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DISCIPLINA: MÍDIA, IDENTIDADE E REPRESENTAÇÃO SOCIAL (PPGMC/UFF)

AULA 3: TEMÁTICA: A NOÇÃO DE PÚBLICO E PRIVADO DIANTE DA PÓS-MODERNIDADE

TEXTOS:

SENNETT, R. O Declínio do homem público: as tiranias da intimidade


São Paulo, Companhia das Letras: 1998 (Cap. 1 e cap. 11)

Sobre Richard Sennet: nascido em 1 de janeiro de 1943, em Chicago, é um sociólogo e historiador


norte-americano, professor da London School of Economics, do Massachusetts Institute of
Technology e da New York University. É também romancista e músico. Principais influências são
Foucault e Hannah Arendt.

Sobre a obra:
Originalmente publicado na década de 1970. Faz um percurso da sociedade urbana do século XVIII
ao mundo em que vivemos agora, incluindo o declínio da participação na vida política nas últimas
décadas, Estudo sobre o desequilíbrio da civilização moderna, Sennet nos oferece uma perspectiva
fascinante sobre a relação entre a vida pública e o culto ao indivíduo e ao individualismo.

Cap. 1: O Domínio Público

P.15 - Sennett resgata a época que o Império Romano entrou em decadência para começar a
falar do domínio público. Para ele, há como um paralelo entre a crise da sociedade Romana após a
morte de Augusto e a vida nos dias atuais, no que diz respeito ao equilíbrio entre a vida pública e a
vida privada.
À medida que findava a Época de Augusto, os romanos passaram a tratar a vida pública como
uma questão de obrigação formal, assim como nos dias de hoje, quando a vida pública também se
tornou questão de obrigação formal. Hoje, a maioria dos cidadãos aborda suas negociações com o
Estado com um espírito de aquiescência resignada, mas essa debilitação pública tem um alcance
muito mais amplo do que as transações políticas. Boas maneiras e intercâmbios rituais com
estranhos são considerados, na melhor das hipóteses, como formais e áridos, e, na pior, como
falsos. A própria pessoa estranha é uma figura ameaçadora, e muito poucos podem sentir um
grande prazer nesse mundo de estranhos, a cidade cosmopolita. Uma res publica representa, em
geral, aqueles vínculos de associação e compromisso público existentes entre as pessoas que não
estão unidas por laços de família ou associações íntimas: é o vínculo de uma multidão, de um povo,
de uma sociedade organizada. Como na época romana, a participação na res publica é hoje, na
maioria das vezes, uma questão de estar de acordo; e os fóruns para essa vida pública, como a
cidade e o estado, estão em estado de decadência.
P.16 - A diferença entre o passado romano e o presente moderno reside na alternativa, no
significado da privacidade, O romano privadamente buscava um outro princípio para contrapor ao
público, um princípio baseado na transcendência religiosa do mundo. Privadamente, buscamos não
tanto um princípio, mas uma reflexão, a saber, o que são nossas psiques, ou o que é autêntico em
nossos sentimentos. Temos tentado tornar o fato de estarmos em privacidade, a sós ou com a
família e amigos íntimos, como um fim em si mesmo.
P.17 - O advento da psicologia moderna e, em especial, da psicanálise, baseava-se na crença
de que, ao entender os procedimentos internos desse eu sui generis, desprovidos de idéias
transcendentes de mal ou de pecado, as pessoas poderiam libertar-se desses horrores e tornar-se
disponíveis para participarem, mais completa e racionalmente, de uma vida externa aos limites de
seus próprios desejos. Multidões de pessoas estão agora preocupadas, mais do que nunca, apenas
com as histórias de suas próprias vidas e com suas emoções particulares; esta preocupação tem
demonstrado ser mais uma armadilha do que uma libertação.
Como essa imaginação psicológica da vida tem conseqüências sociais amplas, Sennett a
chama por “Intimidade”.
P.18 - As sociedades ocidentais estão mudando a partir de algo semelhante a um estado
voltado para o outro para um tipo voltado para a interioridade – com a ressalva de que, em meio à
preocupação consigo mesmo, ninguém pode dizer o que há dentro. Como resultado, originou-se
uma confusão entre vida pública e vida íntima: as pessoas tratam em termos de sentimentos
pessoais os assuntos públicos, que somente poderiam ser adequadamente tratados por meio de
códigos de significação.
P.19 - Tenho tentado criar uma teoria da expressão em publico por meio de um processo de
interação entre história e teoria. As mudanças concretas do comportamento público, discurso,
vestuário e crença são usadas nesse livro como provas para elaboração de uma teoria sobre o que
seja a expressão na sociedade. Da mesma forma que a história sugere pistas para uma teoria, tentei
tomar como pistas as concepções abstratas obtidas como novas questões a serem formuladas ao
registro histórico.

P.19 - O amor fora do domínio público

P.19 - Nas últimas quatro gerações, o amor físico vem sendo redefinido, passando dos termos
do erotismo para os termos da sexualidade. O erotismo vitoriano envolvia relacionamentos sociais,
enquanto a sexualidade envolve a identidade pessoal. O erotismo significava que a expressão sexual
transpirava por meio de ações – de escolha, repressão, interação. A sexualidade não é uma ação,
mas um estado no qual o ato físico do amor decorre quase como uma conseqüência passiva, como
um resultado natural do sentimento de intimidade entre duas pessoas.
Sennett vai analisar alguns aspectos do amor nos dias de hoje: o narcisismo, as trocas de auto-
confissões, família buguesa.

P. 26 - Espaço Público Morto

A visão intimista é impulsionada na proporção em que o domínio público é abandonado, por


estar esvaziado. No mais físico dos níveis, o ambiente incita a pensar no domínio púbico como
desprovido de sentido. É o que acontece com a organização do espaço urbano. Arquitetos que
projetam arranha-céus e outros edifícios de grande porte e alta densidade se vêem forçados a
trabalhar com as idéias a respeito da vida pública, no seu estado atual, e de fato se incluem entre
os poucos profissionais que, por necessidade, expressam e tornam esses códigos manifestos para
outrem.
Sennett cita como exemplos de nova arquitetura os arranha-céus de Nova Iorque, como
paradoxo de isolamento em meio à visibilidade; assim como o Brunswick Centre, de Londres, e o
complexo de escritórios de La Defense, na extremidade oeste de Paris, onde mesmo paradoxo se
verifica e resulta na mesma área pública morta. Cita ainda os novos projetos de escritórios sem
paredes, que melhora o desempenho dos profissionais, pois quando as pessoas ficam durante todo
o dia expostas visualmente, é menos provável que haja lugar para conversinhas e mexericos e mais
provável que tenham uma atitude reservada. Quando todos estão se vigiando mutuamente, diminui
a sociabilidade e o silêncio é a única forma de proteção. Este tipo de projeto leva ao extremo o
paradoxo da visibilidade e do isolamento.
P.29 - O espaço público morto é uma das razões, e a mais concreta delas, pelas quais as
pessoas procurarão um terreno íntimo em que território alheio lhes é negado. O isolamento em
meio à visibilidade pública e a exagerada ênfase nas transações psicológicas se complementam. Na
medida em que alguém, por exemplo, sente que deve se proteger da vigilância dos outros no âmbito
público, por meio de um isolamento silencioso, compensa isso expondo-se para aqueles com quem
faz contato. A relação complementar existe então, pois são duas expressões de uma única e geral
transformação das relações sociais. Às vezes, penso nessa situação complementar em termos das
máscaras criadas para o eu pelas boas maneiras e pelos rituais de polidez. Essas máscaras deixaram
de ter importância em situações impessoais, ou parecem ser propriedade exclusiva dos esnobes;
em relacionamentos mais íntimos, parecem impedir que se conheça outra pessoa. E me pergunto
se esse desprezo pelas máscaras rituais da sociabilidade não nos tornou, na realidade, culturalmente
mais primitivos do que a mais simples tribo de caçadores e catadores.

P. 30 - As mudanças no domínio público

Sennett retoma a história das palavras “público” e “privado” a partir início do seu uso em
inglês e francês, demonstrando que há um paralelismo entre ambas, tanto no nível do significado
quanto na época em que surgiram. P.32 - “(...) “público” veio a significar uma vida que se passa fora
da vida da família e dos amigos íntimos; na região pública, grupos sociais complexos e díspares
teriam que entrar em contato inelutavelmente. E o centro dessa vida pública era a capital”.
P.35 - Os traumas do capitalismo do séc. XIX levaram aqueles que detinham tais meios a se
protegerem de todas as maneiras possíveis contra os choques de uma ordem econômica que nem
vitoriosos nem vítimas se entendiam. Gradualmente, a vontade de controlar e de moldar a ordem
pública foi se desgastando, e as pessoas passaram a enfatizar mais o aspecto de se protegerem
contra ela. A família se constituiu num desses escudos. Durante o séc. XIX, a família vai se revelando
cada vez menos o centro de uma região particular, não pública, e cada vez mais como um refúgio
idealizado, um mundo exclusivo, com um valor moral mais elevado do que o domínio público. A
família burguesa tornou-se idealizada com a vida onde a ordem e a autoridade eram incontestadas,
onde a segurança da existência material poderia ser concomitante ao verdadeiro amor marital e as
transações entre membros da família não suportariam inspeções externas. (...) A privacidade e a
estabilidade pareciam estar unidas na família; é em face dessa ordem ideal que a legitimidade da
ordem pública será posta em questão.
P.37 - Quando uma sociedade se dedica ao princípio de que as coisas têm significações nelas
próprias, faz desse modo penetrar um profundo elemento de dúvida sobre si mesma no seu aparato
cognitivo, pois qualquer exercício de discriminação poderá ser um equívoco. É assim que surge uma
das maiores e mais enriquecedoras contradições do séc. XIX: mesmo quando as pessoas queriam
fugir, fechar-se num domínio privado, moralmente superior, temiam que classificar arbitrariamente
sua experiência em, digamos, dimensões públicas e privadas poderia ser uma cegueira auto-
inflingida.

P.40 - O passado no presente

Em linguagem corrente, fala-se hoje em fazer algo “inconscientemente” ou cometer um


lapso “inconsciente” que revela a outrem os verdadeiros sentimentos. Não importa se este uso não
tenha sentido em qualquer acepção estritamente psicanalítica. O que ele revela é uma crença na
exposição involuntária da emoção, e essa crença tomou forma no século passado (XIX), na medida
em que o ato de atribuir pesos à vida pública e à vida privada tornou-se desequilibrado.
P.41 - (...) O resultado era que a linha divisória entre sentimento particular e demonstração
pública desse sentimento poderia ser apagada, e isso estava além do poder regulador da vontade.
A fronteira entre o público e o privado já não era obra de uma resoluta mão humana. Assim sendo,
mesmo quando a realidade separada do domínio público permanecia sendo crível, seu controle não
mais parecia ser um ato social. O que hoje é popular e erroneamente denominado comportamento
“inconsciente” era prenunciado por essas idéias de desvendamento involuntário da personalidade
em público.
P.43 - (...) Nessa sociedade a caminho de se tornar íntima – na qual a personalidade era
expressa para além do controle da vontade, o privado se sobrepunha ao público, a defesa contra a
leitura pelos outros era a retenção do sentimento – o comportamento em público foi alterado em
seus termos fundamentais. O silêncio em público se tornou o único modo pelo qual se poderia
experimentar a vida pública, especialmente a vida nas ruas, sem se sentir esmagado. Em meados
do séc. XIX, cresceu a noção de que estranhos não tinham o direito de falar, de que todo homem
possuía como um direito público um escudo invisível, um direito de ser deixado em paz. O
comportamento público era um problema de observação e de participação passiva, um certo tipo
de voyeurismo.
P.44 - (...) Falar do legado da crise da vida pública no séc. XIX é falar de grandes forças como
o capitalismo e o secularismo, de um lado, e destas quatro condições psicológicas, do outro:
desvendamento involuntário da personalidade, superposição do imaginário público e privado,
defesa através do retraimento e silêncio. As obsessões com a individualidade são tentativas para se
solucionar os enigmas do século passado (XIX) pela negação. A intimidade é uma tentativa de se
resolver o problema público negando que o problema público exista. Como acontece com toda a
negação, isso só serviu para entrincheirar mais firmemente os aspectos mais destrutivos do
passado. O séc. XIX ainda não terminou.

Cap. 11: O fim da cultura pública

P. 317 – A crença hoje predominante é que a aproximação entre pessoas é um bem moral. A
aspiração hoje predominante é de se desenvolver a personalidade individual através de experiências
de aproximação e de calor humano para com os outros. O mito hoje predominante é que os males
da sociedade podem ser todos entendidos como males da impessoalidade, da alienação e da frieza.
A soma desses três constitui uma ideologia da intimidade: relacionamentos sociais de qualquer tipo
são reais, críveis e autênticos, quanto mais próximos estiverem das preocupações interiores
psicológicas de cada pessoa. Esta ideologia transmuta categorias políticas em categorias
psicológicas. Essa ideologia da intimidade define o espírito humanitário de uma sociedade sem
deuses: o calor humano é o nosso deus. A história do surgimento e do declínio da cultura pública
faz com que, no mínimo, esse espírito humanitário seja posto em questão.
A crença na aproximação das pessoas como um bem moral é, em verdade, o produto de um
profundo deslocamento que o capitalismo e a credibilidade secular produziram no séc. XIX. Por
causa desse deslocamento, as pessoas procuraram encontrar significações pessoais em situações
impessoais, em objetos e nas próprias condições objetivas da sociedade.
P. 319 – Falar do fim da vida pública é primeiramente falar de uma conseqüência, extraída de
uma contradição na cultura do século passado. A personalidade empúblico era uma contradição em
termos: levada às últimas conseqüências, destruía o termo público. Por exemplo, tornara-se lógico,
para as pessoas, pensar que aqueles que poderiam ativamente expor suas emoções em público
fossem artistas, fossem políticos, eram homens de personalidade superior e especial. Tais homens
deveriam poder controlar, mais do que incluí-la em sua interação, a platéia diante da qual se
apresentavam. Gradualmente, a platéia perdeu o sentido de si mesma como força ativa: como
”público”. Uma vez mais, a personalidade em público destruía o público, tornando as pessoas
temerosas de traírem suas emoções involuntariamente diante dos outros. O resultado foi uma
tentativa cada vez maior de se retrair de todo o contato com os outros, de se proteger pelo silêncio,
até mesmo de parar de sentir a fim de não demonstrar sentimentos. O público ficou esvaziado das
pessoas que desejavam ser expressivas, quando os termos da expressão se deslocaram da
apresentação de uma máscara para a revelação da personalidade de alguém, do rosto de alguém,
atrás da máscara que esse alguém usa no mundo.
P. 320 - Falar do fim da vida pública é, em segundo lugar, falar de uma recusa. Recusamos ver
qualquer valor, qualquer dignidade, na repressão que o mundo vitoriano se impunha conforme a
confusão entre o comportamento público e a personalidade se tornava mais aguda. Tentamos ser
mais diretos, mais abertos e mais autênticos em nossas relações com os outros. Recusamos que
deva haver quaisquer barreiras de comunicação entre as pessoas. Esta idéia determinou a lógica de
toda a tecnologia de comunicação do séc. XX.
P. 321 - Os vitorianos lutaram contra a idéia do eu sem limites. (...) Nós apenas recusamos,
de várias maneiras, as limitações do eu. Mas recusar não é apagar: de fato, os problemas se tornam
ainda mais intratáveis, porque não estão mais sendo confrontados.

P. 323 – Eu definiria civilidade da seguinte maneira: é a atividade que protege as pessoas


umas das outras. Usar máscara é a essência da civilidade. As máscaras permitem a sociabilidade
pura, separada das circunstâncias do poder, do mal-estar e do sentimento privado daqueles que as
usam. A civilidade tem como objetivo a proteção dos outros contra serem sobrecarregados por
alguém. Se alguém fosse religioso e acreditasse que o impulso vital do homem é o mal, ou então se
alguém tomasse Freud a sério e acreditasse que o impulso vital do homem é uma guerra interior,
então, o mascaramento do eu, a libertação dos outros de serem apanhados pela carga interior de
alguém seriam um bem evidente. Mas mesmo que não se faça suposições a respeito, ou que não se
acredite em uma natureza inata, a cultura da personalidade que surge no século e meio que passou
daria à civilidade essa mesma seriedade e esse mesmo peso. (...) Num mundo sem rituais religiosos
nem crenças transcendentais, as máscaras não são pré-fabricadas. As máscaras precisam ser criadas
por ensaio e erro, por aqueles que as usarão, por intermédio de um desejo de viver com os outros,
mais do que pela compulsão de estar perto dos outros.
P. 324 – Falar de incivilidade é falar nos termos inversos. Ë o sobrecarregar os outros com o
eu de alguém. É um descenso de sociabilidade para com os outros criado por essa sobrecarga de
personalidade. Podemos facilmente ter em mente indivíduos que são incivilizados nesses termos:
são aqueles “amigos” que necessitam dos outros para entrarem dentro dos traumas diários de suas
próprias vidas, que dão pouca importância aos outros, a não ser como ouvidos onde derramarem
suas confissões.
(...) Uma, é o aparecimento da incivilidade na liderança política moderna, particularmente no
trabalho dos líderes carismáticos. O líder carismático moderno destrói qualquer distanciamento
entre os seus próprios sentimentos e impulsos e aqueles de sua platéia.
P. 325 – A segunda incivilidade que nos ocupará é a perversão da fraternidade na experiência
comunal moderna. Quanto mais estreito for o escopo de uma comunidade formada pela
personalidade coletiva, mais destrutiva se tornará a experiência do sentimento fraterno.
P. 344 – Os meios de comunicação aumentaram amplamente o estoque de conhecimentos
que os grupos sociais tinham uns dos outros, mas tornaram o contato efetivo desnecessário. O rádio
e mais especialmente a TV são aparelhos íntimos, principalmente se os assistimos em casa.
P. 346 – Para o espectador, o rádio e a tevê não permitem interrupção da platéia. Se se
começar a reagir enquanto o político estiver no ar, perde-se parte daquilo que ele dirá em seguida.
(...) Os meios de comunicação de massa intensificam os padrões de silêncio da multidão que
começaram a tomar forma nos teatros e salas de concerto do século passado, intensificando a idéia
do espectador destituído de corpo, uma testemunha passiva, que E.T.A. Hoffman observara nas ruas
da cidade.
P. 347 – O interesse compulsivo na personalidade daquele que se apresenta em público
cresceu no século XIX ...
P. 357 – Carisma é um ato de debilitação – eis em que se transforma, numa cultura secular, o
“Dom da Graça”. Na vida política, essas figuras carismáticas não são titãs nem demônios, nem os
reis antigos de Weber, nem o pai que subjuga os desejos irrefreados de seus filhos, como em Freud.
É o homenzinho que agora se tornou herói para os outros homenzinhos. É uma estrela;
caprichosamente embalado, sub-exposto e tão franco a respeito do que sente, ele governa um
domínio em que nada se transforma muito, até que se torne uma crise insolúvel.
P. 411- Um dos mais antigos usos da palavra “tirania” no pensamento político é sinônimo de
soberania. (..) Esse governo de uma multiplicidade de hábitos e de ações pela autoridade soberana
de uma fonte única não precisa ser originada por coerção brutal; pode igualmente surgir por
sedução, de tal modo que as pessoas queiram ser governadas por uma autoridade única que se
coloque acima delas todas. (...) Uma instituição pode dominar como uma fonte única de autoridade;
uma crença pode servir como padrão único para enfrentar a realidade.
P. 412 - A intimidade é uma tirania, na vida diária, dessa última espécie. Não é a criação
forçada. Mas o aparecimento de uma crença num padrão de verdade para se medir as
complexidades da realidade social. É a maneira de se enfrentar a sociedade em termos psicológicos.
(...) A intimidade é um terreno de visão e uma expectativa de relações humanas.
(...) Essa história é a história da erosão de um equilíbrio delicado que mantinha a sociedade
no primeiro jato de sua existência secular e capitalista. Era um equilíbrio entre a vida pública e a
vida privada, um equilíbrio entre um terreno impessoal em que os homens poderiam investir uma
outra espécie. (...) À medida que tanto a secularidade quanto o capitalismo adquiriram novas formas
no século passado, essa idéia de uma natureza transcedente perdeu gradativamente seu significado.
Os homens passaram a crer que eram eles. (...) Gradualmente, essa força perigosa, misteriosa, que
era o eu, passou a definir as relações sociais. Tornou-se um princípio social. Nesse ponto, o terreno
público de significação impessoal e de ação impessoal começou a diminuir.
A sociedade em que vivemos hoje está sobrecarregada de conseqüências dessa história: o
evanescimento da res publica pela crença de que as significações sociais são geradas pelos
sentimentos de seres humanos individuais. Essa transformação camuflou duas áreas da vida social.
Uma é âmbito do poder, a outra é o âmbito das aglomerações em que vivemos.
P. 414 – Estas duas tiranias da intimidade, essas duas denegações da realidade e do valor de
vida impessoal, têm um lado comum e oposto. A renovação da cidade, a rejeição das cadeias do
bairrismo – que foram forjados primeiramente no século XIX e que hoje em dia se tornaram um
credo -, é também a renovação de um princípio de comportamento político. A extensão em que as
pessoas podem aprender a perseguir agressivamente seus interesses em sociedade é a extensão
em que elas aprendem a agir de modo impessoal. A cidade deveria ser mestra nesse modo de agir,
o fórum no qual se torna significativo unir-se a outras pessoas sem a compulsão de conhecê-las
enquanto pessoas. Não creio que este seja um sonho inútil; a cidade serviu como foco para a vida
social ativa, para o conflito e o jogo de interesses, para a experiência das possibilidades humanas,
durante a maior parte da história do homem civilizado. Mas hoje em dia essa possibilidade civilizada
está adormecida.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª.ed. Rio de Janeiro, DP&A, 2006 [1992].
(Cap. 3 e cap. 4)
Sobre o autor: (Kingston, 3 de fevereiro de 1932 — Londres, 10 de fevereiro de 2014) foi um teórico
cultural e sociólogo jamaicano que viveu e atuou no Reino Unido a partir de 1951. Hall, juntamente
com Richard Hoggart e Raymond Williams, foi uma das figuras fundadoras da escola de pensamento
que hoje é conhecida como Estudos Culturais britânicos ou a escola Birmingham dos Estudos
Culturais. Ele foi presidente da Associação Britânica de Sociologia entre 1995 e 1997.

Sobre a obra: O homem da sociedade moderna tinha uma identidade bem definida e localizada no
mundo social e cultural. Mas uma mudança estrutural está fragmentando e deslocando as
identidades culturais de classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Se antes estas
identidades eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente, hoje
elas se encontram com fronteiras menos definidas que provocam no indivíduo uma crise de
identidade. O propósito deste livro é, portanto, explorar algumas das questões sobre a identidade
cultural da modernidade tardia e avaliar se existe mesmo essa "crise de identidade", em que ela
consiste e em que direção está indo. Ao desenvolver seus argumentos, Stuart Hall introduz certas
complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a noção de "descentração" do
sujeito, em sua forma mais simplificada, desconsidera.

Cap. 3 – As culturas nacionais como identidades imaginadas

Depois de descrever os conceitos de sujeito e de identidade na modernidade tardia e na pós-


modernidade, Hall coloca como o sujeito “fragmentado” resultante se coloca em termos de suas
identidades culturais.

A pergunta é: como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelos
processos de globalização (p.47)

Mundo moderno = onde nascemos = identidade cultural


Nos identificamos pela nacionalidade = metafórico

Hipótese de Hall = “as identidades nacionais são coisas com as quais nós nascemos, mas são
formadas e transformadas no interior da representação.” (p.48)

“a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de
representação cultural”. As pessoas não são apenas cidadãos legais, mas participam da ideia de
nação tal como representada em sua cultura nacional. Nação = comunidade simbólica. (p.49)

Culturas nacionais = distintivamente modernas

A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais,
generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação,
criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um
sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma
característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade. (p.49-50)

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos
e representações. Uma cultura nacional é um discurso - um modo de construir sentidos que
influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. (p.50)
Discurso da cultura nacional = ambiguidade entre o passado e o futuro

“As identidades nacionais representam precisamente o resultado da reunião dessas duas metades
da equação nacional - oferecendo tanto a condição de membro do estado-nação político quanto
uma identificação com a cultura nacional: "tornar a cultura e a esfera política congruentes" e fazer
com que ''culturas razoavelmente homogêneas, tenham, cada uma, seu próprio teto político"
(Gellner, 1983, p. 43). (p.58)

“Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos
de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para
representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional. Mas seria a identidade
nacional uma identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e subordina a diferença
cultural?” (p.59)

“Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo
um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são
atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo "unificadas" apenas através do
exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto....: como nas fantasias do eu "inteiro"
de que fala a psicanálise lacaniana - as identidades nacionais continuam a ser representadas como
unificadas.” (p.61-62)

Negação da ideia de nação como identidade cultural unificada

Identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do
jogo de poder

Quando discutimos se as identidades nacionais estão sendo deslocadas – devemos refletir o quanto
as culturas nacionais contribuem para “costurar todas as diferenças numa única identidade”. (p.65)

Cap. 4 – Globalização

O que está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do
século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência,
pode ser sintetizado sob o termo "globalização”. (p.67)

“Como argumenta Anthony McGrew (1992), a “globalização" se refere àqueles processos, atuantes
numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado" A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia
sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma
perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do
espaço" (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na
compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da
globalização a ter efeito sobre as identidades culturais. Eles são discutidos com mais detalhes no
que se segue.” P. 67-68

Três consequências da globalização (p.69):


• As identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da
homogeneização cultural e do "pós-moderno global".
• As identidades nacionais e outras identidades "locais" ou particularistas estão sendo reforçadas
pela resistência à globalização.
• As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades - híbridas - estão tomando seu
lugar.

“O que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade
é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de
representação. Todo meio de representação - escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização
através da arte ou dos sistemas de telecomunicação - deve traduzir seu objeto em dimensões
espaciais e temporais. (p. 70)

Em certa medida, o que está sendo discutido é a tensão entre o "'global" e o "local" na
transformação das identidades. As identidades nacionais, como vimos, representam vínculos a
lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam o que algumas vezes é chamado
de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento. (p.76)

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