
Muitas vezes, é por causa dessa comparação interna que os realização de movimentos de maior complexidade.

10
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Trata-se de corrente teórica que coloca o esporte e a ção de equipes esportivas para a competição. Direciona-se
criança em igualdade, sem questionamentos e indagações, a prática esportiva para aqueles bem dotados no momento,
apenas reproduzindo-se os movimentos já padronizados. e estes é que nela sobrevivem. Os outros são eliminados in-
Utilizam-se os movimentos da prática esportiva dos tencionalmente, ou se auto-eliminam voluntariamente.
adultos com aplicação direta às crianças, podendo sofrer É bem verdade que as crianças procuram a prática es-
algumas alterações, como a inclusão de pequenos jogos e portiva com o objetivo de cedo tornarem-se campeãs. É cer-
suas adaptações. Esta visão, como diz Bracht (1986), é muito to, também, segundo Chaves (1985), que quando a criança
parecida com a da Educação Física Escolar, onde o esporte tem um ídolo, que geralmente é um dos atletas de destaque
é iniciado e desenvolvido, tendo como norma o ideário do desta ou daquela prática escolhida, ela o tem como exemplo.
esporte de rendimento, ou seja, pensa-se a aprendizagem Para o mesmo autor, duas têm sido as saídas encontradas
esportiva enquanto aprendizagem das técnicas esportivas, pelos professores para tratar da questão com seus alunos.
e tão somente isso. Uns preferem mostrar que para se tornar tão bom quanto
Conforme informado pelo mesmo autor, existe uma se- seu ídolo será preciso um sacrifício a mais, uma grande de-
gunda concepção, também curiosamente chamada de ini- dicação, e isso se dará se ela submeter-se a um rigoroso e
ciação esportiva, mas que, de forma diferente da anterior, criterioso programa de preparação. Outros preferem mos-
preconiza uma formação mais ampla e abrangente, onde as trar à criança que, antes de tudo, ela precisa ser ela mesma
atividades corporais diversificadas e a abertura para a intro- e, percorrer um caminho onde ela poderá chegar a ser quem
dução da criança em mais de uma prática esportiva fazem a sabe um atleta, mas para isso ela irá descobrindo gradativa-
tônica da proposta. Parte-se, aqui, do pressuposto de que mente suas potencialidades e capacidades, e ele, professor,
é bastante necessário oportunizar à criança primeiramente está ali justamente para ajudá-la nesta caminhada.
padrões motores gerais desportivos, antes de um estudo O certo é que, de uma forma ou de outra, professores
mais aprofundado em uma determinada prática. lançam-se na busca de programas aplicativos muitas vezes
Em suma e em consonância com Rochefort (1998), esta sem a leitura e compreensão adequada do que eles repre-
é a linha que coloca a criança em certa evidência sobre o es- sentam, surgindo, assim, dúvidas e divergências. Faria e
porte, no momento em que, por primeiro, pensa em propor- Tavares (1992) entendem que no decorrer de um jogo são
cionar múltiplas experiências aos participantes e, ao depois, requeridas complexas tarefas motoras de forma diversifica-
enfoca o crescimento em uma ou outra prática específica. da, portanto não existem modelos de execução fixos para o
Busca-se atuar dentro das possibilidades e capacidades de ensino dos jogadores.
execução das crianças, permitindo assim que elas explorem Para um melhor aprender, é necessário ter a criança
seu mundo por meio da prática esportiva, criando normas e como centro da preparação de qualquer planejamento,
regulamentos, e, de forma direta, intervindo na realização da onde o conteúdo e o método a ser utilizado deverão preen-
aprendizagem. cher seus anseios e despertar curiosidades, promovendo-se
Normalmente, os professores que se utilizam desta se- um grau de interesse e respeitando-se os limites.
gunda conceituação usam a prática de iniciação como elo de As práticas esportivas produzem vários acontecimen-
ligação entre os padrões motores com os quais as crianças tos cuja frequência, ordem cronológica e complexidade
chegam até a prática e as primeiras noções dos movimentos não podem ser totalmente previstas antecipadamente. Aos
esportivos. praticantes são requeridas constantes atitudes tático-estra-
Ainda de acordo com Rochefort (1998), uma terceira li- tégicas, onde a quantidade e a qualidade das ações vão de-
nha surge, bastante umbricada com a primeira concepção pender do conhecimento que o jogador tem do jogo. Isso
abordada, chamada por muitos autores de especialização mostra que o agir de um jogador está ligado aos exemplos
esportiva. Consiste na aprendizagem de uma determinada de explicação, ou seja, a maneira como se concebe e per-
prática exclusivamente à luz de sua regulamentação e de cebe o jogo. Portanto, as decisões tomadas serão baseadas
suas aplicações técnicas e táticas. nesses modelos explicativos que vão determinar a percep-
Coloca-se, aqui, a modalidade esportiva acima da crian- ção, a compreensão das informações e a resposta motora.
ça e de suas possibilidades e potencialidades. Como afirma (Garganta, 1998).
Bracht (1986), prioriza-se a busca do rendimento atlético, Segundo Graça e Oliveira (1995), existem várias formas
que é a condição para as possibilidades de vitória nas com- de ensinar o desporto, havendo variações de acordo com a
petições. Segundo o autor, a prática esportiva é elevada à corrente que se quer seguir, o período histórico e, o mais
condição de finalidade, enquanto fim em si mesma. importante, a intenção e interpretação do educador.
Realizando uma análise crítica da situação em que se Saad (2002) aponta as metodologias mais utilizadas
encontra a iniciação esportiva em geral, Trece (1986), citada no ensino das práticas esportivas coletivas e seus respecti-
por Rochefort e Cordeiro (1991), afirma que se pode obser- vos autores: Metodologia Tradicional (Reis, 1994 e Xavier,
var a preocupação dos profissionais que atuam nesta área 1986), Metodologia da Série de Exercícios (Dietrich, Durr-
com resultados para a competição, sem um interesse vol- wachter & Schaller, 1994), Metodologia de Série de Jogos
tado para as vantagens e valores educativos da prática es- (Dietrich, Durrwachter & Schaller, 1984), Metodologia Críti-
portiva em função do desenvolvimento estrutural da criança. co-Emancipatória (Kunz, 2001) e Metodologia Estrutura-
Evidencia-se, logo, que o esporte no mundo de hoje está lista (Bayer, 1986, Garganta & Oliveira, 1995, Greco, 1998 e
estruturado e fundamentado nos interesses e ideologias da Mesquita, 1997).
classe dominante e por isso orienta-se no sentido da forma-

11
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A metodologia Tradicional, de acordo com Reis (1994), é o ensino das técnicas das modalidades esportivas por sequên-
cias de exercícios do mais simples ao mais complexo. Nota-se que neste tipo de metodologia a criança sente dificuldade
de colocar em prática o que foi aprendido ou ensinado devido à distância entre com a realidade prática do jogo. Para Neto
(2000), essa concepção de ensino mecaniza a execução dos movimentos e inibe a criação pelos educandos. Concebe-se o
mestre como centro do ensino, dele partindo toda a aprendizagem.
Por sua vez, a metodologia de Série de Exercícios, muito parecida com a metodologia sobrescrita, visa a aprendizagem
das técnicas básicas e formas analíticas, as quais, conforme Dietrich et al (1994), nada mais são do que diversos tipos de
exercícios metodologicamente baseados no jogo propriamente dito. Para Schmidt (1992) neste processo de ensino a criança
também possui dificuldade para aplicar e compreender as partes funcionais do jogo realizado pelos professores-treinadores
através dos exercícios isolados.
No início dos anos setenta, conforme Greco (1995), começa a ser ventilado o conceito recreativo dos Jogos Esportivos
Coletivos, também chamados de Série de Jogos.
Esta metodologia opõe-se à concepção mecanicista realizada até a época, pois proporciona a prática de pequenos jogos
dentro do interesse da criança, levando em consideração a ideia fundamental da modalidade esportiva escolhida e aumen-
tando a dificuldade no decorrer do processo (Dietrich et al, 1994). A desvantagem desta metodologia está na lenta construção
do jogo propriamente dito, desmotivando, muitas vezes, a continuidade do aprendiz no programa das práticas esportivas.
Por volta de 1990, surge uma metodologia preocupada em ensinar as práticas esportivas formando-se jovens críticos e
independentes. Trata-se da chamada Abordagem Crítico-Emancipatória e Didática Comunicativa.
Diferentemente das anteriores, nesta metodologia a parte técnica fica em segundo plano e a formação da cidadania é
a tônica da proposta. Como bem assinalado por Kunz (2001), o processo de ensino das práticas deve libertar o aluno para
pensar e agir, tanto no meio esportivo quanto no meio social.
No entanto, ainda na década de 1990, um novo processo de ensino dos esportes é apresentado - a metodologia Estrutu-
ralista. Trabalha-se com a modificação da estrutura das práticas, considerada sua forma essencial, o número de jogadores, a
mudança do espaço de jogo, a simplificação das regra, entre muitos outros. (Garganta, 1995, Graça & Oliveira, 1995; Mesquita,
2000).
Embora haja também aqui um retardo na aprendizagem do praticante devido à construção do processo de ensino-apren-
dizagem estar baseada em atividades técnicotáticas (situações de jogo), essa metodologia motiva-os a continuar, porque nela
o jogo é compreendido desde o início, possibilitando assimilação e participação de forma concreta e objetiva.
Todavia, apesar da existência de todas essas opções metodológicas, sabe-se que os aspectos do ensino-aprendizagem
ainda encontram-se baseados no desenvolvimento das técnicas individuais, o que reforça os métodos formais e mecanicistas.
Garganta (1998) atribui este fato ao ensino, que permanece reforçando o modo de fazer (técnica) separado das razões de fazer
(tática), o que dificulta a transferência para as situações de jogo.
O quadro 3 apresenta uma comparação das formas metodológicas de abordagem das práticas esportivas coletivas, tra-
çando suas principais características e consequências de aplicação.
Nele pode-se perceber que, há uma preocupação do autor em mostrar uma metodologia capaz de aproximar o praticante
da prática propriamente dita, ou seja, sendo o processo de ensino-aprendizagem facilmente assimilado.
Sobral (1994) afirma que se for realizada uma observação minuciosa dos exercícios que as crianças repetem na iniciação
esportiva, sob a orientação de profissionais com as mais diversas qualificações, há de se perceber que grande parte do tra-
balho não tem nada a ver com a modalidade e menos ainda com a natureza das próprias crianças, dificultando o processo.

12
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
O importante é desenvolver nos praticantes uma dispo- nhecendo o corpo e ampliando e melhorando a capacidade
nibilidade motora e mental capaz de transcender a simples de adaptação às respostas requeridas pela movimentação
automatização de gestos e centra-los na assimilação de re- esportiva, gradualmente e não de forma imediata.
gras de ação e princípios de gestão do espaço de jogo, bem Outro importante autor citado por Rochefort e Cordeiro
como formas de comunicação. (Garganta, 1998). (1991), Incarbone (1990), afirma que o professor-treinador
Do professor exige-se: não deve modelar os estudantes-atletas à semelhança de
alguém. Deve sim, dar a eles uma grande quantidade de ex-
“o conhecimento e a capacidade de tratar a sua maté-
periências motoras que irão ser armazenadas junto a seus
ria de ensino de modo a torna-la apresentável e suscetível de
acervos motores, o que irá permitir que eles no futuro, de-
proporcionar experiências de aprendizagem seguras, válidas e
senvolvam-se no esporte, se for o caso, já com uma grande
significativas aos alunos, de modo a que possam compreender
variedade de habilidades.
melhor o jogo e desenvolver a sua capacidade de nele partici-
Não se apontaria somente para uma modalidade espor-
par”. (Graça, 1998:29).
tiva, mas também para as suas vidas diárias enquanto cida-
Muitos pesquisadores também têm se ocupado de pes- dãos que intervem no mundo.
quisas a respeito do tema, questionando a faixa etária mais Assim, a aprendizagem das práticas esportivas na escola,
adequada para se iniciar o trabalho com as crianças. enquanto iniciação esportiva, deve agir como um organismo
Por exemplo, John (1984) mostra que um estudo realiza- de informação e orientação, e não como de especialização.
do na Alemanha procurou identificar as causas pelos quais As práticas com as crianças não podem reduzir-se a simples
os jovens de formação competitiva pioravam ou abando- mecanismos articulares e musculares, devendo assumir di-
navam a prática da natação entre os 12 e 15 anos de ida- mensões maiores na área motora, educativa e social.
de. Concluiu-se que há uma correlação entre especialização A partir destas ponderações, encontra-se a certeza de
precoce e desenvolvimento da performance. Como resul- que na iniciação esportiva - a ser feita não só na escola -, as
tado deste estudo, escreveram que especialização precoce, atividades devem estar voltadas principalmente para a utili-
treinamento árduo e desenvolvimento prematuro da perfor- zação do próprio corpo dentro do jogo, com regras simples
mance devem ser evitados. e modificadas, sem um caráter essencialmente competitivo.
Na antiga União Soviética, como em alguns outros paí- Muitos citam a Alemanha como exemplo, dizendo que lá
ses, estudos semelhantes chegaram às mesmas conclusões, a iniciação esportiva tem seu objetivo principal direcionado
ou seja, definiu-se que, para as crianças, as competições à criança em seu desenvolvimento global, proporcionando
mais sérias não são benéficas. Também apontam que os trei- maiores possibilidades de conquista da criança para com
namentos devem ter um caráter mais geral, com o objetivo sua coordenação e percepção dos domínios cognitivo, psi-
de incrementar as habilidades motoras, e não de uma espe- comotor, afetivo e social.
cialização prematura da modalidade escolhida. Os resulta- Rochefort (1998) afirma que a iniciação esportiva, en-
dos evidenciaram um ponto importante para análise, qual tendendo-se a etimologia da palavra, aliada aos conceitos
seja, de que as atividades em equipes são importantes para do desenvolvimento e aprendizagem motora, e também
as crianças, principalmente no sentido da busca do alcance da pedagogia, não pode ser encarada como uma atividade
de objetivos comuns ao lado de colegas com interesses di- altamente especializada, com resultados pré-determinados
ferenciados. Evidencia-se aqui a importância do grupo social de rendimento - quer seja ele físico, técnico ou tático – em
e do grupo esportivo. curto prazo e com os níveis de exigência comparáveis aos
Mesmo que se ressalte a importância dessas atividades do esporte dos adultos. A iniciação esportiva digna de re-
para o desenvolvimento global do ser humano, o que se ceber este nome é aquela que em primeiro lugar respeita
percebe são poucas pesquisas mostrando esse tema relacio- as crianças, vendo-as como tal, e propondo-lhes atividades
nado com a situação do esporte no âmbito da prática espor- compatíveis com esta condição.
tiva escolar. Os trabalhos aqui especificamente abordados, A este respeito, Lima (1981) afirma que a iniciação es-
assim como as literaturas disponíveis, estão muito mais vol- portiva deve obedecer a um programa variado e adequado
tados ao que acontece fora dos muros escolares. E, fora da às idades, recorrendo-se a modalidades diferentes nas mais
escola, a grande maioria das crianças acaba sendo excluída, variadas formas de atividade. Segundo o autor, a iniciação
quer seja por condições motoras, quer seja por condições deverá ser uma etapa da formação esportiva, e nela as crian-
sócio-econômicas. ças deverão vivenciar o fato social dos desportos de acor-
Todavia, é no âmbito escolar que todos devem ter direi- do com aquilo que elas pensam e sentem, e não como nós
tos à aprendizagem, mesmo existindo crianças com mais ou adultos estamos sempre tentando fazer, isto é, pensar por
menos habilidade sensorial motora, intelectual e principal- elas e obrigá-las a fazer aquilo que pensamos.
mente afetiva. Nesse espaço, a iniciação esportiva, segundo A propósito já na década de 70, Wanzel e Kreisel (1974)
Trece (1986) – citada por Rochefort e Cordeiro (1991), deverá mostraram estudo interessante sobre como o esporte era
oferecer todas as condições para que cada indivíduo possa visto pelas crianças na época de sua efetivação, mas que
desenvolver suas potencialidades de forma sistematizada serve para ponto de análise nos dias atuais. Neste estudo,
em um trabalho mais despojado de ideários pré-normati- foram abordadas as experiências esportivas das crianças,
zados. A escola deve ser um espaço onde se possa experi- fornecendo-se conteúdo significativo para reflexão sobre a
mentar todas as formas de movimento, mas principalmente, maneira diferente de como o esporte era visto em relação à
o movimento consciente, explorando suas percepções, co- visão dos adultos. As crianças responderam a um questio-

13
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
nário e os resultados mostraram que elementos tais como mento de “ex-atletas” como orientadores. Diz que isso só
jogar bem, emoções do esporte, desenvolver e testar habili- funciona como “chamariz” e que no aspecto prático agrava
dades foram os aspectos de maior agrado. Outros aspectos, o problema da má formação do jovem desportista.
como procurar recompensa e vencer, foram pouco pontua- O tema levanta a possibilidade de discussões mais po-
dos, obtendo menor importância. Foram também consisten- lêmicas a respeito da aprendizagem esportiva e seus desdo-
tes as respostas com respeito à importância do “fazer bem”, bramentos e da competição na escola enquanto fenômeno
“fazer correto” e “ter alegria”. Vencer foi realmente o menos social ou enquanto realidade concreta. Aponta também para
importante. os procedimentos no trato com as questões esportivas no
Diga-se que Chaves (1985), que também analisou a re- ambiente escolar e suas relações com a disciplina curricular
ferida pesquisa, observou que a criança tem uma maneira Educação Física e seus objetivos.
bem particular de encarar o esporte. Para o autor, a estrutura Não bastassem todas essas variáveis e elementos do
corporal da criança como um todo não está preparada para processo de ensino aprendizagem das práticas esportivas,
aceitar as atividades demasiadamente sistemáticas, regras tem-se hoje novo vetor a influenciar a temática.
rigorosas e imposição de professores e treinadores. Trata-se da utilização das práticas sob análise como ins-
Elas necessitam de maior liberdade de assessoramento trumentos de divulgação e promoção não só das escolas,
para que, ao chegarem no tempo certo de se especializar, mas de marcas e profissionais.
seus corpos não estejam saturados e despreparados e reste O marketing esportivo constitui, por conseguinte, mo-
impossibilitada sua melhor assimilação de cargas maiores de derno e importante prisma de abordagem e determinação
trabalho, o que levaria ao abandono da prática esportiva. da prática esportiva, devendo ser considerado e tratado na
Ainda o mesmo autor - Chaves (1985) - apresenta em evolução do presente estudo.
suas discussões que os estudos têm levado sempre às mes-
mas conclusões finais, sendo, portanto, um erro didático pe- O MARKETING ESPORTIVO
dagógico a insistência de alguns professores na produção Sabe-se que o esporte competitivo está na sociedade
de pequenos campeões. O tema é bastante complexo, por moderna relacionado à ideia de produtividade, concorrência
isso torna-se muito importante abordá-lo em todas as suas e técnica. Contribui a competição, por um lado, para uma
representações. situação de alienação, com efeitos favoráveis ao desempe-
Em oposição ao que se está a preconizar – iniciação ge- nho do capitalismo, e, por outro lado, para o crescimento
neralista -, aparece uma concepção, para alguns também de algumas práticas esportivas, ao considerar-se o avanço
chamada de iniciação esportiva, que aponta para o traba- funcional e a expansão provocada pela mídia.
lho específico dentro de uma única modalidade. Segundo Causa disso é que, os meios de comunicação, através da
Incarbone (1990), citado por Rochefort e Cordeiro (1991), a grande contribuição de estudos, pesquisas e investimentos
iniciação esportiva é o período no qual o menino ou a me- nesta área, crescem e evoluem, encontrando novos instru-
nina inicia de forma específica a prática de um desporto. É mentos de publicidade. E isso se deve ao fenômeno da glo-
a continuação da formação motora geral, que certamente balização, que facilita este desenvolvimento.
entende o autor, acontece antes do que ele chama de ini- Cada vez mais, outrossim, os meios de comunicação de
ciação, possivelmente nas aulas de Educação Física escolar. massa exercem seu poder na construção do saber, o que
Para o autor, o fim imediato da iniciação é o ensinamento também ocorre no meio esportivo, na cultura esportiva e
técnico de uma modalidade esportiva. nos demais segmentos.
Em consonante posicionamento, Gomez (1980) entende Conhece-se a força de expansão e alcance que os meios
que a iniciação esportiva é um processo de ensino-aprendi- de comunicação possuem, sendo uma forma de rápida ab-
zagem na qual o indivíduo deverá adquirir e desenvolver as sorção e impacto. Segundo Pires (2002, p.51), “pode-se dizer
técnicas básicas de um esporte adaptado às possibilidades que a mídia já alcança quase todos os recantos e cidadãos
das crianças. do globo, levando a eles suas mensagens, e no seu interior,
De ser mencionada, ainda, a lição de Capinussu (1985), valores, normas e comportamentos”. Esclareça-se que “mí-
que estabelece a faixa etária de início para o aprendizado dia” significa um conjunto dos meios de comunicação de
em torno dos 10 a 11 anos, afirmando que cabe ao professor massa, e ao mesmo tempo, cada um desses meios.
ensinar o alfabeto da modalidade esportiva, ou seja, seus Com esta evolução da tecnologia, iniciou-se uma gran-
fundamentos. Refere-se o autor às atividades desenvolvidas de veiculação de informações, produtos e serviços, incenti-
nas chamadas “escolinhas esportivas”, e diz que esta termi- vando-se as empresas a produzirem e a divulgarem cada vez
nologia se presta a uma confusão com o que se denomina mais seu produto no mercado. Ainda para Pires (2002, p.61),
de iniciação esportiva. “com a similitude provocada entre os bens produzidos em
Afirma que na “escolinha” existe uma outra política por escala global, era necessária a implementação de estratégias
parte dos professores, que certamente não a mesma a ser que promovessem também relativa aproximação entre hábi-
adotada no ambiente da educação física. Na iniciação, os tos, valores e preferências de consumo em esfera igualmen-
jovens atletas deverão demonstrar conhecimento daquela te planetária, garantindo assim a criação de um mercado
modalidade com a qual estão comprometidos. Portanto, consumidor global de produtos que pouco diferem entre si”.
existiria um espaço onde há o começo do trabalho numa Com isso, surgiu uma nova ferramenta, que estimula os
forma mais básica, e na “escolinha” o estágio seria mais desejos e as necessidades humanas - o marketing. Segun-
avançado. Menciona-se, também, a questão do aproveita-

14
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
do Kotler (1993), o marketing tem como função identificar dústria/esporte (esporte/profissão) e tecnologia/qualifica-
necessidades e desejos não satisfeitos, definir e medir sua ção (indústria do saber).
magnitude, determinar o mercado alvo, atender melhor a Esta transformação é o resultado do fenômeno da in-
clientela, lançar produtos, serviços e programas apropriados dústria midiática, que tende a orientar-se pelo princípio úni-
para suprir o mercado. Do ponto de vista social, marketing co que rege as relações entre produtores e consumidores:
é o elo entre as exigências materiais da sociedade e seus a “mercadorização”, incluindo a própria informação, que já
modelos econômicos de resposta. foi a principal razão de seu desenvolvimento, e o entrete-
O desenvolvimento de projetos que objetivam o bem nimento, produto historicamente mais novo, decorrente da
estar social está intimamente ligado ás rápidas mutações espetacularização da sociedade e da mediação do consumo
competitivas e à busca constante da melhoria na qualidade da cultura (Pires, 2002).
de vida. A ferramenta ideal para alcançar estes objetivos é o Verifica-se o surgimento de conglomerados de órgãos
marketing (Kuazaqui, 2000). de mídia, resultado de processos viabilizados pelo avanço
Muitas vezes, o que se pretende não está explicito, sen- tecnológico e pelas quedas das barreiras de expansão ho-
do assim imprescindível o cuidado ao receber-se informa- rizontal e integração verticalizada. A expansão horizontal
ções. Quanto a isso, pode-se encontrar uma explicação na implica o surgimento de redes descentralizadas e regiona-
teoria social crítica, que, segundo Geuss (1988), apoiado em lizadas de distribuição da informação; a integração vertical
Habermas, refere-se ao conceito de “interesses reais” e “in- está relacionada à criação de empresas subsidiárias interli-
teresses meramente aparentes”, ou seja, os desejos, interes- gadas, que proveem as demandas das diversas etapas de
ses, necessidades e satisfação dos indivíduos vão influenciar produção/veiculação midiática: informação, entretenimento
o desenvolvimento individual e coletivo. São considerados e publicidade. (Moraes, 1997).
“reais” quando se propõem a atender conscientemente o O esporte, já reconhecido como principal “fenômeno
avanço do homem, sem prejuízos para a espécie humana; e social do século” (Pires, 2002), também está sendo reconhe-
“meramente aparentes” quando exercem uma falsa ideolo- cido por ser um objeto da mídia, dos canais de propaganda,
gia baseada em situações que satisfazem os interesses ime- da publicidade que produz e veicula a imagem de algum
diatos de forma inconsciente. produto, constituindo-se, assim, em uma forma de marke-
Para Kunz (1994), o esporte foi apropriado pela lógica ting. O esporte passou a ser o “carro chefe” das empresas e
do sistema, passando a reger-se por interesses econômicos instituições de ensino como mais uma forma de se sobres-
e pela ideologia que são características, e rejeitando, portan- sair sobre seus concorrentes.
to, qualquer pensamento contrário a ela, o que acaba por Com o uso da mídia, eleva-se também a importância
negar o desenvolvimento do potencial crítico transformador da cultura esportiva, dos benefícios advindos da prática do
do sujeito. esporte, evidenciando-se sua contribuição para a melhoria
Em virtude disso, as situações reproduzidas pelos meios da sociabilidade, das condições de saúde, dos valores mo-
de comunicação de massa no âmbito esportivo acabam rais, da obtenção de uma forma física e estética reconhecida
despertando interesses, desejos, necessidades muitas vezes como ideal pela atual sociedade. Logo, o discurso midiático
artificiais que visam consumo imediato. Resta saber se os possui grande capacidade de recriar a realidade e obscure-
profissionais da área de educação física, principalmente nos cer argumentos contrários (Pires, 2002).
bancos escolares onde o acesso à prática de exercícios físi- Como exemplo deste “sucesso” e repercussão do espor-
cos é maior, estão de certa forma proporcionando espaço a te, pode-se citar a concorrência dos canais de televisão que
uma formação consciente e autônoma. lutam pelo direito de transmitir os jogos olímpicos, campeo-
Segundo Habermas (1994, p.140), “a autorreflexão está natos nacionais e mundiais de futebol e outros eventos de
determinada por um interesse emancipatório do conheci- grande repercussão. Para Moraes (1998), o esporte é o mais
mento”. Entende-se que através da reflexão o indivíduo será eficiente chamariz da televisão, dá sobrecarga ao restante da
libertado das amarras de um estado de dependência para programação, pois incentiva os telespectadores à audiência,
outro de consciência, esclarecimento e emancipação. por cabo ou por satélite. Tem-se a intenção de usar o espor-
No campo do esporte, como no ramo das empresas e te como “isca” e principal instrumento de oferta em todas as
das instituições de ensino, os objetivos não diferem. Todos operações de televisão.
buscam a mídia como canal de distribuição da informação, O esporte é o parceiro preferencial da espetacularização
de venda, de veiculação de produtos ou serviços e formação na mídia televisiva porque oferece o cenário, o roteiro, os
da opinião pessoal ou pública. atores, os espectadores, os consumidores. Isto compõe um
Nesse sentido, o marketing é utilizado como ferramenta produto altamente comercializado - o espetáculo esportivo,
para estimular ou divulgar algo. o show já pronto.
O uso da mídia pela indústria, comércio, entre outros O que provoca essa aceitação e absorção do esporte é
segmentos, desde os primórdios, sempre foi percebido. que uma de suas características é a universalização da sua
Atualmente, no entanto, presencia-se um aumento de ou- linguagem, e isso reconhecidamente facilita sua operaciona-
tros componentes utilizando esse recurso, e entre eles des- lidade (Pires, 2002).
taca-se o esporte e as instituições de ensino. Nota-se que, Toda esta maravilha da divulgação, do “incentivo” das
aos poucos, as relações entre esporte/cultura e ensino/ redes de televisão com o esporte, ocasionou algumas modi-
aprendizagem vem perdendo espaço para as relações in- ficações, entre as quais incluem-se regras, tempos de dura-
ção de partidas, paradas programadas, entre outras medidas

15
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
adotadas. O outro lado da moeda foi que os esportes que capaz de reverter as estruturas existentes, que muitas vezes
não se adaptaram à televisão estão fadados ao desapare- estão baseadas na ingenuidade e acomodação. Para tanto,
cimento, excetuados alguns esportes de época, que só se Pires (2002) propõem três eixos que visam à construção de
mantém vivos pelo significado das olimpíadas. um marco referencial teórico que fundamente uma ação
Percebe-se que hoje o esporte esta sendo utilizado não procedida no âmbito da formação acadêmica em educação
só como chamariz para o consumo de produtos em nível física. O primeiro eixo visa ao esclarecimento como principal
de telecomunicações, como também para usufruir sua total finalidade da educação para a cidadania e para um projeto
influência no meio social, cultural e educativo. Portanto, o maior da concepção crítica emancipatória da educação físi-
marketing esportivo ganha espaço na realidade atual e está ca; o segundo busca capacitar o sujeito a realizar reflexões
permeado de múltiplos interesses. e ações contra aquilo que é produzido e divulgado de for-
Para Pires (2002), o esporte é identificado como um po- ma indevida a respeito do esporte e da atividade física; o
tencial econômico, um “garoto propaganda”, tornando-se terceiro eixo abrangeria a chamada educação para a mídia,
uma mercadoria, um produto de alto valor comercial, ex- a pedagogia da educação, o ensino na formação critica do
pressado em direitos de transmissão, publicidade, comercia- cidadão na sua interação com os meio de comunicação de
lização de bens e serviços, entre outros. massa.
Nesse contexto, o surgimento de novos esportes ou a Com o surgimento desta “nova cultura”, é necessário
diversificação das práticas esportivas foi relatado por Pon- esclarecer que a formação cultural, o esporte, a educação
ciello (1981) como a evidência de uma ruptura do sistema em si, são pilares imprescindíveis para a concepção dos se-
consensual para o surgimento de uma situação concorren- res humanos em qualquer campo de atuação profissional da
cial entre a demanda (que obedece a lógica da diferencia- educação física. Segundo Pires (2002, p.126)
ção) e a oferta (que, por interesse monopolistas, obedece a
“na visão crítico-emancipatória, uma das tarefas que
lógica da divulgação), mesmo que se identifique a importân-
desafia o profissional de educação física atualmente seria o
cia dos determinantes socioculturais externas.
desenvolvimento de competências para transformar didatica-
Destaque-se que a indústria midiática tem inegável con-
mente o esporte e a cultura de movimento, a fim de reco-
tribuição no que diz respeito às transformações, significados
loca-los na esfera do mundo vivido, onde a veracidade e a
e sentidos dos exercícios físicos e das práticas esportivas. Há
adequação de normas sociais possam ser reconstruídas con-
uma relação direta da mídia com a educação física, enquan-
sensualmente pela racionalidade comunicativa”.
to prática de intervenção pedagógica. Há influência sobre
a caracterização do verdadeiro papel dos esportes - o qual No campo da escola, o processo de ensino-aprendiza-
têm enfrentado algumas distorções decorrentes de novas gem precisa focar a sua competência social, buscar as re-
tendências esportivizantes. Ditas tendências são incenti- lações sócio-culturais, bem como o respeito às diferenças,
vadas inclusive por programas governamentais como, por reconhecendo possíveis discriminações; a educação deve ser
exemplo, o Plano Nacional de Desporto, Jogos Estudantis voltada para o agir social, participativo, solidário e coopera-
Brasileiros e Jogos Universitários Brasileiros, os quais se tor- tivo, típico de uma cidadania emancipada.
naram os principais difusores de uma proposta educacional Identificar o que está sendo observado possibilitará uma
que visa muito mais à educação para o consumo do esporte compreensão clara sobre a influência da mídia em todos os
do que educação através do esporte. Em consequência dis- setores, inclusive na área esportiva. Em relação a esta ques-
so, modifica-se também a estrutura das sessões das práticas tão, o que se tem presenciado são as distorções e os falsos
esportivas e o desenvolvimento dos estudantes-atletas (Pi- discursos sobre exercício físico e sua relação com os padrões
res, 2002). de beleza, estética, espírito de valorização da imagem, o cul-
Tanto nas práticas esportivas escolares quanto na mídia to da beleza. Obriga-se milhares de pessoas a buscarem os
tem prevalecido um único sentido de esporte: o de espor- estereótipos apontados pela mídia. Ainda no entender de
te-espetáculo. Isso muitas vezes resultante do discurso da Pires (2002), a compreensão banalizada da cultura esporti-
indústria midiática, comprometendo a livre vivência e apren- va unta-se a vários discursos fragmentados sobre possíveis
dizagem com as manifestações melhoras advindas da prática esportiva – aquisição de va-
culturais do esporte. Estabelecem-se padrões e as pes- lores morais desejáveis, formas físicas exuberantes e social-
soas que convivem e trabalham com o esporte são formal- mente reconhecidas. Esta cultura do corpo afeta quem não
mente apresentadas à nova “cultura esportiva”, tornando-se se submete a estes novos conceitos de beleza, e quem está
consumidores fiéis de mercadorias que a mídia cria e dispo- impossibilitado de alcançar estes ícones estéticos e culturais
nibiliza. é identificado pela mídia como sendo “inadequado” à nova
Com todas estas inovações e mudanças, importa refletir ordem.
sobre a formação profissional em educação física, objeti- No entanto, há um ganho inigualável quando são uti-
vando-se a construção de novas ferramentas pedagógicas lizadas de forma adequada e consciente as informações e
reestruturando-se os antigos pilares que ainda hoje mantém os recursos tecnológicos como mais uma ferramenta faci-
forte nossa construção humana, nossa formação cultural e, litadora do processo pedagógico, como, por exemplo, nos
consequentemente, a educação. estudos à distância e na interatividade (PC-internet, TV-ví-
Há uma flagrante necessidade ser revista a formação deo). Tem-se um enriquecimento cultural dos estudantes
acadêmica em educação física, de modo a permitir que os e professores quando contemplados pela possibilidade de
profissionais da área consigam implementar uma “práxis” interagir com esses recursos. Este fato tem que ser conside-

16
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
rado junto aos sistemas educacionais, popularizando estes cutar tarefas motoras, os relacionados à educação
instrumentos, contribuindo com a redução de barreiras e, física, ou aqueles que se referem aos resultados de
assim, motivando esta nova forma de ensino. aprendizagem em educação artística (artes plásticas,
No caso específico das práticas esportivas, um dos va- musicais, artes cênicas e expressão corporal);
lores que podem ser reconhecidos é o fato de auxiliarem no • A consecução de certos objetivos educacionais na
conhecimento das diferentes culturas esportivas, buscando a área afetiva, envolvendo interesses, hábitos e mu-
compreensão de seu funcionamento e maior interação tanto dança de atitudes;
dos telespectadores como dos que pretendem praticá-las. • O comportamento social traduzido em termos de
Neste sentido, a mídia pode ser um grande aliado para alfa- habilidades de convívio social;
betizar, educar e fortalecer na formação de cidadãos.4 • Alguns aspectos referentes ao desenvolvimento fí-
sico.
A observação do proces­so de ensino-aprendizagem
na Educação Física escolar Verificamos, portanto, que a pedagogia cuida deste
tema de forma sistemática e exaustiva, procurando inclusive
Por vezes nos encontramos cometendo um equívoco na
conceituar alguns fatores característicos dessas práticas. En-
elaboração de planejamentos anuais, semestrais ou mensais,
tretanto, não encontramos dados que venham a corroborar
e até mesmo na produção de simples planos de aulas, ao
no sentido de transformar a avaliação numa prática trans-
enfatizarmos que a avaliação será realizada por intermédio
formadora e de inserção social. Na verdade todas as meto-
da observação direta dos conhecimentos adquiridos pelos
dologias encontradas para a avaliação, procuraram analisar
alunos. Em que momento? Quais as características que pre-
os objetivos propostos aos alunos, mas, sobretudo, aqueles
tendemos observar nos alunos? Se o aprendizado é uma
objetivos pré-determinados, pautados em filosofias positi-
mudança de comportamento, quais os comportamentos
vistas que, em momento algum, procuraram fazer da prática
que deveriam ser observados e tidos como parâmetros de
em sala de aula um ato critico e reflexivo dos alunos sobre
aprendizagem?
esta mesma prática.
É inevitável analisar que, se a aprendizagem deriva de
Neste particular, analisaremos apenas aquelas carac-
uma mudança de comportamento, este, por sua vez, tende
terísticas que, direta ou indiretamente, são plenamente
a ser uma característica observável daquele indivíduo que
influenciáveis pelos mecanismos sócio comportamentais
se pretende avaliar. Como avaliar, portanto, algumas carac-
atualmente vigentes. Caso seja este o ideal de cidadão e de
terísticas ou mudanças de comportamentos que não são
sociedade que o professor acredita e almeja, enquanto su-
observáveis no decorrer do processo? Caso nós centremos
jeito mediador e condutor do processo de ensino-aprendi-
nossa atuação na educação física escolar apenas através do
zagem, estaremos realizando aquilo que seria determinado
caráter de repetição de gestos por parte dos alunos, estare-
até mesmo pela própria atuação deste para com os alunos.
mos constantemente observando e avaliando a mera parti-
Contudo, se confiamos numa pedagogia voltada para a cri-
cipação dos indivíduos no processo de ensino e, no mais das
tica sócio cultural e a sistematização dos conteúdos relacio-
vezes, somos obrigados inclusive a atribuir um valor, nota ou
nados à transformação multilateral dos sujeitos envolvidos
medida, aquela participação em sala de aula (quadra, pátio,
no processo, é preciso determinar quais metodologias de
etc). Participação não é nota, nem tampouco atributo para
ensino facilitem o alcance à emancipação destes sujeitos.
avaliação de aprendizado. A participação é obrigação dos
A participação nas aulas e nas atividades propostas pelo
alunos, enquanto entendimento da educação física como
professor deve ter o mesmo objetivo que têm nas demais
componente curricular obrigatório, previsto, inclusive, em
disciplinas do currículo escolar, como no ensino da matemá-
Lei.
tica, das línguas, da geografia e da história. A participação é
Segundo HAYDT (1997), a observação sistemática do
uma condição que se faz necessária para o aprendizado dos
aluno em sala de aula é um elemento indispensável à or-
vários conteúdos propostos pela educação física, talvez mais
ganização dos conceitos e das determinações a respeito
importante até do que para outras disciplinas, por possuí-
da avaliação do processo de ensino-aprendizado. A autora
rem características marcadamente teóricas.
nos mostra que, quando a observação é realizada de for-
Ainda assim, se pretendemos organizar nossas ações
ma sistemática e consciente serve não apenas como critério
em prol de um aprendizado relevante por parte do aluno,
de avaliação para promoção ou classificação do aluno, mas
devemos observar sim, constantemente, periodicamente,
também de feedback para a auto avaliação do professor,
sistematicamente e de maneira organizada. Contudo o que
seja para o alcance dos objetivos, seja para averiguação de
se pretende observar e analisar não é somente a execução
sua metodologia de trabalho.
dos gestos técnicos das danças, dos esportes ou das lutas,
Identifica ainda que, neste particular, a observação sis-
mas o que de fato o aluno produziu em sala de aula, ou seja,
temática e organizada pode servir de instrumento avaliativo
avaliamos não só o praticar, mas o pensar a prática.
para:
Se nossos alunos não produzem em sala de aula, como
• A consecução de alguns objetivos de ensino, como
faremos nosso juízo de valor em relação aos conteúdos
por exemplo os que descrevem a habilidade de exe-
ensinados? Se eles não conseguem organizar-se em gru-
po, como poderemos falar aqui de pressupostos e atitudes
sociais na prática esportiva ou num determinado desporto
4  Fonte e adaptado de: www.educadores.diaadia.pr.gov.br/Carla da coletivo? De fato eles precisam mostrar a si próprios que
Conceição Lettnin

17
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
sabem como e onde jogar... que organizam-se para, e com sociedade. Convencionalismos relacionados, por exemplo,
quê e quem jogar... que, ainda assim, conseguem desenvol- ao esporte como único propósito das atividades esportivas
ver seu potencial criativo dentro do jogo, inclusive utilizan- e principalmente a consideração pela dificuldade de alguns
do suas regras formais, bem como modificando-as quando indivíduos ao realizarem algumas práticas.
necessário. É dessa forma, ao nosso ver, que a avaliação na O conceito de Educação é concebido como uma
educação física tornar-se-á mais clara e objetiva, tanto do construção constante do ser humano, tanto em suas
ponto de vista do professor quanto do aluno.5 atitudes, pensamentos e capacidades, um encontro entre
mente e corpo saudáveis. Educação é muito mais que
ensinar conteúdos e assuntos modernos, mas sim uma
analogia entre ensino e aprendizagem, na qual tanto o
4. CONSTRUINDO COMPETÊNCIAS E aluno como o professor aprendem mutuamente. Como
HABILIDADES EM EDUCAÇÃO FÍSICA retrata Paulo Freire (1996, p. 23) «Quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem
ensina, ensina alguma coisa a alguém». A educação pode
ter distintos conceitos, no entanto um único comum a
O professor busca constantemente em sua práxis, uma todos eles, é o processo de autotransformação continuada
competência ao ministrar suas aulas. No entanto, esta não diz e inacabada.
respeito somente aos saberes necessários para o professor A Educação contempla inúmeros fatores sociais,
“transferir” 2 os conhecimentos aos seus discentes. Mas econômicos e culturais que devem ser reverenciados no
sim inovações, diálogos e trocas de experiências, assim momento de qualquer planejamento dentro de uma escola.
como a procura de conhecimentos pertinentes. Pertinentes Análises sobre o tipo de comunidade existente ao redor
no sentido de que estejam ao alcance dos alunos, que seja da instituição, as necessidades dos alunos, a formação
feita uma interligação entre saberes e necessidades, muitas acadêmica de cada profissional entre outros, devem
vezes esquecidos pela escola. ser fatores supremos. Pensar em educação é pensar em
A Educação Física, normalmente, é pontuada como cidadania, humildade e dedicação de todos em razão de
uma ciência que envolve apenas o desenvolvimento de promover um ensino de qualidade e coeso com os anseios
exercícios físicos e diversos esportes. Entretanto, ela não e direitos dos cidadãos.
é apenas isto, mas sim uma educação voltada para o A sociedade necessita de sujeitos ativos e que estejam
corpo inteiro, um desenvolvimento global que envolve a constantemente em busca de novos conhecimentos e
interligação entre teoria e prática. Alguns autores definem especializações. Sendo assim nada mais imprescindível
Educação Física como:  de que a escola não apenas «modele» os estudantes, mas
“A arte e a ciência do movimento humano que, através sim que os ajude a construir conhecimentos, para podê-
de atividades específicas, auxiliam no desenvolvimento los aplicar em seu cotidiano. A Educação Física tem grande
integral dos seres humanos, renovando-os e transformando- referencia e atitude nesta visão, pois possibilita o trabalho
os no sentido de sua auto-realização e em conformidade do corpo inteiro, a criação de um elo inseparável que
com a própria realização de uma sociedade mais justa e auxiliará no desenvolvimento do aluno.
livre.» (OLIVEIRA 1994, p.75).  Na instituição de ensino, segundo Perrenoud (1999,
Glaser (1981) defende ainda que Educação Física p. 15. a) «faculdade de mobilizar um conjunto de recursos
seja «Um aspecto da educação, por parte de um todo; cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para
portanto tem os mesmos fins da educação, isto é, formar solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações.
o indivíduo físico, espiritual e moralmente sadio”. O Estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições
conceito de Educação Física está amplamente ligado a sociais». O professor atua como ser competente4 e que
própria definição de educação, ou seja, ela nos faz formular deve desempenhar suas práticas de forma a vi atender as
hipóteses, discernir os conhecimentos que coexistem com reais necessidades de seus discentes. Estando sempre em
nossas necessidades, exatamente o que propõe o ensino. continua formação, preocupado constantemente em rever
A constituição do sujeito como um todo está pautado conceitos e seu próprio planejamento das aulas.
também com o desenvolvimento do corpo, uma mente O termo competência não faz referencia somente aos
sadia convoca e carece de um corpo que possibilite a ela, a professores de Educação Física, mas a toda a comunidade
mente, sua emancipação. escolar, que pretende alcançar uma educação promissora.
A Educação Física Escolar trabalha o aspecto cultura A escola, nesta visão de emancipação e de competência, é
corporal de movimento do corpo, auxiliando os estudantes vista e respeitada como uma forma de auxiliar os alunos,
a compreenderem3 e aceitarem-se, tal aceitação referente à afim de que possam ser respeitados em suas opiniões
do próprio corpo, como aos dos demais colegas. A inclusão dentro e fora da escola. Educar não somente para que
das diferentes culturas pode ser aplicada dentro das escolas passem de ano ou que sejam os melhores alunos das
através da Educação Física, para que ocorra um maior classes, mas sim que aprendam para a vida.
respeito e um desapego aos preconceitos estipulados pela O professor de Educação Física é preparado para
exercer uma prática desportiva, pois retém conhecimentos
5  Fonte e adaptado de: www.educacao.es.gov.br / Saulo Fernandes específicos sobre a anatomia, fisiologia e limites do corpo,
Roberta Greenvile podendo assim desempenhar seu trabalho de forma mais

18
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
eficaz com seus objetivos. O respeito às características de Espaços são primordiais para que se compreenda que o
cada aluno é condescendente, pois o excesso físico pode esporte pode fazer parte da vida do discente, porém não é
trazer prejuízos ao invés de benefícios como proferi Kunz a isto que se resumo sua existência.
(2000, p.50):  Conforme Iwanowicz (1985, p. 72), «cuidar do corpo
Formação escolar deficiente, devido á grande em termos da nossa cultura significa tratar da nossa saúde
exigência em acompanhar com êxito a carreira esportiva; e do nosso prazer». O corpo neste aspecto não é visto, de
unilateralização de um desenvolvimento que deveria ser acordo com os destaques das mídias, como estereótipo de
plural; reduzida a participação em atividades, brincadeiras beleza, mas sim como uma possibilidade de harmonizar
e jogos do mundo infantil, indispensável para o saúde e prazer. Assuntos que criam uma dicotomia, como
desenvolvimento da personalidade na infância se não fosse possível manter um corpo saudável de forma
No entanto, encontramos algumas falhas na formação prazerosa.
de alguns professores de Educação Física, pois há uma Hoje há distintas maneiras de preservar á saúde, as
grande desvinculação entre teoria/ prática. A faculdade atividades físicas são variadas e com a orientação de um
trabalha diversos conceitos que ao colocarmos em prática, profissional, a busca de um corpo saudável está  mais
muitas vezes não condizem com a teoria. Por outro lado acessível. O erro ocorre quando as pessoas privilegiam o
os cursos de Educação Física Licenciatura oferecem aos corpo padronizado e desprezam, ignoram suas limitações.
seus graduandos diferentes concepções sobre autores O entendimento de corpo nesta perspectiva equivocada
contemporâneos, permitindo a eles a reflexão e a concepção impulsiona a mente dos adultos, imagina-se o impacto
de uma opinião condizente com suas necessidades para com as crianças. Por este fator, a relevância dos
enquanto sujeito funcional de sua comunidade. alunos em formular suas ideias sobre a Educação Física
Diferenciando-se dos vários tabus lançados pela sociedade que pretendem contemplar durante seu desenvolvimento.
de que Educação Física está somente relacionada a Como explora Iwanowicz: 
esportes e atividades físicas. O desenvolvimento integral É importante descobrir nosso corpo, senti-lo, conhecê-
do aluno depende também de desportos assim como de lo, em seu poder, sua força, através desse corpo conhecido,
conhecimentos intelectuais (OLIVEIRA, 1994). consciente, ter um contato com a realidade, um contato
O profissional de Educação Física deve conhecer as verdadeiro e não neurótico, desfigurado, que nos afaste de
nós mesmos».
fases de desenvolvimento psicomotor e disponibilizar
O professor de Educação Física tem em suas mãos
outras formas de brincadeiras, jogos lúdicos apropriados
bastantes meios de inserir os educandos nos momentos
não somente a idade e a fase que cada criança se
de suas aulas. Conforme Retondar (1995, p. 119) «cabe
encontra, mas também fazer a inicialização do individuo
ao professor de Educação Física interferir com os alunos
ao esporte. A partir disso, o professor é, geralmente, capaz
acerca da importância do espaço do jogo enquanto meio
de oportunizar ao aluno na possibilidade dele vir a ser um
de interação social». Neste sentido é possível promover a
atleta e o interesse de envolver-se com práticas esportivas e
ideia do coletivo, a solidariedade e por fim o lazer, tantas
não mais como antigamente era compreendida a educação
vezes desvirtuado pela sociedade.
física, de forma obrigatória, instrumental e competitiva. Respeitar a produção das fantasias, dos desejos,
Ou seja, a competência do professor de Educação Física é das crenças, dos mitos, símbolos e com eles também a
colocada a prova no cotidiano escolar.  racionalidade, o lugar socialmente incorporado pelos
A formação da imagem corporal já ocorre dentro de um alunos, significa a possibilidade do educador construir
conflito. De um lado, os pais não incentivam o contato com pontes de aproximação que possibilitará a emergência
o meio, limitam esse contato através dos brinquedos e das de um espaço cada vez mais fecundo para a realização da
proibições. Por outro lado, incentivam a nossa curiosidade, ação pedagógica». (RETONDAR, 1995, p. 120)
mas limitam a nossa experiência corporal, querendo que O jogo é uma forma de disponibilizar aos alunos
façamos as coisas do jeito deles». (IWANOWICZ, 1989, p. espaços de criações. É através dele, que se trabalham as
69)  regras, os limites, os conceitos de ganhar e perder. Fatores
A influência dos pais, assim como dos professores, que fazem parte da vida dos jovens, pois na sociedade é
sobre a criança na sua iniciação esportiva é esmagadora. imprescindível saber diferenciar o perder do ganhar; fazer
Inúmeras vezes os alunos estão realizando algum esporte com que as crianças lidem com regras é ao mesmo tempo
por intermédio direto dos responsáveis. Este, de certa forma, prepará-las para o meio extraescolar.
impõe seus desejos e vontades para que a criança os siga. A competência do professor de Educação Física
No entanto acaba apenas por imitar os outros e fugir de si depende de incontáveis fatores, mas com certeza o
mesmo. As normas culturais desde cedo são estipuladas principal entre todos, é o compromisso com a docência.
e dificilmente contrariadas pelos jovens em questão. A ampliação dos conhecimentos é inevitável na procura
Somente com o auxilio de um profissional competente que de um crescimento pessoal, ou seja, construir e reconstruir
tal situação pode ser amenizada ou até mesmo extinta. O suas aulas e permanecer em constante movimento na sua
que se evidência e se precisa, é uma oportunidade, uma formação como educador.
emancipação, para que a criança aprenda a lidar com Metodologias e domínios dos saberes não são
seus próprios fatores psicológicos. Visando sempre sua exclusivamente fatores que estipularão uma aula
necessidade e não os anseios ou pressões dos adultos. enriquecedora, mas sim, uma práxis coerente com as

19
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
necessidades e interesses dos discentes. A competência Escolher e realizar habilidades apropriadas, em
dos professores é testada diariamente, no momento percursos na natureza, de acordo com as características
que ministram suas aulas e são os alunos os principais do terreno e os sinais de orientação, colaborando com
prejudicados ou beneficiados com estas atitudes e os colegas e respeitando as regras de segurança e de
orientações pedagógicas. Tendo isto em vista, cada preservação do ambiente.
educador poderá refletir quais são seus preceitos e funções
dentro de uma comunidade.6 2.º ciclo
Elevar o nível funcional das capacidades condicionais e
Competências específicas coordenativas gerais básicas, particularmente da resistência
As competências específicas na área da Educação geral de longa duração; da força rápida; da velocidade de
Física que se apresentam traduzem os objetivos de cada reação simples e complexa, de execução, de frequência de
um dos ciclos do ensino básico: movimentos e de deslocamento; da flexibilidade; da força
  resistente (esforços localizados) e das destrezas geral e
1.º ciclo direcionada.
 Elevar o nível funcional das capacidades condicionais e Conhecer os processos fundamentais das adaptações
coordenativas da resistência geral, da velocidade de reação morfológicas, funcionais e psicológicas, que lhe permitem
simples e complexa, de execução das ações motoras compreender os diversos fatores da aptidão física.
básicas e de deslocamento, da flexibilidade, do controlo Conhecer e aplicar cuidados higiénicos, bem como
da postura, do equilíbrio dinâmico em situação de voo, de as regras de segurança pessoal e dos companheiros, e de
aceleração e de apoio instável e ou limitado, do controlo preservação dos recursos materiais.
de orientação espacial, do ritmo e da agilidade. Participar ativamente em todas as situações e procurar
Participar com empenho no aperfeiçoamento da sua o êxito pessoal e do grupo:
habilidade nos diferentes tipos de atividades, procurando - Relacionando-se com cordialidade e respeito pelos
realizar as ações adequadas com correção e oportunidade. seus companheiros, quer no papel de parceiros quer no de
 Cooperar com os companheiros nos jogos e exercícios,
adversários;
compreendendo e aplicando as regras combinadas na
- Aceitando o apoio dos companheiros nos esforços
turma, bem como os princípios de cordialidade e respeito
de aperfeiçoamento próprio, bem como as opções do(s)
na relação com os colegas e professor.
outro(s) e as dificuldades reveladas por eles;
 Realizar ações motoras básicas com aparelhos
- Cooperando nas situações de aprendizagem e de
portáteis, segundo uma estrutura rítmica, encadeamento
organização, escolhendo as ações favoráveis ao êxito,
ou combinação de movimentos, conjugando as qualidades
segurança e bom ambiente relacional, na atividade da
da ação própria ao efeito pretendido pela movimentação
turma.
do aparelho.
 Realizar ações motoras básicas de deslocamento,  Analisar e interpretar a realização das atividades físicas
no solo e em aparelhos, segundo uma estrutura rítmica, selecionadas, utilizando os conhecimentos sobre técnica,
encadeamento ou combinação de movimentos, organização e participação, ética desportiva, etc.
coordenando a sua ação para aproveitar as qualidades
motoras possibilitadas pela situação. Praticar atividades lúdicas tradicionais populares de
 Participar em jogos ajustando a sua iniciativa própria acordo com padrões culturais característicos da região e
e as qualidades motoras na prestação às oportunidades cooperar com os companheiros para o alcance do objetivo
oferecidas pela situação de jogo e ao seu objetivo, realizando dos jogos elementares, utilizando com oportunidade as
habilidades básicas e ações técnico-tácticas fundamentais, ações técnico-tácticas características.
com oportunidade e correção de movimentos. Cooperar com os companheiros para o alcance do
Realizar habilidades gímnicas básicas em esquemas objetivo dos Jogos Desportivos Coletivos, desempenhando
ou sequências no solo e em aparelhos, encadeando e com oportunidade e correção as ações solicitadas pelas
ou combinando as acções com fluidez e harmonia de situações de jogo, aplicando a ética do jogo e as suas
movimentos. regras.
Patinar com equilíbrio e segurança, ajustando as Compor e realizar, da Ginástica, as destrezas
suas ações para orientar o seu deslocamento com elementares de solo, aparelhos e mini-trampolim, em
intencionalidade e oportunidade na realização de percursos esquemas individuais e/ou de grupo, aplicando os critérios
variados. de correção técnica e expressão, e apreciando os esquemas
Combinar deslocamentos, movimentos não de acordo com esses critérios.
locomotores e equilíbrios adequados à expressão Patinar com equilíbrio e segurança, ajustando as
de motivos ou temas combinados com os colegas e suas ações para orientar o seu deslocamento com
professor, de acordo com a estrutura rítmica e melodia de intencionalidade e oportunidade na realização de
composições musicais. sequências rítmicas, percursos ou jogos.
Realizar, do Atletismo, saltos, corridas e lançamentos,
6  Fonte: www.efdeportes.com – Por Daiane Borges Rodrigues/ Ruhena Kel- segundo padrões simplificados, e cumprindo corretamente
ber Abrão as exigências elementares técnicas e regulamentares.

20
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
 Realizar, da Luta, as ações de oposição direta   Identificar e interpretar os fenómenos da
solicitadas, utilizando as técnicas fundamentais de controlo industrialização, urbanismo e poluição como fatores
e desequilíbrio, com segurança (própria e do opositor), limitativos da aptidão física das populações e das
aplicando as regras e os princípios éticos. possibilidades de prática das modalidades da cultura física.
  Interpretar sequências de habilidades específicas  Praticar e conhecer jogos tradicionais populares de
elementares da Dança, em coreografias individuais e acordo com os padrões culturais característicos.
ou em grupo, aplicando os critérios de expressividade  Cooperar com os companheiros para o alcance do
considerados, de acordo com os motivos das composições. objetivo dos Jogos Desportivos Coletivos, realizando
 Utilizar as habilidades apropriadas, em percursos de com oportunidade e correção as ações técnico-tácticas
natureza, de acordo com as características do terreno e elementares em todas as funções, conforme a oposição
obstáculos, orientando-se pela interpretação dos sinais da em cada fase do jogo, aplicando as regras não só como
carta e do percurso, apoiando os colegas e respeitando jogador, mas também como árbitro.
as regras de segurança e de preservação da qualidade do  Compor, realizar e analisar, da Ginástica, as destrezas
ambiente. elementares de acrobacia, dos saltos, do solo e dos outros
aparelhos, em esquemas individuais e ou de grupo,
3.º ciclo aplicando os critérios de correção técnica, expressão e
Elevar o nível funcional das capacidades condicionais combinação, e apreciando os esquemas de acordo com
e coordenativas gerais, particularmente, de resistência esses critérios.
geral de longa e média durações; da força resistente; da  Utilizar adequadamente os patins, em combinações
força rápida; da velocidade de reação simples e complexa, de deslocamentos e paragens, com equilíbrio e segurança,
de execução, de deslocamento e de resistência; da realizando as ações técnico-tácticas elementares em jogo e
flexibilidade, das destrezas geral e específica. as ações de composições rítmicas «individuais» e «a pares».
Conhecer e aplicar diversos processos de elevação e  Realizar e analisar, do Atletismo, saltos, lançamentos,
manutenção da condição física de uma forma autónoma corridas e marcha, cumprindo corretamente as exigências
no seu quotidiano. elementares, técnicas e do regulamento, não só como
Conhecer e interpretar fatores de saúde e risco praticante, mas também como juiz.
associados à prática das atividades físicas e aplicar regras  Realizar com oportunidade e correção as ações do
de higiene e de segurança. domínio de oposição em atividade de combate, utilizando
 Participar ativamente em todas as as técnicas elementares de projeção e controlo, com
situações e procurar o êxito pessoal e do grupo: segurança (própria e do opositor) e aplicando as regras,
- Relacionando-se com cordialidade e respeito pelos seus quer como executante quer como árbitro.
companheiros, quer no papel de parceiros quer no de  Realizar com oportunidade e correção as ações técnico-
adversários; tácticas elementares dos jogos de raquetas, garantindo a
- Aceitando o apoio dos companheiros nos esforços iniciativa e ofensividade em participações «individuais» e
de aperfeiçoamento próprio, bem como as opções do(s) «a pares», aplicando as regras, não só como jogador, mas
outro(s) e as dificuldades reveladas por eles; também como árbitro.
- Cooperando nas situações de aprendizagem e de  Apreciar, compor e realizar sequências de elementos
organização, escolhendo as ações favoráveis ao êxito, segurança técnicos elementares da Dança em coreografias individuais
e bom ambiente relacional, na atividade da turma; e ou em grupo, aplicando os critérios de expressividade, de
- Interessando-se e apoiando os esforços dos acordo com os motivos das composições.
companheiros com oportunidade, promovendo a  Realizar percursos de nível elementar, utilizando
entreajuda para favorecer o aperfeiçoamento e satisfação técnicas de orientação, participação, e de preservação da
própria e do(s) outro(s); qualidade do ambiente.
- Apresentando iniciativas e propostas pessoais de  Ser inclusivas pois, nenhum aluno pode ser excluído
desenvolvimento da atividade individual e de grupo, por dificuldades ou aptidão insuficiente, nem por exigências
considerando também as que são apresentadas pelos gerais que deixem de considerar as suas possibilidades;
companheiros com interesse e objetividade; Proporcionar muito tempo de prática de atividade
- Assumindo compromissos e responsabilidades de física com significado e qualidade,  isto é, adequada às
organização e preparação das atividades individuais e necessidades e características dos alunos;
ou de grupo, cumprindo com empenho e brio as tarefas Ser significativas correspondendo às expectativas de
inerentes. aperfeiçoamento pessoal do aluno. Os desafios devem ser
 Analisar e interpretar a realização das atividades físicas colocados acima das suas possibilidades do momento, mas
selecionadas, aplicando os conhecimentos sobre técnica, acessíveis em curto prazo. No seu conjunto, a atividade do
organização e participação, ética desportiva, etc. aluno deve ser de “moderada a intensa” constituindo-se
 Interpretar crítica e corretamente os acontecimentos como carga física que permita a elevação do nível funcional
na esfera da cultura física, compreendendo as atividades das capacidades motoras;
físicas e as condições da sua prática e aperfeiçoamento Ser agradáveis possibilitando que os alunos realizem
como elementos de elevação cultural dos praticantes e da a atividade de que necessitam, mas também a que gostam,
comunidade em geral. conciliando-a com motivações, gostos e interesses;

21
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Ser  variadas,  solicitando diferentes capacidades e ao(s) aluno(s). No entanto, as situações que a seguir se
colocando exigências diversificadas do ponto vista motor enumeram constituem-se como referência fundamental na
e do tipo de esforço; organização do processo ensino-aprendizagem.
Ser realizadas num ambiente pedagógico que O exercício individual é uma situação simples de
promova a cooperação e entreajuda, o  respeito pelos aprendizagem ou aperfeiçoamento de ações técnicas e ou
outros,  o sentido da responsabilidade , a segurança técnico-tácticas das várias matérias dos programas.
e o espírito de iniciativa,  reconhecendo-se que as A sua construção deve considerar, sempre que possível,
atividades específicas da Educação Física se realizam a associação de várias habilidades de forma a aproximá-la
fundamentalmente em grupo (em cooperação/oposição), do contexto da atividade referente. É o caso das situações
apresentando-se como terreno excelente para a Educação de exercício nos Jogos Desportivos Coletivos, em que,
para a Cidadania. por exemplo, a aprendizagem e o aperfeiçoamento
Reconhecendo que a Educação Física se centra na da finalização deve ser associada à recepção, passe
atividade física, embora não se esgote nela, privilegia-se ou progressão (nos jogos de invasão) ou a recepção
a referência às situações de aprendizagem que envolvam associada ao serviço (no voleibol). Mesmo na Ginástica, é
atividade motora. Neste quadro, entende-se como situações fundamental que à aprendizagem de cada habilidade seja
de aprendizagem as oportunidades de prática, organizadas associada outra, de forma a garantir o seu encadeamento e
de forma que todos os alunos tenham o máximo tempo de facilitar a aprendizagem e demonstração de competências
atividade motora significativa e especificamente orientada no contexto da sequência gímnica ou da coreografia.
para o alcance das competências. O exercício individual pode assumir várias formas
Dadas as características próprias da Educação Física organizativas, como é o caso do concurso no voleibol,
e das suas aprendizagens, um conjunto de aspectos dos aspecto uma situação facilitadora da diferenciação do
essenciais têm de ser considerados na elaboração e seleção ensino.
das situações de aprendizagem: Os exercícios em grupo constituem-se como
- A atividade formativa deve ser tão global quanto situações simples de aprendizagem ou aperfeiçoamento
possível e tão analítica quanto necessário.  Entende-se
de ações técnicas e ou técnico-tácticas em várias matérias
por atividade “global” a organização da prática do aluno
dos programas, em que existe o propósito de valorizar
segundo as características da atividade referente ? jogo,
atitudes de cooperação e entreajuda (o 1+1 no badminton,
concurso, percurso, sequência, coreografia, etc.
situações de ensino recíproco na Ginástica, percurso na
Por atividade “analítica” entendemos a exercitação,
natureza ou de orientação), ou quando a natureza das
o aperfeiçoamento de elementos parciais e críticos, das
aprendizagens implica a sua realização em grupo (por
diferentes competências técnicas ou técnico-tácticas,
exemplo a Luta, os “toques” em grupo no voleibol, o 1x1
em situações simplificadas ou fraccionadas da atividade
no basquetebol).
referente; 
-  A constituição dos grupos, face às características As sequências de habilidades e coreografias  são
já referidas dos processos de aprendizagem desta área situações mais complexas em que a aprendizagem só se pode
curricular (os alunos aprendem em interação com os outros, realizar nos contextos de demonstração de competências
existência de competências de realização coletiva, etc.). Esta de algumas matérias (Ginástica, Dança, Patinagem).
é uma questão delicada que o professor não pode deixar Nalguns casos (quando não são predeterminadas pelo
de equacionar de forma a gerir a dinâmica e as relações professor), exigem um trabalho prévio do aluno ou grupo
intraturma, aproveitando ao máximo as suas potencialidades de alunos, de concepção da sequência ou da coreografia.
para a realização dos objetivos estabelecidos. Assim, os Não se trata só da realização de determinadas habilidades,
diferentes modos de agrupamento (grupos heterogéneos mas sim da composição de umas com as outras (da sua
e homogéneos) devem ser considerados processos ligação), o que faz realçar a importância da harmonia e
convenientes em períodos limitados do plano de turma, fluidez de movimentos. É o caso da sequência gímnica
adequados, portanto, às etapas de aprendizagem e aos no solo ou na trave, ou da coreografia na Dança ou na
propósitos pedagógicos do professor; Ginástica Acrobática.
-  A diferenciação de objetivos e ou atividades As  situações de jogo , típicas de aprendizagem dos
formativas para alunos e ou subgrupos distintos é desejável Jogos Desportivos Coletivos ou dos Desportos de Raquetas,
e necessária para corresponder ao princípio metodológico são idênticas às atividades referentes das matérias destas
segundo o qual a atividade formativa proporcionada subáreas. 
aos alunos deve ser tão coletiva (de conjunto, interativa) A escolha, a oportunidade e adequação das ações
quanto possível e tão individualizada (ou diferenciada por técnicas e ou técnicas-tácticas depende da capacidade de
grupos de nível) quanto o necessário. Esta diferenciação é os alunos “lerem o jogo”, cuja aprendizagem implica que
garante também da inclusividade característica das aulas o professor, nestas situações, não comande as ações dos
de Educação Física. alunos, substituindo ou inibindo as suas opções.
As  situações de aprendizagem na Educação A constituição dos grupos assume, aqui, uma
Física  são inúmeras e variadas, originando contextos importância decisiva, de modo a garantir que todos os
de aprendizagem bastante diversificados consoante alunos tenham a possibilidade de protagonismo no jogo,
o tipo de atividade e papéis atribuídos ao professor e necessário para aprender.

22
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Nas situações de jogo simplificado  , procura-se vimento, com seus conteúdos voltados para o desenvol-
retirar alguma complexidade às situações de jogo formal, vimento da lateralidade, coordenação motora, percepção
reduzindo o número de jogadores (3x3 no basquetebol) e e equilíbrio. O método de ensino tinha como parâmetro a
ou reduzindo as dimensões do campo (4x4 no voleibol em realização de tarefas e a descoberta orientada (MOSTON,
campo reduzido). A simplificação do jogo pode também 1978). A concepção de corpo articulava-se a uma compres-
ser conseguida utilizando somente uma fracção do campo são “total” do corpo enfocando as esferas do comporta-
(3x3 em meio campo no basquetebol). mento, ou seja, os aspectos cognitivos, sociais, motores e
Este tipo de situações visa aumentar a participação dos afetivos.
alunos no jogo, ampliando o espaço relativo de cada um e Nas décadas de 1980 e 1990 divulgou-se no Brasil a
a possibilidade de protagonismo no jogo. aprendizagem motora, fundamentada na psicologia de-
As situações de exploração do movimento são típicas senvolvimentista. A aprendizagem motora incorporou a
da Dança, em que os alunos, individualmente ou em grupo, Psicomotricidade e numa tentativa de caracterizar melhor
combinam movimentos locomotores e não locomotores, a área centrou-se no desenvolvimento de habilidades bá-
segundo determinado ritmo (musical ou outro), e em que sicas e específicas. O método estruturava-se na descoberta
o aspecto expressivo tem um relevo fundamental.7 orientada e na solução de problemas e o objetivo referia-
-se à educação do movimento (MOSTON, 1978). O movi-
Interfaces e desdobramentos. mento ocorria no sentido do simples para o complexo, a
Um apontamento que indica as relações e articulações compreensão de corpo articulava-se na psicologia desen-
entre os critérios organizadores do conhecimento da Edu- volvimentista através das taxionomias. Em última instância
cação Física brasileira, no século XX, e desdobramentos pe- a aprendizagem motora enfatiza a iniciação esportiva ge-
dagógicos. neralizada.
Trata-se, portanto, de uma visão panorâmica sobre o No início da década de 1990, o Coletivo de Autores
tema, com vistas a indicar tendências e apontar articula- (1992) divulgou uma proposta de metodologia do ensino
ções que podem ser aprofundadas na vasta literatura da da Educação Física, discutindo a área como componente
área. A novidade do texto está na articulação entre crité- curricular da Educação Básica, cujo conhecimento refe-
rios epistemológicos e estratégias pedagógicas, indicando ria-se à cultura corporal como linguagem expressa por
também a concepção de corpo e movimento em pauta em meio de jogos, danças, esportes, ginástica entre outras
cada tendência. expressões. Essa referência influenciou significativamen-
Na década de 30 do século XX, a Educação Física te o redimensionamento pedagógico da Educação Física
guiou-se pelos critérios de aptidão física. A Educação Física brasileira, notadamente no que diz respeito ao critério de
influenciada pelo Movimento Ginástico Europeu, difundido
organização do conhecimento e seu vínculo com a cultura,
pela ginástica, objetivava, por fim, a eugenia. Assim, a Edu-
desnaturalizando a compreensão de corpo e movimento
cação Física brasileira inseria em seu discurso a promoção
predominantes até então. A partir dessa referência, outras
de saúde e a preparação do indivíduo para o cumprimento
discussões foram realizadas e retomadas nos Parâmetros
dos serviços militares. O conteúdo das aulas pautava-se nos
Curriculares Nacionais (2000).
métodos ginásticos (sueco, alemão e francês) e o método
A Cultura Corporal de Movimento foi proposta, na
fundamentava-se no comando e no ensino por tarefas. A
década de 1990. Os conteúdos referiam-se aos jogos, gi-
concepção de corpo norteava-se pelos pressupostos aná-
tomo-fisiológicos, numa compreensão dualista de corpo, násticas, esportes, lutas, danças e conhecimento do cor-
considerando o movimento como o deslocamento de um po. A cultura de movimento inclui o orgânico, ou seja, a
amontoado de partes do corpo, estritamente mecanicista. natureza do movimento, processos biofisiológicos e seus
Durante as décadas de 1960 e 1970 configurou-se significados, constituições culturais. A compreensão de
como critério organizador do conhecimento da Educação corpo buscava superar o dualismo cartesiano, configurada
Física, o Método Desportivo Generalizado. Esse método na compreensão de corpo a partir do conceito de corpo-
objetivava por fim a esportivização da Educação Física, “in- reidade e da intencionalidade do movimento (KUNZ, 1991;
corporando o esporte e adequando-o a objetivos e práticas NÓBREGA 2009).
pedagógicas” (BRASIL, 2000, p. 22), sendo seu conteúdo Contemporaneamente, constata-se a inserção de di-
voltado para a iniciação esportiva. O método utilizado era versos critérios de organização no conhecimento da Edu-
norteado pelos estilos comando e tarefas. A compreensão cação Física brasileira, como também a manutenção de
de corpo era a mesma difundida pela aptidão física e o mo- critérios como aptidão física, desenvolvimento motor e
vimento norteado pela perspectiva de rendimento esporti- Psicomotricidade, tanto nas escolas, como nos currículos
vo. A ênfase na esportivização dos conteúdos da Educação das instituições superiores, pois o surgimento de uma ten-
Física restringia o movimento e o próprio conhecimento da dência não significa necessariamente o desaparecimento
área aos códigos esportivos. de sua antecessora; bem como não ocorre um processo de
Na década de 1980, a ênfase centrou-se na Psicomotri- cristalização de uma certa tendência, ou seja, o movimento
cidade, no desenvolvimento psicomotor do aluno. O con- é dinâmico, tendo seu fundamento na escrita histórica e
teúdo da Educação Física enfatizava a reabilitação do mo- epistêmica. Observa-se que no campo da Educação Físi-
ca, considerando sua intervenção escolar, há resistências
às mudanças. Debruçar sobre o movimento das tendências
7  Fonte: www.explicatorium.com pedagógicas na Educação Física brasileira nos possibilita

23
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
observar uma diversidade conceitual no conhecimento Média e Tecnológica, afirma que partindo dos princípios
da Área, que por sua vez reflete na prática pedagógica da definidos na LDB, num trabalho conjunto de educadores
Educação Física. Identificar essas diferenças contribui para de todo país, chegou-se a um novo perfil para o currículo,
compreendermos o que carateriza o conhecimento da área apoiado em competências básicas para a inserção de jovens
que ensinamos, bem como seu sentido como componente na vida adulta, buscando dar significado ao conhecimento
curricular em um dado espaço e tempo pedagógico.8 escolar, mediante a contextualização e evitando a
compartimentalização mediante a interdisciplinaridade e
A interdisciplinaridade, de acordo com as DCNs deve incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender.
ir além da mera justaposição de disciplinas, e deve evitar Conquanto as DCNs (1998) do Ensino Médio tenham
ao mesmo tempo a diluição delas em generalidades. Parte- sido bem elaboradas e tenham trazido um detalhamento
se do princípio de que todo conhecimento mantém um poucas vezes observado em documentos legais, elas
diálogo permanente com os outros. Assim, a relação entre não apresentam um aprofundamento ou justificativas
as disciplinas pode ir da simples comunicação de idéias em considerar a Educação Física na área de Linguagens,
até a integração mútua de conceitos, da epistemologia, Códigos e suas Tecnologias, embora afirmem que essa área
da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de busca estabelecer correspondência não apenas entre as
coleta e análise dos dados. formas de comunicação – das quais as artes, as atividades
Nesta perspectiva é importante ressaltar que a físicas e a informática fazem parte inseparável – como
interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que pode evidenciar a importância de todas as linguagens enquanto
ser o objeto de conhecimento, um projeto de investigação, constituintes dos conhecimentos e das identidades dos
um plano de intervenção. Desse modo, como afirma alunos.
as DCNs (1998) a “interdisciplinaridade deve partir da Por outro lado, os PCNs (Brasil/1999) da área da
necessidade sentida pelas escolas, professores e alunos Educação Física no Ensino Médio, deveriam ter traduzido
de explicar, compreender, intervir, mudar, prever, algo que esses princípios para a disciplina. No entanto, optam por
desafia uma disciplina isolada e atrai a atenção de mais de defender uma Educação Física voltada para a formação do
um olhar, talvez vários” (p.89) cidadão ativo. Nas palavras dos autores dos PCNs “...uma
O tratamento contextualizado, por sua vez, é um Educação Física atenta aos problemas do presente não
recurso que a escola tem para retirar o aluno da condição poderá deixar de eleger, como uma das suas orientações
de expectator passivo. Se bem executado no processo centrais, a da educação para a saúde” (p.156).
de ensino, os conteúdos têm mais chances de provocar Os estudos da área não podem ficar a alheios aos
aprendizagens significativas que possam mobilizar o aluno princípios que norteiam o Ensino Médio, lembrando que
e estabelecer uma relação de reciprocidade entre ele e o a LDB/96 reforça a preocupação com a integração da
objeto do conhecimento. Educação Física à proposta pedagógica da escola. O que
Assim, a interdisciplinaridade e a contextualização significa efetivamente considerar a Educação Física na
são recursos complementares para ampliar as inúmeras área de Linguagens, Códigos e suas tecnologias? Quais
possibilidades de interação entre as disciplinas e entre os significados dos princípios da interdisciplinaridade e
as áreas nas quais as disciplinas venham a ser agrupadas contextualização para aEducação Física no Ensino Médio?
(DCNs, 1998). Assim, buscou-se nessa pesquisa/apresentação uma
Também nas DCNs foram descritas às áreas que devem fundamentação teórica que permita compreender as
estar presentes na Base Nacional Comum dos currículos das interfaces da Educação Física na área de linguagens bem
escolas de Ensino Médio, são elas: - Linguagens, Códigos como compreender os desdobramentos dos princípios da
e suas tecnologias, - Ciências da Natureza, Matemática e interdisciplinaridade e da contextualização na organização
suas tecnologias e - Ciências Humanas e suas tecnologias. dos conteúdos e nas orientações didáticas para a Educação
As propostas pedagógicas das escolas estabelecerão: - as Física no Ensino Médio.
proporções de cada área no conjunto do currículo; - os
conteúdos a serem incluídos em cada uma delas, tomando As relações da educação física com outras disciplinas
referências as competências descritas; os conteúdos e O papel da educação física escolar vem passando por
competências a serem incluídos na parte diversificada, os modificações ao longo de sua história, sobretudo, a partir
quais poderão ser relacionados em uma ou mais áreas, da década de 1980, quando se intensificou as influências
reagrupados e organizados de acordo com critérios que das ciências humanas no contexto escolar. Com base em
satisfaçam às necessidades da clientela e da região. Oliveira (2003), se fez necessário, a partir de então, apren-
Em seguida à publicação das DCNs foram lançados der a lidar com a realidade e superar a dimensão motriz
os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio da educação física, extrapolando os conteúdos tradicionais.
no ano de 1999, cujo objetivo é difundir os princípios da Com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
reforma curricular e orientar os professores na busca de nº 9394/96 (BRASIL, 1996), a educação física se integrou
novas abordagens e metodologias. Na apresentação do a grade dos componentes curriculares, passando então,
documento Berger Filho (1999), Secretário de Educação a ser repensada por estudiosos, que buscaram consolidar
suas áreas de concentração e interesse para fortalecer sua
identidade, focalizando e estabelecendo objetivos que se
8  Fonte: www.educacaofisica.com.br relacionem com uma missão comum, que não se findem

24
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
apenas no ensino de técnicas esportivas, mas que assuma ral, além de seu papel auxiliar no campo da saúde pública.
dentro do componente curricular, a responsabilidade pelo Logo, a área que lidava com a aptidão física e o rendimento
trato pedagógico de conteúdos culturais, apoiando-se nos atlético, passou a ser reconhecida como área que aborda
conhecimentos das ciências humanas, sociais e da saúde, os elementos da cultura corporal, defendendo a psicomo-
para intervir em um sentido formativo dos aspectos psico- tricidade, ou seja, a educação “do” movimento ou “pelo”
lógico, social e físico. movimento. Hurtado (1987, p.19) a conceitua como “[...] a
Mediante a lei, vislumbramos entender a concepção da educação dos movimentos ou, objetivando melhor a utili-
educação física escolar, a fim de contribuir com sua estru- zação das capacidades psicofísicas da criança e favorecen-
turação curricular, em especial, a partir de discussões com do seu desenvolvimento”.
as demais áreas de conhecimento participantes do proces- Este marco pode ser considerado, o grande passo da
so educacional, pois direta ou indiretamente, seus conteú- educação física como área acadêmica. Novas concepções
dos podem estar interligados aos conteúdos tratados na começam a efervescer, e muitos profissionais da área ini-
disciplina. ciam a defesa de uma visão crítica do esporte e se apoiam
Buscando entender o processo pelo qual a educação em outras áreas de conhecimento, como a antropologia, a
física escolar vem passando para conquistar seu espaço e sociologia, a psicologia e a história, consolidadas nas ciên-
reconhecimento como componente curricular dentro do cias humanas, demonstrando explicitamente a preocupa-
contexto educacional e, analisando a relação existente en- ção do papel social e político da educação, em busca da
tre os conteúdos propostos por ela e as demais áreas de reconstrução da sociedade.
conhecimento que atuam em uma escola de Maringá, o De acordo com a concepção, Mello (2000), afirma que,
presente estudo teve como objetivo verificar as aproxima- a escola passa a ser vista, então, como meio para se chegar
ções dos conteúdos da educação física com as demais áreas à transformação social, e todas as disciplinas que fazem
do conhecimento, examinando como são sistematizados e parte do currículo escolar devem participar deste processo
estruturados os conteúdos, com base no projeto político de questionamento da sociedade e formação do “homem
pedagógico da instituição, para então, propor possibilida- crítico”, ou seja, tendo por intuito expandir o papel social
des de readequação em busca de ações interdisciplinares. e político e não mais se basear em uma orientação pura-
Procurando atender aos objetivos, o texto encontra-se mente tecnicista.
estruturado em quatro momentos. Inicialmente, apresenta- Diante disso, a educação física e as demais áreas do
mos de forma sucinta a trajetória percorrida pela educação conhecimento, sofreram reformas constitucionais edu-
física, ressaltando suas principais conquistas e obstáculos cacionais, para atender tendências sociais. Um exemplo
no contexto escolar. Em seguida, apresentamos uma es- destas reformas está na lei nº 9394/96 sancionada pelo
trutura curricular e apontamentos acerca da interdiscipli- ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso,
naridade, chegando à proposta de readequação dos con- na qual ficaram estabelecidas as novas Diretrizes e Bases
teúdos em busca de sua concretização e, por fim, trazemos da Educação Nacional (LDBEN), estabelecendo a educação
algumas considerações que entendemos como necessárias física como componente curricular, o que a firmou como
à conclusão das ideias apresentadas. disciplina acadêmica, que deve ser ministrada com a carga
Espera-se que esse trabalho some-se aos referenciais horária determinada na grade e com autonomia, liberdade
teóricos acerca do assunto, contribuindo para a sistemati- e flexibilidade em seus conteúdos.
zação e valorização da educação física escolar e, principal- A educação física com apoio das leis assumiu certa le-
mente, disponibilize uma pesquisa que sirva de referencial gitimidade no contexto escolar, não sendo, de acordo com
para profissionais da área, a fim de instigá-los a rever suas Moreira (2004), definida como atividade curricular, mas
intervenções pedagógicas. como disciplina importante na construção de uma cultura
reflexiva, no qual o físico e a aptidão não é mais requisito
Educação Física e escola: em busca da legitimação básico para acesso aos seus conhecimentos.
Quando pensamos em educação física escolar, nos re- A abordagem da educação física como componente
portamos a aulas livres, relacionadas ao jogar e brincar, e curricular, se fortaleceu no ano de 1998, quando o ministro
não uma disciplina curricular voltada para o pensamento, re- Paulo Renato Souza, sanciona os Parâmetros Curriculares
flexão, avaliação e intervenção de um determinado contexto Nacionais (PCN´s). No entanto, questionamos se a educa-
e situação. Tal definição do senso comum a respeito da área ção física está dentro da escola apenas para cumprimento
foi estabelecida devido ao seu percurso histórico, no entan- das leis ou por realmente ser entendida como disciplina
to, a partir de sua legalização como componente curricular que trabalha conteúdos imprescindíveis para os educan-
em 1996, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação dos? Como romper este paradigma (imaginário social) e
Nacional (LDBEN) nº 9394/96, os estudos na área se inten- construir um novo, com base em uma formação para a
sificaram, em busca de uma prática que não tivesse mais o vida, com consistência teórica e que proporcione aos fre-
fim em si mesma, e no ensino da técnica desportiva, mas que quentadores do sistema educacional “autonomia” sobre o
se voltasse para os conhecimentos corporais culturais e se conhecimento da educação física para suas vidas?
apoiasse em fundamentações, além das ciências da saúde. Para responder tais questionamentos, cabe aos profis-
A conjuntura deixou uma porta entreaberta para os sionais da área analisar sua prática docente e verificar se
profissionais da área, que começaram a se perguntar qual o suas aulas abrangem algumas das possibilidades encontra-
papel da educação física no contexto sociopolítico e cultu- das dentro dos conteúdos da educação física escolar, já que

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
se aponta, de acordo com Oliveira (1994) que o despreparo minações e de relações numerosas –, pela mediação da
dos professores, a falta de interesse em estimular novas análise – as abstrações e determinações mais simples. Essa
abordagens metodológicas e a desarticulação dos conteú- metodologia permite um processo de transmissão- assimi-
dos da área com as demais disciplinas, como um dos pos- lação do conhecimento.
síveis responsáveis pela descaracterização da disciplina de Nota-se que o currículo da escola, conjunto de ativi-
Educação Física. Sendo assim, o tópico subsequente busca dades nucleares desenvolvidas (Saviani 1997, p.20), busca
apresentar uma possibilidade de trabalho interdisciplinar, desenvolver uma reflexão pedagógica de questões sociais,
interligando os conteúdos das diferentes áreas em busca como solidariedade e individualismo, cooperação e dis-
de movimento dinâmicos entre o conhecimento empírico puta, entre outras, enfatizando a liberdade de expressão
(visão caótica do todo) e o conhecimento científico (pro- e a emancipação. “A essência da ação norteada por esse
porcionado pelo ambiente escolar). método pressupõe considerar os conhecimentos reais dos
educandos, sua prática vivida, seu cotidiano que precisa
Estrutura curricular e interdisciplinaridade: possí- ser teorizado, fundamentado, instrumentalizado para que
veis aproximações esse desenvolva uma consciência mais concreta da realida-
Para que pudéssemos alcançar os objetivos preten- de vivida.” (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E PLANO DE
didos a presente pesquisa, fez-se necessário levantar os AÇÃO DO COLÉGIO PESQUISADO, p.25. 2007-2008)
conteúdos propostos por todas as áreas de conhecimento Ressaltamos que, estes currículos têm passado por mo-
atuantes em um Colégio da Cidade de Maringá por meio dificações em sua forma de avaliação e gestão educacio-
do método de estratégia descritiva documental, analisando nal, objetivando maior qualidade na educação, bem como
os conteúdos abordados neste nível de ensino. atender às Diretrizes do Banco Mundial, que direcionam as
Segundo Barros e Lehfeld (1986), esta ferramenta de pes- formas educativas nos países de terceiro mundo, manten-
quisa permite ao pesquisador observar, registrar, analisar e do um contexto da reforma do Estado e da educação. Estas
correlacionar fatos ou fenômenos variáveis sem manipulá-los. diretrizes buscam adequar o conjunto das políticas educa-
Guba e Lincoln (1981) ressaltam que este tipo de pesquisa cionais num plano ampliado, envolvendo o Estado como
apresenta uma série de vantagem, devido ao uso de docu- um todo nos processos educacionais, frente aos desígnios
mentos na pesquisa ou na avaliação educacional, devido ao do processo de acumulação mundial de capital. Essas alte-
fato dos documentos serem fontes estáveis e ricas em infor- rações levaram algumas áreas a questionar sua identidade,
mações, garantindo estabilidade aos resultados obtidos. e a educação física, em especial, ao se fazer parte integran-
Triviños (1987) destaca também que este tipo de pes- te do currículo escolar, tem demonstrado dificuldades em
quisa, visa descrever um processo de uma organização, o apresentar uma proposta de seus conteúdos.
nível de atendimento de entidades, dispondo-se a desco- Em busca de uma educação com qualidade, uma pos-
brir a existência de associações entre variáveis. sível alternativa seria desenvolver um projeto interdiscipli-
Ao analisarmos o projeto político pedagógico do colé- nar, no sentido de facilitar o entendimento dos temas dos
gio em questão, percebemos que está embasado na meto- diferentes componentes curriculares e, consequentemente,
dologia histórico - critico, proposta Saviani (1997) e sistema- perceber por meio do pensar e do agir coletivo, nova ma-
tizada por Gasparin (2002), que tem sua prática pedagógica neira de vivenciar a escola.
apoiada na reflexão crítica, colocando o aluno como ser so- Mas o que seria interdisciplinaridade? Com base em As-
cial e, partindo de uma teoria dialética do conhecimento, ou sumpção (2001), este termo se compõe de um prefixo “inter”,
seja, partindo de uma prática social, questionando-a e ana- que significa posição ou ação intermediária e de um sufixo
lisando-a dentro de uma ação cotidiana, tornando guia na “idade”, que quando atribuído a um adjetivo pode dar senti-
construção de um conhecimento teórico, a partir da prática do de ação ou resultado de uma ação. Ambos se justapõem
social, do questionamento e análise da ação. ao substantivo “disciplina”, que pode ser caracterizado como
Assim, a pedagogia histórico-crítico prima por uma ordem que convêm ao funcionamento de uma organização,
tendência que revisitasse o papel da escola, de modo a logo interdisciplinaridade nomeia o encontro de um ser, em
transformá-la numa escola contextualizada com a realida- certo fazer, a partir de uma direcionalidade.
de local, atingindo assim as camadas populares. Para Japiassu (1976, p.32), por meio da interdisciplinarida-
O projeto político pedagógico estruturado pela escola de, se permite incorporar os resultados de várias disciplinas,
salienta que a “[...] formação educacional se fundamenta tomando-lhes de empréstimo esquemas conceituais de aná-
em pressupostos histórico-filosóficos, pautada no desen- lise, a fim de fazê-lo integrar, após tê-lo comparado e julgado.
volvimento humano e social, e deve ter como alvo princi- Na educação física, esta relação, de acordo com Freire
pal a formação inicial organizada curricularmente de forma (1989) se dá na identificação de pontos comuns do conhe-
que os conteúdos garantam uma sólida formação históri- cimento e na interdependência do corpo com a mente, já
ca e filosófica, incorporando a práxis em todas as áreas”. que ambos necessitam ser trabalhados de forma holísti-
(PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E PLANO DE AÇÃO DO ca. Bordoni (2004) enfatiza que a interdisciplinaridade não
COLÉGIO PESQUISADO, p.25. 2007-2008) propõe a eliminação de disciplinas, mas sim o estabeleci-
Para se atingir esta formação, busca-se desenvolver mento de associações entre as mesmas, tendo como pon-
uma metodologia dialética que, segundo Saviani (1999), to de convergência um trabalho cooperativo e reflexivo,
está pautada no movimento que vai da síncrese – visão possibilitando a construção de um conhecimento coletivo
caótica do todo à síntese – uma rica totalidade de deter- e privilegiado.

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
De acordo com Tapia e Fita (2003), essa construção coletiva de conhecimento permite aproximar das questões aca-
dêmicas, as expectativas e características dos alunos, garantindo envolvimento e motivação para a aprendizagem com
propriedade.9
Não se deve relacionar Educação Física como a matéria que auxilia as outras, mas com a aquisição de novos conheci-
mentos cognitivos, emotivos e sociais, os dois últimos destacam-se, respectivamente, pela possibilidade de oferecer espa-
ços de liberdade para expressões da subjetividade e pela constante interação e sociabilidade entre os alunos das referidas
aulas.
Com isso, ressaltamos a importância da busca de alternativas para a interdisciplinaridade na Educação Física, e a ne-
cessidade de reestruturação do conceito desse termo nas escolas, a fim de promover o desenvolvimento cultural do aluno.
O quadro a seguir foi elaborado pela equipe do Ministério de Educação e Ciência da Espanha (s/d, p. 95) e serve para
exemplificar uma destas tentativas, ressaltando que os autores desta proposta afirmam que, em algumas vezes, a Educação
Física solicita conteúdos de outras áreas para integrá-los e dar significado às tarefas propostas e, em outras vezes, são os
conteúdos da Educação Física que servirão de suporte para outras áreas.

9  Fonte: www.efdeportes.com / Texto adaptado de Ana Luíza Barbosa Anversa/Fabiane Castilho Teixeira/Amauri Aparecido Bás-
soli de Oliveira/Cíntia Csucsuly

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Como podemos observar, a interdisciplinaridade tem Para Pereira (1998), a avaliação não deve ter a intenção
muito a agregar para potencializar a eficácia no processo de expor os alunos a situações de constrangimento e nela
de ensino-aprendizagem, portanto, é urgente que o deve-se tomar cuidado para que não acabe por afastar os
professor de Educação Física nas escolas veja-se como alunos da prática das atividades propostas.
um educador que, resguardadas as especificidades de seu Já para Freire (1994), a história da educação física está
componente curricular, compõe um corpo docente, cuja ligada à história das medições. Qualquer que seja o instru-
função é concorrer para que sejam atingidos objetivos mento adotado para a avaliação, este apresenta inúmeras
educacionais. 10 limitações.
Se for um instrumento quantitativo, logo se poderá
perceber que a atividade humana é imensurável e que só
poderá fornecer alguns dados que ajudem numa avaliação
também qualitativa. Se for um instrumento qualitativo, fal-
5. AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA tar-lhe-á a objetividade, o que exigirá, de quem o aplicar,
um conhecimento mais amplo do sujeito avaliado. (FREIRE,
1994, p.202).
Josuá (apud FARIA JR., 1986) considera indispensável
CONCEPÇÕES DE AVALIAÇÃO E REGISTRO o uso da medida para avaliar o desempenho de atividades
DO DESEMPENHO DO ALUNO E SUA físicas, e Hurtado (1988, p.228) pensa de forma diferente:
ESPECIFICIDADE NA EDUCAÇÃO FÍSICA. “medida implica quantificação; avaliação interpreta os da-
dos fornecidos pela medida e envolve julgamento de valor”.
A Educação Física de tendência tecnicista sempre pri-
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Edu-
vilegiou os jogos envolvendo competências e habilidades;
cação Física (p.76-77), a avaliação parte dos critérios de ser
mesmo os mais deficitários e menos habilidosos eram “obri-
o aluno capaz de:
gados” a participar dos jogos; todos eram avaliados dentro
de critérios que visavam performance e rendimento. • Enfrentar desafios colocados em situações de jogos
Atualmente, almeja-se que as aulas de Educação Física e competições, respeitando as regras e adotando
tenham o intuito de oportunizar o aluno a vivenciar as habi- uma postura cooperativa.
lidades físicas por meio de conhecimentos que enfatizam o • Estabelecer algumas relações entre a prática de ati-
corpo, esportes, lutas, danças e ginástica, os quais poderão vidades corporais e a melhora da saúde individual e
enriquecer o vocabulário motor do aluno. Dever-se-ão abor- coletiva.
dar nas aulas temas transversais que tratem da ética, saúde, • Valorizar e apreciar diversas manifestações da cul-
meio ambiente e pluralidade cultural, os quais, possivelmen- tura corporal, identificando suas possibilidades de
te, contribuirão para o seu aprimoramento intelectual e para lazer e aprendizagem.
sua formação como cidadão.
Sendo assim, partimos do pressuposto que o professor O que se pressupõe que aconteça é que nem sempre
deverá ser criativo, para conseguir agradar a todos e fazer os profissionais consultem os Parâmetros Curriculares Na-
com que todos participem da aula. Por essa razão, temos cionais.
que refletir sobre como avaliar estes diferentes sujeitos, com Negrini (apud FARIA JR., 1986) enfoca a importância dos
diferentes histórias, diferentes habilidades e potencialida- testes de conhecimento em Educação Física. Para ele, os tes-
des. Se não nos ativermos aos pequenos fatos corremos o tes específicos no domínio cognitivo são tão importantes
risco de cometer injustiças. quanto os testes práticos de habilidades motoras. Faria Jr.
Enfocamos alguns pensamentos sobre a avaliação em (1986) afirma que a avaliação do domínio cognitivo é pou-
Educação Física. co enfatizada. Autores como Singer e Dick (1980), Mathews
Para Carvalho et al. (2000, p.195), “a avaliação no âmbi- (1980), Matsudo (1982), Barbanti (1983), em suas obras não
to da educação física deve ser analisada de maneira ampla, evidenciam a avaliação no aspecto cognitivo, e, se tecem al-
contextualizada e inserida no projeto político-pedagógico gum comentário, este é irrisório, se comparado ao que fa-
da escola e não restrita a métodos, procedimentos técnicos zem quando se trata da avaliação onde predominam os tes-
e aplicação de testes físicos”. tes de aptidão física, já que essa é a real preocupação desses
Quando o ato de avaliar está vinculado ao projeto pe- autores, sem enfoque para a avaliação em Educação Física.
dagógico da escola é possível um diagnóstico das capaci- No que diz respeito à avaliação do domínio afetivo,
dades dos alunos, o que enriquece e motiva o trabalho do Cunha (apud FARIA JR. 1986) tece alguns comentários sobre
professor. este complexo processo, ressaltando a importância de um
ensino de qualidade; porém, questiona como associar esta
qualidade sem esquecer que cada indivíduo tem sua própria
história, o seu lado afetivo/emocional, e faz algumas coloca-
ções que julga necessárias para o entrosamento destas duas
10  Fonte e texto adaptado: www.nepecc.faefi.ufu.br/ www.
rc.unesp.br/Mozart da Silva Gonçalves Almeida/ Priscilla Renata vertentes, qualidade e afetividade, as quais são:
Ferreira/ Fernanda Finotti de Moraes/ Natalia Justino Batista/ 1. Definir com clareza os objetivos;
Alene Sylvia Teixeira Balmaceda/Sheila A. P. S. Silva
2. Conhecer as características dos alunos;

28
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
3. Instrumentalizar adequadamente os professores. 1,20 metros no salto em altura. Neste caso está se quantifi-
cando o desempenho psicomotor, que, provavelmente, será
A avaliação aplicada ao domínio afetivo é um processo
comparado com o dos demais alunos (p.3) .
muito complexo, não trata de conteúdos específicos, não se
Nem sempre os julgamentos realizados por um profes-
fixa por meio de programas “Os sentimentos, os valores, e
sor condizem com os de outro; então, a diferença está na
as sensibilidades devem ser descobertos, mais do que ensi-
apreciação pessoal, pois a avaliação é tomada de decisão e,
nados. É com o exemplo e com o testemunho que se ensina
na maioria das vezes, lança mão das medidas.
na área afetiva. Muito mais do que com palavras” (CUNHA
Faz-se importante ressaltar que não se pretende prio-
apud FARIA JR., 1986, p. 73).
rizar aspectos quantitativos em detrimento da qualidade
Não existe separação entre as áreas afetiva, cognitiva
técnica, seja ela a cientificamente recomendada ou a desen-
e psicomotora. No decorrer da aprendizagem as áreas se
volvida pelo próprio sujeito. Em absoluto, o que se deseja é
fundem, estão direta ou indiretamente ligadas; o processo
mostrar, que muitas vezes principalmente no domínio psico-
ocorre simultaneamente, evidenciando atitudes e valores
motor, é a medida que torna mais significativa a aprendiza-
dos envolvidos.
gem. (JOSUA, 1982 apud FARIA JR., 1986, p. 9)
Para se definir um sistema de avaliação na área afetiva
Para Josuá (apud FARIÁ JR. 1986), é a medida que faz
é preciso definir que valores permeiam a prática da Educa-
com que o aluno tenha um “interesse” particular na realiza-
ção Física e deixar de lado a passividade “Está na hora de
ção da avaliação, ou seja, o aluno é estimulado por meio das
rompermos com a educação da obediência e da passividade
notas e, por sua vez, elas darão “um sentido psicológico à
para que nosso exemplo seja o maior instrumento positivo
aprendizagem”, não tendo a avaliação a intenção de deses-
no ensino de comportamentos e atitudes da área afetiva”
timular ou criar ansiedade nos alunos, nem de ser utilizada
(CUNHA apud FARIA JR., 1986, p. 77).
de maneira a discriminar. Deverá ter em seu cerne a essência
A dialetização desses conceitos é importante para o
do processo ensino/aprendizagem, que leva em considera-
campo da avaliação do aspecto cognitivo, se levarmos em
ção o potencial, as possibilidades e as diferenças que cada
consideração que a escola é um lugar de transformação, e,
sujeito apresenta; que seja oferecido a cada aluno o direito
para que ocorram as transformações, é necessário estimular
de crescer e se desenvolver.
a criatividade do aluno e oportunizar a liberdade de expres-
Para Faria Jr. (1986), é importante a inclusão de objetivos
são.
cognitivos na avaliação em Educação Física, pois ela nos leva
Os aspectos cognitivos e afetivos devem fazer parte de
a refletir sobre a interdisciplinaridade, ou seja, a Educação
uma avaliação que visualize o aluno na sua íntegra, porém,
Física e suas relações com as demais disciplinas; só depois
se faz necessário lembrar que estes dois aspectos, apesar de
dessa reflexão se poderão criar instrumentos fidedignos
serem motivo de discussão de longa data, estão no início de
para a avaliação.
uma longa caminhada.
Assim, todo cuidado é pouco, para não transformar a
A avaliação que predomina nos meios escolares é a de
Educação Física numa disciplina teórica e uma aula de Edu-
domínio psicomotor; a aptidão física é sempre priorizada
cação Física numa aula de teste.
nas avaliações realizadas em Educação Física, e tal prioriza-
Faria Jr. (1986) ressalta que encontrou dificuldades em
ção se deve ao destaque dado, na graduação, às disciplinas
suas pesquisas, referentes às informações de como os pro-
práticas e à praticidade de sua realização.
fessores de Educação Física no Brasil avaliam o domínio cog-
Josuá (apud FARIA JR., 1986) questiona se existe uma
nitivo.
forma de atribuir valores nas áreas social e afetiva. Segundo
Para Freire (1994), a Educação Física tem várias vertentes
ele, não existe uma fórmula segura e justa de dar nota ou
difusas, que fazem parte do processo de aprendizagem do
conceito pela participação do aluno em aula, pelo interesse,
movimento, força, resistência, agilidade, equilíbrio, afetivida-
colaboração, agressividade, solidariedade e persistência de-
de, sociabilidade, ritmo e outros. O problema se concentra
monstrados pelos alunos nas aulas. Em suas afirmações cita
no fato de que, nas escolas, cada professor tem sua atenção
a importância de dois paradigmas de avaliação (p.1):
centralizada no que condiz com sua área. Se, na Educação
• Paradigma agrobotânico que evidencia a importân- Física, utilizarmos o mesmo esquema, vamos nos ater so-
cia das medidas. mente ao aspecto motor. Segundo Freire (1994), cada setor
• Paradigma sócio antropológico onde os aspectos do conhecimento cuida de sua parte específica, se descui-
qualitativos sobrepõem os aspectos quantitativos, dando da criança como um todo.
tem como suporte a antropologia social, a psicanáli- Freire (1994, p.197), propõem um teste sociométrico;
se e as observações de campo. “[...] é uma medida do comportamento social. É uma técnica
de pesquisa utilizada para dar um quadro mais objetivo do
Para o autor, há espaço na avaliação para os dois siste-
relacionamento de um grupo”. Por meio da pesquisa se ob-
mas ele não descarta a importância das medidas, e completa
têm informações sobre o relacionamento em grupo, ou seja,
que as medidas são significativas para aprendizagem, po-
os aspectos sociais dos alunos em questão.
rém, tal medida tem que ter o aspecto estimulativo, ser uma
Na opinião de Freire (1994), não é de grande valia so-
ponte que, supostamente, ligará o interesse ao objetivo a
mente obter esses dados sobre o aspecto social do aluno; a
ser atingido. Cita a diferença entre medir e avaliar, utilizando
questão está em saber utilizá-los, pois as relações sociais das
como exemplo atribuir valor à execução de cestas em que
crianças só podem ser avaliadas se levamos em considera-
um aluno, de 10 cestas, converte 7, ou do aluno que pulou
ção os aspectos qualitativos de uma relação.

29
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Para subsidiar o referencial teórico sobre avaliação em Como já citado anteriormente por alguns autores, exis-
Educação Física e para um melhor entendimento desta pro- te também, por parte do autor (p. 220), uma preocupação
blemática enfrentada pelos profissionais da área, busca- com referência ao papel da escola na vida do aluno, ao afir-
mos mais contribuições no coletivo de autores organizado mar que “A escola não está atualmente interessada no que
por Maria Helena Costa Carvalho (2000), que, por meio de o aluno sabe, mas naquilo que faz com que sabe.”. Então, é
um projeto interdisciplinar intitulado “Avaliar com os pés preciso refletir sobre o processo ensino-aprendizagem, para
no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no que haja coerência entre aquilo que se aprende e aquilo que
ensino fundamental”, realizado em parceria com a Univer- será utilizado no seu dia-a-dia, e dentro deste esquema en-
sidade Federal de Pernambuco, ressalta alguns problemas contra-se a avaliação, que deverá, possivelmente, abranger
enfrentados pelos profissionais desta área com a questão os processos cognitivos, afetivos e psicomotores.
“Objetivo-avaliação” na Educação Física. Sendo assim, a avaliação deixa de ser seletiva e passa a
Para Carvalho et al. (2000, p. 30), “[...] a Educação Física ser orientadora, visando cooperar com o aluno, e não dis-
busca assumir, no currículo escolar, a característica de uma criminá-lo.
disciplina de conteúdo” este conteúdo ser significativo para Para o autor, se o que se deseja é avaliar o aluno como
o aluno vai depender de como ele será tratado em aula. um todo, em sua globalidade, no seu desenvolvimento cog-
O descaso com a estruturação de um planejamento com nitivo, afetivo e psicomotor, o professor deverá se utilizar de
conteúdos significativos acaba por dar às aulas de Educação diferentes técnicas e diferentes instrumentos, sendo a téc-
Física um caráter de “mera atividade”. nica o método pelo qual se têm as informações, e o instru-
Os problemas enfrentados, na maioria das vezes, pelos mento o recurso que será usado para cada técnica.
profissionais da área, são devidos à questão de como es- Segundo Hurtado (1988, p. 235), existem três técnicas
truturar e organizar de acordo com as séries o conteúdo a para se obterem essas informações:
ser transmitido, respeitando-se as competências cognitivas, • Observação.
sem ser repetitivo. • Inquirição.
Assim como Faria Jr. e outros autores, Carvalho et al. • Testagem.
(2000) ressaltam a importância da interdisciplinaridade, no
caso de a Educação Física não estar inserida no projeto pe- A observação ocorre quando o professor consegue ou-
vir, prestar atenção nas habilidades cognitivas, afetivas e psi-
dagógico da escola, pois esta “...não se sustenta enquanto
comotoras dos alunos e registrar estas observações em ficha
prática pedagógica escolar”.
de controle e escala de classificação.
A interdisciplinaridade como princípio e como movi-
A inquirição é a interrogação, ou seja, a busca da opinião
mento articulador, unificador de diferentes áreas do conhe-
do aluno sobre determinados assuntos. Essa inquirição po-
cimento, possibilita uma análise mais ampla dos problemas
derá ajudar, e muito, a obter informações dos alunos sobre o
da escola e mais verticalizada, pois é enriquecida por dife-
domínio afetivo. Hurtado (1988) sugere três instrumentos de
rentes campos da ciência. (CARVALHO et al., 2000, p.231)
inquirição, que são: questionário, entrevista e sociograma.
Cabe ressaltar a importância do trabalho coletivo no
Já a testagem, segundo o autor (p. 242), “[...] constitui a
planejamento, já que o coletivo privilegia a integração en- técnica de avaliação que produz resultados mais eficientes,
tre todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, utilizando como instrumento de inquirição os diferentes ti-
independentemente do componente curricular que se mi- pos de testes”. E os testes mais utilizados são aqueles que se
nistre. referem ao domínio cognitivo. Assim, para o autor, a avalia-
Ainda segundo Carvalho et al. (2000, p.212), o professor ção em Educação Física poderá ocorrer:
deve ter: clareza dos objetivos em cada ciclo aula, unidade,
semestre, dos momentos avaliativos formais, das rotinas • no decorrer das aulas, mediante observações.
avaliativas, onde podem ser utilizados recursos coerentes • periodicamente, através de provas escritas, do tipo
que ampliem a capacidade de observação [...] e atenção a dissertativo, sobre um tema ou por meio de testes
auto crítica para os momentos avaliativos informais. objetivos.
Esses recursos avaliativos podem ser adquiridos por Destarte, avaliar em Educação Física deve ser uma tro-
meio de fichas dos alunos, produções por eles elaboradas, ca, onde professor e aluno se modificam, na perspectiva de
filmagens, fotos de eventos, relatos escritos e verbais, entre construção de conhecimento; ambos crescem e interagem.
outros. Para entender os valores subjacentes à avaliação é pre-
Hurtado (1988) também contribui nos estudos da ava- ciso entendê-la como processo de mudança, de melhora, e,
liação em Educação Física. Faz uma analogia entre medir e principalmente, de aproximação entre educador e educan-
avaliar: do.
Quando usamos uma fita métrica e dizemos que uma A avaliação em Educação Física não deve ter a intenção
mesa tem dois metros de comprimento por um metro de lar- de punir, em consequência de determinados comportamen-
gura, estamos realizando uma medida, se dissermos que tal tos e de caracterizar feições autoritárias, ou mesmo como
mesa é muito grande para entrar por determinada porta, es- forma de se obter uma harmonia muitas vezes almejada e
não atingida através de meios convincentes.
tamos avaliando (p.228).
A avaliação precisa ser discutida numa concepção de
totalidade, pois o trabalho pedagógico que se efetiva numa

30
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
dada instituição escolar sofre determinações sociais que ul- • medir e quantificar;
trapassam os muros da escola e, o professor, que contribui • cumprir uma exigência burocrática.
com a sua realização, é um sujeito social que faz parte de
uma teia de relações – ao mesmo tempo determina e é de- As primeiras mudanças a partir da década de 1980-1990
terminado (CARVALHO et al., 2000, p. 222).
Segundo Carvalho et al. (2000, p. 197), “o novo papel da As pesquisas realizadas na área da Educação Física esco-
educação física escolar é de materializar o eixo curricular da lar indicam que, atualmente, a perspectiva tradicional, aque-
escola, juntamente com os demais componentes do currícu- la que prioriza o produto, a quantificação e a avaliação por
lo, eixo este que é ampliar a reflexão crítica do aluno”. meio de testes vem sendo substituída por uma visão mais
O fenômeno avaliação em Educação Física deve abran- processual, abrangente e qualitativa (DARIDO, 1999).
ger a utilização de novos paradigmas, e estes não devem ser Os resultados mostraram também que, em depoimen-
fundamentados na quantificação de habilidades desenvolvi- tos aos pesquisadores, muitos professores reconhecem que,
das, na performance ou na estética de seus praticantes, mas em sua formação, não obtiveram conhecimentos consisten-
em como estes corpos “dicotomizados” como cognitivos e tes a respeito de como encaminhar a avaliação na prática
motores recebem e percebem a real importância desta dis- pedagógica, ou seja, não tiveram infor­mações apropriadas
ciplina no seu dia a dia.11 sobre como encaminhar a avaliação de forma não tradicio-
Como era realizada a avaliação em Educação Física na nal/esportivis­ta. Além disso, as experiências anteriores dos
perspectiva tradicional/ esportivista de ensino? professores de Educação Física que ensinam esportes, trazi-
Na perspectiva tradicional ou esportivista, aquela que das de quando eram alunos do Ensino Fundamental e Médio
era muito presente no país, a partir da década de 1970, pre- – também funda­mentais para a prática pedagógica –, não os
dominavam preocupações avaliativas em Educação e em têm auxiliado adequadamente a refletir sobre a avaliação da
Educação Física que enfatizavam a medição, o desempenho aprendizagem.
das capacidades físicas, as habilidades motoras e, em alguns Ao contrário do que ocorria em décadas passadas, para
casos, o uso das medidas antropométricas. Na escola, o alu- atribuir notas, muitos profes­sores de Educação Física têm
no era avaliado por testes físicos ou pelo seu desempenho preferido utilizar critérios mais relacionados à participação,
nos esportes. ao interesse e à frequência do que, exclusivamente, aos
A avaliação dos professores de Educação Física se de- resultados do desempenho dos alu­nos em testes físicos e
tinha apenas no re­sultado final, no desempenho do aluno habilidades motoras. Desse modo, muitos professores atual-
em relação ao esporte, ou seja, se o aluno(a) dominava os mente não atribuem nota ou avaliam os seus alunos pelo
fundamentos e as táticas do jogo, independentemente do seu desempenho no jogo, mas sim por meio da observação
que sabia no início. da sua motivação e de seu interesse nas aulas. Considera-
A atribuição da nota e mesmo a avaliação que o profes- mos que essa é uma mudança positiva, porém insuficiente
sor realizava da apren­dizagem dos alunos não era informa- para ajudar o aluno a aprender Educação Física e incorporá-
da aos mesmos, os professores não ex­plicavam aos alunos -la na sua vida.
os objetivos dos testes e tampouco havia vinculação entre Os estudos indicam também que poucos professores in-
estes e o programa desenvolvido ao longo do ano. Todavia, formam os alunos sobre os cri­térios que utilizam para avaliar
todos os estudantes eram submetidos aos testes e muitos e atribuir notas, e conceitos, ou seja, os maiores interessa-
ao sentimento de incompe­tência, e de vergonha. Alguns dos não conhecem como serão avaliados e, em muitos ca-
nem participavam das atividades das aulas, mas precisavam sos, nem entendem porque receberam esta ou aquela nota.
ter uma nota. Parece faltar ao professor iniciativa para tratar a avaliação
A nota era resultado exclusivo do desempenho do aluno como um processo que interessa a todos.
na prática esportiva, ou seja, se o aluno tinha um bom de- Outro item, obtido em nosso levantamento sobre ava-
sempenho, sua nota era máxima, não im­portando o seu ní- liação, que merece destaque é a pouca diversificação de
vel inicial, nem o seu conhecimento sobre questões concei­ instrumentos avaliativos. Em outras palavras, para conduzir
tuais do esporte, ou o desenvolvimento de suas atitudes e o pro­cesso de avaliação, os professores utilizam exclusiva-
valores nas aulas. mente, ou quase, os aspectos relaciona­dos à dimensão ati-
Como se vê, a perspectiva tradicional de avaliação co- tudinal, por meio da observação da participação dos alunos
meteu uma série de equívocos ao considerar que avaliar é: nas práticas. Não se pode negar que este é um avanço em
relação aos testes físicos descontextualizados, mas, conside-
• aplicar testes em prazos determinados; rando as outras dimensões dos conteúdos, é pouco. Apenas
• restrito ao domínio motor; avaliando a partici­pação pela observação, deixamos de sa-
• uma atividade que se realiza somente no final de um ber, por exemplo, o que o aluno entende sobre a pers­pectiva
prazo; histórica das práticas corporais, suas transformações ao lon-
• atribuir uma nota ou um conceito; go da história, a diferen­ça da prática do esporte entre os
• punir; diferentes países, quais capacidades físicas envolvidas nas
• mais importante do que ensinar; práticas corporais etc. Portanto, precisamos ir além de ava-
liar a participação e a motivação dos alunos, embora esse
11  Fonte: www.periodicos.uem.br – Texto adaptado de Sandra Aparecida
seja um aspecto importante a ser incorporado na avaliação.
Bratifische

31
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Os estudos apontam mais recentemente (DARIDO, do. Por isso, a avaliação deve ser realizada continuamente
1999) que, paulatinamente, em escolas de vanguarda, além e os seus resultados precisam ser utilizados para promover
da participação e da frequência, passam a entrar no cenário mudanças.
dos instrumentos disponíveis para a avaliação em Educação
QUEM AVALIA?
Física as provas teóricas, os traba­lhos escritos, as gravações
em vídeo... Nota-se sinais de mudanças. No modo como entendemos a avaliação, não é só o
Embora complexo, é também estimulante refletir sobre a professor responsável pelo pro­cesso de avaliação, alunos e
avaliação em Educação Físi­ca. Como avaliar a aprendizagem equipe pedagógica também devem participar do processo.
do movimento quando se reconhece a infinidade de fato­res A participação dos alunos, no processo de definição dos cri-
envolvidos, tais como força muscular, resistência, agilidade, térios e nos rumos da avaliação, implica decisões conjun-
equilíbrio, ritmo, sentimen­tos, cognição, afetividade, expe- tas, cada qual assumindo sua responsabilidade no processo.
riências anteriores, conhecimento e tantas outras variáveis? Assim, os professores devem informar os alunos sobre suas
Como conduzi-la? Como ajudar os alunos a progredirem? dificuldades, bem como sobre os crité­rios qualitativos do
De que forma conduzir a avaliação durante as aulas, de desempenho de cada um e seu nível de aprendizagem, as
modo a motivar os alunos a continuar a aprender? Como necessidades de mudanças de rumo no ensino e os resulta-
explicar para os alunos que errar é um passo fundamental dos que já foram alcançados.
para a aprendizagem do esporte? Enfim, são muitas ques- É também possível, na busca do desenvolvimento da
tões delicadas que compõem o universo de preocupações autonomia do aluno, propor para que eles se autoavaliem.
do professor quando o tema é avaliação da aprendizagem. Além disso, os alunos podem participar do processo avalian-
Visando construir alternativas para a avaliação, buscou- do os seus professores e o ensino oferecido por eles.
-se responder a cinco questões centrais a respeito do tema
COMO AVALIAR?
Educação Física na escola: por que avaliar, quem, o quê,
como e quando? Basicamente, de acordo com Smole (2010), pode-se uti-
lizar quatro instrumentos de avaliação:
POR QUE AVALIAR?
• Observação e registro.
Longe de ser instrumento de pressão e castigo, a ava-
• Análise de registros dos alunos.
liação deve mostrar-se útil para as partes envolvidas – pro-
• Provas e análises de erros.
fessores, alunos e escola – contribuindo para o autoconheci-
• Autoavaliação.
mento e para a análise das etapas já vencidas, no sentido de
alcançar objetivos previamente traçados. Para tanto, consti- Além disso, aponta a autora que é possível integrar to-
tui-se em um processo contínuo de diagnóstico da situação, dos esses instrumentos em um portfólio, que é um articula-
contando com a participação de professores, alunos e equi- dor da coleta dos dados.
pe pedagógica da escola.
A avaliação pode e deve oferecer ao professor elemen- Observação e registro
tos para uma reflexão contínua sobre a sua prática, no que O emprego da observação no processo de avaliação
se refere à escolha de competências, objetivos, conteúdos apresenta uma série de vantagens. Ela é, por exemplo, diag-
e estratégias. Ela auxilia na compreensão de quais as­pectos nóstica como preconiza Resende (1995). Assim, as aulas não
devem ser revistos, ajustados ou reconhecidos como ade- pre­cisam ser interrompidas, pelo contrário, como o ambien-
quados para o processo de aprendizagem individual e de te continua o mesmo, ela permite a avaliação do comporta-
todo o grupo de alunos. mento na sua totalidade.
Do ponto de vista do estudante, a avaliação é instru- É por meio da observação que o professor diagnostica
mento de tomada de consciência de suas conquistas, dificul- os erros que os alunos cometem, por isso, Blasquez (2011)
dades e possibilidades. afirma que o professor de Educação Física deve ser um ex-
Para a escola, ela permite reconhecer prioridades e loca- celente observador.
lizar ações educacio­nais que demandam maior apoio (BRA- Conforme Smole (2010), para observar é preciso dire-
SIL, 1999). cionar o olhar e registrar aquilo que é percebido. Entretanto,
Defende-se aqui a concepção de que, desde o início do muitos professores consideram difícil realizar o registro das
período letivo, os alunos preci­sam ser informados por quê, ob­servações, pois têm muitas turmas com muitos alunos de
como, quando e de que modo estão sendo avaliados, abrin- uma só vez. Diante dessa realidade, o registro simples pode
do-se espaço para que participem, oferecendo sugestões. ser utilizado, elegendo um grupo por cada vez. Pode-se, por
Assim, a avaliação do aluno deve auxiliar o professor a exemplo, preparar o registro e verificar em uma aula especí-
perceber o que está dando cer­to, o que deve ser revisto para fica, em forma de checklist (observação), se os alunos com-
atingir os objetivos propostos. Avaliar é, então, um processo preenderam a dinâmica do jogo dos dez passes, quais são
que se relaciona não só com o esforço do aluno de aprender, as linhas demar­catórias da quadra, bem como os momentos
mas também com o do profes­sor de mudar suas práticas, em que a bandeja deve ser utilizada.
caso os alunos apresentem dificuldades de aprendizagem.
Se ninguém entendeu a marcação individual, por exemplo,
pode ser que o problema não esteja na compreensão dos
alunos, mas sim no modo como o professor está ensinan-

32
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
prática requer que o aluno mantenha registro dos conhe-
cimentos prévios sobre o assunto em estudo e retorne às
questões iniciais em novas situações.

Portfólio
O portfólio se constitui em um conjunto organizado de
trabalhos produzidos por um aluno ao longo de um período
de tempo. Tem como principal finalidade proporcionar um
diálogo entre os envolvidos no processo avaliativo.
Análise de produções e registro dos alunos Um portfólio pode incluir textos, projetos, produções,
reflexões pessoais dos alunos e não precisa ser organizado
As produções ou registros produzidos pelos alunos po- necessariamente em papel, já há experiências de material
dem assumir diversas formas, desde respostas a questões e orga­nizado em um CD.
atividades, até desenhos e textos. Essas produções podem Assim, sugere-se que para alcançar um ensino de qua-
ser solicitadas com o objetivo de investigar o que aluno sabe lidade os instrumentos de ava­liação sejam diversificados,
previamente sobre determinado as­sunto, por exemplo, se utilizando-se a observação e o registro; a análise de produ-
conhece quais são os fundamentos do voleibol a partir da ções e o registro dos alunos; provas e autoavaliação. Espe-
observação de colegas participando do jogo. ra-se que todas essas informações sejam organizadas em
As produções também podem ser solicitadas após um um portfólio. É importante lembrar também que os alunos
tema específico, por exemplo, histórico do basquetebol, ou com dificuldades em algumas formas de expressão não po-
ao final do tema geral de basquete que inclua outras ques- dem ser prejudicados pelo tipo de avaliação, por isso eles
tões, para além do histórico. Os registros dos alunos podem precisam ser avaliados por meio de diferentes instrumentos,
ser individuais ou coletivos. Pode-se sugerir para os alunos formas de verificação.
elaborarem uma jogada contra defesa individual ou, ainda, a O QUE AVALIAR?
produção de um texto explicando as razões para as modifi-
cações das regras da modalidade ao longo da história. Entre as críticas frequentes ao modelo tradicional de
O importante desses registros é que os alunos progri- avaliação, uma aponta o fato de este restringir-se ao domí-
dam. Assim, a produção de traba­lhos e textos é solicitada nio motor, como se a Educação Física implicasse somente
não para atribuição de uma nota, mas para se obter pistas o rendi­mento físico e não as relações cognitivas, afetivas e
sobre o caminhar do aluno no processo ensino-aprendiza- sociais subjacentes.
gem (SMOLE, 2010). A avaliação em Educação Física deve considerar a obser-
vação, análise e conceituação de elementos que compõem
Provas: Pode-se utilizá-la na Educação Física? a totalidade da conduta humana, ou seja, a avaliação deve
As provas se constituem no instrumento mais caracte- estar voltada para a aquisição de competências, habilidades,
rístico do sistema de avaliação tradicional, no entanto acre- conhecimentos e atitudes dos alunos.
ditamos, como Smole (2010), que se bem utilizadas podem A avaliação deve abranger as dimensões cognitiva
ser uma fonte útil de informação para aluno, professor e co- (competências e conhecimentos), motora (habilidades mo-
munidade. toras e capacidades físicas) e atitudinal (valores), verificando
A prova pode ser útil quando desejamos avaliar a ca- a capa­cidade de o aluno expressar sua sistematização dos
pacidade do aluno para organizar ideias e expressar-se cla- conhecimentos relativos à cultura corpo­ral em diferentes
ramente. Porém, há limitações, por exemplo, quando que- linguagens – corporal, escrita e falada. Embora essas três
remos ava­liar como os alunos utilizam os conhecimentos dimensões apa­reçam integradas no processo de aprendi-
em situações que exigem argumentações e discussões com zagem, nos momentos de formalização, a avaliação pode
outras pessoas, quando queremos observar a aprendizagem enfatizar uma ou outra. Esse é outro motivo para a diver-
do aluno sobre o conhecimento do próprio jogo. sificação dos instrumentos, de acordo com as situações e
As provas, a serem utilizadas no ensino da Educação Fí- objetivos do ensino.
sica, podem ser de diferentes tipos, com ou sem consulta, O problema não está na escolha dos instrumentos e sim
em duplas, em trios, orais, corrigidas pelos próprios pares na concepção que sustenta a utilização destes. Para avaliar
ou não etc. habilidades e atitudes, provas teóricas, trabalhos, seminários,
gravação em videoteipe, observações sistemáticas, fichas e,
Autoavaliação inclusive, testes de capacidades físicas podem ser utilizados.
A autoavaliação permite ao aluno tomar uma posição O problema não reside no modo de coletar as informações
diferente, fazendo dele não um mero executor de ordens, e sim no sentido da avaliação, que deve exercer-se como um
mas alguém que tem clareza das metas do projeto, das críti- contínuo diagnóstico das situações de ensino e de aprendi-
cas ao seu trabalho, do domínio do seu caminhar. zagem, útil para todos os envolvidos no processo pedagó-
Entre as práticas de autoavaliação são especialmente gico.
úteis aquelas em que o aluno pode analisar seu conheci- É preciso cuidado, entretanto, para não incidir em al-
mento sobre um assunto antes e depois de estudá-lo. Essa guns enganos que vêm ocorrendo na tentativa de acertar.
Há professores que ouviram falar na diversificação de ins-

33
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
trumentos, por isso utilizam provas de conhecimento sobre Assim, o que estamos propondo na dimensão concei-
história, regras e contexto de algumas mo­dalidades. Nesses tual é evitar utilizar apenas provas escritas em que se deve
casos, em vez de um ensino sistematizado, voltado à inte- responder exatamente conforme o que foi apresentado
gração do aluno na esfera da cultura corporal, assiste-se a pelo profes­sor, mas sim observar o aluno durante todas as
uma preparação rápida para a realização da prova, em uma aulas e, se for o caso, em trabalhos e vídeos, solicitando a
aula teórica que a precede. Os alunos “decoram” as informa- sua interpretação dos conceitos apresentados.
ções e a esquecem rapi­damente. Mais uma vez, observa-se
aí a confusão entre os processos de ensinar e de avaliar. Avaliação na dimensão atitudinal
Para facilitar a compreensão sobre o que ensinar e assim Para Zabala (1998), a natureza dos conteúdos atitudi-
avaliar na Educação Física, optamos por utilizar a classifica- nais, bem como seus componentes cognitivos e afetivos
ção de Zabala (1998) de conteúdos. Assim, optamos por dis­ fazem com que seja consideravelmente complexo determi-
cutir o que avaliar na dimensão conceitual, procedimental e nar o grau de aprendizagem de cada aluno. Como avaliar a
atitudinal. solidariedade, a tolerância aos diferentes ou as atitudes não
Avaliação na dimensão conceitual sexistas? Como avaliar a incorporação das práticas corpo-
rais para a vida do aluno?
Já vimos que o aluno, nas aulas de Educação Física, Na verdade, a tradição escolar deixou de avaliar sistema-
tem muito a aprender na dimensão conceitual. Então como ticamente tais aprendizagens por considerá-las não quanti-
avaliar sua aprendizagem? Como saber se apreendeu os ficáveis e sem importância. Na Educação Física como vimos,
conheci­mentos? Então como avaliar esta dimensão de con- sobretudo recentemente, a observação da participação tem
ceitos nas aulas de Educação Física? tido um papel importante na ava­liação. Acreditamos que os
De acordo com Zabala (1998), uma prova escrita é bas- professores de Educação Física poderiam ampliar as atitu-
tante eficaz para determinar o conhecimento que se tem de des observadas, procurando analisar outras para além da
um fato. Um fato simples a ser lembrado na Educação Físi- participação. Como por exemplo, a co­operação entre os
ca é, por exemplo: quantas vezes o Brasil foi campeão do alunos e do aluno com o professor, a iniciativa à pesquisa,
mundo no basquetebol masculino? E no feminino? Estes são o respeito entre os meninos e as meninas, ou o respeito ao
exemplos de fatos. menos habilidosos, além de outros.
Por outro lado, compreender o significado dos aspec-
Para avaliar os conteúdos atitudinais, conhecer aquilo
tos históricos do basquetebol nas décadas de 1950 e 1960,
que os alunos realmente valo­rizam e quais são as suas atitu-
quando o Brasil foi bicampeão do mundo, envolve conheci-
des, é necessário que surjam situações de conflito. Durante
mentos mais profundos e elaborados. Dificilmente, pode se
as situações de aprendizagem, em jogos, esportes, ginásti-
acreditar que a aprendizagem de um con­ceito esteja con-
cas, conhecimento sobre o corpo, danças e lutas, os alunos
cluída, assim a compreensão por parte do aluno está em
são submetidos a inúmeros desafios. Eles devem se adaptar
constante processo de reelaboração.
aos novos movimentos; ao uso do espaço e do material; a
É habitual nas outras disciplinas escolares a proposição
de provas escritas em que a resposta mais adequada para determinadas regras; a expressar sen­timentos, inibições e
um conceito é a que coincide exatamente com a definição dificuldades; enfim, a variáveis que compõem um ambiente
dos apontamentos de classe ou o livro didático. Na verdade, de ensino e de aprendizado bastante complexo. Não raro,
a melhor forma de avaliar a apren­dizagem dos conceitos é eclodem conflitos nessas situações.
observar o uso de cada um destes em diversas situações e Mais que nunca, ressalta-se aí o papel do professor no
como os alunos os utilizam em suas explicações espontâ- encaminhamento de uma apren­dizagem sistemática, cons-
neas (ZABALA, 1998). ciente e deliberada de valores, fundamental para a forma-
Assim, a avaliação deve consistir em observar o uso dos ção do cidadão.
conceitos em trabalhos de equipe, debates, exposições e, Espera-se dessa forma que, na avaliação empreendida
sobretudo, nos diálogos entre os alunos, e entre o professor pela Educação Física, os alunos sejam observados em sua
e os alunos. Às vezes, o tempo não é suficiente para obser- capacidade de aprender a reconhecer, na convivência e nas
vá-los em todas estas situações daí pode se pensar em uma práticas pacíficas, maneiras eficazes de crescimento coleti-
prova escrita, mas é preciso ter claro as limitações quanto a vo, dialogando, refletindo e adotando uma postura demo-
avaliar de fato a aprendizagem do aluno. crática sobre diferentes pontos de vista postos em debate.
Se o que desejamos da aprendizagem de conceitos é Concordamos com Zabala (1998) quando o autor
que os alunos sejam capazes de utilizá-los em qualquer mo- aponta que a melhor fonte de infor­mação para conhecer
mento, temos que propor – não questões que consistam em os avanços nas aprendizagens de conteúdos atitudinais é
uma explicação do que entendemos sobre os conceitos, mas a observação sistemática de opiniões e das atuações nas
sim uma resolução de conflitos ou problemas. atividades grupais, nos debates, nas manifesta­ções dentro
No nosso exemplo, não se trata de fazer o aluno decorar e fora da aula, nas visitas, passeios e excursões, na distribui-
qual o papel do futebol, por exemplo, para a cultura brasilei- ção das tarefas e responsabilidades, durante o recreio e nas
ra, mas sim localizar no seu cotidiano como é possível perce­ atividades esportivas. Além disso, pode-se utili­zar, em um
ber a força da cultura, nas artes, na linguagem, nas atitudes, processo de avaliação mais criterioso, como algumas esco-
além de outros. las já vêm realizando, registros de observação das atitudes
dos alunos.

34
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Seria interessante criar espaços para os alunos expres- estudantes, além de produzidos por eles, a partir de suas
sarem suas opiniões sobre a aula. Nesse sentido, uma série observações ou de outras atividades. Além disso, as notícias
de figuras poderia ser colocada, ao final da aula, na roda. Em podem ainda ser organizadas em painéis, em uma parede
segui­da, solicita-se aos alunos que procurem essas figuras e, da sala de aula ou de qualquer outro espa­ço da escola, cujos
a partir delas, se expressem. temas podem ser: formas corretas de realizar caminhadas,
importância da atividade física, Olimpíadas, Copa do Mun-
QUERO CRITICAR!
do, lazer e trabalho, problemas de postura, entre outros.
QUERO RECLAMAR Além de incentivar os jovens a ler e debater as notícias,
QUERO ELOGIAR! o professor também pode estimulá-los a produzir pequenos
TENHO UMA SUGESTÃO! resumos para o jornal da escola ou, ainda, para um folhe­to a
ser distribuído à comunidade, por exemplo. Espera-se, com
TENHO UMA DÚVIDA
essas atividades, ativar os conceitos da área e da disciplina
anteriormente comentados, e articular redes conceituais in-
Avaliação na dimensão procedimental terdisciplinares.
Os conteúdos procedimentais implicam o saber fazer, Quando avaliar?
e o conhecimento sobre este domínio só pode ser verifi-
cado em situações de aplicação. Assim, o que define uma Quando avaliar? A resposta mais simplificada a esta
aprendi­zagem não é o conhecimento que se tem de um questão é em todos os momentos do processo ensino-
conteúdo, mas o domínio ao transferi-lo para a prática. Co- -aprendizagem. Mas, para uma questão didática divide-se a
nhecer até que ponto os alunos sabem jogar, dançar, fazer avaliação em três momentos distintos; avaliação diagnósti-
pesquisa, utilizar um instrumento, orientar-se no espaço etc., ca, formativa e somativa.
só é possível quando os alunos realizam tais ativida­des (ZA- A primeira necessidade do educador, no processo de
BALA, 1998). avaliação, é responder às seguin­tes questões:
A Educação Física tem longa tradição no ensino-apren-
• Que sabem os alunos em relação ao que quero en-
dizagem, no domínio dos con­teúdos procedimentais. Mas
sinar?
como fica a avaliação da aprendizagem?
• Quais experiências anteriores tiveram em relação ao
De acordo com Betti e Zuliane (2002), não é simples
que eu desejo ensinar?
avaliar o progresso dos alunos em um salto em distância.
• Quais são os seus interesses?
Se o aluno melhorou o seu salto, é possível afirmar que foi
• Quais são os seus estilos de aprendizagem?
resulta­do do processo de maturação ou de aprendizagens
ocorridas em aulas? Poderia ir mais longe, como é possível Nesse levantamento, o professor passa a conhecer me-
avaliar os alunos considerando que cada um tem uma ca- lhor quem são os seus alunos e como ele pode facilitar a
pacidade diferente para aprender (diferentes níveis de ha- aprendizagem. Essa avaliação inicial é frequentemente de-
bilidade)? nominada de diagnóstica.
É certo que existe uma enorme complexidade no tema, Se, por meio de observações, o professor avalia o aluno
contudo com a experiência acumulada e o olhar atento do em processo, não é preciso co­nhecer o resultado de uma
professor, é possível vislumbrar os progressos individuais avaliação formal para efetivar mudanças em suas aulas. A
dos alunos, resultantes do seu envolvimento nas aulas, prin- obser­vação avaliadora pode ser feita em todas as aulas e
cipalmente quando os componentes interesse e motivação situações, e a avaliação do professor deve ser comunicada
(ambos da dimensão atitudinal) são agregados. aos alunos, informando-lhes sobre as suas dificuldades, bem
Especificamente quanto às habilidades motoras e as como sobre os avanços alcançados. Este é o verdadeiro sen-
capacidades físicas, é possível avaliar o aluno pelo seu pro- tido da avaliação processual. Essa avaliação do processo em
gresso nos testes físicos, sempre comparando o seu resulta- geral é conhecida como avaliação formativa.
do consigo próprio. Por exemplo, se antes o aluno percorria Em projetos disciplinares ou interdisciplinares, além do
determinada distância em 20 minu­tos e depois passa a fa- processo de observação con­tínua das etapas – que possibili-
zê-lo em 18, é sinal de que houve progresso. Nas tarefas ta uma correção do percurso –, também é possível avaliar o
cotidianas das aulas, nas diferentes habilidades motoras, de- produto final, seja pela realização de um vídeo, um jornal ou
ve-se adotar o mesmo procedimento, informan­do, estimu- uma página de internet, pela organização de um campeona-
lando e apontando os progressos de cada aluno em relação to ou evento, pelo desempenho de táticas ou jogadas etc.
ao que ele já realizava. (DA­RIDO, 2002).
Na dimensão procedimental em Educação Física, logo Quando se avalia o aluno ao final de um processo, ge-
pensamos na avaliação das ha­bilidades motoras, tanto bá- ralmente, denomina-se esta pro­posta de avaliação de so-
sicas como específicas, e também nas capacidades físicas. mativa.
No entanto, nesta concepção que defendemos é possível ir
NOTA/CONCEITO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA
além e avaliar outros aspectos proce­dimentais.
Pode-se, por exemplo, avaliar a capacidade dos alunos Como vimos ao longo deste texto, avaliar é bastante
de coletar notícias e de se po­sicionarem sobre elas, por meio complexo, porém um processo educacional absolutamente
de comentários pessoais. Também é possível propor a con­ necessário. Vimos também que avaliar é diferente do pro-
fecção de livros, reunindo textos e figuras pesquisados pelos cesso de atribuir um conceito, embora eles estejam relacio-

35
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
nados, ou seja, se não podemos prescindir de jeito algum de tos gerais, encontravam no seu interior, o objetivo de en-
observar o processo de aprendizagem do aluno, podemos sinar “tudo a todos”, ou seja, ao aluno era ensinado todos
ou não transfor­mar estes processos em uma nota/conceito. os conteúdos e ciências naturais, sociais, exatas e religiosas,
De acordo Soares et al. (1992), a nota não deve ter a fun- entendendo este ensino relativo apenas a uma parte da po-
ção de punir o aluno ou de castigá-lo, mais do que isso, ela pulação política e economicamente privilegiada. É impor-
deve informar sobre os caminhos percorridos no processo tante lembrar ainda que, as instituições responsáveis pelo
ensino-aprendizagem. oferecimento, organização e aferição da aprendizagem dos
Temos assumido o seguinte argumento para justificar alunos eram instituições altamente repressivas o opressivas,
ou não a necessidade da atribui­ção de um conceito/nota na que faziam valer o poder do Estado, Império, República ou
disciplina de Educação Física. Tais questões foram levantadas Igreja, e que aqueles que não se adaptavam as normas pré-
no projeto político da escola? Como o grupo de atores esco- -estabelecidas, simplesmente eram excluídos do processo
lares se posicionou? Qual foi a deci­são da maioria? Dentro ou postos em segundo plano, desencadeando ao final do
da proposta pedagógica da escola, há espaço, condições, período escolar a ocupação de funções inferiores de traba-
argumentos e justificativas aceitas na comunidade escolar? lho e de produção. A avaliação, neste sentido, servia apenas
Se a resposta for sim, pode-se encaminhar o processo, in- como mais um instrumento de repressão e opressão social.
clusive, com levantamentos também da avaliação do ensino Procurando focalizar a discussão do ponto de vista da
do professor. Em outras palavras, os alunos podem avaliar educação física, e mantendo um olhar direcionado às fases
os seus professores e estas informações podem ser úteis na históricas do desenvolvimento da disciplina, veremos que as
busca da qualidade do ensino. vertentes metodológicas do ensino deste componente curri-
Para garantir a legitimidade das ações é importante que cular, como mostrado por GUIRALDELLI JÚNIOR (2002), são
as decisões sejam explicitadas por todos e deliberadas de- capazes de influenciar os métodos e conceitos avaliativos.
mocraticamente. Vale destacar que atribuir conceito/nota Durante os períodos militares – nos quais a disciplina
para crianças até os 12 anos não é realmente necessário, até incorporava métodos de ensino de conteúdos e padroni-
porque a Educação Física, além de ser a disciplina mais apre- zação de cidadãos forjando práticas rígidas de movimentos
ciada na escola (DARIDO, 2004), conta com a participação baseados em métodos ginásticos europeus – a avaliação do
ativa de grande parte dos alunos que são curiosos a respeito ensino era realizada com base da submissão e na averigua-
dos conhecimentos da cultura corporal. ção dos mais fortes e capazes de defender os objetivos do
É importante lembrar que tanto os alunos, quanto os Estado dominante. A rigidez, o medo, o respeito aos supe-
professores envolvidos e a co­munidade podem colaborar riores e a submissão dos alunos, era a tônica das avaliações,
com o processo de avaliação. Luckesi (1994), com muito realizadas tanto do ponto de vista teórico (provas, avalia-
brilhan­tismo, afirmou que a maior dificuldade do processo ções físicas, etc.), quanto do ponto de vista prático (testes de
pedagógico não é avaliar o aluno, mas sim implementar um esforço, provas de nado, corrida, desportos individuais, etc.).
bom ensino, acolhendo, nutrindo e sustentando o educan- Com um objetivo parecido ao das instituições militares,
do, sem casti­go ou punição, no sentido de proporcionar a in- o período higienista de ensino da educação física, também
clusão de todos os alunos, em um verdadeiro ato de amor.12 manteve seu olhar voltado à assepsia social e política da
população. Talvez a grande distinção encontrada neste pe-
Como relacionar Educação Física, Aprendizado, Evolução ríodo, comparando com o período militarista, é o fato de
e Desempenho Físico. haver uma preocupação biológica maior, no que concerne
A avaliação do ensino com base no que é visto e viven- ao exercício e ao corpo humanos, principalmente devido aos
ciado no cotidiano das escolas brasileiras, serve-se de algu- conhecimentos advindos da anatomia e da fisiologia sistê-
mas características bastante discutíveis, tanto do ponto de micas. A avaliação, neste sentido, encontrava-se sustentada
vista histórico, quanto do ponto de vista pedagógico e me- pelos objetivos de controle e aferição dos processos bioló-
todológico. Tais características estão altamente interligadas gicos e anatômicos do corpo humano, sempre voltados à
entre si, fazendo com que tenhamos que interpretar seus compreensão e alcance da saúde individual desvinculada do
valores e influencias de forma globalizada. compromisso do Estado com a saúde coletiva da população.
Historicamente, sem nos ater a aspectos muito detalha- Mais uma vez, a avaliação na educação física dentro das es-
dos das passagens temporais da educação como um todo, colas brasileiras, é forjada para a consecução dos objetivos
percebemos que, como todas as questões afetas a escola, a de “conquista de aptidões” por parte dos mais fortes e mais
avaliação passou pelas diversas fases de desenvolvimento bem preparados, sejam fisicamente ou cognitivamente.
do contexto escolar, seja por conta das características advin- Mais adiante no tempo, veremos que com o surgimento
das do período sócio-político em que o Brasil se encontrou, e aumento do número de praticantes dos desportos coleti-
seja pelas influências e objetivos característicos de cada me- vos e individuais, bem como a crescente demanda industrial
todologia do ensino / presente da educação física na escola. e de mecanização social pela influência do capitalismo na
No inicio da sistematização do conhecimento nas esco- vida das pessoas e instituições, o esporte de alto-rendimento
las – aproximadamente meados do século XVIII – a didática passa a ocupar um lugar importante nas práticas escolares, e
e o surgimento das principais disciplinas de conhecimen- a educação física torna-se a disciplina encarregada de trans-
mitir e possibilitar a vivência de seus conteúdos por parte
dos alunos. O ensino dos desportos tratou disputarem jogos
12  Fonte: www.ceap.br - Por Suraya Darido escolares, inter­classes, ou universitários, conforme nos mos-

36
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
tra MORAES (2003), e as aulas eram baseadas em programas deve começar com o olhar critico do professor sobre sua
de treinamento de equipes para a participação nesses tor- própria prática. Ao nos perguntarmos como está dividido o
neios. Se o ensino é baseado em treinamentos desportivos trabalho pedagógico? Como e quais foram os critérios para
das diversas modalidades, individuais e coletivas, a meto- seleção dos conteúdos? E quais os instrumentos didáticos e
dologia e a avaliação do desempenho dos alunos, deverá metodológicos utilizados para o alcance dos objetivos? Nós
acontecer de forma similar às aulas, ou seja, baseando-se na estaremos efetuando uma avaliação prévia do processo, cla-
aplicação e demonstração dos conhecimentos tecnicamente reando, consequentemente, os mecanismos para avaliação
corretos, do ponto de vista biomecânico. Portanto, aqueles da aprendizagem dos conteúdos por parte dos alunos.
alunos que não detinham certa facilidade na execução dos Longe de ser instrumento de pressão e castigo, deve-se
movimentos, eram mais uma vez excluídos das práticas e mostrar-se útil para as partes envolvidas – professores, alu-
postos em segundo plano durante as aulas. nos e escola -, contribuindo para o autoconhecimento e para
Novamente observamos pouco ou nenhum compromis- analise das etapas já vencidas, no sentido de alcançar objeti-
so dos professores com os conteúdos realmente relevantes ao vos previamente traçados. Para tanto, constitui-se num pro-
aprendizado e crescimento dos alunos como cidadãos sociais e cesso continuo de diagnostico da situação, contando com
democraticamente críticos de suas práticas dentro da socieda- a participação de professores, alunos e equipe pedagógica.
de. A educação física serve-se, de novo, aos objetivos alienados A avaliação pode e deve oferecer ao professor elemen-
de certas práticas pedagógicas, aparecendo não como com- tos para uma reflexão continua sobre a sua pratica, no que
ponente curricular igual os demais, mas como um simples mo- se refere á escolha de objetivos, conteúdos e estratégias. Ela
mento de lazer, ou de esforço obrigatório, visando o adestra- auxilia na compreensão de quais aspectos devem ser revistos,
mento aos padrões de saúde individual e de participação com- ajustados ou reconhecidos como adequados para o processo
petitiva em alguns desportos, focando única e exclusivamente de aprendizagem individual e de todo o grupo de alunos.
os resultados alcançados pelas instituições que representam. Do ponto de vista do estudante, a avaliação é instru-
Como renovador da esperança do ensino da educação mento de tomada de consciência de suas conquistas, difi-
física nas escolas, surge a proposta crítico-superadora dos culdades e possibilidades.
conteúdos, que visa a sistematização destes por parte dos
Para a escola, ela permite reconhecer prioridades e lo-
alunos, a fim de significar a disciplina dentro das escolas bra-
calizar ações educacionais que demandam maior apoio.
sileiras. Possui em seu bojo uma pedagogia fundamentada
Defende-se aqui a concepção de que, desde o inicio do
no estilo dialético de ensino, sustentado pelos cinco pila-
período letivo, os alunos precisam ser informados por que,
res-conteúdos pertinentes a educação física (dança, esporte,
como, quando e de modo estão sendo avaliados, abrindo-
luta, jogo, lazer). A avaliação, neste sentido, ganha caráter
-se espaço para que todos participem, oferecendo suges-
espiralado de construção do conhecimento entre professor
tões. Os alunos podem ser avaliados:
e aluno, e ensino e aprendizagem, tornando-se participati-
vo, qualitativo, e contínuo, dentro do planejamento traçado • De forma sistemática por meio de observação das
pelo professor à luz dos conhecimentos prévios dos alunos, situações de vivencia, de perguntas e respostas for-
suas condições sociais, físicas e afetivas. muladas durante as aulas;
Nesta proposta, a educação física é decomposta em 5 • de forma especifica, em provas, pesquisas, relató-
(cinco) grandes áreas de conhecimento e sistematização, rios, apresentações, etc. para que os alunos com
que são o jogo, o esporte, a dança, as lutas e a ginástica. As- dificuldades em algumas formas de expressão não
sim, detendo de uma caracterização dos objetivos propos- sejam prejudicados pelo tipo de avaliação, é muito
tos para o processo de ensino-aprendizagem da educação importante que as formas de verificação do conhe-
física, parece-nos ser o inicio de uma determinação lógica cimento sejam as mais diversificadas possíveis.
para a avaliação, ou avaliações, deste processo. O quê ava-
liar? Acaba determinando o como avaliar? O emprego da observação no processo de avaliação apre-
Utilizamos estes períodos históricos com o intuito de senta uma série de vantagens. Ela é, por exemplo, diagnostica
demonstrar como eram tratados os conteúdos da educação como preconiza Resende (1995), as aulas não precisam ser
física nas diversas fases de seu desenvolvimento. Este trato interrompidas, o ambiente continua o mesmo e, finalmente,
errôneo com o conhecimento da disciplina dentro das esco- ela permite a avaliação do comportamento na sua totalidade.
las, ao que parece, trata-se de um entrave problemático no Podem-se utilizar provas teóricas, trabalhos, seminá-
que diz respeito à avaliação do seu ensino. Ora, se não sa- rios, gravação em videoteipe para avaliar as habilidades e
bemos ao certo quais os conteúdos que iremos ministrar em atitudes, observações sistemáticas. O problema não reside
nossas aulas, o que de fato iremos avaliar em nossos alunos? no modo de coletar as informações e sim no sentido da
Talvez, o passo inicial para o alcance de uma avaliação signi- avaliação, que deve ser exercida como um continuo diag-
ficativa em educação física escolar, seja a definição clara dos nostico das situações de ensino e aprendizagem, útil para
objetivos e dos conteúdos a serem ensinados, bem como a todos os envolvidos no processo pedagógico.
metodologia que empregaremos em nossas aulas. Ou seja, A observação avaliadora pode ser feita em todas as au-
a avaliação sem planejamento não existe! las e situações, e a avaliação do professor deve ser comuni-
Ao planejarmos nossas ações, estamos efetuando, por si cada aos alunos, informando-lhes sobre suas dificuldades,
só, uma avaliação sistemática de nosso próprio trabalho do- bem como sobre os avanços alcançados.
cente. Isto porque a avaliação é uma via de mão dupla, que

37
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Em projetos disciplinares ou interdisciplinares, além do Diversas literaturas mostram que a questão das provas
processo de observação continua das etapas – que possibilita no contexto da educação escolar tornou-se um vício que di-
uma correção do percurso – também é possível avaliar o pro- ficilmente estará sendo curado, caso continuemos tratando
duto final, seja pela realização de um campeonato ou evento, da forma como é visto atualmente. Algumas escolas utilizam
seja pelo desempenho de táticas ou jogadas, etc. (Brasil, 2002). um discurso de que a prova é apenas um instrumento a mais
Quando se avalia o aluno ao final de um processo, geral- do processo de avaliação, e que os demais são organizados
mente se denomina essa proposta de avaliação de avaliação no decorrer do desempenho dos alunos durante o período
somativa.13 de ensino. Realmente o que vemos é a não organização da
escola com base nestes parâmetros avaliativos que, por mui-
tas vezes, se encontra numa posição complicada no que diz
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO respeito à avaliação de determinado aluno, já que interesses
financeiros e políticos acabam por prevalecer sobre os obje-
tivos educacionais de aprendizagem e formação do cidadão.
Na verdade, diferentemente das demais disciplinas do
currículo escolar, a educação física existe, dentro da escola,
como uma disciplina de caráter altamente prático. Ora, lida-
mos com o movimento corporal cultural humano, quer seja
objetivando a melhoria da qualidade de vida individual, quer
seja no intuito de entender e desenvolver as práticas que
minimizem a discrepância sócio-econômica brasileira. Por
este motivo básico, a realização de provas para a averigua-
ção dos conhecimentos dos alunos, no tocante à educação
física, acaba sendo apenas um instrumento para esta avalia-
ção, contendo um fim num processo maior de aprendizado
durante as próprias aulas.
Verificamos que a avaliação ganha importância dentro
do contexto educacional quando, de fato, temos bem defi-
nidos os objetivos que pretendemos com as práticas meto-
dologicamente desenvolvidas. No que concerne à educação
física especificamente, por se tratar de uma disciplina que
trabalha conteúdos, na grande maioria, recepcionados posi-
tivamente pelos alunos, podemos desenvolver e utilizar vá-
rios instrumentos de caráter avaliativo durante o processo.
Segundo BETTI (2003), os meios didáticos para produzir e
organizar criteriosamente o aprendizado dos alunos, e con-
sequentemente os mecanismos avaliativos, podem ser:

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS NO CAMPO SÓCIO­


COMPORTAMENTAL:

(...) Auto testagem ou conteste, jogos de competição e


cooperação, sequências pedagógicas, demonstração, des-
cobrimento guiado, resolução de problemas, jogos de mí-
mica e expressão corporal, grandes jogos, jogos simbólicos,
jogos rítmicos, exercícios em duplas, trios, grupos, com e
sem material, circuito, aulas com música, aulas historiadas,
jogos pré-desportivos, gincanas, campeonatos, festivais. (...)
(...)

ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS NO CAMPO


COGNITIVO:

(grifos nossos)
(...) discussões sobre temas da atualidade ligados à cul-
O conceito de prova e sua relação com a tura corporal de movimento, leitura de textos, dinâmicas de
avaliação escolar e a Educação Física. discussão em grupo, matérias de jornais e revistas, uso de
vídeo/TV (produções específicas ou gravações de progra-
13  Fonte: www.nfaadelaideross.seed.pr.gov.br mas da TV), mural de notícias e informações sobre esporte e

38
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
outras práticas corporais, organização de campeonatos pe- quanto na organização das mesmas. O professor deve estar
los próprios alunos, trabalhos escritos, pesquisas de campo, atento para a realização correta de uma atividade e também
etc. (...) 14 como um aluno e o grupo formam equipes, montam um
Na Educação Física a avaliação é a chance de verificar se projeto e agem cooperativamente durante a aula.
o aluno aprendeu a conhecer o próprio corpo e a valorizar • Valorização da cultura corporal de movimento É
a atividade física como fator de qualidade de vida. Portanto, importante avaliar não só se o educando valoriza e partici-
nada de considerar apenas a frequência às aulas, o uniforme pa de jogos esportivos. Relevante também é seu interesse e
ou a participação em jogos e competições - nem comparar sua participação em danças, brincadeiras, excursões e ou-
os que têm “veia” de campeão com os que não têm. Não tras formas de atividade física que compõem a nossa cultura
há uma única fórmula pronta para avaliar, mas é essencial dentro e fora da escola.
detectar as dificuldades e os progressos dos estudantes. “O • Relação da Educação Física com saúde e quali-
mais indicado é não utilizar um só padrão para todos, mas dade de vida É necessário verificar como crianças e jovens
fazer um diagnóstico inicial para poder acompanhar o de- relacionam elementos da cultura corporal aprendidos em
senvolvimento de cada um”, resume Alexandre Moraes de atividades físicas com um conceito mais amplo, de qualida-
Mello, diretor da Escola de Educação Física da Universidade de de vida.15
Federal do Rio de Janeiro.

O CAMINHO DAS PEDRAS


Na Educação Física, como em todas as outras áreas, para 6. EDUCAÇÃO FÍSICA E SOCIEDADE
avaliar bem é preciso definir os objetivos, pois eles determi-
nam o conteúdo a ser trabalhado e os critérios para observar
a evolução da aprendizagem. Exemplos: descobrir o próprio
corpo para utilizá-lo melhor em atividades motoras básicas Quando falamos em educação nos vem em mente o
(correr, saltar) ou específicas (passes no basquete ou hande- sentido de valores, onde começa e quando começa. Partin-
bol, chutes no futebol) e compreender e respeitar as regras do do que vemos hoje em dia, é possível constatar que não
de um jogo e agir cooperativamente. existe educação que não seja política, aliás, o ensino em si
As primeiras aulas funcionam como referência, para que é um ato político. Tudo que envolve a escola a maneira de
o professor faça a análise inicial da turma, observando e organizar o currículo a proposta político pedagógica, os mé-
registrando as características de cada estudante. Indepen- todos de ensino e os programas estão justificados também
dentemente de o grupo conhecer ou não a atividade, é pre- pelas expectativas e idéias políticas que as pessoas têm em
ciso explicar, desde o início, os motivos pelos quais ela faz relação à educação.
parte do programa, quais os movimentos, as capacidades e É importante dizer que a educação esta inserida numa
as habilidades que serão trabalhados e que aspectos serão sociedade que se diz democrática, em que cada cidadão tem
avaliados, coletiva e individualmente. “O estudante precisa o direito de exercer o seu poder de decisão, assim a educa-
conhecer quando e como será julgado”, explica Caio Martins ção, antes de mais nada, é democrática, corroborando para
Costa. um modelo escolar democrático em que as pessoas envolvi-
Prazer de ver avançar quem tem pouca aptidão das participam do ato de mão dupla de ensinar e aprender
É comum o professor de Educação Física encher os (FREIRE, 2010, p. 125).
olhos quando vê alunos habilidosos nos esportes. Alexandre O mesmo autor traz a ideia que a escola é formada por
Moraes de Mello propõe olhar também de modo inverso. pessoas e toda pessoa possui sentimentos, opiniões, ideolo-
“A criança com pouca vivência motora é a mais impor- gias, sonhos e idéias em que acreditam e em que apostam.
tante para o trabalho docente, justamente porque represen- Se for uma escola mais tradicional, tudo o que a envolve terá
ta um desafio”, diz. Com esse tipo de estudante é preciso um caráter conservador, porém, se a escola for mais pro-
aplicar métodos adequados para trabalhar suas dificuldades gressista, o seu caráter de ensino abrangerá idéias na dire-
específicas. Mello afirma que agir dessa maneira compensa, ção da construção do conhecimento.
pois o prazer de ver o crescimento do estudante não tem Na escola, além das tarefas meramente educacionais,
preço. fazem-se amizades, aprende-se o funcionamento do po-
Os três focos der, conhece-se o que significa a competência, pratica-se
Os Parâmetros Curriculares Nacionais indicam três focos esporte, desenvolvem-se habilidades manuais; em resumo,
principais de avaliação na Educação Física: aprende-se viver em comunidade (COLL, POZZO, e SARABIA,
• Realização das práticas É preciso observar primei- 1997, p. 134).
ro se o estudante respeita o companheiro, como lida com Mas como podemos fazer com que a educação física,
as próprias limitações (e as dos colegas) e como participa inserida nesse contexto seja trabalhada de forma integral
dentro do grupo. Em segundo lugar vem o saber fazer, o de- no ser humano? Somente através da criatividade podemos
sempenho propriamente dito do aluno tanto nas atividades fazer com que as crianças se encontrem consigo mesma e
desenvolvam relações com o meio ambiente.

14  Fonte: www.educacao.es.gov.br / Texto adaptado de Saulo Fernandes


Roberta Greenvile 15  Texto adaptado de Cristiane Marangon

39
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Nas aulas de educação física os professores ensinam E que essa responsabilidade, somada à responsabili-
de que forma os alunos aprendam a chutar, saltar, e quicar dade naturalmente inerente ao cargo, exigem cuidados e
a bola. Mas qual é o seu verdadeiro significado da escola? preparos redobrados para um bom desempenho da função,
A escola é um local de culturas onde os protagonistas, as protegendo e desenvolvendo o educando de forma global.
crianças, adultos e adolescentes são responsáveis por pro- Ele também focaliza na importância em falar sobre os
duzir a cultura. aspectos sociais que permeiam as aulas de educação física,
De acordo com Vago (2009, p. 26), “a cultura é essencial pela natureza das atividades que exigem contato físico, con-
para a sobrevivência do ser humano, pois é através da cultu- vivência, trabalho coletivo e união do grupo. Estes aspectos
ra que nos vestimos e comemos”. A escola deve ser pensada são de extrema importância para o desenvolvimento da in-
como um lugar que através da cultura pode-se produzir o teligência social do sujeito.
conhecimento. Bracht (1992) mostra que:
As aulas de educação física constituem um dos mais im-
portantes espaços, talvez até o mais importante, para o desen- A socialização do individuo ou da criança se dá exa-
volvimento de aspectos sociais, ética e moral dentro da escola. tamente através da internalização de valores e normas de
O autor mostra que a convivência, a proximidade, conduta. A escola é uma das instituições que promove tal
a necessidade do contato físico, conflitos e disputas que socialização. Portanto, o fenômeno da socialização ou a
ocorrem em todas as aulas são elementos que incentivam aprendizagem do social também ocorre nas aulas de edu-
e demandam o desenvolvimento da inteligência social do cação física (p. 74).
sujeito. Essa inteligência social precisa ser desenvolvida de O autor reitera que temos ainda a questão dos jogos
forma orientada, com a presença do professor evitando des- e dos esportes, que constituem uma parte importante da
vios éticos ou morais que possam prejudicar a construção socialização, pois desenvolvem noções de regras, de papéis
do caráter dos educandos. e funções, uma noção básica de classes sociais e da divisão
Quanto à importância da educação física Barros (1970)
de papéis, característica da nossa sociedade.
afirma que:
Ainda segundo Bracht (1992):
A educação física tem papel importante na formação
A socialização para o desempenho de determinado pa-
global da personalidade da criança e do adolescente, as-
pel social envolve a aquisição de capacidades (habilidades)
segurando-lhes autonomia individual e sua integração no
físicas e sociais, valores conhecimentos, atitudes normas e
meio social. Utiliza como meio no processo educacional
disposições que podem ser aprendidas em uma ou mais ins-
várias possibilidades como os exercícios físicos, os jogos e
tituições sociais, como por exemplo, a família, a escola, o
os desportos, cuja finalidade é de contribuir para adaptação
biológica e social do individuo (p. 09). esporte, e ainda através dos meios de comunicação, (p. 72).

O autor também salienta que para que esse trabalho Sendo assim, ele transpõe a ideia que as aulas de edu-
seja significativo é preciso que o professor acredite na pos- cação física, principalmente aquelas em que trabalhamos
sibilidade da mudança através do seu trabalho e busque com jogos e esportes, como as aulas de voleibol e basque-
atuar de forma a propiciar vivência saudáveis que possam tebol, são momentos apropriados e privilegiados para o de-
construir boas relações sociais e bons conceitos. Para ocor- senvolvimento da socialização.
rer êxito nas propostas do educador um fator crucial, vale Os alunos já vêm com uma vivência sobre cultura cor-
mencionar, a motivação, é dever do docente motivar os alu- poral, movimentos, vindos da experiência do seu grupo so-
nos através de suas propostas pedagógicas. cial, ao ingressarem na escola tendo ou não experiências em
Paim (2001, p. 73-79), diz que, “a motivação é uma variá- jogos e brincadeiras, visam à escola como um lugar diferen-
vel importantíssima para que se produza um clima adequa- ciado que terão que aprimorar seus movimentos e acrescen-
do a uma aprendizagem eficaz”. adolescente, assegurando- tar sentindo a eles. (BETTI, 1998, p. 13).
-lhes autonomia individual e sua integraç comunidade.pets Na citação do autor acima, fica claro que o educador
O educador tem um papel fundamental na construção deve atuar como mediador do conhecimento, de forma que
das relações em aula, pois é ele que tem autoridade den- os alunos aprendam os saberes escolares em interação com
tro do espaço e do tempo da execução das atividades, é o outro, e não apenas receba-nos passivamente. É dessa for-
ele quem decide como os alunos interagirão ao escolher as ma, que o docente contribuirá para que o aluno desenvolva
tarefas, conteúdos e exercícios da aula. Se o professor não o senso critico e possa cada vez mais participar ativamente
estiver focado para atuar no aspecto social do momento de de sua “prática social” atuando como sujeito em meio à so-
aula, ele pode acabar criando transtornos comportamentais ciedade. Desse modo, cabe ao professor colocar-se como
sérios, que afetarão o educando em diversas dimensões do ponte entre o aluno e conhecimento e cabe ao aluno parti-
ser humano (BRACHT, 1992, p. 74). cipar ativamente desse processo.
Teoricamente diz o autor que, a responsabilidade do A importância do enfoque social na aprendizagem da
educador deveria ser menor do que a dos pais, pois estes criança. Através da problematização desse “social” que o
deveriam ser a maior referência para seus filhos, porém na conhecimento começa a ser construído individualmente e
prática, vivemos em uma sociedade com valores invertidos, socializado através da mediação do professor. A aprendiza-
onde o professor recebe uma responsabilidade que, em al- gem escolar tem um vínculo direto com o meio social que
guns casos, é maior que a dos pais, que se demonstram au- circunscreve não só as condições de vida das crianças, mas
sentes e omissos. também a sua relação com a escola e estudo, sua percepção

40
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
e compreensão das matérias. A consolidação dos conheci- Percebe-se na citação do autor que, no primeiro mo-
mentos depende do significado que eles carregam em rela- mento o fator lúdico é essencial para uma eficiência nas au-
ção à experiência social das crianças e jovens na família, no las de Educação Física, dando liberdade para eles aprende-
meio social, no trabalho. (LIBÂNEO, 1994, p.87). rem a ter autonomia, criticar, acrescentar, criar, isso é o que
Nessa linha de pensamento o autor mostra que nessa qualquer professor não importando a disciplina deseja.16
faixa etária a importância das brincadeiras e jogos coopera-
tivos é muito significativa, porém, não deixemos de lado os Função Social
desportos propriamente ditos, que se bem orientado é de A Educação Física na escola sofreu influências de várias
extrema importância para o adolescente. O professor me- culturas, onde representou diferentes papéis e adquiriu di-
diante a isso deve ser aquele educador observador, não dei- ferentes significados, conforme o momento histórico. Já foi
xando os educandos tomarem conta das atividades propos- considerada higienista, militarista, pedagogicista, competi-
tas, impondo regras simples, para que aqueles mais aptos tivista, popular, progressista, dentre outras denominações.
não acabem por inibir os de menor habilidade, o professor Sendo a Educação Física uma prática pedagógica, podemos
problematizando as tarefas, instigando os alunos a procurar afirmar que ela surge de necessidades sociais concretas que,
soluções mais acessíveis para resolver tal dificuldade, acaba identificadas em diferentes momentos históricos, dão ori-
por ter total controle de seus praticantes, fazer reflexões em gem a diferentes entendimentos do que dela conhecemos
grupo é muito válido, pois dessa maneira os alunos intera- (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
gem e se tornam mais independentes e responsáveis, que- Ao analisarmos historicamente o papel da Educação Fí-
brando o sentido de gênero que nessa idade ainda é forte. sica na sociedade brasileira, poderemos constatar que suas
A respeito Kunz (1993) conclui que: tendências e/ou concepções pedagógicas estão afetadas ao
O peso dos fundamentos de uma coeducativa e a me- momento político e econômico em que elas se deram (BAR-
dida das dificuldades que aí serão encontradas deixam claro BOSA, 1997).
e desejável o aprendizado de ações desportivas e de movi- Historicamente, a Educação Física tem priorizado e enfa-
mentos. Isso significa que a aula de Educação Física em se- tizado a dimensão bio-fisiológica, entretanto a presença de
parado para meninos e meninas deveria ser evitada. Porque outros ramos do saber, especialmente das Ciências Humanas,
somente em conjunto poderão ser buscadas a igualdade de tem se priorizado a multidisciplinariedade, onde o indivíduo,
chances, a desconstrução da relação de dominação e a que- cada vez mais, deixa de ser percebido como um ser essencial-
bra de preconceitos entre os sexos, fatores estes necessários mente biológico para ser concebido segundo uma visão mais
para a construção de relações entre iguais, que julga-se, po- abrangente, onde se considera os processos sociais, históricos
dem impulsionar a transformação social (p.158). e culturais. Ao se analisar as diversas perspectivas em que ela
Sobre esse conceito que ainda permeia a área de Edu- transitou, percebe-se que ainda assim ela não conseguiu bus-
cação Física, o gênero o autor fala também que, por razões car a formação de um sujeito que reconheça o seu próprio
socioculturais normalmente meninos tem mais habilidades corpo em movimento e sua subjetividade.
com bolas, força, e rapidez, enquanto as meninas têm vanta- Portanto, o maior desafio para a Educação Física Escolar é
gem em situações expressivas, ritmos, e coordenação. buscar superar as formas anteriores de concepção e atuação
Ele segue discorrendo que a escola, o docente deve na escola, visto que a superação deve ser entendida como ir
abordar conteúdos que promovam uma troca, uma mescla além, e não como negação do que passou, mas deve ser con-
de atividades, fazendo com que ambos os sexos aumentem siderada como objeto de análise, de crítica, de reorientação
sua gama de conhecimento. Visivelmente o objetivo da edu- e/ou transformação daquelas formas, devendo ser trabalhada
cação física em avaliar os discentes é como eles interagem, sob o viés de interlocução com outras áreas, que permitam
reagem a pequenas frustrações, que participem das aulas entender o corpo em sua complexidade; ou seja, sob uma
com motivação, isso é o mais significativo para essa área. abordagem biológica, antropológica, sociológica, psicológica,
filosófica e política (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008).
Para Gallardo (1998): A Educação Física na escola, infelizmente não tem con-
Cabe à Educação Física compreender e explicar o corpo, quistado os alunos para sua prática efetiva, com isso a maio-
buscando despertar nos educandos uma consciência corpo- ria fica como mero espectador durante as aulas. As aulas não
ral que lhes permita perceberem-se no mundo em que vi- têm atraído os alunos para a prática da atividade física cons-
vem e, de posse dessa consciência, interferir criticamente no tante, pois os mesmos não sabem o que fazem e nem o por-
processo de construção da sociedade brasileira, pois não se quê de sua importância. Portanto, a preocupação de promo-
pode esquecer, também, que a Educação Física, ao desen- ver saúde através da atividade física deve ser ressaltada pela
volver o movimento através dos exercícios físicos, orienta-se Educação Física, na escola, onde a principal atividade deve
para atividades recreativas, esportivas e de ginástica. Aqui ser a educação por meio de diversas manifestações do mo-
talvez esteja o ponto mais polêmico das atividades educati- vimento (jogos, esportes, ginástica, dança e lutas). Por esta
vas da Educação Física. Isso porque se pode perder o signi- educação compreende-se: conduzir pela atividade física, (re)
ficado humano do movimento e, além disso, o esporte pode encantando e (re) educando os alunos para uma vida ativa.
ser dominado pelos princípios de alto rendimento, perden-
do as perspectivas da atividade lúdica e da compreensão da
corporeidade humana. (p. 28).
16  Fonte: www.efdeportes.com – Por Wilian Gonçalves Dutra

41
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A percepção do aluno deve ser orientada para um de- com qualidade, utilizando o movimento como
terminado conteúdo que lhe apresente a necessidade de instrumento pedagógico de desenvolvimento motor e
solução de um problema nele implícito (COLETIVO DE AU- cognitivo. Por isso, a contextualização da prática educativa
TORES, 1992). com a realidade onde esta inserido as crianaças é de
Assim, destacar os benefícios que a prática regular da findamental importância, visto que, o trabalho desta área
atividade física traz, tem que passar do ponto de vista ape- de conhecimento está inserido em uma realidade com
nas do convencimento para a argumentação científica e téc- fortes componentes históricos e sociais que perpassaram
nica, com conteúdos mais significativos nas aulas, pois só e imbutiram suas concepções na metodologia ao longo
assim a Educação Física poderá contribuir com o seu papel do processo de embasamento legal e tecnológico da
na sociedade, onde os alunos deverão demonstrar de modo Educação Física. A cultura do movimento, permite a
efetivo a adoção de estilos de vida ativa e consequentemen- Educação Física preparar o aluno para ser praticante
te saudáveis a partir das aulas, e com isso levar como hábito ativo e lúdico em um compartilhamento social de
para a vida. análise crítica de informações oriundas da mídia. Assim
Então, primeiramente devemos ter como meta para a os objetivos não abarcam mais uma visão tradicional e
Educação Física Escolar, atingir todos os alunos, sem discri- metódica, de passos bem executados.
minação dos menos hábeis, dos mais gordinhos, dos que Todavia surgi uma disciplina que repensando
tem necessidades educacionais especiais, para desta forma seus objetivos e metodologia possibilita aos alunos
estar promovendo o bem-estar e saúde e gradativamente uma significação nos motivos e sentidos das práticas
haver a diminuição do sedentarismo. corporais.
No mundo contemporâneo, onde o sedentarismo e ali- Dentro deste perspectiva o ato multidimensional
mentação inadequada se fazem presente na vida dos ado- do ensinar releva a importância da ação docente,
lescentes, se torna importante discutir nas aulas de Educação cabendo ao professor o papel de auxiliar os alunos
Física as questões sobre saúde e bem estar físico e mental, na compreensão do sentir e relacionar-se na cultura
mostrando aos alunos a importância da prática regular de corporal de movimento, pois não é foco do ensino
atividade física para uma melhor qualidade de vida, dando
o movimento, mas sim do homem em movimento.
subsídios para que o aluno desenvolva atividades com pra-
Consoante, os planos didáticos de ensino em seus
zer e não com sacrifício e má vontade, e ao mesmo tempo
princípios metodológicos precisam comportar o respeito
formar um cidadão crítico e consciente, proporcionando co-
aos diversos níveis de desenvolvimento apresentados
nhecimentos que o aluno possa utilizar dentro e fora dos
por cada aluno, bem como, seus interesses, embasados
ambientes escolares (NAHAS, 2003).
na inclusão, diversidade e adequação das estratégias de
ensino. Porém quando a metodologia empregada pelo
professor restringe-se a técnicas, a atividade realizada
7. FUNDAMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS perde seu valor no processo maior de Educação, ou
DA EDUCAÇÃO FÍSICA seja, acaba por se constituir em prática alienada, sem
possibilitar ao aluno a tomada de consciência no seu
contexto socio-cultural.
A compreensão da corporidade é eminente de uma
Como disciplina curricular obrigatória o enfoque prática educativa, que tem como finalidade aprender a
central da Educação Física Escolar recai nas ações conhecer e a perceber, de forma permanente e contínua,
pedagógicas desenvolvidas nas aulas, pautadas em um seu corpo, suas limitações, na perspectiva de superá-
eficaz planejamento da ação pedagógica, bem como da las, e suas potencialidades, no sentido de desenvolvê-
avaliação. Na conjuntura recente das Metodologias de las, de maneira autônoma e responsável, ou seja, viver
Ensino, é ressaltada a importância do função do professor plenamente sua corporeidade, de forma lúdica, tendo em
no procedimento de organização dos seus programas de vista a qualidade de vida, promoção e manutenção da
ensino, das ações metodológicas que deverão implementar saúde. Segundo Le Boulch (apud Barros e Barros, 1972)
para provocar a aprendizagem crítica e de qualidade. Não as crianças que estão na faixa etária entre 2 e 7 anos
é distinto ao professor de Educação Física, pois como devem ser estimuladas ao máximo em sua capacidade de
componente curricular, a Educação Física tem os mesmos criação e por isso as aulas de educação física na escola
procedimentos pedagógicos de planejamento, execução devem basear-se no atendimento aos diversos aspectos
e avaliação. Sendo a prática pedagógica é uma totalidade naturais da vida ao ar livre e na liberdade de movimentos,
abrangente, o plano didático deverá elucidar componentes ou seja, expansão de atividades espontâneas e criativas.
como o conhecimento da realidade, a observação, a Outro ponto fundamental que requer atenção
verificação e a reflexão epistemológica para tratamento do especial é a avaliação do processo de ensino em
conhecimento da motricidade humana. Educação Física, pois como em toda avaliação alude na
Portanto, diante deste contexto a Educação Física ponderação de peculiaridades envolvidas no decorrer
procura uma educação intergral do corpo, mente e do processo, portanto, o eixo propulsor versa: O que
espírito, assim a descoberta da corporeidade pelas crianças avaliar. Caso o professor limite a avaliação a distribuição
confirmam a construção de aprendizagens significativas de uma nota, o caráter da totalidade exercido pela

42
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
mediação é nulo. Porém quando a avaliação pauta-se nas facetas afetivas, sociais e corporais, elucidando ao avanços
e desenvolvimentos tanto no campo cognitivo, quanto motor, os objetivos revelam-se na capacidade do sujeito
construir sua aprendizagem na mediação do professor, compreendendo e reelaborando sua motricidade, como ação
intencional.
Perante a análise e discussão dos objetivos da educação física escolar, feitas anteriormente, a conclusão mais importante
é que realmente existe uma necessidade de se alterar o modo como a avaliação é realizada a fim de se tirar um maior
proveito do processo ensino-aprendizagem, em todo o complexo biopsicossocial da criança.17

Proposições Metodológicas da Educação Física.

A descoberta e sistematização das diversas formas sobre o porquê e como a Educação Física caracteriza a suas práticas
pedagógicas é importante para reconhecer, compreender e avaliar quais princípios filosóficos, diretrizes e motivações
ideológicas que fundamentam as suas bases ontológicas e epistemológicas.
 A importância de reconhecer essas bases filosóficas reside no fato de que a partir do advento da modernidade e da
transformação do «logos» (razão) numa forma de racionalidade orientada quase que fundamentalmente pela lógica do
trato do conhecimento científico (bases epistemológicas), se perderam de vista, em grande parte, questões básicas que já
fizeram parte importante do estudo da Filosofia no contexto da formação humana, e que nos remetem, historicamente, à
tentativa de compreender a essência do conhecimento, suas contradições, limites e possibilidades.
 A questão fundamental da Filosofia nos remete necessariamente a duas perguntas centrais na história da humanidade.
Uma de natureza ontológica, isto é aquela relacionada com a necessidade de estudar a origem, a essência, a causa
primeira do cosmos, da vida, do pensamento, assim como a relação entre o ser e o pensamento (somos alma, espírito, ideia
imutável ou somos fruto do desenvolvimento e aprimoramento da matéria, dinâmica e mutável?) Outra, a epistemológica,
relacionada com a necessidade de conhecer a essência e a validade do conhecimento científico, enquanto propriedade dos
organismos vivos.
No processo de conhecimento participam os sentidos, a razão, e a intuição. Nesse sentido, pergunta-se: qual deles
é a origem, a fonte a base principal do conhecimento humano? Na questão de saber o lugar e a importância deles no
conhecimento da verdade há divergência de opiniões. Na história da Filosofia apareceram diferentes doutrinas ao respeito
(BASARIAN, 1988, p. 99), tais como o Empirismo, Racionalismo, Intuicionismo e o Materialismo Dialético.
Para a Ontologia, a noção “o ser”, é um conceito utilizado para designar todas as coisas materiais: a matéria, a
natureza, o mundo exterior, a realidade e todos os objetos, fatos e fenômenos materiais que existem “fora” do pensamento.
Ao ser, de natureza material, contrapõe-se o pensamento, a ideia, isto é, a natureza imaterial, ideal ou espiritual.
 O “pensamento” é outro conceito filosófico que designa a consciência do sujeito, a mente, o espírito, a alma e todos
os fenômenos ideais e espirituais, ou seja, os conhecimentos considerados sensíveis e racionais tais como as sensações, as
percepções, as representações, os sentimentos, as emoções, as ideias etc.
 A importância da ontologia e da epistemologia reside no fato, ainda que grande parte dos professores não saiba
disso, de que a partir dessas fontes de conhecimento são construídas as visões de mundo Idealista e Materialista de mundo
como um todo. Concepções que, em essência, caracterizam e sustentam grande parte das ideias ou representações que
construímos ao longo das nossas vidas pessoais e profissionais. A partir da ontologia estuda-se, assim, a essência, das
coisas e indaga-se o que é primeiro o ser ou o espírito, a ideia, a alma?
 A epistemologia estuda a essência do conhecimento e a relação cognitiva que o sujeito estabelece com os objetos
ou fenômenos naturais e sociais. Indaga, por exemplo, qual o fator primário e determinante do conhecimento humano: o
objeto ou o sujeito?
 Tal como poderá ser verificado neste trabalho, conforme a resposta dada às questões ontológicas e epistemológicas
colocadas pela Filosofia, será possível perceber de que forma se materializam na realidade social as duas grandes correntes
ou doutrinas filosóficas predominantes no mundo contemporâneo, o Idealismo e o Materialismo.
Se a resposta for que o pensamento, a ideia, a consciência o sujeito é primário e determina o ser, a matéria, a realidade,
teremos o idealismo filosófico com suas inúmeras variantes. Se, ao contrário, a resposta for que o ser, a matéria, a realidade,
o objeto, é primário e determina o pensamento, a ideia, a consciência, o sujeito, teremos o materialismo filosófico e suas
diferentes variantes (BAZARIAN, 1988, p. 53).
 Dessa forma, o objetivo deste trabalho é descrever as principais abordagens de ensino da Educação Física da História
na Educação Física, buscando compreender, em parte, a sua trajetória histórica, suas possibilidades e limites, bem como
apresentar parte da sistemática de Planejamento Coletivo do Trabalho Pedagógico desenvolvido pelo Núcleo de Estudos
em Planejamento e Metodologias do Ensino da Cultura Corporal da Universidade Federal de Uberlândia - NEPECC/UFU em
processos de formação continuada de professores das redes públicas de ensino.

17  Fonte: www.webartigos – Por Karla Wanessa

43
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Abordagens não propositivas e propositivas do ensino da Educação Física

À luz das correntes epistemológicas do conhecimento científico, várias foram as abordagens constituídas na Educação
Física ao longo da sua história. No quadro 1, abaixo, são apresentadas as abordagens de ensino surgidas a partir dos anos
1980 no Brasil, as quais continuam refletindo, social e politicamente, a pluralidade de entendimentos a respeito de quais
“devem ser” as funções sociais e quais as bases metodológicas do ensino da Educação Física.

 Ao analisar o impacto social da produção de conhecimento decorrente dessas abordagens, verifica-se que elas não
se manifestam no cotidiano escolar de forma homogênea ou consensual e sim sob diferentes lógicas de intervenção
sócio-comunicativa nos contextos em que exercem sua influência, que incluem os mecanismos e os processos de definição
de perfis profissionais, bem como as matrizes curriculares definidas para os cursos de formação de professores (MUÑOZ
PALAFOX, 2001).
 Longe de se concretizarem as práticas destas abordagens em espaços pluralistas e democráticos de socialização do
conhecimento, orientado para a transformação objetiva da prática do professor e da realidade escolar, pode-se observar
que elas vêm se materializando na realidade concreta de forma mais ou menos autônoma, como campos em disputa por
uma hegemonia teórico-instrumental que, em essência, caracterizam a existência diferenciada de projetos políticos de
sociedade, educação e profissão docente, com suas respectivas lógicas de racionalidade teórica e de intervenção social
(MUÑOZ PALAFOX, 1997 e 2001).
 Para Valter Bracht (2007) o quadro das propostas pedagógicas em Educação Física apresenta-se hoje bastante
diversificado e, embora considere que a prática pedagógica atual resista a mudanças4, ou seja, que a prática esteja
acontecendo influenciada pelo paradigma da aptidão física e do esporte rendimento, reconhece que várias abordagens
pedagógicas foram gestadas nas últimas duas décadas, as quais se colocam hoje como alternativas para o ensino da
Educação Física.
 Reforçando estas questões, no Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, realizado em setembro de 1997 em
Vitória/Espírito Santo, foi apresentado um relatório por Castellani Filho e Taffarel dentro do qual identificaram a existência
de 3 grandes correntes de pensamento na Educação Física:
a. Uma, com traços eminentemente positivistas, ainda impregnada do viés da neutralidade da ciência (relacionada
com o modelo da Aptidão Física e do Esporte Rendimento);
b. outra de caráter cientificista e historicista5 onde o contexto sócio-histórico ou é subestimado ou relativizado, e;
c. em posição de minoria, a discussão da ciência e da Educação Física no âmbito da dialética materialista-histórica
das suas relações de produção, na atualidade, nas relações capitalistas.
 Contrariamente às abordagens anteriores esta perspectiva epistemológica considera o trabalho humano e a práxis
social fundamentos essenciais para a construção do cérebro, dos processos de pensamento e da consciência humana
e, portanto, do caráter social irredutivelmente histórico do seu produto: o conhecimento. Em outras palavras, para esta
perspectiva a essência humana além de não ser fruto de uma abstração criada pelos indivíduos isolados é, na realidade,
fruto histórico do conjunto das nossas atividades humano-sociais. Em resumo, a essência humana - onde se localiza a ação
cognitiva que nasce da prática do ato de conhecer - é a soma das forças de produção da vida, que todos enfrentamos e
que estão historicamente construídas.
 A partir da utilização da perspectiva epistemológica «-c-», Castellani Filho (1999) identificou uma série de propostas
metodológicas de ensino da Educação Física com suas respectivas concepções de educação e sociedade, tomando como
referência a literatura surgida no final dos anos 1980 e meados dos anos 1990.

44
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
 A partir da proposta de Castellani Filho (1999), Celi Taffarel (op. cit.) apresentou uma ampliação da mesma a partir do
reconhecimento das principais contribuições teóricas dos autores pesquisados, tal como apresentado no quadro 2, a seguir:

 Para Taffarel, as abordagens não propositivas e propositivas relacionam-se com a abrangência das proposições teóricas
e metodológicas que cada uma das abordagens existentes apresenta para o trato com o conhecimento e a sistematização
e organização dos processos de trabalho pedagógicos, que incluem a avaliação, para viabilizar ou não, propostas concretas
de ensino-aprendizagem na Escola.
 Segundo a autora, um campo acadêmico pode ser delimitado a partir de três critérios de análise utilizados para
identificar metodologicamente as naturezas: filosófica, política e pedagógica do mesmo. Tais critérios foram identificados
ao estudar a produção de conhecimento de grupos, núcleos e laboratórios de estudos e pesquisas da área, publicações
em revistas, livros e propostas curriculares das secretarias estaduais e municipais de educação, assim como nos planos e
programas de ensino dos Cursos de Licenciatura em Educação Física.
 O primeiro critério diz respeito à localização de possibilidades explicativas históricas de proposições epistemológicas
que podem ser apreendidas a partir da consideração do que é ciência, e o que é Educação Física e seu objeto de estudo.
 O segundo critério é a direção política do processo de formação humana assumido no interior de cada abordagem
de ensino e que pode ser apreendida na análise das propostas curriculares, tanto da formação inicial quanto na formação
continuada, e suas relações com um dado projeto Histórico de sociedade, subjacente a tais propostas.
 O terceiro critério refere-se às categorias que fundamentam teórico-metodologicamente cada uma das abordagens
propostas, as quais podem ser identificadas e descritas por meio do estudo das práticas pedagógicas que propõem: a)
no processo de trabalho pedagógico instituído; b) nas formas de organização e sistematização dos saberes que defende e
ministra com seus respectivos objetivos de ensino e, c) pela proposta de avaliação que defendem na sua estrutura curricular.
  A partir da análise dessas indagações será possível, então, identificar e desvendar que fundamentos ontológicos
e epistemológicos caracterizam os Projetos Históricos e seus respectivos Projetos Político-Pedagógicos explicita ou
implicitamente descritos em cada uma das abordagens propostas no campo acadêmico denominado Educação Física.

Abordagens recentes do ensino da Educação Física escolar

 Segundo Bássoli de Oliveira, na atualidade podem ser encontradas as seguintes metodologias do Ensino da
Educação Física, considerando que o ensino vem, historicamente, buscando organizar meios e formas metodológicas que
sejam colocadas em prática para o atendimento das exigências que permeiam o mesmo (OLIVEIRA, 1997).
 Estudos desenvolvidos pelo mesmo Oliveira (1988; 1992), Bracht (1989; 1992), Guilhermeti (1991), Kunz (1991; 1994)
e outros, procuraram demonstrar que as denominadas Tendências Metodológicas de Ensino da Educação Física são
propostas que, em vários casos, sucumbiram antes mesmo de serem testadas e colocadas efetivamente em prática devido
a vários fatores dentre os quais podem ser encontrados: a falta de preparo dos professores para o enfrentamento de novas
estratégias metodológicas; a falta de interesse em estimular novas abordagens metodológicas; a condição de refratário do
conhecimento que os docentes assumem no ensino; a estabilidade empregatícia que os docentes têm dentro do sistema
educacional e do medo da instabilidade frente a novos conteúdos e estratégias metodológicas (OLIVEIRA, 1997).

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Entretanto, mesmo frente a este quadro de dificuldades  Seriação Escolar: Pode ser trabalhada dentro da atual
e incertezas na apresentação de propostas metodológicas, a estrutura curricular escolar. Preocupa-se mais em como
área da Educação Física tem, nos últimos anos, procurado trabalhar, acessar e tornar significativo os conteúdos aos
criar estratégias e apresentar novas formas reflexivas do participantes.
entendimento e aplicação da Educação Física na escola.  Conteúdos Básicos: O mundo do movimento e suas
Este esforço, mais uma vez, vemos que tem sido pequeno relações com os outros e as coisas.
frente aos problemas gerais que a área possui em relação
ao entendimento de toda a comunidade sobre a Educação  Enfoque Metodológico:
Física. Infelizmente, a Educação Física é entendida como • Os conteúdos são construídos por meio da
atividade dentro do processo educacional, é resolvida como definição de Temas Geradores e são desenvolvidos
uma prática sem interesse para a formação integral dos promovendo-se ações problematizadoras;
educandos e assim por diante (OLIVEIRA, 1997). • As ações metodológicas são organizadas de forma
 Para esse mesmo autor, a Educação Física conta a conduzir a um aumento no nível de complexidade dos
na atualidade com quatro propostas de destaque: as temas tratados e realiza-se em uma ação participativa, onde
Metodologias do Ensino Aberta; Construtivista; Crítico- professor e alunos interagem na resolução de problemas e
Superadora e Crítico-Emancipatoria. na definição dos temas geradores;
 Os dados apresentados a seguir foram coletados • O ensino aberto exprime-se pelo estímulo à
e descritos por Oliveira (1997) a partir de uma série de “subjetividade” dos participantes. Aqui entram as intenções
respostas oferecidas pelos próprios idealizadores ao autor. do professor e os objetivos de ação dos alunos.
 O Grupo de Trabalho Pedagógico defende uma
Metodologia do Ensino Aberto aula de Educação Física que:
a. procura uma ligação do aprender escolar com a
 Idealizadores: Reiner Hildebrandt & Ralf Laging vida de movimento dos alunos;
(Alemanha) e Grupo de Trabalho Pedagógico (Brasil). b. não olha para o esporte só como rendimento;
c. considera as necessidades e interesses, medos e
 Referencial Teórico aflições dos alunos, e que não os reduz a condições prévias
• Teoria Sociológica do Interacionismo Simbólico de aprendizagem motora;
(Mead/Blumer). d. mantém o caráter de brincadeira no movimento e
• Teoria Libertadora (Paulo Freire). na forma natural dos alunos, isto é, que faça com que isso
• Interacionismo Simbólico (Blumer). se desenvolva na discussão social;
a. O atributo simbólico é justificado pela premissa e. considera a relação entre movimento, percepção
de que os homens agem baseados nos significados em e realização;
relação a coisas e pessoas; f. possibilite aos alunos a participação em todas as
b. Estes significados são adquiridos em interações etapas do processo ensino-aprendizagem.
sociais;  Relação Professor-Aluno: Estabelece-se dentro
c. Estes significados podem ser modificados através de uma ação co-participativa que se amplia conforme
de processos interpretativos. o amadurecimento e responsabilidade assumida pelos
 Berger e Luckman (1985, p. 98) ao falarem dos integrantes do grupo. O engajamento, competência e
significados/símbolos afirmam: responsabilidade docente são fatores fundamentais para a
Os significados institucionais devem ser impressos efetivação e ampliação das ações pedagógicas no ensino
poderosa e inesquecivelmente na consciência do indivíduo. aberto.
Como os seres humanos são frequentemente preguiçosos e  Avaliação: Privilegia a avaliação do processo ensino-
esquecidos, deve também haver procedimentos mediante aprendizagem.
os quais estes significados possam ser reimpressos e  Livros que tratam do assunto
rememorizados, se necessário, por meios coercitivos • Concepções Abertas no ensino da Educação Física
geralmente desagradáveis. Além disto, como os seres (Hildebrandt & Laging, 1986).
humanos são frequentemente estúpidos, os significados • Visão Didática da Educação Física (Grupo de
institucionais tendem a ser simplificados no processo de Trabalho Pedagógico, 1991).
transmissão, de modo que uma determinada coleção de • Criatividade nas aulas de Educação Física (Taffarel,
“fórmulas” institucionais possa ser facilmente aprendida e 1985).
guardada na memória pelas gerações sucessivas. O caráter
de “fórmula” dos significados institucionais assegura sua Metodologia Construtivista
possibilidade de memorização.
Objeto de Estudo: O mundo do movimento e suas Apesar de o trabalho não ser considerado totalmente
implicações sociais. construtivista, pelo próprio autor que não gosta de
Objetivos Gerais: Trabalhar o mundo do movimento classificação, denominou-se o mesmo como tal por
em sua amplitude e complexidade com a intenção de apresentar, dentro da área da Educação Física, a ligação
proporcionar, aos participantes, autonomia para as mais próxima a esta metodologia educacional. A pessoa
capacidades de ação. que iniciou esta tendência foi Emilia Ferreiro, seguida

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
por Ana Teberosky. Hoje, vários grupos de educadores  Objeto de Estudo: Temas inerentes à Cultura Corporal
estão trabalhando nesta tendência com o propósito de do Homem e da Mulher brasileiros, entendendo-a como
redirecioná-la e aperfeiçoá-la. Na educação já se trabalha uma dimensão da cultura. Busca desenvolver a apreensão,
com a linha denominada de sócioconstrutivismo, um por parte do aluno - da Cultura Corporal, como parte
avanço, segundo os educadores, do construtivismo constitutiva da sua realidade social complexa.
original.  Objetivos Gerais: Desenvolver a apreensão, por
Idealizador: João Batista Freire (na Educação Física). parte do aluno, da sua Cultura Corporal, entendendo-a
Referencial Teórico: Piaget, especialmente com como parte constitutiva da sua realidade social complexa.
as obras “O nascimento da inteligência na criança” e “O  Seriação Escolar: Propõe a estruturação em ciclos de
possível e o necessário, fazer e compreender”. escolarização:
Tendência Educacional: Construtivista (com  1° Ciclo: (pré à 3a. série) - ciclo de organização da
tendência ao sócio-interacionismo - socioconstrutivismo). identificação dos dados da realidade;
Objeto de Estudo: Motricidade Humana, entendida  2° Ciclo: (4a à 6a série) - ciclo de iniciação à
como o conjunto de habilidades que permitem ao homem sistematização do conhecimento;
produzir conhecimento e se expressar.  3° Ciclo: (7a à 8a série) - ciclo de aplicação da
Objetivos Gerais: Ensinar as pessoas a se saberem sistematização do conhecimento;
corpo. Ou seja, terem consciência de que são corpo. Mais  4° Ciclo: (2o grau) - ciclo de aprofundamento da
especificamente seria ensinar as habilidades que permitem sistematização do conhecimento.
as expressões no mundo.  Conteúdos Básicos: São os temas que, historicamente,
Seriação Escolar: Pode ser adaptada ao currículo compõem a Cultura Corporal do Homem e da Mulher
atual, mas aponta, para alterações no currículo, inclusive brasileiros: Jogo / Ginástica / Dança e Esportes.
na seriação.  Enfoque Metodológico: Propõe olhar para as
Conteúdos Básicos: Trabalhar, inicialmente, com a práticas constitutivas da Cultura Corporal, como “Práticas
cultura dos próprios participantes, de modo a tornar, o Sociais”, vale dizer, produzidas pela ação (trabalho) humana
conhecimento significativo. Trabalhar com a educação dos com vistas a atender determinadas necessidades sociais.
sentidos, educação da motricidade, educação do símbolo. Dessa forma, as atividades corporais, esportivas ou não,
 Enfoque metodológico: Trabalha com a componentes da nossa Cultura Corporal, são vivenciadas
metodologia do conflito. A partir do que o sujeito sabe, - tanto naquilo que possuem de “fazer” corporal, quanto
sugerir mudanças no conteúdo, criando o conflito entre o na necessidade de se refletir sobre o significado/sentido
que se sabe e o que é preciso ser aprendido. Do conflito desse mesmo “fazer”.
viria a consciência do fazer.  Relação Professor-Aluno: Defende o prevalecer
Relação Professor-Aluno: Todos participam do da Diretividade Pedagógica (Snyders). Cabe ao professor
processo de construção do conhecimento. explicar, a priori, a intencionalidade de suas ações
Avaliação: Este aspecto necessita ser ainda melhor pedagógicas, pois ela não é neutra. É Diagnóstica
trabalhado. O autor da proposta não se sente à vontade (parte de uma leitura/interpretação da realidade, de
para falar do tema, o que não quer dizer que não o domine, uma determinada forma de estar no mundo), Judicativa
apenas ressalta que para uma tomada de posição seria (estabelece juízo de valor) e Teleológica (é ensopada de
necessário uma dedicação especial ao estudo do mesmo. intenções, metas, fins a alcançar). Tal ação pedagógica tem
Livro que trata do assunto no conhecimento sobre a realidade, manifesta pelo aluno,
• Educação de corpo inteiro (FREIRE, 1989). o seu ponto de partida. Como seu horizonte de trabalho
pedagógico, tem o de qualificar o conhecimento do aluno
Metodologia Crítico-Superadora sobre aquela mesma realidade - no sentido de dotá-lo de
maior complexidade -, de tal forma que ela, realidade, é a
Idealizadores: Coletivo de Autores (1992). mesma... e é diferente!
Referencial Teórico: Teoria do Materialismo  Avaliação: Privilegia a avaliação do processo Ensino-
Histórico-Dialético Aprendizagem.
É denominada Crítico-Superadora porque tem a  Livros que tratam do assunto
Concepção Histórico-Crítica como ponto de partida. • Metodologia do ensino da Educação Física
Assim como ela, entende ser o conhecimento elemento de (Coletivo de Autores, 1992).
mediação entre o aluno e o seu apreender (no sentido de • Educação Física e Aprendizagem Social (BRACHT,
construir, demonstrar, compreender e explicar para poder 1992).
intervir) da realidade social complexa em que vive. Porém,
diferentemente dela, privilegia uma dinâmica curricular Metodologia Crítico-Emancipadora
que valoriza, na constituição do processo pedagógico, a  Idealizador: Elenor Kunz (1994).
intenção dos diversos elementos (trato do conhecimento, Referencial Teórico: Teoria Sociológica da Razão
tempo e espaço pedagógico...) e segmentos sociais Comunicativa (Habermas).
(professores, funcionários, alunos e seus pais, comunidade  Objeto de Estudo: Movimento Humano - esporte e
e órgãos administrativos...). suas ransformações sociais.

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Objetivos Gerais: ta citada do que nas demais. Contudo, pode-se também
• Conhecer e aplicar o movimento conscientemente, constatar junto aos demais idealizadores que mesmo sem
libertando-se de estruturas coercitivas; esse compromisso explícito suas ideias voltam-se à cons-
• Refuncionalizar o movimento. trução de uma sociedade mais justa e humana.
 Seriação Escolar: Não aponta e/ou trabalha alguma •  Entretaento, concordando com Oliveira, este nos
proposta neste sentido alerta para o fato de que o professor deve sempre estar
 Conteúdos Básicos: O movimento humano através precavido contra visões fantasiosas e ilusórias da realidade
do esporte, da dança e das atividades lúdicas. educacional, motivo pelo qual cita BETTI (1991:167), para
 Enfoque Metodológico: Defende a idéia de que quem:
é necessário que cada disciplina se torne um verdadeiro • o discurso sócio-político, que lidera o processo de
campo de estudos e de pesquisa. Também para a Educação transformação na Educação Física brasileira atual, propõe
Física. Afinal de contas os alunos visitam a escola para um modelo de personalidade que desenha um homem crí-
estudar e não para se divertir (embora o estudo possa se tico, criativo e consciente, e os instrumentos disponíveis no
tornar algo divertido) ou para praticar esportes e jogos processo ensino-aprendizagem para acionar tais propostas,
(embora esta prática, também tenha a sua importância). são a polarização em torno da ludicidade, controle interno,
Assim, optou-se por uma estratégia didática com as não-formalidade, cooperação, flexibilidade das regras, solu-
seguintes categorias de ação: trabalho, interação e ção de problemas e honestidade. Pode-se prever um esmo-
linguagem. recimento deste discurso se não houver percepção suficiente
 Uma aula deve ter como caminho a ser percorrido em para acionar esta operacionalização.18
seu desenvolvimento:
1. Arranjo material; Planejamento em Educação Física Escolar.
2. Transcendência de limites pela experimentação;
3. Transcendência de limites pela aprendizagem; O planejamento, de um modo geral, diz respeito a
4. Transcendência de limites, criando. intencionalidade da ação humana em contrapartida ao
 Relação Professor-Aluno: Fundamenta-se na ação agir alatoriamente(Luckesi, 1992), ao “fazer de qualquer
comunicativa problematizadora, visando uma interação jeito”, desconsiderando um fim, um objetivo, e um agir
humana responsável e produtiva. de forma organizada (os meios) para construir/atingir o
 Avaliação: Privilegia a avaliação do processo Ensino- resultado desejado. O planejamento de ensino, portanto,
Aprendizagem. é uma construção orientadora da ação docente, que como
 Livros que tratam do assunto processo, organiza e dá direção a prática coerente com os
• Educação Física: ensino e mudanças (KUNZ, 1991). objetivos a que se propõe. Tem que responder às seguintes
• Transformação didático-pedagógica do esporte questões: -Ao como? Com quê ? O quê ? Para quê ?
(KUNZ, 1994). Para quem ? na forma de plano. Para que seja possível a
• Segundo KUNZ (1994:131) concretização desta atividade docente, há a necessidade
• é necessário que cada disciplina se torne um ver- de uma outra instância de planejamento que são, o projeto
dadeiro campo de estudos e de pesquisa. Também, para a político-pedagógico e o projeto curricular, que serão
Educação Física. Afinal de contas os alunos visitam a escola norteadores da ação docente coerente e responsável, e
para estudar e não se divertir (embora o estudo possa se tor- antecedem ao planejamento de ensino propriamente dito.
nar algo divertido) ou para praticar esportes e jogos (embora Na área de conhecimento da educação física, pelo
esta prática também tenha a sua importância). menos nos periódicos mais expressivos, são muito poucos
•  Nesse sentido, para Oliveira (1997), se desejamos os artigos sobre o tema planejamento de ensino, como
que a Educação Física alcance um novo entendimento e mostrarei a seguir em uma revisão bibliográfica que realizei,
aceitação junto a toda comunidade é imprescindível uma bem como, são poucos os autores que escrevem livros
retomada de ações metodológicas e de conteúdos signifi- sobre a didática da educação física, e consequentemente
cativos no contexto escolar. sobre o planejamento de ensino.
•  Por outro lado, no contexto das mais recentes É possível afirmar que o assunto desperta pouco
Metodologias de Ensino apresentadas, pode ser observa- interesse na academia, e que também seria o planejamento
da a importância do papel do professor no processo de uma questão «polêmica» (MolinaNeto, 1996) para
organização dos seus programas de ensino e das ações os professores de educação física, que ainda não
metodológicas que deverá implementar, as quais exigem estabeleceram uma discussão sobre o tema?
conhecimento, compromisso, responsabilidade e compe-
tência para promover o desenvolvimento de um processo O planejamento de ensino
ensino aprendizagem crítico e de qualidade. Planejamento. S.m. 1. Ato ou efeito de planejar. 2.
•  Oliveira (1997) faz questão de destacar no seu Trabalho de preparação para qualquer empreendimento,
estudo que a importância que o Coletivo de Autores (1992) segundo roteiro e métodos determinados; planificação: o
assumiu ao apresentar na metodologia Crítico-Superado- planejamento de um livro, de uma comemoração.
ra, de Ensino, ao defender a construção de uma sociedade
igualitária, dentro da perspectiva socialista. Tal compromis- 18  Fonte: www.efdeportes.com – Texto adaptado de Gabriel Humberto
so sócio-político está mais claro e explicitado na propos- Muñoz Palafox/Juliano Nazari

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Apresentei acima a conceituação do termo pelo Não necessariamente deverá ser registrado em
Dicionário Aurélio para inicialmente esclarecer sobre o que documento escrito. Poderá tão somente ser assumido
estou escrevendo, e para mostrar que o conceito supra como uma decisão e permanecer na memória viva como
citado se refere ao antecipar mentalmente uma ação, ou guia de ação. Aliás, só como memória viva ele faz sentido.
um conjunto de ações a ser realizada (Vasconcellos, 1995), Papéis e formulários são simplesmente mecanismos de
ou seja, uma ação que visa um fim, referida a um dado registro e fixação gráfica do decidido.”
contexto a ser transformado, de forma que o sujeito esteja Geralmente há dificuldades no âmbito escolar, com
comprometido com a concretização do que foi elaborado. a distinção entre plano e planejamento, como forma de
Planejar faz parte do ser humano, a partir da interação esclarecimento dos termos aqui usados. Por planejamento
com a natureza e com os demais seres, de identificação entendo o processo de reflexão, racionalização, organização
das necessidades e concretização das mesmas, de forma e coordenação da ação docente, que visa articular a
racional. O planejamento pode ser visto pela ótica de, atividade escolar e a problemática do contexto social. Já o
inicialmente atender as necessidades mais básicas do plano é o produto, que pode ser explicitado na forma de
homem primitivo, ao se organizar para sobreviver, ou registro, de documento ou não.
quanto da necessidade de organização das primeiras A didática, através de diferentes autores faz distinção
civilizações, de suas estruturas funcionais, de suas cidades, entre os tipos e/ou níveis de planejamento. Sendo que por
e da organização da sociedade. planejamento do sistema de educação, ou educacional
Para introduzir a questão do planejamento no âmbito o que se refere as grandes políticas educacionais, em
da educação escolar, faz-se necessário, a abordagem das nível nacional, estadual e municipal, o planejamento da
diferentes concepções do processo de planejamento, de escola, ou seja, o projeto educativo (político-pedagógico)
acordo com cada contexto sócio-político-econômico- da instituição, o planejamento curricular, que segundo
cultural ao longo da história da educação escolar. Gimeno Sacristán (1998), é a função de ir formando
Nesse sentido, Ott (1984) faz referência a três fases do progressivamente o currículo em diferentes etapas, fases,
planejamento. A primeira fase é a do princípio prático ou através das instâncias que o decidem e moldam, e
sem grande preocupação formal e, tendo como objetivo finalizando, o planejamento de ensino (objeto de estudo
deste ensaio), de ensino-aprendizagem (Vasconcellos,
atender as atividades de aula exclusivamente. A Segunda é
1995), ou planejamento escolar (Libâneo, 1994), que é o
a fase instrumental, que está relacionada à uma tendência
mais próximo da prática do professor e da sala de aula.
tecnicista de educação, como solucionar os problemas de
O planejamento de ensino propriamente dito, se expressa
falta de produtividade da educação escolar, sem considerar
na organização intencional do professor para atender as
contudo os fatores sócio-político-econômicos. A terceira, e
necessidades do cotidiano escolar, pode ser subdividido em
última é a fase do planejamento participativo, que buscou
plano de disciplina, ou de curso, que é o plano que se faz para
na resistência ao modelo de reprodução do sistema um ano ou semestre; o plano de unidade, que é o planejamento
educacional, valorizar a construção coletiva, a participação de um item ou tópico de um programa (unidade de trabalho);
e a formação da consciência crítica a partir da reflexão e o plano de aula, que nada mais é do que um detalhamento
sobre a prática transformadora. do plano de ensino para a prática da ala de aula.
Segundo Veiga Neto (1993), ao se referir a acepção O planejamento de ensino é processual, são todas as
micro1 do planejamento da educação no Brasil, decisões e ações do professor na interação com o contexto
podemos identificar duas vertentes, uma tecnicista e da comunidade escolar. Portanto desta forma, pode ser
outra participativa ou crítica. Sendo a primeira a que uma programação realizada pelo professor cotidianamente,
pressupõe uma dada importância ao método positivista, constantemente avaliado como processo, e não somente
ou que deram (ou ainda dão?) ênfase ao produto, em em reuniões e períodos previamente estabelecidos para
detrimento do processo, sendo o primeiro (produto) de tal. É baseado na relação entre a teoria e a sua prática em
má qualidade (Balzán, 1996). Os exemplos referentes a um contexto determinado, que se objetiva a concretização
essas tendências no Brasil, são encontrados em literaturas dos princípios e objetivos já elaborados pela instituição
como: “Planejamento de Ensino e Avaliação”, de Turra, et escolar, existentes em seu projeto político-pedagógico.
ali., 1975-1998, “Didática. Uma Introdução”, de Nérici, 1985, Nesse sentido, Freire (1997:44) sobre a reflexão crítica
“Didática Geral”, de Martins, 1986. Já a segunda, mais sobre a prática coloca que:
recente, apresenta um “compromisso com um projeto “(...)O próprio discurso teórico, necessário à reflexão
político-pedagógico progressista para a escola e a sociedade crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se
brasileiras” (Veiga Neto, 1993), pressupondo uma postura confunda com a prática.”
crítica e participativa, de competência e engajamento. As ações planejadas são fruto de reflexões críticas
Em relação a postura crítica, que vai em sentido contrário sobre o próprio trabalho docente, quando inserido em
a burocratização e aos modelos sistêmicos, o planejamento uma comunidade com características e necessidades
não pode ser encarado como ação puramente formal, mas próprias a serem atendidas de forma consciente e objetiva,
como uma ação viva e decisiva, pois é um ato político assumindo em sua prática pedagógica o ato da educação
decisório, como bem coloca Luckesi (1990): em seu sentido mais pleno, como aro ou efeito de educar
“O planejamento, entendido como ato político, será (se), considerando o envolvimento e a participação dos
dinâmico e constante, pois estará afeito a uma constante educandos e educadores na construção do fazer educativo
tomada de decisão. e de seus processos.

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Planejamento de ensino - Uma revisão nos podendo se defrontar com dificuldades comuns às aulas
periódicos nacionais da educação física improvisadas, o que certamente, não é uma experiência
Com o conhecimento de que o trabalho docente positiva.
exige do professor tempo e dedicação, em função de Dessa forma, independentemente de ser professor
todas as atividades que o envolvem, sendo planejamentos, de educação física formado há pouco ou mais tempo,
aulas, reuniões, avaliações e demais atividades da escola consideraria a seguinte questão:
que sobrecarregam os professores em muitas situações, Que concepção de planejamento de ensino tem os
e mesmo no seu cotidiano, sempre há que se encontrar professores de educação física?
espaço para revisar, planejar, e organizar sua prática O planejamento de ensino dos professores de
pedagógica. A didática, seja na formação profissional, seja educação física considera um objeto de estudo baseado
na qual nos confrontamos em nosso cotidiano, dedica- na cultura corporal, não raras vezes limitado às aulas
se ao longo dos anos, ao estudo e aprofundamento do práticas. Considero que é neste ponto que este coletivo se
elemento ou ferramenta planejamento de ensino, como difere dos demais da escola na questão do planejamento
forma de orientação, cumprindo com o seu propósito de de ensino, há uma “liberdade”/flexibilidade maior para
dar suporte e respostas baseados nos referenciais teóricos programar e organizar sua prática pedagógica, baseando-
sobre a prática. me principalmente no plano de aula (produto), em que
o professor pode estabelecer o que vai realizar naquela
O planejamento dos professores de educação física aula. Fica aqui caracterizado um movimento do professor
como uma atribuição “polêmica” no ato de planejar que considero importante destacar,
O planejamento de ensino, ou planejamento que é a centralização da decisão do o quê fazer, podendo
pedagógico - o que está mais próximo da prática estar vinculado aos interesses únicos do professor,
pedagógica e para ela desenvolvido - tem na figura do desconsiderando desta forma, a participação preciosa dos
professor um agente privilegiado de transformação da alunos nas decisões.
realidade, relacionada ao interesse e a complexidade da Para que possa haver participação nas tomadas de
ação a ser desenvolvida. Por ser o trabalho docente exigente decisões, é necessário ter clara a visão de processo, da
- formador - exige planejamento à altura, para evitar o caminhada para atingir os objetivos, sendo que estes
que alguns autores chamam de “improvisação ou acaso” devem necessariamente ser coerentes com o projeto
(Gandin, 1991 — Karling, 1991 - Libâneo, 1994 - Gandin e político - pedagógico da escola. O coletivo precisa da
Cruz, 1995 - Vasconcellos, 1995). Ao mesmo tempo, surge referência do projeto para construir a participação de todos,
o questionamento dos professores em geral sobre o por e acima de tudo, vivenciar a participação nas decisões que
quê do planejamento de ensino e da sua expressão escrita estabelecem os pressupostos dessa educação que a escola
na forma de planos, o “planejar para quê?” (Fleuri, 1987), e ou instituição quer. A partir dessa etapa, o coletivo constrói
“porquê?” (Corazza, 1997), sendo que muitos professores o seu planejamento de ensino, quer seja o plano de curso,
ainda associam o planejamento e a realização de planos de unidade ou o plano de aula, este último individual, e
como um trabalho burocrático desnecessário. Nesse coerente como projeto político - pedagógico e o contexto
sentido, para MolinaNeto (1996), a realização de planos escolar.
para os professores de educação física: Considero que há por parte dos professores de
“(...) é possivelmente uma das tarefas pelas quais os educação física, descrença no planejamento de ensino,
professores de educação física divergem da cultura das manifestada por uma resistência ao colocar no papel o
escolas. De um lado a cultura escolar opera e da forma a sua que se deseja. Há que se considerar a prática negativa, ou
estrutura com base na escritura, por outro lado o coletivo, equivocada de realizar planejamento, muito comum há
como já demonstrei, opera com a palavra oral e a linguagem pouco tempo atrás nas escolas, onde os planos eram uma
corporal. O coletivo considera atarefa de fazer planos escritos tarefa mecânica, para cumprir um ritual de formalidade,
pouco necessária e uma tarefa feminina.” completamente sem sentido e frequentemente de controle
Como podemos ver acima, fazer programação escrita é de atividades ditas como necessárias à escola, cobrados por
uma questão polêmica. coordenadores, orientadores e supervisores. A resistência
Fica ressaltado aqui que o trabalho docente do a este discurso burocrático, foi uma prática de negação
professor de educação física é baseado no fazer, desta forma ao planejamento, não menos equivocada e baseada no
justificando a polêmica em torno do ato de construção discurso de que planos são entregues e engavetados, são
do planejamento e de escrever planos de aula. Considero copiados de livros, de colegas ou de um ano para outro,
importante questionar, inicialmente, que orientações sobre que a prática não leva em conta o que foi colocado no
o planejamento de ensino o professor de educação física plano..., considerando desta forma o planejamento como
tem no seu curso de graduação, enquanto ainda estudante, desnecessário.
seja nas disciplinas de metodologia do ensino da educação Penso que aconteça também o que chamaria de “vício”
física, seja na importante didática da educação física, com do professor de educação física na questão do planejamento
suas orientações referidas à uma teoria didática específica de ensino, que é o fato de considerar que seu tempo de
à prática pedagógica da área. Ao passo que ao longo, experiência como professor substitui o planejamento, e
ou pelo menos no final do curso de graduação, terá que que o mesmo é para quem está começando a dar aulas.
organizar suas aulas nas disciplinas de prática de ensino, Penso que a experiência seja importante para qualquer

50
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
ação humana, na medida em que se já nos defrontamos Segundo a definição de Vasconcellos (2000), percebe-
com aquela situação, já temos elementos a considerar se que essa metodologia visa organizar as tarefas,
para reconstruir nossa ação e consequentemente, atingir estabelecendo as condições para a realização de ações
os objetivos a que nos propusemos. Acrescentamos integradas dentro de um processo teórico-metodológico.
elementos, não os consideramos como acabados na Atualmente vive-se em tempos de constantes
educação física, a prática do planejamento participativo é mudanças nos processos da educação como as inúmeras
um exemplo pertinente, pois a construção se dá no sentido atualizações da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), sendo
da flexibilidade de discutir as ideias de todos para a ação que a última atualização ocorreu por meio da lei 12.796,
coletiva, a participação.19 de 4 de abril de 2013, a qual visa buscar melhorias para
O planejamento é uma ferramenta de fundamental a educação e cumprir o direito universal à educação
importância na organização de qualquer atividade, pois para todos. Com tantas mudanças a importância de se
o profissional tem necessidade de planejar para realizar ter um bom planejamento aumenta, e um professor de
intervenções com qualidade. O resultado final do plane- Educação Física ao planejar suas aulas deve ter em mente
jamento é um documento que deve definir decisões, ob- as seguintes perguntas: que sujeitos pretendo formar? O
jetivos, estratégias, instrumento, recursos e prazos para o sujeito submisso ou critico e/ou reflexivo?
alcance dos resultados, e as principais características que Desta forma surge uma indagação: por onde começar
podem ser observadas em um planejamento são: Participa- um bom planejamento? Entende-se que num primeiro mo-
ção, Objetividade, Coerência, Exequibilidade, Flexibilidade, mento deve-se conhecer a escola, seus alunos e o Projeto
Continuidade, Contextualização e Clareza. Político Pedagógico. Conhecer essa realidade permite pla-
O professor que utiliza o planejamento como uma nejar estabelecendo formas que possam levar ao alcance
ferramenta no seu trabalho demonstra interesse em prever dos objetivos propostos no processo de ensino aprendi-
e organizar as ações e os processos que vão acontecer no zagem.
futuro, aumentando a sua racionalidade e eficácia. Através Conforme Libâneo (1994, p. 222), o planejamento
dele o professor programa e planeja as atividades que vai do professor deve ser “um processo de racionalização,
propor aos seus alunos determinando quais os objetivos organização e coordenação da ação docente, articulando
pretendidos para cada uma delas. Existem três modalidades a atividade escolar e a problemática do contexto social”.
de planejamento na área educacional: o plano de ensino, o O planejamento permite ao professor direcionar
plano de aula e o plano da escola. suas ações, sendo que a ação docente ganha eficácia na
Assim, entender o que é, e como se realiza um medida em que o professor acumula experiências com
planejamento torna-se importante, para que o professor situações de ensino, pois, de acordo com Libâneo (1994,
tenha clareza de como o mesmo pode auxiliar na p. 225), “o professor serve, de um lado, dos conhecimentos
organização metodológica dos conteúdos a serem do processo didático e das metodologias específicas das
desenvolvidos nos seus afazeres diários de aula, os quais matérias e, de outro, da sua própria experiência prática”.
devem visar o desenvolvimento e a formação de seus São diversos os saberes profissionais que um professor
alunos em todos os aspectos. deve ter conhecimento, podendo a partir deles, estruturar
Segundo Cardoso et al. (2011) o planejamento deve sua docência, no seu modo de ser professor. Isso implica
abranger todos os fatores que influenciam no processo uma série de conhecimentos, capacidades e habilidades.
ensino-aprendizagem, como: público alvo, visando sempre Não basta apenas ter conhecimento, é preciso saber de que
a realidade que os educandos estão inseridos, recursos forma e qual a melhor forma de se ensinar, relacionando a
didáticos, metodologia a ser aplicada, além de apresentar teoria com a prática, por isso a importância do planejamento
flexibilidade para contemplar as situações que ocorrerem das aulas. O saber ensinar e ter a plena conscientização
durante as aulas. de todo o processo que envolve o ato de ensinar outras
Conforme Vasconcellos (2000, p. 79), “planejar é pessoas ao longo da carreira profissional, são alguns dos
antecipar mentalmente uma ação ou um conjunto de fatores que diferenciam e valorizam o ser professor dos
ações a serem realizadas e agir de acordo com o previsto. demais profissionais. Cabe ao professor, durante a atuação
Planejar não é, pois, apenas algo que se faz antes de agir, docente, transmitir aos alunos, saberes e valores, fazendo-
mas é também agir em função daquilo que se pensa”. os refletir, compreender, interagir, questionar, criticar e
O planejamento é algo amplo, podendo ser avaliar. Conseguir que os alunos aproveitem o tempo de
compreendido também como o define Vasconcellos (2000, ensino no âmbito escolar deve mobilizar a atuação docente.
p. 79), o planejamento enquanto construção-transformação É compromisso do professor fazer de outras pessoas
de representações é uma mediação teórica metodológica seres pensantes, críticos, ativos e participativos e não
para ação, que em função de tal mediação passa a ser meros espectadores, contribuindo em todos os aspectos
consciente e intencional. Tem por finalidade procurar fazer para a melhoria da sociedade.
algo vir à tona, fazer acontecer, concretizar, e para isto é A Educação Física tem o papel de inserir o educando
necessário estabelecer as condições objetivas e subjetivas na cultura corporal de movimento para que ele possa
prevendo o desenvolvimento da ação no tempo. exercer sua cidadania e usufruir destes conhecimentos.
Para Betti (2002, p. 74), a cultura corporal de movimento
tende a ser socialmente partilhada, quer como prática ativa
19  Texto adaptado de Fabiano Bossle ou simples informação. Tal valorização social das práticas

51
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
corporais de movimento legitimou o aparecimento Concluiu-se que o planejamento deve estar pre-
da investigação científica e filosófica em torno do sente no cotidiano dos professores de Educação Física
exercício, da atividade física, da motricidade, ou diária e continuamente, pois através dele que conse-
do homem em movimento. Inicialmente restrito ao guem organizar suas aulas de acordo com a realidade
domínio da Fisiologia do Exercício, área da Medicina, estabelecida, de forma didática, organizada, definindo
esse campo de pesquisa está presente hoje em estratégias para que os objetivos sejam alcançados. 20
muitas áreas científicas, como História, Psicologia e
Sociologia, além da Filosofia. A partir dos anos 1960, Planejamento curricular
na Europa e Estados Unidos, em meados da década de O principal questionamento quando trabalhamos com
1980, no Brasil, a Educação Física passa a constituir- o planejamento curricular é o seguinte: Como organizar os
se, nas universidades, como uma área acadêmica conteúdos da Educação Física Escolar?
organizada em torno da produção e sistematização Os professores têm muita dificuldade em estar
desses conhecimentos. organizando a sistematização dos conteúdos. Quando
Deve-se ter de forma clara que a Educação Física é trabalhar e com o que trabalhar em cada uma das séries?
antes de tudo uma prática pedagógica, e reconhecê- As demais disciplinas possuem conteúdos sistematizados
la desta forma é fundamental para reconhecer o tipo que indicam claramente o que trabalhar ao longo dos
de relação possível entre a Educação Física e o saber anos escolares, mas a Educação Física não o possui e isso
científico. A Educação Física tem como centralidade, acaba por gerar dúvidas e trabalhos desarticulados e sem
o interesse no movimento humano, por isso a seqüência lógica.
importância da investigação científica em torno de Isso é fundamental para qualquer organização
suas práticas para uma melhor qualidade e eficiência curricular que se pretenda. No que diz respeito ao
no que se refere a cultura corporal de movimento. planejamento e sistematização dos conteúdos da Educação
Com isso, os diversos conteúdos que compõe os Física Escolar tem-se a dúvida: deve atender ao desporto,
eixos da Educação Física como os jogos, os esportes, à linha desenvolvimentista que considera os níveis de
desenvolvimento e complexidade das ações motoras, à
as danças, as lutas e as diversas formas de ginásti-
vertente da cultura corporal ou outra linha de trabalho?
ca devem estar sempre presentes no âmbito escolar,
Desprezar qualquer linha de pensamento ou de
pois seus conhecimentos e sua prática influenciam no
prática pedagógica, é como estar limitando a ampliação
comportamento dos alunos, nos aspectos físicos, cog-
e complexidade das possibilidades pedagógicas que cada
nitivos e afetivos. Através desses conteúdos, é possí-
uma delas traz implicitamente. Sendo assim, é importante
vel demonstrar que a Educação Física contempla os
que os docentes se apropriem de todos os conhecimentos
múltiplos conhecimentos que proporcionarão expe-
possíveis e que, por intermédio deles, elaborem matrizes
riências diversas no que tange a cultura corporal de
curriculares a ponto de propiciarem avanços pedagógicos
movimento. palpáveis e úteis ao momento histórico que esteja vivendo.
De acordo com Libâneo (1994, p. 225), “o Contudo, faz-se necessário entender as limitações
planejamento não assegura, por si só, o andamento tanto pessoais quanto estruturais dos avanços. Isso pode
do processo de ensino”. O professor precisa, então, minimizar choques e retrocessos pedagógicos traumáticos
estar preparado para eventuais momentos em que para todos que participam do processo educativo.
seu planejamento necessite ser modificado, mas sem De acordo com Sacristán (1992, p.312), o professor não
perder o objetivo ao qual foi pretendido. atua seguindo modelos formais ou científicos, nem elabora
Assim, o planejamento das aulas é um estratégias de intervenção precisas e inequívocas segundo
instrumento fundamental para o professor elaborar modelos de ensino ou de aprendizagem, nem decide a sua
sua metodologia conforme o objetivo a ser alcançado, prática a partir de filosofias ou declarações de objetivos,
tendo que ser criteriosamente adequado a qualquer pelo fato de responder pessoalmente, e na medida de suas
contexto, havendo flexibilidade, caso necessite de possibilidades, com diferente grau de comprometimento
alterações. ético-profissional, às exigências do seu posto de trabalho com
Muitos são os desafios encontrados, mas se o um grupo de alunos em condições determinadas. Porém, não
planejamento surtir efeito para os alunos, fazendo- podemos concluir que, por isso tudo, é um mal profissional.
os pensar e refletir sobre diversas questões buscando Na sua atividade prática, pode aproveitar idéias e
soluções para elas, tornando-os mais críticos e reflexivos teorias científicas, muito embora se trate sempre de uma
e não submissos nos processos da educação, todo elaboração pessoal perante situações complexas em
esforço já terá sido válido, pois o professor terá a certeza que se deveria contar com o tacto, com a experiência e
que os alunos, não só evoluíram no seu conhecimento com o saber-fazer, depurados por uma crítica realizada a
e aprendizagem, mas porque se conscientizaram de que partir dos valores que guiam a ação e a partir do melhor
não é só por ter um professor/orientador presente que conhecimento possível da realidade e de como esta
eles necessitam aprender, mas que precisam aprender e poderia ser.
melhorar por si próprios.
20 Fonte: www.revistas.unijui.edu.br - Texto adaptado de Suleima Leni-
ce Renner Matthes/ Luiz Serafim De Mello Loi.

52
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
O conhecimento científico e as teorias pedagógicas, são importantes para conhecermos melhor, para nos
conscientizarmos das consequências e para descobrir, com mais clareza, caminhos alternativos. Porém, em si mesmas, não
orientam diretamente a prática docente.
O autor nos aponta, de forma bastante clara, que entendermos o nosso cotidiano, nossas condições e realidade se
coloca como ponto central nas possibilidades de avanços na prática pedagógica. A leitura, compreensão e domínio dos
conhecimentos e teorias pedagógicas se fazem como base do saber-fazer, entretanto as variáveis das condições locais,
estrutura, possibilidades de ações, administração, demais docentes, alunos e tantas outras, impedem, por vezes, a aplicação
de novas ações em sua plenitude. Isso deve servir de alerta e, ao mesmo tempo, de reflexão para avanços gradativos e
continuados. Neste sentido destacamos também o trabalho de Oliveira (1999) que demonstrou como atuar de forma
gradativa na implantação de novas propostas metodológicas e os percalços que o docente vivencia nesta mudança.
Assim colocado, como a Educação Física pode ser pensada e organizada no meio escolar?
O primeiro passo ao qual devemos no dedicar é o de uma visão macro da área. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
os definem como blocos (a) esportes, jogos, lutas e ginásticas; (b) atividades rítmicas e expressivas e (c) conhecimento
sobre o corpo. Porém, entendemos que os conteúdos da Educação Física exigem uma ampliação e redefinição desta
sugestão, ou seja, classificamos como núcleos de concentração e procuramos ampliar suas abordagens e propiciar maior
complexidade deixando-lhes o movimento humano como objeto de estudo e não apenas modalidades esportivas. Desta
forma, os estruturamos como: a) o movimento em descoberta e estruturação; b) o movimento nas manifestações lúdicas e
esportivas; c) o movimento em expressão e ritmo e d) o movimento e a saúde onde:
 
a) O movimento em descoberta e estruturação: compreende a fase inicial do movimento humano, ou seja, a descoberta
e a vivência exploratória. Os conteúdos relacionados a este núcleo cuidarão de oferecer uma formação suficiente à vivência e
ao entendimento do mundo motor de base. A fase de estruturação compreenderá os conhecimentos afetos à reelaboração
e adaptação do mundo motor ao atendimento das diversas manifestações construídas e praticadas pelo homem;
 
b)    O movimento nas manifestações lúdicas e esportivas: compreende o estudo da cultura elaborada em relação ao
mundo motor. Contemplar o maior número de experiências e vivências dentro do que o homem criou e estruturou no
mundo motor é a função básica deste núcleo. A sociedade pode ser demonstrada e estudada por meio dos conteúdos
deste núcleo e, o estudo pormenorizado dos conteúdos aqui tratados, poderá contribuir no entendimento maior de como
esta se organiza. Os jogos e esportes e suas múltiplas variações são os componentes centrais;
 
c)  O movimento em expressão e ritmo: o corpo e suas possibilidades motoras é muitas vezes esquecido em sua
beleza e condição expressiva. Realçar esta faceta de fundamental importância na estruturação biopsicológica de nossos
alunos é função deste núcleo. A escola é um dos poucos espaços sociais onde as habilidades artístico-motoras podem ser
vivenciadas, exploradas e, assim, contribuir na formação de um sujeito que consiga perceber e entender um pouco melhor
a arte, o seu próprio corpo e suas possibilidades. As artes cênicas e a ginástica são os grandes componentes deste núcleo;
 
d) O movimento e a saúde: o movimento coloca-se como elemento imprescindível às condições básicas de saúde,
assim este núcleo deverá abarcar as questões básicas da higiene, saúde e atividade física permanente. Este núcleo, da
mesma forma que os demais, é constante em toda a vida escolar do aluno. Ao encerrar o ensino médio, a última etapa da
Educação Física curricular obrigatória, o aluno deverá possuir autonomia sobre os conhecimentos relacionados ao corpo,
suas condições básicas de higiene e de como se organizar para uma vida saudável fazendo uso dos conhecimentos aqui
trabalhados.
 
A apresentação dos núcleos e suas nomenclaturas deve ter deixado claro que entendemos o objeto de estudo da
Educação Física como sendo o movimento humano. Este entendimento é baseado nos estudos fenomenológicos de Merleau
Ponty (1994), nos estudos sobre a motricidade humana de Sérgio (1995), e nas propostas de ensino aberto de Hildebrandt
e Laging (1986), Grupo de Trabalho Pedagógico (1991) e Gallardo, Oliveira e Araveña (1998).
 
Para melhor visualização dos conteúdos dos núcleos temáticos, organizamos o quadro abaixo:

53
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Quadro 01: Organização dos núcleos temáticos e seus respectivos conteúdos

Núcleos Conteúdos Básicos


a) o movimento Habilidades motoras de base (locomotoras, não-locomotoras,
em descoberta e manipulativas, coordenação viso-motora), esquema corporal, percepção
estruturação corporal
b) o movimento nas Jogos (motores, sensoriais, criativos, intelectivos e pré-desportivos);
manifestações lúdicas e Esporte Institucionalizado (basquetebol, voleibol, handebol, atletismo,
esportivas futebol, futsal, ciclismo, outros) e Esportes Alternativos (capoeira, escaladas,
caminhadas, passeios, bets, malha, peteca, outros)
c) o movimento em Ginástica, Dança, Brinquedos Cantados, Cantigas de Roda, outros
expressão e ritmo
d) o movimento e a Higiene e Primeiros Socorros, Ergonomia, Bases Anátomo-fisiológica
saúde do corpo humano, Bases nutricionais, Aspectos básicos da metodologia
do treinamento, Avaliações do crescimento, desenvolvimento, composição
corporal e aptidão física
 
Os conteúdos apresentados no quadro acima demonstram, de forma ainda reduzida, a riqueza de conteúdos que
a Educação Física Escolar pode utilizar em suas práticas e superar a mesmice que adota no sistema escolar que causa
desânimo e desinteresse nos alunos ao longo da vida escolar (Oliveira, 2001).
A partir do momento que um quadro de organização geral dos conteúdos e núcleos foi definido (Quadro 01), deve-
se partir para o segundo passo, que é o da distribuição destes núcleos em forma proporcional a ser destinado ao longo
da vida escolar, considerando-se as etapas de crescimento, desenvolvimento e maturação sócio-cognitiva e motora dos
alunos.

Antes de iniciar o próximo passo, faz-se necessário que o docente tenha claro quais são os objetivos gerais das séries
escolares. Para tanto, apresentamos no quadro abaixo, uma sequência de objetivos, de modo que possam demonstrar uma
evolução no encaminhamento e desenvolvimento dos conteúdos do componente curricular Educação Física.

Organização dos objetivos do eixo movimento para a Educação Infantil

Objetivo Geral
Vivenciar a motricidade em sua plenitude por meio de ações lúdicas a fim de estimular o
desenvolvimento das habilidades motoras de base
Maternal Estimular o desenvolvimento das múltiplas possibilidades de exploração dos
movimentos relacionados ao controle do corpo
Pré I Estimular as crianças para que atinjam o estágio elementar de execução das
habilidades motoras fundamentais
Pré II Estimular a utilização das habilidades motoras de formas variadas e criativas
Pré III Organizar e integrar as habilidades motoras fundamentais, sobretudo aquelas
culturalmente determinadas.

54
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Organização dos objetivos do componente curricular Educação Física para o Ensino Fundamental (1a à 8a série) 
 
Objetivo Geral
Explorar e estudar o mundo motor por meio das manifestações da cultura corporal visando o
entendimento da estrutura social e a estimulação ao desenvolvimento das potencialidades motoras.
1a Série Vivenciar atividades que auxiliem no alcance do estágio maduro de execução
dos movimentos fundamentais; apropriação teórico-prática das atividades da
cultura corporal (familiar e do meio físico-social próximo); estimular diferentes
formas de convivência harmônica entre as crianças por meio de atividades que
favoreçam a cooperação, a responsabilidade, a independência e a criação de
normas para o trabalho em pequenos grupos.
2a Série Estimular o conhecimento e a participação em atividades ligadas à cultura
corporal presentes no cotidiano dos participantes que façam parte de sua
comunidade local ou regional; a partir do conhecimento das possibilidades
e das limitações corporais, ser capaz de estabelecer algumas metas para si
próprio; participar de atividades em grupo, discutindo e criando regras, valores
e atitudes relacionados à colaboração, à independência, à responsabilidade e ao
respeito às competências individuais e às diferenças entre meninos e meninas.
3a Série Ampliar e aperfeiçoar as habilidades motoras desenvolvidas nas séries anteriores;
estimular a capacidade de organização técnica conhecendo e diversificando as
formas de realização das atividades, dos jogos e das brincadeiras; conhecer e
desenvolver as atividades que fazem parte da cultura corporal regional e do
estado.
4a Série Facilitar a apropriação dos conhecimentos e vivências das atividades da
cultura corporal regional e nacional; ampliar e aperfeiçoar a combinação das
habilidades motoras fundamentais; analisar e construir normas, regras e valores
para o desenvolvimento de atividades em grupo.
5a Série Estudar e vivenciar as formas dos desportos institucionalizados com ênfase em
seus fundamentos e valências físicas básicas; reconhecer as formas motoras
básicas para a prática dos desportos e suas relações com o cotidiano; estudar a
influência de hábitos saudáveis para a qualidade de vida.
6a Série Estudar e vivenciar as formas dos desportos institucionalizados com ênfase
aos seus fundamentos e valências físicas básicas; ampliar as experiências em
ginástica e suas manifestações cotidianas; identificação e estudo do processo
histórico desportivo; estudar sobre a influência de hábitos saudáveis para a
qualidade de vida.
7a Série Estimular a participação em atividades desportivas institucionalizadas
com o propósito de aprimoramento e vivência da fundamentação
anteriormente praticada; estudar os sistemas táticos e técnicos dos desportos
institucionalizados; analisar as técnicas ergonômicas e posturais adequadas
para as ações cotidianas.
8a Série Estudar sobre a influência da vida ativa para a manutenção da saúde; ampliar a
participação no desporto institucionalizado por meio de ações organizacionais
e vivências práticas; estudar as formas básicas de condicionamento físico.

55
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
 Organização dos objetivos do componente curricular Educação Física para o Ensino Médio (1a à 3a série) 

Objetivo Geral
Explorar e analisar o mundo motor por meio das manifestações da cultura corporal, visando o
entendimento e a autonomia frente aos conhecimentos relativos à prática da atividade física permanente
1a Série Entender o corpo como elemento de relação e linguagem humana; estudar as
mudanças anatômico-fisiológicas do homem e da mulher no cotidiano e no
esporte; aplicar os esquemas táticos e técnicos na prática do desporto institu-
cionalizado; estudar e aplicar os sistemas de organização desportiva e recrea-
tiva junto aos acadêmicos do ensino fundamental.
2a Série Analisar a participação do fenômeno esportivo na cultura humana; utilizar o
desporto como elemento fomentador ao entendimento das estruturas sociais
vigentes; capacitar os acadêmicos para a plena utilização dos conhecimentos
sobre o corpo para a manutenção de hábitos saudáveis; vivenciar a aplicação
de sistemas de treinamento junto ao grupo e individualmente.
3a Série Capacitar os acadêmicos para que atinjam autonomia sobre os conhecimentos
relativos à prática permanente da atividade física; estimular a prática das
manifestações da cultura corporal como elementos imprescindíveis à qualidade
de vida saudável; estimular a vivência dos conhecimentos referentes a atividades
recreativas e de prática de atividade física permanente junto aos familiares e
comunidade.
 
Os objetivos apresentados não encerram todas as possibilidades de ações que devem ser trabalhadas ao longo da vida
escolar, apenas foram colocados para que o docente pudesse ter uma ideia clara da evolução a ser atribuída aos conheci-
mentos da Educação Física, mais especificamente ao mundo motor. Iniciamos o trabalho na Educação Infantil procurando
possibilitar as mais inúmeras vivências para que as crianças possam conhecer suas possibilidades. Avançamos para a ex-
ploração e estudo no Ensino Fundamental e encerramos o Ensino Médio possibilitando a exploração e análise do mundo
motor com vista à autonomia. Esta sequência deve ser organizada e contemplada nos planos pedagógicos das escolas.
Para um resgate geral do que vimos até o momento, organizamos a figura ilustrativa abaixo das etapas trabalhadas e
a serem trabalhadas pelo docente, para que se possa possibilitar uma visualização geral das ideias defendidas aqui.

56
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A Figura acima traz em seu topo a apresentação da Proposta Pedagógica (PP) da escola. A PP deve se constituir como
a luz norteadora de todas as ações a serem desencadeadas pela escola.
De acordo com Consolaro (2000, p. 260) a PP deve ir além de um simples agrupamento de planos e atividades; não
é algo para ser construído e em seguida arquivado e deve ser construído e vivenciado por todos no processo educativo.
E tem por finalidade ofertar à escola autonomia financeira, estrutural e pedagógica; dar liberdade e capacidade para
constituição de sua identidade e atendimento aos requisitos regionais e locais e, por fim, colocar a escola como espaço
público, lugar de debate e de diálogo para uma reflexão coletiva.
Os pontos destacados pelo autor (op. cit.) são imprescindíveis para que possamos avançar com as questões pedagógicas
escolares. As atuais leis educacionais possibilitam que caminhemos nesse sentido coletivo e autônomo, entretanto, ainda
há muita resistência e temor em assumir essa condição de construção pedagógica coletiva dentro da escola. Muitos temem
assumir responsabilidades que lhes cabem, com o receio dos erros e da necessidade da constante atualização pedagógica.
De nada ou muito pouco vai adiantar o desenvolvimento de um trabalho, como o aqui apresentado, se ele estiver
desvinculado dessa estrutura maior que é a PP. É fundamental que o docente se inteire das propostas e das condições
gerais de sua escola para que possa atender, com a sua área de conhecimento, os propósitos pedagógicos centrais
estabelecidos pela PP.
Para encaminharmos um fechamento para este trabalho, apresentamos, na sequência, uma organização geral dos
pontos até aqui detalhados recuperando alguns exemplos e chegando até o plano de aula.

Passo 01) Definição dos núcleos temáticos para a área

Núcleos Conteúdos Básicos


a o movimento em descoberta Habilidades motoras de base (locomotoras, não-locomotoras, manipulativas,
e estruturação coordenação viso-motora), esquema corporal, percepção corporal
 
 
Passo 02) Estruturação dos conteúdos e suas possibilidades de abordagem
Núcleo a - O movimento em descoberta e estruturação
1 - HABILIDADES MOTORAS DE BASE
1.a) Locomotoras

Passo 03) Estruturação dos objetivos e suas possibilidades de abordagem

Objetivo Geral
Explorar e estudar o mundo motor por meio das manifestações da cultura corporal visando o
entendimento da estrutura social e a estimulação ao desenvolvimento das potencialidades motoras.
1a Série Vivenciar atividades que auxiliem no alcance do estágio maduro de execução
dos movimentos fundamentais; apropriação teórico-prática das atividades da
cultura corporal (familiar e do meio físico-social próximo); estimular diferentes
formas de convivência harmônica entre as crianças por meio de atividades que
favoreçam a cooperação, a responsabilidade, a independência e a criação de
normas para o trabalho em pequenos grupos.

 De posse dos passos iniciais, elaborar a matriz que deverá atender à elaboração dos planos de curso, unidade e aula.

 Passo 04) Organização dos planos de curso e unidade (assinalar nas planilhas os conteúdos que deverão ser trabalhados
em cada uma das séries e em que bimestres)
Esta etapa facilitará sobremaneira as etapas de organização anual e bimestral.

57
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
ANDAR
SÉRIES 1ª SÉRIE 2ª SÉRIE
BIMESTRES 1ºB 2ºB 3º 4º   1º 2º 3º 4º
B B B B B B
Revisão do andar X                
- imitativo X                
- na ponta do pé X                
- no calcanhar X                
- lateral interna do pé X                
- lateral externa do pé X                
- pé ante pé X                
- andar lateral X                
- andar lateral cruzado X                

Obs.: trabalhar com as variáveis espaço-tempo.

Ao finalizar esta etapa o docente deverá ter claro quantas aulas tem no ano e organizar a distribuição de forma
adequada para que possa estar distribuindo os conteúdos selecionados nas respectivas cargas-horárias. Normalmente e, de
acordo com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, as escolas têm de trabalhar 200 dias ano,
isso equivale a 40 semanas. As aulas de Educação Física normalmente são ministradas em uma média de duas horas-aula
semanais. Assim, temos, aproximadamente, uma carga horária de oitenta horas aula ano, sendo vinte para cada bimestre.
Esses cálculos podem variar de escola para escola de acordo com o projeto pedagógico de cada uma.
Dessa forma, o docente deverá, obedecendo os passos anteriores, organizar a distribuição adequada dos conteúdos
selecionados de acordo com a carga-horária de que dispõe ao longo dos anos escolares.

Passo 05) Organização dos planos de aulas


Esta etapa se caracteriza como de difícil execução pelos docentes da área da Educação Física. A experiência nos tem
demonstrado que uma parcela bastante reduzida de docentes faz uso deste elemento didático imprescindível. Entretanto,
vamos reforçar o valor do plano de aula e apresentar um exemplo com ênfase na característica problematizadora.
Um plano de aula deve estar totalmente atrelado ao contínuo das etapas anteriores e deixar clara a sua importância na
organização e ordem geral dos conteúdos trabalhados.
A estrutura básica que temos hoje se prende a três etapas básicas:
Introdução: momento de organização dos conteúdos a serem tratados no decorrer da aula, com o adequado preparo
dos alunos para o seu enfrentamento. Apresentação dos objetivos propostos e ações a serem desencadeadas.
Desenvolvimento: momento onde os conteúdos e as ações são vivenciados, discutidos e refletidos.
Conclusão: momento final onde se resgata o objetivo proposto para a aula e analisa-se sua importância, forma como
foi tratado e se foi atendido pelas estratégias organizadas. Coloca-se também como um momento de preparo às próximas
aulas programadas e ações/estudos que devem ser executados.
Destacamos que a definição do tema da aula e seus objetivos devem ser previamente estabelecidos. As etapas
salientadas se prendem ao desenvolvimento da aula.
Ao falarmos em temas de aulas, por vezes nos defrontamos com temas que são impossíveis de serem vencidos em uma
ou duas aulas. Estes devem estar sendo previstos para mais aulas e estar organizados de tal forma que haja uma seqüência
adequada das ações e um avanço gradativo destas. Muitas vezes o tema se altera, mas não necessariamente o conteúdo
básico.
Como exemplo do que foi citado apresentamos os planos atendendo a seqüência dos passos anteriores.
 
PLANO DE AULA
Conteúdo Básico: Andar
Tema definido: Uma caminhada pela floresta encantada
Carga-horária estimada: 01 hora aula Turma: 1a série Sexo: Misto
Objetivo Geral: Levar os alunos a apresentar e vivenciar formas de caminhar fazendo uso de interpretação corporal de
estórias, para que consigam perceber as diferenças existentes entre as diversas formas desta habilidade motora de base.

58
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física

Conteúdos No de aulas Estrutura Metodológica


  Aula 01
Revisão do andar Tema: “Uma caminha pela floresta encantada”
 
- imitativo
Introdução: apresentação do objetivo proposto para a aula e res-
- na ponta do pé
gate de formas de caminhar alternativa que possuímos.
- no calcanhar
- lateral interna Desenvolvimento:
do pé
- lateral externa a) Solicitar que os alunos imaginem uma floresta encantanda;
do pé b) Imaginar o que se pode encontrar em uma floresta encantada.
- pé ante pé Ao se citar alguns dos elementos/situações deve-se imaginar a for-
- andar lateral ma de andar para ela:
- andar lateral 1
cruzado   - animais (andar imitativo);
- pedras (lateral interna/externa);
- espinhos (pontas dos pés);
- rio/lagoas (deslizar);
- lama (passos largos);
- areia quente (calcanhar);
- pontes/troncos (andar pé ante pé);
- caminhos estreitos (lateral/lateral cruzado)
- por galhos finos (pontas dos pés)
c) Manter constante questionamento aos alunos sobre as partes
dos pés que estão sendo utilizadas na execução dos movimentos;
d) Construir uma pequena estória com as formas criadas pelos
alunos.
Conclusão:
a) Estabelecer uma pequena reunião final para atender aos ques-
tionamentos:
- o que foi fácil? Por quê?
- o que foi difícil? Por quê?
- que partes do pé foram utilizadas em nossas caminhadas?
- utilizamos estas formas de caminhar só na floresta encantada ou
no dia-a-dia também? Quando?
b) Como tarefa de casa todos deverão procurar figuras de pessoas
caminhando em jornais e revistas. Observar como é o andar do pa-
pai, da mamãe, do irmãozinho, dos avós (verificar se há diferenças)
 
 

59
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
PLANO DE AULA
Conteúdo Básico: Andar
Tema definido: Andar corretamente
Carga-horária estimada: 01 hora aula Turma: 1a série Sexo: Misto
Objetivo Geral: Levar os alunos a vivenciar formas de caminhar fazendo uso de observações em sala, para que consigam
perceber e destacar as diferenças existentes entre as diversas formas desta habilidade motora de base

Conteúdos No de aulas Estrutura Metodológica


Revisão do andar   Aula 01
- imitativo Tema: Andar corretamente
- na ponta do pé   Introdução: apresentação do objetivo proposto para a
- no calcanhar aula e observação e discussão sobre as tarefas solicitadas
1
- lateral interna do na última aula.
pé   Desenvolvimento:
- lateral externa a) Explorar as figuras trazidas pelos alunos e debater so-
do pé bre as observações realizadas por eles;
- pé ante pé b) Comentar sobre o andar corretamente e apontar deta-
- andar lateral lhes que devem ser observados;
- andar lateral c) Apresentar fotos e cartazes com esquemas e detalhes
cruzado que devem ser observados no andar;
d) Solicitar que todos experimentem o andar e observem
os pontos destacados;
e) Introduzir o ritmo com batidas de palmas para que os
alunos comecem a perceber as diferenças rítmicas;
f)   Apresentar alguns problemas:
- quais partes dos pés devem ser colocadas no solo ao
andarmos?
- por que andar para trás é difícil e que cuidados deve-
mos tomar?
- correr e andar tem a mesma técnica?
- quem está com dificuldades no andar da forma como
estamos falando?
Conclusão:
a) Estabelecer uma pequena reunião final para atender
aos questionamentos:
- é fácil andar corretamente? Por quê?
- que partes do pé devem ser utilizadas em nossas ca-
minhadas?
- quando devemos nos preocupar com o andar correto?
- todos andam corretamente?
b) Como tarefa de casa procurar responder ao questio-
namento: se nós conseguimos andar de formas diferentes,
será que nós podemos correr de formas diferentes? De
quantas maneiras podemos correr, apresente pelo menos
quatro formas.

 

Como pontos de avaliação para as duas aulas exemplificadas nós temos: aula 01 – os alunos deverão demonstrar que
percebem as diversas formas de andar e que conseguem destacar as dificuldades que cada uma das formas de andar exige;
aula 02 – os alunos devem apontar de forma detalhada os pontos a serem observados no “andar correto”. Assim, o docente
terá possibilidades de dar continuidade ao seu trabalho e adequar o planejamento elaborado, com respostas imediatas por
parte dos alunos sobre a aquisição dos conhecimentos e vivências destacadas como significativas de serem trabalhadas no
desenvolvimento da disciplina.
Da mesma forma que as avaliações devem ser realizadas a cada aula, ação igual deve ser exercida ao final de cada
unidade e de cada ano. Este processo contínuo de avaliação irá possibilitar que o plano seja constantemente aperfeiçoado
e atualizado para que possa atender plenamente às expectativas idealizadas quando de sua elaboração. Todos nós

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
somos levados a sonhar mais do que podemos, mas O PAPEL DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA VIDA
isso é fundamental para que possamos estar sempre em MODERNA
busca de algo melhor. Planejar mirando um ideal distante
Segundo o clássico estudo de Johan Huizinga (1996),
e estar consciente das reais possibilidades nos permite
o elemento lúdico é uma dimensão própria da existência
readequações constantes para a possível concretização do
humana, que nos acompanha desde tempos imemoriais,
sonho. 21
muito antes portanto do advento da chamada civilização. A
apropriação deste espírito lúdico e de várias de suas mani-
8. ATIVIDADE FÍSICA E SAÚDE festações culturais, por estruturas organizadas com base na
competição e na busca da melhor performance, é um pro-
cesso que se instala mais efetivamente na Europa do final do
século XVIII. Neste contexto, é impulsionado pela consolida-
ção de um ideário de valorização da atividade muscular, com
As grandes competições esportivas da atualidade cons-
vistas ao aprimoramento físico-mental-espiritual do novo
tituem indiscutivelmente um fenômeno mundial, e enquan-
Homem, concebido pelos ideais iluministas.
to tal são mais um produto da globalização. Não apenas
É neste sentido que na segunda metade do século XVIII,
os tradicionais Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo de
torna-se habitual nos colégios ingleses a prática de jogos
futebol, mas um conjunto cada vez maior de competições
viris -que freqüentemente exigem maior empenho muscular
esportivas (mesmo algumas de âmbito jurídico estritamen-
que propriamente habilidades mais nobres como destreza
te nacional, como os campeonatos da liga norte-americana
e equilíbrio-, extraídos e reelaborados pelos jovens a partir
de basquetebol, a NBA), atingem atualmente um vastíssimo
de jogos da tradição popular, como o folk football. A elite
público telespectador. Em praticamente todas as nações do
agora iniciava-se em práticas esportivas diferentes daquelas
planeta, centenas de milhões de indivíduos compartilham
consideradas próprias da nobreza: a esgrima, a equitação, a
as imagens e signos desta poderosa e crescente indústria
caça, o arco, o salto, etc (Dunning & Sheard, 1979:1-3). Tal
do entretenimento. Segundo Augustin (1995:3), verifica-se a
mudança comportamental se insere no movimento crescen-
conformação de uma verdadeira malha mundial, dotada de
te de resgate de valores clássicos que encontram a melhor
milhares de equipamentos esportivos, que atravessa países,
tradução em mens sana in corpore sano, e constitui a base
expande-se pelas cidades e pelo campo, e que atua intensa-
para a criação dos “esportes modernos”.
mente na cultura e nas representações dos lugares.
Este movimento tem raízes remotas. Richard Sennett
Os esportes são, portanto, um componente fundamen-
(1997) assinala a profunda transição do uso do corpo, trans-
tal da modernidade, e entendemos que é em seu contexto
corrida entre o Império Romano e o medievo: da orgia pú-
histórico que pode ser melhor compreendido, isto é, como
blica pagã às renúncias corporais do espaço cristão. Foi jus-
um produto da sociedade industrial capitalista. Nobert Elias
tamente o imperador romano Teodósio no ano de 349, por-
(1992:40), um dos maiores estudiosos da expansão do fe-
tanto já em plena vigência da hegemonia cristã, que proibiu
nômeno esportivo na era moderna, lançou uma indagação
a continuidade dos Jogos Olímpicos, que então existiam há
fundamental: que espécie de sociedade é esta onde cada
mais de mil anos. O corpo deveria resignar-se aos imperati-
vez mais pessoas utilizam parte de seu tempo na assistên-
vos da alma, que se quer purificar através do controle seve-
cia ou participação de confrontos regulados de habilidades
ro dos impulsos carnais. Entretanto, com o advento da era
corporais a que chamamos desporto? E buscou a resposta
renascentista, os estudos sobre o corpo, a biomecânica, e
na macro-estrutura social, no amplo conjunto de transfor-
toda uma filosofia de apoio à “educação física” começam a
mações morais e comportamentais que denominou “pro-
se expandir, ocupando mentes privilegiadas como Leonar-
cesso civilizacional”. Pretendemos assim conceituar e con-
do da Vinci, Montaigne e Francis Bacon, que estabeleceram
textualizar os esportes modernos a partir de reflexões que
exercícios físicos como ideal de uma educação cortesã (Oli-
evidenciam seus nexos com a ordem burguesa ascendente:
veira, 1994:36-7). E assim, alguns ideais greco-romanos re-
o processo de transição, nos séculos XVIII e XIX, dos jogos
lacionados ao uso do corpo são retomados, instaurando-se
tradicionais para estas formas de competição atlética que
uma nova fase de desenvolvimento da cultura física.
denominamos esporte. Um breve reprisar da trajetória do
Importante registrar que em 1830 a educação física en-
corpo e de suas representações no ocidente se faz necessá-
contra-se plenamente inserida nas public schools inglesas, e
rio neste momento.
com ela, o incentivo oficial à prática de tradicionais jogos po-
Mas a educação física está assumindo um novo papel na
pulares que, submetidos a uma crescente regulamentação,
vida moderna do ser humano, hoje ele se preocupa muito
resultarão na “invenção” de diversas modalidades esportivas
mais com real significado de saúde inserido na realidade da
de ampla aceitação mundial posterior, como o futebol, o
educação física.
rugby e o cricket. Neste sentido, entre 1820 e 1870, as es-
colas públicas inglesas funcionaram como “laboratórios de
invenção dos esportes modernos” (Augustin, 1995:20). Re-
gistre-se ainda que o próprio termo sportman sofreu neste
período significativa alteração. Até 1856, designava o indiví-
duo que se comportava de forma serena e alegre diante dos
problemas cotidianos; alguém que vive bem, sem maiores
21  Texto adaptado de Amauri Aparecido Bássoli de Oliveira

61
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
preocupações. A partir de então, tal vocábulo incorpora uma Neste final do século XX, os esportes vivenciam novo
nova acepção que, com o tempo, tornar-se-á predominante: “boom”, agora já não tanto articulado a interesses geopolí-
alguém com disposição física apurada, capaz de realizar fa- ticos e nacionalistas, mas sobretudo a uma poderosa engre-
çanhas difíceis, como por exemplo “escalar penhascos”. nagem de publicidade em escala planetária, as “estratégias
A literatura acadêmica consagrou a expressão esportes globais de marketing de grandes corporações transnacio-
modernos para diferencia-los das atividades assemelhadas nais”(Proni, 1998). Empresas como Nike, Coca-Cola e Adidas
que existiam na Antigüidade. Algumas das modalidades es- (para citar apenas algumas) investem maciçamente em atle-
portivas atuais, como o basquetebol e o voleibol, foram de tas, clubes, federações e competições, ao mesmo tempo em
fato criadas neste contexto mais recente, mas muitas outras que as redes internacionais de TV pagam cada vez mais caro
são resultado da evolução de práticas lúdicas de origem pela transmissão de eventos esportivos. Os esportes torna-
muito remota, tais como o futebol, o rugby, o pugilismo e ram-se uma indústria vigorosa, a movimentar anualmente
várias formas de corrida. Portanto, o que difere mais preci- bilhões de dólares, de forma que Chris Gratton (1998) a con-
samente os esportes modernos dos anteriores não é pro- sidera como a que vem exibindo o mais rápido crescimento
priamente o conjunto de modalidades praticadas, mas sim dentro da próspera indústria mundial do entretenimento,
a natureza e a finalidade destas. Os esportes modernos, em que engloba outras atividades em plena expansão como o
resumo, apresentam grande estrutura jurídico-organizacio- turismo. Este último comparece recentemente na geografia
nal, estatuto internacional, regras precisas, aperfeiçoamento brasileira com certa assiduidade, gerando publicações e even-
constante dos atletas em busca de records, e realiza-se em tos acadêmicos exclusivamente voltados para o tema. Quan-
espaços especificamente elaborados para tal fim, com me- to aos esportes, o cenário é bastante diferente, mas, acredi-
dições e formas precisas (Elias & Dunning, 1985; Dunning & tamos, apresenta-se como abordagem viável e promissora,
Sheard, 1979). O individualismo e a competitividade extre- conforme a argumentação que desenvolveremos a seguir.
ma vão distanciando os esportes modernos de sua matriz
remota, isto é, o clássico espírito olímpico grego (Augustin, A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA
1995:16-9). O ser humano desde sempre defendeu a apologia da
Neste processo articulado de difusão dos exercícios físi- saúde.
cos e de gestação dos esportes modernos, pelo menos três Como um meio ou como um fim, não assume verda-
fatores merecem breve alusão. Primeiramente, o ambiente deira relevância nas considerações que pretendemos tecer.
que envolveu a primeira Revolução Industrial, com o adven- O objetivo que preside a este trabalho, enuncia-se como
to de máquinas, maior velocidade de produção e sobretudo a preocupação de fazer sentir à população quotidiana, a ne-
a generalização do trabalho em equipe -a crescente divisão cessidade do movimento corporal como fator implicativo na
técnica de tarefas no interior de uma unidade produtiva-, o luta pelo bem-estar existencial.
que estimulou a burguesia a promover os esportes prati- Na verdade, a partir da referência bíblica acima citada
cados coletivamente, como instrumento de uma pedagogia podemos inferir que o próprio Criador realça a importân-
da sociedade industrial nascente. Em segundo lugar, a re- cia da saúde para o incremento da relação Deus – Homem.
volução newtoniana, responsável pela “imposição” de uma Na sua palavra, podemos compreender que o que quer que
consciência da medição precisa do tempo. A quantificação promova a saúde, fomentará o desenvolvimento de um es-
do tempo conduziu à valorização dos records, e permitiu pírito robusto e de um caráter bem equilibrado. O filósofo
dotar os tradicionais jogos populares de um confinamen- grego Aristóteles refere que a formação do corpo, para que
to temporal que caracteriza os esportes modernos (Bale, será, senão para servir a alma! Sem saúde, ninguém pode
1989:43 e 71). E finalmente, devemos recordar um dois prin- compreender distintamente as suas obrigações para consi-
cípios fundamentais da ética protestante: a valorização do go mesmo, com seus semelhantes ou com o seu Criador.
trabalho e do esforço individual, em detrimento da atitude Por tanto a saúde deve ser tão fielmente considerada como
majoritariamente sedentária e contemplativa difundida pelo o caráter.
catolicismo. Desde que o espírito e a alma encontram expressão
Os esportes modernos foram codificados, majoritaria- mediante o corpo, tanto o vigor mental como o espiritual
mente, na segunda metade do século XIX, e imediatamente dependem em grande parte da atividade física.
encontraram grande difusão pelas redes internacionais de Já Ellen White (em “Ciência do bom viver”), asserçava
comércio e dominação imperialista. Ao longo do século XX, que “a atividade física é uma lei do nosso ser” e que os juízos
a expansão do chamado tempo livre e do consumo de ser- de valor atribuídos à saúde dos indivíduos dependem em
viços de lazer propiciou o crescimento constante dos espor- larga medida, do movimento a que o indivíduo expõe o seu
tes, seja como prática saudável, seja como espetáculo. E as- corpo.
sim os esportes contaram com fortes políticas nacionais de Esta posição é hoje corroborada por inúmeros estudos
apoio no pós-guerra (“esporte para todos”) tanto no bloco feitos em áreas como as ciências de desporto e as ciências
socialista quanto no âmbito da expansão do Welfare State médicas.
(Coy & Kenion, 1969; Riordan, 1978). No contexto da “guerra Todavia, a proeminência do movimento na educação
fria”, os Jogos Olímpicos constituíram importante canal de humana, pode ser constatada em tempos civilizacionais
sublimação de conflitos entre os dois blocos internacionais mais antigos. Desde os tempos antigos o homem teve espe-
de poder. ciais cuidados com o seu corpo.

62
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Aludindo, de forma superficial, à cultura da antiguida- Desde os últimos 50 anos até aos dias de hoje, pouco
de grega, considerada como o período que mais contribuiu tempo passou, mas o mundo mudou. Não nos referimos às
para a edificação da sociedade moderna, e os dias de hoje, alterações de ordem política que deram origem a uma nova
no que respeita à influência da educação física na sociedade, ordem geo – política no mundo. Referimo-nos sobretudo a
podemos tecer algumas considerações pertinentes. mudanças estruturais, nos hábitos, nos costumes e nos esti-
O mundo ocidental foi beber a Atenas as origens do los de vida das sociedades. Enfim, surgiu uma nova cultura.
pensamento atual. Surge-nos já um conceito de educação li- A introdução da automização, da mecanização e da
beral, humanista, misto de uma conjunção de vários fatores: robotização, alterou a tecnologia da maior parte dos pro-
desenvolvimento harmonioso, quer do corpo quer da alma, cessos de produção. Em consequência disso, alterou-se o
numa perspectiva estética, artística, de procura da beleza. caráter de trabalho; profissões associadas a grandes exi-
O próprio termo PAIDEIA, designava o caráter da edu- gências corporais tornam-se cada vez mais raras. Contudo,
cação pela formação integral e consciente do cidadão, num a diminuição da percentagem de trabalho corporal não faz
efetivo intercâmbio de influências indivíduo – comunidade, diminuir – bem pelo contrário! – a necessidade de desenvol-
como deixa transparecer uma máxima da época – “FORÇA, ver um nível elevado de capacidade de rendimento corporal.
SABEDORIA, BELEZA.” Porém a modificação do caráter de trabalho, assim como
A educação grega assentava na realidade física e cogni- uma melhoria da qualidade de vida conduzem a uma carga
tiva. Quer o espírito quer o corpo, necessitavam de treino, de corporal reduzida e a sua insuficiência da atividade moto-
permanente cultivo. A educação física muitas vezes cognomi- ra. Estes dois fatores conjugados com o ritmo acelerado da
nada de ginástica e de exercício físico pelos gregos, foi, por- vida, integram-se na cadeia causal de condições adstritas a
tanto, um precioso instrumento dessa cultura integral. Mais muitas doenças, sobretudo do sistema cardiovascular.
do que desenvolver a capacidade atlética, o que se desejava
era a perfeição do movimento. Sá assim é que se concretiza o PRINCIPAIS IDEIAS DA EDUCAÇÃO FÍSICA COMO
ideal grego, que pretendia transformar os erros e vícios, para a PROMOÇÃO DA SAÚDE
permanente melhoria do povo ateniense. Integrava exercícios No ano de 1994 os autores lançam a sua proposta em
físicos, higiene e formação do caráter e cultivo do valor. forma de artigo, editado pela Revista da Associação dos Pro-
O próprio Estado contribuiu de forma indubitável para fessores de EF de Londrina (APEF), com o título: Sugestões de
a exequibilidade desta mentalidade ao permitir e estatuir a Conteúdos Programáticos para Programas de EF escolar di-
proliferação de vários ginásios, dos quais se destacam pela recionados à promoção da saúde, proposta esta constituída
influência que tiveram, a Academia e o Liceu, de Platão e de 5 momentos: 1) conceituação do termo saúde dentro do
Aristóteles respectivamente. contexto didático-pedagógico, 2) análise das diferentes ten-
Na verdade, a cultura da antiguidade, à qual chamamos dências dos programas de EF escolar nas últimas décadas, 3)
helenismo, tinha também como motivação para a importân- proposição dos objetivos para os programas de EF escolar
cia que outorgava à educação física, o elevado nível relacio- direcionados à promoção da saúde, 4) sugestões de conteú-
nal que se evidenciava entre a educação física, e a medicina. do programático para os programas de EF escolar direciona-
Platão referia a existência de uma arte cujas partes são a das à promoção da saúde; 5) a utilização da administração
educação física e a medicina, na qual cai, na verdade a ma- de testes motores nos programas de EF escolar direcionados
nutenção do organismo. Tal era a sua conexidade que eram à promoção da saúde.
frequentemente englobadas na mesma ciência. Em suas considerações iniciais os autores destacam que,
De fato, o complexo que indiretamente conduzia à feli- embora os jovens raramente apresentem sintomas de doen-
cidade, e de forma direta à saúde, compunha-se no mundo ças crônico-degenerativas, esta não pode ser uma garantia
antigo do Sanatório, do Stadium e do Santuário. de que não vá acorrer no futuro. Por este motivo a adoção
Seguramente que este discurso pode parecer um pou- de hábitos saudáveis, necessita ser assumido ainda na escola
co romanceado, mas se compararmos com a realidade dos para evitar no futuro possíveis distúrbios degenerativos (p. 4).
nossos dias, será encarado de outra forma. Os autores alertam para a necessidade de se repensar
A máxima hodierna é antagónica da tricotomia da an- os programas de EF escolar. E para isso seus argumentos
tiguidade. O sedentarismo atual, opõe-se ao stadium, ao são que para critérios de saúde satisfatórios, não mais de
movimento; o stress ao santuário; a superalimentação ao sa- 15% das crianças e adolescentes conseguem apresentar as
natório. Os três «S» do mundo moderno contra os três «S» exigências motoras mínimas, sendo que, 13-15% já de-
da antiguidade. Porquê? monstram índices de adiposidade bastante comprometedo-
Porque o homem é um ser biocultural. Ele é cultura e faz res. Assim, a escola de forma geral e a EF de forma específica
a sua cultura. deve criar mecanismos alternativos que levem os educandos
Todos os processos que o homem fizer despoletar irá a perceberem a importância de se adotar um estilo de vida
influenciar o seu modus vivendi, a uma cultura antiga que saudável. (p. 4). Para isso propõem, dois desafios a serem
preconizava o precioso, o belo, a perfeição; opõe-se hoje a alcançados pela EF escolar: a) fornecimento de oportunida-
tríplice mensagem da eficácia, do progresso e do rendimento. des para que os educandos, tornem-se ativos fisicamente;
Esta realidade é, segundo inúmeros autores, fruto de um b) proporcionar experiências educativas que viabilizem aos
processo que se desencadeou com a revolução industrial e educandos a adoção de um estilo de vida ativo ao longo de
que teve o seu apogeu em Inglaterra, na Segunda metade toda a sua existência.
do século passado.

63
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Os autores ao conceituar saúde valem-se da definição os níveis de crescimentos, composição corporal e desem-
sintetizada na Conferência Internacional sobre Exercício, penho motor dos educandos, assim como ser detentor de
Aptidão e Saúde de 1988. De acordo com esta “moderna” conhecimentos sobre o funcionamento morfo-funcional do
definição, saúde é uma condição humana com dimensões organismo humano.
física, social e psicológica, cada uma caracterizada por um O conhecimento priorizado para a formação dos edu-
contínuum com pólos positivos e negativos. Sendo a saúde candos, deverá estar relacionado à atividades que possam
positiva associada à capacidade de apreciar a vida e resis- permitir aos mesmos a aquisição de hábitos saudáveis de
tir aos desafios do cotidiano e não meramente a ausência vida, que serão adquiridos valendo-se da prática regular de
de doenças, enquanto que a saúde negativa está associada atividades físicas (brincadeiras recreativas, jogos e compe-
com a morbidade e no extremo à mortalidade (p. 5). tições esportivas). Mas, segundo os autores, o objetivo das
Dessa forma segundo os autores (p.5), parece evidente mesmas será a aquisição e manutenção da aptidão física,
que o estado de ser saudável não é algo estático: pelo con- que virá por meio da formação do hábito da prática regular
trário, torna-se necessário adquiri-lo e reconstruí-lo de de exercícios físicos, que deverá se prolongar para além dos
forma individualizada constantemente ao longo da vida, anos de escolarização.
apontando para o fato de que a saúde é educável, podendo
ser tratada em um contexto didático-pedagógico. CONTRADIÇÕES E AMBIGUIDADES DE UM
Citando Bento (1991), Guedes e Guedes afirmam que a DISCURSO VOLTADO PARA A PROMOÇÃO DA
inclusão de determinadas disciplinas pertencentes à área do SAÚDE
ensino no currículo escolar, deve-se alicerçar na valorização Para iniciarmos a análise do que chamamos de “lacunas”
e relevância de seus objetivos em direção a uma formação e “silêncios” dentro da proposta de Guedes e Guedes, gosta-
integral e consistente dos educandos, despertando nos ríamos de comentar a forma com que os autores se utilizam
mesmos a consciência para a necessidade de se adequar do termo crianças e adolescentes. Utilizam-se destes termos
ao momento histórico em que vivem, fazendo com que se- sem se darem conta que criança e adolescente são conceitos
jam portadores de uma capacidade crítica e reflexiva ajus- e como tal, são abstrações que buscam homogeneizar uma
tada a uma sociedade moderna e democrática, em que as realidade heterogênea.
atividades motoras passam a adquirir grande relevância na Estes conceitos quando não contextualizados ficam sem
medida em que torna-se necessário de alguma forma com- condição de informar que crianças e adolescentes seriam es-
pensar os efeitos nocivos do estilo de vida provocado tas, criando assim classes homogêneas e universais, distan-
pela sociedade moderna (p.6). tes das condições objetivas de vida em que estão inseridas,
Segundo os autores a EF enquanto parte de um currí- restando perguntar, se os 13 e 15% a que Guedes e Guedes
culo, deve ater-se à essência de sua função e não se deixar está se referindo como portadores das exigências motoras
levar por formulações e objetivos alicerçados em elevadas satisfatórias, são as crianças e adolescentes filhos da classe
pretensões, supostamente direcionadas à formação de ci- patronal, ou da classe assalariada e/ou sub-assalariada? Oli-
dadãos dotados de extraordinárias pseudo competências veira (1994, p.163) citando Charlot lembra que a criança do
social, cultural e política, pois, se assim o fizerem, não se- proletariado e a criança da burguesia não vivem sua condi-
rão capazes de contribuir para levarem os educandos fu- ção de criança de maneira semelhante. Então como esperar
turamente a apresentarem uma vida produtiva, criativa e que apresentem as mesmas características?
bem sucedida (p.6). Alertando que a EF deve ser encarada Queremos salientar que o sentimento de infância, crian-
pelos professores no meio escolar como uma disciplina ça e adolescência é relativamente novo, remontando apenas
concreta, de uma escola concreta, para alunos concretos, 4 séculos, mas 4 séculos que serviram para universalizar es-
cidadãos de um mundo concreto. Sendo que ao fazerem tes conceitos para todas as classes sociais, mesmo que em
sugestões para a EF escolar realizam uma crítica à tendência algumas regiões e lugares específicos (lugar de toda pobre-
da EF esportiva na escola e as propostas pedagógicas da za), não haja essa passagem gradual de uma condição para
EF que têm como objetivo trabalhar com elevadas doses de outra e certas responsabilidades e necessidades atribuídas
intelectualismo (p.7). ao adulto, sejam assumidas bem mais cedo.(iii)
De acordo com Guedes e Guedes (p.7), o tempo livre Quanto às exigências motoras mínimas satisfatórias
de nossas crianças e adolescentes resume-se a brincadeiras pergunta-se: quem exige? Baseado em quais parâmetros?
passivas sem nenhum envolvimento motor, ou ainda que Com que finalidade? Satisfatórias para quem? Se não po-
não é recomendável viver em sociedades onde mais que demos considerar que existe crianças e adolescentes com
40% das causas de mortes são provocadas por um estilo as mesmas características, como esperar que apresentem
de vida pouco saudável em termos de hábitos de ativida- os mesmos padrões motores exigidos como mínimos? Fa-
des motora e alimentação. Por isso, é preciso que a escola rinatti (1995, p.17), quanto às exigências motoras mínimas
assuma sua função educacional, intervindo decisivamente estabelecidas para a saúde satisfatória, questiona o mesmo
na tentativa de procurar modificar a atual realidade. fato, pois, Guedes e Guedes não detalham quais exigências
Os autores propõem como conteúdo programático para seriam estas.
a Educação Física escolar no ensino fundamental e médio, E os outros 75% de jovens que não conseguem atin-
elementos que deverão nortear a atuação dos professores gir as exigências motoras mínimas exigidas? Farinatti (1995,
em unidades de ensino. Nestas unidades o professor em p.17) também não compreende até que ponto, estes 13 a 15
princípio deverá ser capaz de diagnosticar e acompanhar

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
% de crianças e adolescentes relatados por Guedes e Gue- deve assumir sua função corrigindo as falhas da sociedade,
des seriam representativos das crianças brasileiras, pois suas procurando modificar a atual realidade (p.8).(iv) Mas, há que
amostras compreendem apenas a região de Londrina. se perceber que a atual realidade a qual os autores refe-
Na sua proposta, os autores (p. 4, 12 e 13) pretendem rem-se, não é a realidade representada pelas mazelas sociais
que os professores de EF criem mecanismos que levem os decorrentes do regime capitalista, e sim a falsa realidade de
educandos a perceber a importância de adotar um estilo de que o indivíduo é o responsável exclusivo pelo seu estado
vida saudável; mas, como adotar um estilo de vida saudável de saúde ou doença.
quando as condições de vida da maioria não permite que Na busca de uma “nova” proposta pedagógica para a
tenham acesso a uma alimentação balanceada e a um siste- Educação Física, Guedes e Guedes (p.7) criticam as pedago-
ma de saúde que possa atender suas necessidades mínimas. gias que buscam atuar de modo a dar aos educandos altas
O “moderno” conceito utilizado por Guedes e Guedes, doses de intelectualismo. Fazem a crítica por perceberem
para definir o que é saúde, ainda não deixa de ser uma con- que estas não têm como principal foco de atenção/atuação
cepção vaga de abordar o problema saúde-doença, pois os aspectos anátomo-fisiológicos do movimento humano,
não leva em conta as condições concretas de existência das mas sim uma ótica de transformação dos valores, o que não
pessoas que possuem saúde e das que não as possuem, pois deve ser, conforme Guedes e Guedes, a função do professor
segundo Dejours, citado por Maia (1997, p.256), ter saúde é de EF. Mas qual é a função do professor? Em nossa opinião,
ter condições concretas de prevenir ou tratar doenças e não dependerá basicamente de quais ideologias (v) impulsio-
apenas não estar doente. nam sua prática pedagógica. Libertadora, por buscar meios
Quanto a proposta de Guedes e Guedes (p.5) de indivi- que possam fornecer aos educandos o instrumental neces-
dualizar a busca da saúde, entendendo-a como uma respon- sário para lançar um olhar crítico sobre a realidade objetiva,
sabilidade individual, leva a entender que se um indivíduo tratando o conhecimento proposto não como um conteú-
esforçar-se ele se tornará saudável, mas caso não consiga do a-histórico, mas como saberes construídos, ou contrário
ele será o único responsável. Outra possibilidade de com- como uma prática pedagógica que circunscreve-se dentro
preensão seria que, se a busca da saúde passa a ser uma do que conhecemos como pedagogias tradicionais, apre-
busca individualizada, todas as formas de lutar/buscar essa sentando em grande parte ingenuamente ou inconsciente-
saúde também serão individualizadas; um problema que é mente o conhecimento como algo sem um contexto históri-
social passa a ser enfrentado individualmente, e não coleti- co ou sem uma intencionalidade geradora. Quanto a função
vamente, entendemos assim que, esta proposta retira a pos- do professor, acreditamos que, se sua atuação acontecer
sibilidade de se entender que saúde-doença é também um sem levar em conta que o ser humano é fruto de inúmeras
problema social.
determinações que vão desde o nível biológico, ao sócio-
Maia (1996, p.76) refere-se a Guedes e Guedes como
-histórico-cultural, estará apenas refletindo uma visão uni-
autores alinhados a uma vaga interpretação sobre o que seja
lateral da realidade e a tão pretendida formação integral do
saúde, pois continuam a reforçar a idéia de que é a igno-
educando nunca ocorrerá verdadeiramente.
rância da população brasileira, principalmente de crianças e
Como foi mencionado acima, Guedes e Guedes afirmam
adolescentes, a responsável pelo seu próprio perfil de saúde,
que o contexto escolar em que o educando está inserido
pois, consideram que muitos sintomas não são nada mais
que uma conseqüência [natural] de estágios mais avançados deve objetivar a formação integral, (vi) capacitando-o a ter
de maus hábitos de saúde (grifos do autor). consciência crítica.(vii) Mas pergunto: como é possível levar
Retornando a análise da proposta de Guedes e Guedes o educando a essa consciência crítica sem altas doses de
(p.6) de certa forma fica a impressão de que há uma relação esforço intelectual?
direta de causa e efeito entre saúde-doença e atividade físi- Lendo o discurso de Guedes e Guedes, pode-se enten-
ca. Por exemplo, pratico atividade física terei saúde; não pra- der que eles sugerem (p.7) aos professores não desvalorizar
tico atividade física terei doenças. Isto pode ser evidenciado os fundamentos biológicos próprios da EF em favor de pe-
quando os autores orientam que se faça atividade física para dagogias que buscam dar aos educandos um instrumental
compensar os efeitos nocivos provocados pelo estilo de vida teórico de compreensão e transformação dos valores só-
da moderna sociedade (p. 6), ou seja, no lugar de buscar eli- cio-culturais envolvidos nas práticas-corporais, pelo fato de
minar as causas que provocam os efeitos nocivos, busca-se estas, em sua visão, darem-se com elevadas doses de in-
formas de se adaptar aos efeitos. Ataca-se os efeitos e não telectualismo. Tal proposição pode receber por analogia, a
as causas, deixando entender que o problema está em mim mesma crítica que Saviani (1989, p.125) faz a Adam Smith
e não fora de mim. (economista do século XVIII), que até aceitava a formação
Quando os autores (p. 6) referem-se que o professor de intelectual dos trabalhadores, mas porém que esta fosse em
EF deve ater-se à essência de sua função, percebe-se o cará- doses homeopáticas. Percebemos nestes autores a mesma
ter funcionalista/instrumental que buscam atribuir à EF, que preocupação, quer dizer, os educandos têm que ter instru-
juntamente com as demais disciplinas escolares tiveram his- ção, mas apenas aquele mínimo necessário para futuramen-
toricamente a função de transmitir um irrisório conhecimen- te participarem do processo de produção baseado no capi-
to, disciplinando, escondendo, fragmentando e justificando talismo.
as desigualdades sociais. Entendemos que na proposta apresentada por Guedes
Guedes e Guedes (p. 6) enfatizam que não se pode e Guedes (1994) o conhecimento priorizado à formação dos
querer transformar/mudar a sociedade através da escola, e educandos, está relacionado basicamente com a instrumen-
ao mesmo tempo se contradizem ao anunciar que a escola talização do corpo, movimento humano com base nas exi-

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
gências do mercado, sendo a busca da saúde funcional, dará de desenvolver a destreza, a beleza e a força. Os exercí-
aos educandos oportunidades de apresentarem uma vida cios incluíam a corrida, os saltos, a natação, o arremesso de
produtiva, criativa e bem sucedida (p. 6), que neste caso será peso e o levantamento de peso.
dentro do modo capitalista de produção. Na Grécia antiga a aptidão física era muito valorizada e
Quando afirmam (p. 7), a exigência de uma EF concre- este costume foi mantido pelos romanos após a conquista
ta, para alunos concretos, de uma escola concreta em um da Grécia. No mundo moderno os jogos olímpicos populari-
mundo concreto, demonstram possuir uma visão de mundo zaram as atividades físicas.
idealizada, no qual todos são iguais, sem diferenças de clas- A nossa saúde está relacionada diretamente à nossa
ses não conseguindo desse modo, contextualizar o estado atividade física. Pessoas com hábitos sedentários possuem
concreto de dominantes e dominados explícito nas relações menor aptidão física, isto é, menor capacidade para executar
sociais. exercícios físicos. Por outro lado, nossas características de
Quando os autores (p. 8) dizem que não é recomendá- estrutura muscular e de nossas articulações, da constituição
vel viver em uma sociedade onde mais de 40% de pessoas de nosso corpo ou de nossa capacidade cardiorrespiratória,
morrem de causas provocadas por falta de uma atividade determinam também os limites de nossa aptidão física.
motora programada, esquecem-se ou omitem-se de infor- A mudança de nossa aptidão física é feita através de
mar a porcentagem de pessoas que são alijadas da dita so- condicionamento físico. Um programa de condicionamen-
ciedade por excesso de atividade motora. Referindo-se as to físico deve sempre levar em conta nossos hábitos e nos-
mortes causadas por maus hábitos alimentares ocultam as sas características físicas e evidentemente, deve ser orienta-
mortes causadas pela fome, desnutrição e doenças infecto- do cuidadosamente do ponto de vista médico.
-parasitárias. Acreditamos também que, não é recomendá- Na terceira idade a atividade física é fundamental, tanto
vel viver em um sistema político em que o número de anos para as funções cardiovasculares e pulmonares como tam-
de estudo para uma grande maioria é de 3 anos e 9 meses, bém na manutenção da saúde mental.
só superior ao do Haiti, que, todavia, apresenta renda per Toda atividade física realizada na terceira idade deve ser
capita cinco vezes menor (Folha de São Paulo, 4 de maio feita sob controle médico, principalmente naquelas pessoas
de 1997, p. 15), e em um país em que o índice de analfabe- não habituadas a exercícios regulares. Muitas vezes há ne-
tismo, considerada a população de 7 anos ou mais, está na cessidade de se realizar testes cardíacos para avaliação da
função cardiovascular, como o teste ergométrico.
faixa de 13,7%, o que eqüivale a 20.876.744 pessoas quem
É recomendado que todo programa de exercícios deva
não sabem ler ou escrever (Saviani , 1997. p. 55).
ser feito com regularidade e continuidade, não devendo se-
IMPORTÂNCIA DA ATIVIDADE FÍSICA rem realizados exercícios físicos de modo esporádico. Por ou-
tro lado, a atividade física exagerada é sempre prejudicial. Um
A atividade física realizada com regularidade é uma bom programa de atividade física deve ser realizado no mí-
das principais bases para a manutenção da saúde em qual- nimo 2 a 3 vezes semanais, por 40 a 60 minutos de cada vez.
quer idade, junto à correta alimentação e ao estado emo- A caminhada é o melhor exercício para qualquer idade.
cional equilibrado. A corrida também é muito benéfica, mas leva a mais riscos
Historicamente o Homem sempre foi muito ativo, po- de lesões em articulações devido aos impactos. O ideal se-
dendo-se se afirmar que desde o seu aparecimento, há dois ria combinar vários tipos de atividades e sempre realizá-las
milhões de anos, viveu mais de 99% deste tempo como nô- com prazer. A combinação de caminhada com natação, por
made, vivendo da caça e da agricultura. Somente há pouco exemplo, é excelente.
mais de um século sua atividade física passou a apresentar Em várias situações a atividade física produz uma me-
mudanças muito importantes. lhora na capacidade da pessoa, sendo muito útil em deter-
A Revolução Industrial iniciada em fins do século pas- minadas moléstias, como por exemplo, no enfisema pulmo-
sado levou o Homem do campo para as cidades e passou nar e no diabetes. O controle da pressão alta fica mais fácil
a favorecer uma vida com menor atividade física, com ten- quando são realizados exercícios regulares.
dência ao sedentarismo. O ser humano foi preparado para São nas doenças das coronárias que a atividade física atin-
um tipo de vida extremamente ativa do ponto de vista físi- ge importância vital, principalmente no que diz respeito à profi-
co e a vida moderna mudou radicalmente esta perspectiva. laxia do infarto do miocárdio. Exercícios regulares fortalecem o
Este fato trouxe importantes implicações sobre o pa- músculo cardíaco e melhoram a circulação coronariana.
drão de doenças e também na associação entre hábitos de Observa-se que a pessoa que faz exercícios regulares
vida e saúde. A verificação destes fatos e a identificações tem menores chances de desenvolver diabetes com a idade,
dos seus inúmeros fatores negativos, trouxe uma volta da e o processo de osteoporose tem sua velocidade diminuída.
atividade física nos últimos 30 anos, na forma de exercícios O exercício regular atua de maneira eficaz sobre a ten-
organizados, como caminhadas, ciclismo, etc, demonstran- são emocional, a angustia e a depressão. Após o exercício há
do uma clara tendência à volta do Homem ao comporta- sensação de bem estar e até de euforia, produzindo aumen-
mento de seus ancestrais. to na auto-estima.
Na realidade a prática de exercícios foi introduzida pela Várias situações exigem a utilização de exercícios físicos
civilização grega com o nome de ginástica, que se caracte- especializados. A imobilização do idoso devida a uma fratu-
rizavam por exercícios disciplinados e tinham a finalidade ra, por exemplo, deve ser sempre de curta duração e seguida
de exercícios apropriados.

66
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A fisioterapia neurológica está indicada na reabilitação de A aprendizagem e o desenvolvimento estão inter-re-
paralisias, neurites, no tratamento da doença de Parkinson, etc. A lacionados desde que a criança passa a ter contato com o
fisioterapia respiratória muitas vezes é medida salvadora na re- mundo. Na interação com o meio social e físico a criança
cuperação de complicações pulmonares do paciente acamado. passa a desenvolver-se de forma mais abrangente e eficien-
Informações estatísticas mostram claramente que o ido- te. Isso significa que a partir do envolvimento com o seu
so que pratica com regularidade exercícios apresenta me- meio social são desencadeados diversos processos internos
lhor expectativa de vida do que aquele de vida sedentária. de desenvolvimento que permitirão um novo patamar de
Se antes dos anos 80 a EF tinha como principais para- desenvolvimento. A criança, por meio da observação, imita-
digmas orientadores da atuação pedagógica, o modelo do ção e experimentação das instruções recebidas de pessoas
esporte de rendimento e a busca da saúde via aptidão física, mais experientes, vivência de diversas experiências físicas e
a partir dessa mesma década esse modelo hegemônico de culturais vai construindo, dessa forma, um conhecimento a
atuação da EF passa a não ser mais aceito como absoluto, respeito do mundo que a cerca.
o que fez com que alguns pesquisadores percebessem a EF Para que esses conceitos sejam desenvolvidos e incuti-
dentro de uma crise de identidade (Caparroz, 1997). dos no aprendiz o meio ambiente tem que ser desafiador,
O modelo que até então legitimava a EF como disciplina exigente, para poder sempre estimular o intelecto e a ação
escolar passa a ser contestado, o que leva alguns pesquisa- motora desta pessoa. No entanto, não basta apenas ofere-
dores, a partir desse momento, a buscar novos pressupostos cer estímulos para que a criança se desenvolva normalmen-
que pudessem orientar não só a pesquisa dentro da EF, mas te. A eficácia da estimulação depende também do contexto
também a sua prática pedagógica (Daolio, 1997). afetivo em que esse estímulo se insere. Essa ação está dire-
Desse modo, passa a se questionar não só o modelo tamente ligada ao relacionamento entre o estimulador e a
que legitimava a EF na escola, mas também o que era enten- criança.
dido como sua especificidade. A partir da década de 1980 a área da Educação Física
Daolio (1997) ao entrevistar algumas das personalida- passa por profundas modificações sócio-político-metodoló-
des da EF da década de 80, “revela” o fato de que foi o ques- gicas. Os antigos pressupostos – rendimento padronizado,
tionamento ao modelo de sociedade brasileira e a crítica ao
tecnicismo, seletividade, competitividade etc. – começaram
paradigma científico vigente naquela época que deu à EF
a serem sentidos e contestados. Conforme afirma os Parâ-
as ferramentas possíveis para que ela crescesse academica-
metros Curriculares Nacionais (PCN) de Educação Física, o
mente. Não é de estranhar-se que os defensores da EF como
Brasil não se tornou uma nação olímpica e a competição
promotora de saúde via aptidão física tenham mudado seus
esportiva da elite não aumentou significativamente o núme-
discursos, agora diferente, pois passaram a assumir um viés
ro de praticantes de atividades físicas. Iniciou-se então uma
pedagógico para este tema.
profunda crise de identidade nos pressupostos e no próprio
Della Fonte (1996, p.175) adverte que mesmo que o dis-
discurso da Educação Física, que originou uma mudança ex-
curso tenha de certa forma se modernizado pela incorpora-
ção de expressões do tipo: qualidade de vida, emancipação, pressiva nas políticas educacionais: a Educação Física Esco-
coletividade, saúde como conceito multifatorial, este ainda se lar, que estava voltada principalmente para a escolaridade
encontra ligado aos aspectos tradicionais e reducionistas de de quinta a oitava séries do primeiro grau, passou a dar prio-
ver a realidade.22 ridade ao segmento de primeira a quarta séries e também a
pré-escola (BRASIL, 1997).
Em oposição à vertente mais tecnicista, esportivista e
0000 biologicista surgem novas abordagens na Educação Física
9. CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO Escolar, inspiradas no momento histórico social pelo qual
passou o país, nas novas tendências da Educação de uma
maneira geral. Essas abordagens são denominadas por Soa-
res et al (1992, p. 38), de “Movimento Renovador da Educa-
O principal instrumento da educação física é o movimen- ção Física”. Este movimento entendia a instrumentalização
to, por ser o denominador comum de diversos campos sen- do Movimento humano como meio de formação e a secun-
soriais. O desenvolvimento do ser humano dá-se a partir da darização da transmissão de conhecimentos, que é uma das
integração entre a motricidade, a emoção e o pensamento. tarefas primordiais do processo educativo em geral e da es-
No caso específico da educação física, o profissional cola em particular (SOARES et al, 1992).
dessa área possui ferramentas valiosas para provocar estí- Atualmente coexistem na área várias concepções, todas
mulos que levem a esse desenvolvimento de forma bastante elas tendo em comum a tentativa de romper com o modelo
harmoniosa: a brincadeira, o jogo e o desporto. Os jogos anterior, fruto de uma etapa recente da Educação Física. Es-
em grupo são de grande valor no processo pedagógico de- sas abordagens resultam da articulação de diferentes teorias
senvolvendo aspectos como o aumento da autoestima, con- psicológicas, sociológicas e concepções filosóficas. Todas
fiança, respeito mútuo, comunicação, criatividade, alegria e essas correntes têm ampliado os campos de ação e reflexão
entusiasmo. para a área, o que a aproxima das ciências humanas. Embo-
ra contenham enfoques diferenciados entre si, com pontos
muitas vezes divergentes, têm em comum a busca de uma
22  Fonte: www.pedagogiaaopedaletra.com – Por Patrícia Alencar Educação Física que articule as múltiplas dimensões do ser

67
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
humano. Conforme Castellani Filho (2006), constituem as o currículo. Ou seja, ela também se faz necessária, na medi-
principais tendências da Educação Física: abordagem Psico- da em que contribui para a formação do indivíduo. Neste
motora, Construtivista, Crítica e Desenvolvimentista. sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais conceberam
Em especial, a abordagem Desenvolvimentista, segundo a Educação Física como componente curricular responsável
Manoel (2008, p. 474), a “Educação Desenvolvimentista en- por introduzir os indivíduos no universo da cultura corporal
tende que a escola tem a responsabilidade de criar um am- que contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usu-
biente sintonizado com as necessidades da criança definidas fruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento
a partir do reconhecimento do processo de desenvolvimen- com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos
to pelo qual ela passa”. Esse processo é visto como regular e e emoções e com possibilidades de promoção, recuperação
universal, cabendo ao educador traduzir os padrões desen- e manutenção da saúde (BRASIL, 1997). Daí sua importância
volvimentistas em atividades que o nutram. no seio escolar enquanto disciplina curricular que propor-
Ainda de acordo com o autor, numa abordagem Desen- ciona o desenvolvimento integral do ser humano.
volvimentista, o desenvolvimento curricular dever traduzir Uma outra questão, é a escola contratar profissionais
princípios e conceitos desenvolvimentistas como seqüência que além de atender ao perfil solicitado por ela, desenvol-
de desenvolvimento, estágios, e comportamentos típicos va uma Educação Física na qual o movimento humano seja
em metas e conteúdos de aula (MANOEL, 2008). Outro pon- abordado como uma forma de crescimento e não como um
to a destacar é que a abordagem enfoca a universalidade ato mecânico em si mesmo. Para Quintão et al (2004), a Edu-
do desenvolvimento. Nesse sentido, ela remete a um trata- cação Física propicia a seus profissionais excelentes ferra-
mento homogêneo para toda a população, respeitadas as mentas que possam estimular o desenvolvimento da criança
etapas de desenvolvimento, mas ao mesmo tempo enfoca ou do adolescente de forma descontraída e prazerosa. Entre
o indivíduo no que concerne ao seu potencial de realização elas podem ser citadas: a brincadeira, o jogo e o esporte.
pessoal. Assim, conforme Manoel (2008, p. 475), “o modelo Conforme Rego apud Quintão et al (2004, p. 16), através da
desenvolvimentista prepara o indivíduo para se acomodar à brincadeira e do jogo, a criança usa a imaginação que “é
sociedade”. um modo de funcionamento psicológico especificamente
O presente trabalho não se propõe a enveredar pelos humano, que não está presente nos animais nem na criança
conteúdos e tempos deste período, tarefa já realizada com pequena”.
tanta maestria por tantos autores. A nossa intenção aqui é Ainda com respaldo em Quintão et al (2004), pode-se
discorrer sobre a influência que a abordagem Desenvolvi- inferir que o desenvolvimento humano se dá mediante a in-
mentista tem nas práticas atuais da Educação Física Escolar, terferência de outras pessoas, como o professor e os outros
bem como sua importância para o desenvolvimento huma- alunos. Dessa forma, o professor deve se posicionar como
no, sobretudo nas crianças. interventor intencional, estimulando o aluno a se desenvol-
Tani (2008), afirma que “o desenvolvimento do ser hu- ver por meio das propostas desafiadoras, buscando soluções
mano se dá a partir da integração entre a motricidade, a a partir de suas próprias experiências e de suas relações so-
emoção e o pensamento”. Percebe-se que o desenvolvi- ciais. Enfim, que o professor proporcione ao aluno uma edu-
mento humano é resultado de um conjunto de elementos, cação através da qual ele possa construir seu conhecimento,
dentre eles a motricidade. E, conforme a argumentação do com o objetivo de reelaborar os conceitos e/ou significados
referido autor, a Educação Física tem como objeto princi- recebidos no meio social no qual esteja inserido.
pal o movimento, denominador presente em vários campos Bee (2003), expõe que diante das conclusões inferidas
sensoriais. por meio da literatura analisada, bem como de suas obser-
Concordando com a linha de pensamento estabelecida vações maternas, entendeu que compreender o desenvolvi-
até o presente momento, Voser e Giusti (2007), acrescentam mento físico constitui no primeiro e mais importante passo
que devido às possibilidades apresentadas pela Educação do caminho através do qual constantemente se busca en-
Física em desenvolver no sujeito, em especial, na criança tender o desenvolvimento humano, mais especificamente,
e no adolescente, a dimensão psicomotora conjuntamen- da criança. Para a autora, existem quatro razões para se estu-
te com os domínios cognitivos e sociais, ela deve ser uma dar o desenvolvimento físico, são elas: o fato do crescimento
disciplina obrigatória nas escolas. Argumentação que vai da criança tornar possível novos comportamentos, o cresci-
de encontro ao pensamento de Quintão et al (2004, p. 25), mento da criança determinar a experiência, o crescimento
quando dizem: da criança afetar as respostas dos outros e o crescimento da
Dessa forma, percebe-se que a escola, e neste caso es- criança afetar o autoconceito.
pecifico a Educação Física, tem um papel fundamental no Em seu trabalho, Bee (2003) descreve detalhadamente
aprendizado e consequentemente no desenvolvimento dos sobre cada uma das razões anteriormente mencionadas. Es-
indivíduos, desde que estabeleça situações desafiadoras clarecendo ainda mais a autora supracitada explica que para
para seus alunos. que o crescimento promova novos comportamentos, é pre-
Os autores Voser e Giusti (2007), também comungam ciso que ocorram mudanças físicas. Na visão de Bee (2003),
das idéias expostas por Quintão et al (2004), e ressaltam ain- esta fase configura-se como um momento de suma impor-
da que para que a escola possa promover aulas com quali- tância, visto que a ausência de um desenvolvimento físico
dades, primeiro a instituição assim como seus atores educa- pode acabar limitando os comportamentos que a criança
cionais devem compreender que a Educação Física possui a teria condições de demonstrar. Quanto ao fato do cresci-
mesma importância que as outras disciplinas que compõem mento determinar a experiência, a referida autora salienta

68
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
que as capacidades e habilidades físicas provocam ainda Embebidos ainda pelas premissas teóricas de Bee (2003),
que indiretamente efeitos no desenvolvimento cognitivo e compreende-se que o conceito acima descrito abarca tam-
social, influenciando desse modo, as diversas experiências bém as habilidades de movimento, conhecidas como habi-
que a criança pode vivenciar. No tocante a afirmativa sobre lidades motoras amplas, como caminhar, andar de bicicleta;
o crescimento interferir na visão dos outros sobre a criança, as habilidades de manipulação, denominadas de habilidades
Bee (2003), evidencia que as novas habilidades físicas além motoras finas, como segurar um lápis ou usar uma agulha.
de modificar as experiências da criança também influenciam De acordo com Magill (2000), tanto as habilidade motoras
no modo como as pessoas em sua volta lhe respondem. E amplas quanto as habilidades motoras finas permeiam de
por fim, os efeitos do crescimento no autoconceito, as carac- alguma forma todas as idades de uma criança.
terísticas e habilidades físicas possuem forte influência sobre Os jogos constituem-se um excelente meio para de-
o senso de auto-eficiência interna da criança, ou seja, sobre senvolver as habilidades motoras básicas na criança e, con-
suas condições de realizar ou não uma atividade. sequentemente, o desenvolvimento humano. A disciplina
No dizer da autora que ora fundamenta a discussão, um Educação Física Escolar tem, neste sentido, uma grande par-
outro momento de mudanças significativas é durante a in- cela de contribuição no aumento das experiências sensório
fância e a adolescência, no qual ocorre uma série de trans- motoras.
formações decorrentes da evolução hormonal. Bee (2003, p. Para iniciar nossas explanações sobre o jogo, compo-
450), observou que “os hormônios governam o crescimento nente da cultura corporal de movimento da Educação Física,
e as mudanças físicas de várias maneiras”. Fundamentados veremos o conceito de jogo por meio do filósofo Huizinga
ainda pela perspectiva teórica da autora, pode-se inferir que (2003, p. 22):
apesar de todas as crianças e adolescentes percorrerem as
O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida
mesmas etapas do desenvolvimento físico, há um diferen-
dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço,
cial entre elas, o ritmo. Como exemplo a autora cita o fato
segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente
de algumas crianças caminharem com sete ou oito meses e,
obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado
outras após os dezoito meses.
de um sentimento de tensão e alegria e de primeira consciên-
A contribuição da Educação Física Escolar e dos cia de ser diferente da vida cotidiana.
jogos para o desenvolvimento motor das crianças É através do jogo que o indivíduo se diverte, se adapta
das séries iniciais do Ensino Fundamental ou disfarça a sua inadaptação ao mundo habitual. De acordo
Segundo Caetano et al (2005), o desenvolvimento mo- com Guirra e Prodócimo (2009, p. 4), constitui, fundamen-
tor constitui-se em um processo de mudanças no nível de talmente, o objetivo do jogo no desenvolvimento humano.
funcionamento de um indivíduo, tais alterações possibi- O jogo é uma atividade que se realiza no prazer de ser
litam ao sujeito a aquisição de uma maior capacidade de feito, com a atenção posta no prazer de fazer a coisa, pelo
controlar seus movimentos durante seu desenvolvimento. fazer mesmo, não na consequência. A importância disso é
Completando este pensamento, Bee (2003) entende que as que o jogo permite a colaboração. Permite a seriedade do
mudanças físicas acometem aos indivíduos em seus primei- fazer pelo próprio fazer, pelo respeito àquilo que se está fa-
ros quinze anos de vida, dentre elas: alterações nos múscu- zendo, pelo prazer de fazê-lo e não pelas consequências que
los, na gordura, nos órgãos internos e no sistema nervoso. poderá ter. A criança, ao jogar, aprende um modo de viver
Todavia na visão da autora, tal descrição não informa sobre cuja atenção não está nas consequências, mas sim na res-
as consequências de todas essas mudanças na capacidade ponsabilidade do que faz. Claro que vão ter consequências,
que a criança tem de usar o seu corpo para se deslocar no mas o central não serão as consequências, mas aquilo que a
mundo, ação que segundo Bee (2003), os psicólogos deno- criança está fazendo ao jogar. Se alguém aprende isso, pode
minam de desenvolvimento motor. colaborar, pode estudar, pode fazer qualquer coisa com sa-
De acordo com a autora supracitada essa constante al- tisfação e com prazer. Porque o central não será o resultado,
teração no comportamento é resultante de uma interação uma nota, não é o que vai ganhar com aquilo, mas o proces-
entre uma série de elementos, dentre eles: so mesmo de fazê-lo. Isso dá liberdade de ação.
As exigências da tarefa (físicas e mecânicas), a biologia Ainda de acordo com Guirra e Prodócimo (2009), mais
do indivíduo (hereditariedade, natureza e fatores intrínsecos, importante que o resultado é a seriedade de respeitar o pro-
restrições estruturais e funcionais do indivíduo) e o ambiente cesso. Esse pensamento nos remete à seguinte reflexão: a
(físico e sócio-cultural, fatores de aprendizagem ou de expe- satisfação do jogo não está na vitória, ou na competição,
riência). Caracterizando-se como um processo dinâmico no mas simplesmente no prazer da realização, da forma de in-
qual o comportamento motor surge das diversas restrições teração, da satisfação do fazer naquele momento e do que
rodeiam o comportamento (BEE, 2003, p. 462). se está sentindo. Ao observarmos crianças na rua, brincando,
Neste sentido, Filgueiras (2002) ressalta que o desen- veremos que qualquer que seja a brincadeira, o envolvimen-
volvimento motor acontece especificamente através de dois to é total, a satisfação está impressa nos olhares, rostos, mo-
tipos de processos. Eles são o aumento da diversidade e da vimentos, sem que haja cobrança, e sem se objetivar nada,
complexidade. O primeiro se constitui na possibilidade de a futuramente, mesmo sabendo que algo se constrói.
criança vivenciar uma situação em diferentes contextos. Já Na escola, muitas vezes, esse processo se dá de forma
o segundo é composto pela aprendizagem de outros movi- decepcionante e frustrante, porque os momentos nos quais
mentos a partir daqueles que a criança já sabe. as crianças deveriam jogar se tornam momentos de cobran-

69
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
ça, de disciplina e de adestramento por parte dos profes- • Estimular atividades fora da escola possibilitando a
sores de Educação Física, que não se cansam de suas aulas descoberta do meio físico e social, garantindo liberdade de
monótonas e estressantes (GUIRRA; PRODÓCIMO, 2009). ação e reflexão, manipulação, experimentação e modificação.
Para Cortez (1996), na sociedade capitalista em que vi- • Valorizar a iniciativa, desenvolvendo nos educandos
vemos, o jogo e o brincar são considerados como simples um autoconceito positivo, fortalecendo seu caráter e perso-
distração, distanciados do mundo real, que afasta da ten- nalidade.
são, da opressão material e espiritual. O lúdico é considera- • Despertar a consciência crítica e criativa ludicamente
do apenas um passatempo, uma atividade sem valor e isto e conquistar a sua autonomia (liberdade de refletir, falar e
se reflete na nossa escola. O lúdico, embora rotulado como fazer).
perda de tempo, é extremamente importante, pois a criança • Levar os educandos à cooperação e solidariedade,
é naturalmente lúdica. respeitando-se e compreendendo-se. Participando e inte-
Comentando sobre a importância do lúdico, Cortez grando-se à escola e à comunidade. Trocando e compar-
(1996) diz que o ato lúdico é uma forma de ensinar a crian- tilhando experiências. Buscando e fortalecendo o coletivo
ça, onde ela se coloca na perspectiva do outro (sujeito). No para sua sociabilização.
brinquedo e nos jogos interagem uma ou mais crianças, Pode-se concluir que a abordam desenvolvimentista da
passo a passo, o que ajuda a orientar seu espaço físico, cog- Educação Física vê o espaço escolar enquanto espaço res-
nitivo e simbólico. ponsável de proporcionar um ambiente sintonizado com as
Em estudos realizados no Brasil é apontado que para necessidades da criança definidas a partir do reconhecimen-
as crianças só é jogo a atividade iniciada e mantida por elas to do processo de desenvolvimento pelo qual ela passa. Por
(KISHIMOTO, 1997). Se, por exemplo, os brinquedos, que outro lado, o desenvolvimento do ser humano se dá a partir
são objetos lúdicos de livre exploração e que não visam re- da integração entre a motricidade, a emoção e o pensamen-
sultados, forem utilizados para auxiliar a ação docente bus- to. Pode-se dizer que os jogos cooperativos são importantes
cando-se resultados em relação à aprendizagem de concei- na escola para a educação integral dos educandos, para o
tos, esse brinquedo deixa de cumprir sua função lúdica dei- desenvolvimento da autoestima, do sentimento de aceitação
xando de ser brinquedo para tornar-se material pedagógico e para proporcionar oportunidades das crianças confiarem
(KISHIMOTO, 1997). em si mesmas. Dessa forma, os jogos cooperativos na escola
Os jogos têm grande valor educativo e como diria Froe- podem colaborar na formação de seres pensantes, criativos
bel a espontaneidade não deve ser sacrificada em nome da e críticos, não perdendo de vista a sua principal característi-
aquisição de conhecimentos pois o grande valor do jogo ca que consiste em eliminar qualquer forma de competição.
está na capacidade de a criança expressar suas próprias de- São as inúmeras possibilidades que a Educação Física Escolar
cisões (FROEBEL apud KISHIMOTO, 1997). possui em desenvolver nos sujeitos, em especial, na criança
Passaremos agora a comentar a grande importância dos e no adolescente, a dimensão motora conjuntamente com
jogos cooperativos na formação e desenvolvimento do edu- os domínios cognitivos e sociais.23
cando. Os jogos cooperativos desempenham um importan-
te papel no processo educacional dos alunos. É importante
e necessário no desenvolvimento intelectual do educando,
nos aspectos físico, emocional e na formação de uma cons- 10. ASPECTOS DA APRENDIZAGEM MOTORA
ciência social, crítica, criativa, solidária e democrática, afirma
Cortez (1996).
As atividades desenvolvidas devem ser orientadas, pla- Com o propósito de estabelecer o caráter educativo e
nejadas e contar com espaço e tempo para sua práxis na es- apresentar a participação efetiva da Educação Física no pro-
cola pois os jogos cooperativos podem reforçar o desenvol- cesso da escolarização do educando, tem-se vinculado à
vimento e formação do aluno. Conforme Cortez (1996), as Educação Física a objetivos e conhecimentos nem sempre
atividades lúdicas escolhidas, orientadas ou propostas aos específicos da área, por consequência evidenciam-se a di-
educandos e praticadas por eles no âmbito escolar podem ficuldade na organização e sistematização do bloco de co-
vir a: nhecimentos que compõem uma aula de Educação Física.
• Garantir um ambiente livre, alegre e prazeroso, para Na visão científica, esse pouco conhecimento impede que a
que os alunos possam se encontrar, brincar, descansar, con- mesma seja considerada como um componente curricular.
tar, conversar, aprender, descobrir e conviver alegremente. Observa-se que a Educação Física na escola, preocupa-se
• Proporcionar oportunidades interessantes, variadas, muitas vezes em apenas ensinar os movimentos, passar pe-
desafiadoras e ricas opções de jogos, onde os educandos las atividades e praticar exercícios, evidenciando a tendência
possam atuar sobre estes jogos, com inúmeros movimentos, do “fazer pelo fazer”.
integrando-se, entretendo-se, estabelecendo relações e in- Embora, tem-se que o movimento executado possa ter
tercambiando vivências. um significado em si mesmo, considerar-se-á de pouco va-
• Favorecer e estimular o ensino/aprendizagem das lor educativo se não houver possibilidade de ser utilizado
diferentes áreas do saber, integrando-se dinamicamente e
evitando a simples justaposição e acumulação com as ativi-
dades lúdicas. 23  Fonte e adaptado de: www.educacaofisica.com.br/www.efdeportes.
com/Wilney Fernando Silva/Gersiane Franciere Freitas Ribeiro

70
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
pelo aluno fora do ambiente escolar, para solucionar proble- te a realidade. Uma criança, por exemplo, vai à escola para
mas motores surgidos durante a sua vida. Com a finalidade aprender um mundo de coisas: Matemática, Geografia, His-
de se elaborar o conhecimento escolarizado da Educação tória, Ciências, mas nunca para aprender sobre motricidade,
Física, este pode ser compreendido como um conjunto de sobre sensibilidade. Para mim, matéria de escola deveria ser
conhecimentos sobre o movimento humano, compostos Educação Motora, ou Educação Corporal, onde se ensinasse
por conceitos, habilidades, valores, atitudes, normas e prin- a ser corpo, onde se ensinasse as crianças a serem mais sen-
cípios, que se aprende, compreende e aplica, em todos os síveis, onde se ensinasse a elas nunca esquecerem o corpo
momentos em que houver a intenção do seu emprego. Esse que são.
conjunto de conhecimentos ao ser socializado pela Educa-
O corpo constitui-se assim em oportunidade de educa-
ção Física escolar, oportunizará a otimização das possibili-
ção e formação, isto é, a Educação Física distingue-se de ou-
dades e potencialidades para a movimentação genérica ou
tras áreas no que se refere à sua tarefa educativa primordial,
específica.
pelo fato de possibilitar experiências a partir do corpo. Tem
O conhecimento sobre o movimento humano ao ser
assim a responsabilidade por uma parte da missão educativa
disseminado na escola necessita estar organizado e adequa-
da escola, nomeadamente a de se ocupar preferencialmente
do à realidade no qual está inserido, considerando-se as ca-
da corporeidade do ser humano. Como refere BENTO (1999),
racterísticas sociais, culturais e do nível de desenvolvimento
continua a ser um argumento central a favor da presença da
biológico dos alunos. A escolarização da Educação Física ao
Educação Física no currículo escolar o fato de ser a única
ser sistematizado ultrapassa o saber fazer, precisará estar
disciplina que visa preferencialmente a corporeidade, de ser
constituído por conhecimentos teóricos e práticos para que
aquela onde o corpo se constitui com objeto de tratamento
efetivamente ocorra à aprendizagem, este conhecimento
pedagógico, evitando que a escola se torne ainda mais inte-
poderá acontecer através de quatro tipos de aprendizagens:
lectualizada e inimiga do corpo.
aprendizagem do movimento, aprendizagem para o movi-
A Educação Física ao ser identificada como um conhe-
mento, aprendizagem sobre o movimento e a aprendiza-
cimento, torna-se um conjunto de teorias, metodologias e
gem através do movimento. Ressalta-se, porém, que a prio-
práticas que devem servir a formação global do ser humano.
ridade dada a uma determinada aprendizagem, não exclui
Considerada, como uma prática educativa com característi-
nem ignora as demais, o aluno ao ter participado de um pro-
cas de ensino, não deve se limitar apenas aos princípios da
grama de Educação Física escolar deverá ter conhecimentos
técnica, da eficiência e da performance, pois vários estudos
suficientes para saber como e por que utilizar-se de deter-
têm revelado que a Educação física, aos poucos, vêm rom-
minado movimento em diferentes situações. Os conceitos
pendo com a pratica mecanicista e autoritária, que a norteou
que podem ser aprendidos na escola, nas aulas de Educação
durante muito tempo, e tem buscado uma prática pedagó-
Física devem fundamentar a realização dos movimentos in-
gica que seja reconhecida e valorizada no âmbito educacio-
dispensáveis ao homem seja na escola ou fora dela.
nal, para SANTIN “os exercícios chamados físicos não são
A Educação Física ainda não conquistou espaço estável
simplesmente físicos, mas são chamados humanos” e fazem
e inquestionável no sistema de ensino, e neste momento de
parte da vida das pessoas. De acordo com esta perspectiva,
mudanças pelo qual atravessamos no ensino fundamental e
e Educação Física, enquanto conhecimento escolarizado tem
médio, sabe-se que a importância ou mesmo a sua presen-
direcionado seu olhar para os vários aspectos do movimento
ça é questionada no conjunto de disciplinas que compõem
humano e da corporeidade, acreditando que os movimentos
o currículo escolar, apesar dos argumentos que conceitual-
corporais além de expressarem sentimentos representam o
mente a justificam no sistema de ensino ser amplamente
elo entre o mundo exterior e interior, não reduzindo o corpo
discutidos na comunidade científica e profissional, ainda
apenas a seu aspecto físico. Os movimentos estão presentes
há por se aprofundar estas discussões. Alguns argumentos
em todas as atividades humanas, e é pelo movimento que
são apresentados, entre estes por ser considerada um meio
o ser humano interage com o meio ambiente e se relaciona
privilegiado de transmissão às crianças e aos adolescentes
com o outro.
dos benefícios da cultura corporal, assim como é o contexto
As atividades da escola não devem estar dissociadas das
ideal para a promoção de hábitos da prática da atividade
referências sociais da vida dos alunos, assim não devemos
física regular que permitem a elevação ou manutenção da
esquecer ao elegemos os conteúdos, que os nossos alunos
aptidão física, numa perspectiva da saúde, e ainda integra
estão emersos numa cultura e numa sociedade com deter-
atividades com valores para a educação moral e ética dos
minadas características e valores. E, se a educação assume o
alunos.
papel de posicionar o homem nos cosmos, no seu tempo,
A razão legítima de uma área se estabelecer cientifica-
nos seus problemas e necessidades BENTO (1999) a escola
mente e socialmente está na sua missão educativa, a dis-
não pode perder de vista o referencial social das suas práti-
ciplina de Educação Física inserida neste contexto é uma
cas, caso contrário corre o risco de ficar desconectada com a
maneira específica da relação do sistema educativo com o
sociedade onde se insere.
corpo do aluno.
Os alunos precisam conhecer o real significado do movi-
Segundo, Freire (1994, p.41):
mento no ciclo da vida, e não apenas, reduzi-lo a um deslo-
..., uma Educação Física que exercesse o papel de fa- camento no tempo e espaço, entendendo que ele contribui
lar com o cidadão comum, que atuasse para despertar a para uma crescente ordem do sistema. Propondo-se ativida-
consciência da corporeidade nas pessoas, mudaria bastan- des, os docentes devem considerar que as atividades sejam

71
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
desenvolvidas de forma coerente e em concordância com ca e de uma atividade física, levar ao conhecimento, com-
as características do desenvolvimento pessoal de cada alu- preensão e análise do seu intelecto de todas as informações
no. Com esse entendimento os valores do movimento serão relacionadas às conquistas materiais e espirituais da cultura
realmente incorporados. física, dirigir sua vontade e sua emoção para a prática e apre-
Tendo em vista o respeito às limitações e às caracterís- ciação do corpo em movimento. BETTI (1991).
ticas individuais dos alunos, o planejamento das atividades A principal preocupação da Educação Física é estruturar
viabiliza uma proposição em ordem crescente, aonde as a pessoa, educar para desenvolver o potencial de movimen-
habilidades básicas são trabalhadas, no período da educa- to. Esse é um conteúdo específico da disciplina, que acaba
ção infantil até as primeiras séries do ensino fundamental, por permear todas das demais matérias e permanece para
utilizando-se do ensino de movimentos adequados a essa a vida dos alunos. Para alcançar esse objetivo, é preciso ter
faixa etária, pois, além do movimento ser um comportamen- consciência do próprio corpo, estar em sintonia com ação,
to que pode ser observado, também, é o resultado de um usufruindo e tirando o melhor do movimento.
processo interno da pessoa, que acontece no nível do sis- “Eu só posso compreender a função do corpo vivo rea-
tema nervoso. De maneira geral, essas habilidades básicas, lizando eu mesmo e na medida em que sou um corpo que
adquiridas nesse período, facilitariam a aprendizagem futura se levanta em direção ao mundo”. MERLEAU-PONTY (1945,
das habilidades complexas ou específicas. p.90
Em algumas instituições de ensino, a Educação Física )
permanece com a dita aula livre para o aluno e para o pro- 1. DESENVOLVIMENTO MOTOR E O CRESCIMENTO
fessor, ou em outros casos, escolas que reforçam o estig- FÍSICO
ma da prática da ginástica forçada, do recreio prolongado,
do momento apenas recreativo, ou ainda um passatempo, O Desenvolvimento motor (DM) é visto sob duas pers-
como se não existisse uma proposta educativa da Educação pectivas, a maturacional, proposta por GESSEL (1929), onde
Física na escola. Esse quadro de descaso deixará de existir o DM é um resultado de um mecanismo biológico, en-
quando o professor enxergar o seu aluno como ser “uno”, dógeno (interno) e regulatório, e a da influência do meio
presente de corpo e alma. As tarefas elencadas que preten- ambiente, onde a interação com o meio é de fundamental
dam promover a aprendizagem realmente significativa para importância no DM, enfatizando as experiências adquiridas
o aluno devem levá-lo a uma atitude consciente e relaciona- durante a vida e seus efeitos no DM da pessoa. O estudo do
da com a sua própria realidade, de modo a se incorporar ao DM abrange áreas da fisiologia do exercício, biomecânica,
conjunto de seus conhecimentos. aprendizagem e controle motor e psicologia desenvolvi-
A condução das aulas não deve acontecer somente em mentista. Para compreendermos um pouco mais sobre esta
função daquilo que o professor acredita ser importante, mas área de conhecimento, é importante discutirmos algumas
sim, a partir da necessidade do educando, criando situações definições e terminologias:
que abram possibilidades de (integrar) os objetivos do pró- • CRESCIMENTO: é caracterizado pelo aumento no
prio aluno, e dessa forma buscar, a promoção de uma autên- tamanho do corpo ou partes do corpo da pessoa durante o
tica mudança de comportamento. período maturacional (multiplicação = hiperplasia ou o au-
Há de se considerar o respeito às características e limi- mento do tamanho da célula = hipertrofia).
tações individuais, compreendendo que cada pessoa possui • DESENVOLVIMENTO: são mudanças nos níveis de
características próprias e que devem ser respeitadas, por funcionamento da pessoa em decorrência da passagem dos
exemplo: as diferenças no seu desenvolvimento motor. O anos. É um processo contínuo, que começa na concepção e
professor que assume o papel de facilitador da aprendiza- termina com a morte, estudando-se o movimento durante a
gem utilizasse da não-diretividade e torna-se responsável infância, adolescência e vida adulta, como um processo de
por valorizar cada educando e respeitar cada uma das suas toda a vida. Por exemplo, a criança que possui pouca base
limitações. Assim, a relação professor-aluno assume o cará- de suporte no andar e o adulto, que com o passar dos anos,
ter de uma postura humanista, pois a relação é de pessoa a tem uma redução da flexibilidade nas articulações devido as
pessoa. artrites, reumatismo, e outros problemas de saúde.
A Educação Física inserida na escola encontra-se numa • DESENVOLVIMENTO MOTOR: mudanças progres-
situação privilegiada pelas características das atividades que sivas no comportamento motor durante o ciclo da vida em
promove, proporcionando ao aluno explorar o seu corpo conseqüência de interações entre os requerimentos da tare-
através da diversidade de movimentos que pode vivenciar, fa, individualidade biológica e condições do meio ambiente.
do contato corporal com os outros, oportunizando a ele que • APRENDIZAGEM MOTRA: é definida como uma
aprenda sobre si mesmo, sobre o mundo e possa fazer uso mudança interna da pessoa, decorrente de uma melhoria re-
da corporeidade. Ao contribuir na formação do conheci- lativamente permanente em seu desempenho motor, como
mento corporal do educando, estará ajudando-o a se co- resultado da prática e das experiências.
nhecer, a buscar a sua autonomia pessoal, complementando • CAPACIDADE: pode ser definida como sendo as ca-
o processo de educação geral por meio de atividade física. racterísticas funcionais essências na execução de uma habi-
É preciso enfim levar o aluno a descobrir os motivos lidade e que possua traços genéticos. Estas características
para praticar uma atividade física, favorecer o desenvolvi- são estáveis e permanentes, sendo incorporadas em muitas
mento de atitudes positivas para com a atividade física, levar habilidades motoras (TANI et. All. 1988). Por exemplo: a for-
a aprendizagem de comportamentos adequados na prati- ça, a velocidade, a flexibilidade e a resistência.

72
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
• HABILIDADE: consiste na capacidade adquirida de 2.1.2 Estágio de Informação Decodificada
atingir um resultado final com um máximo de certeza e um Que inicia por volta de 4 meses, começa uma gradual
mínimo dispêndio, ou de tempo e energia (CUTHRIE, 1952). inibição de muitos reflexos e dos centros cerebrais inferio-
Ou seja, a habilidade é desenvolvida com a prática, poden- res, que gradualmente são substituídos no controle sobre os
do ser modificável através de um número indeterminado de movimentos involuntários e começam a aparecer os movi-
tentativas, variável conforme a atividade realizada. mentos voluntários, isto é, intencionados, dirigidos pela área
• HABILIDADES DESPORTIVAS: são os refinamentos motora do córtex cerebral, desta forma, troca a atividade
ou a combinação de padrões motores fundamentais e/ou sensório motora pelo comportamento perceptivo-motor.
habilidades motoras para realizar uma atividade desportiva. Os reflexos não são perdidos. Eles são inibidos pelo
O processo de desenvolvimento, incluindo o desenvol- centro cerebrais superiores ou são integrados nos padrões
vimento motor, nos lembrará constantemente das caracte- de movimentos. Em caso de patologias no SNC eles rea-
rísticas do aprendiz (individualidade), ou seja: 1) cada indiví- parecem, em casos de administração de algumas drogas,
duo possui um período específico e único (relógio biológico) em estado de stress e principalmente com a idade, quando
para a aquisição e desenvolvimento das habilidades moto- muitos dos reflexos são novamente mostrados. A ausência,
ras; 2) para a aquisição de uma sequência de movimentos, a demora de aparecimento ou desaparecimento, persistência,
taxa e a extensão do desenvolvimento são determinadas in- ou reaparecimento de certos reflexos pode ser indicativo de
dividualmente e influenciada pelas demandas do desempe- desordens neurológicas.
nho da tarefa; 3) períodos de desenvolvimento cronológicos
são típicos, nada mais! Representando tempos aproximados 2.2. Fase dos Movimentos Rudimentares
em que os comportamentos podem ocorrer. Não podemos Os primeiros movimentos voluntários são os movimen-
confiar plenamente nestes dados. Conforme THOMAS, LEE tos rudimentares, que são maturacionalmente determina-
& THOMAS (1988) “o desenvolvimento relaciona-se com a dos e possuem característica sequências altamente previ-
idade, mas não depende dela”. sível no seu aparecimento. O ritmo é que varia, de criança
para criança, e são dependentes de fatores biológicos, do
2. AS FASES DA AQUISIÇÃO DAS HABILIDADES meio-ambiente e da tarefa. Alguns desses movimentos são:
MOTORAS equilíbrio, controle da cabeça, pescoço, músculos do tronco,
alcançar, segurar, largar, gatinhar, caminhar. Esta fase é sub-
De acordo com GALLAHUE & OZMUN (2003), o dividida em:
desenvolvimento motor ocorre em 4 fases:
2.2.1. Estágio de Inibição dos Reflexos (nascimento até 1
2.1) Fase dos Movimentos Reflexos (Motora ano)
reflexiva): Muitos reflexos surgem e desaparecem, dando a vez
Esta fase está caracterizada pelos movimentos reflexos, para movimentos consciente. Os reflexos primitivos e pos-
involuntários, controlados subcorticalmente e estes formam turais são trocados por movimentos voluntários mas, estes
a base do DM, e segundo MALINA & BOUCHARD (1991), as movimentos voluntários são pobres e diferenciados e inte-
respostas motoras do bebê são uma extensão daquelas es- grados, pois ainda são incontroláveis e não são refinados.
tabelecidas durante a vida fetal. Por meio dessas atividades
reflexas o mesmo ganha informações acerca do meio am- 2.2.2. No Estágio do Pré-controle (de 1 até 2 anos)
biente imediato, e são classificados em reflexos primitivos e
posturais e também servem como meios para testes neuro- Inicia um aumento no nível de precisão e controle de
motores para os mecanismos estabilizadores, locomotores movimento.
e manipulativos que serão usados mais tarde com controle
consciente. Os reflexos associados com alimentação e aque- 2.3. Fase dos Movimentos Fundamentais
les associados com os olhos são bem desenvolvidos essa Este é o tempo para descobrir como executar uma va-
fase é subdividida em dois estágios: riedade de movimentos locomotores, não locomotores e
manipulativos, de forma isolada e integrada, principalmente
2.1.1 O Estágio de Codificação de Informações pela exploração e experimentação das capacidades motoras
É caracterizado por atividades de movimentos involun- de seu corpo, nos movimentos estabilizadores, locomoto-
tários observável no período fetal até o quarto mês do pe- res e manipulativos, isoladamente e depois os combinando.
ríodo pós-natal. Os centros cerebrais inferiores são mais de- Existe um grande aumento na fluidez e controle dos movi-
senvolvidos do que o córtex motor e estão no comando do mentos. Os Padrões Fundamentais de Movimento (PFM) são
movimento fetal e neonatal. Os reflexos servem como forma considerados básicos para a aprendizagem das habilidades
primária pelo qual o bebê é capaz de apanhar informações, mais complexas que são as habilidades motoras desporti-
nutrição e proteção por meio do movimento. vas, pois, cada habilidade motora desportiva, normalmente,
Dessa forma a atividade motora do neonato não envol- envolve uma combinação de diferentes PFM. Os principais
ve atividade volitiva verdadeira, e os mesmos indicam a falta movimentos nesta fase são os andares, correr, saltar, arre-
de inibição do aparelho segmentar do sistema nervoso. messar, rebater, quicar e chutar.
Esta fase subdivide-se em:

73
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
2.3.1. O Estágio Inicial (de 2 á 3 anos) 2.4.1. Estágio de Transitório (de 7 à 10 anos)
Representa a primeira tentativa da criança orientada Caracteriza-se pelo início da aplicação e combinação
para executar uma habilidade fundamental. dos PFM em performance de habilidades especializadas em
Durante este estágio a integração espacial e temporal ambientes desportivos e recreativos, ou seja, o movimento
do movimento é pobre, marcado pelo uso restrito ou exa- básico do arremesso sobre a cabeça (mecânica) é o mesmo
gerado do corpo e com pobre fluxo rítmico e coordenação utilizado para um saque por cima no voleibol ou tênis.
deficiente.
2.4.2. Estágio de Aplicação (de 11 à 13 anos)
2.3.2. O Estágio Elementar (de 4 á 5 anos) Neste estágio, as funções cognitivas estão mais sofisti-
Envolve um maior controle e melhor coordenação rít- cadas e ocorre também um aumento das experiências e da
mica dos PFM. Aprimora-se a sincronização dos elementos base do conhecimento, o que irão facilitar as tomadas de
temporais e espaciais dos movimentos, mas, são ainda ge- decisões. Agora, a ênfase é colocada na forma, na habilida-
ralmente restringidos ou exagerados, embora melhor coor- de, na precisão e nos aspectos quantitativos da performance
denados. Crianças normais de inteligência e funcionamentos do movimento. As habilidades complexas devem ser refina-
físicos tendem para avançar para o Estágio Elementar, pri- das e usadas na execução de atividades avançadas e levadas
mariamente, ao longo do processo de maturação, mas mui- adiante e na escolha do esporte por si mesmo.
tos falham em desenvolver neste estágio em muitos PFM e
permanecem no mesmo para o resto de sua vida. 2.4.3. Estágio de Utilização para Vida Toda (de 14 anos
em diante)
2.3.3. O Estágio Maduro (de 6 à 7 anos) Todos os movimentos adquiridos até aqui servirão du-
É caracterizado pela eficiência mecânica, coordenação e rante toda a vida, com o objetivo de preservar a saúde, fins
execuções controladas e as crianças tem um potencial para recreativos e competitivos.
estar neste estágio, por volta de 5 a 6 anos, somente pos- Para atingir o último estágio, dentro da perspectiva de
suindo algumas restrições as atividade que envolvem acom- GALLAHUE & OZMUN (2003), a quantidade e a variedade
panhamento e interceptação de objetos. Contudo como al- de experiências motoras é muito importante. A criança que
gumas crianças podem alcançar este estágio primariamente teve oportunidade de brincar, liberdade de movimento, e
através da maturação e com um mínimo de influência am- experimentou uma grande variedade de movimento, che-
biental, talvez devido a hereditariedade, a grande maioria gará ao topo deste modelo com uma maior habilidade mo-
requer uma ampla oportunidade para a prática, encoraja- tora, e quem sabe, tendo mais facilidade para aplicar estas
mento para aprender e instrução, isto é, um bom nível de experiências em situações de aprendizagem de habilidades
instrução por parte dos educadores ou dos pais. Para GAL- específicas dos diferentes desportos.
LAHUE & OZMUN (2003), a omissão em influir nestes fatores
na vida da criança torna quase impossível a mesma alcançar 3. ESTUDO DA PERFORMANCE E APRENDIZAGEM
o Estágio Maduro dentro dessa fase o que poderá inibir o MOTORA
desenvolvimento completo da próxima fase. Neste estágio,
as performances se encontram bem controladas e coorde- Diversos termos na literatura sobre aprendizagem mo-
nadas, possuindo uma grande eficiência mecânica. tora estão relacionados ao termo habilidades motoras.
São as habilidades, os movimentos e as ações. Todos os
2.4. Fase dos Movimentos Especializados termos são utilizados de um modo específico. Deveremos
Esta fase, relacionada à especialização ou esporte do compreender e utilizar cada um deles corretamente.
DM, é uma fase em que os movimentos em vez de serem • Movimento: Refere-se, geralmente, ao desloca-
identificados com a aprendizagem, passam a ser uma ferra- mento do corpo como um todo ou dos membros produzido
menta que pode ser aplicada a uma variedade de atividades como uma conseqüência do padrão espacial e temporal da
motoras complexas presentes na vida diária, na recreação contração muscular (Newell, 1978).
e nos objetivos desportivos. As habilidades são progressi- • Ação: Intenção e meta caracterizam a ação. Ela é
vamente refinadas, combinadas e elaboradas para uso em identificada pela meta à qual é dirigida ou pela especificação
situações crescentemente exigentes. Os movimentos de sal- de certo critério que deve ser seguido pelo executante. Nes-
tar em um pé e pular, por exemplo, são agora aplicadas as te sentido, movimento pode ser considerado uma condição
atividades de pular corda, danças folclóricas e também para necessária mas não suficiente para uma ação (Newell, 1978).
o salto triplo, como também, o lançar, passa a ser utilizado • Habilidade: Ações complexas e intencionais envol-
no caçador, Handebol, Atletismo, e outras atividades des- vendo toda uma cadeia de mecanismos sensório, central e
portivas. O aparecimento e a extensão do desenvolvimento motor que, através do processo de aprendizagem, tornaram-
de habilidades dessa fase dependem de uma variedade de -se organizadas e coordenadas de tal forma a alcançarem ob-
fatores da tarefa, individuais e ambientais e também, cogni- jetivos predeterminados com máxima certeza (Whiting, 1975).
tivos, afetivos e principalmente motores, tais como percep-
ção, costumes, caracterização emocional, motivação, pres- 3.1. Classificação das habilidades motoras
são dos pares, tempo de reação, velocidade de movimento, A questão aqui é determinar as características proemi-
tipo de corpo, altura peso, etc. GALLAHUE & OZMUN (2003), nentes das tarefas motoras que os professores de educa-
subdividem esta fase em três estágios: ção física possam utilizar para distinguir umas das outras.

74
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Três características utilizadas para classificar tarefas incluem • Exemplos incluem consertar um relógio de pulso,
a forma de como o movimento é organizado, a importân- costurar e digitar.
cia relativa dos elementos motores e cognitivos e o nível da • Habilidade de acordo com Guthrie (1952), consiste
previsibilidade ambiental envolvendo a performance habi- da capacidade adquirida de atingir algum resultado final com
lidosa. o máximo de certeza e um mínimo dispêndio de energia, ou
de tempo e energia (p.136).
3.1.1. Habilidades classificadas pela organização da ta-
refa 4. APRENDIZAGEM E PERFORMANCE MOTORA
Um esquema para classificar habilidades diz respeito à Performance motora: Tentativa observavél de um indi-
maneira como o movimento é organizado. víduo para produzir uma ação voluntária. O _ nível de uma
• Habilidades discretas: Uma tarefa de habilidade or- performance de uma pessoa é suscetível a flutuações em
ganizada de maneira que a ação é normalmente breve em fatores temporários, tais como motivação, ativação, fadiga
duração e tem início e o fim bem definidos - o início e o e condição física.
fim do movimento são distintos -. As habilidades discretas As diferenças entre aprendizagem motora e perfor-
incluem tarefas tais como arremessar ou chutar uma bola ou mance motora: A performance motora é sempre observá-
disparar um rifle. As habilidades discretas são importantes vel e influenciada por muitos fatores. A aprendizagem mo-
no contexto de muitos esportes e jogos, especialmente na- tora, em contraste, é um processo interno que reflete o nível
queles envolvendo as ações distintas da batida, chute, salto, de capacidade de performance do indivíduo, podendo ser
arremesso e recepção. avaliado por demonstrações de performances relativamente
• Habilidades seriadas: Aquelas em que habilidades estáveis. Portanto, a aprendizagem é oculta, pois trata-se de
discretas são colocadas numa seqüência, sendo, frequente- uma mudança interna ao indivíduo. A performance é mani-
mente, a ordem da ação crucial para o sucesso da perfor- festada porque implica numa ação efetora. A aprendizagem
mance. As habilidades seriadas incluem as ações em uma é relativamente permanente. A performance pode sofrer flu-
série de ginástica artística ou contornar uma sequência de tuações de tempo a tempo devido a influência de fatores
obstáculos em uma prova de esqui. As habilidades seriadas como: condição física, crescimento e maturação, motivação
diferem das discretas no que diz respeito às circunstâncias e estados emocionais, condições de prática e requisitos da
da produção do movimento, pois requerem um tempo mais tarefa, fadiga, lesões e drogas.
longo, mesmo assim cada elemento do movimento retém A performance, durante o estágio inicial de aprendiza-
um início e um fim discretos. gem, é caracterizada por atividade motora com considerável
• Habilidades contínuas: Aquelas em que o início e o imprecisão, lentidão, inconsistência e aparência rígida.
fim do movimento não são distintos. Os conceitos de aprendizagem e performance motora
Caracterizam-se por serem frequentemente repetitivas são difíceis de distinguir, pois repetições de performance
ou rítmicas por natureza, com a sequência de ações fluin- motora são necessárias para que as pessoas alcancem altos
do por vários minutos. As habilidades contínuas incluem as níveis de aprendizagem motora, e o nível de aprendizagem
ações de nadar, correr, andar de skate e pedalar uma bici- pode somente ser avaliado observando-se a performance
cleta. motora de cada um.24

3.1.2. Habilidades classificadas pela importância relativa


dos elementos motores e cognitivos
Um segundo tipo de sistema de classificação enfatiza a 11. ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DA
importância relativa dos elementos motores e cognitivos na EDUCAÇÃO FÍSICA
performance da tarefa. Em uma habilidade motora o princi-
pal determinante do sucesso do movimento é a qualidade
do próprio movimento, com menos ênfase sendo dada aos
aspectos perceptivos e de tomada de decisão da tarefa. O movimento do ser humano nas dimensões filo-
• Habilidade cognitiva: Uma habilidade para a qual sófica, política, histórica, sócio-cultural e biológica: sua
o determinante principal do sucesso é a qualidade da deci- importância e implicações pedagógicas.
são do executante em relação ao que fazer. Uma habilidade
cognitiva é aquela que enfatiza “saber o que fazer” – jogo de A sub-área da Educação Física chamada Estudos Sócio-
xadrez – enquanto uma habilidade motora enfatiza, princi- -Culturais do Movimento Humano, no Brasil, atinge, hoje
palmente, a “execução correta” – salto em altura. em dia, um “status” de difícil compreensão da sua impor-
tância acadêmica, tanto por parte de nossos colegas pes-
3.1.3. Habilidades classificadas de acordo com a precisão quisadores quanto dos alunos da graduação.
do movimento Este estado da arte deve-se a um desenvolvimento
• Habilidades grossas: aquelas que envolvem gran- confuso dessa sub-área em relação às demais.
des grupos musculares na sua execução.
• Exemplos incluem caminhar, pular, arremessar e saltar.
• Habilidades finas: Aquelas que envolvem pequenos
grupos musculares na sua execução. 24  Por Simone de Miranda/ Carlos Alberto Afonso

75
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
No Brasil a necessidade de delineamento dos estudos Tanto a História como a Filosofia aparecem em cena
a serem produzidos não é tão nova quanto imaginamos. quando todos se voltaram para o entendimento da Edu-
É possível verificar alguns esforços já na década de 20, cação Física enquanto área, sob o lema de que seria pre-
que incitavam a comunidade a refletir sobre a importân- ciso entender o passado para planejar o futuro, ou seja,
cia dos estudos filosóficos e históricos da Educação Físi- compreender a História da Educação Física significa expli-
ca (v. Azevedo, 1920; Marinho, 1945) e, com a criação do citar seu desenvolvimento, identificar tendências. O que se
bacharelado, tornaram-se imprescindíveis novos debates. procura na Filosofia? - A reflexão, estudos epistemológicos
Todavia, ainda existem muitas dúvidas quanto à seriedade e as escolhas para os próximos passos em direção a um
e consolidação das áreas de estudos afins ao conceito de futuro não tão incerto.
sócio-cultural. Atualmente a caracterização do que poderíamos cha-
Entretanto, no cenário internacional, tanto os estudos mar de História da Atividade Motora e do Esporte (mani-
históricos, filosóficos, sociológicos, psicológicos e antropo- festações do Movimento Humano) é de uma sub-disciplina
lógicos aconteciam paralelamente ao desenvolvimento das e caracterizada pela busca da evolução do esporte, jogos
disciplinas mais tradicionais, como a Biomecânica, a Apren- e exercícios, na cultura, e informações do passado, sobre
dizagem Motora, o Desenvolvimento o movimento humano e sua transformação ao longo do
Motor, a Fisiologia do Exercício entre outras, concreti- tempo. Nos últimos anos essa subdisciplina tem alcançado
zando-se enquanto áreas de estudo e linhas de pesquisa “status” internacional com um acelerado ritmo de produ-
(Bouchard, MacPherson & Taylor, 1991). ções acadêmicas (Redmond, 1991).
Se temos uma história que nos oferece dados sobre O “status” alcançado por ela evidencia-se na repre-
as tentativas de se estabelecer esses estudos no cenário sentatividade demarcada por associações como a North
nacional, cabe questionar, portanto, por que essa sub-área American Society for Sport History (NASSH), International
ainda permanece nas confusões conceituais, não delineada Society for the History of Physical Education and Sports
e sem representatividade no que concerne à produção de (ISHPES), Australian Society for Sport History, British So-
conhecimento. Por quais caminhos trilhamos? ciety for Sport History, Canadian Association for Health,
Para tentarmos entender essa questão, nesse ensaio, fa- Physical Education and Recreation (CAHPER) e respectivos
remos um paralelo entre a concepção tradicional e as sub- periódicos.
-divisões dos estudos sócio-culturais na Educação Física no No Brasil, alguns grupos de estudos têm se unido para
cenário internacional e seu desenvolvimento no Brasil. o fortalecimento da área, demonstrando seus esforços
anualmente em um evento denominado Congresso Brasi-
Estudos sócio-culturais do movimento humano: do leiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física (Gue-
complexo social à complexidade da sociedade des, 1998).
Os estudos do movimento humano na Educação Física De acordo com Park (1987), as associações para os es-
formam o eixo central das pesquisas dessa área, contudo, tudos da História do Esporte têm surgido em mais de 10
para que ele aconteça, é imprescindível o ser humano, as- países, desde 1970, e publicado inúmeras monografias e
sim como a assimilação de suas mudanças e relações com revistas. Além disso, a rápida expansão dos conhecimen-
o mundo que o cerca. Partindo deste princípio (que as tos produzidos também tem contado com a publicação de
vezes nos parece tão obvio) é que encontramos a busca livros de alta qualidade. Mas, segundo a mesma autora,
por conhecimentos advindos de outras ciências, que não é preciso que se esclareça que essa não é uma sub-disci-
somente as naturais, a fim de entendermos o fenômeno plina isolada; o termo categórico que a define inclui lutas,
movimento humano e suas manifestações nas mais diver- atletismo, atividades recreativas de caça e Educação Física,
sas situações. possuindo um campo de interseção com aspectos da Me-
As tentativas de se obter visões chamadas macro, trou- dicina, Biologia, Reforma Social e inúmeros outros tópicos.
xe para a Educação Física argumentos das Ciências Sociais, A História do Esporte e da Atividade Motora apresenta
como da História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psi- questões de alcance no tempo e no espaço específicas ao
cologia e Pedagogia, tornando-os diretamente relaciona- passado e desenvolvimento, fornecendo elementos para
dos a questões do esporte e da atividade motora. discussões do presente e perspectivas para o futuro.
A sub-área de Estudos Sócio- Culturais do Movimento Neste ínterim, distinta da História, mas complementar
Humano é um campo para o desenvolvimento de investi- à investigação e reflexão, a Filosofia que pode ser carac-
gações que procuram interpretar o significado e as formas terizada como a arte da contemplação, a maior parte da
de manifestação do movimento humano em diferentes eterna e sempre vibrante busca da verdade, convida a co-
contextos, que envolvem diversos grupos sociais (raça, et- munidade da Educação Física para o questionamento, o
nia, cultura, gênero, sexo) nas mais variadas situações rela- pensamento e a especulação como forma de encontrar a
cionadas à atividade motora e esporte. Os objetivos desses sabedoria (Meier, 1991).
estudos, no entanto, devem ser orientados a sub-áreas e Na Filosofia, torna-se possível uma constante investi-
metodologias específicas, que por sua vez indicam a im- gação do mundo, pois é uma disciplina crítica que oportu-
portância de um inter-relacionamento das Ciências Huma- niza aos seus pesquisadores descrever sistematicamente e
nas e Sociais com o foco investigativo no fenômeno movi- questionar os vários aspectos que envolvem a experiência
mento humano. humana e o mundo. A Filosofia envolve esforços para a
construção de uma imagem concreta e exata da realidade,

76
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
assim como busca os lugares próprios para a compreen- uma forma mais confortável e estabeleça os elos com o
são dos diversos conhecimentos, experiências e aspirações mundo natural, então o esporte e a atividade motora com-
humanas. põem elementos dessa criação de cultura e têm grande re-
A Filosofia do Esporte e Atividade Motora, busca pois, levância no desenvolvimento de padrões culturais de ma-
definir as características essenciais dessas atividades e de- nifestações do movimento humano.
terminar seus significados e valores na experiência huma- No entanto, se estas apresentações que caracterizam
na. Essa área de estudo abrange as questões historicamen- a sub-área sócio-cultural na Educação Física aparecem de
te universais inerentes ao envolvimento dos seres humanos forma clara no cenário internacional, não podemos dizer
com os fenômenos esporte e atividade motora em geral. que no Brasil aconteça o mesmo. O que percebemos no
Uma investigação das perspectivas das várias orientações cenário nacional é muito mais uma disputa de conceitos e
filosóficas contemporâneas, estratégias e metodologias temas do que investigações científicas consolidando linhas
podem ajudar a compreensão da natureza, da proposta, de pesquisa. A falta de diálogo, por exemplo, entre os pro-
concepção e importância desses fenômenos. fissionais (ligados à essa sub-área) está marcada por uma
Segundo MacPherson & Brown (1991), existem mais história de rupturas provocadas por idéias diferentes e es-
significados para a prática da atividade motora e do espor- tagnação conservadora de posturas políticas divergentes,
te, do que apenas regras, técnicas, estratégias, benefícios para ilustrar vale lembrar que houve uma época em que
físicos, “performance” ou personalidades envolvidas. E, um ler Durkheim era uma heresia aos princípios marxistas que
dos caminhos para descobrir o significado dessas ações denotavam os progressistas.
motoras em nossas vidas é pela Sociologia, que ao des- Dentre os problemas enfrentados por essa sub-área,
crever, expor e interpretar a estrutura social em que elas podemos citar o despreparo dos profissionais que assu-
acontecem, a interação e o comportamento social dos gru- miram as disciplinas de cunho humanístico (v. Resolução
pos envolvidos, procura identificar o que está por trás das 03/87, Conhecimento da Sociedade e Filosóficos) logo
manifestações de tais ações. após a criação do bacharelado, criando conseqüências gra-
Considere-se a Sociologia como o estudo da estrutura ves para o entendimento de Ciência, Filosofia e Ideologia
de uma organização social e os sistemas de relacionamento
e a resistência a leituras em outros idiomas que não o Por-
e interação humana, com relação ao gênero, classe social
tuguês e o Espanhol. Esse “destacável” empecilho (falta de
e demais questões envolvendo a pobreza, discriminação e
leituras em línguas estrangeiras como o Francês e o Inglês),
desigualdade - fatores que influenciam o modo de vida das
nos impediu o acesso à informações advindas dos países
pessoas. Os autores aproximam essas questões à prática de
que mais se destacam hoje nos estudos sócio-culturais,
atividade motora e esporte, caracterizando assim a Socio-
quais sejam: os Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá.
logia do Esporte e da Atividade Motora.
Enquanto associações eram formadas, pesquisas con-
Refletindo sobre o esporte e atividade motora como
cretizadas e seus resultados publicados na América do
situações nas quais se manifesta o fenômeno movimen-
to humano, as investigações de características sociológi- Norte e na Europa, nós brasileiros continuávamos a assistir
cas não devem se prender ao contexto, mas sim extrapolar nos congressos, seminários, simpósios as brigas entre os
para o nível de compreensão da forma como os fatores grupo A e B, C e D e a crescente eliminação dos grupos ro-
externos ligados à estrutura social, influenciam a manifes- tulados de “biologicistas”, “pesquiseiros” - desinteressados
tação e as formas de movimento, bem como seu desenvol- pela temática social.
vimento nas diversas e complexas estruturas sociais. Daí o grande equívoco em se entender a sub-área só-
Entender o ser humano em sociedade é uma tarefa e cio-cultural como aquela que pesquisa para ajudar os in-
os dados a ela inerente são importantes para interpretar justiçados, oprimidos, sem teto, sem terra, órfãos e todas
como se manifestam as várias formas de movimento cor- as outras mazelas sociais, porque o “so cial” ficou restrito
poral entre o ritmo, espaço e tempo das tribos mais dis- à pobreza, à desigualdade e a falta de liberdade política.
tantes às cidades mais cosmopolitas do mundo. Segundo E essa sub-área passou a fazer parte de um elo maior que
Pfeiffer ligava a Educação Física à salvação do mundo. Não raro,
(1991), embora a Antropologia da Atividade Motora e víamos também que as tentativas de sair deste modelo sig-
do Esporte não exista como uma subdisciplina em si, os nificavam “traição aos companheiros” por admissão ime-
interesses de estudo nessa área se voltam para a relação diata ao “sistema”.
entre as estratégias adaptativas e os valores culturais da Muitos dos trabalhos que tinham essa caraterística fo-
atividade motora em geral e para o esporte e jogos, ten- ram esquecidos nas prateleiras das bibliotecas porque não
tando reconstruir os padrões de comportamento de nos- se entendia o que caracterizava uma pesquisa básica e não
sos antepassados e também de nossos contemporâneos, havia reconhecimento de sua importância. Havia os que
organizados social e culturalmente diferentes. defendiam (e devem continuar defendendo) que só Estu-
Corroborando em parte com essa afirmação, Park dos sócio-culturais do movimento humano as pesquisas
(1986) chama a atenção para a importância dos estudos aplicadas é que interessavam, entretanto, se a caracterís-
desenvolvidos nessa área, que devem voltar-se à represen- tica da sub-área sociocultural é a pesquisa básica, houve
tação cultural das práticas tanto de atividades físicas quan- a necessidade de reconhecer a complementaridade, até
to do esporte. Se entendemos que cultura é tudo aquilo porque a demanda de interesses por temas dessa natureza
que o homem cria para que sua sobrevivência se dê de aumentou gradativamente nos últimos 10 anos.

77
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
No entanto, passada quase uma década da mais forte expressões e papel na organização social e política. Existem
discussão na área do conhecimento da Educação Física e também trabalhos que se relacionam com outras subdisci-
introdução das ciências humanas na sua produção do co- plinas, como por exemplo com a Aprendizagem Motora,
nhecimento, ainda hoje é possível identificar na sub-área Biomecânica e Desenvolvimento Motor.
sócio-cultural uma produção tímida e sem delineamento Seguiremos as sub-divisões em Antropologia, Socio-
adequado. Esta afirmação se baseia em uma pesquisa em logia, Filosofia e História da Atividade Motora para apre-
andamento no Núcleo de Estudos Sócio-Culturais - NESC sentar alguns destes temas de forma resumida e com um
– EEFEUSP, sobre a classificação da produção acadêmica pouco mais de informações específicas.
na sub-área sócio-cultural da Educação Física, em três bi- Muitos das investigações antropológicas têm se vol-
bliotecas (UNESP - Rio Claro, Faculdade de Educação Físi- tado para a caracterização dos estudos sobre gênero e
ca da UNICAMP e Escola de Educação Física e Esporte da concepções culturais do papel da mulher e do homem na
USP). Identificamos que são classificadas como áreas cor- prática de esportes e atividades motoras não institucio-
relatas, ou então, como Antropologia, Sociologia, Filosofia nalizadas. Isso se deve a um contexto amplo que envol-
e História, mas não relacionadas ao Movimento Humano, vem também discussões na Antropologia do Corpo, como
Esporte e Educação Física. Nossa interpretação é que estas subsídio para o entendimento da concepção de corpo nas
classificações correspondem ao estado da arte com toda a diferentes culturas e as influências que direcionam a práti-
bagagem confusa que já mencionamos aqui. ca dessas atividades por mulheres e homens de diferentes
Diante disso, cabe questionar se estamos tentando in- grupos sociais.
vestigar algo novo ou realmente não temos claro o que Outros estudos envolvem temas do cotidiano da socie-
significa e como se caracteriza essa sub-área. Caso a pri- dade tecnológica como a violência, agressão, circunscrição
meira alternativa seja a que mais se aplica, o que faz pensar corporal e a liberdade de expressão através do movimento,
a comunidade diretamente envolvida nesse projeto: - que civilidade, alteridade, cidadania, o papel dos “media” e os
a invenção é melhor que o acompanhamento do cenário impactos na prática de atividade motora e esporte. Saindo
internacional? Se entendemos a história como uma pos- um pouco do âmbito da Antropologia Cultural, alguns es-
sibilidade de legitimização e reconhecimento de idéias, é tudos têm merecido destaque na Antropologia Biológica
preciso entender também que a originalidade das mesmas comparando as características inatas e adquiridas no pro-
sempre vem carregada de tradição – portanto, qual a nossa cesso de execução de determinadas condutas motoras.
tradição? Os estudos de cunhos sociológicos apontam em dire-
Nesse momento é importante refletir com humildade ção aos processos de entendimento dos aspectos gerais da
para ver que o que já foi feito e procurar não repetir os realidade social, interação, processos de organização social
percalços, mesmo porque, toda criação humana sempre foi dos mesmos a partir da observação de determinados gru-
marcada pelos ensinamentos do passado e as boas expe- pos sociais em seus próprios ambientes esportivos e prática
riências sempre foram modelos para grandes realizações. de atividades motoras, como por exemplo os “hooligans”,
Os problemas na sub-área sociocultural podem ser grupos de basquete do Bronx - Estados Unidos, grupos de
amenizados desde que haja esforços no sentido de opor- hóquei das escolas de nível médio no Canadá, etc.
tunizar o diálogo, através de eventos que propiciem deba- Outras preocupações estão voltadas para o desvendar
tes acadêmicos, apresentação e publicação dos resultados dos segredos por trás das decisões políticas das mudanças
das investigações e, principalmente, no reconhecimento de de regras em algumas modalidades esportivas e introdu-
nossos limites, para que a arrogância intelectual não nos ção de novas atividades motoras no mercado, nesse ínte-
impeça o aprendizado com outras áreas, além das sociais rim discussões sobre o consumo e a prática dessas ativida-
e nem com as mesmas no cenário internacional. Para isso, des têm despertado muito interesse.
apresentaremos as questões emergentes no cenário mun- Além disso, também é possível encontrar estudos so-
dial, a partir das publicações e apresentação de trabalhos bre os mitos criados socialmente e a transferência das as-
científicos de alguns congressos, e artigos recentes em pirações sociais dos cidadãos para os ídolos esportivos, a
revistas como a Quest, British Journal, Research Quaterly, violência não só das torcidas, mas também entre os prota-
Journal of Sports Philosophy, Sociological Studies of Sports gonistas, questões de gênero e aspectos sociais relevantes
e algumas linhas de pesquisa do Olympic Center Studies da na aderência à prática de atividades motoras, entre inúme-
Western University do Canadá. ras outras possibilidades de estudo.
Com relação aos estudos históricos destacam-se as
As questões internacionais nos estudos sócio-cultu- questões que envolvem o desenvolvimento da Educação
rais do movimento humano Física, Esporte e práticas de atividade motora em diversos
países e os fenômenos que a esses se associam como o
Em nossa pesquisa, nas fontes citadas anteriormente movimento olímpico, (institucionalização no sentido públi-
e associando-as às sub-áreas em discussão e já apresen- co e privado de atividades esportivas e motoras). Alguns
tadas anteriormente nesse ensaio, conseguimos constatar focos têm se direcionado para a América Latina, até por-
que inúmeras questões estão relativamente ligadas à in- que essa se lança ao mercado mundial de esportivização
vestigação de fenômenos como gênero, raça, religião, ca- através da fabricação dos aparatos e de preparação inicial
racterísticas culturais de grupos diferentes quanto à pratica de grandes atletas, não apenas do futebol, mas também de
de atividades motoras e esporte, além de seus significados, outros esportes como a ginástica e o hóquei.

78
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Alguns estudos específicos de característica histórica Núcleo de estudos sócio-culturais do movimento
estabelecem direções no sentido de buscar as origens de humano - NESC
alguns clubes que se destacam no cenário esportivo, assim
como do surgimento de academias e da esportivização em O Núcleo de Estudos Sócio-Culturais do Movimento
âmbito escolar. No início de 1999, aconteceu na Nova Ze- Humano – NESC, foi criado em 1988, na Escola de Educa-
lândia, na cidade de Queenstown, a XX Conferência Bie- ção Física e Esporte da USP com o objetivo de acompanhar
nal da Sociedade Australiana de História do Esporte, que a tendência mundial de se estudar a natureza do movimen-
procurou reunir trabalhos do mundo inteiro com a inten- to humano como fenômeno social e cultural, uma vez que
ção de diagnosticar o acervo das produções desse século há uma década atrás, já estavam surgindo vários periódicos
nessa sub-área; somente para esse evento foram inscritos que abordavam temas específicos aos aspectos sociais, cul-
mais de 2000 trabalhos, além dos conferencistas e pales- turais e filosóficos da Educação Física e do próprio fenôme-
trantes, indicando que é extremamente difícil listar todos no movimento humano.
os interesses que aparecem nessa subdivisão. Na referida época de sua criação, o NESC abrigaria es-
Com a mesma proporção seguem as investigações tudos, segundo o projeto institucional, que abordariam as
filosóficas do esporte e atividade motora. Além dos in- seguintes questões:
teresses que envolvem as discussões epistemológicas do Em que medida o meio sócio-cultural influencia as ati-
campo de conhecimento da Educação Física, primando vidades motoras ou em que medida o significado de ativi-
pela Teoria do Conhecimento como disciplina básica para dade motora para o ser humano leva à criação de traços
o estudo do desenvolvimento desta grande área, muitos sócio-culturais em padrões de participação nas atividades
questionamentos têm envolvido estudos filosóficos sobre motoras;
a ética. Sobre esse tema envolve as relações entre profis- Em que medida a raiz filogenética do movimento pode
sionais, profissionais e atletas, atletas e atletas e entre as ser a base para a compreensão da dimensão cultural do jogo
pessoas comuns que praticam atividades motora e esporte e do esporte;
com outros objetivos que não a competição de alto nível. Em que medida raízes místicas, religiosas e estéticas
contribuem para o estampamento de determinados tipos de
Nesse sentido, cabem as preocupações relativas ao uso de
comportamento motor de indivíduos em um determinado
“dopping”, treinamento precoce, contratação e direitos de
grupo ou sociedade;
atletas, entre outros.
Em que medida a brincadeira e os jogos folclóricos ser-
Em proporções relativas, na Filosofia do Esporte e da
vem como amplificadores para a aquisição de conhecimento
Atividade Motora, estão surgindo discussões quanto à
na criança no processo de transmissão cultural; e
práticas e doutrinas religiosas e a proibição de algumas
Em que medida a dicotomia filosófica mente e corpo
atividades, o jogo da estética no contexto e no plano das
tem influenciado os padrões de atitude em relação ao movi-
idéias, resgate dos estudos da época grega clássica com
mento, ou como filosofias orientais e ocidentais encaram o
Platão, Sócrates, Ariostóteles, Epicuro; do Renascimento movimento e que implicações estas concepções acarretam
com Santo Agostinho, Tomás de Aquino e teorias cristãs na sociedade atual.
na abordagem dos fenômenos esportivos e outras práti- Onze anos depois, essas questões ainda permanecem,
cas motoras, incluindo as preocupações tradicionais sobre uma vez que a amplitude de cada uma delas permite que
o dualismo corpo e alma e o maniqueísmo nas questões várias investigações e discussões sejam realizadas. Mas,
entre o bem e o mal. atualmente, esse Núcleo passa por uma reestruturação
É evidente que não seria possível traçar um panorama para fazer valer seu objetivo primeiro: consolidar as linhas
completo de todas as questões que aparecem no cená- de pesquisa, acompanhando a evolução das sub-áreas
rio internacional, até porque a principal característica da afins, que já estabelecem “status” no cenário mundial como
sub-área sócio-cultural está na amplitude dos questiona- a Antropologia, Sociologia, Filosofia e História da Educação
mentos. Física, Atividade Motora e Esporte. Autores como Bouchard
Explicitamos aqui, de forma sintética, as principais et alii (1991) citam também a Psicologia e a Pedagogia, não
questões dos estudos sócio-culturais com a intenção de obstante - embora tenhamos claro suas relações com a
contribuir para uma visão geral dos temas que mais apa- área sócio-cultural - ainda não estão presentes no Núcleo
recem no cenário internacional. enquanto área de estudos, devido a ausência de pesquisa-
Temos procurado, no Núcleo de Estudos Sócio-Cultu- dores nas mesmas.
rais do Movimento Humano (NESC) da EEFEUSP, acompa- No processo de reestruturação do NESC, estão em fase
nhar o desenvolvimento dessas questões no sentido de de consolidação três áreas de estudo – Sociologia, Filoso-
ampliar nossos conhecimentos e buscar o delineamento fia e Antropologia do Movimento Humano. A primeira tem
de nossas áreas de estudos, seguindo paralelamente a como objetivo geral investigar como ocorre a estrutura da
consolidação de nossas linhas de pesquisa. Sendo assim, organização social e os sistemas de interação entre grupos
torna-se imprescindível apresentarmos o NESC, sua equi- sociais e em relação aos domínios da atividade motora, es-
pe de trabalho e o que pretendemos desenvolver nessa porte e lazer. Na segunda área de estudos, a Filosofia do
sub-área. Movimento Humano, procuramos investigar as definições
da atividade motora e esporte a partir da essência de suas
características e procurar determinar os significados e va-

79
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
lores do movimento na experiência humana, além de estu- _ Epistemologia dos Estudos Sócio-Culturais do
dos emergentes da Filosofia da Ciência, Teoria do Conhe- Movimento Humano e Educação Física – cujo objetivo é
cimento e identificações dos aspectos epistemológicos das analisar a produção acadêmica classificada na área de Estu-
ciências sociais na Educação Física. Com relação à terceira dos Sócio-Culturais da Educação Física e buscar subsídios
área, Antropologia do Movimento Humano, enfocamos acadêmico-científicos para a compreensão do conceito e
questões a partir da Antropologia Social, desenvolvendo delineamento dessa sub-área.
estudos sobre a manifestação do movimento em grupos O projeto vinculado a esta linha intitula-se Estudos Só-
sociais de iguais ou diferentes culturas relativas à prática de cio-Culturais do Movimento Humano no Brasil, encontra-se
atividade motora e esporte. em andamento sob a coordenação da Profa. Dra. Claudia
Até o presente essas três áreas contam com as seguin- M. Guedes e tem como colaboradoras as bolsistas-traba-
tes Linhas de pesquisa: lho Isabel Cunha e Carolina Maoriyama. Juntamente com
- Cultura corporal de movimento – que trata de te- as pesquisas, o NESC compreende dois grupos de estudo:
mas relativos aos cuidados com o corpo e de que modo um primeiro relativo aos estudos metodológicos das pes-
a atividade física, o movimento, o vestuário, o gesto e a quisas em ciências sociais e aspectos da atividade motora
estética determinam e são determinados por um modo de na idade adulta, com a colaboração de dois técnicos edu-
ver e interpretar a vida. cadores da EEFEUSP - Myrian Nonomura e Luiz Antônio
O projeto de pesquisa referente a essa linha intitula-se Teixeira Cespedes; um segundo sobre as contribuições da
Cuidados com o corpo, têm como característica principal o Antropologia para a Educação Física. As reuniões dos gru-
envolvimento com outras áreas do saber e é coordenado pos são semanais.
pela Profa. Ms. Yara M. de Carvalho. Além dessa organização acadêmica, o NESC conta ad-
_ Saúde coletiva e atividade física – que propõe, com ministrativamente com cinco comissões para operaciona-
base na perspectiva histórico sociológica, outra leitura, lizar a programação de eventos, atualização do banco de
além da biológica/fisiológica, sobre a relação atividade fí- dados de referências bibliográficas, organização das publi-
sica e saúde. cações, operacionalização de uso e compra de materiais, e
Nessa linha de pesquisa discutem-se basicamente três implementação e uso dos materiais de informática.
aspectos relativos ao projeto “O adulto e a atividade física”: Algumas metas propostas em 1998 para o redimensio-
Adesão à atividade física, motivação para a atividade física, namento do Núcleo já foram atingidas como, por exemplo,
atividade física e saúde psicológica”. A coordenação é da um levantamento de referências bibliográficas para a cons-
Profa. Ms. Yara Maria de Carvalho, conta com a colabora- trução de um banco de dados, respectivas à áreas de estu-
ção dos técnicos educadores Profa. Ms. Myrian Nonomura do delimitadas e temas concernente às linhas de pesquisa.
e Luís Antônio Teixeira Cespedes e com a participação dos Através de cruzamento de palavras nas fontes - SportDis-
monitores. As reuniões do grupo são semanais. cus, Medline, Dedalus e Unibibli estão disponíveis para
_ Lazer – que procura tratar do tema enquanto um fe- consulta cerca de 20.000 referências que são atualizadas
nômeno cultural que reproduz o modo de ser e viver do periodicamente. E com relação às propostas de discussões
indivíduo e do coletivo. que envolvam as características dos estudos socioculturais
Essa linha também se encontra sob a coordenação da do movimento humano, o Núcleo já recebeu alguns profis-
Prof. Yara M. Carvalho e está em fase de consolidação _ sionais em suas reuniões semanais de caráter temático que
Antropologia do corpo - cujo objetivo é investigar a cons- envolveu questões básicas de sua estrutura conceitual e os
trução cultural do conceito de corpo em diferentes grupos Estudos sócio-culturais do movimento humano métodos
sociais e a relação entre as concepções formadas, o signifi- de pesquisa das respectivas áreas de estudo.
cado do movimento e sua influência na prática da atividade Como forma de buscar intercâmbio acadêmico nacio-
motora. nal o Núcleo assinou duas listas de discussão via Internet,
Nessa linha, alocam-se quatro projetos em andamen- do Centro Esportivo Virtual, chamadas CEV-Hist e CEV-Ge-
to, sendo que três deles são de iniciação científica e o ou- ner facilitando a divulgação e funcionamento, assim como,
tro, o projeto norteador. possibilitando o conhecimento de estudos feitos em todo
O projeto maior, intitulado Significado de corpo e ati- o país, eventos e a existência de outros grupos com seme-
vidade motora para adolescentes na faixa etária de 14 a 16 lhantes objetivos de investigação acadêmica. Um próximo
anos da cidade de São Paulo está sob a coordenação da passo será criar uma linha direta de acesso a grupos simila-
Profa. Dra. Claudia M. Guedes; assim como a responsabili- res em nível internacional.
dade de orientação nos projetos de iniciação científica das As perspectivas do NESC privilegiam, em primeira ins-
bolsistas Paula V. Chiés (com o projeto Construção cultu- tância, a concretização dos estudos em andamento e a
ral de corpo e adolescência, financiado pela FAPESP), Bru- divulgação dos resultados via publicação interna e exter-
na Oneda ( com o projeto Conceito de corpo e atividade na, contatos e intercâmbios com outras instituições a fim
motora para os adolescentes da atualidade financiado pelo de que, através da troca de conhecimentos produzidos,
programa PIBIC do CNPq) e Carolina Maoriyama (com o possamos - enquanto pesquisadores - contribuir para o
projeto Os avanços tecnológicos e a evolução do movimento crescimento e reconhecimento acadêmico da sub-área de
humano, encaminhado a agência de fomento - FAPESP). Estudos Sócio-Culturais do Movimento Humano no Brasil.
Nossa tentativa nesse sentido é superar as grandes difi-
culdades que permeiam essa sub-área, as quais apresen-

80
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
tam-se nos objetos de estudo com metodologias distintas vo, cuja especificidade encontra-se nos processos semióticos
e bem definidas que permitam à comunidade acadêmica da consciência, os quais, por sua vez, decorrem das relações
avaliar a seriedade e o compromisso com das ciências so- recíprocas entre natureza e cultura – portanto, entre as he-
ciais na Educação Física.25 ranças biológica e sócio-histórica. A motricidade refere-se,
portanto, a sensações conscientes do ser humano em movi-
Importância e implicações pedagógicas mento intencional e significativo no espaço-tempo objetivo
e representado, envolvendo percepção, memória, projeção,
O discurso pedagógico contemporâneo tem afirmado afetividade, emoção, raciocínio. Evidencia-se em diferentes
o pressuposto segundo o qual o aluno é um ser comple- formas de expressão – gestual, verbal, cênica, plástica, etc..
xo, cujo desenvolvimento deve ser estimulado de forma A motricidade configura-se como processo, cuja constituição
integrada, nas dimensões cognitiva, socioafetiva e psico- envolve a construção do movimento intencional a partir do
motora. Contudo, a prática observada na grande maioria reflexo, da reação mediada por representações a partir da
dos estabelecimentos escolares evidencia a centralização reação imediata, das ações planejadas a partir das simples
das intervenções pedagógicas na construção de abstrações respostas a estímulos externos, da criação de novas formas
conceituais, especialmente no que se refere à língua es- de interação a partir da reprodução de padrões aprendidos,
crita, ao raciocínio lógico-matemático e às ciências exatas, da ação contextualizada na história – portanto, relacionada
naturais e humanas. Tais práticas vêm recorrendo, quase ao passado vivido e ao futuro projetado – a partir da ação
que exclusivamente, ao trabalho em sala de aula, em situa- limitada às contingências presentes. Esse processo ocorre,
ções de relativa imobilidade, exigindo dos alunos quietude de forma dialética, nos planos filogenético e ontogenético,
e concentração, desde os primeiros anos da escolarização. expressando e compondo a totalidade das múltiplas e com-
A progressiva universalização da educação básica vem plexas determinações da contínua construção do homem.
evidenciando as insuficiências da metodologia de ensino (KOLYNIAK FILHO, 2002, p. 31-2.).
que recorre, quase que exclusivamente, à atividade mental, Assim entendida, a motricidade é constitutiva do ser
mantendo os alunos em relativa imobilidade. Tais insufi- humano. Sua construção, no desenvolvimento da espécie
ciências revelam-se nas inúmeras dificuldades de aprendi- e das culturas e nos processos individuais, insere-se na to-
zagem apresentadas por muitos estudantes, que têm re- talidade da construção do humano, nos planos filogenéti-
dundado em abandono da escola ou, mais recentemente, co (construção da espécie) e ontogenético (construção do
na conclusão da educação básica sem apropriação de co- indivíduo).
nhecimentos básicos, como a leitura, a escrita e o cálculo  
aritmético. A Construção da Motricidade na Ontogênese
Nesse panorama, cabe refletir, entre outras coisas, so-
bre a relação entre os processos de aprendizagem escolar A motricidade constrói-se na relação recíproca entre as
e a motricidade, como mais uma possibilidade de avanço heranças biológica e sócio-histórica. Vale dizer que, tanto no
em direção à superação das dificuldades de aprendizagem plano da espécie como no do indivíduo, a motricidade resul-
que, se não são novas, estão potencializadas na configura- ta da interação entre o genoma, as condições e característi-
ção atual do sistema escolar, especialmente nas redes pú- cas ambientais e os processos sociais em sua historicidade.
blicas. Para tanto, o presente trabalho apresenta o concei- A título de exemplo, consideremos o desenvolvimento
to de motricidade, tal como elaborado por Kolyniak Filho da motricidade de um indivíduo em relação a diferentes
(2002), a partir das contribuições de Manuel Sérgio (1996), variáveis. Assim que ocorre a fecundação de um óvulo,
para relacioná-lo aos processos de aprendizagem em ge- constitui-se uma herança biológica específica, ou seja, um
ral, a partir de elementos teóricos elaborados por Fonseca genótipo. O genótipo contém em si possibilidades para
(1995, 1998) e Luria (1981) e de enfoques mais gerais das a construção da motricidade, na medida em que contém
neurociências. Com base nessa articulação, são apontadas uma programação para a construção de estruturas e fun-
implicações pedagógicas que incidem sobre a organização ções biológicas características da espécie humana – mús-
e a metodologia de ensino escolares. culos, articulações, sistema nervoso, etc.. A realização des-
  sas possibilidades passa a depender, já durante a gestação,
Motricidade e Aprendizagem das condições concretas de existência da mãe, num meio
sociocultural dado – de alimentação, higiene, condições de
Introduzindo o Conceito de Motricidade saúde, atividades cotidianas de trabalho e lazer, acesso a
É fundamental esclarecer o conceito de motricidade serviços de saúde, relações interpessoais, etc.
que utilizamos. Este conceito faz parte da emergente Ciên- Além das condições da gestação, as condições em que
cia da Motricidade Humana, e tem, como uma de suas for- se dá o parto e as ocorrências que o acompanham também
mulações, a seguinte: influenciam na constituição das características biológicas
Forma concreta de relação do ser humano com o mun- do bebê. Dependendo das circunstâncias do parto, a crian-
do e com seus semelhantes, relação esta caracterizada por ça pode ter melhores ou piores condições para iniciar seu
intencionalidade e significado, fruto de um processo evoluti- desenvolvimento como organismo independente do da
mãe. Por exemplo, crianças que nascem com asfixia ou com
outras complicações podem ter sequelas importantes no
25  Fonte: www.disciplinas.usp.br – Por Claudia Guedes desenvolvimento, se não forem atendidas imediatamente.

81
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A partir do nascimento, o bebê passa a relacionar-se cas de movimentos e habilidades consideradas necessárias
com o mundo, inicialmente, exclusivamente por meio de e desejáveis para a sobrevivência e as relações sociais –
movimentos reflexos (movimentos que são controlados como alimentar-se, vestir-se, cuidar da higiene, sentar-se,
por uma ligação neurológica, que se dá na medula espinhal cumprimentar outras pessoas, realizar tarefas simples da
e, portanto, não passa pelo sistema nervoso central), como vida diária, etc.. Assim que a criança ingressa na escola, as
os de sucção, preensão, tônico-cervical e outros. Esses re- influências familiares somam-se as normas de convivência,
flexos vão sendo exercidos em condições específicas, que as demandas e as características da instituição escolar, as
representam uma mediação sociocultural para a expressão quais criam novos estímulos e novas exigências para as
da motilidade biológica. Por exemplo, a criança que exerce expressões da motricidade: manter-se sentado por mais
seu reflexo de sucção no seio materno tem um estímulo tempo, compartilhar espaços coletivos, controlar mais os
diferente daquela que o exerce em uma mamadeira. Igual- movimentos, adquirir habilidades motoras mais precisas
mente, a criança que recebe diferentes estímulos para seus (desenhar, colar, pintar, modelar, participar de jogos, etc.).
reflexos de preensão (segura diferentes brinquedos, assim Considerando, ainda, que há outras situações sociais
como partes do corpo de outras pessoas) tem um desen- que podem influenciar a formação individual – trabalho,
volvimento diferente do daquela que pouco é estimulada. clubes, sindicatos, grupos de escoteiros, instituições mili-
Aos poucos, o exercício dos movimentos reflexos, em tares, instituições religiosas... –, pode-se avaliar a comple-
específicas condições socioculturais, aliado à maturação xidade das determinações sócio-históricas da motricidade.
(mielinização de determinadas vias nervosas), possibilita  
o surgimento de movimentos com características dife- Motridade e Aprendizagem Escolar
rentes dos reflexos – os movimentos involuntários, assim
designados por Wallon. Tais movimentos são chamados A partir da caracterização apresentada acima, enten-
de involuntários por serem controlados por vias nervosas de-se que a construção da motricidade é indissociável de
subcorticais (cerebelo, vias extrapiramidais, formação reti- processos de aprendizagem. Por um lado, a passagem da
cular e outras), e dependem da quantidade e da qualidade motilidade biológica (atributo de todos os animais e até de
dos estímulos sensoriais que a criança recebe. Assim, uma alguns vegetais) à motricidade (formação sócio-histórica
criança que recebe abundância de estímulos táteis (toque tipicamente humana) pressupõe a aprendizagem de diver-
de outras pessoas, contato com superfícies e objetos varia- sas habilidades motoras (com seus respectivos significados
dos, assim como com a água, etc.), visuais (luzes, figuras, sociais e sentidos pessoais), com ou sem a mediação de
formas, rostos, movimentos, cenários...), auditivos (som da um agente cultural (pais, irmãos, amigos, professores, li-
voz humana, música, sons da natureza...), além dos estímu- vros, imagens no cinema e na televisão, etc.). Assim sendo,
los olfativos e gustativos, tende a produzir respostas mo- pode-se afirmar que a motricidade é produzida por proces-
toras mais diversificadas e cada vez mais específicas, cons- sos de aprendizagem.
tituindo um repertório de possibilidades de interação com Por outro lado, como exemplificado anteriormente, a
o ambiente maior do que aquele que pode ser construído gradual construção da motricidade vai abrindo, para o indi-
por uma criança que recebe pouca variedade de estímulos. víduo, novas possibilidades de interação com o mundo, das
A construção dos movimentos involuntários, junto à quais se originam novas oportunidades de aprendizagem.
continuidade do processo de maturação, que ocorre em Em certa medida, a motricidade produz novas possibilida-
interações sociais (família, creche), possibilita o surgimen- des de aprendizagem.
to da função simbólica ou semiótica e, nela e com ela, a Entendida como produto e produtora de processos e
formação da linguagem. A linguagem nasce associada ao experiências de aprendizagem, a motricidade representa
gesto; uma vez apropriada pela criança, instaura o movi- um aspecto da construção do humano que deve interessar
mento voluntário, caracterizado pela presença do controle à escola – instituição centrada na promoção sistematizada
cortical (vias nervosas piramidais), que se soma ao controle de processos e experiências de aprendizagem.
subcortical e medular, característico das formas anteriores A forma pela qual a chamada “pedagogia tradicional”
(movimentos reflexos e involuntários). tem considerado a motricidade fundamenta-se numa visão
A construção do movimento voluntário demonstra que dualista do ser humano, que o divide em duas substâncias
a humanização ocorre em um processo unitário, no qual se distintas: corpo e mente. Por esta razão, a escola tradicional
formam tanto as “funções psicológicas superiores” (cf. VY- tem separado o trabalho escolar em duas partes distintas:
GOTSKI, 2001) como as formas especificamente humanas o trabalho em sala de aula, que envolve a mente e, para tal,
de movimento (que podem ser chamadas de “funções mo- deve restringir drasticamente a movimentação dos alunos;
toras superiores”). Essas funções são fruto de um mesmo as atividades motoras na educação física, realizada fora da
processo e determinam-se reciprocamente. Sendo assim, sala de aula, em espaços mais amplos, destinados ao exer-
não cabe discutir se as funções motoras superiores surgem cício “físico”, que deve educar, disciplinar, colocar sob con-
antes ou depois das funções psicológicas superiores. trole o corpo. Para tanto, há permissão de movimentação
A emergência do movimento voluntário, fruto do de- mais vigorosa, também para “descarregar” as energias dos
senvolvimento da criança num meio social, abre ao indiví- alunos, livrá-los (e também os professores) da indesejável
duo novas possibilidades de interação, nas quais e pelas tensão, da agitação, deixá-los mais “calmos” para as ativi-
quais sua motricidade vai se tornando mais complexa. No dades intelectuais.
convívio familiar, a criança vai aprendendo formas específi-

82
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
O tempo que a escola tradicional dedica à educação Isso, contudo, só é possível a partir de um projeto peda-
física, em comparação ao tempo dedicado às demais disci- gógico que contemple, de fato, a motricidade como di-
plinas, expressa e materializa a concepção segundo a qual mensão constitutiva do ser humano e da própria educação.
o corpo é mero suporte da mente e/ou da alma, que repre- Tal condição remete a segunda vertente anunciada acima,
sentaria(m) a essência do ser humano. pois a valorização da motricidade depende, também, da
A partir de uma perspectiva que considera o ser hu- compreensão de sua relação com os processos de apren-
mano como totalidade complexa, na qual não é possível dizagem em geral.
dissociar corpo e mente, cognição, afetividade e motricida- Como a construção da motricidade influi sobre os
de, cabe buscar outras formas de situar a motricidade em processos de aprendizagem em geral? A resposta a esta
sua relação com o trabalho pedagógico e, por conseguinte, questão é importante para uma efetiva inclusão da motri-
com o currículo escolar. Uma nova configuração da relação cidade na pauta de discussões e definições de um projeto
entre motricidade e aprendizagem, na escola, deve pau- pedagógico.
tar-se em duas vertentes: (a) a contribuição da instituição Em face do espaço disponível para este texto, cabe
escolar na construção da motricidade; e (b) as implicações apresentar, de forma muito sucinta, alguns aportes teóricos
da construção da motricidade para as experiências e os que subsidiam a compreensão da importância da constru-
processos de aprendizagem escolar em geral – vale dizer, ção da motricidade e da sua repercussão sobre os mais
para a aprendizagem em todos os ambientes e conteúdos diversos processos de aprendizagem.
que a escola oferece aos alunos. A - Segundo a abordagem do desenvolvimento
A primeira vertente mencionada refere-se ao modo proposta por Henri Wallon, os aspectos afetivo, motor e
pelo qual a escola, por meio de seu projeto e de seu fazer cognitivo são indissociáveis, no processo de construção in-
pedagógicos, oportuniza experiências de aprendizagem dividual. Cabe lembrar que Wallon (cf. NADEL-BRUFERT &
que possibilitem que os alunos: WEREBE, 1986) sublinha a importância da motricidade no
• Dominem a própria motricidade, situando seu cor- desenvolvimento humano, situando-a na origem do pen-
po no espaço-tempo, no sentido de que sejam capazes de samento.
articular seus movimentos para atingirem seus objetivos, B - Diferentes abordagens no campo da psicomotri-
com eficiência e economia de esforço; isso significa propi- cidade, dentre as quais se podem inserir alguns dos tra-
ciar aos alunos a realização de uma grande variedade de balhos de Wallon, evidenciam a indissociabilidade entre
movimentos (andar, correr, saltar, jogar capoeira, futebol, motricidade e processos cognitivos. Como elaboração mais
basquetebol, dançar, etc.), que resultem também em uma recente, temos os trabalhos de Vitor da Fonseca (1995,
melhoria de suas capacidades gerais de movimento (força, 1998), que estabelecem relações entre o desenvolvimento
resistência, flexibilidade, coordenação motora, etc.). dos chamados fatores psicomotores e as funções do cére-
• Apropriem-se de um conjunto de conceitos que lhes bro, tal como sistematizadas por A. R. Luria (1981).
permitam uma compreensão abrangente e crítica da mo- Segundo o modelo de Luria, a primeira unidade fun-
tricidade humana em geral e da sua motricidade individual; cional, que compreende a medula espinhal (especialmente
tais conceitos incluem aspectos biológicos (fisiologia, ci- a formação reticulada), o tronco cerebral, o tálamo, o hi-
nesiologia, anatomia, etc.) e psicossociais (elementos cul- potálamo e o cerebelo, responde pela regulação do tônus
turais, influências político-econômicas nas manifestações muscular e dos estados de atenção e alerta, sendo o seu
motrícias) da motricidade. funcionamento essencial para toda a troca de informação
• Discutam as relações humanas pelas óticas ética e es- entre os receptores nervosos, o sistema nervoso central
tética, tendo como referência a interação concreta entre os e os músculos. Em outras palavras, é a primeira unidade
homens e destes com a natureza, interação esta que envol- funcional que regula os processos de aferência (movimen-
ve o corpo e a motricidade; nesta perspectiva, por exem- to dos estímulos nervosos em direção ao sistema nervoso
plo, todas as atitudes dos alunos em jogos (colaboração, central) e eferência (movimento dos estímulos nervosos
solidariedade, violência, desrespeito) devem ser discutidas que partem do sistema nervoso central). Fonseca (1995)
pelo seu sentido ético, assim como se deve chamar a aten- associa as estruturas da primeira unidade funcional à regu-
ção para a beleza dos movimentos individuais e grupais, lação dos seguintes fatores psicomotores:
não só para os resultados. Tonicidade, definida como estado de tensão (contra-
• Construam valores como respeito mútuo, solidarie- ção) básica dos músculos, que possibilita o acionamento
dade, aceitação das diferenças e busca de desenvolvimen- de um músculo ou grupo muscular.
to coletivo. Equilibração, entendida como capacidade de manuten-
O componente curricular que centraliza tal abordagem, ção da postura bípede, tanto em imobilidade quanto em
em nosso sistema escolar, é a educação física. Entretanto, deslocamento.
o tempo e as condições destinadas à educação física, em A segunda unidade funcional, que inclui as áreas corti-
geral, não são suficientes para viabilizar tal projeto peda- cais dos lobos occipital, temporal e parietal, responde pela
gógico. Para tanto, é fundamental que o trabalho de ou- recepção, análise e armazenamento de informações. Assim,
tros componentes curriculares – ciências naturais, ciências todas as informações provenientes dos sentidos voltados
humanas, artes, matemática, filosofia – possa agregar-se para o exterior (visão, audição, tato, olfato e gustação) e
ao trabalho do professor de educação física, no que se re- para o interior (propriocepção, que inclui informação pro-
fere a um autêntico trabalho de promoção da motricidade. veniente dos músculos, articulações e órgãos) são passí-

83
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
veis de tratamento e armazenamento (como memória) na C – O conhecimento do desenvolvimento e do funcio-
segunda unidade funcional. O tratamento da informação namento do sistema nervoso central, abarcado pelas neu-
inclui a associação entre diversas informações, provenien- rociências, tem sido potencializado pelos avanços tecnoló-
tes de diferentes campos perceptuais (visão, audição, ci- gicos que permitem estudar os processos neurológicos in
nestesia, etc.). vivo. Esse avanço tem evidenciado a interdependência fun-
Esta unidade funcional, segundo Fonseca (1995), tem cional entre diferentes estruturas do cérebro e de outras
suas estruturas relacionadas a três fatores psicomotores: estruturas encefálicas. Tal interdependência reflete-se na
Lateralização, que é o processo de integração entre determinação recíproca entre funções psíquicas conside-
ambos os lados do corpo, tanto no que diz respeito às sen- radas distintas, como, por exemplo, memória e afetividade.
sações provenientes dos telerreceptores (órgãos senso- Um exemplo desta interdependência é a relação en-
riais) e dos proprioceptores (receptores nervosos localiza- tre o hipocampo – estrutura considerada importante para
dos no interior do corpo), como no que se refere à emissão os processos de memorização de informações – e outros
de respostas motoras. componentes do chamado sistema límbico – conjunto de
Noção do corpo, que representa a síntese psíquica de estruturas que estão associadas às experiências afetivo-e-
um amplo conjunto de informações provenientes do pró- mocionais (giro do cíngulo, fórnice, amígdala...). Um funcio-
prio corpo (tônus muscular, sensações de movimento, re- namento adequado do hipocampo (e, portanto, do pro-
flexos labirínticos, sensações de dor, calor, prazer, etc.) e cesso de memorização de novas informações) depende de
do contato com o meio (impressões táteis e visuais), inte- um estado ótimo de ativação do sistema límbico como um
gradas em imagens no córtex do lobo parietal. A noção de todo. Em outras palavras, quando o sistema límbico está
corpo integra, ainda, afetos e conceitos, sendo influenciada ativo, mas não hiperativado (isso acontece quando o su-
pela linguagem e pelas interações sociais. jeito experimenta sentimentos e emoções intensas, como
Estruturação espaço-temporal, que diz respeito à locali- raiva, medo, ansiedade, euforia), o hipocampo tem as me-
zação do corpo no espaço-tempo, possibilitando a relação lhores condições de processar as informações a serem me-
do sujeito com o meio físico, em movimentos de locomo- morizadas. No caso de uma subativação do sistema límbico
ção e manipulação, que implicam ajustes da posição, da (estado de apatia), o hipocampo fica menos ativo e pro-
trajetória e da velocidade do corpo, no seu todo ou em cessa as informações de forma mais lenta. A hiperativação
partes. do sistema límbico, por sua vez, gera uma sobrecarga de
A terceira unidade funcional envolve o córtex do lobo estímulos que tende a desorganizar o fluxo de informações
frontal. Esta unidade comanda a programação, a regulação no hipocampo, confundindo o processo de memorização.
e a verificação da atividade, ou seja, é a unidade respon- A partir das referências teóricas pontuadas acima, po-
sável pela atividade intencional, deliberada, que envolve a demos apontar elementos que sugerem uma influência ge-
movimentação dirigida para finalidades específicas, com ral da construção da motricidade nos processos de apren-
objetivos de curto, médio e longo prazos. Para Fonseca dizagem escolar:
(1995), as estruturas desta unidade funcional são utilizadas Em primeiro lugar, a construção e o exercício de habi-
também para as seguintes funções: lidades motoras implicam a formação de múltiplas sinap-
Praxia global, definida como capacidade de realizar ses, tanto nas áreas pré-motora e motora suplementar do
movimentos intencionais com finalidades preestabelecidas córtex frontal, como nas conexões destas áreas com outras
e definidas, envolvendo o corpo como um todo ou vários (áreas sensoriais terciárias dos lobos occipital, parietal e
segmentos em ações articuladas. Implica a consciência de temporal, hipotálamo, etc.). Tais sinapses podem ser utili-
objetivos a atingir, portanto, envolve múltiplas funções zadas em outras funções gerais, como planejamento, ima-
cerebrais: o planejamento das ações a realizar, a memória ginação, associação de informações, memória.
que fornece os dados sobre os objetivos e as condições Em segundo lugar, o exercício de atividades motoras
(internas e externas) do corpo, a tomada de informações como o jogo, os diferentes métodos de exercitação (fle-
sobre o estado atual do ambiente e do corpo, a imaginação xibilidade, agilidade, velocidade, etc.), o relaxamento, a
de soluções para atingir os objetivos, etc., assim como a massagem, a dança, as atividades rítmicas em geral, pode
avaliação dos resultados das ações realizadas. contribuir para um melhor equilíbrio afetivo-emocional,
Praxia fina, que é a capacidade de realizar movimentos na medida em que propicia experiências prazerosas aos
intencionais e controlados com as mãos e com a língua – alunos, eleva sua auto-estima e favorece a sociabilidade.
estruturas com inervação motora altamente especializada Tais benefícios, entretanto, dependem de uma adequada
e complexa. orientação das atividades motoras – competência funda-
Entendendo as relações caracterizadas por Fonseca mental para os professores de educação física e necessária,
(1995), pode-se inferir que, ao aprender e exercer uma va- também, para outros professores que venham a atuar na
riedade de habilidades motoras, o aluno exercita os fatores construção da motricidade dos alunos.
psicomotores elencados e, correlativamente, as estrutu- Em terceiro lugar, a prática de atividades motoras
ras funcionais que servem também a funções mais gerais promove uma ativação cortical, elevando o nível geral de
(atenção, concentração, memorização, formação de con- atividade cerebral. Isto ocorre tanto pela promoção de
ceitos, raciocínio, antecipação e planejamento, imaginação, uma melhor irrigação sanguínea geral, quanto pelo acio-
etc.). namento das múltiplas estruturas corticais e subcorticais
que atuam no planejamento, execução e controle das ati-

84
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
vidades motoras. Dessa forma, o sistema nervoso, como dos em cada época. Assim, o que hoje estamos chamando
um todo, fica mais preparado para desempenhar todas as de Educação Física passa, necessariamente, pela reflexão
funções psicológicas exigidas no trabalho escolar. sobre o seu processo de constituição como componente
  curricular na história da escola moderna.
Conclusão: Implicações Pedagógicas Alguns autores como:
CASTELLANI FILHO (1988), BETTI (1991), LUCENA
O reconhecimento das relações entre motricidade e (1994), que em suas obras deixam traços da construção
aprendizagem, apontadas anteriormente, aponta para a dessa história, serão tomados como principais referências,
necessidade de considerar, na organização do trabalho es- eles têm mostrado que a legislação, em certos momentos,
colar, aspectos como os que seguem: foi um fator determinante na constituição da Educação Fí-
1. Cumpre à escola discutir a importância da constru- sica brasileira, principalmente na sua vertente escolar. Não
ção da motricidade, na elaboração e contínua revisão de é possível compreender a Educação Física sem rever no
seu projeto político-pedagógico. seu passado as várias influências sofridas. Também, não é
2. No âmbito do projeto pedagógico é fundamental possível apontar com discernimento essas influências, sem
dimensionar claramente o papel da educação física como buscar o viés legal que e o aval do Estado para assuntos de
componente curricular, articulado a outros componentes. seu interesse.
3. É necessário que todos os professores possam in-
cluir, em suas estratégias de ensino, elementos que pos- Primeiras Propostas de Introdução Curricular
sibilitem aos alunos exercer suas funções psicológicas de Inicialmente denominada Gymnastica, sua inserção
forma integrada à motricidade, evitando a rígida segmen- como componente curricular foi motivada por um conjun-
tação entre atividades mentais e atividades motoras. Em to de fatores condicionados pela emergência de uma nova
outras palavras, a movimentação dos alunos deve estar ordem social na Europa dos séculos XVIII e XIX, fundamen-
presente em diversos momentos de construção do conhe- tada, especialmente, nos conhecimentos da Medicina e na
cimento na escola, não apenas nas aulas de educação física necessidade de constituição do Estado Nacional. O ideário
e artes. de civilidade exigia uma nova forma de lidar com o corpo
4. A contribuição do processo de construção da motri- e conceber a vida, pautada na conquista individual do or-
cidade para os processos de aprendizagem dos diferentes ganismo sadio e da vontade disciplinada (SOARES, 2001).
componentes curriculares não se dá de forma automática. Em meados do século XVIII, as Ginásticas foram inseri-
Não basta, por exemplo, que as estruturas cerebrais, que das no Brasil, visando a preparação física dos soldados da
possibilitam o pensamento matemático, estejam devida- Corte e, o primeiro sistema de Ginásticas a ser implantado
mente ativadas pela prática de atividades motoras, para no país foi o alemão, na primeira metade do século XIX
que o aluno aprenda matemática. Isto depende da media- (Marinho, 1953).
ção pedagógica especializada para a aprendizagem da ma- Meneghetti (2003) registra que a introdução do Mé-
temática. Portanto, a realização do potencial pedagógico todo Alemão no Brasil deve‐se ao grande número de imi-
das implicações recíprocas entre motricidade e aprendiza- grantes refugiados da guerra que se instalaram no país
gem depende de articulação entre todos os professores, tendo como hábito essa prática. A força do referido Méto-
envolvendo todos os componentes curriculares. do é tão ampla que, por volta de 1860, é consagrado como
5. Na abordagem das dificuldades de aprendizagem, o método oficial do exército brasileiro.
em busca de sua superação, na perspectiva da educação A ciência moderna destacou a importância do movi-
inclusiva, é fundamental a consideração das relações en- mento como forma de promoção da saúde. O corpo pas-
tre motricidade e aprendizagem. Esta referência conceitual sou a ser entendido como uma estrutura mecânica passível
pode inspirar enfoques metodológicos que favoreçam a de ser conhecido no seu funcionamento, mas também con-
superação de dificuldades como a dislexia e a discalculia, trolado e aperfeiçoado (BRACHT, 1999).
ao aportar à utilização de atividades motoras no processo Com esse objetivo, no século XIX a Educação Física foi
de ensino da linguagem e da matemática. incorporada ao currículo do Ensino Secundário brasileiro
6. É indispensável que a escola construa e organize na forma de exercícios ginásticos, esgrima e evoluções
seus recursos materiais – espaço físico, equipamento e ma- militares. Sua inserção no currículo do curso primário da
terial pedagógico – de modo a favorecer o exercício amplo escola pública mineira, por exemplo, no começo do século
e sistemático da motricidade em articulação com todos os passado, em 1906, foi motivada pela ideia de que ela se-
componentes curriculares.26 ria capaz de higienizar, disciplinar e corrigir os corpos das
crianças que frequentavam as escolas, como uma prática
A Educação Física ao logo do tempo ortopédica eficiente para endireitar o que era considerado
torto, empenado, tosco, buscando‐se, com ela, a consoli-
A Educação Física, no âmbito escolar, vem mudando, dação de uma nova ordem escolar, além do preparo dessas
ao longo do tempo, de acordo com os princípios éticos crianças (especialmente as empobrecidas) para a vida no
da sociedade e os projetos político‐pedagógicos construí- meio urbano e para o trabalho (VAGO, 2002).
Desde então, ela vem participando de diferentes pro-
jetos educacionais, idealizados por diversas instituições,
26  Fonte: www.pepsic.bvsalud.org – Por Carol Kolyniak Filho dentre as quais o Estado, o Exército, a Medicina, a Igreja

85
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
e a Indústria. Ao longo do século XX, esses projetos fo- A Educação Física de 1930 a 1945
ram orientados por expectativas em torno de suas possi-
bilidades de intervir na educação de crianças e dos jovens, A Educação Física iria experimentar um novo e decisi-
quase sempre com a finalidade de adaptar seus corpos às vo impulso no Brasil durante o Governo de Getúlio Vargas,
necessidades sanitárias, morais, cívicas, de controle social, particularmente no período compreendido entre 1937 e
do mundo da produção, dentre outras. 1945, conhecido como “Estado Novo”.
A Educação Física também teve seu ensino vinculado Antes da Segunda Guerra Mundial, o Brasil vivia uma
a teorias raciais (muito em voga na passagem do século expansão de sua industrialização, e novas exigências foram
XIX para o XX), que defendiam um projeto de eugenização colocadas para a escola, com destaque para a responsabili-
e aperfeiçoamento da “raça brasileira”, tida como fraca, dade de formar homens produtivos, aptos para o mercado
doente e inapta ao trabalho (dentre outras alegações, em de trabalho, agora cada vez mais voltado para a máquina e
decorrência da miscigenação, considerada causa da dege- a técnica. Todas as disciplinas escolares foram se adequan-
neração da raça). Os corpos de crianças pobres, considera- do a essas novas exigências. Da Educação Física, uma nova
dos raquíticos e fracos, deveriam, então, ser fortalecidos, tarefa era esperada: não apenas corrigir e endireitar corpos
disciplinados e robustecidos com a prática de exercícios de crianças, mas educá‐los também para torná‐los eficien-
físicos na escola (VAGO, 2002). tes, eficazes, produtivos – tratava‐se, agora, de moldá‐los
Nesse movimento, promover a saúde foi outro obje- ainda mais radicalmente para as demandas do mundo do
tivo atribuído à Educação Física, que a acompanha desde trabalho (VAGO, 2002).
sua inserção nos currículos escolares no século XIX, atra-
vessando o século XX, vinculada à ideia da ausência de Política Educacional
doença revelando, quase sempre, uma compreensão bas-
tante restrita e empobrecida de corpo humano, reduzido, à O ano de 1930 foi também um divisor de águas na
sua dimensão biológica. história da educação brasileira. A partir dai iniciou‐se uma
Segundo Cantarino Filho (1982), a Educação Física es- série de medidas governamentais na área. As atividades
colar brasileira teve seu inicio oficial em 1851, com a refor- oficiais relativas ao ensino passaram a marcar-se pela cen-
ma Couto Ferraz, que três anos a após, em 1854, já como tralização e pelo consequente aumento de complexidade
Ministro do Império, expediu sua regulamentação, e entre dos órgãos técnico administrativos (Beisiegel, 1974). Criou‐
as matérias a serem obrigatoriamente ministradas no pri- se o Ministério da Educação e Saúde Pública (MES) já em
mário estava a ginástica, e no secundário, a dança. 1930, com o encargo do “estudo e despacho de todos os
Em 1855, através do regulamento da Instrução Primária assuntos relativos ao ensino, saúde pública e assistên-
e Secundária no Município da Corte e também estendida cia hospitalar” (Brasil, Governo provisório da República,
ao Colégio Pedro II, foi feita a exigência dos exercícios gi- 1942).
násticos. Promoveram‐se várias reformas no ensino primário,
O Projeto n°. 224 — Reforma Leôncio de Carvalho, De- secundário e superior, iniciando um ciclo de reestrutura-
creto n. 7.247, de 19 de abril de 1879, da Instrução Pública ções no ensino brasileiro.
—, “reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Em 1940, o Decreto‐Lei 8.072, de 8 de março, dispôs
Complementares da Instrução Pública”. sobre a obrigatoriedade da educação cívica, moral e física
Recebeu um parecer de Rui Barbosa, no qual defen- da infância e da juventude, e para ministra‐las organiza-
deu a inclusão da ginástica nas escolas e a equiparação dos va uma instituição denominada “Juventude Brasileira”, a
professores de ginástica aos das outras disciplinas e reco- qual, segundo Cantarino Filho (1982) e Romanelli (1986)
mendou a extensão obrigatória da ginástica a ambos os se- assemelhava‐se às Juventudes Nazista e Fascista existentes
xos, na formação do professorado e nas escolas primárias então na Alemanha e na Itália (...).
de todos os graus. Nesse parecer, ele destacou e explicitou
sua ideia sobre a importância de se ter um corpo saudável A Educação Física e a Política Educacional
para sustentar a atividade intelectual (BRASIL, 1997, p. 19).
A Educação Física que se ensinava nesse período era Na Reforma Campos, os “exercícios de Educação Fí-
baseada nos métodos europeus — o sueco, o alemão e, sica” eram obrigatórios para todas as classes no ensino
posteriormente, o francês —, que se firmavam em princí- secundário (Brasil, Governo Provisório da República, 1942b,
pios biológicos. Faziam parte de um movimento mais am- p.10; 1974 p. 435). O Decreto 21.241 previa a “designa-
plo, de natureza cultural, política e científica, conhecido ção de inspetores especializados, para a orientação do
como Movimento Ginástico Europeu, e foi a primeira siste- ensino da Música e dos exercícios da Educação Física”
matização científica da Educação Física no Ocidente. (Brasil, Governo Provisório da República, 1974, p. 453). Na
Em 1920 passa a ganhar espaço na escola o Método Reforma do ensino comercial levada a cabo por Francisco
Francês, bem como “vários estados da federação come- Campos não se fez menção à Educação Física.
çam a realizar suas reformas educacionais e incluem Durante a gestão de Gustavo Capanema no MES, a
a Educação Física, com o nome mais frequente de Gi- Educação Física apareceu com destaque. Já em 1937, pela
nástica” (DARIDO e SANCHEZ NETO, 2005, p.2). O Método primeira vez na história do país, uma constituição fazia re-
Francês passa a ser obrigatório nas escolas brasileiras até ferência direta a Educação Física através do artigo 131 da
por volta de 1960. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de

86
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
10 de novembro de 1937, o qual determinou a obrigato- ciência. Um duplo movimento estava ocorrendo: os meios
riedade da educação física, ensino cívico e trabalhos de comunicação fizeram o esporte presente em todos os
manuais, impedindo o reconhecimento de qualquer es- cantos do planeta; ao mesmo tempo, sua transformação
cola primária, normal ou secundária que não cumprisse em mercadoria começou a despertar, em torno dele, um
esta exigência e anunciava também, a fundação de insti- interesse sem precedentes, dada a sua potencialidade de
tuições que organizassem períodos de trabalho e adestra- produzir lucros.
mento físico. Vale observar que estamos assistindo a uma radicali-
No ensino secundário, a Reforma Capanema tornou zação desse movimento neste início de século XXI, e tudo
obrigatória a Educação Física a todos os alunos até 21 indica a sua progressiva expansão. Como decorrência, a
anos de Idade (Brasil, Presidência da República, 1942b) (...). Educação Física passou a ser compreendida como a área
A Lei orgânica do Ensino Primário Previa a Educação Física responsável pelo estudo e ensino do esporte, que passou a
no currículo do curso primário fundamental, mas não no ocupar o centro de suas preocupações, desde a formação
curso primário supletivo (Brasil, Presidência da República, de professores até a organização de seu ensino na escola.
1946a). Começava um processo denominado esportivização da
No ensino normal, as disciplinas “Educação Física” e Educação Física, que atravessa toda a segunda metade
“Educação Física, recreação e jogos” eram previstas nos do século XX.
cursos de regentes de ensino primário e de formação de Nesse quadro, especialmente a partir da década de
professores primários (Brasil, Presidência da República, 1960, a Educação Física passou a ser pensada, na escola,
1946b). como a “base da pirâmide esportiva nacional”.
Durante todo o período a Educação Física foi concebi- Entretanto, é preciso perceber, também, os limites des-
da como uma “prática educativa”, e não disciplina como se projeto, diante da realidade das escolas, especialmente
as demais, sendo sempre tratada em separado nos textos as públicas, que recebem a maioria de estudantes.
legais, ao lado da educação musical ou canto orfeônico. A falta de condições materiais (quadras, ginásios, bolas
Somente na Lei Orgânica do Ensino Normal recebeu o tra- e outros equipamentos) e estruturais da escola (organiza-
tamento de “disciplina”. ção do tempo escolar, do número de alunos por turma,
Em 1938, a recomendação de que os professores de do número de aulas dos professores) certamente dificul-
Educação Física “disciplina em nada inferior às outras” tou a efetivação de tal projeto. De outro lado, no entanto,
deveriam merecer “tratamento idêntico ao dispensado isso não impediu que alguns dos valores presentes na or-
aos seus colegas de outras disciplinas, já que lhes assis- ganização dos esportes de alto rendimento orientassem,
tem e cabem os mesmos direitos e deveres” (Brasil, MES, em certa medida, a vivência dessa prática cultural nas au-
DNE, 19421), p. 489). las de Educação Física: a preocupação com o resultado, a
O impulso centralizador do Governo Vargas manifes- otimização da vitória, a referência das regras universais de
tou‐se também na Educação Física. A Lei n°. 378, de 13 de cada modalidade, a exacerbação da competição são alguns
janeiro de 1937, que reorganizou o MES, criou, no âmbito exemplos.
do DNE, a Divisão de Educação Física, com o encargo de Na Constituição de 1946, elaborada pela Assembleia
administrar as atividades relacionadas à Educação Física Nacional Constituinte, e de inspiração ideológica liberal-
(Brasil, Congresso Nacional, 1942). democrática, voltou a aparecer à influência dos educado-
Em 1940, relatório da DEF (Brasil, MES, DEF, 1941) res da Escola Nova, havia diminuído consideravelmente
traçou um panorama geral da Educação Física no ensino durante o Estado Novo. Ela estabeleceu a competência da
brasileiro (...). No ensino secundário, a grande maioria dos União para legislar sobre as diretrizes e bases da educação
estabelecimentos cumpria as exigências legais quanto à nacional, ao mesmo tempo em que delegava aos Estados a
Educação Física e oferecia assistência médica e gabinetes organização dos seus sistemas de ensino, cabendo à União
médico‐biomédicos. De 613 estabelecimentos de ensino um caráter supletivo.
secundário pesquisados pela DEF em 1940 a Educação Físi- Garantiu a educação como um direito de todos, e a obri-
ca era praticada em 611. No mesmo ano, funcionavam em gatoriedade e gratuidade do ensino primário. (Brasil, Con-
12 estados brasileiros órgãos administrativos criados nos gresso Nacional, 1952b). A Educação Física e a Política Edu-
mesmos moldes de DEF. cacional Logo em 1946, o Ministério da Educação e Saúde do
governo transitório de José Linhares, Leitão da Cunha adotou
A Educação Física de 1946 a 1968 medidas que afetaram diretamente a Educação Física.
Através do Decreto‐Lei 8.535, de 21 de abril, modificou
Neste período diminuíram consideravelmente as ini- a estrutura do Ministério, subordinando diretamente ao
ciativas oficiais na área. Nesse movimento, houve uma Ministro várias divisões do DNE, deixando isolada a divisão
importante e significativa mudança: a ginástica, até então de Educação Física (...). Na mesma data, a portaria Ministe-
o seu conteúdo por excelência, foi sendo paulatinamen- rial n° 5 diminui de três para duas, o número de sessões se-
te substituída por outra prática, que vivia um processo de manais de Educação Física no ensino secundário e reduziu
franca expansão e difusão pelo mundo – o esporte. Isso o tempo de duração de cada sessão. (Brasil, MES, 1951b).
ocorre não por acaso, mas porque o esporte se organiza Em particular, as escolas particulares manifestaram‐se
em torno de valores semelhantes aos de uma sociedade em 1947, no Congresso Nacional dos Estabelecimentos
industrializada: competição, rendimento, resultado, efi- Particulares de Ensino, reivindicando que, face às dificul-

87
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
dades inerentes ao desenvolvimento da Educação Física no de que por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e
ensino médio, dever‐se-iam instituir centros especializados aprimora forças física, morais, cívicas, psíquicas e sociais do
para a prática e expedir novos regulamentos, para transfor- educando” (Brasil, Presidência da República, 1985a, p.117).
mar a Educação Física, de enfadonha e ineficaz, em prática (...)
atraente e proveitosa. A reivindicação foi atendida/portaria De acordo com esse decreto, a Educação Física, tendo
n° 104, de 6 de abril de 1955, com a formação de centros como referência a aptidão física dos educandos, só de-
de Educação Física, abertos, para alunos de qualquer esta- veria interessar‐se por corpos jovens e saudáveis, preferen-
belecimento de ensino e, reafirma a obrigatoriedade para cialmente os que apresentassem potencial para se tornar
menores de 21 anos permitindo a suspensão, das ativida- atletas ou se incorporar às forças armadas. Assim, estavam
des escolares no período de competições esportivas. dispensados: os maiores de 30 anos, as mulheres com pro-
A portaria Ministerial n° 168, de 17 de abril de 1956, le, os portadores de qualquer “anomalia”, dentre outros
consolidou a prática da Educação Física nos estabeleci- (dispensas que, lamentavelmente, acabam de retornar à le-
mentos secundários. O tempo de duração das sessões vol- gislação do ensino, como veremos logo adiante).
tou a ser cinquenta minutos e o número de sessões passou
a três (...). A Educação Física de 1980 a 1986.
É no âmbito da lei que o decreto 43.177/1958 instituiu
a Campanha Nacional de Educação Física e o decreto n° O período caracterizou‐se por um questionamento da
49.699/1960 situação estabelecidas nos períodos anteriores, pela percep-
aprova novo regimento da Divisão de Educação Física ção de uma situação de crise no setor educacional, e por
e do Departamento Nacional de Educação, com finalidade uma radical mudança de discursos e de referenciais concei-
de aperfeiçoar e realizar estudos de recreação física; es- tuais na Educação Física, caracterizando uma verdadeira cri-
tabelecer normas, programas e instruções metodológicas se de identidade. A Educação Física e a Política Educacional.
para a Educação Física nos diferentes graus e ramos de en- Nos anos 80 o decreto n° 87.062/1982 cria a Secre-
sino. taria da Educação Física e Desporto com finalidade de
O acontecimento mais importante do período foi a lei planejar, coordenar e supervisionar a sua execução em âm-
n° 4.024/1961 inclusão da obrigatoriedade da Educação Fí- bito nacional. De fato, este período e, fundamentalmente,
sica na LDB, colocando a Educação Física definitivamente marcado por articulações que deixam a Educação Física à
na escola brasileira de 1° e 2º graus. disposição do fenômeno esporte.
A elevação do status do DED para Secretaria de Edu-
A Educação Física de 1969 a 1979 cação Física e Desporto (SEED), em 1982, reforçou o tra-
tamento diferenciado da Educação Física, e todo planeja-
O período assinalou a ascensão do esporte à razão de mento e ação governamentais far‐se‐ão mais ou menos
Estado e a inclusão do binômio Educação/Esporte na pla- isoladamente da política educacional.
nificação na Segundo DARIDO & SOUZA JR.(2007, p.14) em virtude
estratégia do governo. Ocorreram também profundas do novo cenário político, esse modelo de esporte de alto
modificações na política educacional e na Educação Físi- rendimento para a escola passou a ser fortemente critica-
ca, que subordinou‐se ao sistema esportivo,e a expansão e do e como alternativas surgiram novas formas de pensar a
sedimentação do sistema formador de recursos humanos educação física na escola. Dessas considerações resultou
para a Educação Física e o Esporte. um período de crise que culminou com o lançamento de
A lei n° 5.664/1971 dispensa os alunos dos cursos no- diversos livros e artigos que buscavam, além de criticar
turnos com a lei n° 5.692/71 dá outras, providencias, quan- as características reinantes na área, elaborar propostas e
do trata da obrigatoriedade da Educação Física nos currí- pressupostos que viessem a tornar a educação física mais
culos plenos das escolas de 1º e 2º graus. próxima da realidade e da função escolar. É preciso ressal-
O artigo 7º da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, esta- tar, no entanto, que, apesar das mudanças no discurso, so-
beleceu a obrigatoriedade da inclusão da Educação Moral bretudo o acadêmico, características desse modelo ainda
e Cívica. influenciam muitos professores e sua prática.
Educação Física e Educação Artística e Programas de Também é verdade que, em alguns casos, a crítica ex-
Saúde nos Currículos pleno dos estabelecimentos de 1º e cessiva ao esporte de rendimento voltou‐se para o outro
2º graus. A Educação Física mereceu um tratamento dife- extremo, ou seja, assistimos ao desenvolvimento de um
renciado, ao vir sua obrigatoriedade já expressa no texto modelo no qual, os alunos é que decidem o que vão fazer
legal antes mesmo da definição do núcleo comum dificul- na aula, escolhendo o jogo e a forma como querem prati-
tando a compreensão de sua posição dentro da nova es- cá‐lo, e o papel do professor se restringe a oferecer uma
trutura curricular. bola e marcar o tempo. Praticamente o professor não in-
A Educação Física recebeu uma nova regulamentação tervém.
específica neste mesmo ano, pele Decreto 69.450, de 1 de É preciso deixar claro que esse modelo não foi defendi-
novembro de 1971. Impôs o Decreto que a “educação fí- do por professores, estudiosos ou acadêmicos. Infelizmen-
sica, desportiva e recreativa” deve integrar como atividade te ele é bastante representativo no contexto escolar, mas
escolar regular o currículo dos cursos de todos os graus de provavelmente tenha nascido de interpretações inadequa-
ensino. Entendendo a Educação Física como a “a ativida- das e das condições de formação e trabalho do professor.

88
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A prática de “dar a bola” é bastante condenável, pois cular do turno e não ser utilizada como “moeda de troca”
se desconsidera a importância dos procedimentos pedagó- na negociação para que os alunos se comportem durante
gicos dos professores. Num paralelo poderíamos questio- as outras aulas.
nar se os alunos são capazes de apreender o conhecimento Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) tam-
histórico, geográfico ou matemático sem a intervenção ati- bém concebem a Educação Física como componente curri-
va dos professores. cular responsável por introduzir os indivíduos no universo
da cultura corporal que contempla múltiplos conheci-
Anos 90 aos dias atuais mentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito
do corpo e do movimento “com finalidades de lazer, ex-
A partir da década de 1990, esse processo tem sido pressão de sentimentos, afetos e emoções, e com possi-
problematizado com maior ênfase por estudiosos da área. bilidades de promoção, recuperação e manutenção da
Algumas dessas discussões foram contempladas pela saúde”. (BRASIL, 1997, p. 27)
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n. 9.394, de 20 de dezem- Na perspectiva de uma educação inclusiva, os PCNs
bro de 1996, que estabeleceu, em seu art. 26: “A Educação reafirmam o direito de crianças, adolescentes e jovens às
Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é práticas corporais de movimentos, independentemente da
componente curricular da educação condição física e da idade, contradizendo a atual legisla-
básica, ajustando‐se às faixas etárias e às necessi- ção.27
dades da população escolar, sendo facultativa nos cur-
sos noturnos” (BRASIL, 1996).
A redação desse artigo da LDB foi alterada duas vezes.
12. POLÍTICA EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO
Primeiramente, incluindo o termo obrigatório, por meio da
FÍSICA
Lei n. 10.328, de 12 de dezembro de 2001, e em 1º de de-
zembro de 2003, pela Lei n. 10.793, incorporando a seguin-
te redação: § 3º A educação física, integrada à proposta
pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório
da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: Inúmeras modificações vêm apontando para um novo
ordenamento econômico mundial. A eclosão dessas mu-
‐Que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a
danças se reflete no desmantelamento da ideia de “Estado
seis horas;
de bem-estar social”. Nessa conjuntura, os direitos sociais
‐Maior de trinta anos de idade;
- conquistas históricas das classes trabalhadoras, visto que
‐Que estiver prestando serviço militar inicial ou que,
“não tem havido política social desligada dos reclamos po-
em situação similar, estiver obrigado à prática da educação
pulares” (Crossman, 1980, p. 23) - começam a ser pulveriza-
física;
dos. Somam-se a isso as mudanças na forma de organização
‐Amparado pelo decreto‐lei n. 1.044, de 21 de outubro
do trabalho, provocadas pela revolução tecnológica, geran-
de 1969;
do desemprego e, assim, elevando os índices de miséria.
‐Que tenha prole. A ideia central de todo esse processo encontra raízes no
Essa alteração da LDB merece reflexão, pois contém circuito do capital presente no sistema social histórico capita-
um avanço, mas também comporta um retrocesso. Se, de lista, o qual estabelece a meta persistente de acumulação do
um lado, avança, ao incluir a Educação Física em todos os capital - característica que tem levado esse sistema a pade-
turnos de ensino da educação básica (eliminando, com cer hoje de uma crise estrutural inevitável - e o qual, no an-
isso, a discriminação de estudantes dos cursos noturnos), seio de acumular cada vez mais capital, busca mercantilizar
de outro, retrocede ao prescrito na antiga LDB, ao se fun- os processos sociais presentes em todas as esferas da vida
damentar no pressuposto de que esse componente curri- econômica (Wallerstein, 1995, 2003).
cular é essencial apenas para os alunos e alunas saudáveis, Obviamente as mudanças na economia ressoam conse-
menores de 30 anos, sem filhos, que não trabalham. quências na conjuntura social e política, provocando modi-
Consideramos esse dispositivo legal já completamente ficações igualmente importantes no sistema educacional. É
ultrapassado e sem fundamento. A Educação Física na es- isso que afirma Mészáros (2005), quando enfatiza a urgência
cola constitui direito de todos, e não privilégio dos consi- de se instituir uma mudança estrutural que nos leve para
derados jovens, hábeis e produtivos. além do capital. Wallerstein (2003) diz ser inconcebível uma
Além da LDB de 1996, as Diretrizes Curriculares Na- reformulação significativa da educação sem a correspon-
cionais, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação dente transformação do quadro social - no qual as práticas
para a educação básica, atribuem à Educação Física valor educacionais devem cumprir as suas vitais e historicamente
igual ao dos demais componentes curriculares, abando- importantes funções de mudança.
nando o entendimento de ser mera atividade destituída de Nesse contexto, Mascarenhas (1997) destaca os novos
intencionalidade educativa (como na legislação de 1971), valores atribuídos à educação, com a intenção de submetê-
e passa a ser considerada como área do conhecimento. A -la às leis do mercado, utilizando-a como instrumentalização
Educação Física deve, portanto, receber o mesmo trata-
mento dispensado aos demais componentes curriculares
como, por exemplo, ter horário garantido na grade curri- 27  Fonte: www.aquabarra.com.br – Por Leonardo de Arruda Delgado

89
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
técnica para o trabalho e reforço ideológico na consolidação cotomia corpo-mente e a falaciosa concepção dicotômica
e manutenção do status quo. O autor exemplifica isso com de educação do movimento e educação pelo movimento -,
a introdução de técnicas de gerenciamento escolar, controle deixando clara a função pedagógica da educação física, a
de qualidade, parcerias com o setor privado, implementação qual, entre suas ferramentas, utiliza o esporte, mas não se
de novas tecnologias educacionais, educação a distância, restringe a este.
dentre outras. Mascarenhas (1997) aponta mudanças na LDB acerca da
Mattos e Rocha (2001) denotam que o capitalismo obrigatoriedade da educação física, que, antes garantida em
contemporâneo vive uma profunda reestruturação de seus todos os níveis de ensino, passou a ganhar tratamento dife-
paradigmas administrativos - movimento iniciado na esfera renciado em cada um desses níveis, à mercê da normatiza-
produtiva privada, que atingiu o aparelho estatal na segun- ção dos Conselhos Nacional e Estaduais de Educação (CNE/
da metade da década de 1990 - e as escolas e o sistema CEE) ou então refém do projeto que cada escola “pode” as-
de ensino não ficaram de fora dessa movimentação teórica, sumir.
metodológica e político-ideológica, que pressiona por maior Na educação de jovens e adultos, sua exclusão é confir-
racionalização gerencial no contexto das organizações. Nes- mada. No ensino noturno a lei a torna facultativa. Situação
se ínterim, Silva (2002) e Silva e Monlevade (2000) falam so- parecida ocorre na educação superior, em que a educação fí-
bre os diversos interesses que estão por trás das reformas sica, quando existe, é, na maioria das instituições, denomina-
educacionais, ocorridas a partir de 1990. da de prática desportiva. Já na educação básica há o caráter
Dourado e Bueno (1999) mostram que essas novas de obrigatoriedade à educação física, definindo-a como um
formas de regulação e gestão complexificam o cenário das componente curricular que deve estar ajustado à proposta
políticas sociais a partir do aparecimento de novas formas pedagógica da escola. Mesmo nesse caso, a educação física
de implementação de bens públicos com ênfase no esta- aparece na escola em uma configuração que impossibilita
belecimento de parcerias de múltiplas combinações como seu objetivo, sendo realizada em aulas duplas uma vez por
alternativa para suprir a combalida e ineficiente atuação do semana, outras vezes ministrada por profissionais “terceiri-
poder público - assim identificada na própria fala governa- zados”, ou ainda oferecida de maneira facultativa, bastando
mental -, e o desinteresse do mercado na coordenação de que o aluno ateste que pratica uma atividade física qualquer
determinados serviços, sem que se perca, contudo, o papel noutro local, uma prática escolar “permitida” pela lei.
do Estado como ente regulador e transferidor de recursos Deve-se discutir essa autonomia, que aparentemente
para o terceiro setor. A saúde, outro direito social, não fica permite que cada uma das unidades de ensino venha a de-
de fora desse processo; Sader (2005) mostra que o Estado finir os rumos da educação física. Visto que, segundo Mas-
passou a renunciar aceleradamente as suas funções sociais e carenhas (idem), Ramos e Ferreira (2000) e Moraes (2007),
públicas e a fortalecer o privado e a sociedade civil, - criando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) não dão um
um caráter de desresponsabilização do Estado perante os direcionamento adequado para orientar propriamente uma
direitos sociais. ação da educação física no espaço escolar, além de negar o
No Brasil, esse processo de reformas foi eminentemente debate com outras alternativas de intervenções pedagógi-
visível durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que cas colocadas para a educação física há quase duas décadas
aplicou o modelo de Estado neoliberal, o qual coaduna com no Brasil7. Mascarenhas (idem) sugere que busquemos al-
a ideia de “autorregulação do/pelo mercado”. ternativas, por não adotar modelos em que resida a reprodu-
Nessa configuração, impôs-se a necessidade de uma ção do conhecimento, tornando-nos “professores-pesquisa-
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB dores-em-ação”.
- lei n. 9.394), aprovada em 1996 após tumultuada trami- Corrêa e Moro (2004), ao retomar a educação física dian-
tação. Segundo Mascarenhas (1997), é possível, a partir de te das novas políticas, resgatam o marco legal de obrigato-
alguns pontos dessa nova LDB, identificar a orientação a que riedade, o parecer n. 224 de 1882, de Ruy Barbosa, mantido
se propõe, sendo uma de suas maiores contradições a refe- pela primeira LDB (lei n. 4.024/61), e, após a reforma educa-
rente ao financiamento da educação, em que temos legiti- cional de 1971, via decreto n. 69.450/71, que estendia sua
mada a aplicação de recursos públicos no ensino particular obrigatoriedade a todos os níveis de ensino, a caracterizava
e a concessão de “autonomia” financeira às universidades como atividade desportiva e recreativa escolar, estabelecia
públicas, estimulando-as a buscarem investimentos no setor seus objetivos, currículo e consecução. Atualmente encon-
privado. tramos escolas particulares no Distrito Federal em que há
A disciplina curricular educação física insere-se nesse uma prática desportiva em vez de uma EDFE.
contexto de mudanças ante a sua presença na nova LDB. Sabemos que a EDFE se tem “prestado” a diversos pa-
Em seu artigo “Ensino de primeiro e segundo graus: edu- péis, desde a formatação do corpo produtivo (Corrêa; Moro,
cação física para quê?”, Betti (1992) afirma que a educação 2004) ao atleta (Castellani Filho, 2002) e ao cidadão (LDB),
física soma esforços, juntamente com todos os envolvidos mas é fato que, como a educação, seu contexto macro serve
no ambiente escolar (direção, professores, funcionários etc.), a diversos interesses, sendo parte do aparelho ideológico do
para consecução do objetivo da educação, fenômeno amplo Estado.
que visa ao “desenvolvimento integral da personalidade”. Em contrapartida ao retrato educacional da educação
Porquanto, o movimento serve de base para outras aquisi- física, as PPEL têm tomado outro rumo, com projetos cada
ções, não motoras, como as intelectuais e sociais, em uma vez mais crescentes e complexos, relacionados ao esporte.
dialética de construção do aprendizado - extinguindo a di- Na esfera federal dentre as PPEL para crianças e jovens em

90
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
idade escolar, destacam-se: o Programa Esporte e Lazer da tamento inverso ao que é dado às PPEL? Ou, ao menos, por
Cidade e o Programa Segundo Tempo, ambos criados pelo que ambas não se encontram em mesmo nível de discussão,
Ministério do Esporte (ME) em 2003, que hoje tem parcerias foco e importância? Como trabalhar esporte e/de lazer sem
respectivas com o Programa Nacional de Segurança Pública desenvolver uma tenra cultura dessas práticas?
com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, e com o
Programa Mais Educação, do Ministério da Educação, am- DIREITOS SOCIAIS E MERCADO EM EDUCAÇÃO,
bos criados em 2007. O Pronasci é uma parceria firmada en- ESPORTE E LAZER
tre o ME e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente, que possibilita a captação de recursos junto a Enquanto direito social, a prática desportiva não formal
pessoas físicas e jurídicas, as quais poderão direcionar suas doa- é direito de cada um, e dever do Estado no concernente ao
ções aos projetos esportivos sociais aprovados de sua preferên- seu fomento. No entanto, a dinâmica do sistema desportivo
cia, conforme a lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e o disposto apresenta enorme complexidade, visto que o esporte está
no artigo 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e também cada vez mais envolvido na dinâmica social, econômica e
a lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, de incentivo ao esporte. política. E, por carecer de uma ideia e sentido claros, está
É interessante notar que esses programas ou utilizam in- imerso em um jogo político entre poder público e privado.
fraestrutura terceirizada ou mesmo a escolar, sem, contudo, Castellani Filho (1999) nota que governos municipais
investir em melhorias nesta, muitas vezes até competindo dos estados brasileiros destinam em torno de 0,4% de seus
com as aulas de EDFE, embora possuam grande aporte de orçamentos para os setores de cultura, esporte e lazer, o que
recursos para investimento (Athayde, 2009). A estruturação é pouco, dada a demanda de recursos para contratação de
dos programas, a formação e, portanto, a competência dos profissionais e formação continuada destes e construção e
agentes sociais que atuam nesses programas é questionável manutenção de equipamentos.
(Figueiredo, 2009). Esse contexto nos induz a uma ideia de Nesse sentido, Montaño (2007, p. 185) apresenta um
massificação e detecção de atletas e não de democratização ponto fundamental: a aceitação acrítica da “sociedade de
do acesso ao esporte e ao lazer. escassez” e/ou “crise fiscal do Estado”. Existindo “escassez de
A relação histórica entre política governamental e es- recursos” - pouca arrecadação estatal -, o Estado não “pode”
porte foi apresentada por Veronez (2005), em um quadro castigar o mercado (composto de empresas em um contex-
ilustrativo que traça desde o processo de institucionalização to de concorrência global) e a sociedade civil com elevados
do esporte na Inglaterra (no século XVIII), passando por sub- impostos. O resultado é o déficit financeiro para sustentar
venções a entidades desportivas durante o governo Vargas, políticas e serviços sociais e assistenciais. O autor ressalta
até a destinação de recursos públicos e privados para o es- que o fenômeno em questão não é o desenvolvimento de
porte, crescentes na atualidade. organizações de um “setor” em detrimento de outro, mas de
Uma matéria publicada no jornal O Globo apresentou alteração de um padrão de resposta social à “questão social”,
pesquisa coordenada pelo professor Lamartine Pereira da com a desresponsabilização do Estado, a desoneração do
Costa, a qual revelou que o PIB brasileiro cresceu 2,25% de capital e autorresponsabilização do cidadão e da comuni-
1996 a 2000, e o PIB específico do esporte cresceu 12,34%. dade local para essa função - o que é típico e funcional ao
Para o pesquisador, a indústria do esporte no Brasil tem o modelo neoliberal. Montaño (idem, p. 54-59) atenta para as
mesmo peso da indústria petroquímica, podendo ser com- debilidades que cercam o conceito “terceiro setor”. Por essa
parada à de países da Europa. Só o futebol gera 150 mil em- via, justifica-se a precarização das políticas sociais estatais,
pregos (O Globo apud Reis, 2006, p. 14). Esses dados cons- sua desconcentração e passagem para a “iniciativa privada”
tam da pesquisa “O dossiê esporte” elaborada pelo Instituto (Oliveira et al., 2004; Oliveira; Húngaro, 2007; Melo, 2005).
Ipsos Marplan (2008), que apresenta a inserção do esporte No mesmo contexto surgem também os “projetos so-
nas economias mundiais e na composição do PIB, a partir ciais esportivos” - “empreendimentos pedagógicos” dirigi-
das atividades econômicas ligadas ao esporte.s dos em sua maioria às crianças e aos jovens de baixa renda
É fato que as políticas públicas, de modo geral, estão como complementares à educação formal (Guedes et al.,
imbuídas e perpassadas pelos mais diversos interesses, 2006). Por trás das argumentações presentes em muitos
como enfatiza Rua (1998), ao explanar os limites, as relações desses projetos - indicando uma suposta linearidade no que
de poder, os jogos e táticas presentes no trâmite de políticas tange à falta de opções de lazer e ao ingresso no mundo
públicas, além de enfatizar a necessidade de verificação da do crime -, há um celeiro de novos talentos (Martins; Melo,
eficácia dessas políticas. 2004; Melo, 2005) e um “pão e circo”. Visto que, na atual
O panorama exposto até então suscita as seguintes perspectiva de transgressão de direitos sociais, o lazer se
questões: torna elemento paradoxal, e pode assumir uma face funcio-
• Se educar é um ato político, o que corrobora para nalista ou emancipatória (Suassuna et al., 2007), como po-
obrigatoriedade de um projeto político-pedagógico escolar: demos observar no trabalho de Vieira (2006), no qual, ao
o que realmente objetivam essas novas políticas educacio- analisar o programa Esporte à Meia-Noite, notou que neste
nais e de esporte e lazer? Garantir o direito social à educação, estava presente a perspectiva de controle social, inclusive,
ao esporte e ao lazer? porque o programa fazia parte da política de segurança pú-
• Considerando o exposto, é inegável que a EDFE tem blica do DF.
sido preterida em prol de programas de esporte e lazer para
crianças em idade escolar. Por que a EDF está recebendo tra-

91
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Melo (2005), em sua pesquisa sobre políticas públicas esporte de lazer. Isso seria acoplar todas as políticas públicas
de lazer na Vila Olímpica da Maré (RJ), constata que essas de esporte, educação física e lazer em torno do esporte de
políticas utilizam o discurso salvacionista do esporte, o de rendimento - servindo à mera descoberta de talentos espor-
responsabilidade social de empresas, de filantropia, de parti- tivos, espécie de retroalimentação do sistema esportivo.
cipação social, discurso utilitário que 1) obscurece e mascara A problemática se desanuvia um pouco mais em suas
interesses políticos e empresariais; 2) desarticula a realida- palavras:
de social, dividindo-a em setores - desresponsabilizando o Longe estamos, de fato, de desenvolvermos políticas
Estado quanto à política social, responsabilizando assim a esportivas a partir do reconhecimento da existência de um
sociedade civil; 3) constitui mecanismo educativo de adesão conhecimento esportivo que preexista à forma de sua uti-
espontânea na busca de conformação ético-política - insti- lização, conhecimento esportivo esse - configurado tanto
tuindo a meritocracia e a participação social em uma inves- pelo saber afeto ao fazer esportivo quanto pelo vinculado à
tida de autorresponsabilização do cidadão por sua situação compreensão de seu significado na definição de sua Cultura
socioeconômica, de fracasso ou sucesso, bem como seu Corporal - que requer seja apropriado pelos cidadãos com o
acesso ou não a bens culturais e direitos sociais. objetivo de auferir-lhes autonomia esportiva para que pos-
Costa (2003), ao estudar políticas sociais na Favela da sam, de livre arbítrio, dele se utilizarem seja para a promoção
Mangueira (RJ) - com foco e recorrência aos conceitos de de saúde, seja para o seu lazer ou então, se assim o deseja-
capital social, participação social e responsabilidade social rem, como instância de trabalho (atleta profissional, técnico
de empresas -, conclui que se trata de “um caso de relati- esportivo, preparador físico, administrador, cientista, pro-
vo sucesso de gestão descentralizada de política social” por fessor). [...]. Não basta, enfim, demonstrarmos perplexidade
meio de redes sociais estabelecidas entre comunidade, po- pela quase ausência de iniciativa institucional de interlocu-
der público e empresas que vêm financiando inúmeros pro- ção política com as instâncias responsáveis pela elaboração
jetos culturais na Favela da Mangueira - essa categorização e execução das políticas para a área, se o que desejamos, de
não coaduna com o encontrado por Melo (2005) na Maré. fato, é interferirmos em seu percurso, solucionarmos seus
Por meio desses exemplos, em que são explicitados impasses e sedimentá-la em bases ético-políticas compro-
certos discursos e interesses, podemos observar a tônica metidas com um mundo sem excluídos (idem, p. 182-183).
O olhar crítico ao panorama discutido explicita a neces-
da mercadorização das práticas corporais em detrimento da
sidade de estabelecimento de um novo ordenamento de
percepção das práticas corporais como direito social. Cada
sociedade, que possa organizar as relações sociais não só
vez mais, os interesses físico-esportivos são vistos como
de produção, mas nos variados planos de existência social
produtos, mercadorias a serem consumidas pelos cidadãos
conjugada com princípios éticos e políticos, em que “a ex-
travestidos de consumidores (Castellani Filho, 1999).
ploração do homem pelo homem não seja considerado algo
Carvalho (2001 apud Oliveira et al., 2004), discutindo a
natural ou apenas recriminável, mas sim inadmissível” (Melo,
relação atividade física e saúde, aponta o paradoxo do su- 2005, p. 189) - que garantam os direitos sociais como direitos
jeito-cidadão, que está implícito no discurso e obscurecido que o são.
nele. Oliveira, Húngaro e Solazzi (2004) advertem que limi- Objetivou-se explicitar o fato de que as PPEL têm maior
tar-nos a orientações de caráter individual apenas reforça incentivo estatal - por despertarem interesses políticos e
a situação vigente e difunde a ideia de que a prática do econômicos que vão desde proporcionar um celeiro de atle-
exercício é um fenômeno distante dos problemas sociais. tas, e um pão e circo, até oferecer ao mercado mais uma
Uma abordagem que considerasse os determinantes sociais, fonte de acúmulo de capital - restando menor importância à
políticos e econômicos da questão deslocaria parte da res- EDFE por não ser interesse do Estado o “bem-estar social” e
ponsabilidade do indivíduo por sua situação de vida para o a qualidade do ensino, o que se evidencia pelas políticas que
conjunto da sociedade, e ao mesmo tempo o habilitaria a vêm sendo aplicadas no ensino.
lutar por mudanças sociais. Quando observamos a concepção, presença e configura-
Azevêdo (2007) aponta que, entre 1996 e 2005, a gestão ção da educação física presente nas escolas, tanto públicas
pública federal do lazer brasileiro apresentou predomínio quanto privadas, a fim de problematizar a importância que
de ações ligadas ao esporte, comprovando que este assume vem sendo dada a essa disciplina, e comparamos isso à im-
uma posição prevalente nesse processo. portância dada a PPEL, a diferença é nítida, e sua intenciona-
Castellani Filho (1999) ressalta que é falacioso o enten- lidade política e mercadológica também, visto que a eficá-
dimento de política esportiva centrada exclusivamente em cia dessas políticas está longe do discurso que as cerca, ou,
uma das três facetas do esporte. Visto ser comum a automá- como clarifica Melo (idem), “fica a impressão que ao esporte
tica e mecânica associação do esporte à lógica do esporte caberia trazer para a ‘sociedade’ os segmentos que estão em
profissional - de rendimento. Destarte, denota uma quase suas margens. Sem dúvida, nós, professores de Educação Fí-
negação da possibilidade da existência de uma política de sica, e os esportes não temos tanto poder”.
esporte (de rendimento) e de outra política de esporte es- Em momento algum discute-se a redução ou a extinção
colar/educacional (PEE), devido esta última orbitar em tor- de PPEL, pretende-se, sim, desmascarar o discurso de que
no dos valores constitutivos da primeira. Adverte o fato de elas ocorrem de forma efetiva e desinteressada, garantindo
que não há a compreensão de que uma PEE deveria ser, no o direito social ao esporte e ao lazer, e, neste ínterim, expli-
mínimo, construída como parte integrante de uma política citar os dois pesos e duas medidas com que são tratadas
educacional - e não como parte integrante do sistema espor- a educação física fora da escola (PPEL e PSE) e a dentro da
tivo - e que uma política de lazer não pode esgotar-se na de escola (educação física escolar).

92
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
É necessário um posicionamento acerca da imprescindí- da essência dos fenômenos sociais e culturais como decor-
vel presença da educação física nas escolas; presença devida, rentes de uma compreensão prévia, logo, de um conheci-
sem alterações que impossibilitem sua concreção enquanto mento, pelo sociólogo/historiador, de culturas diferentes da
componente curricular de função pedagógica. Busca-se uma sua – e os antropólogos penetraram em universos culturais
educação física com caráter formativo, de aprendizagem, inteiramente estranhos ao homem europeu, os quais não
vivência, e não de internalização de valores que objetivam poderiam ter concebido, nem mesmo como pura possibili-
uma sociedade injusta e desigual, como competitividade, dade, se não tivessem ido investigar in loco.
produtividade, individualismo, e tecnicização, valores carrea- Uma boa e didática ilustração do que poderia ser esse
dos para escola por meio do esporte, alvo de interesses que processo de estranhamento, e que apresenta interesse para
incluem acordos comerciais de nível internacional (Taffarel, a Educação Física, é a matéria jornalística exibida na televi-
2009).28 são (matéria exibida no “Globo Repórter”, produzido pela
TV Globo, em 9 de junho de 1999) sobre alguns aspectos da
cultura da Mongólia, país encravado na Ásia, entre a Rússia
e a China. Naquele país realiza-se anualmente, conforme a
13. CULTURA E EDUCAÇÃO FÍSICA referida matéria, há quase oito séculos, um “festival de es-
portes”, que inclui as modalidades: arco e flecha, corrida de
cavalo e luta. Na corrida, o percurso totaliza 56 quilômetros,
tendo como cavaleiros meninos de 4 a 12 anos; exaustos,
Quando se diz que a Educação Física é um fenômeno alguns cavalos morrem de cansaço, literalmente. É o ani-
cultural, não se quer dizer que os dados biológicos não es- mal vitorioso, e não o cavaleiro, quem recebe as honras. Na
tão presentes ou não são importantes, mas que estes últi- competição de luta, mais de 500 concorrentes se enfrentam
mos não são suficientes para a compreensão, por exemplo, sucessivamente, sem divisão de categorias por peso e sem
do esporte. Os europeus do Renascimento ou os indígenas limite de tempo (algumas lutas chegam a durar duas horas),
brasileiros à mesma época não jogavam basquetebol ou fu- até que apenas um deles permaneça em pé – o vencedor é
tebol, embora do ponto de vista fisiológico-mecânico pos- aclamado como herói. Tais fatos podem chocar defensores
suíssem o potencial para fazê-lo. É claro que jogos com bola, dos direitos dos animais, médicos, pedagogos e/ou profis-
atendendo ao impulso lúdico que está na origem da própria sionais da Educação Física, porque confrontam valores esta-
cultura humana (HUIZINGA, 1980) são registros bastante belecidos (mesmo que provisoriamente) em nossa cultura
antigos na história, mas apenas em contextos sociocultu- – tanto a cultura no sentido mais amplo (a cultura ocidental,
rais específicos é que surgiram o basquetebol e o futebol por exemplo), como em sentido mais específico (a cultura
tal como os conhecemos hoje. O surgimento e ascensão do
profissional-pedagógica da Educação Física, por exemplo).
esporte como um importante fenômeno sociocultural pode
Todavia, se tomarmos a corrida de cavalos como exemplo,
ser explicado pelos predicados intrínsecos (lúdicos e agonís-
é preciso considerar que saber cavalgar, num país em que
ticos) presentes nas diversas modalidades esportivas, alia-
a maioria da população possui hábitos nômades, e onde há
dos ao contexto de liberalismo e industrialização da Europa
mais equinos que seres humanos, é habilidade altamente
no século XIX, daí espalhando-se para todo o mundo (BETTI,
valorizada, inclusive para crianças.
2009a).
O exemplo nos permite entender porque “cultura” pode
ser definida como “conjunto dos modos de vida de um gru-
CULTURA CORPORAL DE MOVIMENTO
po humano determinado, sem referência ao sistema de va-
Mas o que é cultura? Temos dificuldade em compreen- lores para os quais estão orientados esses modos de vida”
der nossa própria cultura, porque estamos nela imersos, ela (ABBAGNANO, 2000, p. 229). Tal definição aplica-se tanto
nos aparece como um dado evidente, sobre o qual não nos a sociedades complexas, tecnológicas, como a sociedades
debruçamos a todo momento para uma análise sistemática. simples e rústicas.
DaMatta (1978) considera que, ao estudar uma dada Todavia, na sociedade ocidental contemporânea, em es-
cultura, um antropólogo deve realizar um duplo movimento: pecial nas últimas décadas, um conceito que destaque o ca-
transformar o estranho em familiar, e, ao mesmo tempo, o ráter semiótico da cultura parece ser mais apropriado - qual
familiar em estranho. O primeiro é o movimento original da seja, considerar a cultura como uma dinâmica de produção
Antropologia, ao final do século XIX, quando buscava com- e circulação de signos e sentidos. Para essa direção se volta
preender culturas nativas. O segundo corresponde ao mo- o conhecido trabalho de Geertz (1989), cuja importância foi
mento presente da Antropologia, que se volta para a nossa destacada por Thompson (1995), por ter reorientado a aná-
própria sociedade, e então temos que estranhar o que nos lise da cultura para o estudo do significado e do simbolismo,
é familiar. adotando uma concepção simbólica de cultura, que Thomp-
Lembra Dartigues (1973) que Husserl (1859-1938), con- son (1995, p. 176) caracteriza como: “padrões de significados
siderado o “pai” da fenomenologia moderna, agradeceu aos incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, ma-
antropólogos do seu tempo, já que concebia a descoberta nifestações verbais e objetos significativos de vários tipos,
em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e
partilham suas experiências, concepções e crenças” .
28  Por Alessandra Dias Mendes/Paulo Henrique Azevêdo

93
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Levando adiante tal entendimento, Thompson (1995, líticos, cada qual buscando extrair delas diferentes valores,
p.1981), propõe uma concepção estrutural da cultura, que de acordo com suas intencionalidades. Contudo, é impor-
“dá ênfase tanto ao caráter simbólico dos fenômenos cul- tante explicar que o termo “intencionalidade” não é usado
turais como ao fato de tais fenômenos estarem sempre in- aqui apenas com um conotação utilitarista no sentido de
seridos em contextos sociais estruturados”, e a por “análi- obter, de modo consciente e previamente planejado, algu-
se cultural” entende o “estudo das formas simbólicas”, que ma vantagem de ordem “prática” com alguma ação.
dizer “ações, objetos e expressões significativas de vários Vamos a um exemplo. Didi, um dos maiores jogado-
tipos - em relação a contextos e processos historicamente res de futebol que o Brasil já conheceu, atuante até início
específicos e socialmente estruturados dentro do quais, e da década de 1960, descreveu, em entrevista à televisão,
por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, a que eu tive a oportunidade de assistir, como inventou a
transmitidas e recebidas”. “folha seca”, um chute de longa distância no qual a bola se
Destaca-se, nessa concepção, a dimensão semiótica e elevava muito e, já próxima à meta adversária, descia ra-
comunicativa da cultura (cultura e comunicação são como pidamente, enganando o goleiro. Pois bem, tal modo de
duas faces da mesma moeda), e por outro lado, a crescente chutar a bola não foi fruto de um processo de “treino”, de
midiatização da cultura contemporânea, já que as mídias são experimentação controlada com o propósito de criar um
atualmente as principais fontes de produção e transmissão novo tipo de chute mais eficiente para atingir o objetivo do
de formas simbólicas e construção de sentidos no mundo futebol (“fazer gols”), mas decorreu do fato de estar com
de hoje. Santaella (1996) refere-se mesmo ao surgimento o calcanhar machucado, o que o obrigou a chutar apoia-
de uma nova cultura, que redefine a cultura de massa e a do na ponta dos pés, criando involuntariamente uma nova
cultura erudita: é a cultura das mídias, que cria sua própria mecânica do chute. Quer dizer, ele não “pensou”, não refle-
linguagem. tiu antecipadamente sobre como chutar a bola nessa nova
Então, quando a matéria televisiva fala em “esporte” na situação corporal que a contusão lhe impôs, mas o corpo
Mongólia, refere-se a uma forma simbólica que possui signi- organizou a ação motora espontaneamente, intuitivamente
ficados diferentes para os mongóis e para nós, e que se situa – isto é exatamente o que se chama intencionalidade ope-
em um contexto histórico e social específico.
rante (MERLEAU-PONTY, 1999), conceito que também Sér-
Somos seres cuja relação original com o mundo e com
gio (2003) emprestou à fenomenologia merleau-pontyana,
os outros é corporal-motora (MERLEAU-PONTY, 1999). Pos-
para definir a motricidade humana como “intencionalida-
suímos uma infinita capacidade de “movimento para...”, quer
de operante”. É claro que a biomecânica poderá explicar a
dizer, nossa motricidade é regida por intencionalidades.
“folha seca” nos termos da Física, assim como professores
Santin (1987) destaca que os elementos fundantes da Edu-
de Educação Física e treinadores esportivos poderão apro-
cação Física são: o ser humano (uma totalidade indivisível) e
priar-se desse movimento e inseri-lo em uma pedagogia de
o movimento, o qual possui componentes/elementos inten-
ensino/treinamento do futebol – estaríamos aí, então, no
cionais internos e externos. Dentre outros, são componentes
intencionais internos do movimento humano: o prazer in- âmbito da cultura. Mas tais procedimentos são posteriores,
trínseco à execução dos próprios movimentos, a superação assim como, a posteriori, o próprio Didi pode compreender
de si próprio e a fruição estética; elementos externos seriam racionalmente o que fez, e pode explicá-lo em palavras.
aqueles que provém de fora do campo do próprio movi- O depoimento de Didi, então, além de nos servir para
mento, como troféus, recompensas financeiras, bem como exemplificar o conceito de “intencionalidade operante”,
a busca de valores extrínsecos ao movimento em si, como a também serve para nos mostrar de onde vem o novo,
saúde. E tais componentes intencionais internos e externos onde está a fonte na qual a cultura corporal de movimento
podem ser articulados de diferentes modos, a partir de di- “bebe” a matéria prima do seu dinamismo, pois, afinal, a
ferentes valores - entendendo valor como uma possibilidade cultura não é estática, ela não apenas reproduz os jogos, os
de escolha (ABBAGNANO, 2000). Por exemplo, a saúde pode esportes, as danças, mas os produz, os transforma, os cria
ser promovida ou prejudicada, dependendo da articulação e re-cria. Observemos as crianças em suas brincadeiras; os
que se faz entre os componentes intencionais do movimen- jovens empobrecidos nas periferias e favelas improvisando
to, já que ela não é, em si, um componente intencional inter- jogos e danças; famílias nos parques públicos rebatendo
no do movimento humano. uma bola por sobre uma corda amarrada entre duas árvo-
É a exercitação intencionada, e em geral sistemática, da res; nas praias, meninos e meninas fazendo malabarismos
motricidade humana (que dizer, nossa capacidade de mo- com uma bola nos pés, ou deslizando por dunas de areia
vimento para...) que foi construindo, ao longo da história, com pedaços de tábua encerada. Aí encontraremos a exer-
as formas culturalmente codificadas que hoje conhecemos citação mais original da motricidade humana, e original
como esporte, ginásticas, dança etc., as quais constituem os em dois sentidos: como origem das formas que adquirirão
meios e conteúdos que a Educação Física (que não surgiu posteriormente codificação cultural, e original porque ino-
previamente a estas formas) articula a partir de diferentes vadoras, não-codificadas, transgressoras em certa medida.
intencionalidades pedagógicas. É a este processo e produto “Brincar” de rebater uma bola de plástico por sobre uma
que denominamos “cultura corporal de movimento” (BETTI, corda amarrada entre duas árvores é, nesse sentido, mais
2003), já que não existe movimento sem um corpo que se original que o voleibol regulamentado como esporte for-
movimente (DARTIGUES, 1973). São estas também as formas mal-federativo.
culturais que interessam às mídias, aos empresários, aos po-

94
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Nessa mesma direção, Baitello Júnior (1999) evidenciou É então importante compreender que o interesse das
como, para os teóricos da semiótica da cultura, o jogo/brin- mídias no esporte não se fundamenta no interesse de esti-
quedo, na qualidade de atividade não direcionada a um fim mular a prática esportiva, mas de vender a si próprias, e, por
utilitário, é um dos nascedouros da cultura humana. sua vez, o esporte profissional torna-se cada vez mais de-
pendente das mídias, em especial da televisão. Atualmente,
AS MÍDIAS, A TELEVISÃO E A CULTURA CORPORAL nenhum grande evento esportivo é possível sem o envolvi-
DE MOVIMENTO mento das empresas televisivas, que divulgam os produtos
e as marcas dos patrocinadores, por intermédio da publici-
Mas desde a década de 1960 entrou em cena uma novo dade.
elemento dinamizador da cultura corporal de movimento: a O esporte telespetáculo ensaiou seus primeiros passos
televisão. Dotada de enorme capacidade técnica para pro- na Copa do Mundo de 1966 -o primeiro evento esporti-
duzir discursos audiovisuais, cuja principal característica é a vo internacional integralmente explorado pela televisão- e
espetacularização das imagens, a televisão, aliada a interes- firmou-se nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles,
ses comerciais, encontrou no esporte a matéria-prima ideal, também os primeiros Jogos Olímpicos que auferiram lucros
criando o esporte telespetáculo, o qual pode ser definido, financeiros. O esporte nunca mais seria o mesmo após o sur-
conforme Betti (1998) como uma realidade textual relati- gimento da televisão ao vivo, o video tape, o close, os siste-
vamente autônoma (face à prática “real” do esporte) que é mas de satélite que fazem as imagens e sons do espetáculo
construída pela codificação e mediação dos eventos esporti- esportivo trafegar por todo o planeta.
vos efetuadas pelo enquadramento das câmaras televisivas, Já há alguns anos, pode-se constatar que as mídias pas-
edição das imagens e comentários, sons e efeitos gráfico- saram a investir também em outras manifestações da cultura
-computacionais que se acrescentam a elas. É regido pela corporal de movimento, em especial as ginásticas (aeróbi-
lógica da espetacularização, por sua vez ligada aos interesses ca, localizada, com pesos etc.), associando-as a um modelo
econômicos das grandes empresas midiáticas e às possibili- de beleza corporal de magreza, para cujo alcance concor-
dades tecnológicas de produção e emissão de imagens. rem também as dietas alimentares e intervenções cirúrgicas
É tal “texto” audiovisual (predominantemente imagé- (prótese, lipoaspiração etc.). Dessa associação resulta a pos-
tico) que se tornou produto vendido pela televisão e por sibilidade de vender inúmeros produtos: esteiras-rolantes,
outras mídias (jornais, revistas, sites da internet etc.) – o es- equipamentos domésticos de ginástica, remédios “emagre-
petáculo esportivo em si e a “falação” (ECO, 1984) sobre ele. cedores”, além, é claro, de um sem número de publicações
Além disso, a possibilidade da associação do esporte a uma (em especial revistas de “banca”) dirigidas prioritariamente
infinidade de produtos, do açúcar (“energia”) aos serviços ao público feminino, em cujas capas, observem, sempre apa-
bancários (“velocidade”), passando pelos materiais espor- recem “chamadas” para programas de exercício e ginástica
tivos propriamente ditos (bolas, vestimentas etc.) é ampla- que visam emagrecimento e/ou obtenção de fortalecimento
mente explorada pela publicidade. muscular em determinadas regiões do corpo (por exemplo,
Contudo, tal lógica da espetacularização -ao transfor- “levantar o bumbum”). É oportuno lembrar que as acade-
mar o esporte em texto predominantemente imagético e re- mias, destacado espaço de atuação dos profissionais da
lativamente autônomo face à prática “real” do esporte- traz Educação Física, toma parte nesse mercado do corpo que,
uma importante conseqüência: a fragmentação/descontex- se não é novo, foi expandido e tomou novos rumos sob o
tualização do fenômeno esportivo. As mídias fragmentam e patrocínio das mídias.
descontextualizam a experiência global de praticar esporte. Já havíamos apontado (Betti, 2001, 2004) a decisiva
Os eventos e fatos são retirados do seu contexto histórico, influência das mídias (em especial a televisão), no direcio-
sociológico, antropológico; a experiência global do ser-atle- namento de tendências da cultura corporal de movimento,
ta é fragmentada. Como tal descontextualização é sutil e com importantes repercussões para a Educação Física, en-
compensada com informações suplementares (closes, câ- tendida esta tanto como área de conhecimento como de
maras dispostas em diversos ângulos, microfones captan- intervenção profissional. São essas tendências:
do sons no campo e na torcida, etc.), o telespectador tem a • (i) Novas esportivizações: fenômeno que tende a as-
falsa sensação de estar olhando por uma “janela de vidro”, similar diversas formas da cultura corporal de movimento ao
quando na verdade aprecia uma interpretação da realidade, modelo do esporte espetáculo.
mediada pelas câmaras televisivas (BETTI, 1998). De fato, há • (ii) Progressivo distanciamento do esporte telespetá-
diferenças profundas na experiência de assistir ao esporte culo das demais formas da cultura esportiva, afastamento
como testemunha corporalmente presente nos estádios e este provocado pelas mídias e pelas grandes corporações
ginásios e na sala de estar, pela televisão. Por outro lado econômicas, as quais, cada vez mais, assumem o gerencia-
valorizam os aspectos parciais que mais lhes interessam mento do esporte como espetáculo televisivo; essa tendên-
para efeito de espetacularização, e acabam por veicular uma cia distancia, na sua forma (embora não no seu simbolismo)
concepção hegemônica do que é esporte: vitória a qualquer o esporte telespetáculo do esporte praticado em contextos
custo, esforço máximo, disciplina, recompensa financeira de lazer, educação e saúde.
etc. Aspectos como o prazer, a sociabilidade e o conheci- • (iii) “Confundimento” ou “entrelaçamento” entre os
mento de si no confronto com outrem, por exemplo, são modelos de estética corporal e o modelo do fitness (saúde/
neglicenciados. aptidão física); a vinculação valorativa do exercício físico à
saúde, que a tradição Educação Física conhece tão bem, foi

95
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
deslocada para o valor da beleza, segundo um padrão im- de uso de matérias televisivas como ferramenta metodoló-
posto pelas mídias; em conseqüência, o exercício físico de gica no contexto de programas de Educação Física (BETTI,
modo geral, e em especial as ginásticas, passa a revestir-se 2006, 2009b).
de certos sentidos: emagrecimento, definição e hipertrofia Inspirando-nos nas metáforas de Babin e Kouloumdjian
muscular, sensualidade etc. Na primeira tendência assis- (1989) já propusemos (BETTI, 1998) um trabalho com “mi-
timos transformar-se em esporte o que surgiu como jogo xagem”, num primeiro momento, e depois, em “estéreo”.
(por exemplo, o skate e o vôlei de praia), ginástica (ginástica Trabalhar com mixagem é associar as produções da mídia às
aeróbica) ou atividade na natureza (por exemplo, o surfe); aulas “tradicionais”, fazendo referências às imagens e even-
na segunda, temos o exemplo do esporte infantil, no qual tos esportivos transmitidos pela TV, utilizando programas e
as crianças não são vistas em sua presentidade, mas em seu trechos previamente gravados na TV convencional, vídeos
devir, como o que serão: futuros Neymar; na terceira a mo- produzidos para finalidades educacionais, matérias sobre a
tivação aparente (infelizmente, a única que muitos profissio- cultura corporal de movimento publicadas em jornais e re-
nais da Educação Física levam em conta) de quem procura vistas. Trata-se aí do que Ferrés (1996) denomina educação
as ruas e parques para caminhar ou correr, ou as academias com o meio. Conteúdos ligados a técnicas, táticas, história,
para “malhar”, é o emagrecimento e a construção do corpo dimensões políticas e econômicas do esporte, bem como
“imaginado” (quer dizer, fixado em imagens) pelas mídias. relacionados a aspectos fisiológicos, psicológicos e socioló-
gicos das atividades corporais em geral seriam enriquecidos
A ATUALIZAÇÃO CULTURAL DA EDUCAÇÃO com o audiovisual, associados a textos jornalísticos.
FÍSICA Trabalhar em estéreo consiste em compreender a lingua-
gem específica da televisão, aprender a interpretar critica-
Se as mídias exercem papel cada vez mais importante na mente o discurso da televisão sobre a cultura corporal em
construção de novos significados e modalidades de entrete- busca de sentidos. Implica também em aprender a identi-
nimento e consumo no âmbito da cultura corporal, também ficar os diversos modelos de práticas corporais e esportivas
constituem hoje a mais importante fonte de informações so- a partir do próprio discurso televisivo. É o que Ferrés (1996)
bre a cultura corporal de movimento para o grande público denomina educação no meio.
não especializado. Jornais, revistas, sites da internet, vídeo Mais recentemente, a popularização do computador
games, rádio e televisão difundem idéias sobre a cultura cor- pessoal, das câmaras digitais portáteis e dos programas de
poral de movimento. Há muitas produções dirigidas ao pú- edição de vídeo tornaram possível a produção de materiais
blico adolescente e infantil. Pela televisão, as crianças tomam audiovisuais para muitas pessoas, mesmo que não “experts”.
contato precocemente com as manifestações corporais e es- A possibilidade de postar tais produtos audiovisuais, digi-
portivas do mundo adulto. Hoje, somos todos consumidores tais, na internet (no Youtube, por exemplo), torna todos nós,
potenciais do esporte-espetáculo, senão como torcedores além de receptores, potenciais produtores de mensagens
nos estádios e quadras, ao menos como espectadores pela midiáticas. Com isso, constitui-se as três frentes do campo
televisão. Há aulas de ginástica aeróbica pela TV; médicos que tem sido chamado “mídia-educação” (FANTIN, 2012):
e profissionais da Educação Física concedem entrevistas estudos e intervenções pedagógicas sobre as mídias (aná-
expondo os benefícios e riscos do exercício físico, comen- lise dos conteúdos), com as mídias (apoio aos processos de
taristas nos informam sobre táticas e regras nas partidas ensino e aprendizagem) e através das mídias (produção de
de futebol, voleibol ou basquete, revistas femininas e para conteúdos).
adolescentes sugerem exercícios para emagrecer. Informa- Se as mídias, em especial a televisão, faz crianças toma-
ções nem sempre corretas, nem sempre confiáveis, mas que rem contato precoce com as formas codificadas do esporte,
se sobrepõem pela baixa capacidade crítica da maioria dos se para uma garota jogar voleibol é sacar “viagem” e “cortar”
telespectadores e leitores. Tudo isso elevou o nível de infor- contra um bloqueio triplo, e se no imaginário de um garoto
mação publicamente partilhada na área de Educação Física ele é o Neymar quando chuta uma bola, mesmo que velha
a um patamar nunca antes atingido na História. Com isso, e esgarçada num chão de terra, o professor/profissional de
corremos o risco de, em algum momento, nos depararmos, Educação Física que os recebe deve considerar isso, e tra-
nas escolas ou nas academias, com alunos ou clientes que balhar a partir disso. Mas não pode confundir este ponto de
detém mais informações sobre um dado aspecto da cultura partida com o ponto de chegada, assim como deve saber
corporal de movimento do que seus professores/profissio- que este simbolismo presente na atividade esportiva de uma
nais de Educação Física. criança, para cuja constituição as mídias são decisivas, não
Contudo, isso não é ruim, o que devemos fazer é exa- pode confundir-se com a forma desta atividade; quer dizer,
minar as possibilidades de usar as mídias a nosso favor, o professor/profissional deve adaptar a forma de jogar fute-
pela sua capacidade de sintetizar informações, de atrair a bol e voleibol para que não haja discrepância entre o que a
atenção, de seduzir pelas imagens, e, ao mesmo tempo, in- criança/aluno espera e o que lhes é oferecido.
vestir na formação do leitor/telespectador crítico, que com- Como? Por exemplo, resgatando o que é originalmente
preenda os mecanismos de funcionamento e a linguagem o voleibol: um jogo de rebater a bola por sobre um obs-
das mídias, dotando-o de ferramentas para a interpretação táculo (que pode ser uma rede oficial ou uma corda), cuja
mais aprofundada e contextualizada do que vê, ouve e lê dinâmica deve ser preservada. Ora, se não é possível a uma
nas mídias. Na Educação Física escolar, por exemplo, já há criança realizar o saque “por cima” com uma bola e altura da
suficiente fundamentação teórica e experiências concretas rede oficiais, talvez ela poderá fazê-lo com a rede mais baixa,

96
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
com uma bola maior e mais leve. Nada há de errado em que cos. Basta observar nas ruas e nos becos das nossas cidades
um garoto vista a camisa 9 da seleção brasileira e “sinta-se” pessoas sem qualquer perspectiva de vida e de existência.
o Neymar (de fato, ele o “é” nesse momento), o que importa Tal situação precisa ser pensada e transformada. A supe-
é que lhe seja dada a oportunidade de participar plena e ati- ração desta tendência requer que possibilitemos às nossas
vamente do jogo de futebol, chutando, passando e fazendo crianças e aos nossos jovens a incorporação e a vivência de
gols, e não apenas fique correndo de um lado para outro, outros valores, pautados na tolerância, na solidariedade, no
sem receber a bola, monopolizada pelos mais hábeis, como respeito mútuo, no trabalho coletivo e na cooperação. É pre-
sempre se vê nas “escolinhas” de futebol por aí. Para isso, é ciso romper com a idéia dominante de que a competitivida-
necessário à Educação Física investir em uma pedagogia do de é o único valor a ser transmitido e o principal meio que
esporte na qual o esporte não seja um fim em si mesmo, e garante às pessoas as melhores oportunidades e condições
que, sem ignorar suas influências, não se submeta contudo de sobrevivência no mundo. Cabe, portanto, às famílias, aos
aos interesses das mídias e das grandes corporações eco- educadores e às escolas o papel de valorizar e desenvolver
nômicas. outras atitudes que o contexto social não destaca como
Da mesma forma, o profissional da Educação Física que prioritárias para a vida no mundo atual. É uma opção política
atua nas academias deve considerar a busca pela beleza cor- bastante desafiadora e carregada de complexidade, consi-
poral como uma motivação aparente, por trás da qual se derando todos os entraves a serem superados.
escondem desejos mais profundos desse ser (humano) tão e A competição e a cooperação são possibilidades de agir
complexo e contraditório. Mas deve, sem dúvida, partir des- e estar no mundo, por isso, a Educação Física, por meio dos
ta motivação aparente (afinal, não há nada de errado com seus conteúdos, pode contribuir plenamente para desenvol-
ela, pois não se trata de fazer um juízo de valor) para revelar ver ao invés de um ser humano ultra competitivo um outro
ao cliente/aluno como o exercício físico (assim como o jogo, mais cooperativo e mais solidário. Para tanto, uma pergunta
o esporte, a dança...) pelas suas propriedades intrínsecas, se faz necessária: cooperar ou competir, qual a melhor jo-
pode propiciar uma experiência gratificante do ponto de gada?
vista psico-social, porque não há como exercitar apenas o fí- No que se refere à competição, muitos educadores da
sico. Lembremo-nos aqui de Santin (1987): os componentes Educação Física a enxergam como um fim si mesma. De-
intencionais externos do movimento (no caso, obter ema- fendem que por meio da sua vivência os jovens aprenderão
grecimento, definição muscular etc.) não podem ser desarti- a respeitar as regras e desenvolverão atitudes necessárias
culados dos componentes intencionais internos (por exem- para o seu sucesso na sociedade competitiva. Um exemplo
plo, o prazer inerente ao próprio fato de movimentar-se). disto são os chamados jogos e campeonatos escolares que
Só assim a Educação Física poderá atualizar sua tarefa envolvem alunos das redes públicas e particulares de ensi-
educativa. Só assim a Educação Física tornar-se-á elemen- no. No conjunto dos alunos das escolas, alguns privilegiados
to dinâmico da cultura (CARMO JÚNIOR, 1998) e não mera são selecionados e podem participar, reforçando o rótulo
técnica de intervenção sobre o físico. Só assim ela será tanto de escolhido ou excluído. A maioria reprime o seu desejo
educação como física.29 de participar, aceita torcer ou, então, faz de conta que nada
está ocorrendo. Será que existe só esta alternativa de fazer
jogos entre os alunos? Ou será que podemos criar uma nova
proposta para a Educação Física escolar e sonhar mais alto,
14. ASPECTOS DA COMPETIÇÃO E colaborando assim na criação de uma escola que revele
COOPERAÇÃO NO CENÁRIO ESCOLAR outras possibilidades para brincar, jogar, viver e ser feliz e,
ainda, na construção de um mundo que ao invés de investir
em armamento, utilize as suas riquezas para a superação da
fome, da miséria e da morte lenta.
Neste início do século XXI, a competitividade é um valor As famílias e as escolas podem escolher o caminho a
amplamente divulgado e considerado como essencial para seguir, todavia, é bom lembrar que apostar na educação que
o sucesso profissional e pessoal. Todavia, pode-se constatar ensina e estimula apenas a competitividade é deixar nossos
que a exacerbação da competição entre os povos e as pes- filhos e alunos sem uma outra opção, submetidos a um úni-
soas tem acentuado ainda mais a separação entre os que co estilo de vida. Isso significa limitar as possibilidades de
ganham e os que perdem, entre os que dominam e os que escolhas, apontar para um mundo uniforme e com perspec-
são dominados. Existe uma supervalorização da competição tivas nada alentadoras.30
como meio para o alcance do controle, do sucesso, da posse No cenário escolar, a escola torna-se algo muito impor-
e do poder. tante neste aspecto, quando colocamos a educação voltada
O valor da competitividade é, ainda, reforçada pela lógi- para a convivência como condição importante para da vida
ca neoliberal que prioriza o mercado, o privado e secunda- cotidiana, assim, a escola passa a conviver com uma realida-
riza a pessoa humana e a coisa pública. Não é preciso muito de que nem sempre é atribuída ao seu contexto.
esforço e nem complexas pesquisas para constatar que au-
mentam as desigualdades entre os mais pobres e os mais ri-

29  Fonte: www.efdeportes.com – Por Mauro Betti 30  Adaptado de José Milton de Lima

97
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
É necessário que haja um resgate da valorização de com- por suas teorias terem sido distorcidas para justificar ne-
portamentos e atitudes mais humanas, para que possamos gociatas, crueldades e guerras contra os mais fracos. Char-
ter outros caminhos, ao qual possamos escolher o melhor les Darwin afirmou claramente que, para a raça humana o
com fim de valorizar mais o que somos e o que fazemos. valor mais alto de sobrevivência está na inteligência, no
senso moral e na cooperação social. Os jogos competitivos
COMPETIR OU COOPERAR podem e devem ter seu papel educacional. Esses podem
A todo o momento estamos utilizando a cooperação e contribuir para desenvolver no grupo o respeito, a solida-
a competição, de acordo com as necessidades encontradas. riedade, amizade entre outros, contudo que seja trabalha-
Vejamos a seguir algumas definições: do em um ambiente bem administrado.
Segundo Brotto (1999), a cooperação é um processo de
interação social, em que os objetivos são comuns, as ações A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS COOPERATIVOS
são compartilhadas e os benefícios são distribuídos para to- Segundo Lopes (s.d.) o jogo por si só é uma atividade
dos. que contém em si mesmo o objetivo de decifrar os enig-
A competição é um processo de interação social, em mas da vida e de construir momentos de prazer. Sendo e
que os objetivos são mutuamente exclusivos, as ações são utilizado como uma atividade de desenvolvimento huma-
isoladas ou em oposição uma às outras. E os benefícios são no, permitindo então, uma participação de aprendizagem,
concentrados somente para alguns. com o compromisso do buscar pedagógico, transforman-
De acordo com o Dicionário Aurélio cooperar é operar do e contextualizando-o num exercício crítico e consciente
ou obrar simultaneamente; trabalhar em comum; colaborar; do aprender.
cooperar para o bem público; cooperar para o trabalho em Os jogos cooperativos têm como objetivo buscar a
equipe. participação de todos sem que haja qualquer tipo de ex-
Competição é o ato ou efeito de competir; busca simul- clusão, pois, são os jogos em que os participantes jogam
tânea por dois ou mais indivíduos, de uma vantagem, uma uns com os outros e não uns contra os outros, favorecen-
vitória, um prêmio, etc. do assim, a união entre as pessoas, a confiança mútua e a
COMPETIR SIM, RIVALIZAR NÃO! participação autêntica de todo o grupo.
Segundo Brotto (1999), jogando cooperativamente
Quando falamos de competição e cooperação não esta- podemos reconhecer que a verdadeira vitória não depen-
mos nos referindo a antônimos. de da derrota dos outros.
Como afirma Brotto (1999), “Cooperação e competição Podemos compreender que ao participarmos do jogo
são aspectos de um mesmo espectro, que não se opõe, mas, e vivermos a vida, o principal valor está na oportunidade
se compõe”. de conhecer melhor nossas próprias habilidades e poten-
Em nossa sociedade fica evidente uma competição cias e então cooperar para que os outros realizem o mes-
completamente negativista, onde somente os vencedores mo.
merecem atenção e destaque, gerando aos “perdedores” o Segundo Soller (2003), a aula de Educação Física é o
medo, o fracasso e a derrota. espaço ideal para se trabalharem os jogos cooperativos e
Brotto (1995), baseado nos estudos de Margareth Mead, claro que não exclusivamente, pois, a ideia é que todo o
afirma que é a estrutura social que determina se sociedades universo escolar trabalhe aspectos cooperativos.
irão competir ou cooperar entre si. Atualmente as aulas de Educação Física não utilizam
Adotar a competição como forma de exclusão é retro- como prioridade esse aspecto cooperativo. Muitas esco-
ceder não só em termos da educação escolar, mas da socie- las promovem eventos competitivos entre suas próprias
dade como um todo. turmas, onde até mesmo durante as aulas, não só de Edu-
“Num passado recente já se tentou formar atletas nas
cação Física, utilizam metodologias em que o aluno acaba
escolas, com incentivo do governo, propagando a falácia
se colocando superior ao outro, deixando de lado os prin-
de que o Brasil se tornaria uma Nação Olímpica. E isso não
cípios utilizados pelos jogos cooperativos que podem ser
aconteceu, pois escola não é lugar para selecionar os melho-
atribuídos de diferentes formas dentro da escola.
res e excluir os menos hábeis e, sim habilitar a todos (Soller
Os jogos cooperativos, segundo Barreto (2000), pos-
2002)”.
suem cinco princípios básicos, julgados fundamentais
A competição não precisa assumir a “capa de vilão”, é
para seu desenvolvimento. São eles: inclusão, coletividade,
preciso trabalhar a competição de forma humanizada, onde
aspectos positivos prevaleçam. igualdade de direitos e deveres, desenvolvimento humano
Segundo Schut (1989), a competição é prejudicial quan- e a processualidade.
do há a tentativa de trapacear, quando há um gasto exces- De acordo com Soller (2003), o professor de Educação
sivo de energia para ganhar ou, ainda, quando representa Física pode aproveitar o fato do jogo ser algo que seduz e
diminuição do adversário. por intermédio dele, passar mensagens positivas.
Para muitos a competição acirrada encontra respaldo na Sendo assim, fica claro que os jogos cooperativos pos-
teoria da seleção natural de Darwin. suem um papel importante dentro da Educação Física Es-
De acordo com Soller (2003), “o mais apto” não significa colar e se envolve na escola como um todo.
ser o mais forte ou o mais bruto. Darwin ficou amargurado

98
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Assim a Educação Física atualmente pode utilizar-se
de um novo modelo para a Educação Física Escolar, com 15. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
uma nova proposta que visa os jogos cooperativos como PROPOSTAS PELOS PARÂMETROS
abordagem pedagógica, que pode ser trabalhada pelos CURRICULARES NACIONAIS DO ENSINO
professores de Educação Fica no decorrer de suas aulas. MÉDIO PARA A DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO
A EXCLUSÃO DAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA FÍSICA

Um fato preponderante para a exclusão nas aulas de


Educação Física é o desinteresse que pode ser causado por
uma série de fatores como a relação aluno x aluno, aluno O PCN de Educação Física valoriza o ensino das ativi-
x professor, aulas monótonas ou até mesmo competições dades físicas sem restringi-lo ao universo das habilidades
acirradas. motoras e dos fundamentos dos esportes. Ele vai além,
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, documento des- incluindo os conteúdos conceituais de regras, táticas e al-
tinado à Educação Física, nos mostra bem onde nos leva a guns dados históricos factuais de modalidades, somados
verdadeira exclusão: “Para boa parte das pessoas, que fre- a reflexões sobre os conceitos de ética, estética, desem-
quentaram a escola, a lembrança das aulas de Educação Fí- penho, satisfação, eficiência, entre outros. Tudo isso com
sica é marcante: para alguns, uma experiência prazerosa, de base na vivência concreta dos alunos, o que viabiliza a cons-
sucesso e de muitas vitórias; já para outros uma memória trução de uma postura de responsabilidade perante um e
amarga, de sensações de incompetência, de falta de jeito, de outro aluno. Dessa forma, o aluno irá adquirir uma maior
medo de errar”. autonomia para aprender a aprender.
Nós, como professores de Educação Física, devemos Por isso, é imprescindível que o educador reflita e
contornar estes problemas a fim de integrar e incentivar os considere a qualidade e a quantidade de experiências de
alunos. Não devemos estar preocupados com os melhores aprendizagem oferecidas pela escola, em relação com o
rendimentos esportivos, muitos menos só na aptidão física meio sociocultural vivido pelo aluno fora dela, no qual é
do aluno. O papel principal é capacitar todos de uma mesma bombardeado pela indústria de massa da cultura e do lazer
forma com falsas necessidades de consumo, carregado de mitos
A Educação Física pode ser um meio importante para de saúde, desempenho e beleza, de informações pseudo-
uma tomada de consciência em todas as demais áreas da científicas e falácias. Em suma, uma sociedade que promete
sociedade. para muitos e viabiliza para poucos.
Segundo Brotto (1999), ao modificar o comportamento Daí a necessidade de se identificar os valores, os pre-
no jogo, estaremos criando possibilidades para transformar conceitos, e os estereótipos presentes no ambiente, que são
atitudes em nossa vida além do jogo. o pano de fundo determinante para a geração de interes-
A competição em nossos dias assume um papel exclusi- ses e motivações dos alunos. Nesse contexto, o educador
vista, onde somente alguns tem o direito à vitória e as hon- deve promover a função social da escola como espaço de
ras. experiências em que ampla parcela da população pode ter
A cooperação através dos jogos cooperativos vem assu- acesso à prática e à reflexão da cultura corporal de movi-
mindo um papel importante na mudança da Educação Física mento.
Escolar, a fim de contribuir para uma visão não excludente, Além disso, para os Parâmetros, o professor deve bus-
onde todos possam participar e ganhar. Com isso busca-se car meios para garantir a vivência prática da experiência
uma mudança em relação à sociedade na qual estamos in- corporal, incluindo o aluno na elaboração das propostas de
seridos. ensino e aprendizagem, com base em sua realidade social
Enquanto educadores, podemos nos valer de diversas e pessoal, sua percepção de si e do outro, suas dúvidas e
formas para trabalhar essa conscientização em nossos alu- necessidades de compreensão dessa mesma realidade. Só
nos, basta reconhecer nosso papel fundamental neste pro- assim pode-se constituir um ambiente de aprendizagem
cesso.31 significativa, que faça sentido para o aluno, no qual ele te-
nha a possibilidade de fazer escolhas, trocar informações,
estabelecer questões e construir hipóteses na tentativa de
respondê-las.32

A condição da Educação Física como componente cur-


ricular na história da educação brasileira, sempre esteve
ligada às tentativas históricas de consolidação de um mo-
delo de política educacional ideal para o país. Essas tenta-
tivas, sempre encontraram barreiras estruturais e impasses
culturais decorrentes da conjuntura política e do momento
histórico que atravessava a nação e nesse contexto, a Edu-
31  Fonte: www.efartigos.atspace.org -Por Caroline Matos dos Santos/
Helio Santos Bóga Filho/Maria Josiane de Azevedo Correia 32  Fonte: www.cpt.com.br – Texto adaptado de Andréa Oliveira.

99
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
cação Física recebia no tratamento das diretrizes da legis- da Educação Física como componente curricular. O que
lação as orientações para a sua natureza curricular, sendo isso significa? Educação Física não é só brincadeira, jogo
esta por sua vez, adequado a ideologia dominante. Souza e esporte? Como fazer para integrar a disciplina ao cur-
Júnior, ao discorrer sobre a História da Educação Física es- rículo escolar? O currículo é outra questão que nunca foi
colar no Brasil, nos apresenta um breve histórico da inser- determinada pela gestão do conhecimento produzido no
ção da Educação Física como componente curricular na es- contexto escolar, ele sempre foi fruto de determinações
cola brasileira. De acordo com o autor, “a Educação Física é tecnocráticas das secretárias de governo. Nesse sentido,
evidenciada sob a forma de ginástica no ano de 1837 vindo acreditamos que tanto o currículo escolar quanto a Edu-
a se tornar obrigatória em 1851 nas escolas primárias do cação Física precisam se encontrar e construir uma rela-
Município da Corte (Rio de Janeiro)” (2009, p.20). ção didático pedagógica necessária para que o processo
Em 1882, sob a orientação de Rui Barbosa nas discus- de ensino aprendizagem se torne significante para ambos.
sões sobre a reforma do ensino, aparece recomendada Essa crença se consolidou durante o tempo em que venho
pelo parlamentar na condição de matéria de estudo em atuando no espaço escolar com os vários níveis de ensino
horas distintas das do recreio e depois das aulas. Em 1928, e, principalmente hoje com o ensino médio, tenho percebi-
surge a proposta de aulas diárias em caráter obrigatório do e vivido as situações pelas quais a escola, os alunos e os
para todos os alunos, numa proposta de Fernando de Aze- professores se relacionam com a Educação Física. Não se
vedo. Em 1937, torna-se objeto de lei constitucional como trata apenas de incluir as aulas no horário normal de aula
componente curricular. Atrelava o reconhecimento e fun- ou de ministrar aula na sala de aula, mas antes, trata-se de
cionamento escolar à condição da existência da Educação construir uma ação pedagógica com os alunos que possa
Física, do ensino cívico e dos trabalhos manuais de cará- atender as necessidades de suas praticas corporais e dos
ter obrigatório nas escolas primárias e secundárias como conhecimentos sobre o corpo e conduzi-los à autonomia
constava no artigo 131 da constituição. Entre as décadas para a cultura de movimento no contexto social.
de 1940 e 1960, no período político brasileiro que oscila- O Contexto crítico da Educação Física escolar
va entre o nacionalismo e a influencia desenvolvimentista Ao final da década de 2000, completou-se trinta anos
do capital estrangeiro, a Educação Física ficou sujeita, mais do surgimento do Movimento Crítico Renovador da Edu-
uma vez, a obrigatoriedade de acordo com a LDB 4.024 de cação Física no Brasil. Esse movimento teve como caracte-
20 de dezembro de 1961 nos cursos primários e médios até rísticas o questionamento das bases conceituais filosóficas,
a idade de 18 anos. epistemológicas e pedagógicas que norteavam as ações
Na esteira da história, várias alterações nos textos le- dos profissionais da área. A produção teórica que ocupou
gais são acrescentadas como na LDB 5.692 que obrigava o espaço da discussão dos meios e fins da Educação Física,
a inclusão da Educação Física nos currículos plenos das denunciou que a disciplina se tornara alienada dos seus
escolas. No período de maior conflito político ideológico próprios valores, que estava a serviço do fortalecimento do
vivido pelo país, a Educação Física nas escolas foi objeto sistema político dominante e que, portanto, não se contex-
de controvérsias quanto ao seu formato de ensino que ora tualizava com as necessidades de formação do homem na
atendia as imposições de ordem militar, ora atendia aos perspectiva da totalidade. Nesse sentido, a Educação Física
preceitos do desportivismo contribuindo esse contexto, era determinada por um conjunto de influências ideológi-
para que a disciplina perdesse a sua identidade, se é que cas externas advindas de instituições que determinavam a
ela ficou clara em alguma época da história da Educação sua estrutura como prática social e/ou enquanto área do
no Brasil, o que provocou com a abertura política dos anos conhecimento. Dentre essas instituições, se encontravam
de 1980 e o surgimento de teorias educacionais que apon- a instituição médica, a instituição militar e a instituição es-
tavam para outros paradigmas educacionais, questiona- portiva. Caparroz (2007, p.28) considera que:
mentos e proposições acerca da função sócio educacional Esse movimento acabava por percorrer a história da
da Educação Física no contexto escolar. A LDB 9.394/96 no área, observando sua entrada na escola, mas muito mais
artigo 26, § 3º, condiciona a existência da Educação Física para retificá-la, ou seja, reinterpretá-la de forma a confirmar
como componente curricular obrigatório integrada à pro- certos pressupostos que tais análises apontavam, ou então
posta pedagógica da escola entre outras providencias en- para negá-la.
tretanto, como Souza Júnior (2009, p.28) ressalta em suas O autor afirma ainda que, os intelectuais da área enfa-
conclusões: tizavam que somente as influências externas macroestru-
Os conflitos não se acabaram e não se acabarão. Mui- turais sociais, políticas e econômicas, influenciaram o perfil
tos continuam, alguns com vieses mais recentes, como são da Educação Física no transcorrer de sua história e que, de
os casos da presença, facultatividade ou mesmo ausência agora em diante, tudo que tinha sido considerado como
da Educação Física e da diversidade e até antagonismos de cultura da Educação Física na escola deveria ser negada e
propostas pedagógicas atuais e outros que acompanham reconstruída em outras bases culturais e pedagógicas. As
toda a trajetória de luta, de conquista de reconhecimento, questões de ordem interna e os conflitos de ordem estru-
perfazendo a historia deste componente curricular. tural que influenciavam o seu perfil cultural, tais como: a
Ao longo da história, os registros acerca da Educação formação profissional, a evolução dos conhecimentos per-
Física como componente curricular ficaram evidenciados tinentes à área, o tratamento pedagógico da escola para
na forma da legislação, porém a escola, os professores a Educação Física como componente curricular, a postura
e alunos nunca compreenderam muito bem essa estória crítica dos profissionais da área, a cultura de relacionamen-

100
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
to com as práticas corporais, as condições de trabalho, as conformação da Educação Física como componente cur-
relações entre professores e alunos, os investimentos pú- ricular ao longo da história. Logo, a identidade histórica
blicos entre outros aspectos não foram levados em consi- era desfeita, criando cisões e indefinições durante todo o
deração quando da formulação da crítica à Educação Física, período dos anos de 1980 no Brasil.
segundo o autor. O problema que se apresentava a partir “No ambiente escolar, a Educação Física se integra ao
de então se concentrava na seguinte perspectiva: O que e plano curricular a partir do final do século XIX, e desde en-
como fazer para que a Educação Física se contextualizasse tão se discute sobre a relevância pedagógica da Educação
com as mudanças sociais e culturais da nova conjuntura Física” (MENDES, 2010 p.199). Nessa discussão a autora
democrática da sociedade brasileira decorrente da abertura ressalta “a importância da participação dos professores
política? A solução para essa questão, assim como outras, de Educação Física nas tarefas pedagógicas realizadas por
ainda pairam atualmente, no imaginário de muitos profis- todos os professores das escolas” (IDEM, p.200).
sionais da área. Desse modo, as produções que criticaram
a Educação Física, também lançaram algumas proposições Perspectivas atuais
para a mudança do perfil da prática pedagógica da Educa- Compreende-se a importância do professor de Edu-
ção Física. Entretanto, a viabilização dos modelos teóricos cação Física no processo de organizar didaticamente a
propostos encontrava algumas dificuldades de concretiza- sua prática pedagógica assim como os demais profes-
ção no espaço escolar. As proposições de cunho Desenvol- sores, como um passo imprescindível para o reconheci-
vimentista, Sócio construtivista, Humanista, Emancipatória mento político pedagógico da Educação Física escolar.
para citar algumas das tendências pedagógicas, enfocavam Nesse contexto, os professores e professoras precisam
elementos teóricos da prática pedagógica sem, no entanto, compreender com relação à Educação Física que a sua
conseguir atingir o âmago da questão pedagógica da Edu- configuração curricular, o seu modelo de prática pedagó-
cação Física no ambiente escolar. gica, os seus métodos de ensino, os seus fundamentos e
Quem viveu o período das décadas de 1970 e de 1980 critérios de avaliação que formam a sua estrutura de dis-
como profissional ou como aluno do ensino básico ou ain- ciplina escolar, precisam se contextualizar com as deman-
da como aluno de um curso superior de Educação Física,
das sócio educacionais atuais a fim de consolidar-se com
pôde constatar que algumas condições materiais objetivas
um componente curricular que se integra às necessidades
interferiram no processo de transformação da qualidade
de formação cultural dos educandos em todos os níveis
pedagógica da Educação Física, tanto quanto as condições
de ensino. Desse modo, as possibilidades pedagógicas da
subjetivas. Entre estas, o processo de formação profissional
Educação Física para consolidar-se como um componen-
voltado para a reprodução de conhecimentos da área, o
te curricular na atual proposta para o Ensino Médio são
pragmatismo pedagógico, a dominância do esporte como
viáveis, desde que ocorram as transformações nas escolas
conteúdo das aulas, o atraso pedagógico da Educação Fí-
no que diz respeito a forma de pensar o seu currículo, os
sica em relação às teorias educacionais, a falta de estrutura
física das escolas e o avanço das academias de ginástica seus objetivos educacionais, a sua metodologia de ensi-
como novo espaço de trabalho entre outras condições só- no, os seus pressupostos avaliativos, a sua integração cul-
cio econômicas e culturais determinantes. Além do que, se tural com a pesquisa educacional contextualizadas com
os alunos, os professores, os orientadores educacionais, os as concepções, princípios e diretrizes do projeto político
supervisores e os diretores tivessem sido ouvidos quando pedagógico institucional e com a percepção, vontade e
da formulação da crítica sobre o que acontecia na escola e trabalho do professor. De acordo com o documento do
considerando a visão daqueles que nesses contexto esta- Ensino Médio Inovador:
vam, sobre o que poderia ou deveria ser feito para melho- A identidade do ensino médio se define na supera-
rar as condições de desenvolvimento da Educação Física, ção do dualismo entre propedêutico e profissionalizante.
talvez a elaboração crítica partindo da realidade do chão Importa, ainda, que se configure um modelo que ganhe
da escola e fosse sustentada por uma teoria subjacente a identidade unitária para esta etapa da educação básica
essa realidade e não na forma de prescrição teórica, po- e que assuma formas diversas e contextualizadas, tendo
deria ter encontrado um respaldo positivo no circuito dos em vista a realidade brasileira. Busca-se uma escola que
profissionais que atuavam nas escolas. A idealização de não se limite ao interesse imediato, pragmático e utilitário
uma Educação Física na escola por outras vertentes ideoló- (BRASIL, 2009 p. 04).
gicas provocou uma estagnação no desenvolvimento desta Nesse particular, a Educação Física precisa se associar
como componente curricular, pois enquanto os discursos às mudanças propostas para o ensino médio de modo
se inflamavam, as questões pedagógicas da escola se res- que a vertente esportiva dominante seja compreendida
sentiam de discussão e de intervenções significativas. Esse como mais uma possibilidade da ação pedagógica e, os
quadro contribuiu para que a demanda esportiva ocupasse, conhecimentos sobre o corpo possam ser evidenciados
de certo modo, o espaço da Educação Física como compo- nas práticas corporais.
nente curricular da escola. Segundo Caparroz (2008, p.82): Mas, o que pode tornar a Educação Física um com-
Isso parece não ter permitido a apropriação crítica das ponente curricular relevante no ensino médio? Quais as
contribuições/determinações, tanto a nível macro, como características pedagógicas que tornam a Educação Física
micro (da própria escola, dos intelectuais de formação pro- um componente curricular?
fissional de Educação Física etc), que foram decisivas para a

101
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Segundo Mattos e Neira (2000, p.25): Desse modo, o desenvolvimento de experiências pe-
[...] para inserir a Educação Física dentro do currículo dagógicas da Educação Fisica no Ensino Médio é um dos
escolar e colocá-la no mesmo grau de importância das ou- fatores importantes para que a disciplina tenha substancia
tras áreas do conhecimento é através da fundamentação pedagógica e possa oferecer outras possibilidades além da
teórica, da vinculação das aulas com os objetivos do traba- perspectiva do esporte instrumental na esfera escolar. Se-
lho, da não improvisação e, principalmente, da elaboração gundo Kunz, (2003, p.22):
de um plano que atenda às necessidades, interesses e mo- Para que as mudanças concepcionais possam realmen-
tivação dos alunos. te começar a se manifestar, são necessárias também, mui-
 A condição de realização dos aspectos acima citados, tas experiências práticas (além do desenvolvimento, am-
podem se constituir na base organizacional para as expe- pliação e aprofundamento de pressupostos teóricos) em
riências pedagógicas nas escolas que, em sendo realizadas, diferentes contextos de ensino.
podem ampliar as concepções do trabalho educacional Nesse sentido, é fundamental que o foco do processo
além de ampliar as discussões em torno da dimensão pe- pedagógico seja sustentado por pressupostos teóricos que
dagógica da Educação Física como componente curricular. fundamentem a ação do professor.
Várias questões estruturais relacionadas às aulas de De acordo com Reis, (2008, p. 04):
Educação Física nas escolas precisam ser repensadas a nível Verificam-se hoje quatro vertentes principais, as quais
da organização curricular para que a Educação Física possa utilizam metodologias significativas para o desenvolvimen-
desenvolver suas ações pedagógicas no mesmo tempo e to da Educação Física no ambiente escolar, chamadas de
espaço que as outras disciplinas. metodologia do ensino, aberta, crítico-superadora, cons-
Uma das questões que se apresentam é a sua inclusão trutivista e crítico emancipadora, as quais juntas proporcio-
no horário normal da escola, pois nada justifica que as au- nam ferramentas importantes para a prática da Educação
las de Educação Física sejam realizadas em horário inver- Física na escola.
so à presença do aluno no ambiente escolar. Outro ponto A questão que se apresenta é como a escola e os pro-
para que se discuta no aspecto da organização didática, fessores se sensibilizam com relação a esses pressupostos
diz respeito ao planejamento das aulas e a metodologia e como os aplicam em suas práticas pedagógicas, pois sem
aplicada no desenvolvimento das mesmas. a concretização da prática pedagógica as teorias perdem
É necessário compreender que, como uma discipli- sua razão epistemológica.
na curricular a Educação Física permite uma variedade No contexto da análise epistemológica da Educação
de abordagens de conteúdos que vão além da repetição Física, a relação teoria e prática precisa superar os dualis-
exaustiva da prática esportiva, além do que o tratamento mos e avançar para a práxis pedagógica no âmbito escolar
pedagógico dado ao esporte está desvinculado de seus va- em todos os níveis de ensino. Betti (2005, P.183), propôs
lores históricos, sociais, científicos, tecnológicos e culturais uma Teoria da Educação Física concebida como um campo
construídos ao longo do tempo. dinâmico de pesquisa e reflexão. Nela, o autor confirma os
Portanto, nas escolas de ensino médio, é de fundamen- impasses entre a concepção teórica e ação prática e com
tal importância a postura dos professores e professoras em base nesse estudo o autor afirma que:
assumir a disciplina como um componente curricular que A teoria assim proposta poderia sistematizar e criticar
precisa ter os conhecimentos sobre o corpo sistematiza- conhecimentos científicos e filosóficos, receber e enviar
dos através dos conteúdos tradicionais da Educação Física demandas à prática social, e às Ciências e à Filosofia. A prá-
como o jogo, o esporte, as danças, as lutas e a ginástica e tica passaria a configurar-se como possibilidade de media-
dos conteúdos transversais relacionados ao contexto inter- ção entre a matriz científica e a matriz pedagógica que se
disciplinar e às diversidades culturais e pelo contexto cul- apresentam no debate sobre a identidade epistemológica
tural do corpo na sociedade contemporânea. da Educação Física, entre a teoria e a prática, entre o fazer
De acordo com Barni e Schneider (2004, p.08): corporal e o saber sobre esse fazer.
Podemos observar que novas propostas de prática   O campo dinâmico de pesquisa e reflexão proposto
pedagógica para Educação Física já se fazem presente no por Betti, teria como função essencial a crítica e a siste-
cenário nacional, porém de forma ainda restrita. Para que matização acerca dos conhecimentos sobre o corpo e os
a Educação Física no Ensino Médio se torne reconhecida fundamentos científicos e culturais da Educação Física
como um componente curricular relevante à formação in- transformando-a em uma área de conhecimento e con-
tegral do aluno, é necessário que o profissional da Educa- sequentemente, ultrapassando a concepção de uma dis-
ção Física tenha o domínio do conhecimento científico nas ciplina isolada das demandas da prática social, da ciência e
suas ações pedagógicas para substanciar junto aos demais da filosofia. Essa condição praxiológica poderia contribuir
saberes escolares o valor da prática da Educação Física para para a consolidação da Educação Física como componente
a construção de novos cidadãos. curricular principalmente no ensino médio, ciclo de apro-
Para a condição acima citada vir a se tornar uma rea- fundamento do conhecimento em Educação Física.
lidade pedagógica, é necessário que a Educação Física De acordo com as Orientações Curriculares para o
no ensino médio se contextualize com os conhecimentos Ensino Médio em suas orientações para a Educação Física
científicos e se integre à proposta político pedagógica da como componente curricular, é preciso compreender os
instituição escolar a fim de consolidar a sua ação educacio- aspectos históricos que permeiam o imaginário cultural da
nal como um componente curricular. escola sobre a Educação Física além de compreender que:

102
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
A identidade da Educação Física, assim como a identi- As Orientações Curriculares para o Ensino Médio
dade de qualquer disciplina, é construída a partir de pro- consideram que:
cessos de negociação e disputa de valores, concepções e Esses diversos usos feitos pelos alunos (muitas vezes a
perspectivas. Como toda disciplina do currículo, a defini- despeito da figura do professor) também estão carregados
ção do papel da Educação Física dá-se a partir das nego- de valores, sentimentos, subjetividade. O entendimento
ciações e das disputas que ocorrem entre seus profissio- que os alunos têm de si mesmos; do seu corpo e do cor-
nais, mas também por aquelas travadas por outros atores po dos outros; de seus valores e posicionamentos éticos e
da escola (BRASIL, 2006, p.217). estéticos; de seus projetos de vida pessoal e do lugar que
No contexto do Ensino Médio Inovador, no qual, as a escola ocupa nesses projetos: todas essas questões cons-
tendências pedagógicas convergem para projetos integra- troem o papel da Educação Física e dos lugares que pode
dores interdisciplinares, abre-se um espaço institucional ocupar na vida dos alunos (BRASIL, 2006, p.218).
para que a Educação Física possa sair do isolamento pe- Desse modo, sugere-se para que se consolide como
dagógico histórico e consolidar-se como um componente componente curricular, a Educação Física no ensino mé-
curricular integrado ao processo de formação cultural dos dio terá que se estruturar de forma integrada ao currículo
alunos através de abordagens pedagógicas desenvolvidas escolar e ao projeto político pedagógico institucional e as-
na sistematização do conhecimento, na organização curri- sim, ampliar as possibilidades de desenvolver a sua prática
cular integrada e no envolvimento dos professores em as- pedagógica com os elementos que se relacionem com o
sumir o desafio de trabalhar a Educação Física como área complexo cultural de vivências dos alunos, além de buscar
de conhecimento. superar as dicotomias entre a teoria e a prática consolidan-
Temos consciência que essas ações no contexto da do-se com uma práxis cientifica.
Educação Física no Ensino Médio se constituem em de- Outras sugestões apontam para o desenvolvimento de
safios a serem vencidos. A conquista deve ser feita de lu- experiências que possam construir uma identidade peda-
tas coletivas nas instituições públicas e privadas do ensi- gógica da Educação Física além de registrar a sua organiza-
no médio. O engajamento dos professores e professoras ção didático pedagógica para fins científicos. É necessário,
pois, contextualizar as práticas corporais com a natureza e
do Ensino Médio nas proposições acima citadas demanda
a cultura e estar em constante interação com as mudanças
tempo e depende da organização do projeto político pe-
sociais e com a evolução da ciência e da tecnologia. Temos
dagógico institucional e da organização didática da Edu-
consciência que essa discussão não se encerra aqui e que
cação Física da escola.
há muito que ser feito, tanto pela instituição escolar quanto
Esses desafios se consolidaram no ambiente escolar e
pelo professor e pelos alunos, na proposição da Educação
na percepção dos professores e professoras de Educação
Física como componente curricular na estrutura do novo
Física devido aos limites da produção teórica da Educação
Ensino Médio no Brasil.33
Física que “não produziu investigações mais densas e con-
sistentes sobre a constituição, desenvolvimento e função Função Social
da Educação Física no interior da instituição escolar.” Ca- A Educação Física na escola sofreu influências de várias
parroz (2007, p. 161). Entretanto, não podemos considerar culturas, onde representou diferentes papéis e adquiriu di-
que o não desenvolvimento da Educação Física escolar, ferentes significados, conforme o momento histórico. Já foi
principalmente no Ensino Médio, se deu apenas pelo dis- considerada higienista, militarista, pedagogicista, competi-
tanciamento teórico da prática pedagógica nas escolas. tivista, popular, progressista, dentre outras denominações.
Há que se considerar também que, as escolas de en- Sendo a Educação Física uma prática pedagógica, pode-
sino médio passaram a direcionar os seus objetivos edu- mos afirmar que ela surge de necessidades sociais concre-
cacionais com vistas ao vestibular como é o caso das ins- tas que, identificadas em diferentes momentos históricos,
tituições de ensino médio privado que vem a Educação dão origem a diferentes entendimentos do que dela co-
Física como uma disciplina que ‘atrapalha’ a vida escolar nhecemos (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
do pré vestibulando e, de forma anacrônica, utiliza o es- Ao analisarmos historicamente o papel da Educação Fí-
porte como uma propaganda de suas potencialidades sica na sociedade brasileira, poderemos constatar que suas
educacionais. Nesse contexto de dificuldades estruturais, a tendências e/ou concepções pedagógicas estão afetadas
construção da identidade da Educação Física escolar ocor- ao momento político e econômico em que elas se deram
rerá, também, com as ações pedagógicas que valorizem (BARBOSA, 1997).
as praticas corporais assim como a construção do conhe- Historicamente, a Educação Física tem priorizado e en-
cimento subjacente a sua linguagem. As práticas corporais fatizado a dimensão bio-fisiológica, entretanto a presença
como uma linguagem cultural dos jovens na sociedade de outros ramos do saber, especialmente das Ciências Hu-
contemporânea, se manifestam em vários espaços sociais manas, tem se priorizado a multidisciplinariedade, onde o
e podem, assim como devem, ser discutidas, analisadas, indivíduo, cada vez mais, deixa de ser percebido como um
criticadas e terem a sua compreensão ampliada no espaço ser essencialmente biológico para ser concebido segundo
escolar pela ação pedagógica da Educação Física no ensi- uma visão mais abrangente, onde se considera os proces-
no médio.

33  Texto adaptado de Moysés de Souza Filho

103
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
sos sociais, históricos e culturais. Ao se analisar as diversas Desenvolvimento corporal e construção da saúde
perspectivas em que ela transitou, percebe-se que ainda O desenvolvimento corporal e construção da saúde per-
assim ela não conseguiu buscar a formação de um sujeito mitem entender a saúde como construção que supõe uma
que reconheça o seu próprio corpo em movimento e sua dimensão histórico-social; portanto, é contrária à tendência
subjetividade. dominante de conceber a saúde como querer individual.
Portanto, o maior desafio para a Educação Física Esco- Os sujeitos do processo pedagógico podem construir
lar é buscar superar as formas anteriores de concepção e a sua saúde sob duas perspectivas de cidadania: a dos di-
atuação na escola, visto que a superação deve ser entendi- reitos e a dos deveres, sendo que a dos direitos refere-se à
da como ir além, e não como negação do que passou, mas importância da inclusão social resultante de políticas públi-
deve ser considerada como objeto de análise, de crítica, de cas bem-orientadas, traduzidas em acesso a bens básicos,
reorientação e/ou transformação daquelas formas, deven- tais como: alimentação, educação, trabalho, saneamento
do ser trabalhada sob o viés de interlocução com outras básico, moradia, informação, preservação do meio ambien-
áreas, que permitam entender o corpo em sua complexida- te, etc; e a dos deveres que constitui uma dimensão política
de; ou seja, sob uma abordagem biológica, antropológica, da conquista e da preservação da saúde, ou seja, pode ser
sociológica, psicológica, filosófica e política (DIRETRIZES alcançado sob o compromisso das pessoas reconhecerem
CURRICULARES, 2008). que a própria vida é um bem de valor absoluto, que sob
A Educação Física na escola, infelizmente não tem essa ótica, a saúde é um bem capital que requer um con-
conquistado os alunos para sua prática efetiva, com isso junto de responsabilidades, de deveres, cuja transferência
a maioria fica como mero espectador durante as aulas. As não pode ser feita a ninguém. As práticas corporais, os
aulas não têm atraído os alunos para a prática da atividade cuidados com a higiene pessoal, os cuidados para evitar
física constante, pois os mesmos não sabem o que fazem doenças sexualmente transmissíveis, entre outros hábitos,
e nem o porquê de sua importância. Portanto, a preocupa- constituem, portanto, direitos e deveres dos sujeitos, den-
ção de promover saúde através da atividade física deve ser tro e fora da escola. Diante disso, está também à atividade
ressaltada pela Educação Física, na escola, onde a principal física e o acesso formal de atendimento a saúde. A saúde
atividade deve ser a educação por meio de diversas mani- não é uma dádiva concedida a alguns, mas um processo
festações do movimento (jogos, esportes, ginástica, dança constante de conquista, algo a ser construído singular e
e lutas). Por esta educação compreende-se: conduzir pela coletivamente e que exige condições dignas de vida, que
atividade física, (re) encantando e (re) educando os alunos além do comprometimento pessoal, as políticas públicas
para uma vida ativa. e as medidas sociais devem atender às reais necessidades
A percepção do aluno deve ser orientada para um de- das pessoas. Portanto, os cuidados com a saúde devem ser
terminado conteúdo que lhe apresente a necessidade de vistos como investimento pessoal e os elementos sociais,
solução de um problema nele implícito (COLETIVO DE AU- culturais, políticos e econômicos também devem ser con-
TORES, 1992). templados na construção da saúde para todos. Desta ma-
Assim, destacar os benefícios que a prática regular da neira, devemos pensar em atividade física não como uma
atividade física traz, tem que passar do ponto de vista ape- obrigação para termos saúde, mas sim como uma atividade
nas do convencimento para a argumentação científica e que nos traga prazer, alegria, contribuindo assim para o
técnica, com conteúdos mais significativos nas aulas, pois próprio bem estar. (DIRETRIZES CURRICULARES, 2008). O
só assim a Educação Física poderá contribuir com o seu estado de saúde é um processo dinâmico, dependente de
papel na sociedade, onde os alunos deverão demonstrar fatores hereditários e do meio ambiente em que o indi-
de modo efetivo a adoção de estilos de vida ativa e conse- víduo se encontra e atua. A atividade física está incluída
quentemente saudáveis a partir das aulas, e com isso levar no processo e atua diretamente no bem-estar físico e, in-
como hábito para a vida. diretamente, no estado psicossocial, contribuindo para a
Então, primeiramente devemos ter como meta para a promoção da saúde do indivíduo, definida de acordo com
Educação Física Escolar, atingir todos os alunos, sem discri- a Organização Mundial de Saúde como “bem-estar físicop-
minação dos menos hábeis, dos mais gordinhos, dos que sicossocial do ser humano”.
tem necessidades educacionais especiais, para desta forma A ideia de uma educação para a saúde conquistou na
estar promovendo o bem-estar e saúde e gradativamente nossa sociedade um valor inestimável, objetivando desenvol-
haver a diminuição do sedentarismo. ver a compreensão de como se constrói a condição de saú-
No mundo contemporâneo, onde o sedentarismo e de/doença em cada realidade particular, fazendo com que os
alimentação inadequada se fazem presente na vida dos alunos tornem-se, progressivamente, mais capazes de agir
adolescentes, se torna importante discutir nas aulas de na perspectiva da promoção e recuperação da saúde em âm-
Educação Física as questões sobre saúde e bem estar físico bito pessoal e coletivo como protagonista de sua condição
e mental, mostrando aos alunos a importância da prática da saúde (e não como pacientes). (MATTOS E NEIRA, 2000).
regular de atividade física para uma melhor qualidade de
vida, dando subsídios para que o aluno desenvolva ativi- O movimento e sua importância
dades com prazer e não com sacrifício e má vontade, e O movimento é, pois, condição indispensável ao de-
ao mesmo tempo formar um cidadão crítico e consciente, senvolvimento do indivíduo. Através dele o ser humano se
proporcionando conhecimentos que o aluno possa utilizar relaciona consigo, com o outro e com a realidade. (TEIXEI-
dentro e fora dos ambientes escolares (NAHAS, 2003). RA, 1996).

104
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
O movimento é parte integrante de todas as fases do do corpo, causado, por exemplo, por hábitos alimentares
processo de desenvolvimento do ser humano; no período errôneos ou deficientes; por padrões de pensamentos ne-
intra-uterino (ou pré-natal), sob a forma de movimentos gativos; pela vida sedentária, podem resultar (e frequen-
reflexos; nos períodos da pequena e média infância (ou temente resulta) em doenças, discordâncias e desordens
pré-escolar), quando ocorre o amadurecimento dos mo- emocionais.
vimentos de estabilidade, de locomoção e de manipula- O sedentarismo e a obesidade estão entre elas e é
ção; nos períodos da grande infância, adolescência e ju- considerado hoje um problema de saúde pública, tanto
ventude (ou escolar), em que os movimentos fundamentais pelo aumento acelerado em idades cada vez menores, as-
são aperfeiçoados e as habilidades motoras são refinadas, sim como pela associação com efeitos contrários à saúde
combinadas e elaboradas; e no período da vida adulta, cardiovascular e metabólica. Por outro lado, são muitas
quando os movimentos são necessários para a realização as evidências de que a prática regular de atividade física
das atividades diárias de trabalho e lazer do ser humano. auxilia no controle e manutenção do peso corporal e na
O movimento corporal pode e deve ser considerado redução de riscos cardiovasculares.
um recurso valioso no 1º grau (ensino fundamental), parti- Nas últimas décadas, o excesso de peso entre os jo-
cularmente nas quatro primeiras séries. vens aumentou significativamente devido a mudança de
Nessa fase, a ação física e a ação mental estão de tal estilos de vida. A filosofia que
forma associadas, que examinar um desses aspectos iso- prevalece hoje é fazer da vida a mais mecanizada pos-
ladamente causaria graves prejuízos, não só para a apren- sível, isto é, excluir o trabalho manual pesado. O jovem
dizagem escolar, mas para todo o desenvolvimento da atualmente passa a maior parte de sua vida com gasto
criança (FREIRE, 1989). Sabendo da importância disso, energético próximo do estado de repouso, portanto, exis-
percebemos que não são todas as escolas que oferecem a te a necessidade de se realizar um trabalho voltado para
Educação Física em seu currículo nas séries iniciais e quan- modificar esse quadro que podemos considerar como
do as tem oferecem um número mínimo de aulas. Portanto, agravante, pois a possibilidade de termos no futuro uma
entendo que uma lacuna nessa fase fica comprometida, já população obesa é maior, assim como todos os outros
que a maioria das escolas não atende a contento o desen-
problemas que advêm dela: problemas cardiovasculares,
volvimento integral das crianças Quando o corpo se movi-
diabetes, hipertensão, etc.34
menta, muitos processos fisiológicos e psicológicos ocor-
rem simultaneamente. O movimento é um ato inerente aos
O papel do professor de Educação Física em uma
seres vivos e, em especial ao homem que além de fazer
concepção de ensino transformadora
dele uso constante, apresenta refinamentos próprios do
Sabemos que o professor e o aluno são os sujeitos da
gênero humano. Desde o início dos tempos, o “mexa-se”
práxis pedagógica, conseqüentemente o professor é um
faz parte da existência humana, pois a caça e a luta pela
educador. Também podemos afirmar que o professor é
sobrevivência impulsionaram nossos antepassados a an-
dar, correr, saltar, arremessar, escalar, empurrar, tracionar, um ser humano, e como tal é construtor de si mesmo e da
dançar e outras formas de expressão corporal. Numa socie- história, através da ação, sendo determinado pelas con-
dade caracterizada por “apertar os botões”, as tendências dições que o envolve. Ele também sofre as influências do
modernas, a mecanização, as ocupações sedentárias e o meio em que vive e com elas se auto-constrói. O profes-
uso generalizado de utensílios domésticos, levaram a uma sor além de ser condicionado é condicionador da história,
exigência diminuída da atividade física, aumentando assim e tem um papel específico na relação pedagógica, que é a
os riscos às doenças crônicas. Os estudos têm mostrado relação de docência.
que o risco de ocorrerem tais doenças é aumentado por Luckesi (1994: p.115) coloca que:
falta de atividade física satisfatória. A atividade física, prin- “Educador é aquele que, tendo adquirido o nível de
cipalmente o exercício, o esporte, aumenta o rendimento cultura necessário para o desempenho de sua atividade,
físico das pessoas. Este aumento está associado com uma dá direção ao ensino e à aprendizagem. Ele assume o pa-
melhora na eficiência funcional de todas as células do nos- pel de mediador entre a cultura elaborada, acumulada e
so corpo. Essa eficiência funcional, chamada de aptidão em processo de acumulação pela humanidade, e o edu-
física, é geralmente vista como um atributo desejável e po- cando. O professor fará a mediação entre o coletivo da
sitivo para a saúde. Segundo a Organização Mundial de sociedade e o individual do aluno. Ele exerce o papel de
Saúde, aptidão física deve ser entendida como “a capaci- um dos mediadores sociais, entre o universal da socieda-
dade de realizar trabalho muscular de maneira satisfatória”. de e o particular do educando”.
Dentro dessa concepção, estar apto fisicamente significa Para exercer o seu papel, o educador deve possuir
o indivíduo apresentar condições que lhe permitam bom qualidades, tais como (LUCKESI, 1994): a) compreensão
desempenho motor quando submetido a situações que da realidade com a qual trabalha; b) comprometimento
envolvam esforços físicos. político; c) competência no campo teórico de conheci-
mento em que atua; e, e) e competência técnico-profis-
Os problemas da inatividade física sional.
O funcionamento do corpo é mantido por um equilí-
brio dinâmico que necessita de atividades para funcionar
normalmente. O rompimento do frágil equilíbrio dentro 34  Texto adaptado de Mario Sergio Villanueva

105
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Este mesmo autor afirma que, além das qualidades aci- Desta forma, entendemos que uma Educação voltada
ma, o professor precisa gostar do que faz, pois antes de para a construção da cidadania, diz respeito a uma pro-
tudo é preciso desejar ensinar, é preciso querer ensinar. posta educacional inserida em um projeto de mudança,
Este gostar de ensinar nada mais é do que um desejo per- voltado para a organização e radicalização de movimentos
manente de trabalhar, para a elevação cultural dos edu- populares contra qualquer tipo de subordinação e explora-
candos. ção. Para isto, segundo Santos (1994), a escola deverá or-
Em síntese, para exercer o papel de educador em uma ganizar-se como um espaço democrático onde através do
concepção de ensino transformadora é preciso compro- diálogo, do questionamento crítico, baseado na concepção
misso político e competência técnica. de homem como sujeito, a Educação escolar fortaleça e dê
voz às pessoas e aos grupos sociais, pois com este tipo de
A construção da cidadania em uma concepção de Educação o estudante se forma um agente ativo capaz de
ensino transformadora participar em todas as esferas da vida pública. Salienta que
Nosso país, o Brasil, apresenta problemas sociais como a Educação Física enquanto uma parcela do todo chamado
a fome, o desemprego, a saúde, etc. É uma sociedade bur- Educação, deve caminhar neste mesmo sentido, desenvol-
guesa. É uma sociedade dividida em classes que vivem em vendo em suas aulas, a participação, a cooperação, o diá-
constante luta (proprietários x trabalhadores). logo, o questionamento, etc, que são os componentes de
Sabemos que a escola favorece a ampliação da eficiên- uma cidadania transformadora.35
cia do processo produtivo da sociedade, apresentando-se
em consonância com os princípios que regem a sociedade Desde a sua origem o ser humano vem produzindo
burguesa. cultura, tudo o que o homem faz vem de um contexto onde
Segundo o Coletivo de Autores (1992) devemos optar se produz e reproduz cultura a partir do seu conhecimento.
por uma prática transformadora que defenda os interesses Conforme a necessidade de cada época que este ho-
da classe trabalhadora. mem esteve inserido dentro da sociedade, este buscou su-
Como se faz isto? Para Gadotti (1994) se faz isto edu- prir suas insuficiências com criações que tornassem os mo-
cando para a cidadania. vimentos mais eficientes e satisfatórios, procurando desen-
Neste sentido, de acordo com Dutra (1994) o processo volver diversas possibilidades de uso do corpo no intuito
de ensino deve privilegiar a cooperação, a solidariedade, a de solucionar as mais variadas necessidades. Sendo essas
criatividade e a participação. Isto em detrimento do indivi- criações gestuais com caráter utilitário, ou não, elas visa-
dualismo, da competição e da repetição mecânica. vam ao seu modo, a combinação do aumento da eficiência
Mas afinal, o que é cidadania? dos movimentos corporais com a busca da satisfação e do
Conforme Gadotti (1994) a cidadania pressupõe igual- prazer na sua execução. De acordo com os Parâmetros Cur-
dade entre todos perante a lei e do reconhecimento de que riculares Nacionais (PCN‟s):
a pessoa humana e a sociedade são detentores inalienáveis Derivaram daí conhecimentos e representações que
de direitos e deveres, majoritariamente reconhecidos. No se transformam ao longo do tempo. Ressignificadas, suas
lado dos direitos, repontam os direitos humanos, cuja con- intencionalidades, formas de expressão e sistematização
quista demorou milênios e traduzem a síntese de todos os constituem o que se pode chamar de cultura corporal de
direitos imagináveis que o homem possa ter. No lado dos movimento.
deveres aparece, sobretudo, o compromisso comunitário Dentro desse universo de produções da cultura corpo-
de cooperação e co-responsabilidade. ral de movimento, algumas foram incorporadas pela Edu-
Segundo Demo (1996) os processos participativos cação Física como objetos de ação e reflexão: os jogos e
acentuam a cidadania organizada. A organização traduz brincadeiras, os esportes, as danças, as ginásticas e as lutas,
coerência participativa, estratégia de mobilização, de in- que têm em comum a representação corporal de diversos
fluência. Não interessar-se por formas de organização sig- aspectos da cultura humana. São atividades que ressigni-
nifica uma visão ingênua do processo social. ficam a cultura corporal humana e o fazem utilizando ora
Participação é o exercício democrático, pois através uma intenção mais próxima do caráter lúdico, ora mais
dela, aprendemos a eleger, deseleger, a estabelecer rodízio próxima do pragmatismo e da objetividade. (BRASIL,1998,
no poder, a exigir prestação de contas e assim por diante p.28).
(DEMO, 1996). Deve-se salientar que a inserção desse universo de
Boa parte da população não sabe disso. produções no espaço escolar privilegie o entendimento de
Para uma comunidade ter vez e voz precisa organi- que estas práticas têm significado cultural e que novas for-
zar-se. Desorganizada cai no conformismo sem tentar ser mas de experimentação, em confronto com as tradicionais,
dona de seu destino. poderão possibilitar que o aluno dê sentido próprio ao seu
Ressaltamos que no exercício da democracia negocia- campo gestual e se perceba no mundo como agente.
mos os conflitos e as divergências e com isso chegamos a De acordo com Gonçalves (1994), a EF como práxis
um amadurecimento. educativa - que leva em consideração o desenvolvimento
Demo (1996) diz que o poder é o fenômeno básico pessoal e a questão social - possui como objetivo a for-
da democracia e tende a concentrar-se e a perpetuar-se.
Entretanto, o poder pode ser controlado pelo voto e pela
informação aberta à população. 35  Texto adaptado de Weder Camillo

106
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
mação da personalidade do aluno, através da atividade fí- EFE deve incluir tanto quanto possível todos os alunos nos
sica, “lidando com o corpo e o movimento integrado na conteúdos que propõem, adotando para isto estratégias
totalidade do ser humano”, portanto a EF, atuaria nas ca- adequadas.
madas mais profundas da personalidade, “onde se formam Catunda (2012), ressalta que é de fundamental impor-
os interesses, as inclinações, as aspirações e pensamentos” tância para a formação de crianças e adolescentes, que se
(p.104). Para isso, a cultura corporal do movimento, que considere a pluralidade e as necessidades dos alunos e que
aqui será entendida como o “conjunto de ações corporais os objetivos da disciplina constantes em seu planejamento
produzidas na sociedade no transcorrer da sua história seja um guia para diversidade da prática.
e que tem capacidade de representação ou simbolismo” Além de se diversificar os conteúdos, para se garantir
(Gonçalves, 2006, p.129) e visualizando que o objeto cen- um ensino que possibilite ao aluno vivenciar variadas pos-
tral desta perpassa em torno do fazer, do compreender e sibilidades de expressão corporal é preciso aprofundar os
do sentir com o corpo, esta se faz de grande valia à forma- conhecimentos, ou seja, tratá-los nas três dimensões (pro-
ção humana. cedimental, atitudinal e conceitual) abordando os diferen-
Partindo desta premissa, Gonçalves (2006) ressalta que tes aspectos que compõem as suas significações. Embora
“cabe ao professor verificar, em cada uma das produções se saiba da impossibilidade de oferecer todos os conheci-
corporais os benefícios fisiológicos e psicológicos e suas mentos relacionados à cultura corporal do movimento na
possibilidades de utilização como instrumento de comu- EFE, entende-se que alguns deles precisam ser desenvol-
nicação, expressão, lazer e cultura e, a partir daí formular vidos e, de preferência, de forma transversal e espiralada.
as propostas para Educação Física Escolar (EFE)”, tendo em Uma apropriada aplicação dos conteúdos está justa-
vista que é notável: mente no equilíbrio e na importância que deve ser dada
Além dos benefícios imediatos atribuídos a realização igualmente às três dimensões, mesmo que a disciplina
de esforços físicos adequados na infância e na adolescên- aparentemente seja mais ligada a uma delas. Daí surge a
cia, evidências (que) apontam que as experiências positivas preocupação com o aprofundamento dos conteúdos. Essa
associadas à prática de atividades físicas vivenciadas nessas seria a forma ideal para que os objetivos gerais do ensino
idades se caracterizam como importantes atributos no de- fossem alcançados, já que estes visam à formação integral
senvolvimento de atitudes, habilidades e hábitos que po- do indivíduo (ROSARIO E DARIDO, 2005).
dem auxiliar futuramente na adoção de um estilo de vida Considerando a possibilidade de alcançar esses obje-
ativo fisicamente na idade adulta (GUEDES; GUEDES,1997, tivos o papel da EF ultrapassa o ensinar esporte, ginásti-
p.49). ca, dança jogos, atividades rítmicas, expressivas e conhe-
Para Chagas et.al (2012) o conteúdo deve ser articu- cimento sobre o corpo, em seus fundamentos e técnicas
lado com a vida pra que assim exista um real significado (dimensão procedimental), mas inclui também os seus va-
para aquilo que se aprende nas aulas. Deste modo, para lores subjacentes, ou seja, quais atitudes os alunos devem
facilitar a adesão dos alunos às práticas corporais, seria im- ter nas/para as atividades corporais (dimensão atitudinal) e
portante diversificar as vivências experimentadas nas aulas, também, busca garantir o direito do aluno de saber porque
para além dos esportes tradicionais (futebol, voleibol, han- ele está realizando este ou aquele movimento, isto é, quais
debol ou basquetebol). Castellani Filho (1993), ao se referir conceitos estão ligados àqueles procedimentos (dimensão
ao esporte como um conteúdo da EFE o considera “como conceitual) (DARIDO et al. 2001).
uma prática social, resultado de uma construção histórica Segundo Ferraz (1996) as dimensões dos conteúdos
que, dada à significância com que marca a sua presença no podem ser entendidas da seguinte maneira:
mundo contemporâneo, caracteriza-se como um dos seus A dimensão procedimental diz respeito ao saber fa-
mais relevantes fenômenos sócio-culturais” (p.13), mas não zer (...). No que diz respeito à dimensão atitudinal, está se
o único. referindo a uma aprendizagem que implica na utilização
Lovisolo (1995) ainda argumenta, com base num am- do movimento como um meio para alcançar um fim, mas
plo levantamento de opinião, que a comunidade entende este fim não necessariamente se relaciona a uma melhora
EF na escola a partir justamente destes dois fenômenos so- na capacidade de se mover efetivamente. Neste sentido,
ciais: o esporte e a ginástica. Um resultado do seu trabalho, o movimento é um meio para o aluno aprender sobre seu
que chama atenção para as dificuldades de efetuar mudan- potencial e suas limitações (...).
ças de conteúdo, refere-se ao fato de que a maioria dos [A dimensão conceitual] (...) significa a aquisição de um
responsáveis pela escola (54%), não observam diferença corpo de conhecimentos objetivos, desde aspectos nutri-
entre EF e esporte; e apenas 12,8% dos alunos conseguem cionais até socioculturais como a violência no esporte ou
diferenciar as duas áreas. Do mesmo modo, Rangel; Betti o corpo como mercadoria no âmbito dos contratos espor-
(1995) observou que, na análise do discurso dos alunos de tivos (p.17).
EF do ensino fundamental, eles reclamam por conteúdos Sendo assim, mais do que ensinar a fazer, é importante
mais diversificados. que a EFE tenha como objetivo que os alunos obtenham
A inclusão e a possibilidade das vivências das ginásti- uma contextualização das informações como também
cas, dos jogos, das brincadeiras, das lutas, das danças pode aprendam a se relacionar com os colegas, reconhecendo
facilitar a adesão dos alunos na medida em que aumentam quais valores estão por trás de tais práticas. Deste modo,
as chances de uma possível identificação do mesmo com o não basta a esta ensinar aos alunos a técnica dos movi-
conteúdo proposto. É importante ressaltar também que a mentos, as habilidades básicas ou, mesmo, as capacidades

107
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
físicas, mas é preciso ir além, e ensinar o contexto em que na construção das aulas. Essa falta de participação do alu-
se apresentam as habilidades ensinadas, integrando o alu- no - não permitem que esse reflita sobre as atividades, que
no na esfera da sua cultura corporal do movimento. as questione; impossibilitando, assim, a formação de uma
No entanto, como nos alerta Betti (1994) não é propor consciência crítica, capaz de transferir essa reflexão e ques-
que a EFE se transforme num discurso sobre a cultura cor- tionamento das regras e do seu movimento corporal para
poral do movimento, mas uma ação pedagógica com ela. a realidade social, a qual se encontra inserido, buscando
O autor argumenta que a linguagem deve auxiliar o aluno transformá-la. Esses dados são preocupantes por que de-
a compreender o seu sentir corporal, o seu relacionar-se monstram que a EF tem sido, neste caso, incapaz de assu-
com os outros e com as instituições sociais de práticas cor- mir um papel de formação de um sujeito crítico e capaz de
porais. É indispensável evitar a inércia dos saberes, condu- refletir sobre as suas atividades.
zindo o aluno a adquirir uma posição na qual possa tornar Ao verificar os dados, estes apontam para uma „liber-
o conhecimento significativo para si e para a sociedade dade‟ dada ao aluno para praticar o que lhe satisfaz, que
(BARBOSA-RINALDI et al., 2009). a maioria aponta o conteúdo esporte como o mais utiliza-
Como em qualquer área do conhecimento, a EF pos- do e que foi descrito até, a falta de aplicação de conteú-
sui especificidades e acolhe a produção da cultura que se do durante as aulas, estamos próximos daquilo que seria
traduz em saberes e, mais especificamente, em conteúdos o produto de uma orientação a um ambiente competiti-
organizados de forma pedagógica na escola. vo ao considerar como finalidade única do esporte e das
A apresentação de um currículo, no qual esteja incluído atividades envolvidas em um programa de EF. Já a prática
um conjunto de princípios de sistematização, uma ordem esportiva orientada à aprendizagem relaciona-se com a
lógica de conteúdos diversificados e aprofundados, traria motivação de seus praticantes, elegendo a educação como
diversos benefícios aos professores e alunos nas aulas. Para um processo constante que visa o desenvolvimento indivi-
citar alguns: possibilidades de refletir sobre a própria prá- dual e também o comprometimento social dos envolvidos.
tica; facilitar a transferência de alunos de uma escola para Devemos salientar que cabe ao professor verificar, em
outra; melhor planejamento das atividades; implementa- cada uma das produções corporais e na diversidade de
ção de um maior número de conteúdos; melhores condi- produções da cultura corporal do movimento, que foram
ções de aprendizagem (ROSARIO E DARIDO, 2005). incorporadas pela EF os benefícios fisiológicos e psicológi-
Kunz (1994), entende que a elaboração de um pro- cos e suas possibilidades de utilização como instrumento
grama mínimo poderia resolver a “bagunça interna” de de comunicação, expressão, lazer e cultura , como objetos
nossa disciplina, um programa de conteúdos baseados na de ação e reflexão e, a partir daí formular suas propostas.
complexidade e com objetivos definidos para cada série Essa diversificação dos conteúdos possibilita ao aluno uma
de ensino. Esse programa traria opções para o professor diversidade de vivências que aumentam as chances de
que, por exemplo, implementar um mesmo conteúdo, com uma possível identificação com os conteúdos e propensão
a mesma complexidade. a prática de atividades física fora da escola e mesmo adulto
Darido (2001), a partir de outros autores, entende que adotando um estilo de vida ativo.
o conteúdo é uma seleção de formas ou saberes culturais, É nesse sentido que a EF, no contexto da escola, precisa
conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, ser constantemente pensada, sempre numa dinâmica que
valores, crenças, sentimentos, atitudes, interesses, modelos se traduza em mudanças e compromisso profissional para
de conduta, etc., cujo aprendizado e assimilação são funda- com a área. A aquisição dos conhecimentos considerados
mentais para o desenvolvimento da socialização adequada necessários tem na escola seu espaço clássico. É impres-
do aluno na escola. cindível que a reelaboração dos conhecimentos promova
A EFE como prática pedagógica deve ser baseada na a emancipação humana, que como mostra a pesquisa, de
dinâmica comunicativa, repleta de intencionalidades e va- fato nem sempre acontece.36
lores, na qual interagem o professor e o aluno e as possibi-
lidades da cultura corporal do movimento, por intermédio Objetivos e Características
de várias linguagens tendo assim uma ressignificação de A verdadeira preocupação e busca por educadores físi-
forma a assumir o seu papel como agente de transforma- cos hoje nas escolas é poder levar uma aula de educação fí-
ção do individuo. sica com qualidade, onde as práticas pedagógicas possam
Como foi constatado nesta pesquisa ainda existe um ser inseridas e praticadas por todos sem distinção.
distanciamento entre o que se espera da EF com uma pro- A ideia de muitos ainda fica na Educação Física das
posta pedagógica que aproxime o conjunto de práticas, quatro bolas: basquete, vôlei, futsal e handebol, ou das
cultura corporal do movimento, da realidade dos escolares. brincadeiras onde a maioria acha que brincar não leva nin-
Apesar deste se tratar de um conjunto de saberes diversi- guém a lugar algum. Mas quando lançamos um olhar para
ficado e riquíssimo, existe a possibilidade de transmiti-lo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que indicam
na escola, porém não é o que se observa na maioria das como objetivos do ensino fundamental que os alunos se-
aulas de EF. jam capazes de compreender a cidadania, adotar atitudes
Assim como pode se observar que não existe uma solidárias, cooperar, respeitar o outro e a si mesmo, ser um
preocupação em incluir os alunos no processo de plane-
jamento dos conteúdos, não há uma discussão sobre as 36 Fonte: www.fiepbulletin.net - Texto adaptado de Daniela
experiências passadas pelos alunos e não há participação Da Silva Lima/Kélvia Siqueira Silva/Max Oliveira Madeira

108
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
sujeito crítico, utilizar do diálogo, construir a noção de iden- dades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte,
tidade nacional e pessoal, valorizar o patrimônio brasileiro, da luta/arte marcial, da dança, nas perspectivas da preven-
posicionar-se contra qualquer discriminação, seja cultural, ção de problemas de agravo da saúde, da formação cultu-
de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras ca- ral, da educação e da reeducação motora, e oportunizem
racterísticas, contribuir para a melhoria do meio ambiente; ou venham a oportunizar a prática de atividades físicas,
buscar em si mesmo capacidades afetiva, física, cognitiva, recreativas e esportivas e ainda é fundamental na aprendi-
ética, estética, de interrelação pessoal e de inserção social, zagem de valores como: respeito, união, companheirismo
para agir no exercício da cidadania, valorizar hábitos sau- e comprometimento.
dáveis, cuidando do próprio corpo, para ter qualidade de Além do desenvolvimento corporal a Educação Física
vida, pensando em sua saúde e na saúde coletiva, utilizar tem a preocupação de conscientizar e prevenir os estudan-
as diferentes linguagens para se comunicar e expressar tes e sociedade em geral sobre os diversos problemas de
suas idéias, utilizar de diferentes fontes da tecnologia para saúde causados pelo sedentarismo, alimentação inadequa-
construir conhecimentos; questionar a realidade para criar da e a falta de higiene.
e resolver problemas de forma que a criatividade, a intui- Como já dizia Rui Barbosa “Não pretendemos for-
ção a análise crítica se faça presente em seus procedimen- mar atletas nem acrobatas, mas desenvolver no homem o
tos, ao olharmos por esse ângulo podemos perceber que a quanto do vigor físico essencial ao equilíbrio da vida hu-
Educação Física faz parte deste contexto, antigamente ela mana, a dignidade da espécie e a felicidade da alma”.
só era vista como atividade física, primeiramente, para a Quebrar as barreiras das dificuldades motoras é propi-
higiene no sentido de saúde, onde a preocupação eram ciar ao estudante a oportunidade de vivenciar o movimen-
as doenças, logo depois ficou voltada para o militarismo, to e a satisfação de realizá-lo.
onde o foco era para as aptidões físicas para servirem ao As preocupações da Educação Física, não estão somen-
serviço militar, ainda tivemos um grande tempo onde era te no desenvolvimento motor, mais sim nas habilidades
voltada para talentos esportivos na busca de atletas tanto sociais, que “diz respeito aos efeitos de um desempenho
para o futebol quanto para olimpíadas. social que articula pensamentos, sentimentos e ações em
Anos e anos a Educação Física foi voltada somente função de objetivos pessoais e de demandas da situação e
para a prática e nem fazia parte do currículo, pois as ou- da cultura, gerando consequências positivas para o indiví-
tras disciplinas eram teóricas ela era somente prática. Mas duo e para a sua relação com as pessoas”.38
através de estudos realizados por professores a fim de da- Atualmente a procura por uma melhora de qualidade
rem qualidade a essa disciplina e fazer com ela pertença ao de vida e de um corpo mais saudável, contribuiu para se
currículo e seja reconhecida pela ciência, hoje temos vários verificar, a importância do profissional de educação física,
nomes em pauta com livros fantásticos para respaldar e os na academia, no clube, no hospital e na escola.
PCNs da educação física que dão diretrizes para o nosso É importante, reconhecer o valor da educação física
trabalho. dentro da escola, principalmente, nos primeiros anos cru-
A escola transmite a cultura e a seleciona na pedago- ciais da vida de um sujeito, em que, a personalidade, o ca-
gia escolar, tendo assim um papel importante para educar ráter, a moral, o conhecimento do próprio corpo e este no
sobre a cultura corporal de movimento. A Educação Físi- contexto social, estão sendo construídos.
ca escolar contemporânea trabalha hoje com várias prá- Este estudo foi desenvolvido como tema de monogra-
ticas culturais e corporais, trazendo para dentro da escola fia do curso de pós-graduação em Psicopedagogia Institu-
a cultura inserida no seu próprio bairro, onde a dança, a cional e Clínica. E, a partir do momento que se constatou,
capoeira, as lutas as ginásticas de um modo geral fazem que a aprendizagem pode ser desenvolvida através das au-
parte desse currículo, podendo muitas crianças expressar las de educação física, verificamos que esta, tornou-se uma
seus talentos e curiosidades a respeito de várias práticas grande aliada ao estimular as potencialidades das crianças
culturais que não conhecem. Sendo assim o conteúdo pro- pela cultura corporal, buscando com isso, minimizar as difi-
gramado da Educação Física pela proposta pedagógica es- culdades de aprendizagem e o fracasso escolar.
colar trás benefício para a escola quando cuidadosamente Com base nos estudos de Vygotsky, Marta Kohl de Oli-
atende as necessidades de todos os alunos e se relaciona veira (2000), conseguiu definir bem o que o autor entende
com a cultura corporal de movimento, pois o corpo e a como aprendizagem:
prática expressa à sociedade que está inserida. Uma escola “É o processo pelo qual, o indivíduo adquire informa-
que pensa junto em que tipo de cidadão ela quer formar ções, habilidades, atitudes, valores, etc. a partir de seu con-
que tipo de construção ela almeja, trabalha na interdiscipli- tato com a realidade, o meio ambiente, as outras pessoas.
naridade onde a Educação Física pode contribuir junto das É um processo que se diferencia dos fatores inatos (a ca-
outras disciplinas para as dimensões afetivas, cognitivas, pacidade de digestão, por exemplo, que já nasce com o
psicossociais e socioculturais dos alunos. 37 indivíduo) e dos processos de maturação do organismo,
Enfim, a Educação Física é uma área de conhecimento, independentes da informação do ambiente ( a maturação
que tem como objeto de estudo e de aplicação o movi- sexual, por exemplo)”. (p.57)
mento humano, com foco nas diferentes formas e modali-

37  Fonte: www.webartigos.com – Texto adaptado de Marcia Rossi Maior-


chini Da Rocha 38  Texto adaptado de Francieli Cristina do Matto Limberger

109
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Já dizia Sara Pain (1992): ‘é com o corpo que se apren- Colocando a Educação Física, não como mera auxi-
de’ (p.22), então se pode acreditar que a educação física liar das outras disciplinas, e sim, como uma disciplina in-
tem grande responsabilidade para com o processo de dependente, mas, que possui um caráter transdisciplinar,
aprendizagem. Para melhor entendermos a autora, eis um utilizamos o brincar, como recurso pedagógico, ou seja,
exemplo: a criança pequena, cuja linguagem está sendo o conteúdo desta educação física escolar é composto de
desenvolvida, para ensinarmos noções como: em cima, brinquedos e brincadeiras.
embaixo, entre outros, utilizamos de um recurso corporal, Este estudo, não nega o gritante índice do fracasso es-
ou seja, fazemos um movimento com o braço apontando o colar no Brasil, no entanto, valoriza o país de misturas, de
lugar que desejamos. E para reafirmar o que disse a autora, diferenças culturais riquíssimas, onde o meio oferecido é
vejamos a citação de João Batista Freire (1989): “E o signi- de grande nível cultural.
ficado, nessa primeira fase da vida, depende, mais que em Obviamente, devem ser levados em conta, os proble-
qualquer outra, da ação corporal. Entre os sinais gráficos mas sociais - políticos - econômicos em que o país atra-
de uma língua escrita e o mundo concreto, existe um me- vessa, pois é comum encontrarmos professores, os quais
diador, às vezes esquecido, que é a ação corporal”. (p.20) muitas vezes, sem material adequado tentam ministrar so-
A aula de educação física aqui proposta tem como ca- zinhos, aulas para cinquenta (ou até mais) crianças.
racterística importante o brincar, já que este, costuma pro- Porém cabe-nos ressaltar com este trabalho, a verda-
porcionar momentos de alegria para a criança, os quais, deira potência que é a educação física no contexto escolar
poderão ser entendidos por ela como uma grande brinca- e as transformações pelas quais ela vem passando durante
deira, sendo este o bônus da educação física, porque, como os anos, pois seu histórico nos mostra, a sua veia militarista
afirma Vygotsky, o brinquedo coloca a criança em ação, ou e autoritária, porém, atualmente encontramos profissionais
seja, a criança interfere e é interferida diretamente durante que compreendem o seu aluno, como ser integral desen-
a atividade, e até mesmo o espaço físico por ser diferente volvendo uma educação física transformadora.
da sala de aula, onde cada criança senta individualmente Deseja-se com esse trabalho, confirmar a ideia de que
em sua carteira, no pátio, na quadra ou no ginásio, esta as diferenças são grandes parceiras da aprendizagem, e
solidão não acontece, pois, os trabalhos em grupos, com que as crianças com necessidades especiais tem capacida-
times, com os jogos, enfim, contribuem para a sociabiliza- de para aprender e se desenvolver, desde que sejam esti-
ção e o desenvolvimento da aprendizagem destas crianças. muladas suas potencialidades, respeitadas suas individuali-
Não conseguimos ver, portanto, após uma análise, o dades e até mesmo suas limitações, mas quem não as tem?
prazer como característica definidora do brinquedo, pois, É função do professor acreditar nas potencialidades
uma atividade onde haja a possibilidade de ‘perder’, acre- dos alunos ( mesmo que o biológico não esteja dentro dos
ditamos que não deva ser tão prazeroso assim, para aque- padrões esperados pela sociedade/escola, e sobre tudo,
le, cujo resultado da brincadeira for esse. O brinquedo tam- não entender este biológico como fator determinante para
bém cria uma zona de desenvolvimento proximal na crian- o desenvolvimento), evitar os rótulos, estimular, possibili-
ça, tendo enorme influência em seu desenvolvimento, pois, tando, mediando, intervindo, pois, não temos o direito de
ele provê uma situação de transição entre a ação da criança julgar quem é, ou não capaz de aprender algo. Cabe ao
com objetos concretos e suas ações com significados. professor (escola) acreditar mais e julgar menos...
Concordamos que o meio e os estímulos por ele exer- E por considerar, a educação física capaz de entender
cidos, são elementos responsáveis pelo desenvolvimento o sujeito no seu mais amplo significado, proponho que sua
da cultura e do aprendizado. Com base nos estudos de prática saia do ‘1, 2, 3, 4’, dos jogos com bola sem com-
Vygotsky, quanto mais aprendizagem maior o desenvol- promisso, passando a utilizar aulas que possam contribuir
vimento. Por isso, valorizamos a estimulação da Zona de diretamente com a aprendizagem para a vida e a para a
Desenvolvimento Proximal, que é a distância entre a Zona aprendizagem formal (sala de aula), seja trabalhando a
de Desenvolvimento Potencial ( é o nível de desenvolvi- coordenação motora fina, para que a criança segure me-
mento em que a criança necessita de ajuda para executar lhor o lápis, consequentemente, terá maior facilidade para
algo que ela ainda não consegue fazer sozinha) e a Zona de o desenvolvimento da escrita, seja com uma atividade
Desenvolvimento Real (é o nível de desenvolvimento onde onde a abstração seja trabalhada, ajudando numa melhor
a criança já consegue executar uma tarefa sozinha). internalização da matemática.
Propõe-se assim, valorizar a individualidade de cada Para melhor esclarecimento, eis um exemplo de modelo
criança no grupo, pois é através deste, que ela vai trocar de atividade para as aulas, com o enfoque aqui estudado:
ideias, lidar com as diferenças do outro, construir regras, Propõe-se uma atividade como a brincadeira de ama-
seu caráter e a forma de olhar o mundo. relinha, bastante conhecida na cultura popular infantil,
Este estudo vem mostrar que a educação física esco- além das regras já contidas na brincadeira, para se atin-
lar pode ser uma grande aliada para o desenvolvimento gir um nível melhor, a criança deverá responder a questão
da aprendizagem ( tanto a formal - sala de aula- quanto à proposta pelo professor, como por exemplo, como se se-
aprendizagem para vida e para o cotidiano). Mesmo que para a palavra ‘escola’ e a ela tenta executar a tarefa, se ela
haja uma dificuldade instalada no espaço escolar, ela pode não conseguir, pede ajuda de uma outra criança, e assim
ser uma atividade que irá contribuir e muito, para o tra- com a criatividade do professor e tendo como base o grau
tamento psicopedagógico (tratamento das dificuldades de de desenvolvimento das crianças, as questões vão sendo
aprendizagem) da criança. formuladas.

110
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Nesta atividade, que a ‘olho nu’, não passa de uma Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) classifica-
mera brincadeira, trabalhamos equilíbrio, lateralidade e a ram a Educação Física na área de linguagem, onde, propõe
coordenação motora, já que para se passar de um nível ao em seu vol., voltado para a Educação Física, possibilitar a
outro, passa-se pulando num pé só ou com os dois, entre- “ampliação da visão sobre a cultura corporal de movimen-
tanto, foram estimuladas também, a separação de sílabas to” (BRASIL, 1999), mas não trata de forma aprofundada
e a abstração (já que não escrevemos a palavra durante a dessas possibilidades o que demonstra uma ampla neces-
atividade), além da sociabilização no momento em que a sidade de discussão entre os profissionais da área.
criança não conseguiu sozinha executar a tarefa proposta Antes de voltar o foco para a Educação Física, é neces-
e alguém ( professor ou outra criança) fez a mediação, in- sário compreender a Linguagem como área que a contem-
terferindo no processo da aprendizagem. Houve portanto, pla enquanto disciplina e, seus objetivos para o educando.
a estimulação da zona de desenvolvimento proximal umas Segundo as orientações para a Escola Ciclada de Mato
das outras, inclusive a do professor, nesta tarefa todos Grosso, as disciplinas da área de linguagem buscam “igual-
aprenderam e todos ensinaram. mente capacitar o ser humano para o uso dialógico das
Enfim, a educação física pode contribuir para o desen- diferentes manifestações da linguagem, como forma de
volvimento da aprendizagem, como também, para mini- construir o sujeito, a realidade e as próprias linguagens.”
mizar e até mesmo evitar a instalação das dificuldades de (Mato Grosso, 2000).
aprendizagem, além de resgatar a autonomia e autoestima Essa citação nos remete a um universo de possibili-
dos alunos, principalmente das crianças portadoras de ne- dades para a construção dos conteúdos a serem desen-
cessidades especiais. volvidos em Educação Física como uma Linguagem, o que
Quanto a estas, os benefícios são muitos, pois qual- dificulta interação entre os professores da área. É mais
quer ganho físico, terá grande consequência para a apren- cômodo, mas também é necessário enxergar a Educação
dizagem e para o cotidiano destas crianças. Uma criança Física sob os princípios que a norteiam do que transformar
com síndrome de down, por exemplo, numa atividade com essas possibilidades em uma perspectiva didática contex-
bolas, arcos, cones, ou até mesmo um banco, onde ela pre- tualizada.
cisa correr, saltar, se arrastar, depender do amigo para a Há de se concordar que o tema proposto, apesar de
brincadeira ficar completa, certamente terá ganhado (os dirigir o foco para os conteúdos da Educação Física, essa
tais benefícios), pois esta criança tem propensão à obesi- reflexão nos remete a um leque de possibilidades que po-
dade, podendo lhe causar problemas cardíacos (se já não dem ser recortadas e redirecionadas de acordo com as ne-
os têm), e por ser uma atividade aeróbia, haverá a diminui- cessidades da pesquisa.
ção do percentual de gordura, diminuindo assim, os riscos Assim, a intenção deste estudo é identificar os conteú-
de problemas cardíacos, além de estimular o espírito de dos presentes nas aulas de Educação Física, sejam eles, re-
grupo e o companheirismo, já que um depende do outro comendados por um programa formal como PCNs ou das
para a realização da brincadeira. Além de tudo isso, há um secretarias de educação ou aprendidos durante a vida aca-
ganho de tônus muscular, diminuindo a hipotonia que esta dêmica e profissional, provocar desestabilizações a cerca
criança tem, ajudando-a nas suas atividades do dia-a-dia e realidade pedagógica da Educação Física na escola, mobili-
em sala de aula. ze os profissionais em questão para ampla necessidade de
Um autista, que no seu dia-a-dia, tem um comporta- discussão e reflexão a cerca das linguagens pertinentes a
mento de isolamento social , nas aulas brincadas é muito Educação Física, num contexto pós-moderno.
fácil testemunhar, esta criança se permitindo tocar no ou- Para atender a sociedade de um tempo “pós-moder-
tro e ser tocada por ele, além de aceitar melhor as mudan- no”, interpretada assim por teóricos que advogam uma
ças e inovações que ocorrem durante as aulas. “sociologia compreensiva”. Citando alguns: Michel Maf-
Para isso, o professor de educação física deverá buscar fesoli (1987), Gilles Lipovetski (1998) e Zygmunt Bauman
através de um referencial teórico, da criatividade e do de- (2007). Todos esses teóricos em suas obras acham um jeito
sejo, possibilitar uma atividade física, a qual entenda que para falar desse “corpo” pós-moderno que se livrou das
neste corpo ‘está contido’ registros da sua história, um su- amarras ideológicas do moralismo que orientavam o mun-
jeito que sofre, que ri, sonha, tem medos, dificuldades, po- do moderno.
tencialidades, segundo Jean-Yves Leloup (2000):” Quando
você toca alguém, nunca toca só um corpo”.(p.26)39 Um Pouco de História
A história da Educação Física escolar brasileira nos leva
Conteúdos ao séc. XIX, passando por um processo histórico natural
A Lei de diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), de modificação até o contexto atual. Sua inclusão oficial
no Título V, Capítulo II, Seção I, Art. 26, § 3º apresenta a se deu no ano de 1851, com a reforma Couto Ferraz. Três
Educação Física como componente curricular obrigatório anos depois, a ginástica tornou-se obrigatória no ginásio
da Educação Básica. Há de ser compreendida, então, como e a dança no secundário. Em 1882, recomendou-se, atra-
uma disciplina escolar com conteúdos específicos. vés da reforma realizada por Rui Barbosa, que a ginástica
fosse obrigatória para “meninos e meninas”, aparecendo
com maior frequência através das reformas educacionais
dos estados da federação depois de 1920, com este mes-
39  Fonte: www.cev.org.br – Texto adaptado de Andréa de Melo Lima mo nome, Ginástica.

111
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
Darrido (1999) comenta que nos anos 30 observou-se ca que atenda as necessidades de um corpo pós-moderno?
uma preocupação central com os hábitos de higiene e saú- É nesse cenário de questionamentos que a reflexão a cerca
de, utilizando o exercício como forma de desenvolvimento do tema se instala.
físico e moral. Esse viés estabelece que é necessário exerci-
tar o corpo para mantê-lo asséptico de moléstias, tomando O Que se Ensina nas Aulas de Educação Física
o exercício físico como curativo. Supõe-se que as Secretarias Municipais e Estaduais
Com a influência da Escola Nova, contaminada pelas possuam dentro de seu projeto de Educação, um roteiro de
ideias de Dewey (1936), a constituição de 1946 caracteri- orientação aos professores das inúmeras áreas de conheci-
za uma escola democrática e utilitária, refletindo no dis- mento que se fazem presente na seleção dos conteúdos e
curso de que “A Educação Física é um meio da Educação” na organização de suas aulas.
e uma forma de promover a chamada Educação Integral. Segundo Vago e Cachorro (2003), a Educação Física
Esse paradigma de Educação assemelha-se em um certo disputa um lugar, no complexo meio escolar, entre os de-
sentido às ideias, a fortiori, com aquilo que Paula Carvalho mais componentes curriculares. É necessário compreender
chama em 1990 de Paradigma Holonômico de Educação. a escola como um espaço-tempo de disputas acerca da le-
Salvo outros juízos, não dá para enxergar um corpo e edu- gitimidade dos diferentes conteúdos culturais, que podem
cá-lo, ou civilizá-lo por seu lado físico, psíquico, social. Essa figurar nos currículos. Isso reafirma a possibilidade de se
multiplicidade de percepções é que faz o indivíduo ser um tomar a Educação Física como componente curricular, uma
inteiro indiviso quanto ao processo de sua Educação. Seja cultura corporal, dentro da cultura escolar, permitindo-nos
de qual tribuna for holos em grego quer dizer literalmente, olhar para os conteúdos que compõem essa cultura.
inteiro, o indivíduo indiviso. Assim, pela autonomia dos professores em construir os
Na década de 70, mais uma influência direcionou a componentes da suas aulas, para identificar esses conteú-
Educação Física, dessa vez o militarismo, impregnando um dos é necessário recorrer aos seus autores. A pesquisa es-
caráter nacionalista e promovendo a ascendência do es- colheu aleatoriamente oito professores da Educação Básica
porte. Através de um do Decreto nº 69.450 de 1971, a Edu- que atuam nas diferentes redes de ensino no município
cação Física passou a ser considerada como “atividade que, de Cuiabá. A entrevista semi-estruturada teve como eixo
por seus meios, processos e técnicas, desenvolve e aprimo- central uma única pergunta: O que você ensina nas aulas
ra forças físicas, morais, psíquicas e sociais do educando” de Educação Física? Pergunta que sugere a busca do con-
(BRASIL, 1998). A partir desse Decreto, a aptidão física pas- teúdo como base objetiva do processo de ensino aprendi-
sou a ser o foco, e a iniciação esportiva se tornou um eixo zagem, incluindo o grupo de conhecimentos trabalhados
fundamental, a partir da Quinta Série. O esporte passa a pelos diferentes métodos de transmissão e viabilização.
ser considerado o objetivo e o conteúdo nesta época, nas Segundo Libâneo (1994), e outros, conteúdos de ensi-
aulas de Educação Física. no são o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábitos,
Se cada época vive sua ascensão e seu crepúsculo, em modos valorativos e atitudinais de atuação social, organi-
se considerando a sua matriz mental ou sua ideologia ob- zados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a as-
sessiva, em oposição a esta vertente mais tecnicista, sur- similação ativa e aplicação pelos alunos na sua prática de
gem novas proposições na Educação Física escolar, no final vida.
da década de 70, inspirados no momento histórico social Baseado em Coll (2000), a classificação dos conteúdos
pelo qual passou o país, nas novas tendências educacionais pode se dar em três dimensões respondendo as seguintes
e em questões específicas da Educação Física. As aborda- questões: O que se deve saber? (dimensão conceitual) O
gens que tiveram maior respaldo e que trouxeram outros que se deve saber fazer? (dimensão procedimental) O que
rótulos foram a psicomotora, a construtivista, a desenvolvi- se deve ser? (dimensão atitudinal)
mentista e a crítico-superadora. A análise reflexiva das entrevistas indicou uma realida-
Não vamos nos aprofundar nas concepções de cada de comum, porém negada. “Comum” no sentido de que as
abordagem, basta-nos por hora saber que todas surgiram realidades são muito parecidas. “Realidade negada” signifi-
em contraposição a um modelo tecnicista, pensando a ca que apesar dos direcionamentos e reflexões produzidos
Educação Física de forma mais abrangente, ou seja, mais em Educação Física, as concepções ultrapassadas e de pou-
livre desse modelo de corpo heroico. É bom lembrar que ca consistência teórica ainda são recorrentes, estabelecen-
a expressão tecnicista foi assim entendida como uma prá- do um contexto de contradições.
tica de Educação Física prioritariamente preocupada com As diferentes culturas de Educação Física que se esta-
a precisão dos gestos e movimentos, em outras palavras, belecem no ambiente escolar surgem na voz de seus au-
com a intenção técnica desses gestos. tores com um esforço de compreensão das decisões e das
Atualmente, as pesquisas e reflexões teóricas têm lógicas com as quais operam os professores que vivem nos
transformado essas concepções em propostas pedagó- cotidianos escolares.
gicas, e mesmo assim encontram-se nas escolas, práticas As primeiras respostas analisadas foram as que indica-
pedagógicas “ultrapassadas” e desprovidas de uma funda- ram essa falta de conhecimento substanciado das orienta-
mentação teórica consistente, de um discurso que qualifi- ções existentes para organização das aulas, demonstran-
que a sua pedagogia. Como qualificar essa prática? Como do uma ausência de conteúdos que se estabelecem pelo
assegurar que esse procedimento habitual de nossos pro- confronto de experiências do professor, como podemos
fessores vai imprimir uma prática salutar de Educação Físi- observar:

112
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
“- No meu plano de aula especifico várias atividades e da 7ª em diante já trabalho mais diretamente jogos re-
e modalidades diferentes, mas pelo fato de serem poucas creativos onde predomina na categoria feminina e mascu-
aulas, e possuir pouco tempo, prefiro dar opção de escolha lina a queimada e o futsal.”
a eles, sendo quais forem, mas, geralmente eles tendem ao Dos dados adquiridos por meio das entrevistas, apenas
futsal (meninos) e ao vôlei (meninas).” (R.O.B./M – 32 anos) um apresentou uma diversidade maior de conteúdos con-
“- Bom, eu tento passar o que sei, mas muitas vezes não dizentes com uma orientação formal, mais precisamente
posso tudo pois é muito difícil controlar toda aquela crian- de acordo com os conteúdos sugeridos pelos PCNs, que
çada que ficam a todo momento pedindo a bola para jogar sugerem uma ampliação da cultura corporal de movimen-
futebol, e quando consigo passar o motivo da educação físi- to.
ca eles não entendem ou por incompetência minha ou por “- Jogos recreativos, Jogos cooperativos, Jogos com-
não verem mesmo a finalidade daquele exercício.” (M.A.U./M petitivos Jogos sociais, dama, dominó, xadrez. Esportes,
– 42 anos) futsal, Voleibol, Basquetebol, handbol, Ginástica, alonga-
Mais uma situação que se sobressai é a presença do mentos, rolamentos. Dança, expressão corporal e rítmicas,
esporte como conteúdo único da Educação Física Esco- movimentos de luta, capoeira, karatê, Judô.” (I.V.A./F- 34
lar, via de regra, acrescentado às aulas a partir da 5ª Série. anos)
Como uma herança do militarismo que insiste em perdurar. Não foi ambição desta pesquisa fazer um enquadra-
Segundo o Coletivo de Autores (1992), a frase mais co- mento avaliativo desta ou daquela prática. Com efeito, não
nhecida da época em que esse sistema vigorava era “Es- se pode mais pensar uma prática pedagógica em Educação
porte é saúde”, em referência ao domínio desse fenômeno Física ou em qualquer área de conhecimento descontex-
sobre a Educação Física, foi o “esporte na escola” e não o tualizada, principalmente em se tratando de uma cultura
“esporte da escola”, com um fim em si mesmo. educacional, mais especificamente uma cultura corporal,
Os trechos transcritos a seguir revelam essa tendência há de se pensar na diversidade e no aprofundamento dos
nos conteúdos e apresenta o esporte como o dono das conteúdos que se propõem a marcar essa cultura.
aulas de Educação Física: Repensar a Educação Física, mais especificamente,
“- Fundamentos de modalidades esportivas e a discipli- seus conteúdos, é uma prática que se faz necessário todos
na no jogo, brincadeiras e regras.” M.A.R./M – 36 anos) os dias, a fim de atender não só essa era que se anuncia
“pós-moderna”, como identificada anteriormente à cunha
“ - O que ensino é dentro da realidade da escola, exercí-
de Michel Maffesoli (1987); à metáfora de “Vida Líquida”,
cios lúdicos, com ênfase nas atividades voltadas ao espor-
de Zygmunt Bauman (2007), quando tudo acontece muito
te.” (A.N.T./M – 37 anos)
rápido e mal dá tempo de manter a forma e, ainda, àquilo
“ - Trabalho o conceito de coletividade, e trabalho em
que propõe Gilles Lipovetski (2007), uma “Hiper-Moderni-
equipe com os alunos de 4ª a 8ª séries, pois é importan-
dade”, regida por um “hiperconsumismo”, onde o corpo se
te para eles aprender a competir e saber perder. Já para os
ancora numa liberdade de ser o que quiser.
alunos do Ensino médio, damos uma aula mais dinâmicas,
Neste contexto não só da Educação Física escolar, mas
visando a interação entre os alunos com esportes coletivos,
de qualquer disciplina é exigido uma postura crítico-refle-
principalmente futsal.” (M.A.R./M – 43 anos) xiva frente aos paradigmas que extraem suas vocações.
“- Ensino fundamentos de modalidades por bimestre: 1º Em Educação Física especificamente, é preciso uma re-
bimestre futsal, 2º bimestre handebol, 3º bimestre vôlei e no -leitura do corpo, entrelaçada às outras áreas do conheci-
4º bimestre os alunos jogam todos os esportes vistos ante- mento para fazer parte desta civilização com todos os seus
riormente. Quando chove ou faz frio, ou a quadra está in- desafios, pensando a significância e as marcas de prazer
disponível realizo jogos recreativos, ex: queimada, ou então, que se adquirem nessas aulas.
jogos como xadrez, dama, pebolim, entre outros.” (G.E.R./M Faz-se pertinente nesse momento citar o filósofo Sil-
– 43 anos) vino Santin (2002) quando sugere o contexto atual como
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, em suas diretri- “momento novo da Educação Física”, apresentando seis
zes para a Educação Física, recomenda a compreensão da pontos desafiadores para a Educação Física escolar, assim
disciplina como uma “cultura corporal de movimento”, e o filósofo se anuncia:
como tal deve dar oportunidade a todos os alunos para “1) Pedagógico: que deve ser pensada como ação
que desenvolvam suas potencialidades, de forma demo- educativa para construir um ser humano, porque traz já a
crática e não seletiva. (BRASIL, 1998). palavra educação. Deve se comprometer com a ordem so-
Porém, também foi possível identificar registros de se- cial e que suas atividades tenham um caráter autotélico,
paração por gênero. Essa prática ainda habita as escolas um valor em si mesmas.
nos dias atuais. Parecem-nos que se tornam mais fáceis as 2) Antropológico: inspirada em Protágoras em sua
aulas, para os professores manter o controle. Meninos de máxima “o homem é a medida de todas as coisas”, esse de-
um lado jogando “futebol” ou “pelada” e meninas de outro safio enceta uma tarefa de compreender o homem como
pulando corda e/ou balançando arcos. indivíduo e como ser social, dentro de um projeto de de-
“- Trabalhos desenvolvidos: Nas 5ª e 6ª séries a minha senvolvimento.
preocupação é mais voltada para coordenação motora, 3) Epistemológico: como a educação física que ele-
que é muito fraca, onde procuro trabalhar com exercícios geu o movimento humano, deve encarar com seu status
de coordenação, jogos, saltos (corda, pulo em distância...), de ciência dois obstáculos. O primeiro é como classificar o

113
CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
movimento humano, físico ou humano? O segundo viaja a EXERCICIOS
bordo do esgotamento das ciências modernas. Que tipo de
ciência a educação física deve ser. Não deve ter física como 1. (CEPERJ/2015 – SEEDUC/RJ) De acordo com
ciência basilar, mas biologia molecular, para compreender Campos (2011), diversas tendências de educação física
esse ser vivo humano. escolar propõem metodologias de projetos como parte
4) Profissional: o fato mais marcante, mais recente da do planejamento a ser praticado no cotidiano da escola.
educação física é o seu reconhecimento enquanto profis- Tais metodologias implicam em ações cotidianas e de em-
são. O mercado de trabalho é a mola mestra da formação preendimento para serem eficazes. Entretanto, além dessas
profissional e toda profissão resulta da demanda social. ações, segundo o autor citado, torna-se necessário:
Como a educação física o que está em jogo é a própria A. Construir o planejamento a partir das decisões dos
vida, que ela garanta um serviço de qualidade. alunos e da comunidade local
5) Esportivo: poderia ser enfrentado de duas manei- B. Atuar subordinadamente com as leis educacionais e
ras. Uma revisão do esporte como atividade humana ― o com as necessidades das secretarias de educação
esporte deve estar a serviço da pessoa. Nunca se violentar, C. Planejar todas as aulas de acordo com o currículo
se agredir, se esgotar. Viver o seu eu e não para produzir que se aprende nas universidades e com as necessidades
mais. A segunda seria respeitar a corporeidade humana de do professor
cada pessoa na realização corporal e não na tabela de ín- D. Definir os projetos de acordo com parcerias empre-
dices. Cabe a educação física a responsabilidade de vencer sariais e com as regras da direção da escola
esse dualismo de vencedores/vencidos. E. Estar em consonância com o projeto pedagógico
6) Lúdico: esse é o desafio dos desafios ― cabe à edu- da escola e com as necessidades da comunidade escolar
cação física defender princípios que a ordem globalizada
científica e tecnológica ainda rejeita. A volta da brincadeira. 2. (CEPERJ/2015 – SEEDUC/RJ) Assis de Oliveira
Brincar significa oposição ao mundo dos adultos que pen- (2001) Afirma que o esporte traz consigo possibilidades
sa em lucro do negócio, do deus Argent. Valores como a de vivências contraditórias em que os pares dialéticos so-
ludicidade, o tempo livre, o corpo como experiência em si lidariedade/rivalidade, coletividade/individualidade, confi
mesmo, deve eliminar a metáfora da máquina, e amar a si ança/suspeita, entre outros, concorrem frequentemente
mesmo sem a ditadura dos modelos heroicos (grifo nosso), nas aulas de Educação Física. De acordo com o autor, para
deve ser a ordem da pauta da educação física”. que sua proposta de reinvenção e transformação do es-
Aceitar estes desafios é sinalizar a realização de aulas porte se efetive concretamente a partir do chão da escola
que produzam encontros mais significativos, para além dos é preciso que o professor de Educação Física empreenda
rótulos desta ou daquela abordagem. ações conscientes orientadas e movidas para:
Aliás, esta nova Educação Física põe em cena funda- A. A superação da sociedade capitalista
mentos filosóficos, antropológicos, biológicos, sociológi- B. A reforma da sociedade capitalista
cos, psicológicos, pedagógicos, não antes postos em cur- C. O combate à ameaça socialista
rículos do passado, que por sua vez, tentam enxergar um D. O desenvolvimento da indústria do entretenimento
“sujeito inteiro”, com seu “projeto corporal” de bem estar, e do esporte
de qualidade de vida, para ficar mais perto do mantra des- E. O aprimoramento do olimpismo
ses novos tempos que se dizem pós-modernos.
Assim, pensar a Educação Física, bem como pensar os 3. (FUNCAB/2010 - SEDUC-RO) A educação psico-
conteúdos que a preenchem, implica pensar um corpo que motora surgiu da necessidade de atender as crianças em
não é só movimento, mas exige dos envolvidos nesse pro- desenvolvimento, sendo seu objetivo direcionado para:
cesso um conhecimento transdiciplinar que componham a A. a ação social que se compromete com a formação
cultura corporal como indispensável na cultura educacio- de um indivíduo crítico e sensível à realidade que o envol-
nal. Priorizar este ou aquele conteúdo, supõe o parcela- ve.
mento dessa cultura corporal.40 B. a compreensão das respostas e adaptações fisioló-
gicas do corpo em movimento
Acesse o link a seguir e veja na íntegra o conteúdo dos C. as exigências políticas vigentes, adestrando os cor-
PCN no que se refere à disciplina de Educação Física: pos e preparando-os para o trabalho.
www.portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02. D. a melhoria da base esportiva do país, favorecendo
pdf o aparecimento de promessas olímpicas.
E. a maturação do sistema motor, psíquico e afetivo
da criança

40  Fonte: www.ie.ufmt.br – Texto adaptado de Luciane de


Almeida Gomes/ Larissa Beraldo Kawashima/ Cleomar Fer-
reira Gomes

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
4. (CESPE/2008 - Ministério do Esporte) Com rela- 6. (CESPE/2011 – SAEB/BA) Considerando que, para
ção aos aspectos históricos e aos diferentes significados do o movimento humano assumir o caráter de linguagem, ele
esporte como elemento da cultura corporal do movimento, não pode ser limitado a um fenômeno físico, devendo ser
julgue os itens a seguir. compreendido como um comportamento, uma postura,
O prazer do movimento corporal está associado ao uma presença e uma intencionalidade, assinale a opção
rendimento na realização de uma tarefa, desde que se correta.
tome como referência o próprio sujeito; assim, por exem- A. O uso do movimento em seu aspecto formal carac-
plo, quando um jovem atleta tem de alcançar um índice teriza a linguagem corporal.
de 6,00 m no salto em distância, o fato de ele melhorar a B. A ação de músculo, ossos e articulações, de forma
marca de 5,90 m para 5,95 m não pode ser considerado eficiente e estratégica, produz a linguagem corporal.
uma vitória. C. O conjunto de articulações e forças transforma o
( ) Certo movimento em uma linguagem corporal.
( ) Errado D. A reprodução de um movimento estereotipado ex-
prime a certeza da linguagem corporal.
5. (VUNESP/2014 - Prefeitura de São José dos
Campos/SP) Desde muito novas, crianças são influencia- 7. (Instituto Legatus/2014 - Prefeitura de Curra-
das pela cultura. Normalmente, os meninos jogam bola e linhos/PI) Sobre os benefícios que a atividade física traz
empinam pipas, e meninas se divertem brincando de casi- para o organismo, assinale a alternativa incorreta:
nha e com bonecas. A. O único efeito do treinamento de resistência é a
Nas aulas de Educação Física, muitas vezes o professor diminuição da frequência cardíaca de repouso, que quanto
se depara com situações semelhantes, em que os alunos mais baixa, melhor é a condição de funcionamento do sis-
querem praticar atividades com as quais já estão acostu- tema cardiovascular.
mados e querem realizá-las em grupos separados, meninos B. Um treinamento de força influencia não só na ma-
e meninas. nutenção e aumento da capacidade física e da capacidade
Para, por exemplo, trabalhar o tema do futebol com de suportar esforços, mas tem também efeitos preventivos
uma turma composta por meninos e meninas, de modo sobre doenças do aparelho locomotor.
que haja a participação de todos, o professor deve propor C. Exercícios de flexibilidade são importantes pois
A. jogos e torneios em que meninos e meninas jogam atuam na prevenção de lesões e melhoram a capacidade
separadamente, pois dessa maneira um grupo não atrapa- de realizar as atividades cotidianas.
lha o outro, já que as meninas não têm as mesmas habili- D. Capacidades de coordenação motora bem desen-
dades dos meninos. volvidas são fundamentais pois geram economia do traba-
B. atividades em que meninos e meninas participem lho muscular levando a uma realização técnica mais refina-
ao mesmo tempo, proponham adaptações de regras e ati- da nos movimentos das diferentes modalidades esportivas.
vidades de pesquisa para que as meninas conheçam mais E. A importância de um treino de resistência aeróbica
a respeito do esporte e rompam barreiras preestabelecidas está relacionada à manutenção e aumento da aptidão física
por gêneros. e prevenção de doenças degenerativas do sistema cardio-
C. que os alunos interessados em futebol se manifes- vascular.
tem, sugiram uma maneira de trabalhar esse esporte sem
discriminação por gênero ou nível de habilidade, e os que
não tiverem interessados terão que propor outra atividade.
D. atividades em sala de aula, tais como pesquisas e
discussões a respeito do esporte e seus diferentes tipos de
manifestações, evitando vivências práticas, pois os meni-
nos podem machucar as meninas dentro de quadra.
E. que os meninos vivenciem o esporte em sua pleni-
tude de regras e formato, mas trabalhando separadamente
das meninas que vivenciarão o esporte de maneira adapta-
da às suas habilidades e capacidades físicas.

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física
8. (FGV/2013 – SEDUC/SP) É de fundamental impor- GABARITO
tância que reconheçamos o corpo como algo alicerçado
pela e na cultura. Entretanto, este parece ser um grande 1. E
desafio, porque rompe de certa forma, com o olhar natu-
ralista sob o qual o corpo é entendido. (GOELLNER, 2003. 2. E
p. 28 – 29) 3. E
Neste sentido, as alternativas a seguir corroboram
coma ideia apresentada no fragmento, à exceção de uma. 4. Errado
Assinale-a. 5. B
A. O corpo é uma construção na qual são conferidas 6. B
diferentes marcas em diferentes tempos, espaços, conjun-
turas econômicas e grupos sociais. 7. A
B. O corpo é universal e não susceptível a inúmeras 8. B
intervenções consoante o desenvolvimento científico e
tecnológico de cada cultura, bem como suas leis e seus 9. A
códigos morais. 10. D
C. Não são as semelhanças biológicas que o definem,
mas, fundamentalmente, os significados culturais e sociais
que a ele se atribuem.
D. O corpo é construído, também, pela linguagem,
que tem o poder de nomeá-lo, classificá-lo, definir-lhe nor-
malidades e anormalidades.
E. O corpo é provisório, mutável e mutante.

9. (NUCEPE/2015 - SEDUC-PI) Segundo Orlick


(1989), o objetivo principal dos jogos cooperativos é criar
oportunidades para aprendizado cooperativo e a interação
cooperativa prazerosa. Assinale a alternativa que NÃO faz
parte das características dos jogos cooperativos.
A. Os participantes tentarão se superar e superar os
outros.
B. Acabar com a pressão de vencer, de modo que a
atividade se torne relaxada.
C. Todos participam, tanto os mais fortes como os
mais fracos, fazendo com que desapareçam o medo do
fracasso e a baixa autoestima.
D. O jogo é mais vivido como atividade conjunta e não
individualizada, potencializando a solidariedade.
E. Todos terão o papel e sua tarefa, assim, todos serão
protagonistas.

10. (VUNESP/2015 - Prefeitura de Suzano/SP) O la-


zer é um tipo de cultura que as pessoas vivenciam em seu
tempo disponível e também é um tema tratado nas aulas
de Educação Física escolar.
Seja dentro ou fora da escola, é correto afirmar que o
profissional de Educação Física está apto a levar as pessoas
a refletirem e a incluírem em suas vidas os v alores defen-
didos pelo lazer, que são:
A. desenvolvimento pessoal/social, competição
B. individualismo, desenvolvimento físico-esportivo
C. competição, cooperação, superação, individualis-
mo.
D. descanso, desenvolvimento pessoal/social, diverti-
mento
E. descanso, produtividade, desenvolvimento de ati-
vidade política

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física

ANOTAÇÕES

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CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS
Educação Física

ANOTAÇÕES

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