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TEXTOS:
Sobre a obra:
Originalmente publicado na década de 1970. Faz um percurso da sociedade urbana do século XVIII
ao mundo em que vivemos agora, incluindo o declínio da participação na vida política nas últimas
décadas, Estudo sobre o desequilíbrio da civilização moderna, Sennet nos oferece uma perspectiva
fascinante sobre a relação entre a vida pública e o culto ao indivíduo e ao individualismo.
P.15 - Sennett resgata a época que o Império Romano entrou em decadência para começar a
falar do domínio público. Para ele, há como um paralelo entre a crise da sociedade Romana após a
morte de Augusto e a vida nos dias atuais, no que diz respeito ao equilíbrio entre a vida pública e a
vida privada.
À medida que findava a Época de Augusto, os romanos passaram a tratar a vida pública como
uma questão de obrigação formal, assim como nos dias de hoje, quando a vida pública também se
tornou questão de obrigação formal. Hoje, a maioria dos cidadãos aborda suas negociações com o
Estado com um espírito de aquiescência resignada, mas essa debilitação pública tem um alcance
muito mais amplo do que as transações políticas. Boas maneiras e intercâmbios rituais com
estranhos são considerados, na melhor das hipóteses, como formais e áridos, e, na pior, como
falsos. A própria pessoa estranha é uma figura ameaçadora, e muito poucos podem sentir um
grande prazer nesse mundo de estranhos, a cidade cosmopolita. Uma res publica representa, em
geral, aqueles vínculos de associação e compromisso público existentes entre as pessoas que não
estão unidas por laços de família ou associações íntimas: é o vínculo de uma multidão, de um povo,
de uma sociedade organizada. Como na época romana, a participação na res publica é hoje, na
maioria das vezes, uma questão de estar de acordo; e os fóruns para essa vida pública, como a
cidade e o estado, estão em estado de decadência.
P.16 - A diferença entre o passado romano e o presente moderno reside na alternativa, no
significado da privacidade, O romano privadamente buscava um outro princípio para contrapor ao
público, um princípio baseado na transcendência religiosa do mundo. Privadamente, buscamos não
tanto um princípio, mas uma reflexão, a saber, o que são nossas psiques, ou o que é autêntico em
nossos sentimentos. Temos tentado tornar o fato de estarmos em privacidade, a sós ou com a
família e amigos íntimos, como um fim em si mesmo.
P.17 - O advento da psicologia moderna e, em especial, da psicanálise, baseava-se na crença
de que, ao entender os procedimentos internos desse eu sui generis, desprovidos de idéias
transcendentes de mal ou de pecado, as pessoas poderiam libertar-se desses horrores e tornar-se
disponíveis para participarem, mais completa e racionalmente, de uma vida externa aos limites de
seus próprios desejos. Multidões de pessoas estão agora preocupadas, mais do que nunca, apenas
com as histórias de suas próprias vidas e com suas emoções particulares; esta preocupação tem
demonstrado ser mais uma armadilha do que uma libertação.
Como essa imaginação psicológica da vida tem conseqüências sociais amplas, Sennett a
chama por “Intimidade”.
P.18 - As sociedades ocidentais estão mudando a partir de algo semelhante a um estado
voltado para o outro para um tipo voltado para a interioridade – com a ressalva de que, em meio à
preocupação consigo mesmo, ninguém pode dizer o que há dentro. Como resultado, originou-se
uma confusão entre vida pública e vida íntima: as pessoas tratam em termos de sentimentos
pessoais os assuntos públicos, que somente poderiam ser adequadamente tratados por meio de
códigos de significação.
P.19 - Tenho tentado criar uma teoria da expressão em publico por meio de um processo de
interação entre história e teoria. As mudanças concretas do comportamento público, discurso,
vestuário e crença são usadas nesse livro como provas para elaboração de uma teoria sobre o que
seja a expressão na sociedade. Da mesma forma que a história sugere pistas para uma teoria, tentei
tomar como pistas as concepções abstratas obtidas como novas questões a serem formuladas ao
registro histórico.
P.19 - Nas últimas quatro gerações, o amor físico vem sendo redefinido, passando dos termos
do erotismo para os termos da sexualidade. O erotismo vitoriano envolvia relacionamentos sociais,
enquanto a sexualidade envolve a identidade pessoal. O erotismo significava que a expressão sexual
transpirava por meio de ações – de escolha, repressão, interação. A sexualidade não é uma ação,
mas um estado no qual o ato físico do amor decorre quase como uma conseqüência passiva, como
um resultado natural do sentimento de intimidade entre duas pessoas.
Sennett vai analisar alguns aspectos do amor nos dias de hoje: o narcisismo, as trocas de auto-
confissões, família buguesa.
Sennett retoma a história das palavras “público” e “privado” a partir início do seu uso em
inglês e francês, demonstrando que há um paralelismo entre ambas, tanto no nível do significado
quanto na época em que surgiram. P.32 - “(...) “público” veio a significar uma vida que se passa fora
da vida da família e dos amigos íntimos; na região pública, grupos sociais complexos e díspares
teriam que entrar em contato inelutavelmente. E o centro dessa vida pública era a capital”.
P.35 - Os traumas do capitalismo do séc. XIX levaram aqueles que detinham tais meios a se
protegerem de todas as maneiras possíveis contra os choques de uma ordem econômica que nem
vitoriosos nem vítimas se entendiam. Gradualmente, a vontade de controlar e de moldar a ordem
pública foi se desgastando, e as pessoas passaram a enfatizar mais o aspecto de se protegerem
contra ela. A família se constituiu num desses escudos. Durante o séc. XIX, a família vai se revelando
cada vez menos o centro de uma região particular, não pública, e cada vez mais como um refúgio
idealizado, um mundo exclusivo, com um valor moral mais elevado do que o domínio público. A
família burguesa tornou-se idealizada com a vida onde a ordem e a autoridade eram incontestadas,
onde a segurança da existência material poderia ser concomitante ao verdadeiro amor marital e as
transações entre membros da família não suportariam inspeções externas. (...) A privacidade e a
estabilidade pareciam estar unidas na família; é em face dessa ordem ideal que a legitimidade da
ordem pública será posta em questão.
P.37 - Quando uma sociedade se dedica ao princípio de que as coisas têm significações nelas
próprias, faz desse modo penetrar um profundo elemento de dúvida sobre si mesma no seu aparato
cognitivo, pois qualquer exercício de discriminação poderá ser um equívoco. É assim que surge uma
das maiores e mais enriquecedoras contradições do séc. XIX: mesmo quando as pessoas queriam
fugir, fechar-se num domínio privado, moralmente superior, temiam que classificar arbitrariamente
sua experiência em, digamos, dimensões públicas e privadas poderia ser uma cegueira auto-
inflingida.
P. 317 – A crença hoje predominante é que a aproximação entre pessoas é um bem moral. A
aspiração hoje predominante é de se desenvolver a personalidade individual através de experiências
de aproximação e de calor humano para com os outros. O mito hoje predominante é que os males
da sociedade podem ser todos entendidos como males da impessoalidade, da alienação e da frieza.
A soma desses três constitui uma ideologia da intimidade: relacionamentos sociais de qualquer tipo
são reais, críveis e autênticos, quanto mais próximos estiverem das preocupações interiores
psicológicas de cada pessoa. Esta ideologia transmuta categorias políticas em categorias
psicológicas. Essa ideologia da intimidade define o espírito humanitário de uma sociedade sem
deuses: o calor humano é o nosso deus. A história do surgimento e do declínio da cultura pública
faz com que, no mínimo, esse espírito humanitário seja posto em questão.
A crença na aproximação das pessoas como um bem moral é, em verdade, o produto de um
profundo deslocamento que o capitalismo e a credibilidade secular produziram no séc. XIX. Por
causa desse deslocamento, as pessoas procuraram encontrar significações pessoais em situações
impessoais, em objetos e nas próprias condições objetivas da sociedade.
P. 319 – Falar do fim da vida pública é primeiramente falar de uma conseqüência, extraída de
uma contradição na cultura do século passado. A personalidade empúblico era uma contradição em
termos: levada às últimas conseqüências, destruía o termo público. Por exemplo, tornara-se lógico,
para as pessoas, pensar que aqueles que poderiam ativamente expor suas emoções em público
fossem artistas, fossem políticos, eram homens de personalidade superior e especial. Tais homens
deveriam poder controlar, mais do que incluí-la em sua interação, a platéia diante da qual se
apresentavam. Gradualmente, a platéia perdeu o sentido de si mesma como força ativa: como
”público”. Uma vez mais, a personalidade em público destruía o público, tornando as pessoas
temerosas de traírem suas emoções involuntariamente diante dos outros. O resultado foi uma
tentativa cada vez maior de se retrair de todo o contato com os outros, de se proteger pelo silêncio,
até mesmo de parar de sentir a fim de não demonstrar sentimentos. O público ficou esvaziado das
pessoas que desejavam ser expressivas, quando os termos da expressão se deslocaram da
apresentação de uma máscara para a revelação da personalidade de alguém, do rosto de alguém,
atrás da máscara que esse alguém usa no mundo.
P. 320 - Falar do fim da vida pública é, em segundo lugar, falar de uma recusa. Recusamos ver
qualquer valor, qualquer dignidade, na repressão que o mundo vitoriano se impunha conforme a
confusão entre o comportamento público e a personalidade se tornava mais aguda. Tentamos ser
mais diretos, mais abertos e mais autênticos em nossas relações com os outros. Recusamos que
deva haver quaisquer barreiras de comunicação entre as pessoas. Esta idéia determinou a lógica de
toda a tecnologia de comunicação do séc. XX.
P. 321 - Os vitorianos lutaram contra a idéia do eu sem limites. (...) Nós apenas recusamos,
de várias maneiras, as limitações do eu. Mas recusar não é apagar: de fato, os problemas se tornam
ainda mais intratáveis, porque não estão mais sendo confrontados.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11ª.ed. Rio de Janeiro, DP&A, 2006 [1992].
(Cap. 3 e cap. 4)
Sobre o autor: (Kingston, 3 de fevereiro de 1932 — Londres, 10 de fevereiro de 2014) foi um teórico
cultural e sociólogo jamaicano que viveu e atuou no Reino Unido a partir de 1951. Hall, juntamente
com Richard Hoggart e Raymond Williams, foi uma das figuras fundadoras da escola de pensamento
que hoje é conhecida como Estudos Culturais britânicos ou a escola Birmingham dos Estudos
Culturais. Ele foi presidente da Associação Britânica de Sociologia entre 1995 e 1997.
Sobre a obra: O homem da sociedade moderna tinha uma identidade bem definida e localizada no
mundo social e cultural. Mas uma mudança estrutural está fragmentando e deslocando as
identidades culturais de classe, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade. Se antes estas
identidades eram sólidas localizações, nas quais os indivíduos se encaixavam socialmente, hoje
elas se encontram com fronteiras menos definidas que provocam no indivíduo uma crise de
identidade. O propósito deste livro é, portanto, explorar algumas das questões sobre a identidade
cultural da modernidade tardia e avaliar se existe mesmo essa "crise de identidade", em que ela
consiste e em que direção está indo. Ao desenvolver seus argumentos, Stuart Hall introduz certas
complexidades e examina alguns aspectos contraditórios que a noção de "descentração" do
sujeito, em sua forma mais simplificada, desconsidera.
A pergunta é: como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelos
processos de globalização (p.47)
Hipótese de Hall = “as identidades nacionais são coisas com as quais nós nascemos, mas são
formadas e transformadas no interior da representação.” (p.48)
“a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de
representação cultural”. As pessoas não são apenas cidadãos legais, mas participam da ideia de
nação tal como representada em sua cultura nacional. Nação = comunidade simbólica. (p.49)
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais,
generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação,
criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um
sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma
característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade. (p.49-50)
As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos
e representações. Uma cultura nacional é um discurso - um modo de construir sentidos que
influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. (p.50)
Discurso da cultura nacional = ambiguidade entre o passado e o futuro
“As identidades nacionais representam precisamente o resultado da reunião dessas duas metades
da equação nacional - oferecendo tanto a condição de membro do estado-nação político quanto
uma identificação com a cultura nacional: "tornar a cultura e a esfera política congruentes" e fazer
com que ''culturas razoavelmente homogêneas, tenham, cada uma, seu próprio teto político"
(Gellner, 1983, p. 43). (p.58)
“Para dizer de forma simples: não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos
de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para
representá-los todos como pertencendo à mesma e grande família nacional. Mas seria a identidade
nacional uma identidade unificadora desse tipo, uma identidade que anula e subordina a diferença
cultural?” (p.59)
“Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo
um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são
atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo "unificadas" apenas através do
exercício de diferentes formas de poder cultural. Entretanto....: como nas fantasias do eu "inteiro"
de que fala a psicanálise lacaniana - as identidades nacionais continuam a ser representadas como
unificadas.” (p.61-62)
Identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do
jogo de poder
Quando discutimos se as identidades nacionais estão sendo deslocadas – devemos refletir o quanto
as culturas nacionais contribuem para “costurar todas as diferenças numa única identidade”. (p.65)
Cap. 4 – Globalização
O que está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do
século XX? A resposta é: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência,
pode ser sintetizado sob o termo "globalização”. (p.67)
“Como argumenta Anthony McGrew (1992), a “globalização" se refere àqueles processos, atuantes
numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e
organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em
experiência, mais interconectado" A globalização implica um movimento de distanciamento da idéia
sociológica clássica da "sociedade" como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma
perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do
espaço" (Giddens, 1990, p. 64). Essas novas características temporais e espaciais, que resultam na
compressão de distâncias e de escalas temporais, estão entre os aspectos mais importantes da
globalização a ter efeito sobre as identidades culturais. Eles são discutidos com mais detalhes no
que se segue.” P. 67-68
“O que é importante para nosso argumento quanto ao impacto da globalização sobre a identidade
é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de
representação. Todo meio de representação - escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização
através da arte ou dos sistemas de telecomunicação - deve traduzir seu objeto em dimensões
espaciais e temporais. (p. 70)
Em certa medida, o que está sendo discutido é a tensão entre o "'global" e o "local" na
transformação das identidades. As identidades nacionais, como vimos, representam vínculos a
lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam o que algumas vezes é chamado
de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento. (p.76)