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O NÃO LUGAR DO MASCULINO: UMA PERSPECTIVA FEMINISTA

INTERSECCIONAL SOBRE A NECESSIDADE DA RESSIGNIFICAÇÃO


DO SUJEITO.
Diana Alves Chagas
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) - Campus de Salvador
dchagas1980@gmail.com

Resumo: Na última década, muito tem-se teorizado sobre o homem cisgênero e seus comportamentos,
tangíveis em diversas esferas sociais. A partir das demandas atuais, corroboradas pelo abalo do
patriarcado, surge um novo modelo social de homem, que apesar de corresponder parcialmente a essas
exigências, não se reconstrói ideologicamente como poder hegemônico –, o que aloca a masculinidade
em um não-lugar. Diante dessa premissa, este artigo objetiva refletir sobre a necessidade de
ressignificar o sujeito, ao entender a complexidade da multiplicidade do ser, assumindo uma
identidade terrena como forma de libertação social, possibilitando a ocupação de um lugar de fala,
desconstruindo as masculinidades culturalmente impostas, minando as pequenas violências diárias
cometidas por descontroles comportamentais estimulados pelo aprisionamento das pulsões.
PALAVRAS-CHAVE: Masculinidade, homem, cisgênero, fala, sujeito.

INTRODUÇÃO filosóficos, de Morin (1996), psicanalíticos,


de Freud, e como reflete culturalmente nas
Este artigo tem como objetivo abordar sociedades patriarcais, também alicerçados
conceitos e discussões relacionadas à uma em estudos antropológicos, de Bourdieu. A
masculinidade culturalmente estabelecida, e seção 2, O não lugar da cisnormatividade
suas implicações ao homem cisgênero1, bem masculina, faz uma exposição analítica dos
como a construção de suas subjetividades, comportamentos sociais do homem cisgênero
que o enreda num processo de apagamento contemporâneo, a partir de uma nova
das individualidades em detrimento às masculinidade, que o impulsiona a um não
expectativas sociais de comportamentos pertencimento, a partir das autoras Nader e
qualificados como aceitáveis, discutidos em Caminotti (2011), do conceito de não lugar,
quatro seções, a incluir as conclusões. de Augé (1994), apresentando como relevante
A seção 1, Sujeito e indivíduo, para essa discussão a parte negativa da sua
apresenta convergência entre sujeito e dicotomia, assim como a supressão ou
indivíduo, bem como as reflexões acerca da anulação da liberdade de subjetivação do
sua interdependência com o contexto e suas homem masculino, reiterado por Almeida. A
relações, formação das subjetividades e seção 3, Ressignificação do sujeito, implica a
significação, baseados em conceitos importância de desvincular a os
comportamentos masculinos culturais
1 Cisgênero consiste na concordância do sexo
biológico com a identificação total deste indivíduo com subjugados aos gêneros, pela perspectiva da
as características atribuídas a este gênero, a partir do
ponto de vista histórico-sócio-cultural, responsável por condição humana de ser planetário, que
ditar o padrão normativo do masculino e feminino.
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requer a integração de suas partes 1 SUJEITO E INDIVÍDUO
constituintes em prol de uma diversidade
humana e cultural, pela filosofia de Morin Os conceitos de sujeito e indivíduo
(1996). Às conclusões encarregam-se de uma são flexíveis por diferentes prismas. Para a
breve retrospectiva das reflexões dantes análise desse trabalho, levaremos em
citadas, frente às demandas da completude do consideração a perspectiva filosófica de
homem como ser complexo, bem como os Edgar Morin (1996), que muito contribuiu
possíveis resultados da reconfiguração do para a compreensão do sujeito autônomo,
sujeito social. como constituinte do indivíduo, enquanto ser
Esses pilares convergentes denotam a complexo, de modo que apresenta um
necessidade analítica que toma como objeto o humano compreendido e percebido pela
homem masculino, correspondente à utopia integração de suas partes, que podem ser
social padronizada, a qual ergue-se a atender analisadas desfragmentadas, todavia sem
as expectativas de um patriarcado fragilizado, perder de vista a sua totalidade.
que tenta manter o seu poder diante das Para tanto, considera-se a autonomia
conquistas feministas dos últimos quarenta como reflexo da dependência do ser com seu
anos. Apesar das inegáveis transformações ao contexto histórico-espacial, preterindo o
longo desse tempo, a reestrutura social conceito de autonomia ligado à liberdade,
impulsionada pelos feminismos não deu conta utilizando-se da biologia, enquanto ciência,
de apagar a cultura de violência contra as refletindo sobre um “relógio” interno inerente
minorias, aqui sendo relevante as de gênero, a todo ser animado, que nos liga de forma
priorizando as mulheres, mas não sendo energética, informativa e organizativa,
excludente a Lésbicas, Gays, Bissexuais, favorecendo a autonomia de cada ser no
Travestis, Transexuais ou Transgêneros mundo exterior (1996, p. 47). Todavia,
(LGBT). O entendimento dos mecanismos de conforme tal pensamento, a autonomia não
sustentação das máscaras que os homens seria somente a capacidade de livre escolha,
vestem trazem à luz as causas que motivam as mas a capacidade de estar em conformidade
violências veladas inconscientes, com a organização do meio ambiente,
majoritariamente difíceis de serem percebidas interessante para este trabalho ao
e tipificadas como tal, permitem um ponto de reducionismo de meio, um sujeito autônomo
partida para o declínio desses casos no mundo, capaz de se perceber no todo
particulares que não entram nas estatísticas de complexo em que está inserido com perfeição.
crimes contra as mulheres, mas podem Nesse sentido, indivíduo é um produto
configurar-se como seus gatilhos. de organização biológica, emocional,
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psicológica, cultural e social que ao integrar dificilmente atravessáveis, por vestirem os
as suas partes, nos forma homens e mulheres comportamentos maquiados como estruturas
produtos de interações sociais. Portanto, não é concretas e inflexíveis. Logo, as
possível compreender o homem içado de seus masculinidades estabelecidas pela vinculação
contextos sociais, reiterando a necessidade de de genericidade tendem a empurrar o homem
analisá-lo pela perspectiva da psicologia cisnormativo a atuações do sujeito, que não
social. favorece um lugar de fala que possibilite um
Ao teorizar criticamente sobre a força seu avanço sociocultural representativo.
simbólica que sustenta as sociedades Quando as mulheres, pela ação
patriarcais, Bourdieu (1990), a partir de política viabilizada pela práxis dos
conceitos-chaves como campo, espaço feminismos, ultrapassam os limites do
simbólico onde os confrontos privado, levam em consideração os reflexos
institucionalizam as representações, e sociais dos privilégios masculinos e seus
habitus, entendido como a capacidade dos malefícios – se para mulheres concretizados
sentimentos, dos pensamentos e das ações dos pelas estatísticas, para os homens pela
indivíduos de absorver e naturalizar, propõe anulação total ou parcial de demonstração de
uma análise de como a estrutura social afetividade e emoções –, impelem as
determinada pelos gêneros, erroneamente não instituições para uma mudança social de
estão desvinculados do sexo biológico. assumirem a responsabilidade de força
Se refletirmos sobre a dominação transformadora do poder simbólico do
masculina por um prisma simbólico, que patriarcado, que impossibilita as realizações
constitui-se como violência velada, já que não individuais, enquanto condição humana e
oportuniza, salvo exceções, que seja constitutiva das bases de coletividade.
percebida pelos indivíduos enquanto age Salienta-se, portanto, a necessidade de
como força de segregação de gênero, nas se desvincular a prática sexual dos papéis que
sociedades ocidentais, determinado pela socialmente homens e mulheres exercem. Se
sexualidade dos corpos, percebemos que as o termo gênero reforça as relações do caráter
representações padronizadas minam as masculino e feminino, os campos de atuação
subjetividades do ser, enquanto seres de homens e mulheres são definidos a partir
individuais; são, por conseguinte, dessas representações, que a sociedade atribui
determinantes sociais os significantes por convenções culturais arbitrárias e
estabelecidos culturalmente como “naturais”, historicamente plastificadas, quando observa-
que passam a exercer a função de mola se uma demanda urgente quanto à ideologia
mestra de um simulacro da realidade, de gênero: analisar a força simbólica dos
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rótulos que aprisionam a definição de gênero de deveres e exercício de direitos,
ao sexo biológico, utilizado como categoria constitucionalmente previstos.
imposta sobre um corpo sexuado, limitando Se o termo gênero reforça o caráter
as possibilidades de suas representações relacional entre masculino e feminino, os
sociais, tendo em vista que o ser humano é campos de atuação de cada sexo são definidos
complexo, que se compõe por outros por convenções culturais, sedimentados
elementos de ação, numa simbiose entre socialmente pelo comportamento que os
endógeno e exógeno, sendo impossível indivíduos exercem continuamente ao longo
atender às suas necessidades individuais e do tempo (NADER; CAMINOTI, 2002, p. 2),
coletivas a partir de um ponto de vista especificando o status quo de cada um. Por
cientificamente reducionista – a biologia. Por essa fragilidade construída, a mulher assume
essa premissa, não se pode restringir os o lugar que lhe compete – os espaços
gêneros à determinadas situações que privados –, enquanto aos homens,
enfatizar um sistema de relações, que podem representantes fiéis de uma masculinidade
incluir o sexo, mas não é determinado marcada pela virilidade e violência, são
diretamente por ele, muito menos reservados os espaços públicos; pressupondo-
determinante da sexualidade. se, portanto, que podem defender-se sozinhos,
o que lhes garantem o reconhecimento de
2 O NÃO-LUGAR DA uma superioridade social, pela qual são
CISNORMATIVIDADE MASCULINA educados. Se para os homens, a educação está
pautada em competências e habilidades
Em 1975, ainda submetido a uma profissionais, a mulher que deseja ser vista
condição binária, o conceito de gênero foi pela sociedade como profissionalmente
amplamente difundindo nos discursos competente, tende a negar o padrão de
feministas para referir-se à organização social feminilidade, que no ambiente de trabalho lhe
entre os sexos. Essas discussões objetivavam acarretaria problemas; assim, a mulher passa
rejeitar o determinismo biológico em favor da a assumir características que até então são
sedimentação do caráter social, distinguindo a reservadas aos homens.
prática sexual dos papéis atribuídos No entanto, masculinidade e
socialmente a homens e mulheres, que feminilidade são resultantes de algumas
concretizam as características individuais variáveis como educação familiar, as
como diferenças sociais, o que não deveria influências sofridas ao longo da vida, que
ser levado em consideração, tendo em vista as constituem um conjunto de características
premissas de todo cidadão – o cumprimento comportamentais típicas de homens e
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mulheres, que legitimam o poder dos desses masculinidade”. Logo, tripé comportamental
sobre estas em suas diversas relações, às da masculinidade, afetividade-sexualidade-
quais podemos lançar mão por conveniência trabalho, nega qualquer aproximação com a
das circunstâncias. Portanto, são os padrões expectativa da feminilidade, ressaltando que
pré-estabelecidos que garantem a aceitação no campo do trabalho essa aproximação não
social dos indivíduos, porém não podemos radicaliza com sua anulação. Esse
suprimir a dependência desses padrões a um reducionismo do homem à qualidade de
determinado tempo histórico e seu locus, e feminino, a partir das expectativas diante dos
que a própria identidade de gênero, sendo a padrões dos comportamentos esperados,
percepção do próprio indivíduo pertencente a como se essas categorias não apresentassem
um ou outro sexo, influência também de desdobramentos, resgata de forma negativa a
fatores externos, que nos leva a entendê-la associação entre sexo, sexualidade e gênero.
como uma falsa liberdade de escolha. Como o modelo de masculinidade
Ressalto aqui que este estudo não faz imposto segrega homens que não o
aprofundamento sobre a psicanálise, muito correspondem minimamente, esse homem
menos sobre Freud, mas neles encontramos feminizado é privado de prestígio público,
teorias pertinentes que empurram essas potencializado ainda pela inabilidade
reflexões para um campo menos fragilizado adquirida de expor medos e inseguranças,
que o senso comum, bem como nos aponta característica de feminilidade, preserva-se
um viés plausível de observação e análise dos pelo silêncio e apagamento de como se
comportamentos masculinos frente a cultura identifica, remtendo à teoria freudiana das
de um ideal de masculinidade. repressões, neste caso específico, repressão
A ideologia do patriarcado social.
veladamente impõe a cultura da É factível, desde o meado do século
masculinidade do homem cis marcada pela XX, uma crise da masculinidade motivada
pulsão sexual, atuação profissional e pelo crescimento dos movimentos feministas
distanciamento das afetividades, que reiteram, e consequentemente pelo aumento da
por invenção histórica, a superioridade do participação das mulheres na esfera
homem sobre a mulher e seus semelhantes, trabalhista, pela pluralidade de papéis sociais
estrategicamente como forma de manutenção e identidades de gênero, pela redefinição das
de poder, como reforça Almeida (1996. p. 2): funções de pai, a valorização do corpo e da
“O homem é socialmente cobrado e deve, o estética, e ainda manter um modelo
tempo todo, evitar posturas não-másculas e hegemônico masculino. Pode-se tomar como
também fornecer provas de sua pontos de análise para a sua existência e
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persistência a possibilidade da feminização do incontroláveis, impelindo o indivíduo à
masculino, que permite adequadamente exacerbação das emoções, socialmente
afirmar que não se pode mais tratar de inaceitáveis. Essa “falta de tato” em que o
masculinidade, mas de masculinidades, maior homem é educado funciona como uma
visibilidade social e economicamente ativa de “bolha” que o protege socialmente, mas o
homossexuais e bissexuais declarados e o fragiliza enquanto condição humana, ao ser-
aumento de drags, travestis e transexuais, lhe negada a sensibilização de lidar com seus
dentre outros, na constituição das próprios sentimentos e emoções, tornando-o
subjetividades masculinas, que podem gerar, incapaz de ler a si próprio, e, portanto, não o
ainda, um mal-estar social, mas que nos faz reconhecer um lugar de fala. Demonstrar
possibilitam questionar e refletir sobre o que é sentimentos enfraquece o ser social, que urge
ser homem e como ele se constitui. pela racionalidade e pelo ponderamento, a fim
A partir desse ponto, a sociedade passa de afastá-lo do universo construído como
estruturalmente a redefinir suas necessidades, feminino. Assim, se numa sociedade que
que perpassam por emergir um novo modelo impede que as subjetividades venham à tona,
de homem tradicional, redesenhado por novos o homem, ainda que se encaixe no padrão
comportamentos, que atendam às demandas cisnormativo de superioridade, não satisfaz
de amante, marido, pai presente, trabalhador e suas necessidades individuais, causando um
cidadão moral e ético, como uma “caução” sentimento de não pertencimento, alocando-o
para não abrir mão dos privilégios de poder portanto a um não lugar, considerado aqui
hegemônico. Nessa tecedura, as somente pelo caráter negativo da dicotômica
subjetividades são enfraquecidas, reprimindo conceituação de Marc Augé, como expõe
as pulsões incessantemente, articuladas Teresa Sá (2014, p.3): “[…] os “não lugares”
reorganizadas nas sociedades avançadas, transformam o mundo em um espetáculo
obedecendo a seu caráter historicamente [...]transformando-nos em espectadores de um
modificáveis. lugar profundamente codificado, do qual
Se por um lado, a repressão funciona ninguém faz verdadeiramente parte.”
como mecanismo de defesa que impede Assim, ao revelar-se socialmente
ações, comportamentos e pensamentos inseguro, impedido de falar por perceber-se
indesejáveis, que de alguma forma causariam sujeito castrado, o homem resigna-se às suas
desconforto; por outro lado, reprimir esses vozes silenciadas, eliminando um possível
impulsos a longo prazo, para não lidar com estado de conforto possibilitado pela teoria da
suas insatisfações, pode gerar um conversa, desvelado na psicanálise como
transbordamento das vontades, algumas vezes método catártico – quando o “sujeito
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consegue eliminar seus afetos patogênicos 2.1 O poder da fala
[…] revivendo os acontecimentos traumáticos Até final do século XIX, a psicologia
a eles ligados. A fala é o meio pelo qual estes tentava analisar os casos que a ela competia,
afetos são eliminados” (FOCHESATTO, de forma científico-estruturalista, pautada na
2011, p. 166). Por conseguinte, o silêncio observação e sistematização da ciência,
contínuo configura-se num acúmulo de mantendo o caráter imparcial e objetivo.
insatisfações e infelicidades individuais, Todavia, “nadando contra a corrente”, Freud
estimuladores potenciais de comportamentos apresenta um método estritamente psíquico,
de descontrole emocional, que não justificam, baseado no sujeito e em sua fala, portanto
mas nos levam a refletir sobre os quadros de subjetivo, centrado no eu e suas
agressões contra a mulher, acometidos por individualidades e vivências. Nesse momento,
homens dantes impensáveis violentos. Não os casos de histeria além de serem
queremos dizer aqui que qualquer homem observados, também são escutados, e, muitas
cisnormativo se enquadre em casos de vezes essas falas não faziam a priori nenhum
violência velada, mas é interessante refletir sentido para quem analisava, mas deixava
sobre o enredamento invisível que a cultura também a partir daí de ser julgado por um
tradicional tenta manter pelo enraizamento de prisma religioso, estanque, e passa a ser
olhares masculinos. analisado como casos particulares, levando
Para esse norte analítico, não tomemos Freud a abandonar completamente a teoria da
como objeto de observação as violências hipnose, entendendo que o método da fala,
masculinas praticadas de forma premeditada investigação mais valoroza. Por conseguinte,
nem as violências cotidianas que as mulheres os casos de histeria deixaram de ser tratados
estão expostas em ambiente doméstico, pois pela medicina, que normalmente privava o
essas ações não podem ser consideradas paciente do convívio, por entender que a
reações por excesso de repressão social. Os histeria revelava a falta de adaptação ao meio
homens contemplados nesse estudo são social, como nos expõe Fochesatto:
aqueles que obedecem a uma demanda social [...] pela primeira vez na história, é dado
à histérica o direito de usar a palavra e,
de enquadramento de padrão de apesar da impossibilidade de Freud
masculinidade ideal, que basificam as traduzi-la, esse discurso jamais foi
considerado coisa do diabo, como o era
tentativas de manutenção de um poder até então. É provável que, já nesse
hegemônico, em detrimento à equidade de momento, Freud estivesse escutando
para além da moralidade, criando a
direitos desvinculados dos sexos/gêneros. primeira forma de conhecimento que
tenha dado voz à loucura. A psicanálise
tenta, a todo instante, afastar-se da ideia

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de que o sofrimento psíquico resulta de alguma forma traz sofrimento, tristezas,
uma falta de adaptação ao meio,
rompendo, desde aí, com o paradigma
desconfortos, autorizando os sujeitos a se
médico. (p. 2, 2011) entenderem, ou pelo menos respeitar os
Freud entendia que ao oportunizar o próprios limites.
paciente falar, possibilitava que o sujeito Os estudos e discursos tangíveis aos
recordasse2 a força que impulsionava homens cisnormativos se fazem necessários,
determinados descontroles comportamentais. não somente por preservar suas
Assim, ao estar novamente de frente com os individualidades, mas urgente e
sentimentos, o fazia reagir à força que por ora emergencialmente por encontrar causas
o dominava, pela repressão de alguma palpáveis das violências, a fim de nortear
insatisfação extrema. Para Freud, quando essa caminhos que concretizem a diminuição
força é reprimida, produz sintomas, mas pela dessas práticas, convertidas, mesmo a longo
fala é revivido e concretizado pela reação, prazo, em mudanças positivas das estatísticas
chamado por ele e Breuer, de ab-re-ação3. ligadas a crimes contra a mulher e à
Acreditamos que o hábito de falar das comunidade LGBT. Para isso, demanda-se
angústias, dúvidas e insatisfações prepara as uma nova reestrutura social, incessantemente
pessoas para lidar com determinados ansiada pelas feministas e seus estudos, a qual
problemas diários, que a autoanálise dos pauta-se na criação de políticas públicas
discursos permite a partir da reflexão sobre voltadas à preservação dos direitos
nosso posicionamento no mundo, os motivos individuais que garantam a seguridade dos
que estimulam a ação de um ou outro modo, direitos de cidadania, por ressignificar o
possibilita a antecipação de possíveis reações sujeito social integrado à individualidade
a partir de situações hipotéticas que de humana.
2 Recordar deriva do latim. Junção do prefixo “re”
(“repetir”) e “cordis”, (“coração”). Assim, “recordar”
(“re-cordis”), tem o sentido de fazer passar novamente 3 RESSIGNIFICAÇÃO DO SUJEITO
pelo coração, pleno de significado, já que o coração
sempre foi tido como o órgão das emoções, de acordo
com a tradição literária e poética, em contraste com o
cérebro, órgão do pensamento e da racionalidade.
Por muito tempo teoriza-se sobre as
3 Ab-reação, termo introduzido por Sigmund Freud e
concepções de sujeito e sua formação, as suas
Josef Breuer em 1893, para definir um processo de
descarga emocional que, liberando o afeto ligado à subjetividades e suas nuances. Platão
lembrança de um trauma, anula seus efeitos
patogênicos. Uma melhor compreensão do termo pode preconiza quando associa a subjetividade ao
ser conseguida com esta definição filosófica: ab-reação
designa a expressão de afetos ou de impulsos, até então
conhecimento pela representação das coisas e
bloqueados por um mecanismo de defesa, e que se seus sentidos, logo sua constituição se dava
extravasam no comportamento, na emoção e na
palavra, habitualmente no decurso de um tratamento de fora para dentro, ou seja, a partir da
psicoterápico ou sob uma ação farmacodinâmica.
percepção das coisas e do mundo, que
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conferia uma autonomia ao sujeito, sem levar social, desperta uma outra concepção que nos
em consideração a diversidade dos olhares atende em parte para esse estudo: o sujeito
para o mesmo objeto, e que é uma das bases que não se perfaz individualmente, porém não
das sociedades capitalistas – a unificação dos se reduz a produto do meio. A subjetividade
sujeitos. Logo depois, Foucault e Kant negam social nos apresenta um sujeito que interfere
essa planificação e trazem à tona a no meio, e ao modificá-lo também se
multiplicidade do homem, que dialoga de transforma, o que nos faz repensar os fatores
diversas formas pelas variantes de espaço externos não acontecem somente fora do
situação comunicativa e interlocução, que sujeito, já que é representação concreta da
garantem ao homem, por suas percepção do ser sobre as coisas que o rodeia.
individualidades, comportar-se desse ou Ao entender a relação do homem com o meio
daquele modo. Ainda que essa concepção e as interações situacionais, podemos fazer
reitere o homem como produtor de cultura, um apanhado da constituição do ser para
não ultrapassou as barreiras do concreto, que Edgar Morin (2003), e que para esse trabalho
foram profundamente rachadas com as tem mais valia.
contribuições de Husserl ao ignorar as Para Morin, o homem não pode ser
influências das exterioridades na formação estudado de forma desfragmentada pelas
desse sujeito. Para o autor, a relação entre o diversas ciências; para compreendê-lo
sujeito e o meio está ligada à sua percepção significativamente não se pode desvinculá-lo
sobre o exterior, logo por um valor do todo, pois se apresenta como ser
representativo individual. complexo. O homem, para Morin, é uma
Freud e Lacan contribuíram intersecção de elementos internos e externos
significativamente para as definições do que não se coloca no mundo de forma
sujeito como produtor de cultura, mas se para fragmentada. As atuações sociais carregam as
o primeiro as subjetividades se dão a partir individualidades de cada um e essas
das oposições levantadas entre o consciente e peculiaridades vão refletir em percepções que
inconsciente, para o segundo o homem não se concretizarão nas ações cotidianas.
pode ser responsabilizado por suas vontades, Resgatar, portanto a condição humana
já que o sujeito lacaniano é uma adaptação do do ser humano é situá-lo no universo, que por
mundo exterior, pela linguagem, o que o faz sua vez implica reconhecer-se em
refém eterno das construções culturais, sem humanidade como resultado simbiótico de
poder de libertação dessas amarras. partes que convergem, interseccionam. Logo,
Ainda que essas concepções de sujeito não se pode perceber a complexidade de cada
não tratem estritamente do homem como ser ser pelo pensamento disjuntivo, que reduz o
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homem a uma porção universal de biológica e utilizar a racionalidade técnica para
organizar e justificar suas ações.
anatômica, e situar o homem no mundo por
suas multidimensionalidade e complexidade, Essa ideia retoma por outra

a fim de promover a necessidade de perspectiva o pensamento freudiano de que é


pertencimento de cada sujeito que atua, age e necessário conhecer e reconhecer as pulsões,
se faz pela cultura, demanda encaixar suas encontrando mecanismos de autodefesa para
partes constitutivas convergentes, pois para preservação da razão sobre as emoções.
simbiose perfeita uma não funciona sem a Antropologicamente, há uma

outra. interdependência entre indivíduo, sociedade e

Para entendimento de humanidade do espécie, pois pela cultura, os indivíduos se


ser, precisa-se entender as relações que se enxergam, se moldam e se reconhecem,
estabelecem, interna e externamente, no limitando as possibilidades de pensar os
humano. Essas relações se completam e comportamentos pelo sócio-interação da
complexificam por três tríades: cérebro- espécie, que por sua vez garantem a
mente-cultura; razão-afeto-pulsão4; consolidação da cultura. Por esse movimento
indivíduo-sociedade-espécie. Se para produzir cíclico, obediente a seu caráter inerentemente
cultura, pelas competências do cérebro, o político, o sujeito se reestrutura numa
homem age, percebe, sabe e aprende, a mente adaptação espacial e temporal, que faz com
humana é o resultado de como a cultura que seja integrado socialmente e em
modifica o seu próprio agente, o homem se contrapartida haja auto aceitação pelo olhar
apresenta em suas diversas esferas sociais de seus semelhantes. Quando a sociedade
pelo conflito harmônico entre emoção, razão impõe um padrão de masculinidade
e pulsão, que em comunhão dialogam entre cisnormativa, mina outras expressões
uma e outra prevalescência, como nos afirma subjetivas de caráter individual, impelindo o
Morin (2003, p. 48): indivíduo a um comportamento solitário, pois
A racionalidade não dispõe, portanto, de não se reconhece, emergindo um lugar
poder supremo. É uma instância
concorrente e antagônica às outras estrangeiro dentro do seu próprio território, o
instâncias de uma tríade inseparável e é que impossibilita, salvo casos ditos
frágil: pode ser dominada, submersa ou
mesma escravizada pela afetividade ou transgressões sociais, a libertação das amarras
pela pulsão. A pulsão homicida pode
servir-se de maravilhosa máquina lógica que promovam o seu pertencimento.
Partindo desses prismas, temos, por
4 Na psicanálise, a pulsão é a energia psíquica
profunda que direciona a ação até um fim, consequências o desrespeito a pluralidade de
descarregando-se ao consegui-lo. O conceito refere-se
a algo dinâmico que é influenciado pela experiência do
indivíduos e, portanto, o impulsionamento do
sujeito. Isto diferencia a pulsão do instinto, que é desrespeito às culturas que se apresentam na
congênito (herdado pela genética).
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cultura. Há um apagamento das liberdades percebidas e/ou relatadas em ambiente
individuais, que não permitem que em doméstico. Uma das possibilidades de sanar
nenhuma manifestação subjetiva, configurada essas ações, muitas vezes levadas pelo senso
verdadeiramente o despir das máscaras. comum a uma reação pontual e de
Quando trazemos à tona as violências desvalorização sócio comportamental, é
simbólicas que alguns homens cometem ressignificar o sujeito, a partir de seus valores
contra as mulheres e suas semelhantes éticos e morais, que estanquem os
minorias, podemos analisá-las pela aprisionamentos das individualidades dos
necessidade humana de libertar pulsões há homens, que historicamente são educados
muito, e incansavelmente aprisionadas. Por para suprimir qualquer demonstração de suas
isso, a necessidade extrema de permitir que os emoções e afetividades, sobrepondo às suas
sujeitos sociais possam se expressar a partir necessidades individuais um comportamento
de suas individualidades, e logo não podem maquiado por assegurar-lhe culturalmente
ser limitados por nenhuma expectativa por uma superioridade em suas relações, e em
sexo/gênero; a fim de minar, ainda que a contra partida anular ou suprimir
longo prazo, ações simbólicas violentas que demasiadamente suas liberdades de
não os fazem necessária e potencialmente expressão, impossibilitando portanto o
violentos. conflito entre razão e pulsão, condição sine
qua non para que qualquer indivíduo se
4 CONCLUSÕES apresente emocional e psicologicamente
saudável, ocasionando uma mudança real e
Necessitamos refletir sobre os consciente de comportamento.
comportamentos idealizados de
masculinidades, que submetem o homem REFERÊNCIAS
cisgênero a uma autoimposição em prol de
um padrão que lhe confira determinados AUGÉ, M. Não lugares: introdução a uma
antropologia da supermodernidade, trad.
privilégios, nunca mensurados por seus
PEREIRA, M. L., Papirus: Campinas, São
pontos negativos para seus próprios agentes, e Paulo, 1994.
os reflexos sociais que abarcam as situações BERTH, J. O que é empoderamento?. Belo
de violência sofrida pelas mulheres. As Horizonte-MG: Letramento/Justificando,
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implicações psicológicas e emocionais sobre
BEZERRA JUNIOR, B. C. Descentramento e
esse sujeito, estimulam atitudes sujeito: versões da revolução copernicana de
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da Psicanálise: Ensaios Pragmáticos. Rio
em vários contextos, mas comumente são
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de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p. 119- História da ANPUH-Rio: Saberes e
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